Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Resumo Este artigo tem por objetivo identificar os modos de atuação docente, considerando as diferentes áreas de conhecimento e os percalços à docência universitária, procedente da pesquisa “Os movimentos da docência superior: especificidades nas diferentes áreas do conhecimento e sua influência na atuação docente”. Constitui‐se resultado parcial, mediante análise do eixo temático Área do conhecimento acadêmico em ação da matriz guia norteadora das entrevistas narrativa. Foram selecionadas aleatoriamente dez entrevistas de docentes provenientes das Ciências da Saúde, Biológicas e Exatas e da Terra, estas interpretadas mediante a análise textual discursiva. Nesta análise, o olhar sobre as narrativas dos professores reportou‐nos a pluralidade do fazer docente no processo de ensino‐aprendizagem nas diferentes áreas do conhecimento, reforçando quão complexa é a tarefa de exercê‐la, e quanto as diferentes dimensões que determinam o fazer docente ao longo da trajetória profissional estão entrelaçadas, imbricadas no processo contínuo de se constituir docente universitário. Palavras‐chave: Movimentos da docência superior. Docência universitária. Atuação docente. Movimentos Pedagógicos da Vanessa Michelon Cocco Universidade Federal de Santa Maria [email protected] Silvia Maria de Aguiar Isaia UFSM/ UNIFRA [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia 1 Introdução Este artigo tem como premissa colocar em pauta a atuação de professores da educação superior tendo como conjetura as diferentes áreas de conhecimento específico. Constitui‐se em recorte da pesquisa Os movimentos da docência superior: especificidades nas diferentes áreas do conhecimento e sua influência na atuação docente, voltada para a investigação das especificidades destes movimentos, tendo em vista a área de conhecimento dos sujeitos envolvidos e sua atuação na docência. A pesquisa maior almeja investigar se as áreas específicas de conhecimento dos professores de uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública podem influir nos movimentos da docência universitária. Entende‐se por movimentos da docência superior, os momentos da trajetória de vida e de profissão do professor no entrelaçamento das dimensões pessoal, profissional e institucional bem como as transformações decorridas ao longo do tempo (ISAIA; BOLZAN, 2007a; 2007b). Inicialmente o estudo buscou as repercussões destes movimentos e sua relação com as áreas específicas de conhecimento e, com o progresso da investigação, delineou‐
se um novo estudo para definir/salientar quais as especificidades destes movimentos e quais as influências no modo de atuar destes professores. A partir da concepção de docência superior1 (ISAIA, 2006b), o modo de atuação da docência pode ser compreendido como todas as ações, atividades desenvolvidas pelo professor no exercício do magistério superior como elemento do processo formativo de futuros profissionais, envolvendo tanto as questões de cunho pedagógico como aquelas de ordem pessoal, uma vez que abarca aspectos éticos, motivacionais e afetivos. Assim, a partir do olhar voltado para a investigação inicial, este estudo se reporta a construção de uma análise parcial das entrevistas narrativas de professores das Ciências 1
Compreende as atividades desenvolvidas pelos professores, orientadas para a preparação de futuros profissionais, são regidas pelo mundo de vida e da profissão, alicerçadas não só em conhecimentos, saberes e fazeres, mas também em relações interpessoais e vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, o que indica o fato da atividade docente não se esgotar na dimensão técnica, mas remeter ao que de mais pessoal existe em cada professor (HUBERMAN, 1989; ISAIA, 1992, 2002; NÓVOA, 1992). A docência superior apoia‐
se na dinâmica da interação de diferentes processos que respaldam o modo como os professores concebem o conhecer, o fazer, o ensinar e o aprender, bem como o significado que dão a eles (ISAIA, S.). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia da Saúde, Ciências Biológicas e Ciências Exatas e da Terra, tendo como foco de análise os eixos: modos de atuação e as dificuldades encontradas na docência superior. A análise realizada parte das seguintes questões: Quais os modos de atuação docente, considerando as diferentes áreas de conhecimento? Quais as dificuldades encontradas pelos professores na docência universitária? Para tanto, buscamos alicerçar este estudo a partir de autores (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002; MASETTO, 2003), que consideramos pertinentes para a organização desta abordagem constituindo‐se em pressupostos para a docência universitária considerando as especificidades das áreas de conhecimento. 2 Pressupostos da docência universitária Neste capítulo, são brevemente apresentados alguns aspectos que se apresentam como fios condutores da docência superior, considerando os percursos trilhados pelos professores no exercício da docência, os conhecimentos e saberes agregados e os desafios para sua transposição no ser e fazer docente nas IES. Com relação aos movimentos da docência, são muitos os questionamentos, e algumas razões podem ser apontadas. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que os professores são postos como responsáveis pelo processo formativo de diferentes profissionais, voltados tanto para as profissões liberais quanto para a docência, sua formação docente tem sido pouco valorizada nas IES, confirmado pelos critérios exigidos para ingresso na carreira docente, como a titulação e a produção científica (ISAIA, 2003a, 2006a; ISAIA; BOLZAN, 2006; ZABALZA, 2004). Ainda, considera‐se o fato dos professores serem oriundos de diversificadas áreas do conhecimento e, possivelmente, articularem os saberes acadêmicos delas decorrentes pelo viés da especificidade epistemológica, o que torna importante a investigação de como estas condições repercutem nesses movimentos. Para a compreensão desses movimentos é importante considerar sua especificidade no contexto do conhecimento específico e do saber acadêmico, visto que ambos representam a base epistemológica na qual transita o ofício de ser professor. O caminho lógico do conhecimento específico entendido em sua vertente científica envolve X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia simultaneamente o processo de indagação, de questionamento e a consequente elaboração de respostas. Enquanto essas, desvinculadas das questões que lhe deram origem, podem configurar o saber acadêmico, que envolve a sistematização e estratificação do conhecimento científico, originando as matérias específicas dos diversos cursos desenvolvidos na universidade. Assim, tanto os saberes como o conhecimento podem ter origem nos mesmos problemas e partir das mesmas perguntas, entretanto, os saberes se apresentam como respostas prontas, muitas delas sistematizadas, e organizadas em sistemas de informação ou em conteúdos programáticos dos currículos acadêmicos (GAMBOA, 2009). Os saberes acadêmicos precisam ser problematizados na aula universitária, e este processo de problematização está na base da aprendizagem docente e discente, indicando a incompletude de ambos. A aprendizagem, seja qual for, é inata à natureza humana, visto que todos nascem na condição de aprendizes, e a diferença do que fazer com essa ferramenta humana vai depender de diversos fatores, exógenos e endógenos. Para constituir‐se como docente, o professor precisa antes de tudo aceitar que o processo de aprender é contínuo, se dará durante a vida e ao longo da trajetória profissional (ISAIA, 2007c). Contudo, a profissão professor envolve a noção de saber entendido em seu sentido amplo como aquele que “engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que, muitas vezes, foi chamado de saber, saber‐fazer e saber ‐ ser” (TARDIF, 2002; p.255). O corpo docente, na educação superior, ainda é recrutado entre aqueles profissionais considerados mais competentes na comunicação do conhecimento, graduados com mestrado ou doutorado, não sendo exigidas competências profissionais de um educador. A função continua sendo a do professor que vem para “ensinar aos que não sabem”. Entretanto, serão distintas destas as consequências da docência universitária quando sua ênfase se der no processo de aprendizagem, que corresponde a um “processo de crescimento e desenvolvimento de uma pessoa em sua totalidade, abarcando minimamente quatro grandes áreas: a do conhecimento, a do afetivo‐
emocional, a de habilidades e a de atitudes ou valores” (MASETTO, 2003; p. 37). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia A docência na universidade configura‐se como um processo de construção da identidade docente e tem por base os saberes da experiência, advindos do exercício profissional mediante o ensino dos saberes específicos das áreas de conhecimento. No entanto, a fim de que essa identidade se configure, há o desafio de pôr‐se, enquanto docente, em condições de proceder a análise crítica desses saberes da experiência, construídos nas práticas, confrontando‐os e ampliando‐os com base no campo teórico da educação, da pedagogia e do ensino, o que permitiria configurar uma identidade epistemológica decorrente de seus saberes científicos e os de ensinar (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Em consonância, D´Ávila (2009) refere que a didática geral é relevante no processo de construção da identidade e profissionalidade docentes, entretanto, estas, não podem destituir as didáticas específicas, pois estas carregam a singularidade enquanto conhecimento de iniciação e mediação. Para Shulman (1968, 1987, 1989) e Marcelo Garcia (1999) o fazer docente envolve três dimensões: a do conhecimento do conteúdo específico, ou seja, de conceitos básicos de uma área que implica no modo de entender seu processo de construção [conhecimento específico e saber acadêmico]; a do conhecimento pedagógico geral, que inclui metas e propósitos educacionais, de manejo de classe e interação com os alunos, de estratégias instrucionais, de como aprendem, de outros conteúdos, de conhecimento curricular e, ainda; a do conhecimento pedagógico do conteúdo, que integra tanto o conteúdo específico, quanto o pedagógico e envolve como o professor concebe os propósitos de ensinar uma matéria, o que é importante que os alunos aprendam, as possíveis concepções errôneas que eles apresentam em relação à matéria entre outros aspectos. Nestas três dimensões, mas de modo especial na primeira e na última, a área específica de conhecimento a qual o professor se vincula e os saberes acadêmicos dela resultantes, podem direcionar os movimentos da docência, isto é, como cada professor constitui seu modo de ser professor e, consequentemente, produz sua aula. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia 3 Construtos dos modos de atuação docente Tendo por base a pesquisa inicial que investiga as especificidades dos movimentos da docência em face das áreas de conhecimento e do modo como atuam, optou‐se por uma investigação qualitativa de cunho narrativo (CONNELLY; CLANDININ, 1995; McEWAN, 1998; BOLIVAR; DOMINGO e FERNÁNDEZ, 2001; GOODSON, 2004). A entrevista narrativa possibilita a emergência de acontecimentos que marcaram a vida pessoal e profissional do professor, que podem levar à auto‐reflexão, à significação e à transformação, à medida que o torna sujeito de sua própria história (HUBERMAN, 1998; McEWAN, 1998; ISAIA, 2005, 2008). Para identificar os modos de atuação e as dificuldades dos professores de diferentes áreas de conhecimento, foram selecionadas dez entrevistas narrativas de docentes provenientes de três áreas específicas de conhecimento conforme classificação do CNPq, Ciências da Saúde (Odontologia, Fisioterapia e Fonoaudiologia) (4 entrevistas), Ciências Exatas e da Terra (Matemática e Química) (4 entrevistas) e Ciências Biológicas (Biologia e Morfologia) (2 entrevistas). A análise destas três áreas de conhecimento deu‐
se em virtude da organização de um grupo de pesquisa em sub‐grupos, para sistematização dos quadros de análises a partir das entrevistas, sendo aleatoriamente destinado a área das Exatas, da Saúde e das Biológicas para o sub‐grupo 4, que constitui no recorte deste estudo. A coleta de dados partiu de uma matriz‐guia, construída previamente pelos pesquisadores. A fim de apresentar os modos de atuação docente nas diferentes áreas do conhecimento, partimos do terceiro eixo norteador da matriz guia, intitulado Área do conhecimento acadêmico em ação (Figura 1). Esse eixo originou‐se dos indicadores: aplicabilidade do conhecimento articulado no mundo do trabalho; forma de organizar o conhecimento acadêmico para a compreensão do aluno; estratégias utilizadas para esta compreensão. Optou‐se por incorporar na análise as dificuldades encontradas na docência superior entendendo que estas se constituem em elementos importantes no exercício da docência superior considerando professores sem formação pedagógica, sendo que estas dificuldades podem interferir diretamente no fazer do professor. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia Figura 1‐ Diagrama representativo do recorte realizado a partir da matriz guia. Aplicabilidade do conhecimento
articulado no mundo do trabalho
Demais eixos
norteadores
Matriz guia
Forma de organizar o
conhecimento acadêmico para a
compreensão do aluno
Área do
conhecimento
acadêmico em
ação
Estratégias utilizadas para esta
compreensão
Dificuldades encontradas na
docência superior (ensino,
planejamento, orientação,
pesquisa e extensão) de sua
área
Fonte: Elaborado a partir da Pesquisa A interpretação das narrativas dos professores foi realizada mediante a análise textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2007). Os passos para este tipo de análise são: 1º)Transcrição das narrativas orais expressas nos encontros; 2º) Unitarização de termos ou desmontagem dos textos; 3º) Categorização; e 4º) Produção do metatexto. 4 Pluralidade do fazer docente no processo de ensino‐aprendizagem nas diferentes áreas de conhecimentos e os percalços da docência superior A análise dos achados das entrevistas narrativas levou a organização de duas dimensões de análise: a pluralidade do fazer docente no processo de ensino‐aprendizagem e os percalços à docência universitária. Compreende‐se a pluralidade do fazer docente como diferentes iniciativas de cunho organizacional, metodológico que articula os saberes docentes específicos e suas intervenções didáticas nos diferentes momentos do fazer do professor. Denota a circularidade dos modos de atuação dos professores mediante sua constituição a partir das elaborações e [re] elaborações, construções e [re] construções advindas de sua trajetória profissional articuladas com o contexto real de trabalho. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia Advém das distintas atividades, atuações dos professores que representam tanto os métodos, técnicas, bem como abarca aspectos organizacionais dessas estratégias, na medida em que apõem aos seus ditos os aspectos de formação profissional contextualizada com o mundo de vida e de profissão da pessoa. O Quadro 1 apresenta os modos de atuação dos professores da Saúde, das Exatas e das Biológicas. Quadro 1‐ Modos de atuação docente nas diferentes áreas do conhecimento Áreas Eixo de Ciências da Saúde análise Pluralidade do fazer docente no processo de ensino‐
aprendizagem Ciências Exatas e da Terra Ciências Biológicas ‐ Articulação teoria e ‐ Articulação com o prática (exercício mundo do trabalho; profissional); ‐ Organização do ‐ Satisfação com a conhecimento para profissão como aprendizagem do aluno elemento motivador como um processo: do na docência; geral para o específico; do simples para o ‐ Uso de situação‐
complexo; através da problema (casos sequência lógica e clínicos); intuitiva a partir do ‐ Aulas expositivas; conhecimento agregado; ‐ Seminários; ‐ Articulação prática; teoria‐
‐ Domínio dos conhecimentos básicos / específicos da sua área na aplicação ao mundo do trabalho; ‐ Organização em níveis de complexidade/aprofundamento do conhecimento (Graduação/ Pós‐Graduação); ‐ Uso de leituras pelo professor para atualização e aprimoramento; ‐ Retomada de conteúdo da aula anterior; ‐Relato de vivências ‐ Uso de casos clínicos; pessoais na atuação ‐ Aulas Expositivas / profissional. ‐ Incentivo à leitura; expositivas dialogadas; ‐ Exercício de repetição ‐ Provas (teórica); para compreensão do ‐ Aula prática em laboratório; conteúdo: ‐ ‐ Projetos de pesquisa ‐ Atividades de ‐ Construção de livros a partir recuperação de ensino; da prática; ‐ Relatórios diários e/ou semanais (estímulo à ‐ Uso de Tecnologias da informação e comunicação e escrita/síntese); uso de Filmes. ‐ Resolução de problemas. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia O quadro 1 sistematiza o eixo de análise Pluralidade do fazer docente no processo de ensino‐aprendizagem com os indicadores que emergiram da análise das entrevistas. É possível constatar que os professores apresentam modos de atuação articulados com o mundo do trabalho, envolvendo densamente a dimensão técnica do ensino na medida em que se reportam a metodologias específicas e estratégias didáticas como modos de atuação. Os professores acenam para seus fazeres pensando em como organizam as aulas para o ensino de um conteúdo específico, ou seja, ensinar uma profissão. Este fato pode ser observado nas três áreas de conhecimento, através das falas que seguem. (...) se vou dar aula (...) na farmácia, tento buscar concentração de fármaco, exemplos dentro daquele conceito matemático, ligado à área em que eles vão atuar. (Prof. Ciências Exatas e da Terra) Como nossas aulas práticas são com atendimento de pacientes, a maioria dos nossos acadêmicos vão trabalhar como cirurgião dentista (...) transpor o conhecimento para o exercício profissional, porque a nossa aula prática já é o exercício profissional. (Prof. Ciências da Saúde) (...) fazer experimentos microscópicos com garrafas pet e, eu tenho já dois, três livros só de práticas que a gente faz (...). Temos uma oficina só para preparar esse tipo de material. (...) usar desde equipamentos mais sofisticados possíveis e (...) tentar construir. (Prof. Ciências Biológicas) Embora os docentes façam uso de distintos modos e estratégias de organização do conhecimento da sua área e tenham a preocupação com o processo de aprendizagem ‐ mais clara e evidente nas áreas das Ciências Exatas e da Terra e Ciências Biológicas‐ e compreensão do mesmo pelo aluno, aparentemente neste eixo suas falas não abordam a dimensão humana da formação. Nota‐se que o processo do fazer docente está diretamente relacionado à futura prática profissional do aluno, direcionando mais atenção para que se tornem sujeitos aptos ao exercício técnico que sua área de conhecimento específica propõe. Anastasiou e Alves (2004) ressalvam que as estratégias são empregadas à consecução de objetivos, logo se faz necessário ter clareza aonde se busca chegar com o processo de ensinagem, além do que seus objetivos devem estar muito claros para os envolvidos nesse processo. Para intitular‐se como professor universitário pressupõe‐se dominar o seu campo específico de conhecimento. No entanto, esse domínio significa mais do que uma apropriação enciclopédica, pois exige do docente, antes de tudo, refletir sobre o significado que os conhecimentos assumem para si e para a sociedade contemporânea; X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia exige saber diferenciar conhecimentos de informações, saber qual a função do conhecimento no mundo do trabalho e sua relação com o conhecimento das outras ciências. Exige indagar‐se para que ensiná‐los e que significados têm na vida dos alunos dos quais serão professores (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Neste sentido destaca‐se na fala do professor das Ciências Biológicas, que mesmo ministrando disciplinas do início do curso mostra preocupação com a formação pedagógica de seus alunos que serão futuros professores, quando menciona: “A formação pedagógica também deve ser trabalhada, quando um conteúdo específico está sendo trabalhado, qual é a profundidade desse conteúdo”. Ao mesmo tempo em que o professor ensina, ele também aprende com seus discentes, ao adotar uma posição de abertura. Precisa estar ciente da sua responsabilidade no processo formativo do desenvolvimento dos alunos, o que não significa que deve ser um aprendizado generalizado, mas concreto a partir do contexto do professor. Nesse processo é necessário conhecimento específico da área disciplinar e os modos de construção de estratégias pedagógicas para desenvolver as atividades de estudo a serem praticadas, que compreendem elementos fundamentais no processo de construir‐se como docente e aprender a docência (ISAIA e BOLZAN, 2006; ISAIA e BOLZAN, 2007a, 2007b). Analisando as narrativas dos professores das áreas das Ciências da Saúde e a área das Exatas e da Terra, é possível vislumbrar que os docentes de ambas, atuam procurando relacionar os conhecimentos teóricos específicos de sua área com suas vivências práticas no exercício profissional. Deste modo, os docentes utilizam‐se de suas experiências na tentativa de motivar, trazer a atenção dos alunos para os aspectos práticos da profissão, facilitar a compreensão do conteúdo, como se exemplifica nos excertos que seguem. (...) na disciplina lá do primeiro semestre, que é a de política e saúde, todas as leis do SUS, (...) o ministério disponibiliza (...) mas para trazer isto eu levo com a vivência, olha gente eu estive no Conselho de Saúde, portanto lá foi visto isso e isto. (Prof. Ciências da Saúde) X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia Eu tenho ali uma ferramenta muito grande, eu jogo tudo o que eu vivo todo dia, e jogo na sala de aula com a maior facilidade. Os alunos sentem atração pela aula (...). (Prof. Ciências Exatas e da Terra) No exercício da docência, cabe ao professor usar de meios, como a articulação entre a realidade concreta e o grupo de alunos, para provocar, despertar, vincular e sensibilizar os mesmos em relação ao objeto de conhecimento, instigando seu interesse e atenção durante todo o processo (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Concordando com os autores citados, que o ensino aprendizagem deve ser trabalhado como um processo, observou‐se na análise uma preocupação bem maior dos professores da Ciências Exatas e da Terra e da Ciências Biológicas com o aprendizado construído como um “processo evolutivo”, organizado em níveis de complexidade, nos diferentes níveis de ensino, seja ele durante a formação num curso de graduação ou na pós‐graduação. Esses modos de atuação dos docentes são constantemente influenciados pelos percalços encontrados no exercício da docência (Quadro 2), que sinalizam para adaptações e reformulações nos modos do fazer docente. As dificuldades, assim apontadas nas entrevistas narrativas, apresentam‐se sob duas dimensões, uma que remete à carência e/ou ausência de condições estruturais do ambiente e a outra aos entraves inerentes à dimensão humana, tanto do aluno como do próprio docente. Quadro 2‐ Dificuldades no exercício da docência superior Áreas Ciências da Saúde Eixo de análise Dimensão estrutural Percalços à Docência Universitária Dimensão * Não pontuada ‐ Espaço físico pelos docentes; inapropriado (salas, laboratórios); ‐ Falta de recursos materiais (equipamentos de audiovisual, livros, rede internet); ‐ Perfil do aluno ingressante: (des) motivação; falta de interesse; imaturidade. ‐ Perfil do aluno ingressante: (des) motivação do aluno; falta de interesse; interesse na nota; X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. Ciências Biológicas Ciências Exatas e da Terra ‐ Sobrecarga de trabalho (acúmulo de atividades no ensino, na pesquisa e na extensão); ‐ Perfil do aluno: (desinteresse, imaturidade, desmotivação, p.11
humana ‐ Fragmentação da imaturidade; nível de área de conhecimento ou conhecimento. pré‐requisitos insuficientes; ‐ Ausência de formação ‐ Evasão dos Cursos. pedagógica. X Anped Sul
Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia falta de responsabilidade e comprometimento); ‐ Mau uso da tecnologia disponível; ‐Falta de conhecimento prévio dos alunos (Educação Básica); ‐ Falta de formação pedagógica. São ressaltadas nas entrevistas, a dificuldade enfrentada pelos docentes do ensino superior com o perfil apresentado pelo aluno ingressante. Os professores reforçam como recorrente e crescente a parcela de alunos que se mostram imaturos para adentrar na carreira profissional, o que contribui para a grande evasão escolar em alguns cursos, conforme elucidam os excertos. O perfil dos alunos mudou (...) não querem tomar as rédeas da construção de conhecimento, de vida. São muito filhos ainda, no sentido de dependência. (...) Tudo que envolve o trabalho pessoal do aluno ele acha difícil. (Prof. Ciências da Saúde) O estudante hoje em dia não está fácil. Eles não estão nem aí (...). Eles não têm interesse, eles estão cada vez mais imaturos, eles não se concentram em sala de aula (...). (Prof. Ciências Exatas e da Terra) (...) a gente tem recebido uma parcela de alunos com relação a maturidade que não sabem exatamente o que querem. Há alguns anos atrás nós tínhamos um grupo de aluno mais homogêneo, mais focado. (Prof. Ciências Biológicas) Ao exercer a docência no ensino superior, o professor depara‐se geralmente com um corpo discente cada vez mais jovem, e na grande maioria das vezes, as características desses jovens não são seu objeto de preocupação inicial, pois já os vislumbram como futuros profissionais da área e esperam deles um perfil para tal. Além disso, ao deparar‐se com esses jovens alunos, relembra o seu tempo de jovem universitário, ou de seu grupo daquele período. E, muitas vezes, são esses pressupostos que o faz decepcionar‐se com as manifestações dos alunos (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.12
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia Além do mais, desenvolver, por parte do professor e do aluno, uma relação entre adultos pode parecer algo utópico, visto que para muitos docentes, esses jovens alunos são praticamente adolescentes e como tais um tanto irresponsáveis (MASETTO, 2003). Ainda na dimensão humana, um percalço apontado, embora apenas em duas das dez entrevistas analisadas, merece destaque, visto ser um aspecto determinante no modo de atuar na docência superior. Remete à ausência de formação pedagógica e/ou sua ineficiência nos programas de pós‐graduação interferindo nos modos do ser e do fazer docente, conforme denotam os excertos: A formação como dentista não dá muito suporte para a docência. A maior dificuldade é ser docente mesmo. (Prof. Ciências da Saúde) Minha própria trajetória docente está em tentar criar jeitos de fazer essa transposição. (Prof. Ciências Biológicas) A situação apontada acima é preocupante, e nos leva a alguns questionamentos: Por que somente dois professores demonstraram preocupação com uma questão tão importante, como constituir‐se um professor do ensino superior? Qual será a percepção dos outros oito docentes? Será que pensam sobre o seu fazer docente e todo o processo de ensino‐aprendizagem que produzem? E também, não menos inquietante, é a possível apresentação aqui, de um diagnóstico de carências e fragilidades nos programas de pós‐
graduação quanto à preparação e orientação ao exercício da docência. Em suma, tanto essa questão, como o apontamento do perfil do aluno como percalços à docência, são pontos que merecem ser melhor estudados, refletidos, discutidos e trabalhados vislumbrando uma educação superior de qualidade. Com base nas análises realizadas constatamos que os docentes da instituição de ensino superior, em sua grande maioria, embora muitos com experiência em suas áreas específicas mostram‐se desprovidos de conhecimento do que seja exatamente o processo de ensino e de aprendizagem, pelo qual passam a coordenar no momento que ingressam na docência universitária (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Por fim, após análise deste pequeno, mas importante recorte da grande pesquisa que vem sendo desenvolvida pode‐se afirmar que a docência universitária é uma complexa tarefa de ser exercida; as diferentes dimensões que determinam o fazer X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.13
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Docência Universitária: implicações da pluralidade do fazer docente Vanessa Michelon Cocco ‐ Silvia Maria de Aguiar Isaia docente no cotidiano e ao longo de uma trajetória profissional estão entrelaçadas, imbricadas no processo contínuo de inícios, rupturas e (re) inícios do ser docente universitário. Sendo assim, é notória a necessidade da continuidade e do aprofundamento nas pesquisas que envolvem tema tão relevante. 5 Referências ANASTASIOU, L. das G. C.; ALVES, L. P. Estratégias de ensinagem. In: ANASTASIOU, L. das G. C.; ALVES, L. P. (Orgs.). Processos de ensinagem na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3. ed. Joinville: Univille, 2004. BOLÍVAR, A.; DOMINGO, J.; FERNÁNDEZ, M. La investigación biográfica‐narrativa em educación. Madrid: La Muralla,2001 CONNELLY y CLANDININ. Relatos de experiência e investigación narrativa. In: LARROSA; ARNAUS; FERRER et al. Déjame que te cuente. Barcelona: Alertes, 1995. D´ÁVILA, C. Aprendiz de professor: a importância da abordagem experiencial na construção identitária docente. in: D´ÁVILA, C. (org.). Ser professor na Contemporaneidade: Desafios, ludicidade e protagonismo. Curitiba: CRV. 2009. GAMBOA, S. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.4, n.1, p.9‐19, jan.‐jun. 2009. Disponível em <http://www.periodicos.uepg.br> GARCIA, M. Formación del professorado para el cambio educativo. Barcelona: EUB, 1999. GOODSON, I. Profesorado e historias de vida: um campo de investigación emergente. In: GOODSON, I (ed). Historias de vida del profesorado. Barcelona: OCTAEDRO, 2004, p.45‐62. HUBERMAN, M. La vie des enseignants. Évolutionetbiland’une profession. Paris/Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1989. ______. Trabajando con narrativas biográficas. In: McEWAN, Hunter; EGAN, Kieran (Comps.). La narrativa en la enseñanza el aprendizaje y la investigación. Buenos Aires: Amorrortu, 1998. p. 183‐235. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.14
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