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A CRISE ALIMENTAR NA PRÉ-HISTÓRIA: A SUPERPOPULAÇÃO E AS
ORIGENS DA AGRICULTURA1
Mark Nathan Cohen
Tese
Baseando-se em uma vasta documentação etnográfica e arqueológica, o autor fornece
argumentos para demonstrar sua hipótese de que os acontecimentos que levaram ao
surgimento da agricultura nas diversas regiões do mundo revelam um notável paralelismo
que, respeitando as variáveis locais, possuem um vínculo muito forte com o aumento da
pressão demográfica e, dessa forma, esta pode ser usada para construir e explicar um modelo
geral para a origem da agricultura.
Conceitos
1) agricultura: deve ser concebida como o acúmulo de novos hábitos, mais do que
como uma invenção ou um salto evolutivo positivista (um estágio evolutivo que,
necessariamente, deveria ser alcançado). A agricultura deve ser vista como uma
estratégia de adaptação de base econômica.
2) pressão demográfica: o autor a define como um desequilíbrio entre uma
determinada população, os alimentos que utiliza e suas normas de trabalho, que as
obriga a modificar seus hábitos alimentares ou a trabalhar mais.
3) domesticação: parte do consenso de que o conhecimento agrícola já tinha suas
bases em sociedades caçadoras-coletoras; o conhecimento de que as plantas
crescem a partir de sementes é universal entre os caçadores-coletores e tal
conhecimento já era disponível aos grupos humanos desde muito tempo, muito
antes de que fosse aplicado efetivamente pelas economias agrícolas.
Os dados obtidos sugerem que a agricultura primitiva não representou nenhuma
vantagem em relação à caça e a coleta, exceto que fornecia uma maior quantidade de calorias
por cada unidade de espaço. Provavelmente, o resultado da adoção da agricultura foi um
aumento do trabalho per capita e a degradação da qualidade da dieta alimentar. É provável
que a agricultura somente tenha sido adotada em condições nas quais a demanda de calorias
estivesse em desequilíbrio com as possibilidades de produção da economia pré-existente
(caça/coleta).
Dessa forma, o crescimento demográfico efetivo é a única explicação possível em todo
o mundo, pois forçou as populações pré-históricas a aumentarem artificialmente a oferta de
alimentos, através da agricultura. É possível que as populações de todo o mundo tenham
chegado perto de densidades críticas e tenham adotado economias de caráter amplo e, depois,
a agricultura, aproximadamente ao mesmo tempo.
A evolução das economias humanas na direção determinada por uma demanda em
constante crescimento é demonstrada pelas populações de cada continente, através de
registros arqueológicos e etnográficos. Inicialmente, concentraram-se na exploração da fauna
de grandes mamíferos, que foi um recurso apreciado mas escasso. Depois, estas populações
foram gradualmente passando para economias de caráter mais amplo, ajustadas à exploração
de recursos mais abundantes porém menos saborosos.
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COHEN, Mark N. The Food Crisis in Prehistory. Overpopulation and the Origins of Agriculture. Yale
University Press, 1977. Tradução e síntese elaboradas por Jairo Henrique Rogge.
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Em cada caso, as técnicas de domesticação centraram-se em espécies de plantas que
eram escolhidas pela sua capacidade de fornecer grandes quantidades de calorias
armazenáveis e não pelo seu sabor. Tais espécies de plantas estavam, geralmente, disponíveis
nas proximidades dos assentamentos humanos.
Apesar de levar em consideração o problema da variação local, respeitando os
particularismos históricos, os argumentos citados pelo autor mostram uma distribuição geral
das origens da agricultura no tempo e no espaço, pois existem semelhanças entre tais
acontecimentos em diversas regiões do mundo. Portanto, assim que se fez sentir o efeito da
pressão demográfica iniciam-se as experiências agrícolas, primeiro em determinadas regiões
e, depois, expandindo-se à outras.
Dessa forma, o modelo apresentado por Cohen sugere que não se deve centrar a
atenção na invenção ou na difusão pura e simplesmente, bem como nas condições em que as
populações caçadoras-coletoras consideraram a domesticação como algo rentável, mas devese centrar a atenção no aprofundamento dos conhecimentos sobre os fatores pelos quais são
reguladas, demograficamente, as populações de caçadores-coletores.
O modelo de explicação das origens da agricultura, oferecido por Cohen, constitui
também uma explicação sobre o reflexo da natureza do Homem como ser biológico e sobre o
caráter de seus modos de adaptação. Nesse sentido, o registro arqueológico mostra claramente
que o processo de reajuste ecológico das populações humanas tem sido constante. A aparente
estabilidade das populações etnográficas induzem à erro, seja porque os grupos “primitivos”
modernos são historicamente anômalos ou porque se os observa durante um período muito
curto para que se revele seu crescimento inerente, pois aparentemente a seleção natural tem
selecionado sistemas instáveis.
Assim, tanto os dados arqueológicos como os etnográficos sugerem que o
conhecimento das técnicas de cultivo é um padrão universal, conhecimento esse do qual as
sociedades caçadoras-coletoras já tinham condições de aplicar muito antes da prática efetiva
da agricultura ter sido usada como uma estratégia adaptativa. Não é, portanto, a ignorância
frente tais técnicas, que deve ser considerada como razão pela qual certas sociedades
permaneceram como caçadoras-coletoras enquanto outras tornaram-se agricultoras. A
resposta a essa pergunta deve ser buscada na ação da pressão demográfica e na busca de
alternativas adaptativas que favorecessem a sobrevivência das sociedades humanas.
“Em resumo, minha proposta baseia-se na argumentação de que a
população humana vem crescendo ao longo de toda a sua história e que esse
crescimento é a causa, antes que simplesmente o resultado, de grande parte
do “progresso” humano ou da mudança tecnológica, especialmente no que
tange à subsistência. Apesar do fato de que a caça e a coleta constituam um
modo de adaptação de muito êxito para grupos humanos pequenos, não está
muito bem adaptada para sustentar populações humanas grandes ou densas.
Sugiro, enfim, que o desenvolvimento da agricultura foi um reajuste que as
populações humanas se viram forçadas a fazer como reação ao aumento
demográfico. Há cerca de 11.000 ou 12.000 anos atrás os caçadores e
coletores, que viviam com uma gama limitada de alimentos preferidos
haviam ocupado, através do crescimento demográfico natural e a
conseqüente expansão territorial, todas as partes do globo que podiam
sustentar seu estilo de vida de modo razoável. De fato, muitos grupos já
haviam considerado necessário, em muitas regiões, ampliar a gama de
recursos silvestres usados na alimentação, a fim de sustentar suas
populações crescentes. A partir dessa época, quando a expansão territorial
se foi tornando cada vez mais difícil e cada vez menos atrativa como meio
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de adaptação ao crescimento demográfico, as populações se viram
obrigadas a diversificar sua alimentação, a comer coisas cada vez menos
agradáveis ao gosto e, particularmente, a concentrar-se em alimentos de
baixo nível nutricional mas de grande densidade. No período que vai de
9.000 até 2.000 A. P. as populações do mundo todo, que já utilizavam quase
toda a gama de alimentos comestíveis disponíveis, se viram obrigadas a
ajustar-se a novos aumentos populacionais, agora mediante um incremento
artificial, não daqueles recursos que preferiam comer, mas daqueles que
reagiam melhor à manipulação humana e aqueles com os quais poderiam
ser produzidos um número maior de calorias por unidade de terra” (p. 28)
O modelo hipotético criado por Cohen e sintetizado na citação acima, está baseado em
seis proposições principais:
1) a agricultura não pode ser entendida simplesmente como um comportamento ou
conceito, mas sim como um acúmulo de técnicas criadas e utilizadas para
aumentar a quantidade de determinados recursos alimentares; sendo que muitas
dessas técnicas são utilizadas em graus muito variados de combinação inclusive
em sociedades caçadoras-coletoras, não é por ignorância mas sim por falta de
necessidade que determinadas sociedades não tornaram-se agricultoras.
2) a agricultura não é uma opção mais fácil do que a caça e a coleta e tampouco
oferece uma base alimentar mais agradável, de melhor qualidade e mais segura.
De fato, ela oferece apenas uma vantagem sobre a caça e a coleta: proporcionar
mais calorias por unidade de terra e por unidade de tempo e, portanto, sustentar
populações mais numerosas; em outras palavras, só será praticada quando atua
sobre uma sociedade a pressão demográfica.
3) embora estudos com sociedades caçadoras-coletoras contemporâneas mostrem
uma tendência em buscar o equilíbrio demográfico e a estabilidade em um ponto
muito abaixo da capacidade de suporte máxima do ambiente, as sociedades
humanas foram crescendo ao longo de sua história e esgotando progressivamente
seus recursos, até o ponto de necessitar constantemente a elaboração de novas
estratégias de adaptação e a redefinição, também constante, de suas relações
ecológicas.
4) as populações caçadoras-coletoras possuem mecanismos generalizados e bastante
eficazes mediante os quais busca o equilíbrio demográfico. Existem provas do
funcionamento desses mecanismos em populações pré-históricas, o que faz com
que não seja impossível pensar em um aumento da pressão demográfica
aproximadamente sincrônico em grandes extensões do globo, tendo como
resultado que a maior parte da população mundial teria inventado ou adotado a
agricultura dentro de um mesmo período de tempo e de modo relativamente
rápido.
5) os acontecimentos que desembocaram na agricultura mostram um paralelismo
notável quando se vê a partir de uma perspectiva temporal e geográfica ampla.
Apesar das variações locais dentro desse processo, tal paralelismo exige que haja
algum fator comum atuante nessas regiões.
6) o registro arqueológico, tanto do período paleolítico e mesolítico, assim como nas
etapas correspondentes americanas, mostra que houve um crescimento
demográfico contínuo e uma pressão demográfica crescente, especialmente nas
etapas pré-agrícolas; em cada caso, a adoção da agricultura não parece ser mais do
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que outra adaptação somada a uma longa série de adaptações ecológicas realizadas
para confrontar o crescimento demográfico.
O Caso do Velho Mundo
Numa perspectiva bastante ampla, de acordo com os desenvolvimentos pré-históricos
do Velho Mundo, a agricultura se apresentou como o ponto culminante de um acúmulo da
pressão demográfica, que abrangeu todo o hemisfério.
O registro arqueológico sugere que a agricultura surgiu, em todo o Velho Mundo, com
os seguintes antecedentes:
a) quando a população humana terminou sua expansão desde as latitudes tropicais às
temperadas e por último, às árticas;
b) quando o Homem, começando com uma elevada seletividade na sua escolha de
nichos ecológicos em cada latitude, havia iniciado uma exploração cada vez maior
de habitats diferentes;
c) quando a densidade de áreas ocupadas havia aumentado em todas as regiões;
d) quando se havia reduzido em muito a seletividade da dieta humana e se havia
generalizado o consumo de caráter amplo;
e) quando a exploração dos recursos aquáticos se intensificou cada vez mais em
quase todas as partes do globo;
f) quando se produziu um aumento no consumo de animais de caça de pequeno
porte, em detrimento dos grandes animais;
g) quando a quantidade de consumo de alimentos vegetais passou a ser cada vez
maior, incluindo aqueles que necessitavam de uma preparação mais complexa
para serem ingeridos.
Ao que parece, a agricultura surgiu em um contexto em que muitos grupos humanos
já haviam se tornado relativamente sedentários e no qual os estilos da cultura material já
apresentavam uma clara tendência a uma maior diferenciação regional.
A expansão geográfica das populações do Velho Mundo se deu em função da busca
de novos nichos em ambientes mais amplos, pelo deslocamento competitivo desde nichos
mais antigos quando estes passaram a ser considerados intoleráveis para a sobrevivência.
Nesse contexto, o uso do fogo e das vestimentas foram adaptações impostas pela necessidade
de emigrar em direção à áreas de clima mais frio, especialmente durante o Pleistoceno
Médio. As populações desta época eram caçadoras e muito cautelosas na escolha dos
ambientes a serem explorados. Faziam um uso relativamente menor dos recursos aquáticos e
vegetais, em comparação com a caça.
Na África, ao final do Pleistoceno (12.000/10.000 A.P.), as populações humanas
estavam se alimentando de variados tipos de recursos, onde a fauna malacológica (moluscos)
e ictiológica (peixes), pequenos mamíferos e répteis vão ter grande importância na dieta. A
alimentação se torna mais variada, principalmente em relação aos recursos aquáticos. Ainda
ao final do Pleistoceno se generaliza bastante o aumento da utilização de utensílios
destinados a moer vegetais, especialmente grãos, o que mostra uma atenção mais voltada a
esses tipos de recursos. As datações que confirmam o cultivo, na África ocidental, ao sul do
Sahara, estão em torno de 1.500 A.P.. Para essa data, a agricultura parece já estar bem
estabelecida, cujo elemento predominante é o sorgo. Na África oriental e sul, os registros
arqueológicos comprovam a domesticação em um período um pouco anterior à 1.500 A.P.
O Oriente Médio fornece uma excelente fonte de comparação para a África e a
Europa, em função do paralelismo que caracteriza a evolução econômica nessas áreas e pela
seqüência cronológica semelhante que existiu. No Oriente Médio, a coleta teve papel
importante no final do Pleistoceno, principalmente a coleta de cereais. O modelo de
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domesticação inicial no Oriente Médio também é semelhante ao do Novo Mundo, onde
encontramos uma combinação parecida de cultivos (trigo e cevada no Oriente Médio; milho e
feijões na Mesoamérica). Ao que parece, a primeira agricultura no Oriente Médio baseou-se
no modelo complementar de amido e proteínas com capacidade de armazenamento,
predominando o cultivo de cereais.
No sub-continente indiano é possível que as datações para o início da agricultura
sejam tão antigas quanto as do Oriente Médio. Porém, todo o complexo associado à práticas
agrícolas parece ter se derivado, aí, por difusão a partir de outras regiões. Não existem provas
de um processo autônomo de domesticação.
Na Ásia oriental, as culturas do final do Pleistoceno e início do Holoceno são
semelhantes àquelas observadas na África, Europa e Oriente Médio. Em quase todas as áreas
estudadas, a transição Pleistoceno/Holoceno, antes do aparecimento da agricultura, se
caracteriza pelo surgimento de economias de caráter amplo, que revelam os sinais
característicos de uma pressão demográfica em crescimento.
Na Europa, durante o Paleolítico, as populações humanas passaram a se concentrar
cada vez mais na caça a determinadas espécies animais maiores, enquanto que os alimentos
vegetais possuíam uma importância menor da que tinham na África. O Paleolítico Superior
europeu se caracterizou, sobretudo, pelo enorme tamanho dos animais caçados e pela
extraordinária concentração dos caçadores em determinadas espécies. A característica dos
animais caçados conferiam às populações humanas um modo de vida mais migratório. Ao
final do Pleistoceno, as populações humanas já estavam adotando estratégias variadas de
obtenção de recursos, com o objetivo de aliviar a pressão demográfica sobre os recursos
então disponíveis, principalmente em função de um ambiente glacial. Quando termina o
Pleistoceno na Europa, se produziram várias mudanças econômicas e surgem as primeiras
culturas mesolíticas do Holoceno Europeu. Os grandes animais, como os mamutes e bisontes,
estavam escassos ou haviam se extinguido. Nesse contexto, as indústrias mesolíticas
representam um período de readaptação à expansão dos ambientes florestados e, com eles, a
caça passou a ser feita sobre animais menores e de hábitos solitários adaptados às florestas.
Os alimentos de origem vegetal desempenharam, nesse período, um papel sem muita
importância. Na caça de animais de hábitos solitários, especialmente os de pequeno porte, o
arco e a flecha além de outros artefatos de tecnologia microlítica, desempenharam uma
importante função. O papel da mudança climática consistiu em acelerar o desequilíbrio entre
população e recurso alimentar fazendo com que, nesse contexto de tensão econômica, a
adoção da agricultura fosse encarada como uma saída viável. A adoção e expansão da
economia agrícola na Europa é atribuída, principalmente, pela intrusão de novas populações
procedentes do Oriente Médio ou à difusão dos novos hábitos econômicos a partir dessa
região.
O Caso do Novo Mundo: América do Norte e Mesoamérica
As primeiras populações humanas que cruzaram o estreito de Behring eram formadas
por caçadores adaptados às regiões frias da Sibéria, em um momento em que esta e grande
parte do Alaska apresentavam um ambiente propício para caçadores com tal tipo de
adaptação. As datas mais antigas e polêmicas para essa entrada podem chegar a mais de
38.000 anos atrás. São, porém, de difícil sustentação, pois são baseadas principalmente na
tipologia de pontas de projéteis. As datas mais aceitas atualmente, para a passagem por
Behring, estão em torno de 20.000 anos A.P, embora a maior concentração de sítios com
datas mais antigas estejam em torno de 12.500 a 11.000 anos A.P.
Estas populações encontravam-se, tecnológicamente, inseridas dentro de um contexto
do Paleolítico Superior, caçando grandes animais que eram, inicialmente, bastante
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abundantes mas que, rapidamente, tornaram-se escassos. Desse modo, logo tiveram que se
fundamentar em uma caça de caráter mais variado.
A única rota possível para uma expansão em direção sul parece ter sido ao longo de
um corredor livre de gelo (corredor de Alberta ou corredor Laurenciano) que existiu ao longo
da borda oriental do Yukon e a borda noroeste da Colúmbia Britânica, estendendo-se em
direção sudeste sobre Alberta e terminando na altura do estado de Montana, já nos EUA.
A expansão das populações humanas a partir do Alaska em direção sul e leste foi,
tanto na América do Norte como na América do Sul, uma expansão que partiu de um meio
ambiente aberto e rico em caça em direção a ambientes de bosques e florestas, desertos e de
habitats costeiros e fluviais. Quando do retrocesso total das geleiras setentrionais, produziu-se
também uma recolonização da área canadense.
A expansão territorial, na América do Norte, foi acompanhada por uma transição
gradual desde economias muito especializadas na caça de grandes animais àquelas de caráter
mais amplo e variado. Quando os novos territórios a serem ocupados se esgotaram e grande
parte da caça maior se extinguiu, ocorreu uma rápida evolução, de modo paralelo, de
economias do tipo mesolítico, ou arcaico como são chamadas na América.
Esta transição econômica foi acompanhada por um sensível aumento no tamanho e na
densidade da população, bem como por uma tendência em direção ao sedentarismo. É nesse
contexto que, segundo os dados arqueológicos, se deram as experiências com o cultivo de
diversas plantas.
Na área norte-americana, as primeiras comprovações de domesticação de plantas
comestíveis aparecem em torno do terceiro milênio A.P., no leste dos EUA (girassol e
cucurbitáceas). Esta domesticação precedeu a chegada de cultivos tipicamente mexicanos,
como o milho e as cabaças.
A parte mais importante na questão do desenvolvimento inicial da agricultura é a
Mesoamérica, especificamente o México. É o ponto de origem de três plantas alimentícias
muito importantes: o milho, os feijões e as cabaças. Porém, outras plantas não tão
fundamentais foram aí domesticadas, como o abacate, a pimenta e o amaranto. O
desenvolvimento da domesticação, no México, é totalmente independente e autônomo.
A seqüência arqueológica mexicana de domesticação é conhecida pelo estudo de três
regiões: o estado de Tamaulipas, no nordeste; o vale de Tehuacán, no centro e o vale de
Oaxaca, no sul. São todas áreas situadas em regiões de terras altas e secas. O modelo de
domesticação construído a partir dos dados arqueológicos sugere que as primeiras
experiências com cultivo se iniciaram em um contexto de exploração econômica de caráter
amplo, entre 8.000 e 7.000 A.P. O desenvolvimento foi lento e somente a partir de 4.000 A.P
é que temos dados sólidos do uso intensivo de cultivos domésticos. O cultivo mais importante
foi o milho (Zea mays), que deve ter descendido de um milho silvestre já extinto.
O modelo geral da pré-história mexicana, em particular de Tehuacán e Tamaulipas,
mostra que a agricultura surgiu como uma estratégia de reajuste econômico à pressão
demográfica existente nos grupos caçadores arcaicos. Esses grupos capturavam espécies
grandes e pequenas de animais, mas principalmente os grandes. Quando estes começaram a
se tronar escassos, estas populações passaram a utilizar alimentos vegetais de modo cada vez
mais intensivo, a partir de 7.000 A.P., antes da agricultura efetiva. A intensificação do
consumo de vegetais silvestres aumenta a sua importância em detrimento da diminuição do
consumo de carne.
Em cerca de 5.000 A.P., as plantas domesticadas já representavam mais de 15% da
dieta vegetal. A pressão demográfica foi, também, o elemento que acabou influenciando a
distribuição e difusão das espécies domesticadas por amplas áreas, inclusive a América do
Sul e do Norte.
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O Novo Mundo: A América do Sul
A reconstrução da história inicial do cultivo de plantas na América do Sul enfrenta
muitos problemas pela carência de conhecimentos botânicos exatos sobre a origem dos
cultivos mais importantes e pela falta de superposições ou de correspondência entre a
informação botânica disponível e o registro arqueológico.
Vários cultivos foram domesticados de forma independente na própria América do
Sul, através de um processo descentralizado, pois a domesticação aconteceu em várias
regiões separadas e com diversas plantas. É o caso da mandioca (Manihot esculenta), que
está relacionada historicamente e arqueologicamente com as culturas da selva tropical
amazônica. As datas mais antigas para a mandioca plenamente domesticada estão em torno
de 4.000 e 3.000 A.P. Aparecem na costa desértica do Peru, na Venezuela e na Colômbia.
Outro vegetal importante é a batata-doce (Ipomoea batatas), que tanto o México como
os Andes orientais e o vale do Amazonas podem ser os possíveis centros de domesticação. As
datas mais antigas aparecem na costa peruana e tem, aproximadamente, 4.000 anos.
Os principais vegetais domesticados na América do Sul possuem datações a partir de
4.000 A.P., mas alguns podem recuar ainda mais. São eles o amendoim (Arachis hypogaea),
o tubérculo achira (Canna edulis), a batata (Solanum ssp), a quinoa, o complexo associado ao
milho, os feijões e as cabaças.
A primeira planta a ser cultivada na América do Sul é a espécie de feijão Phaseolus
vulgaris, que aparece nas terras altas do Peru.
Portanto, o modelo de pressão demográfica se vê também apoiado pelos
acontecimentos que precedem e acompanham a aparição da agricultura na América do Sul,
pois os primeiros habitantes do continente eram relativamente seletivos em sua escolha de
alimentos e de habitats e que, em ambas opções, parecem haver se centrado na caça de
animais maiores.
A grande polêmica está na questão da origem do Homem na América do Sul e as
datas maiores que 20.000 A.P. geram controvérsias para alguns enquanto que, para outros, o
mesmo acontece com as datas acima de 12.000 A.P.
Os que defendem o povoamento sul-americano em torno de 12.000 A.P (Heynes,
Lynch, Martin), postulam uma rápida e recente colonização da América do Sul por
populações paleoíndias paralelas à (e derivadas de) uma rápida expansão dos caçadores
Clóvis ou Plano da América do Norte.
De acordo com os dados arqueológicos da Venezuela, do Equador, do Peru, do Chile,
da Argentina e do Brasil, a caça desempenhou um grande papel na economia dos paleoíndios
sul-americanos, como comprovam as pontas de projétil. Eles caçavam principalmente
grandes animais e, em menor grau, os de pequeno porte. Somente após 9.000 A.P. é que os
vegetais irão adquirir um maior valor na dieta.
Após 9.000 A.P. começa a ocorrer uma utilização mais complexa dos diversos nichos
ambientais e das fontes de alimentos que estes fornecem: há um aumento na importância da
coleta nas economias especializadas em caça, juntamente com um aumento na utilização de
recursos fluviais e costeiros.
Durante o período de 9.000 a 5.000 A.P., aparece uma notável uniformidade estilística
na cultura material em diversas zonas ecológicas, que sugerem modelos de deslocamento
estacional ou de transumância, combinada com uma programação cada vez mais cuidadosa
da exploração dos recursos mais abundantes em cada estação do ano.
A partir de 5.000 A.P. aparecem comunidades sedentárias, algumas das quais já
utilizavam a agricultura, mas a maioria ainda dependente de recursos silvestres para a
alimentação, o que pode caracterizar um reajuste das populações em crescimento.
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Na região da cordilheira ocidental andina e na costa desértica (no Peru e no Chile), a
agricultura surgiu depois do desenvolvimento de sistemas intensivos de exploração de
recursos marítimos, onde as populações sedentárias já estavam bem assentadas.
No noroeste da América do Sul (Equador, Colômbia, Venezuela e Guiana), o registro
arqueológico sugere uma seqüência de acontecimentos mais ou menos paralela à observada
no Peru e Chile.
No leste do continente (leste e sul do Brasil), fora da selva tropical, os poucos dados
existentes apontam para tendências econômicas que são mais ou menos paralelas às de outras
áreas da América do Sul.
Nas regiões selváticas (vale do Amazonas e Grande Chaco), a evolução do modelo
econômico agrícola bem como a expansão geográfica concomitante das populações humanas,
ocorreram provavelmente à velocidade que foi imposta pelo acúmulo da pressão
demográfica.
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