R. Bras. Zootec., v.27, n.2, p.362-369, 1998
Padrões Nectemerais do Comportamento Ingestivo de Ovinos
Vivian Fischer1, Armand Gerard Deswysen 2, Lionel Dèspres 2, Pierre Dutilleul 3, José Fernando
Piva Lobato4
RESUMO - Os padrões nectemerais do comportamento ingestivo de ovinos foram avaliados durante seis meses, de outubro a
abril, na Bélgica. Os ovinos estabulados receberam feno à vontade, às 9 e 16 h. A análise espectral dos tempos de mastigação a cada
15 minutos foi realizada usando a transformação finita de Fourier, permitindo a decomposição das séries temporais com 96
observações em 48 freqüências. Durante os seis períodos de observação, a distribuição nectemeral dos tempos de ingestão ou
ruminação dos ovinos seguiu principalmente periodicidades de 24, 8 e 6 horas. O consumo dos ovinos tendeu a ser positivamente
relacionado à importância relativa da periodicidade de 3,4 horas, para o tempo gasto ingerindo, e foi negativamente relacionado à
importância relativa da periodicidade de 24 horas, para o tempo gasto ruminando. Os ovinos com maior consumo voluntário tenderam
a distribuir mais consistentemente seu tempo de ingestão durante o dia.
Palavras-chave: comportamento ingestivo, fotoperíodo, ovinos, padrões nectemerais
Nycterohemeral Patterns of Ingestive Behavior of Sheep
ABSTRACT - Nycterohemeral patterns of sheep ingestive behavior were evaluated for six months, from October to April, in
Belgium. Sheeps were maintained indoors and fed hay ad libitum, at 9 h and 16 h. Spectral analysis of the time series of chewing time
every 15 minutes was performed using the finite Fourier transformation, allowing the decomposition of 96 times series into 48
frequencies. During the six periods of observation, the nycterohemeral distribution of eating or ruminating time of the sheep followed
mainly periodicity of 24, 8 and 6 hours. The intake of sheep tended to be positively related to the relative importance of a 3,4-hours
periodicity for the spent eating time and it was negatively related to the relative importance of a 24-hours periodicity for the spent
ruminating time. Sheep with larger voluntary intake tended to distribute consistently their ingestion time during the day.
Key Words: ingestive behavior, photoperiod, sheep, nycterohemeral patterns
Introdução
Os ruminantes, mantidos em estábulo e com alimentação à vontade durante todo o dia, apresentam
um número entre 3 e 10 de refeições durante o período
diurno, com dois picos de atividade: no início e no
final deste período (DULPHY e FAVERDIN, 1987).
Entretanto, as atividades ingestivas são ritmadas pela
distribuição da ração, que estimula o animal a comer
(PUTNAM et al., 1967; CHASE et al., 1976; ZINN
et al., 1983). Quando o alimento é distribuído duas
vezes ao dia, as refeições que se seguem à distribuição
do alimento são as mais importantes e duram de 1 a 3
horas cada. Os períodos de tempo gastos com a
ingestão de alimentos são intercalados com um ou
mais períodos de ruminação ou de descanso. O tempo
gasto a ruminar é mais elevado à noite, mas os
períodos de ruminação são ritmados também pela
distribuição dos alimentos (GORDON e Mc
ALLISTER, 1970; JASTER e MURPHY, 1983).
Entretanto, existem diferenças entre indivíduos
quanto à duração e repartição das atividades de
ingestão e ruminação, que parecem estar relacionadas
com o apetite dos animais, as diferenças anatômicas
(DULPHY e FAVERDIN, 1987; DESWYSEN et al.,
1989; 1993) e a distribuição temporal do consumo de
alimentos e da cinética digestiva (CORBETT e
PICKERING, 1983).
O fotoperíodo pode modificar o padrão das atividades ingestivas. Novilhas submetidas a regimes de
luz de 16 horas apresentaram maior número de atividades ingestivas que animais submetidos a 8 horas de
luz. As novilhas submetidas ao fotoperíodo curto
aumentaram a sua atividade ingestiva 1 a 2 horas
1Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas - 96010-900 - Pelotas, RS, Brasil.
2Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Católica de Louvain, 1348, Bélgica.
3Faculdade de Ciências Agronômicas e do Ambiente, Universidade McGill, Quebec, H9V 3V9, Canadá.
4 Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
363
FISCHER et al.
antes do início do período de luz, enquanto as novilhas
períodos consecutivos de 28 dias. Foram usados nove
submetidas ao fotoperíodo longo somente iniciaram
ovinos cruza 1/2 Texel e 1/2 Ile de France (três
suas atividades ingestivas durante o período de luz
machos e seis fêmeas), com peso médio de 47,9 + 9,8
(ZINN et al., 1983). Outros autores observaram que
kg. Em cada período experimental, os animais eram
os animais mantidos sob fotoperíodos naturais apremantidos em baias individuais, durante os primeiros
sentaram alterações no horário de início das refeições
11 dias, e gaiolas metabólicas, durante os 17 dias
principais em pastagem (FORBES, 1986; PENNING
restantes. As medidas eram realizadas durante os
et al., 1991), ou estabulados (PUTNAM e DAVIS,
últimos 10 dias. Os ovinos foram mantidos sob ilumi1963; PUTNAM et al., 1967).
nação contínua (natural + artificial).
A maioria dos trabalhos não apresentam uma
A dieta consistiu de 250 g de uma mistura concenanálise quantitativa da distribuição do tempo
trada peletizada (15,45% PB e 36,54% FDN) e feno
despendido nas atividades ingestivas. No entanto,
de azevém perene à vontade, fornecido duas vezes ao
esta análise permite a identificação das diferentes
dia, às 9 e 16 h.
periodicidades com que as atividades ingestivas ocorO comportamento ingestivo foi registrado contirem, durante determinado intervalo de tempo, e dos
nuamente, durante cinco dias por período. O método
fatores que as afetaram.
empregado foi descrito por RUCKEBUSH (1963).
A análise da distribuição temporal destas atividaOs movimentos mandibulares foram percebidos atrades utiliza a transformação finita de Fourier (TFF) e
vés de um balão de borracha preenchido com espuma,
a análise dos periodogramas, permitindo, respectivacolocado sob o maxilar e preso à cabeça do animal por
mente, a avaliação das diferenças entre os níveis dos
meio de arreios. As diferenças de pressão decorrentes
fatores estudados, no âmbito das freqüências
foram registradas num fisiógrafo. Pela leitura dos
(BRILLINGER, 1973), e a detecção de sinais periótraços sobre o papel previamente escurecido com
dicos. Quanto maior a amplitude de uma função
fuligem, os tempos de ingestão e ruminação foram
coseno ajustada a uma série temporal pelo método dos
obtidos. Embora as medidas fossem feitas continuaquadrados mínimos, maior será o valor do
mente, as informações sobre os tempos gastos ingeperiodograma na freqüência correspondente
rindo e ruminando foram agrupadas em períodos de
(DUTILLEUL, 1990).
15 minutos.
A natureza periódica do comportamento ingestivo
O delineamento experimental adotado neste estupode ser descrita pela sua amplitude (= freqüência
do foi o de medidas repetidas sobre os mesmos aniangular ou no de ciclos) e pelas diferenças de fase
mais durante os seis períodos experimentais.
(MURPHY et al., 1983). O número inteiro de ciclos a
A decomposição espectral das séries temporais
cada 24 horas, também referido como componente de
dos tempos gastos ingerindo e ruminando a cada 15
ritmo, é utilizado na descrição da ritmicidade. A defasaminutos em um número inteiro de ciclos a cada 24
gem dos picos de máxima atividade ingestiva ou de
horas, referidos como componente de ritmo, que foi
ruminação em relação ao momento inicial do ciclo (fixado
realizada usando TFF, avaliou os efeitos dos ovinos
como o horário do primeiro arraçoamento ou do início dos
individualmente e dos períodos de medida, em cada
registros do comportamento ingestivo) é fornecida pelos
freqüência considerada.
diagramas de fase (DESWYSEN et al., 1989).
Foi realizada a análise da variância dos valores de
Considerando que, normalmente, os experimenTFF, dos periodogramas e diagramas de fase. Estas
tos com ovinos são realizados ou repetidos em períoanálises basearam-se em expressões matemáticas e
dos distintos do ano, que podem possuir diferentes
modelos semelhantes aos descritos por DESWYSEN
durações do período diurno, o objetivo do presente
et al. (1989), com os aperfeiçoamentos realizados por
trabalho foi avaliar o efeito dos diferentes períodos de
DUTILLEUL (1990). Essas análises foram realizamedida e das variações interindividuais, sobre os padas usando-se os procedimentos GLM do SAS (1989)
drões nectemerais do comportamento ingestivo de ovie SPECTRA do SAS (1988a). As comparações entre
nos, e estabelecer a sua relação com o consumo voluntário.
os valores de TFF entre animais e períodos, nas
freqüências consideradas significativas, foram
Material e Métodos
efetuadas por meio de contrastes, usando o procedimento GLM do SAS (1989). A importância relativa
O experimento foi conduzido na Bélgica, no período
dos componentes do ritmo, em relação à dispersão
de outubro de 1992 a abril de 1993, e consistiu de seis
total das séries temporais, foi calculada como uma
364 R.Bras.Zootec.
proporção entre o seu valor do periodograma e o valor
total do periodograma (a soma dos valores de todos os
componentes de ritmo), os quais foram relacionados
ao consumo voluntário, usando-se o coeficiente de
correlação de Pearson, calculado pelo procedimento
CORR do SAS (1988b).
17 h (Figura 1), confirmando o efeito positivo da
distribuição de ração no início das refeições, observado por CHASE et al. (1976), JASTER e MURPHY
(1983), e a concentração da atividade ingestiva durante o período diurno, como verificado por PUTNAM
e DAVIS (1963), RAY e ROUBICEK (1971). Também são observados diversos picos de atividade
ingestiva com duração inferior a 5 minutos/15 minutos, entre 11 e 15 h e 19 e 3 h.
A análise de variância da transformação finita de
Fourier das séries de proporções do tempo gasto
ingerindo e ruminando indicaram a ocorrência de
interações significativas entre animais e períodos,
respectivamente, nos componentes de ritmo 0, 1, 2, 5,
8, 9, 11 e 0, 1, 2, 4, 5, 9, 11, 12 (Tabela 1).
A existência destas interações significa que as
diferenças dos valores de periodograma ou de fase
observada entre os animais foram variáveis, dependendo do período em que o comportamento ingestivo foi
medido, sugerindo cautela na apreciação dos efeitos dos
períodos de medida e dos ovinos, nestas freqüências.
A análise de variância da transformação finita de
Fourier das séries de proporções do tempo gasto
ingerindo e ruminando indicou que o efeito período foi
significativo (P<0,05), respectivamente, nos componentes de ritmo 0, 1, 3, 4, 5, 7 e 0, 1, 2, 3, 4, cuja
Resultados e Discussão
A distribuição do tempo, a cada quarto de hora,
gasto ingerindo e ruminando nos seis períodos de
medidas é apresentada nas Figuras 1 e 3. Os resultados da análise de variância da média diária da proporção do tempo gasto ingerindo ou ruminando a cada 15
minutos (componente do ritmo=0) e dos componentes
de ritmo 1 a 48 estão resumidos na Tabela 1. Os
periodogramas do tempo gasto ingerindo e ruminando
nos seis períodos estão apresentados, respectivamente, nas Figuras 2 e 4. Um limite mínimo de importância, equivalente a 10% do valor total da dispersão das
séries de tempo de atividade ingestiva, foi calculado
para os períodos e indicado por uma linha descontínua
nas Figuras 2 e 4.
A atividade de ingestão concentrou-se principalmente em torno dos dois horários de distribuição da
ração, entre 9 e 10 h, e posteriormente, entre 15h30 e
Tabela 1 - Análise da variância da média a cada quarto de hora das proporções de tempo gasto ingerindo ou ruminando (minutos/
15 minutos) e da transformação finita de Fourier (TFF) para cada componente de ritmo
Table 1 -
Variance analysis of the mean at every quarter of hour of the proportions of the spent eating or ruminating time (minutes/15 minutes) and
of the finite Fourier transformation for each rhythm component (P-values)
Item
Tempo de ingestão
Tempo de ruminação
Eating time
No de ciclos/24 h
N. of cycles/24 h
01
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
48
Período (P)
Ovinos (O)
Period (P)
Sheep (S)
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,006
0,001
0,001
0,021
0,001
0,014
0,001
0,001
0,001
0,004
0,126
0,002
0,011
0,001
0,001
0,001
0,002
0,085
0,030
0,172
0,011
0,001
0,003
0,138
0,001
0,002
0,125
0,625
0,025
0,213
0,924
0,577
0,458
Ruminating time
PxO
0,001
0,001
0,001
0,374
0,144
0,004
0,616
0,547
0,023
0,011
0,548
0,017
0,346
0,225
0,387
0,397
0,296
0,881
0,923
0,714
1 Média diária da proporção horária do tempo gasto ingerindo ou ruminando.
1
Daily mean hourly proportions of the spent eating or ruminating time.
Período (P)
Ovinos (O)
Period (P)
Sheep (S)
PxO
PxS
0,002
0,001
0,029
0,001
0,001
0,036
0,002
0,119
0,012
0,001
0,394
0,351
0,386
0,417
0,231
0,303
0,261
0,486
0,997
0,597
0,001
0,001
0,001
0,001
0,037
0,041
0,077
0,006
0,444
0,001
0,059
0,093
0,918
0,083
0,537
0,251
0,419
0,591
0,459
0,001
0,001
0,001
0,001
0,126
0,007
0,003
0,569
0,256
0,218
0,032
0,251
0,036
0,039
0,328
0,594
0,418
0,748
0,729
0,954
0,240
FISCHER et al.
Figura 2 -
Periodograma das proporções do tempo de ingestão
(min/h) 2 durante o dia, para os seis períodos de
medida: outubro (1), novembro (2), dezembro (3),
janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6). A linha
tracejada indica o limite mínimo de importância do
periodograma calculado como 10% da dispersão
total média para os seis períodos de medida.
Figure 2 -
Periodogram of proportions of time spent eating (min/15 min)
duringthedayforthesixperiodsofmeasurements:October(1),
November (2), December (3), January (4), February (5),
March/April (6). The discontinous line indicates a minimal
thresholdofperiodogramimportancecalculatedas10%ofthe
total mean dispersion for the six periods of measurements.
Figura 4 -
Periodogramadasproporçõesdotempoderuminação
(min/h) 2 durante o dia, para os seis períodos de
medida: outubro (1), novembro (2), dezembro (3),
janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6). A linha
tracejada indica o limite mínimo de importância do
periodograma calculado como 10% da dispersão
total média para os seis períodos de medida.
Figure 4 -
Periodogram of proportions of time spent ruminating (min/15
min) during the day for the six periods of measurements:
October(1),November(2),December(3),January(4),February
(5), March/April (6). The discontinous line indicates a minimal
threshold of periodogram importance calculated as 10% of the
total mean dispersion for the six periods of measurements.
Figura 1 - Proporções do tempo de ingestão (min/15 min)
durante o dia, para os seis períodos de medida:
outubro (1), novembro (2), dezembro (3), janeiro
(4), fevereiro (5), março/abril (6).
Figure 1 -
Proportionsofeatingtime(min/15min)duringthedayforthesix
periods of measurements: October (1), November (2),
December (3), January (4), February (5), March/April (6).
Figura 3 - Proporções do tempo de ruminação (min/15
min) durante o dia, para os seis períodos de
medida: outubro (1), novembro (2), dezembro
(3), janeiro (4), fevereiro (5), março/abril (6).
Figure 3 -
Proportions of ruminating time (min/15 min) during the day for
the six periods of measurements: October (1), November (2),
December (3), January (4), February (5), March/April (6).
365
366 R.Bras.Zootec.
importância na explicação da dispersão das séries
temporais foi acima de 10% (Tabela 1).
A análise dos periodogramas e diagramas de fase
mostrou que ambos os parâmetros amplitude e fase
foram parcialmente responsáveis pelas diferenças dos
valores da TFF entre os períodos .
A análise do periodograma mostrou diferenças de
amplitude entre os períodos de medida nas freqüências de 1, 3, 4 e 7 ciclos/24 horas. No mês de março/
abril, a distribuição nictemeral do tempo gasto ingerindo apresentou maior amplitude que em janeiro, nas
freqüências 3, 4 e 7 ciclos/24 horas (Figura 2),
provavelmente porque, em março/abril, os ovinos
apresentaram maior tempo de ingestão durante a
segunda refeição principal e menor tempo de ingestão
durante a noite, em relação a janeiro, além de maior
atividade ingestiva secundária espaçada de 3 a 4
horas (Figura 1).
A dispersão do padrão nectemeral do tempo gasto
ingerindo durante os meses de outubro, novembro,
dezembro, janeiro, fevereiro e março/abril foi melhor
descrita pelo componente de ritmo 1 (respectivamente, 16, 14, 12, 17, 21 e 11%), ritmo 3 (respectivamente, 21, 12, 13, 7, 11 e 18%), ritmo 4 (respectivamente,
18, 21, 24, 13, 18 e 22%) e menos extensamente pelo
componente de ritmo 7 (respectivamente, 9, 10, 10,
14, 5 e 15% da dispersão total das séries de 24 horas
de tempo de ingestão). Em média, essas freqüências
explicaram conjuntamente 55% da variação total da
distribuição do tempo gasto ingerindo.
O horário de arraçoamento adotado, às 9 h e 16 h,
pode explicar parcialmente a maior importância relativa dos componentes de ritmo 3 e 4. O intervalo de
tempo entre as refeições foi de 7 horas, entre o
arraçoamento da manhã e o da tarde, e 17 horas, entre
o arraçoamento da tarde e o da manhã seguinte,
valores que são intermediários aos períodos de 6 e 8
horas. DESWYSEN et al. (1989, 1993) mostraram
que o tempo decorrido entre as refeições principais
influenciou a importância dos diferentes componentes de ritmo. A concentração da atividade ingestiva
nas primeiras 8 horas após o primeiro arraçoamento
pode ter contribuído para explicar a importância
relativa do componente de ritmo 1 durante os seis
meses. A importância relativa do componente de
ritmo 7 pode ser relacionada à ocorrência de refeições
secundárias. DULPHY e FAVERDIN (1987) destacaram a existência de um número variável de refeições secundárias, realizado no período entre as refeições principais, as quais podem ser definidas como
aqueles que ocorrem logo após os arraçoamentos.
O estudo dos diagramas de fase revelou que os
ovinos atrasaram o pico de atividade ingestiva em 45
minutos durante o mês de dezembro em relação aos
demais períodos de medida, na freqüência de 1 ciclo/
24 horas. Outros autores constataram a defasagem
dos picos de atividade ingestiva em relação à estação
do ano e ao fotoperíodo (PUTNAM et al., 1967;
FORBES, 1986; VAN SOEST, 1994).
Na medida em que foram constatadas diferenças
significativas do consumo entre os períodos
(FISCHER, 1996), relacionadas principalmente ao
comprimento do dia, pode-se sugerir que o fotoperíodo
influenciou o padrão de distribuição dos tempos de
ingestão e ruminação.
RAY e ROUBICEK (1971) trabalharam com novilhos, arraçoados às 7h30 e às 15h30, e observaram
que, independentemente da estação do ano em que
foram realizadas as medidas (julho-agosto ou fevereiro-março), os novilhos apresentaram dois picos de
atividade ingestiva. Porém, o horário de pico da
atividade ingestiva variou conforme a estação do ano,
ocorrendo 2 horas mais tarde na parte da manhã e 2
horas mais cedo na parte da tarde, durante o inverno.
ZINN et al. (1983) notaram que novilhas mantidas
sob o maior fotoperíodo apresentaram maior número
de eventos ingestivos e mostraram maior proporção
desses eventos durante a fase de luz. Em outro estudo,
esses autores observaram que o horário de fornecimento do alimento influenciou o número de eventos
ingestivos dos animais (ZINN et al., 1983).
A atividade de ruminação foi mais consistente
durante a noite e às primeiras horas do dia, e entre 11
e 15 h, independentemente dos períodos de medida
(Figura 3). GORDON e McALLISTER (1970) constataram uma atividade de ruminação mais consistente
durante a madrugada. PEARCE (1965) e DESWYSEN
et al. (1989, 1993) verificaram, respectivamente, que
ovinos e bovinos, alimentados duas vezes ao dia,
apresentaram um importante período de ruminação no
início da tarde, além do pico de atividade noturno.
A análise do periodograma mostrou diferenças de
amplitude entre os períodos de medida nas freqüências de 1, 2, 3, 4 ciclos/24 horas. No mês de março/abril,
a distribuição nectemeral do tempo gasto ruminando
apresentou maior amplitude que em janeiro, na freqüência 3 e 4 ciclos/24 horas (Figura 4).
A distribuição dos padrões nectemerais do tempo
gasto ruminando foi melhor descrita pelo componente
de ritmo 1 (18, 9, 11, 12, 8, e 3%), ritmo 2 (9, 15, 19,
15, 15, e 12%), ritmo 3 (40, 32, 32, 22, 41, 37%) e
ritmo 4 (9, 24, 21, 21, 23, 18, e 26% da dispersão total
367
FISCHER et al.
do tempo de ruminação). Em média, estas freqüências
foi significativo (P<0,05), respectivamente, nos comexplicaram conjuntamente 79% da variação da distriponentes de ritmo 0, 1,3, 5, 7, 8 e 0, 1, 2, 3, 4, cuja
buição do tempo gasto ruminando.
importância na explicação da dispersão das séries
A maior importância relativa dos componentes de
temporais foi acima de 10% (Tabela 1).
ritmo 3 e 4 para todos os períodos de medida pode ser
A análise dos periodogramas e diagramas de fase
relacionada à considerável importância do horário de
para o tempo gasto ingerindo pelos ovinos mostrou
arraçoamento sobre a ingestão e, em conseqüência,
que somente o parâmetro amplitude foi responsável
sobre a ruminação, uma vez que essas atividades
por estas diferenças. Os animais apresentaram difecompetem pela repartição do tempo pelo animal
rentes amplitudes nas freqüências de 1, 3, 5 e 7 ciclos/
(MURPHY et al., 1983; DESWYSEN et al., 1993).
24 horas, em acordo com os resultados de DESWYSEN
Não foram encontradas relações significativas
et al. (1989, 1993), que encontraram diferenças proentre o consumo de matéria seca (MS) da ração e os
nunciadas entre os indivíduos.
valores da importância relativa dos componentes de
A distribuição do tempo gasto ingerindo dos borritmo para as atividades de ingestão e ruminação.
regos nos 126, 127, 130, 132, 135, 137, 140, 141, 142
Provavelmente, o pequeno número de observações (n
foi melhor representada pelo componente de ritmo 1
= 6) deve ter contribuído para isto.
(11, 20, 27, 17, 16, 20, 13, 10 e 10%), ritmo 3 (10, 11,
Entretanto, pôde-se verificar que, durante o perí12, 14, 16, 9, 13, 22 e 18%), ritmo 4 (20, 14, 15, 19,
odo de março/abril, a importância relativa dos com22, 17, 24, 29 e 19%) e ritmo 7 (7, 7, 6, 12, 14, 12, 9,
ponentes de ritmo 3, 4 e 7 foi maior que durante o
12 e 13% da dispersão total do tempo gasto ingerinperíodo de janeiro, enquanto a importância relativa
do). Em média, essas freqüências explicaram conjundo componente de ritmo 1 foi maior que durante o
tamente 59% da variação total da distribuição do
período de março/abril, considerando o tempo de
tempo gasto ingerindo.
ingestão. Em relação à distribuição do tempo de
A análise dos periodogramas e diagramas de fase
ruminação, pôde-se constatar que, em março/abril, a
para o tempo gasto ruminando pelos ovinos mostrou
importância relativa dos componentes de ritmo 1, 2 e
que ambos os parâmetros amplitude e fase foram
3, 4 foi, respectivamente, menor e maior que os
responsáveis por estas diferenças. O estudo do
observados em janeiro. Os resultados indicam que o
periodograma revelou que os animais apresentaram
consumo voluntário estaria relacionado à distribuidiferentes amplitudes nas freqüências de 1, 2, 3 e 4
ção mais uniforme da atividade ingestiva.
ciclos/24 horas.
O estudo dos diagramas de fase revelou que os
A distribuição do tempo gasto ruminando dos
animais atrasaram o pico de atividade de ruminação
borregos nos 126, 127, 130, 132, 135, 137, 140, 141,
em, aproximadamente, 100 minutos durante os meses
142 foi melhor descrita pelo componente de ritmo 1
de novembro e dezembro, em relação aos demais perío(11, 17, 37, 16, 7, 10, 2, 2 e 0,5%), ritmo 2 (19, 11,
dos de medida, o que provavelmente estaria ligado ao
10, 12, 12, 25, 19, 10 e 6%), ritmo 3 (18, 22, 16, 47,
fotoperíodo. Outros autores também constataram a de53, 23, 31, 37 e 44%) e ritmo 4 (21, 15, 12, 13, 13, 20,
fasagem dos picos de atividade de ruminação em relação
22, 26 e 17% da dispersão total do tempo gasto
à estação do ano e ao fotoperíodo (FORBES, 1986;
ruminando). Em média, essas freqüências explicaram
PENNING et al., 1991; VAN SOEST, 1994).
conjuntamente 75% da variação total da distribuição
As proporções dos tempos de ingestão e ruminado tempo gasto ruminando.
ção por quarto de hora variaram entre os indivíduos.
Os ovinos mostraram padrões nectemerais do
Entretanto, o pico do tempo de ingestão apresentou
comportamento ingestivo, com características individuaumento pronunciado logo após o arraçoamento, enais, que foram descritos por complexas combinações de
quanto a atividade de ruminação foi mais pronunciacomponentes de ritmo superpostos, como fora observada durante a madrugada e as primeiras horas da tarde.
do por DESWYSEN et al. (1989, 1993), em bovinos.
A sua distribuição nectemeral do tempo gasto ingerinO consumo de MS dos nove ovinos tendeu a ser
do e ruminando seguiu, respectivamente, os padrões
positivamente relacionado à importância relativa do
predominantemente diurno e noturno, como foi obsercomponente de ritmo 7 do tempo gasto ingerindo
vado em relação aos períodos de medidas.
(n=9; r=0,63; P<0,07) e foi negativamente relacionaA análise de variância da transformação finita de
do ao componente 1 do tempo gasto ruminando (n=9;
Fourier das séries de proporções do tempo gasto
r=-0,68; P=0,04).
ingerindo e ruminando indicou que o efeito de animal
Os resultados encontrados no presente trabalho
368 R.Bras.Zootec.
sugerem que as atividades de ingestão e ruminação
mais uniformemente distribuídas, durante o nectêmero,
tenderam a ser positivamente relacionadas ao consumo, pela relação entre a importância relativa dos
componentes de ritmo e o consumo dos indivíduos.
BAUMONT (1989), ao trabalhar com ovinos
recebendo três diferentes fenos, gramíneas nativas,
alfafa e dáctilo, observou que os animais com maior
consumo voluntário apresentaram maiores valores de
dispersão da quantidade ingerida (g MS/kg0,75) nos
componentes de ritmo 2, 4, 6, 8, 10 e 12. Quando a
proporção horária do tempo gasto ingerindo foi analisada por periodogramas, os animais com menor
consumo voluntário apresentaram maior valor numérico do periodograma para o componente de ritmo 2.
ZINN et al. (1983) observaram que as novilhas com
maior consumo voluntário apresentaram maior número de eventos ingestivos.
DESWYSEN et al. (1989, 1993), trabalhando
com novilhas de raça leiteira arraçoadas duas vezes
ao dia (às 9 e 17 h) com silagem de milho, encontraram efeito animal significativo no componente de
ritmo 3, para o tempo gasto ingerindo, e ritmo 3 e 4,
para o tempo gasto ruminando. Contudo, esses autores verificaram que o animal de menor consumo
repartia seu tempo de ingestão e o de ruminação mais
freqüentemente durante o nectêmero que o animal
com maior consumo (maior importância relativa dos
componentes de ritmo 5 e 6), associando este comportamento com aquele apresentado pelos selecionadores
de concentrado ou intermediários, segundo a classificação de Hofmann (VAN SOEST, 1994). Porém, a
escolha da espécie animal deve afetar parcialmente
essas relações entre a importância relativa dos componentes de ritmo e o consumo voluntário, uma vez
que existem diferenças anatômicas entre bovinos e
ovinos (VAN SOEST, 1994), que se refletem no
comportamento ingestivo (DE BOEVER et al., 1990)
e, provavelmente, sobre a sua ritmicidade.
O estudo dos diagramas de fase para o tempo
gasto ruminando mostrou grandes diferenças entre
indivíduos, no componente de ritmo 1, e diferenças
pequenas nos componentes de ritmo 5, 7 e 9, o que
pode estar relacionado às diferenças interindividuais,
quanto à capacidade do trato digestivo em acomodar
o alimento (DULPHY e FAVERDIN, 1987), à eficiência de mastigação (DE BOEVER, 1991) e, portanto, à necessidade de maximizar a sua atividade de
ruminação para diminuir o tamanho de partícula.
Conclusões
A distribuição nectemeral do tempo gasto ingerindo e ruminando foi influenciada por fatores ligados ao
comprimento do dia, ao horário de arraçoamento e aos
animais. Os resultados sugerem que os ovinos
arraçoados duas vezes ao dia com uma dieta à base de
feno atingiram os maiores consumos voluntários com
dois períodos principais de ingestão associados com
períodos de ingestão secundários espaçados a, aproximadamente, 3,5 horas.
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Recebido em: 08/04/97
Aceito em: 07/08/97
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Padrões Nectemerais do Comportamento Ingestivo de Ovinos