Alfabetização Matemática: a Problemática com os Alunos nas
Séries Finais do Ensino Fundamental
Giovana Cristina Ferrari Gasparotto
Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Carrera de Souza
Introdução
O presente trabalho é a descrição do projeto de pesquisa que estou desenvolvendo no
mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática na UNESP de Rio
Claro, cujo objetivo é investigar a questão da alfabetização matemática em alunos nas
séries finais do ensino fundamental.
Alguns Questionamentos
A Educação brasileira vive momentos de conflitos em todos os seus níveis, do ensino
infantil ao superior.
Existem inúmeros fatores que semeiam esses conflitos nas escolas brasileiras, entre eles, a
luta dos professores por melhores salários e condições de trabalho, a Progressão
Continuada, o construtivismo, a má formação de alguns profissionais da educação, classes
muito numerosas e a questão das cotas nas universidades.
Também inúmeros são os estudos, as pesquisas, provas de nível nacional, estadual e
municipal promovidas pelos diversos governos, que demonstram o problema de
aprendizagem da Matemática no Brasil, além de trabalhos, propostas de ensino, livros
publicados, uma quase ‘auto-ajuda’ pedagógica que tenta nortear professores e outros
profissionais da educação, em busca de uma melhor aprendizagem por parte dos alunos.
O problema fica muito evidente quando as crianças chegam à quinta série1 despreparadas
matematicamente, pois nessa série entram em contato com um novo modo de trabalho. São
mais professores, de diferentes áreas que trabalham de um modo mais diversificado do que
estão acostumadas e, muitas vezes, esperam resultados que esses alunos não conseguem
dar, porque não possuem ainda maturidade suficiente.
Essa maturidade, a maioria vai ganhando ao longo do ano, quando se ambienta com a sala,
com os professores, com as disciplinas, ganha mais confiança e o trabalho flui melhor.
Esse período de choque, então, desaparece, e dá lugar a uma nova etapa, tanto na vida
quanto com relação à aprendizagem. “Extravagante, o estudante dá voltas e mais voltas, se
move lentamente, se permite rodeios, se oferece paradas, se detém.” (LARROSA, 2003,
p.20).
Nessa fase fica mais evidente a discrepância entre o saber que os professores de quinta
série pressupõem que eles deveriam ter, e o que eles realmente têm. MICOTTI (1999) fala
que “O saber compreende informação e conhecimento; nele prepondera o aspecto social.
Não basta alguém interpretar as coisas a seu modo para que sua interpretação seja
reconhecida como válida, para isso é preciso que outros abonem esse conhecimento ou
essa interpretação – a comunidade científica, a sociedade.” p.155.
Grande parte dos alunos chega com algum problema de aprendizagem nas quatro
operações fundamentais, adição, subtração, multiplicação e divisão, tanto na compreensão,
quanto com relação ao algoritmo. Destacam-se aqui as operações fundamentais, pois elas
são as ‘chaves’ para a maioria das situações-problema que são lançadas para eles, tanto nas
séries iniciais, quanto da quinta em diante, e, portanto, sem elas fica muito complicada a
aprendizagem dos demais conteúdos.
Tais problemas com as operações fundamentais não são percebidos apenas durante uma
avaliação formal, mas sim durante todo o período de aula, através da oralidade e da escrita,
então, pode-se dizer que esses alunos possuem problemas quanto à Alfabetização
Matemática.
1
Algumas escolas municipais referem-se à quinta série como quarto ano do ciclo intermediário, outras a primeiro ano do
ciclo final, durante todo o trabalho será utilizada a denominação de quinta série no intuito de melhor fazer uma
generalização da série.
Alfabetização Matemática
DANYLUK (1997) define a Alfabetização Matemática como:
... um fenômeno que trata da compreensão, da interpretação e da comunicação dos
conteúdos matemáticos ensinados na escola, tidos como iniciais para a construção do
conhecimento matemático. Ser alfabetizado em Matemática, então, é compreender o que
se lê e escrever o que se compreende a respeito das primeiras noções de lógica, de
aritmética e geometria. Assim, a escrita e a leitura das primeiras idéias matemáticas
podem fazer parte do contexto de Alfabetização. p.12.
Ser alfabetizado em Matemática, então, é ler e compreender os números, relacionar as
unidades de medida, comunicar-se usando os conceitos aprendidos, compreender as
operações fundamentais, mesmo sem domínio dos algoritmos, ou seja, estar alfabetizado
matematicamente refere-se a tudo o que é o primeiro passo matemático na vida desse
aluno.
A criança2 descrita acima não é aquela que por vezes erra uma conta, ou que não conseguiu
entender o algoritmo desta ou daquela operação. O fato descrito acima está relacionado
com alunos que passam os quatro anos inicias do ensino fundamental e não compreendem
os conceitos matemáticos satisfatoriamente. Não classificam as figuras geométricas mais
simples como triângulos e quadrados. Há, ainda, casos gritantes de alunos que não
conseguem contar uma seqüência de números maiores do que cinqüenta.
Assim, a questão proposta nesse projeto de pesquisa é compreender de que modo algumas
crianças chegam não alfabetizadas matematicamente às séries finais do ensino
fundamental. Quais foram os processos vivenciados por esses alunos que permitiram que
essa situação se estabelecesse sobre eles?
2- É importante ressaltar que não se trata de crianças com necessidades especiais, mas alunos que freqüentam a escola
normalmente, sem que exista nenhuma restrição física ou psicológica descrita sobre ele.
Foca-se o estudo nas séries finais, pois a essa altura ele já deveria estar com todas as
competências matemáticas descritas acima, porém, o que acontece é que se esquece de
todo o processo pelo qual ele passou durante esses anos iniciais na escola, e ele agora é um
produto do fracasso escolar ou familiar, uma vez que ninguém mais se responsabiliza por
ele, nem os professores das séries iniciais, nem os professores específicos de Matemática,
alegando não serem capacitados para enfrentar esta situação, e nem mesmo os pais que, por
muitas vezes, se omitem diante do problema e ainda acreditam que a Educação é uma
questão apenas escolar.
Mais do que um problema educacional, é inquietante a qualquer professor consciente de
sua prática, aceitar tranqüilamente essa quase ‘ausência’ de aprendizagem Matemática
nesses alunos. Alunos que passaram quatro anos dentro de uma sala de aula, e chegam
agora às séries finais sem saberem o necessário. LARROSA (2004) diz “Como evitar,
então, a suspeita de que a crescente profusão de nossas palavras e de nossas histórias não
tem correlato o engrandecimento de nosso desassossego? Como pensar que nosso já quase
insuportável falatório talvez tenha algo a ver com a também insuportável certeza de nossa
própria in-existência?” p.23.
‘In-existência’ é uma palavra que pode resumir muito bem o problema da não
alfabetização desses alunos. Tanto a ‘in-existência’ de aprendizagem por parte deles,
quanto à ‘in-existência’ de responsabilidade e iniciativas eficazes para reverter esse
quadro.
Opções Metodológicas
Este trabalho tem como foco as séries finais do ensino fundamental. Os alunos com
dificuldades em alfabetização matemática serão os objetos de estudo, para que consiga-se
lançar um olhar sobre esse problema. “O mundo não tem sentido sem o nosso olhar que lhe
atribui forma, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.” (LUFT, 2004,
p.21).
Esses alunos pertencem a uma escola da rede pública municipal no interior de São Paulo,
na região de Campinas, além disso, é importante dizer que sou a professora das salas que
serão pesquisadas.
Serão realizadas entrevistas com os alunos que possuem essas dificuldades de
Alfabetização Matemática, e também serão entrevistados os seus pais ou responsável, na
tentativa de analisar sua vivência fora da escola.
As entrevistas em questão serão do tipo semi-estruturadas. Neste tipo de entrevista existe
um roteiro de questões a ser seguido, mas que não é fechado, estanque, as perguntas
sempre dão oportunidade ao entrevistador de pontuar algumas observações ao longo da
conversa de modo a conduzi - lá de uma maneira que o sujeito entrevistado possa expressar
seus pensamentos e sentimentos de forma mais livre. ROSA (2006) diz que neste tipo de
entrevista os questionamentos são mais profundos e, também, mais subjetivos, levando
ambos a um relacionamento recíproco, muitas vezes, de confiabilidade. Pode dizer também
a respeito de uma avaliação de crenças, sentimentos, valores, atitudes, razões e motivos
acompanhados de fatos e comportamentos.
Este tipo de entrevista é importante para tentar atingir os objetivos da pesquisa proposta, já
que tem a intenção de buscar além das fronteiras da sala de aula, e tentar ver o que existiu
ou existe que impede essa criança de aprender.
Esta pesquisa não tem a intenção de trazer números sobre a alfabetização do país, ela
pretende discuti - lá, portanto terá uma abordagem qualitativa. “A pesquisa qualitativa...
Lida e dá atenção às pessoas e às suas idéias, procura fazer sentido de discursos e
narrativas que estariam silenciosos. E a análise dos resultados permitirá propor novos
passos” (D’ Ambrósio, 2004, p.21).
Considerações Finais
Seria muita pretensão fazer nesse trabalho alguma proposta que venha com o intuito de
reverter esse quadro triste da Educação brasileira, o que ele pretende é avançar nessa
importante discussão levantando pontos relevantes que elucidem melhor o problema, ou
seja, participar desse inflamado debate que permeia todo o país.
Bibliografia
DANYLUK, O. S. Alfabetização Matemática: a escrita da linguagem matemática no
processo de alfabetização. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.
D’AMBRÓSIO, U. In: BORBA, M.C.; ARAÚJO, J. L. (Orgs.) Pesquisa Qualitativa em
Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 11 – 23.
LARROSA, J. Estudar = Estudiar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
__________, J. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
LUFT, L. Perdas e Ganhos. Rio de Janeiro: Record, 2004.
MICOTTI, M. C. O. In: BICUDO, M. A. V. (Org.) Pesquisa em Educação Matemática:
Concepções e Perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 153 -167.
ROSA M.V.F.P.C. & ARNOLDI M.A.G.C. A Entrevista na Pesquisa Qualitativa –
mecanismos para a validação dos resultados. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
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Alfabetização Matemática - STI - Unesp