XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 HOMOSSEXUALIDADE NA ESCOLA: EM UMA SOCIEDADE EM QUE O MODELO IDEAL É SER CISNE, TODOS SOMOS “PATINHOS FEIOS”¹? Juliano Matias De Brito RESUMO: A educação deveria ser um espaço de promoção da cidadania e respeito às diferenças e diversidades, podendo assumir diferentes formas, tanto na perspectiva humanista quanto utilitarista. Devendo-se levar em consideração que o processo educativo é complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais e não pode ser analisado fora de interação dialógica entre escola e vida, considerando também o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. Há uma tentativa de subordinação da educação às forças dominantes da sociedade e aos seus esquemas de produção cultural, de pensamentos, de sentimentos e de ação. Diante disso, o trabalho visa investigar como são tratados os homossexuais na escola, objetivando a análise da heteronormatividade e as relações de exclusões sofridas pela população de gays, lésbicas bissexuais, travestis e transexuais Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa com professores que atuam como formadores no programa de formação continuada da Secretaria Municipal de Educação de Maceió (SEMED), a coleta de dados foi feita através de questionário o qual possibilitou uma reflexão sobre sexualidades ‘normais’ e escola como espaço de diversidade e diferenças. Realizamos uma análise de dados da pesquisa e de acordo com esta análise refletimos sobre os padrões heteronormativos estabelecidos pela sociedade capitalista e patriarcal de dominação. Discute o papel da educação, da escola, posturas e práticas pedagógicas dos professores diante da problemática de violação dos direitos essenciais, na efetivação da inclusão social. Por fim, aponta caminhos e possíveis soluções que a educação, a escola e os diversos/as protagonistas devem percorrer para construir um ambiente respeitoso que valorize a diversidade e as diferenças e possibilite uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade social para todos/as. Palavras-chave: Homossexualidade. Heteronormatividade. Diferença. Diversidade. Inclusão. . Apresentando o estudo: das minhas inquietações ao problema de pesquisa e metodologia. Este ensaio resulta de uma pesquisa realizada para dar suporte ao Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL e versará sobre os modos como a homossexualidade é tratada no contexto escolar. Tratase de uma investigação que contou com a participação de formadore(a)s (pedagogo(a)s) que atuam na formação do(a)s professore(a)s do 1º ao 9º ano do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Maceió – SEMED, trazemos os resultados Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003710 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 parciais da pesquisa onde apontamos algumas questões acerca de práticas heteronormativas e os prejuízos causados a quem não se adequa a seus padrões. No que se refere à escola há um contra ponto entre o que seria considerado ideal e o que é real, partimos da premissa que o ideal seria que a escola – um dos maiores e importantes ambientes de socialização das diferenças – tivesse como finalidade a difusão dos conhecimentos científicos-culturais e se constituísse em um lócus privilegiado de exercício da cidadania, respeito aos direitos e o desenvolvimento das políticas de inclusão, no entanto o que se ver é uma escola excludente. Realidade esta, que será questionada a partir dos anos 1970 com o surgimento dos grupos homossexuais, os quais têm lutado incessantemente pelo respeito e a aceitação da diversidade sexual e pela igualdade de direitos. Desta forma, a escola vem sendo forçada a rever padrões normativos estereotipados que produzem a sexualidade dos estudantes e o acirramento de manifestações de grupos conservadores que segundo Dinis: Em um momento histórico em que mais se fala sobre educar para a diferença, vivemos um cenário político mundial de intolerância, que se repete também no espaço da vida privada, em determinada dificuldade generalizada em nos libertarmos de formas padronizadas de concebermos nossa relação com o outro. (DINIS, 2008, p. 479). Nos últimos anos a sexualidade vem sendo discutida e estudada por profissionais dos mais diversos campos do conhecimento, sobretudo a educação. Nesta pesquisa pude observar as diversas identidades por meio de interação e socialização entre indivíduos e perceber que atualmente a população constituída de Lésbicas, Gays, Bissexuais Travestis e Transexuais – LGBT, cuja identidade sexual escapa a heteronormatividade estão mais visíveis, ocupando diferentes espaços, tornando o cenário político mais acirrado, buscando alcançar igualdade de direitos no interior da ordem social existente. (LOURO, 2004 p.32). Este trabalho chama atenção justamente para a questão sobre como são tratados os homossexuais dentro do ambiente escolar. No Brasil, a intolerância e a intensidade das práticas preconceituosas e porque não dizer homofóbicas e heterossexistas presentes nas escolas são alarmantes. Mesmo quando o Estado formula políticas públicas que levam a acreditar em uma educação de qualidade social para todo(a)s, incluindo a população LGBT, encontramos indícios de que essas políticas não estão sendo efetivadas, ou seja, não chega até o público interessado. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003711 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 Pesquisas realizadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO: Juventudes e Sexualidades 2004, Fundação Perseu Abramo 2008, Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE: Estudos Sobre Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar 2009, MEC/UNESO – Diversidade Sexual na Educação: problematização sobre homofobia nas escolas 2009 apontam para o alto grau de rejeição à homossexualidade na comunidade escolar. O quadro piora gravemente quando observamos o número de homicídios de LGBT no Brasil. que segundo o Grupo Gay da Bahia – GGB, em 2010 foram documentados 260 assassinatos. A referida entidade aponta ainda, o estado de Alagoas está na segunda posição do ranking com 24 casos perdendo para Bahia com 29 mortes. Se relacionarmos a população total ao número de LGBT assassinados, Alagoas é o Estado que oferece maior risco de morte para os homossexuais, cujo número de vítimas ultrapassa o total de todos os estados juntos da região Norte do país. Maceió igualmente é a capital onde mais gays são assassinados: foram 9 casos. O curioso é que em Maceió foi sancionada a lei 4.677/1997 que estabelece sanções as práticas discriminatórias a livre orientação sexual nos locais públicos e o Decreto 7.034/2009 que regulamenta a lei 4.677/1997. Porém não há um trabalho efetivo da segurança pública para coibir tais práticas. Mesmo encontrando dados da homofobia em Alagoas, ainda na educação são incipientes. Não há estudos mais detalhados sobre a heteronormatividade na escola alagoana. Acreditando que está pesquisa seja importante para descobrir quais os motivos que levam à comunidade escolar a reprodução de práticas preconceituosas e homofóbicas tão presentes na sociedade alagoana, sendo a principal causa dos altos índices de suicídios e sofrimento psíquico da juventude LGBT. A motivação para a realização deste trabalho se deu a partir da minha atuação como coordenador pedagógico em uma escola pública da rede municipal de educação de Maceió, onde percebi a omissão do(a)s educadore(a)s a respeito do trabalho com a diversidade sexual e o quanto a homossexualidade é marginalizada. Vale salientar que embora a maioria do(a)s professore(a)s concorde com a introdução de temas contemporâneos no currículo como: prevenção ao uso de drogas, saúde reprodutiva e violência, muito(a)s ainda tratam a homossexualidade como perversão, doença e deformação moral, corroborando – pela via do silêncio ou de posturas negligentes em relação aos insultos e aos maus tratos – para a reprodução da violência associada à homofobia. Foram essas experiências que me fizeram refletir sobre as práticas Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003712 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 preconceituosas realizadas no ambiente escolar, especialmente o tratamento discriminatório dado aos homossexuais. Reflexões sobre as sexualidades normais, a diferença como problema e a escola como espaço de diversidade. Inicialmente ao refletir sobre esta problemática apontamos alguns questionamentos relevantes: O que é sexualidade? Existe a sexualidade normal? E se existe definir dentro dessas reflexões quais seriam elas; como é vista as diferenças no ambiente educacional? É um problema? A escola é espaço para a diversidade? Como a diversidade é encarada? São questões bastante complexas e que nos instigam a procura de respostas. Mais a princípio temos que compreender que a sexualidade não é algo “[...] fácil de categorizar e diferençar os comportamentos normais dos comportamentos ‘nãonormais’ em relação as manifestações sexuais [...]” (MAIA apud BRASIL, 2009 p. 266). A sexualidade não é simplesmente um “dado da natureza”, como nos fazem acreditar, ela é na verdade um “nome dado a um dispositivo histórico”, “Trata-se de uma rede trançada por um conjunto de práticas, discursos e técnicas de estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a formação de conhecimento” (FOUCAULT, 1988, p.100). E ao longo de seus estudos, Jeffrey Weeks (1993, apud LOURO, 1997, p.23) fala sobre a impossibilidade de "compreender a sexualidade observando apenas seus componentes 'naturais'[...], esses ganham sentido através de processos inconscientes e formas culturais". A sexualidade tem a ver com a forma como “socialmente” vivemos nossosprazeres e nossos desejos, com a forma como usamos nossos corpos, com o que dizemos sobre eles. (LOURO, 2001, p.71). Porém “a sexualidade que é geralmente apresentada na escola esta em estreita articulação com a família e a representação social adequada para o pleno exercício e os filhos, a consequência do ato”(LOURO, 1998, p. 41). Dentro desse quadro, as práticas sexuais não reprodutivas não são consideradas, deixando de ser observadas, ou são cercados de receios e medos. “A associação da sexualidade ao prazer e ao desejo é deslocada em favor da prevenção dos perigos e das doenças” (LOURO, 1998, p.41). Nesse contexto que Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003713 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 centraliza a reprodução, os homossexuais ficam fora da discussão, dessa forma não apenas são negados, mais ao mesmo tempo, profundamente vigiados. E, ao vincular a sexualidade a um enfoque simplesmente biológico, a escola acaba negando o fato de que fatores psicológicos, sociais, históricos e culturais apresentam forte influência sobre ela e, também, sobre as formas como os sujeitos dela se apropriam. A ideia normalidade da sexualidade surge dos discursos biologizantes e religiosos que busca afirmar que o normal é ser heterossexual e ainda, que esta é a única forma natural de sexualidade. Colocando-a assim numa categoria superior as demais, esse discurso reforça que a sexualidade esteja em função da reprodução da espécie e é reproduzido nas escolas através das disciplinas de ciência naturais e biológicas. Essa normalização da sexualidade é traduzida por uma série de regras sociais que padronizam a sociedade e os que dela fazem parte. Esses padrões seguem em uma linha de heterossexualização dos corpos e desejos, para ser um ser normal o indivíduo tem que ser heterossexual, casar, constituir uma família composta de pessoas de sexos opostos, que devem obedecer aos mesmos níveis educacional e econômico, respeitar a moral e os bons costumes. Tudo que está fora desses padrões considerados desejáveis são condenados, assim como as pessoas que manifestam suas sexualidades transgredindo essas formas naturais são considerados seres anormais e não desejáveis. Neste contexto, não há lugar para eles na sociedade, a qual termina reprimindo-os e punindo-os física e psicologicamente, classificando-os como diferentes, anormais, desviantes, patológicos excluindo-os dos processos educativos. Para entendermos esta problemática precisamos observar os discursos da família e da escola que reforça o projeto de igualdade, invisibilizando tudo que esteja fora desse padrão, [...] “reforçando a marginalização e escamoteando as diferenças daqueles que transitam e optam por formas de expressão e de manifestação da sexualidade que não se enquadram nas legitimidades sociais e institucionais” (SOUZA, 2007, p. 97). Parafraseando Souza a diferença é uma produção histórica que resulta de produção simbólica e discursiva que envolve poder, saber, disciplinamento, inclusão, exclusão que se caracterizam em representações. Reforçando que “a diferença é um ponto derivado da identidade”, ou seja, uma está diretamente ligada à outra. (SOUZA 2007, p. 97). Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003714 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 Percebe-se que a escola não está totalmente preparada para incluir ou acolher os diferentes e/ou as diferenças, ela até acolhe desde que os sujeitos se adequem aos padrões homogeneizantes que existem nesse ambiente. Observações pessoais: quando atuava como coordenador pedagógico na instituição escolar mencionada anteriormente, ouvia discursos excludentes na sala de professores. Certa vez perguntei a um colega como ele agiria se tivesse um aluno homossexual em sua sala de aula? “bem, eu respeito todos os meus alunos, mais para não criar problema ele teria que se comportar, sem essas coisas de desmunhecar ou de chamar atenção, se isso acontecer ele se dará muito bem em minha sala”. Ai está claro que a escola que é o lugar de aprendizagem e consequentemente é oprofessor quem organiza e avalia essa aprendizagem, ele utiliza esse poder para disciplinar as diferenças fazendo o(a)s aluno(a)s entenderem que devem seguir os padrões homogeneizantes da heteronormatividade, levando-o(a)s a culparem-se de certa forma por sua própria exclusão. Como bem coloca Seffner (Brasil 2009, p.130). “O aparelho escolar foi montado a partir de um sem-número de pequenos procedimentos, mínimos rituais, rotinas, obrigações, códigos de direitos e deveres, construídos da ótica da exclusão e da segregação dos alunos em grupos particulares”. Nessa afirmação podemos observar sob qual ótica está ancorada a tal instituição. Incomoda-me o fato de o mesmo professor que diz respeitar as diferenças existentes, induzi-la a adequar-se aos padrões e regras impostos na escola, onde poderiam ser negociadas entre indivíduos. A escola deve ser um lugar de inclusão das diferenças, de interação social, levando os indivíduos a refletirem sobre suas práticas cotidianas, para que o processo de ensino aprendizagem possa levar o(a)s aluno(a)s, professore(a)s e demais pessoas envolvidas nesse processo, refletir sobre seus papeis na sociedade. Investigando a homossexualidade na escola Segundo Fidalgo e Machado: [...] Educação designa a prática social, voluntária, intencional e metódica exercida por agentes diversos (família, escola, igreja, partidos, associações, etc.) através de procedimentos que tem como objetivo o homem (crianças, jovens e adultos) visando despertar, Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003715 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 influenciar e canalizar o desenvolvimento de potencialidades de ser humano [...] (FIDALGO & MACHADO, 2000, p. 35): A conceituação de educação acima citado abre um leque extenso acerca do fenômeno da educação. Pode ser exercida por variados agentes, em ambientes formais e não formais, e/ou escolares e não escolares, em que há um processo de construção sociocultural do conhecimento. Devem-se levar em consideração que o processo educativo, bem como, o ambiente de socialização do conhecimento – escola – sãocomplexos marcados pelas variáveis pedagógicas e sociais não podemos fazer uma análise detalhada sem um diálogo com vida, precisamos considerar, sobretudo o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. “A educação pós-moderna buscará a igualdade sem eliminar as diferenças [...] a escola embora tenha de ser local, enquanto ponto de partida deve ser universal, enquanto ponto de chegada.” (SEVERINO, 2007, p. 25). A educação não deve ser simplesmente um processo de influência do passado sobre o presente, mais sim, de ajudar ao homem e a mulher a conquistar os seus próprios instrumentos de libertação e realização do que projetam. A educação que liberta, também aliena, quando no cumprimento do exercício de poder das culturas dominantes, agindo assim de forma excludente com base em padrões de normatividade, reafirmando a fragmentação do pensar e do saber, delimitando espaços. A partir dos resultados preliminares da pesquisa sobre a sexualidade na escola, observamos que a abordagem sobre a homossexualidade é invisibilizada na educação. A sociedade e o “capitalismo se apropriam da sexualidade nos seus diferentes momentos históricos, disciplinando o corpo para torna-lo dócil, útil e cristalizado de culpa e pecado”. (SOUZA 2007, p. 98). Quando perguntado se a homossexualidade é trabalhada na escola: Não. Há muitas dificuldades das pessoas que trabalham na escola em lidar com essa temática, geralmente ignoram a questão, seja por falta de conhecimento ou até mesmo por preconceito. Muitas vezes procuram não tratar do fato como se não existisse, uma forma de fechar os olhos para a realidade. (Professor do programa de formação continuada) Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003716 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 Observamos que quando as poucas vezes em que a sexualidade é trabalhada no espaço escolar, o homossexual é tratado como um ser invisível aos olhos do(a)s gestore(a)s e equipe pedagógica, não sendo assim tratada como deveria pela instituição na tentativa de coibir atos discriminatórios e preconceituosos. Esse processo de invisibilização deve ser desestabilizado, pois são reproduzidos no currículo, nos livros didáticos e até nas discussões sobre direitos humanos na escola. E quando acontece algo, é ‘pontual’, ações “tímidas motivadas por lei”. O currículo das escolas não faz referencia alguma ao estudo da homossexualidade, porém os parâmetros curriculares nacionais – PCN destacam a orientação sexual voltada para o viés da reprodução humana, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis DST/AIDS e para evitar gravidez indesejada. Há uma negação da existência da homossexualidade, nas escolas, negando assim a sua diversidade silenciando a problemática e dissimulando as informações inerentes a ela. Neste sentido “Os sujeitos envolvidos nesta área, estudantes e professoras/es deixam de fazer perguntas, disfarçam curiosidades e inquietações, ‘fazem de conta’ que vivem, todos, de acordo com os padrões estabelecidos” (LOURO, 2000, p. 47) Sendo assim, a comunidade escolar acaba por reproduzir os ditames impostos pela sociedade capitalista, acabando por estigmatizar a homossexualidade como doença e/ou pecado, ranços do conservadorismo patriarcal, excluindo assim a população LGBT dos processos de ensino aprendizagem. Em minha atuação como docente tive como aluno uma criança que se identificava com as meninas em seus momentos de recreação, e que eu achava natural pelo fato das brincadeiras serem mais tranquilas, mas os pais me preocupavam por estarem preocupados com essa amizade. Conversei com eles explicando que por ter apenas 5 anos de idade essa preferência em brincar com meninas não definia sua sexualidade. (formadora da SEMED). Ao discutirmos sobre a homossexualidade não podemos nos limitar a estereótipos e estigmas de que ‘menino que anda com menina e brinca de boneca seja homossexual’. Nota-se uma maturidade da professora em perceber que, tal sensibilidade e preferência em brincar com as meninas não poderiam está amparadas em parâmetros pouco seguros do senso comum, para se definir uma identidade sexual de uma criança de apenas cinco anos. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003717 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 Contudo, podemos dizer que aos pais falta-lhes informação apropriada sobre a sexualidade, portanto, a postura desta professora foi de fundamental importância nesse processo de construção da identidade da referida criança, que precisa se dar sem transtornos ao seu desenvolvimento pessoal. Quando perguntado sobre a forma que a escola age e o que dizem o(a)s professore(a)s com relação aos homossexuais na escola fui surpreendido com respostas diversificadas, observemos a seguir: Quase todos agem de forma discriminatória tanto professor (em conversas na sala de professores) quanto aluno (descaradamente na frente do gay), e os que não discriminam preferem não se envolver.(formador da SEMED) Fica o maior babado na sala dos professores, porque geralmente esta descoberta vem acompanhado de bullying causando problemas disciplinares é ai onde entrava a nossa intervenção através do diálogo na sala de aula resgatando o direito de cada cidadão ter a sua identidade e cada um viver a sua vida deixando o outro em paz. (formadora da SEMED) Analisando as respostas podemos apontar algumas variações de comportamentos do(a)s professore(a)s. Existe ai três tipos visíveis pelo menos: o(a) professor(a) que discrimina e comenta nas salas de professore(a)s por acharem que fazem um favor aos aluno(a)s, o(a) professor(a) que não discrimina mais também não se manifesta posicionando-se a favor do discriminado(a) e o(a) professor(a) que participa ativamente do processo, que intervém no momento em que percebe a problema. Porém o que tem sido feito de concreto para que a homofobia e/ou bullying homofóbico acabem nos ambientes escolares? Penso que não basta só intervir no sentido de coibir a prática, mais sim, “ter uma enorme dose de sensibilidade para lidar com a inclusão escolar” [...], sem que precise “ser ‘convencido(a)’ de que a inclusão é boa”. (SAFFNER, BRASIL, p.131). Não é tarefa fácil encontrar professore(a)s que se disponham a fazer essa inclusão, que possa valorizar e respeitar as discussões acerca da sexualidade e a diversidade sexual, não por serem contra, mais por comodidade e/ou medo de ser apontado como homossexual. Diante dessa recusa da escola e do(a)s professore(a)s em se envolver com as questões da homossexualidade, podemos presenciar casos de violência física e simbólica nos relatos abaixo encontramos indícios de homofobia no ambiente escolar. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003718 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 Minha filha precisou ligar para a polícia, foi um caso de espancamento do homossexual. A escola acatou a atitude da monitora, mas alertou do perigo que ela passou em envolver-se porque o aluno era muito escandaloso, vinha pintado, podia ser mais discreto... (não é ainda o esperado. Mas a construção de novos paradigmas é conquista historicamente). (formadora da SEMED) No primeiro dia de aula o aluno chegou na escola e logo foi identificado, daí muitos outros meninos ficaram zonando da cara dele e mexendo na bunda, eu intervi na ocasião e dei uma bronca nos alunos. A direção transferiu esse aluno pra noite. (formador da SEMED) Podemos perceber claramente que “[...] a masculinidade hegemônica se constitui, então, como um modelo ideal, particularmente irrealizável, que subordina outras possíveis variedades de masculinidades e exerce um efeito controlador no processo de constituição de identidades masculinas” (ALMEIDA, 1995, apud BRASIL, 2009, p. 20). É através desse modelo de masculinidade que podemos entender a intensificação da violência e/ou homofobia na escola que afeta a aprendizagem do(a)s aluno(a)s, sua maneira de agir e interagir com o outro(a), tornando um ambiente inseguro e vulnerável a agressões, gerando assim o desinteresse pela escola, comprometendo o rendimento da aprendizagem do público LGBT levando-o na maioria das vezes ao fracasso, abandono e evasão do espaço escolar. Considerações: Desestabilizar preconceitos apontando caminhos para a inclusão da diversidade sexual Diante do exposto percebemos que as práticas curriculares realizadas nos espaços das salas de aulas ainda são permeadas de preconceito e discriminação para com a os sujeitos que constitui a população LGBT, havendo a necessidade de se romper com os estigmas e a discriminação para construir uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade social para todo(a)s, intensificando o discurso de uma cidadania plena. Para tanto a discussão, o trabalho sobre a homossexualidade, a homofobia, a discriminação e o preconceito devem estar incluídos no conjunto das práticas curriculares escolares, sobretudo no ensino público, nos projetos políticos pedagógicos das escolas, na formação inicial e continuada do(a)s profissionais da educação, devendo Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003719 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 12 estar contidos nas diferentes etapas e modalidades de ensino, criando assim um ambiente respeitoso e cordial, que valorize as diferenças, bem como nos materiais didático-pedagógicos utilizados na escola, inclusive nos livros didáticos e paradidáticos. É preciso desmontar os mecanismos fundantes da heteronormatividade existentes na escola para que a mesma possa problematizar a homossexualidade, quebrando as amarras do preconceito e discriminação, subvertendo assim os atos de violência e homofobia. Claro que atrelado a isso o(a) s profissionais precisam de [...] “diretrizes e instrumentos adequados para enfrentar os desafios relacionados aos direitos sexuais e à diversidade sexual” (JUNQUEIRA apud BRASIL, 2009, p.34). Para que esses instrumentos e diretrizes possam “incluir de modo coerente tais temas na sua formação inicial e continuada; bem como estimular a pesquisa e a divulgação de conhecimento acerca da homofobia, da sua extensão e dos modos de desestabilizá-la” (idem, p.35). Buscando estratégias de atuação que questionem a homofobia. Na escola, o trabalho voltado a problematizar e a subverter a homofobia (eoutras concepções preconceituosas e práticas discriminatórias) requer, entre outrascoisas, pedagogias, posturas e arranjos institucionais eficazes para abalarem estruturase mecanismos de (re)produção das desigualdades e das relações de forças. (JUNQUEIRA apud BRASIL, 2009, p. 35). É necessário construir um ambiente acolhedor de respeito e aceitação das diferenças, abolindo as piadas e as manifestações sexistas excludentes, transformando-o em um local de interação social e de desenvolvimento das aprendizagens, buscando um diálogo entre as diversidades e as diferenças. Notas 1. Subtítulo extraído de MAIA, Ana Claudia Bertolizzi. Sexualidade, Deficiência e Gênero: reflexões sobre os padrões definidores de normalidade. In:JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009. p. 265-291. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003720 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 13 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY,M. Juventudes e sexualidade / Miriam Abramovay, Mary Garcia Castro, Lorena Bernadete da Silva. Brasília: UNESCO Brasil, 2004. BRITZMAN, D. O que é essa coisa chamada amor: identidade homossexual, educação e currículo. Educação & Realidade, Porto Alegre, 1996. DINIS, Nilson Fernandes. Educação, relações de gênero e diversidade sexual. Educação & Sociedade. Campinas, 2008. JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis: Vozes, 1998. ___________________.Currículo, Gênero e Sexualidade. Porto: Porto Editora, 2000. ___________________. Sexualidade e gênero na escola. In SCHHMIDT, Saraí. A educação em tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001. ____________________.Teoria queer: uma política pós-estruturalista para a educação. Revista Estudos Feministas, 2001. FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. 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