R. Bras. Zootec., v.27, n.2, p.362-369, 1998 Padrões Nectemerais do Comportamento Ingestivo de Ovinos Vivian Fischer1, Armand Gerard Deswysen 2, Lionel Dèspres 2, Pierre Dutilleul 3, José Fernando Piva Lobato4 RESUMO - Os padrões nectemerais do comportamento ingestivo de ovinos foram avaliados durante seis meses, de outubro a abril, na Bélgica. Os ovinos estabulados receberam feno à vontade, às 9 e 16 h. A análise espectral dos tempos de mastigação a cada 15 minutos foi realizada usando a transformação finita de Fourier, permitindo a decomposição das séries temporais com 96 observações em 48 freqüências. Durante os seis períodos de observação, a distribuição nectemeral dos tempos de ingestão ou ruminação dos ovinos seguiu principalmente periodicidades de 24, 8 e 6 horas. O consumo dos ovinos tendeu a ser positivamente relacionado à importância relativa da periodicidade de 3,4 horas, para o tempo gasto ingerindo, e foi negativamente relacionado à importância relativa da periodicidade de 24 horas, para o tempo gasto ruminando. Os ovinos com maior consumo voluntário tenderam a distribuir mais consistentemente seu tempo de ingestão durante o dia. Palavras-chave: comportamento ingestivo, fotoperíodo, ovinos, padrões nectemerais Nycterohemeral Patterns of Ingestive Behavior of Sheep ABSTRACT - Nycterohemeral patterns of sheep ingestive behavior were evaluated for six months, from October to April, in Belgium. Sheeps were maintained indoors and fed hay ad libitum, at 9 h and 16 h. Spectral analysis of the time series of chewing time every 15 minutes was performed using the finite Fourier transformation, allowing the decomposition of 96 times series into 48 frequencies. During the six periods of observation, the nycterohemeral distribution of eating or ruminating time of the sheep followed mainly periodicity of 24, 8 and 6 hours. The intake of sheep tended to be positively related to the relative importance of a 3,4-hours periodicity for the spent eating time and it was negatively related to the relative importance of a 24-hours periodicity for the spent ruminating time. Sheep with larger voluntary intake tended to distribute consistently their ingestion time during the day. Key Words: ingestive behavior, photoperiod, sheep, nycterohemeral patterns Introdução Os ruminantes, mantidos em estábulo e com alimentação à vontade durante todo o dia, apresentam um número entre 3 e 10 de refeições durante o período diurno, com dois picos de atividade: no início e no final deste período (DULPHY e FAVERDIN, 1987). Entretanto, as atividades ingestivas são ritmadas pela distribuição da ração, que estimula o animal a comer (PUTNAM et al., 1967; CHASE et al., 1976; ZINN et al., 1983). Quando o alimento é distribuído duas vezes ao dia, as refeições que se seguem à distribuição do alimento são as mais importantes e duram de 1 a 3 horas cada. Os períodos de tempo gastos com a ingestão de alimentos são intercalados com um ou mais períodos de ruminação ou de descanso. O tempo gasto a ruminar é mais elevado à noite, mas os períodos de ruminação são ritmados também pela distribuição dos alimentos (GORDON e Mc ALLISTER, 1970; JASTER e MURPHY, 1983). Entretanto, existem diferenças entre indivíduos quanto à duração e repartição das atividades de ingestão e ruminação, que parecem estar relacionadas com o apetite dos animais, as diferenças anatômicas (DULPHY e FAVERDIN, 1987; DESWYSEN et al., 1989; 1993) e a distribuição temporal do consumo de alimentos e da cinética digestiva (CORBETT e PICKERING, 1983). O fotoperíodo pode modificar o padrão das atividades ingestivas. Novilhas submetidas a regimes de luz de 16 horas apresentaram maior número de atividades ingestivas que animais submetidos a 8 horas de luz. As novilhas submetidas ao fotoperíodo curto aumentaram a sua atividade ingestiva 1 a 2 horas 1Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas - 96010-900 - Pelotas, RS, Brasil. 2Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Católica de Louvain, 1348, Bélgica. 3Faculdade de Ciências Agronômicas e do Ambiente, Universidade McGill, Quebec, H9V 3V9, Canadá. 4 Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. 363 FISCHER et al. antes do início do período de luz, enquanto as novilhas períodos consecutivos de 28 dias. Foram usados nove submetidas ao fotoperíodo longo somente iniciaram ovinos cruza 1/2 Texel e 1/2 Ile de France (três suas atividades ingestivas durante o período de luz machos e seis fêmeas), com peso médio de 47,9 + 9,8 (ZINN et al., 1983). Outros autores observaram que kg. Em cada período experimental, os animais eram os animais mantidos sob fotoperíodos naturais apremantidos em baias individuais, durante os primeiros sentaram alterações no horário de início das refeições 11 dias, e gaiolas metabólicas, durante os 17 dias principais em pastagem (FORBES, 1986; PENNING restantes. As medidas eram realizadas durante os et al., 1991), ou estabulados (PUTNAM e DAVIS, últimos 10 dias. Os ovinos foram mantidos sob ilumi1963; PUTNAM et al., 1967). nação contínua (natural + artificial). A maioria dos trabalhos não apresentam uma A dieta consistiu de 250 g de uma mistura concenanálise quantitativa da distribuição do tempo trada peletizada (15,45% PB e 36,54% FDN) e feno despendido nas atividades ingestivas. No entanto, de azevém perene à vontade, fornecido duas vezes ao esta análise permite a identificação das diferentes dia, às 9 e 16 h. periodicidades com que as atividades ingestivas ocorO comportamento ingestivo foi registrado contirem, durante determinado intervalo de tempo, e dos nuamente, durante cinco dias por período. O método fatores que as afetaram. empregado foi descrito por RUCKEBUSH (1963). A análise da distribuição temporal destas atividaOs movimentos mandibulares foram percebidos atrades utiliza a transformação finita de Fourier (TFF) e vés de um balão de borracha preenchido com espuma, a análise dos periodogramas, permitindo, respectivacolocado sob o maxilar e preso à cabeça do animal por mente, a avaliação das diferenças entre os níveis dos meio de arreios. As diferenças de pressão decorrentes fatores estudados, no âmbito das freqüências foram registradas num fisiógrafo. Pela leitura dos (BRILLINGER, 1973), e a detecção de sinais periótraços sobre o papel previamente escurecido com dicos. Quanto maior a amplitude de uma função fuligem, os tempos de ingestão e ruminação foram coseno ajustada a uma série temporal pelo método dos obtidos. Embora as medidas fossem feitas continuaquadrados mínimos, maior será o valor do mente, as informações sobre os tempos gastos ingeperiodograma na freqüência correspondente rindo e ruminando foram agrupadas em períodos de (DUTILLEUL, 1990). 15 minutos. A natureza periódica do comportamento ingestivo O delineamento experimental adotado neste estupode ser descrita pela sua amplitude (= freqüência do foi o de medidas repetidas sobre os mesmos aniangular ou no de ciclos) e pelas diferenças de fase mais durante os seis períodos experimentais. (MURPHY et al., 1983). O número inteiro de ciclos a A decomposição espectral das séries temporais cada 24 horas, também referido como componente de dos tempos gastos ingerindo e ruminando a cada 15 ritmo, é utilizado na descrição da ritmicidade. A defasaminutos em um número inteiro de ciclos a cada 24 gem dos picos de máxima atividade ingestiva ou de horas, referidos como componente de ritmo, que foi ruminação em relação ao momento inicial do ciclo (fixado realizada usando TFF, avaliou os efeitos dos ovinos como o horário do primeiro arraçoamento ou do início dos individualmente e dos períodos de medida, em cada registros do comportamento ingestivo) é fornecida pelos freqüência considerada. diagramas de fase (DESWYSEN et al., 1989). Foi realizada a análise da variância dos valores de Considerando que, normalmente, os experimenTFF, dos periodogramas e diagramas de fase. Estas tos com ovinos são realizados ou repetidos em períoanálises basearam-se em expressões matemáticas e dos distintos do ano, que podem possuir diferentes modelos semelhantes aos descritos por DESWYSEN durações do período diurno, o objetivo do presente et al. (1989), com os aperfeiçoamentos realizados por trabalho foi avaliar o efeito dos diferentes períodos de DUTILLEUL (1990). Essas análises foram realizamedida e das variações interindividuais, sobre os padas usando-se os procedimentos GLM do SAS (1989) drões nectemerais do comportamento ingestivo de ovie SPECTRA do SAS (1988a). As comparações entre nos, e estabelecer a sua relação com o consumo voluntário. os valores de TFF entre animais e períodos, nas freqüências consideradas significativas, foram Material e Métodos efetuadas por meio de contrastes, usando o procedimento GLM do SAS (1989). A importância relativa O experimento foi conduzido na Bélgica, no período dos componentes do ritmo, em relação à dispersão de outubro de 1992 a abril de 1993, e consistiu de seis total das séries temporais, foi calculada como uma 364 R.Bras.Zootec. proporção entre o seu valor do periodograma e o valor total do periodograma (a soma dos valores de todos os componentes de ritmo), os quais foram relacionados ao consumo voluntário, usando-se o coeficiente de correlação de Pearson, calculado pelo procedimento CORR do SAS (1988b). 17 h (Figura 1), confirmando o efeito positivo da distribuição de ração no início das refeições, observado por CHASE et al. (1976), JASTER e MURPHY (1983), e a concentração da atividade ingestiva durante o período diurno, como verificado por PUTNAM e DAVIS (1963), RAY e ROUBICEK (1971). Também são observados diversos picos de atividade ingestiva com duração inferior a 5 minutos/15 minutos, entre 11 e 15 h e 19 e 3 h. A análise de variância da transformação finita de Fourier das séries de proporções do tempo gasto ingerindo e ruminando indicaram a ocorrência de interações significativas entre animais e períodos, respectivamente, nos componentes de ritmo 0, 1, 2, 5, 8, 9, 11 e 0, 1, 2, 4, 5, 9, 11, 12 (Tabela 1). A existência destas interações significa que as diferenças dos valores de periodograma ou de fase observada entre os animais foram variáveis, dependendo do período em que o comportamento ingestivo foi medido, sugerindo cautela na apreciação dos efeitos dos períodos de medida e dos ovinos, nestas freqüências. A análise de variância da transformação finita de Fourier das séries de proporções do tempo gasto ingerindo e ruminando indicou que o efeito período foi significativo (P<0,05), respectivamente, nos componentes de ritmo 0, 1, 3, 4, 5, 7 e 0, 1, 2, 3, 4, cuja Resultados e Discussão A distribuição do tempo, a cada quarto de hora, gasto ingerindo e ruminando nos seis períodos de medidas é apresentada nas Figuras 1 e 3. Os resultados da análise de variância da média diária da proporção do tempo gasto ingerindo ou ruminando a cada 15 minutos (componente do ritmo=0) e dos componentes de ritmo 1 a 48 estão resumidos na Tabela 1. Os periodogramas do tempo gasto ingerindo e ruminando nos seis períodos estão apresentados, respectivamente, nas Figuras 2 e 4. Um limite mínimo de importância, equivalente a 10% do valor total da dispersão das séries de tempo de atividade ingestiva, foi calculado para os períodos e indicado por uma linha descontínua nas Figuras 2 e 4. A atividade de ingestão concentrou-se principalmente em torno dos dois horários de distribuição da ração, entre 9 e 10 h, e posteriormente, entre 15h30 e Tabela 1 - Análise da variância da média a cada quarto de hora das proporções de tempo gasto ingerindo ou ruminando (minutos/ 15 minutos) e da transformação finita de Fourier (TFF) para cada componente de ritmo Table 1 - Variance analysis of the mean at every quarter of hour of the proportions of the spent eating or ruminating time (minutes/15 minutes) and of the finite Fourier transformation for each rhythm component (P-values) Item Tempo de ingestão Tempo de ruminação Eating time No de ciclos/24 h N. of cycles/24 h 01 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 48 Período (P) Ovinos (O) Period (P) Sheep (S) 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001 0,006 0,001 0,001 0,021 0,001 0,014 0,001 0,001 0,001 0,004 0,126 0,002 0,011 0,001 0,001 0,001 0,002 0,085 0,030 0,172 0,011 0,001 0,003 0,138 0,001 0,002 0,125 0,625 0,025 0,213 0,924 0,577 0,458 Ruminating time PxO 0,001 0,001 0,001 0,374 0,144 0,004 0,616 0,547 0,023 0,011 0,548 0,017 0,346 0,225 0,387 0,397 0,296 0,881 0,923 0,714 1 Média diária da proporção horária do tempo gasto ingerindo ou ruminando. 1 Daily mean hourly proportions of the spent eating or ruminating time. Período (P) Ovinos (O) Period (P) Sheep (S) PxO PxS 0,002 0,001 0,029 0,001 0,001 0,036 0,002 0,119 0,012 0,001 0,394 0,351 0,386 0,417 0,231 0,303 0,261 0,486 0,997 0,597 0,001 0,001 0,001 0,001 0,037 0,041 0,077 0,006 0,444 0,001 0,059 0,093 0,918 0,083 0,537 0,251 0,419 0,591 0,459 0,001 0,001 0,001 0,001 0,126 0,007 0,003 0,569 0,256 0,218 0,032 0,251 0,036 0,039 0,328 0,594 0,418 0,748 0,729 0,954 0,240 FISCHER et al. Figura 2 - Periodograma das proporções do tempo de ingestão (min/h) 2 durante o dia, para os seis períodos de medida: outubro (1), novembro (2), dezembro (3), janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6). A linha tracejada indica o limite mínimo de importância do periodograma calculado como 10% da dispersão total média para os seis períodos de medida. Figure 2 - Periodogram of proportions of time spent eating (min/15 min) duringthedayforthesixperiodsofmeasurements:October(1), November (2), December (3), January (4), February (5), March/April (6). The discontinous line indicates a minimal thresholdofperiodogramimportancecalculatedas10%ofthe total mean dispersion for the six periods of measurements. Figura 4 - Periodogramadasproporçõesdotempoderuminação (min/h) 2 durante o dia, para os seis períodos de medida: outubro (1), novembro (2), dezembro (3), janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6). A linha tracejada indica o limite mínimo de importância do periodograma calculado como 10% da dispersão total média para os seis períodos de medida. Figure 4 - Periodogram of proportions of time spent ruminating (min/15 min) during the day for the six periods of measurements: October(1),November(2),December(3),January(4),February (5), March/April (6). The discontinous line indicates a minimal threshold of periodogram importance calculated as 10% of the total mean dispersion for the six periods of measurements. Figura 1 - Proporções do tempo de ingestão (min/15 min) durante o dia, para os seis períodos de medida: outubro (1), novembro (2), dezembro (3), janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6). Figure 1 - Proportionsofeatingtime(min/15min)duringthedayforthesix periods of measurements: October (1), November (2), December (3), January (4), February (5), March/April (6). Figura 3 - Proporções do tempo de ruminação (min/15 min) durante o dia, para os seis períodos de medida: outubro (1), novembro (2), dezembro (3), janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6). Figure 3 - Proportions of ruminating time (min/15 min) during the day for the six periods of measurements: October (1), November (2), December (3), January (4), February (5), March/April (6). 365 366 R.Bras.Zootec. importância na explicação da dispersão das séries temporais foi acima de 10% (Tabela 1). A análise dos periodogramas e diagramas de fase mostrou que ambos os parâmetros amplitude e fase foram parcialmente responsáveis pelas diferenças dos valores da TFF entre os períodos . A análise do periodograma mostrou diferenças de amplitude entre os períodos de medida nas freqüências de 1, 3, 4 e 7 ciclos/24 horas. No mês de março/ abril, a distribuição nictemeral do tempo gasto ingerindo apresentou maior amplitude que em janeiro, nas freqüências 3, 4 e 7 ciclos/24 horas (Figura 2), provavelmente porque, em março/abril, os ovinos apresentaram maior tempo de ingestão durante a segunda refeição principal e menor tempo de ingestão durante a noite, em relação a janeiro, além de maior atividade ingestiva secundária espaçada de 3 a 4 horas (Figura 1). A dispersão do padrão nectemeral do tempo gasto ingerindo durante os meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março/abril foi melhor descrita pelo componente de ritmo 1 (respectivamente, 16, 14, 12, 17, 21 e 11%), ritmo 3 (respectivamente, 21, 12, 13, 7, 11 e 18%), ritmo 4 (respectivamente, 18, 21, 24, 13, 18 e 22%) e menos extensamente pelo componente de ritmo 7 (respectivamente, 9, 10, 10, 14, 5 e 15% da dispersão total das séries de 24 horas de tempo de ingestão). Em média, essas freqüências explicaram conjuntamente 55% da variação total da distribuição do tempo gasto ingerindo. O horário de arraçoamento adotado, às 9 h e 16 h, pode explicar parcialmente a maior importância relativa dos componentes de ritmo 3 e 4. O intervalo de tempo entre as refeições foi de 7 horas, entre o arraçoamento da manhã e o da tarde, e 17 horas, entre o arraçoamento da tarde e o da manhã seguinte, valores que são intermediários aos períodos de 6 e 8 horas. DESWYSEN et al. (1989, 1993) mostraram que o tempo decorrido entre as refeições principais influenciou a importância dos diferentes componentes de ritmo. A concentração da atividade ingestiva nas primeiras 8 horas após o primeiro arraçoamento pode ter contribuído para explicar a importância relativa do componente de ritmo 1 durante os seis meses. A importância relativa do componente de ritmo 7 pode ser relacionada à ocorrência de refeições secundárias. DULPHY e FAVERDIN (1987) destacaram a existência de um número variável de refeições secundárias, realizado no período entre as refeições principais, as quais podem ser definidas como aqueles que ocorrem logo após os arraçoamentos. O estudo dos diagramas de fase revelou que os ovinos atrasaram o pico de atividade ingestiva em 45 minutos durante o mês de dezembro em relação aos demais períodos de medida, na freqüência de 1 ciclo/ 24 horas. Outros autores constataram a defasagem dos picos de atividade ingestiva em relação à estação do ano e ao fotoperíodo (PUTNAM et al., 1967; FORBES, 1986; VAN SOEST, 1994). Na medida em que foram constatadas diferenças significativas do consumo entre os períodos (FISCHER, 1996), relacionadas principalmente ao comprimento do dia, pode-se sugerir que o fotoperíodo influenciou o padrão de distribuição dos tempos de ingestão e ruminação. RAY e ROUBICEK (1971) trabalharam com novilhos, arraçoados às 7h30 e às 15h30, e observaram que, independentemente da estação do ano em que foram realizadas as medidas (julho-agosto ou fevereiro-março), os novilhos apresentaram dois picos de atividade ingestiva. Porém, o horário de pico da atividade ingestiva variou conforme a estação do ano, ocorrendo 2 horas mais tarde na parte da manhã e 2 horas mais cedo na parte da tarde, durante o inverno. ZINN et al. (1983) notaram que novilhas mantidas sob o maior fotoperíodo apresentaram maior número de eventos ingestivos e mostraram maior proporção desses eventos durante a fase de luz. Em outro estudo, esses autores observaram que o horário de fornecimento do alimento influenciou o número de eventos ingestivos dos animais (ZINN et al., 1983). A atividade de ruminação foi mais consistente durante a noite e às primeiras horas do dia, e entre 11 e 15 h, independentemente dos períodos de medida (Figura 3). GORDON e McALLISTER (1970) constataram uma atividade de ruminação mais consistente durante a madrugada. PEARCE (1965) e DESWYSEN et al. (1989, 1993) verificaram, respectivamente, que ovinos e bovinos, alimentados duas vezes ao dia, apresentaram um importante período de ruminação no início da tarde, além do pico de atividade noturno. A análise do periodograma mostrou diferenças de amplitude entre os períodos de medida nas freqüências de 1, 2, 3, 4 ciclos/24 horas. No mês de março/abril, a distribuição nectemeral do tempo gasto ruminando apresentou maior amplitude que em janeiro, na freqüência 3 e 4 ciclos/24 horas (Figura 4). A distribuição dos padrões nectemerais do tempo gasto ruminando foi melhor descrita pelo componente de ritmo 1 (18, 9, 11, 12, 8, e 3%), ritmo 2 (9, 15, 19, 15, 15, e 12%), ritmo 3 (40, 32, 32, 22, 41, 37%) e ritmo 4 (9, 24, 21, 21, 23, 18, e 26% da dispersão total 367 FISCHER et al. do tempo de ruminação). Em média, estas freqüências foi significativo (P<0,05), respectivamente, nos comexplicaram conjuntamente 79% da variação da distriponentes de ritmo 0, 1,3, 5, 7, 8 e 0, 1, 2, 3, 4, cuja buição do tempo gasto ruminando. importância na explicação da dispersão das séries A maior importância relativa dos componentes de temporais foi acima de 10% (Tabela 1). ritmo 3 e 4 para todos os períodos de medida pode ser A análise dos periodogramas e diagramas de fase relacionada à considerável importância do horário de para o tempo gasto ingerindo pelos ovinos mostrou arraçoamento sobre a ingestão e, em conseqüência, que somente o parâmetro amplitude foi responsável sobre a ruminação, uma vez que essas atividades por estas diferenças. Os animais apresentaram difecompetem pela repartição do tempo pelo animal rentes amplitudes nas freqüências de 1, 3, 5 e 7 ciclos/ (MURPHY et al., 1983; DESWYSEN et al., 1993). 24 horas, em acordo com os resultados de DESWYSEN Não foram encontradas relações significativas et al. (1989, 1993), que encontraram diferenças proentre o consumo de matéria seca (MS) da ração e os nunciadas entre os indivíduos. valores da importância relativa dos componentes de A distribuição do tempo gasto ingerindo dos borritmo para as atividades de ingestão e ruminação. regos nos 126, 127, 130, 132, 135, 137, 140, 141, 142 Provavelmente, o pequeno número de observações (n foi melhor representada pelo componente de ritmo 1 = 6) deve ter contribuído para isto. (11, 20, 27, 17, 16, 20, 13, 10 e 10%), ritmo 3 (10, 11, Entretanto, pôde-se verificar que, durante o perí12, 14, 16, 9, 13, 22 e 18%), ritmo 4 (20, 14, 15, 19, odo de março/abril, a importância relativa dos com22, 17, 24, 29 e 19%) e ritmo 7 (7, 7, 6, 12, 14, 12, 9, ponentes de ritmo 3, 4 e 7 foi maior que durante o 12 e 13% da dispersão total do tempo gasto ingerinperíodo de janeiro, enquanto a importância relativa do). Em média, essas freqüências explicaram conjundo componente de ritmo 1 foi maior que durante o tamente 59% da variação total da distribuição do período de março/abril, considerando o tempo de tempo gasto ingerindo. ingestão. Em relação à distribuição do tempo de A análise dos periodogramas e diagramas de fase ruminação, pôde-se constatar que, em março/abril, a para o tempo gasto ruminando pelos ovinos mostrou importância relativa dos componentes de ritmo 1, 2 e que ambos os parâmetros amplitude e fase foram 3, 4 foi, respectivamente, menor e maior que os responsáveis por estas diferenças. O estudo do observados em janeiro. Os resultados indicam que o periodograma revelou que os animais apresentaram consumo voluntário estaria relacionado à distribuidiferentes amplitudes nas freqüências de 1, 2, 3 e 4 ção mais uniforme da atividade ingestiva. ciclos/24 horas. O estudo dos diagramas de fase revelou que os A distribuição do tempo gasto ruminando dos animais atrasaram o pico de atividade de ruminação borregos nos 126, 127, 130, 132, 135, 137, 140, 141, em, aproximadamente, 100 minutos durante os meses 142 foi melhor descrita pelo componente de ritmo 1 de novembro e dezembro, em relação aos demais perío(11, 17, 37, 16, 7, 10, 2, 2 e 0,5%), ritmo 2 (19, 11, dos de medida, o que provavelmente estaria ligado ao 10, 12, 12, 25, 19, 10 e 6%), ritmo 3 (18, 22, 16, 47, fotoperíodo. Outros autores também constataram a de53, 23, 31, 37 e 44%) e ritmo 4 (21, 15, 12, 13, 13, 20, fasagem dos picos de atividade de ruminação em relação 22, 26 e 17% da dispersão total do tempo gasto à estação do ano e ao fotoperíodo (FORBES, 1986; ruminando). Em média, essas freqüências explicaram PENNING et al., 1991; VAN SOEST, 1994). conjuntamente 75% da variação total da distribuição As proporções dos tempos de ingestão e ruminado tempo gasto ruminando. ção por quarto de hora variaram entre os indivíduos. Os ovinos mostraram padrões nectemerais do Entretanto, o pico do tempo de ingestão apresentou comportamento ingestivo, com características individuaumento pronunciado logo após o arraçoamento, enais, que foram descritos por complexas combinações de quanto a atividade de ruminação foi mais pronunciacomponentes de ritmo superpostos, como fora observada durante a madrugada e as primeiras horas da tarde. do por DESWYSEN et al. (1989, 1993), em bovinos. A sua distribuição nectemeral do tempo gasto ingerinO consumo de MS dos nove ovinos tendeu a ser do e ruminando seguiu, respectivamente, os padrões positivamente relacionado à importância relativa do predominantemente diurno e noturno, como foi obsercomponente de ritmo 7 do tempo gasto ingerindo vado em relação aos períodos de medidas. (n=9; r=0,63; P<0,07) e foi negativamente relacionaA análise de variância da transformação finita de do ao componente 1 do tempo gasto ruminando (n=9; Fourier das séries de proporções do tempo gasto r=-0,68; P=0,04). ingerindo e ruminando indicou que o efeito de animal Os resultados encontrados no presente trabalho 368 R.Bras.Zootec. sugerem que as atividades de ingestão e ruminação mais uniformemente distribuídas, durante o nectêmero, tenderam a ser positivamente relacionadas ao consumo, pela relação entre a importância relativa dos componentes de ritmo e o consumo dos indivíduos. BAUMONT (1989), ao trabalhar com ovinos recebendo três diferentes fenos, gramíneas nativas, alfafa e dáctilo, observou que os animais com maior consumo voluntário apresentaram maiores valores de dispersão da quantidade ingerida (g MS/kg0,75) nos componentes de ritmo 2, 4, 6, 8, 10 e 12. Quando a proporção horária do tempo gasto ingerindo foi analisada por periodogramas, os animais com menor consumo voluntário apresentaram maior valor numérico do periodograma para o componente de ritmo 2. ZINN et al. (1983) observaram que as novilhas com maior consumo voluntário apresentaram maior número de eventos ingestivos. DESWYSEN et al. (1989, 1993), trabalhando com novilhas de raça leiteira arraçoadas duas vezes ao dia (às 9 e 17 h) com silagem de milho, encontraram efeito animal significativo no componente de ritmo 3, para o tempo gasto ingerindo, e ritmo 3 e 4, para o tempo gasto ruminando. Contudo, esses autores verificaram que o animal de menor consumo repartia seu tempo de ingestão e o de ruminação mais freqüentemente durante o nectêmero que o animal com maior consumo (maior importância relativa dos componentes de ritmo 5 e 6), associando este comportamento com aquele apresentado pelos selecionadores de concentrado ou intermediários, segundo a classificação de Hofmann (VAN SOEST, 1994). Porém, a escolha da espécie animal deve afetar parcialmente essas relações entre a importância relativa dos componentes de ritmo e o consumo voluntário, uma vez que existem diferenças anatômicas entre bovinos e ovinos (VAN SOEST, 1994), que se refletem no comportamento ingestivo (DE BOEVER et al., 1990) e, provavelmente, sobre a sua ritmicidade. O estudo dos diagramas de fase para o tempo gasto ruminando mostrou grandes diferenças entre indivíduos, no componente de ritmo 1, e diferenças pequenas nos componentes de ritmo 5, 7 e 9, o que pode estar relacionado às diferenças interindividuais, quanto à capacidade do trato digestivo em acomodar o alimento (DULPHY e FAVERDIN, 1987), à eficiência de mastigação (DE BOEVER, 1991) e, portanto, à necessidade de maximizar a sua atividade de ruminação para diminuir o tamanho de partícula. Conclusões A distribuição nectemeral do tempo gasto ingerindo e ruminando foi influenciada por fatores ligados ao comprimento do dia, ao horário de arraçoamento e aos animais. Os resultados sugerem que os ovinos arraçoados duas vezes ao dia com uma dieta à base de feno atingiram os maiores consumos voluntários com dois períodos principais de ingestão associados com períodos de ingestão secundários espaçados a, aproximadamente, 3,5 horas. Referências Bibliográficas BAUMONT, R. 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