Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA INEFICÁCIA SOCIAL Autor: Jonatas Moreth Mariano Orientador: Profª. Msc. Neide Aparecida BRASÍLIA 2008 JONATAS MORETH MARIANO OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA INEFICÁCIA SOCIAL Trabalho apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para o Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Aparecida Brasília 2008 Profª. Msc. Neide Trabalho de autoria de Jonatas Moreth Mariano, intitulado “OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA INEFICÁCIA SOCIAL”, requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada em______________________________, pela banca examinadora constituída por: _________________________________________ Profª. Msc. Neide Aparecida Orientadora _________________________________________ Professor Curso de Direito – UCB _________________________________________ Professor Curso de Direito – UCB Brasília 2008 AGRADECIMENTO Agradeço a Deus, em primeiro lugar, pela saúde e a pela disposição que me dá aos estudos. Agradeço também a minha amiga Hanna pela pressão e incentivo; e aos meus amigos Rômulo pelo apoio na difícil missão de formatar este trabalho; e ao Bruno pelo empréstimo do notbook. Outrossim, agradeço a alguns professores, não pela formatura, mais sim pela formação como homem e acadêmico das ciências jurídicas. Por fim, agradeço aos companheiros de militância estudantil, que tanto me auxiliou no senso crítico e idealista exposto nesta monografia. Não menos importante, agradeço aos meus pais pelo sempre constante apoio e o imprescindível auxílio no financiamento de meus estudos. RESUMO MARIANO, Jonatas Moreth Mariano. Os 20 anos da Constituição Federal e sua ineficácia social. Brasília. 2008. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. Já se vão vinte anos da promulgação da Constituição Federal. Ela insurgiu em um momento de transição da ditadura militar para a democracia. É uma constituição progressista, e que muito avançou nos direitos e garantias fundamentais. A sua promulgação foi fruto de muita luta política da população. A Assembléia Nacional Constituinte tinha em sua composição política as mais variadas ideologias, o que resultou em uma Carta sem um padrão ideológico conciso. Várias são as classificações na doutrina pátria a respeito das normas constitucionais. Todavia, ainda peca por ausência de normas regulamentadoras, bem como de políticas públicas que implementem seus preceitos. Várias são as causas apontadas para sua ineficácia social. Também várias são as soluções apontadas para tornar a Constituição mais efetiva. Existem importantes mecanismos jurídicos que combatem a ineficácia, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e o Mandado de Injunção. Ademais, a Constituição também permite a iniciativa popular de leis. Se torna imprescindível para a efetividade da Constituição a intensa participação popular. Palavras-chave: Eficácia social das normas constitucionais. Assembléia Nacional Constituinte. Classificação das normas constitucionais. Normas programáticas. Mandado de injunção. Inconstitucionalidade por omissão. Iniciativa popular de leis. RESUMEN MARIANO, Jonatas Moreth Mariano. Los 20 años de la Constitución Federal y de su ineficiencia social. Brasilia. 2008. 79 f. Finalización de los trabajos del curso (Diploma en Derecho) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. Han de ir veinte años a partir de la promulgación de la Constitución Federal. Ella claramente en un momento de transición de la dictadura militar a la democracia. Se trata de una constitución progresista, y mucho más avanzada que en los derechos y garantías. Su promulgación fue el resultado de una gran lucha política del pueblo. La Asamblea Nacional Constituyente había en su composición las más diversas ideologías políticas, que se tradujo en una carta sin un patrón ideológico conciso. Su promulgación fue el resultado de la lucha política mucho Hay varias clasificaciones de la doctrina patria sobre los requisitos constitucionales. Sin embargo, incluso culpables de la falta de normas reglamentarias y las políticas públicas para la aplicación de sus preceptos. Hay varias razones dadas por su ineficiencia social. Además, varias soluciones están destinadas a hacer la Constitución más eficaz. Existen importantes mecanismos jurídicos para luchar contra la ineficiencia, como la acción directa de inconstitucionalidad por omisión y por orden de los mandamientos judiciales. Por otra parte, la Constitución también permite la iniciativa popular de leyes. Se convierte en esencial para la eficacia de la Constitución a una intensa participación popular. Palabras clave: Social eficacia de los requisitos constitucionales. Asamblea Nacional Constituyente. Clasificación de los requisitos constitucionales. Normas programa. Auto de mandamiento judicial. Inconstitucionalidad por omisión. Iniciativa popular de leyes. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10 1 ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ..................................... 13 1.1 A DERROTA DA CAMPANHA PELAS “DIRETAS JÁ” E A CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. ...................... 13 1.2 INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE ........................................................................................................... 16 1.2.1 O advento do Centrão ........................................................................................ 19 1.2.2 As votações em plenário e a promulgação da Constituição de 88 .................. 20 1.3 PARTICIPAÇÃO POPULAR, O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS . 23 2 A ORIGEM DA INEFICÁCIA .................................................................... 26 2.1 CONCEITOS DE VIGÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA........................... 26 2.2 DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA JURÍDICA E EFICÁCIA SOCIAL ........ 27 2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO A SUA EFICÁCIA JURÍDICA. ................................................................................................. 29 2.3.1 Normas constitucionais de eficácia plena .................................................... 30 2.3.2 Normas constitucionais de eficácia contida ................................................. 31 2.3.3 Normas constitucionais de eficácia limitada ............................................... 32 2.4 A OPÇÃO DO CONSTITUINTE POR UMA CONSTITUIÇÃO ANALÍTICA E COM NORMAS PROGRAMÁTICAS. .............................................. 36 2.4.1 Críticas às normas programáticas................................................................ 38 2.4.3 2.5 Defesas ás normas programáticas ................................................................ 40 O TRIPÉ CAUSADOR DA INEFICÁCIA SOCIAL..................................... 44 3 3.1 ARMAS NO COMBATE A INEFICÁCIA SOCIAL................................. 46 O ARSENAL JURÍDICO (JURISDICIONAL) .............................................. 47 3.1.1 Inconstitucionalidade por omissão ............................................................... 47 3.1.1.1 Conseqüência da omissão inconstitucional perante a sociedade ....................... 49 3.1.1.2 Processabilidade e efeitos da decretação pelo STF da inconstitucionalidade por omissão. .......................................................................................................................... 50 3.1.2 Mandado de Injunção.................................................................................... 54 3.1.2.1 Origem histórica ................................................................................................. 55 3.1.2.2 Pressupostos ....................................................................................................... 56 3.1.2.3 Competência e procedimento ............................................................................. 56 3.1.2.4 Objeto e efeitos da decisão ................................................................................. 58 3.1.2.5 Evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ................................ 59 3.1.3 3.2 Outros instrumentos jurídicos de combate a ineficácia da Constituição. 65 PARTICIPAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS. ........................ 66 3.2.1 Iniciativa popular de leis. .............................................................................. 68 3.3 PROPOSTA DE UMA NOVA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE REVISIONAL. ............................................................................................................... 71 CONCLUSÃO............................................................................................................... 75 REFERÊNCIA.............................................................................................................. 78 10 INTRODUÇÃO A nação comemorou neste ultimo 5 de outubro os 20 anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. O momento em que o país se encontrava em 1988 era uma transição da ditadura para a democracia, o país ainda engatinhava em prol da democracia. A Constituição cidadã, conforme foi nomeada por Ulysses Guimarães, revolucionou o país na questão Dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegurando aos cidadãos direitos da 1º a 4º gerações. Com o passar do tempo, a euforia advinda desta nova Carta política foi substituída pela enxurrada de Emendas à Constituição, bem como sofreu com a falta de regulamentação das normas constitucionais por parte do poder constituinte derivado. É neste tumultuado cenário que se levanta a questão da ineficácia social da Constituição da República de 1988. Este trabalho tem por escopo aprofundar o debate não sobre a eficácia jurídica da norma constitucional, ou seja, sua capacidade em ser aplicada, e sim, numa perspectiva sociológica, de sua ineficácia social, bem como suas causas, conseqüências e eventuais soluções. A presente pesquisa é de suma importância, haja vista que uma das maiores conquistas do povo brasileiro, a Constituição de 88, se tornou um documento em que apesar de conter um significativo avanço no rumo da justiça social, não se tornou efetiva no seio da sociedade. No entanto, a academia não tem dado maior importância para essa problemática, em especial por parte dos acadêmicos das ciências jurídicas. Ademais, deve ser missão de todo militante do Direito a busca incessante a todas as possibilidades em dar maior efetividade a Constituição, vez que, a sua não realização concreta enseja na população o sentimento de desrespeito e falta de confiança na Carta Política. Neste aspecto, o êxito da pesquisa pode trazer grandes benefícios a população, pois pretende apontar alguns caminhos, sejam jurídicos ou políticos, com vistas a destinar a Constituição cidadã o ápice de sua efetividade. A metodologia de estudos escolhida foi a do empirismo, em virtude de que o tema proposto originou-se de observações de fatos e insatisfações com a Constituição oriundas da sociedade. Vislumbra-se a problemática por intermédio da análise do cotidiano. Dar-se-á significativa importância quanto ao referencial teórico à melhor doutrina publicista, em especial as obras de Luís Roberto Barroso, Paulo Bonavides, 11 Celso Antônio Bandeira de Melo, José Afonso da Silva, Hely Lopes Meirelles, Maria Helena Diniz, Celso Ribeiro Bastos e Raul Machado Horta, que em diferentes momentos tratam especificamente do tema pesquisado. Todavia, no que diz respeito aos mecanismos jurídicos que dão efetividade a Carta Política, será feito um aprofundado estudo jurisprudencial em face das decisões do Supremo Tribunal Federal. Também será utilizado o método da observação do participante, tendo em vista que o autor do presente trabalho obteve formação teórica e exerce militância nos movimentos sociais, além de que pela formação jurídica está em constante contato com a atuação do judiciário em relação ao tema fruto desta pesquisa. O autor do trabalho irá buscar informações sobre a aplicabilidade real da Carta Magna na sociedade, e o papel do judiciário nesta efetividade. Em que pese às fortes críticas que a Constituição e o judiciário sofrem atualmente da sociedade, a presente pesquisa se mostra de fundamental importância na defesa deste imprescindível documento oriundo de maciça participação popular, bem como de seu aplicador. A exposição dos estudos será dividida em três capítulos. No primeiro capítulo será abordado o momento histórico-político da promulgação da Carta de 88, ou seja, a transição de uma forte ditadura para a democracia. Tendo como base dados históricos e o Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte far-se-á uma explanação a respeito de como foi realizado os trabalhos constituintes, a configuração do quadro políticos e seus inevitáveis conflitos. Em tópico específico, será abordado como ocorreu a participação popular na elaboração da Carta Magna. No segundo capítulo começará a ser estudado as causas da ineficácia social. Preliminarmente, será feito um aprofundado estudo na doutrina pátria sobre a classificação das normas constitucionais, entretanto, dando se enfoque a classificação proposta por José Afonso da Silva. Neste capítulo abordar-se-á o debate a cerca da inserção de normas programáticas na Constituição, apresentando as doutrinas que defendem e criticam as citadas normas, bem como seus melhores argumentos. Por fim, em síntese, será apresentado às causas da ineficácia social que atinge a Carta Política. Já o terceiro capítulo o objeto de estudo será o estudo de mecanismos que solucionem a ineficácia social das normas constitucionais. Inicialmente, o enfoque será nos institutos jurídicos da Inconstitucionalidade por Omissão e do Mandado de Injunção, seus conceitos, aplicabilidade e evolução da jurisprudência. Após o estudo das armas jurídicas, dar-se-á enfoque a participação popular e pressão política dos 12 movimentos sociais, inclusive com estudo da iniciativa popular de leis. Posteriormente, serão estabelecidos comentários acerca da proposta de que o próximo parlamento exerça a função de Assembléia Nacional Constituinte Revisional. 13 1 ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ 1.1 A DERROTA DA CAMPANHA PELAS “DIRETAS CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. JÁ” E A Não é intenção desta monografia fazer um resgate histórico de todas as constituições da história do Brasil, e sim, apenas fazer um resgate histórico da Constituição de 88 para posteriormente tratar de sua ineficácia social. Para tanto, começa-se o resgate histórico a partir da ditadura militar que precedeu a Carta Política de 88. A ditadura militar implantada com o golpe de 64 teve a sua fase mais dura no final da década de 60, quando da promulgação do Ato Institucional nº 51 de 13 de Dezembro de 1968 durante o Governo do Presidente Costa e Silva. Em 1974, com a eleição do General Ernesto Geisel para a Presidência da República se deu inicio ao que o mesmo chamava de transição “lenta, gradual e segura” para a democracia. Uma de suas atitudes foi a proibição das torturas por organismos militares após o incidente da morte do jornalista Wladmir Herzog. Na verdade não se passava de mera “boa intenção”, pois mantinha-se a tortura em alguns organismos militares. Para suceder Geisel foi eleito o General João Baptista de Oliveira Figueiredo, reafirmando o compromisso em restaurar a tão almejada democracia, o que era frontalmente combatido inclusive com ataques terroristas pelo núcleo duro da ditadura militar e seus aliados. Nesta perspectiva, ocorre durante o ano de 84 uma das maiores mobilizações populares da história do país: a campanha pela eleição direta pelo povo do Presidente da República. Conhecida como “diretas já”, teve o seu pontapé inicial com um colossal comício na Praça da Sé, em São Paulo, com mais de 300 mil brasileiros reivindicando o direito de eleger seu presidente. O comitê Pró-diretas era plural e composto por mais de 70 entidades de representação na sociedade, espalhadas entre sindicatos, partidos 1 Tamanha foi a brutalidade deste Ato Institucional que paralelamente a Constituição permitia a adoção de medidas tais como: competência do Executivo para legislar quando do recesso dos órgãos legislativos de qualquer dos três níveis; possibilidade de intervenção federal nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição; poder do Presidente da República de suspender direitos políticos e cassar mandatos eletivos de todos os níveis; suspensão das garantias da magistratura; suspensão do habeas corpus nos casos de crimes políticos dentre outras. 14 políticos, entidades de representação estudantil, comunidades eclesiais de base, associações de moradores e até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil. De São Paulo o movimento se estendeu rapidamente por todo o resto do País, levando a praça pública e às ruas milhões de cidadãos em históricos protestos contra a ditadura e em defesa das eleições diretas2. A Proposta que alterava a Constituição permitindo a eleição direta para a Presidência da República era a Proposta de Emenda à Constituição nº 05/1983, apresentada pelo Deputado Dante de Oliveira3. Apesar de não aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda das “diretas já”, a sociedade continuou mobilizada e conseguiu um pequeno avanço em 85, nas eleições presidenciais indiretas, quando a chapa dos civis conservadores Tancredo Neves para Presidente e José Sarney para Vice se sagrou vitoriosa no Colégio Eleitoral. Durante a campanha em todo o país, Tancredo Neves afirma ser seu compromisso caso eleito Presidente, que aquela seria a última eleição indireta e que a nação teria uma nova Constituição. Em seu discurso após a confirmação de seu nome como Presidente da República pelo colégio eleitoral em 15 de janeiro de 1985 Tancredo Neves reafirmou o compromisso: Brasileiros, A primeira tarefa de meu governo é a de promover a organização institucional do Estado. Se, para isso, devemos recorrer à experiência histórica, cabe-nos também compreender que vamos criar um estado moderno, apto a administrar a Nação no futuro dinâmico que está sendo construído. Sem abandonar os deveres e preocupações de cada dia, temos de concentrar os nossos esforços na busca de consenso básico á nova Carta política. Convoco-vos ao grande debate constitucional. Deveis, nos próximos meses, discutir, em todos os auditórios, na imprensa e nas ruas, nos partidos e nos parlamentos, nas universidades e nos sindicatos, os grandes problemas nacionais e os legítimos interesses de cada grupo social. É nessa discussão ampla que ireis identificar os vossos delegados ao Poder Constituinte e lhes atribuir o mandado de redigir a lei fundamental do País. A Constituição não é assunto restrito aos juristas, aos sábios ou aos políticos. Não pode ser ato de algumas elites. É responsabilidade de todo o povo. Daí a preocupação de que ela não surja no açodamento, mas resulte de uma profunda reflexão nacional4. (negritou-se) Em comovente fatalidade, o Presidente eleito, em virtude de grave enfermidade, não chega a tomar posse, falecendo em 21 de abril de 1985. Ocupou a Presidência da 2 Além da manifestação na Praça da Sé/SP, houve importantes mobilizações como a ocorrida na Praça da Candelária/RJ em 18/04/84 e a em frente ao Congresso Nacional no dia da eleição da Emenda Constitucional no dia 25/04/84. 3 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 37. 4 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 795. 15 República, o vice da chapa vencedora, o ex-senador e ex-governador do Maranhão José Sarney. Em respeito aos compromissos firmados por ele e Tancredo Neves, José Sarney encaminha mensagem ao Congresso Nacional com a proposta de convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Dessa proposta resultou a Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, que além de convocar a ANC concedeu anistia política, nos seguintes termos: Art. 1º - os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunirse-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º - O presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu presidente. Art. 3º - a constituição será promulgada depois de aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte. Art. 4º - é concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militantes de organizações sindicais e estudantis, bem como os servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais5. Antes de instalada a Assembléia Nacional Constituinte, o presidente Sarney criou o decreto nº 91.540, de 18 de julho de 1985, instituindo a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, que estavam incumbidos de desenvolverem estudos e pesquisas de interesse da Nação. A comissão ficou conhecida como “comissão Afonso Arinos” em homenagem ao seu presidente. Apesar de convocada às eleições para a ANC, esta seria uma constituinte congressual, ou seja, após as conclusões dos trabalhos se transformaria no Congresso Nacional, exercendo normalmente os poderes inerentes ao Legislativo, ao contrário do anseio da população, que almejava uma Assembléia exclusivamente destinada para a elaboração da Carta política, se dissolvendo após a conclusão dos trabalhos. O jurista Dalmo Dallari alertava quanto a impropriedade de uma constituinte congressual: Eu mesmo fui contra essa constituinte congressual, porque me pareceu absurdo, inadequado, que eles fizessem as regras para si próprios. Então, eleitos, deputados e senadores fariam a constituição dizendo quais seriam os poderes dos deputados e senadores. Seria legislar em causa própria6. Outro problema bastante discutido naquele momento era quanto aos 24 Senadores eleitos em 1982 e que tinham mandato até 1991. Para boa parte da 5 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 802. 6 Rádio Senado. Programa os 20 anos da Constituição cidadã. Apresentado nos dias 03 e 04 de outubro de 2008. 16 população, estes senadores não poderiam participar da Constituinte, uma vez que não foram eleitos para está finalidade. 1.2 INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE No dia 15 de Novembro de 1986 o povo compareceu às urnas para eleger os membros da Constituinte, composta por 487 deputados e 72 senadores, sendo que 24 senadores foram eleitos no pleito de 1982. Confirmando o seu caráter democrático, 13 partidos políticos conseguiram cadeiras na constituinte. O quadro político eleito em 1986 estava assim desenhado7: PARTIDO BANCADA PMDB 303 PFL 135 PDS 38 PDT 26 PTB 18 PT 16 PL 07 PCB 03 PCdoB 03 PSB 02 PMB 01 TOTAL 559 A Assembléia Nacional Constituinte foi instalada em 1º de fevereiro de 1987, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Moreira Alves. No dia seguinte, Ulysses Guimarães foi eleito presidente. 7 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 58. 17 Decidiram os constituintes iniciar os trabalhos sem um projeto prévio, apesar da apresentação de vários deles por entidades civis. Após ferrenhos debates, foi deliberada a organização dos trabalhos em oito comissões, cada qual subdividida em três subcomissões, totalizando vinte e quatro subcomissões. As comissões temáticas e suas respectivas subcomissões, conforme contido no art. 15 do Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte, eram as seguintes: I. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher: a. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais; b. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias; c. Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais. II. Comissão da Organização do Estado: a. Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios; b. Subcomissão dos Estados; c. Subcomissão dos Municípios e Regiões. III. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo: a. Subcomissão do Poder Legislativo; b. Subcomissão do Poder Executivo; c. Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público. IV. Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições: a. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos; b. Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança; c. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas. V. Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças: a. Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas; b. Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira; c. Subcomissão do Sistema Financeiro. VI. Comissão da Ordem Econômica: a. Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do Estado, Regime da Propriedade do Subsolo e da Atividade Econômica; 18 b. Subcomissão da Questão Urbana e Transporte; c. Subcomissão da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. VII. Comissão da Ordem Social: a. Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos; b. Subcomissão de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente; c. Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. VIII. Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação: a. Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes; b. Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação; c. Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso. Durante os trabalhos, as subcomissões poderiam realizar audiências públicas com o intuito de ouvirem especialistas e a população. As subcomissões apresentaram para as oito comissões temáticas relatórios dos trabalhos, que foram discutidos, aprovados e encaminhados para a comissão de sistematização como anteprojetos de cada título da Carta. Após os trabalhos da comissão de sistematização, seu relator, o deputado Bernardo Cabral, apresentou o primeiro anteprojeto de Constituição, um calhamaço de não menos do que 501 artigos distribuídos em cerca de 2.600 dispositivos. Abre-se o período para a apresentação de emendas ao anteprojeto, onde são apresentadas 20.791 emendas, entre as quais 122 populares8. Em virtude das emendas dos constituintes e as populares, o relator de sistematização apresenta o segundo anteprojeto de Constituição, um substitutivo com 305 artigos. Com base neste substitutivo, inicia um inédito prazo para defesa das emendas populares em Plenário e o recebimento de outras emendas ao substitutivo pelos constituintes Após a aprovação pela comissão de sistematização de um terceiro substitutivo com as emendas do relator, este é encaminhado ao plenário para discussão e votação, 8 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 100. 19 onde são apresentadas mais 2.045 emendas, as quais 29 coletivas9. O relator da comissão de sistematização apresenta um parecer sobre as emendas, e que tem um prazo de 48 horas para que os constituintes possam fazer destaques. Somente após este longo processo de elaboração de três anteprojetos e milhares de emendas, consumindo praticamente um ano de trabalhos, é que se inicia em 27 de janeiro de 1988 o primeiro turno de votação em plenário. 1.2.1 O advento do Centrão Antes do inicio da votação do primeiro turno da nova Constituição, a Assembléia Nacional Constituinte foi vítima de uma proposta de reforma em seu regimento interno, oriunda de um grupo suprapartidário10, de ideologia conservadora, denominado Centrão. A reforma proposta permitiria a apresentação de novas emendas e estabelecia que o texto que reunisse maior apoio teria preferência na votação, e não mais o da Comissão de Sistematização. Numa das votações mais tumultuadas da história da Constituinte, a proposta do Deputado Roberto Cardoso Alves foi aprovada com 290 votos a favor, e 16 contra. O baixo número da votação se justifica porque a maioria do PMDB seguidos pelo PT, PDT, PC do B, PSB e PCB se retiraram do plenário em protesto, conforme notícia Paulo Bonavides e Paes de Andrade: Houve a retirada, de plenário, da maioria dos peemedebistas, encabeçados pelo líder Mário Covas. Retiraram-se também numerosos parlamentares de esquerda filiados aos pequenos partidos, após o malogro das negociações que as lideranças haviam articulado com o Centrão. A partir daí, surgiram os textos concorrentes, os substitutivos, que disputavam as preferências nos dois turnos de votação em Plenário. A procura do entendimento, marcante na fase inicial da Constituinte, tornou-se mais importante ainda após a reforma no regimento interno. 9 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 100. 10 Apesar de existirem parlamentares descontentes de outros partidos, a base de sustentação do Centrão era o PFL – Partido da Frente liberal, hoje DEM - Democratas, e o PDS – Partido Democrático Social, hoje PP – Partido Progressista. 20 1.2.2 As votações em plenário e a promulgação da Constituição de 88 O início das votações em primeiro turno realiza-se já com certa dose de ansiedade por parte dos constituintes e a população, haja vista que o país enfrentava uma grave crise econômica, tendo o governo anunciado um novo plano para redução do déficit público e contenção de gastos. Ademais, a inflação estava em 300% por ano11. Tendo em vista que muitas matérias foram constantemente debatidas nas comissões e subcomissões, inclusive obtendo consensos, não houve nas votações em plenário maiores divergências. Tal consenso não se manteve em algumas votações, tais como: sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo); tempo do mandato presidencial; reforma agrária; intervenção estatal na ordem econômica entre outras matérias sensíveis. Depois de encerrado o primeiro turno, ocorreu uma das mais graves crises da Assembléia Nacional Constituinte, decorrente do estremecimento de relações entre aquela Casa e o Palácio do Planalto. Em 26 de Julho de 1988, em cadeia nacional de rádio e televisão, o presidente Sarney faz um duro discurso carregado de críticas ao projeto de Constituição, que naquele momento alcançara a fase final de votação do primeiro turno. Queixava-se o presidente que com a inclusão de excessivos direitos sociais, como os benefícios da seguridade social e o direito de greve, tornariam o país ingovernável. Quase como um apelo, Sarney, em seu discurso, pede alterações na votação do segundo turno: Mais uma vez venho dividir responsabilidades com a nação. Venho falar sobre a futura Constituição do Brasil. É este o momento exato, porque hoje se iniciou o processo de votação do segundo turno. O projeto está, agora, liberto das pressões e das circunstâncias: pode ser repensado e pode ser aprimorado. Este pensamento também é de todos os constituintes, pois eles apresentaram 1.800 emendas, o que mostra que não estão satisfeitos com a redação atual do projeto. A segunda votação, portanto, não é uma votação homologatória. É para rever, melhorar, e meu desejo é que este trabalho seja concluído o mais rapidamente possível12. O duro discurso do presidente Sarney ocasionou um grande desagrado por parte dos constituintes, a ponto de no dia seguinte, o presidente da Assembléia Nacional 11 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 100. 12 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 903. 21 Constituinte, também por meio da rede nacional de rádio e televisão, fezer um duro discurso defendendo a inclusão de garantias sociais na Carta Política, e que tal fato não tornaria o país ingovernável como alegava o presidente, senão vejamos: Senhores constituintes, A constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da governabilidade. A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida são ingovernáveis. A injustiça social é a negação do governo e a condenação do governo. A boca dos constituintes de 1987-1988 soprou o hálito oxigenado da governabilidade pela transparência e distribuição de recursos viáveis para os municípios, os securitários, o ensino, os aposentados. Repito: está será a constituição cidadã13. Empolgados com o discurso de seu presidente, os constituintes neste mesmo dia, numa votação tranqüila, aprovaram em primeiro turno o projeto de Constituição. Apesar de as votações do segundo turno terem iniciado em vinte e sete de julho de 1988 com 1.74414 destaques a serem analisados, o ritmo dos trabalhos estava em ritmo acelerado, sem pausas em feriados e finais de semana. Contanto com o esforço concentrado de todos os constituintes, no dia vinte e dois de setembro de 1988 houve a ultima votação do segundo turno em plenário. O texto definitivo da nova Carta foi aprovado em plenário com quatrocentos e setenta e quatro votos a favor, quinze contra e seis abstenções. Estes quinze votos contra foram da bancada do PT – Partido dos Trabalhadores em obediência partidária a uma determinação do seu Diretório Nacional, entretanto, um dos deputados petistas votou a favor do texto definitivo. Não obstante o voto contrário, esta atitude do Partido dos Trabalhadores tinha como propósito um protesto quanto alguns dispositivos “conservadoras e elitistas” que fora aprovadas em plenário. Ademais, a bancada do PT não se obsteve em assinar a Carta recém promulgada. De vinte e dois de setembro, dia do encerramento das votações do segundo turno, ao tão conhecido cinco de outubro, data da promulgação, os membros da comissão de redação trabalharam arduamente para corrigir as omissões e obscuridades do texto. 13 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 909. 14 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 100. 22 Por um importante resgate histórico, transcreve-se como ocorreram as solenidades no histórico cinco de outubro de 1988: Principiou às 9 horas do dia 5 de outubro de 1988 a festa de promulgação da Carta, com a celebração de um culto ecumênico. Na mesma manhã, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, recepcionou no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, os presidentes dos parlamentos dos países das Américas, bem como os de Portugal e Espanha e todo o corpo diplomático, na qualidade de convidados de honra às cerimônias daquele dia. Tiveram inicio às 15 horas os atos solenes que precederam a sessão magna, com a chegada dos presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal, os quais, após revista à tropa, foram introduzidos pelo presidente Ulysses Guimarães ao recinto do Congresso Nacional. Às 15 horas e 30 minutos, Ulysses declarou aberta a sessão solene, tendo uma comissão de líderes, por determinação do presidente da Constituinte levado e acompanhado, do Salão Negro ao Plenário, o presidente José Sarney e o ministro Rafael Mayer. Após a execução do Hino Nacional, Ulysses Guimarães assinou cinco exemplares da Constituição, fazendo entrega dos mesmos aos componentes da Mesa, o primeiro a Sarney, o segundo a Humberto Lucena, presidente do Senado Federal e o terceiro a Rafael Mayer, presidente do Supremo, ficando os dois restantes sobre a Mesa. Cumprindo esses atos protocolares, foram proferidos os dois discursos fundamentais da solenidade histórica: um por Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, o outro por Afonso Arinos de Melo Franco, presidente da Comissão de Sistematização, em nome dos constituintes15. Em seu inesquecível discurso na promulgação da Carta Política, Ulysses Guimarães fez uma fala em defesa incondicional da Constituição: A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontála, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria16. (negritou-se) É de bom alvitre relembrar a fala deste grande parlamentar, principalmente em virtude deste momento de constante mudança da Constituição, bem como de total desrespeito e descumprimento por parte de quem tem a obrigação de executá-la: 15 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 474. 16 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 913. 23 1.3 PARTICIPAÇÃO POPULAR, O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS Antes mesmo da convocação da Assembléia Nacional Constituinte, já havia um movimento em prol da participação popular na elaboração da nova Carta Constitucional, conforme relata Dalmo Dallari: Em são Paulo surgiu um movimento pela participação popular na constituinte. Este movimento começou a propor que as pessoas apoiassem propostas populares para a Constituinte, e obteve mais de 30 milhões de assinatura. Quer dizer, a quantidade de brasileiros participantes foi muito expressiva17. Essa vontade popular em participar, foi normatizada no início dos trabalhos constituintes, permitindo que a população tivesse assegurado o direito de encaminhar emendas ao texto constitucional, desde que obedecidos os requisitos estabelecidos pelo art. 24 do Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte: Art. 24 – Fica assegurada, no prazo estabelecido no § 1º do artigo anterior, a apresentação de proposta de emenda ao Projeto de Constituição, desde que subscrita por 30.000 (trinta mil) ou mais eleitores brasileiros, em listas organizadas por, no mínimo, 3 (três) entidades associativas, legalmente constituídas, que se responsabilizarão pela idoneidade das assinaturas, obedecidas as seguintes condições: I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral; II – a proposta será protocolizada perante a Comissão de Sistematização, que verificará se foram cumpridas as exigências estabelecidas neste artigo para sua apresentação; III – a comissão se manifestará sobre o recebimento da proposta, dentro de 48 (quarenta e oito) horas de sua apresentação, cabendo, da decisão denegatória, recurso ao Plenário, se interposto por 56 (cinqüenta e seis) constituintes no prazo de 3 (três) sessões, contando da comunicação da decisão à Assembléia; IV – a proposta apresentada na forma deste artigo terá a mesma tramitação das demais emendas, integrando sua numeração geral, ressalvado o disposto no inciso V deste artigo; V – se a proposta receber, unanimente, parecer contrário da Comissão, será considerada prejudicada e irá ao Arquivo, salvo se for subscrita por um constituinte, caso em que irá a Plenário no rol das emendas de parecer contrário; VI – na Comissão, poderá usar da palavra para discutir a proposta, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, um de seus signatários, para esse fim indicado quando da apresentação da proposta; VII – cada proposta, apresentada nos termos deste artigo, deverá circunscrever-se a um único assunto, independente do número de artigos que contenha; 17 Rádio Senado. Programa os 20 anos da Constituição cidadã. Apresentado nos dias 03 e 04 de outubro de 2008. 24 VIII – cada eleitor poderá subscrever, no máximo 3 (três) propostas18. (negritou-se) Diante de importante prerrogativa, e tendo em vista que a sociedade estava em constante processo de mobilização, oriundo da campanha pela Constituinte e as “diretas já”, foram apresentadas a Assembléia Nacional Constituinte 122 emendas populares, totalizando mais de 13 milhões de assinaturas19. Essas 122 emendas populares tratavam dos mais variados temas, conforme compreende-se do quadro abaixo20: ENTIDADE Com. Nac. Criança e Constituinte Fed. das Ass. Bairros de Salvador Assoc. de Mor. De Plataforma Assoc. Mulheres de Cosme e Farias Fed. Inter. Trab. Emp. Telecom Assoc. Empregados da Embratel Sind. Trab. Telecomunicações Comitê Pró-Cristão Est. Tocantins Assoc. Munic. Extremo Norte Assoc. Munic. Nordeste Fed. Ind. do Est. S.P Centro das Ind. do Est. S.P Fed. Com. do Est. S.P União Nac. Dos Estudantes Conf. Nac. das Assoc. de Moradores União da Juventude Socialista ASSUNTO Direitos da criança ASSINATURAS 1.200.000 Aposentadoria das donas de casa. 132.528 Monopólio Estatal das Comunicações. 111.192 Criação do Estado de Tocantins. 72.959 Princípio da livre iniciativa. 70.000 Forças armadas 31.885 Foi de fundamental importância a participação popular, não só com as emendas, mais também constante participação nas comissões, pressão nos gabinetes dos constituintes e manifestações em plenário. O Constituinte Marcelo Cordeiro, primeirosecretário da Assembléia Nacional Constituinte, em artigo para o Jornal da Constituinte relata a importância da participação popular: Hoje podemos afirmar sem nenhum medo de errar o quanto foi sábio, correto e, politicamente inovador, a instituição do processo de emendas populares na Constituinte. É sabido, segundo um dado estatístico que o Dr. Ulysses Guimarães tem repetido em várias entrevistas, que desde a sua instalação, a Assembléia Nacional Constituinte tem recebido uma média de 10 mil pessoas por dia. Visitantes de todos os rincões de imenso Brasil, todos buscando 18 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 855. 19 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008, p. 82. 20 Jornal da Constituinte. 13 de set. 1987, p. 14-15. 25 defender seus interesses, uma vida melhor e um País que alcance a modernidade e a justiça social21. Todavia, foi este mesmo caráter de participação social que fez com que o texto final expressasse uma vasta mistura de interesses legítimos de trabalhadores e categorias econômicas, cumulados com interesses cartoriais e corporativos. Toma-se como exemplo a remuneração dos servidores públicos. Apesar de a Constituição prever que não pode haver diferenças entre os salários dos servidores dos diferentes poderes, também incluiu em seu texto interesses de determinadas categorias, em especial a alta cúpula do Judiciário, criando uma contradição desnecessária. Apesar de certa dose de corporativismo e interesses pessoais, os movimentos sociais tiverem grande importância na Constituição, principalmente nos direitos sociais, dos índios, das mulheres e das minorias. Como poucas vezes na história da nação, os movimentos sociais foram ouvidos. 21 Jornal da Constituinte. 13 de set. 1987, p. 2. 26 2 A ORIGEM DA INEFICÁCIA 2.1 CONCEITOS DE VIGÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA. Após a contextualização do período histórico e político em que se emergiu a Constituição cidadã, iremos estudar minuciosamente o que tornou este documento elaborado de uma forma democrática e com a participação ostensiva da sociedade civil, em uma carta que apesar de conter um avanço significativo quanto à justiça social, não se tornou efetiva no seio da sociedade. Para uma melhor compreensão do tema fruto deste estudo, preliminarmente se faz necessário à conceituação de alguns institutos jurídicos. São eles: vigência, validade e eficácia. Vigência segundo José Afonso da Silva é “a qualidade da norma que a faz existir juridicamente e a torna de observação obrigatória, isto é, que a faz exigível, sob certas condições”.22 Estas “condições” a qual o autor se refere trata-se da vacatio legis, que é o prazo entre a promulgação da lei até a sua efetiva entrada em vigor. Tal procedimento é muito utilizado em legislações que irão causar um grande impacto/mudança na sociedade, como por exemplo, o Art. 2.044 do Código Civil de 2002 que estabeleceu que “este código entra em vigor 01 (um) ano após a sua publicação”.23 No direito constitucional tal procedimento não é muito utilizado, tendo em vista suas peculariedades e forma de elaboração. Entretanto, o Brasil em duas de suas cartas políticas, na de 1967 e 1969 utilizou-se da “vacatio constitucionis”, estipulando um prazo determinado para que a Constituição começasse a vigorar. Quanto a validade, nos ensina Maria Helena Diniz que “norma formalmente válida é a promulgada por um ato legítimo da autoridade, de acordo com o trâmite ou processo estabelecido em norma, que lhe é superior, não tendo sido ela revogada”.24 Observa-se que as normas infraconstitucionais obtém sua validade ou legitimidade da Constituição, que por sua vez tem a essência de sua validade oriunda do 22 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 52. 23 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Codigos/quadro_cod.htm>. acesso em 10. set. 2008. 24 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 26. 27 poder constituinte originário, que frise-se, é ilimitado juridicamente bem como tem o povo como o seu titular. Cabe aqui apenas trazer um conceito lato de eficácia, tendo em vista que este é o tema central a ser estudado nesta monografia e, por conseguinte será aprofundado posteriormente. Segundo o magistério de Maria Helena Diniz: A eficácia vem a ser a qualidade do texto normativo vigente de produzir, ou irradiar, no seio da coletividade, efeitos jurídicos concretos, supondo, portanto, não só a questão de sua condição técnica de aplicação, observância, ou não, pelas pessoas a quem se dirige, mas também de sua adequação em face da realidade social, por ele disciplinada, e aos valores vigentes na sociedade, o que conduziria ao seu sucesso25. 2.2 DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA JURÍDICA E EFICÁCIA SOCIAL Apesar de serem conexos, a eficácia jurídica se distingue da eficácia social. Temos como eficaz juridicamente a norma constitucional que possui condições de ser aplicada, de interferir no mundo fático na forma como foi elaborada pelo constituinte originário. O simples fato de adquirirem as condições materiais para serem aplicadas significa que possuem eficácia jurídica. Como veremos adiante, toda norma constitucional é eficaz, algumas com maior e outras com menor grau de aplicabilidade, dentro dos limites objetivos de seu teor normativo. Todavia, nem todas as normas constitucionais que possuem a capacidade de produzir efeitos, efetivamente os produzem, ou seja, nem tudo o que está escrito na Carta política de fato se torna concreto. Neste diapasão, relembramos a crítica apontada por Ferdinand Lassalle ainda quando o estudo do constitucionalismo estava prematuro, por volta do século XIX quando alertava que “de nada serve o que se escreve em uma folha de papel, se não se ajusta à realidade”.26 25 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 28. LASSALE, Ferdinand apud DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 13. 26 28 A eficácia social consiste na qualidade da norma concretizar os efeitos por ela determinada no seio da sociedade, em síntese é a justiça social na sua praxis27; o comando normativo no ápice de sua força operativa no mundo dos fatos. A efetividade28 significa, portanto, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, representando a aproximação entre o dever-ser almejado pelo constituinte e o ser da realidade social. Como já abordado, ambos os institutos apesar de suas diferenciações são conexos, não podendo se falar em efetividade da norma sem a sua conseqüente eficácia jurídica. Para uma melhor elucidação da conexão entre a eficácia jurídica e a sociológica, tomamos como exemplo o art. 7º, IV da Constituição Federal que garante como direito de todo trabalhador urbano ou rural, um salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e ás de sua família. Está claro pela leitura do dispositivo, que ele possui plenas condições de ser aplicado, entretanto, atualmente o atual salário mínimo vigente29 em nenhuma hipótese tornou a norma supracitada efetiva, em virtude de o seu valor monetário não ser suficiente para todas as necessidades básicas do trabalhador e sua família30. Observa-se que essa inefefetividade não foi ocasionada por ausência de eficácia jurídica da norma, pois a mesma tem plenas condições de se concretizar, e sim, por uma decisão política ou ausência de recursos por parte do Estado. Muito embora inexista vontade política por parte do Estado, deve-se destacar o papel das elites nacionais na luta contra um aumento real no salário mínimo vigente. Torna-se difícil a concretização de uma norma que contrarie os interesses particulares de camada poderosa do país, que inclusive tem grande influência no aparelho estatal. Como visto no capítulo anterior, foi uma grande luta da sociedade civil organizada a inserção destes direitos sociais na Carta política de 88, mesmo com a oposição de setores mais conservadores da sociedade. Está derrota acarretou num furioso contra-ataque por parte da elite dominante, principalmente na tentativa de 27 Apesar de possuir vários significados, o aqui empregado é em conformidade com o pensamento de Karl Marx, no sentido de que a praxis é a união da teoria com a prática, com uma maior ênfase para a segunda. 28 Expressão muito empregada por Luis Roberto Barroso, e que é utilizado nesta monografia como conseqüência da eficácia jurídica. 29 Conforme o art. 1º da Lei nº. 11.709 de 19/06/2008 o salário mínimo vigente a partir de 1º de março de 2008 é de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze) reais. 30 Segundo tabela divulgada pelo Dieese o salário mínimo necessário para o mês de Agosto/2008 seria de R$ 2.025,99 (dois mil e vinte e cinco reais e noventa e nove centavos). <http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminset08.xml>. Acesso em 04/09/2008 29 influenciar e dominar as instituições Estatais. Dalmo Dallari com perspicácia observou este processo: Chamado primeiramente a intervir para assegurar a justiça social, contendo os abusos das grandes forças político-sociais, o Estado foi primeiramente combatido por essas forças, as quais, entretanto, verificando a inevitabilidade da intervenção, mudaram seu comportamento procurando dominar o Estado e utilizá-lo a seu favor, gerando uma nova espécie de intervencionismo.31 2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO A SUA EFICÁCIA JURÍDICA. Mais uma vez frisamos que toda norma constitucional é munida de eficácia jurídica, mesmo que em graus de aplicabilidade diferenciados. No que tange a classificação dessas normas em face de sua eficácia, é grande a divergência na doutrina pátria, mesmo que muitas das vezes a diferença é apenas uma questão de nomenclatura, sendo a essência do pensamento a mesma. Pinto Ferreira propõe a seguinte distinção: a) normas constitucionais de eficácia absoluta não emendáveis, com força paralisante total sobre as normas que lhe conflitarem; b) normas constitucionais de eficácia plena, constitucionalmente emendáveis; c) normas constitucionais de eficácia limitada (como as programáticas).32 Celso Bastos e Carlos Ayres Brito classificam em: a) normas constitucionais quanto ao modo de incidência; b) normas constitucionais quanto a produção de efeitos. As primeiras, à sua vez, são: a) por via de aplicação, distinguindo-se em normas regulamentáveis e normas irregulamentáveis; e b) por via de integração, distinguindo-se em normas complementáveis e normas restringíveis. As segundas são de dois tipos, também: a) normas de eficácia parcial, que são normas complementáveis; e b) normas de eficácia plena, distinguindo-se em normas regulamentáveis, normas irregulamentáveis e normas restringíveis.33 31 DALLARI, Dalmo de Abreu apud BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 167. 32 PINTO FERREIRA, apud DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 87. 33 BASTOS, Celso Ribeiro, e BRITO, Carlos Ayres de. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 62 30 No magistério de Maria Helena Diniz ela faz a seguinte distinção: a) normas com eficácia absoluta; b) normas com eficácia plena; c) normas com eficácia plena restringível; d) normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de complementação.34 Em tese apresentada a IX Conferência Nacional dos Advogados, Celso Antônio Bandeira de Mello faz uma classificação do ponto de vista da posição jurídica em que os administrados se vêem imediatamente investidos em decorrência das regras constitucionais que vale a penas ser mencionada. Assim dispõe o publicista: a) normas concessivas de poderes jurídicos; b) normas concessivas de direitos; c) normas meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida.35 Com todo o respeito científico que tais classificações merecem, inclusive para a construção da jurisprudência e trabalhos acadêmicos atuais, abordaremos com maior ênfase, para o estudo das classificações, a elaborada por José Afonso da Silva36. Para o constitucionalista as normas classificam-se quanto a sua aplicabilidade em: a) normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral; b) normas de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral; c) normas de eficácia limitada, que por sua vez subdivide-se em c.1) declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e c.2) declaratórias de princípio programático. 2.3.1 Normas constitucionais de eficácia plena As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas em que desde a sua promulgação, produzem ou tem a possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses e situações em que o constituinte quis regular. Noutras palavras, são as que receberam normatividade suficiente à sua incidência imediata e independem de providência normativa ulterior para sua aplicação. 34 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 111. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antõnio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, 1982, p. 185. 36 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 86. 35 31 Nestas normas, o constituinte não deixou margem para que o legislador infraconstitucional ou outros órgãos estatais restrinjam a sua aplicabilidade nem a sua área de influência. São normas que não designam órgãos ou autoridades incumbidos de sua execução nem exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, por que já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nelas regulados. Para uma melhor compreensão, citamos alguns exemplos retirados da Constituição Federal de 88: Art. 44 – O poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. [...] Art. 76 – O poder executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. [...] Art. 145, § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos. [...] Art. 226, § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração37. 2.3.2 Normas constitucionais de eficácia contida As normas de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte as regulou de tal forma que possuem aplicabilidade direta e imediata, entretanto deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos dos conceitos gerais nelas enunciados. Em resumo, elas podem ser contidas por duas formas: a) por legislação; b) conceitos gerais de Direito Público. A restrição legislativa por sua vez pode vir através de uma lei infraconstitucional ou por uma outra norma constitucional de contenção de eficácia. O art. 5, XIII ao enunciar ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” fica claro que é um direito com eficácia imediata mais que poderá vir a sofrer através de uma lei 37 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 32 infraconstitucional limitações ao seu exercício pleno. Observa-se que enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena. Exemplo clássico de limitação pela própria constituição consta do art. 5, XXII, que garante o direito a propriedade, e depois é restringido pelo inciso XXIII ao exigir que a propriedade deve exercer a sua função social. Tais normas ainda podem ter sua eficácia afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem, por exemplo, certos pressupostos de fato como o estado de sítio. Outros direitos são restringíveis não por legislação, e sim, por conceitos subjetivos como ordem pública, integridade nacional, bons costumes, necessidade ou utilidade pública dentre outros. Procedimento este muito perigoso, porque a história já nos provou que para preservar a “ordem pública e a integração nacional”, o Estado já cometeu todos os tipos de atrocidades aos direitos e garantias fundamentais do cidadão. A necessidade de delimitação da eficácia dessas normas tem razão de ser pela necessária prevalência aos interesses coletivos em face dos individuais, sendo fruto da transição ideológica de nossas constituições, que abandonou o modelo liberal individualista para o Estado Democrático de Direito, com certo teor intervencionista. 2.3.3 Normas constitucionais de eficácia limitada Conforme mencionado anteriormente, as normas constitucionais de eficácia limitada subdividem-se em declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e as declaratórias de princípio programático. As de princípio institutivo são as que o constituinte traça esquemas gerais, a estrutura e competência de órgãos, entidades ou institutos, adquirindo concretização definitiva mediante lei. Sua função primordial é a de esquematizar a organização e criação dessas entidades. Quanto a sua eficácia em face do legislador infraconstitucional podem ser impositivas ou facultativas. As impositivas determinam ao legislador de forma peremptória a emissão das respectivas leis integradoras. Geralmente são seguidas de termos como “lei disporá”, “lei regulará”, “lei disciplinará” ou “nos casos determinados e lei”. Temos como exemplos: Art. 33 – A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios. [...] 33 Art. 107, parágrafo único – A lei disciplinará a remoção ou a permuta de juízes dos Tribunais Regionais Federais e determinará a sua jurisdição e sede38. Outras apenas dão ao legislador infraconstitucional a possibilidade de instituir ou regular a situação traçada pelo constituinte originário. São geralmente acompanhadas de expressões como “lei complementar poderá”, “Os Estados poderão” e “A União poderá”, as quais podemos citar as seguintes: Art. 22, parágrafo único – Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. [...] Art. 25, § 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum39. Nas hipóteses, infelizmente muito corriqueira, de o legislador ordinário não cumprir com a sua missão constitucional, a própria Carta magna forneceu a população alguns mecanismos jurisdicionais que serão detalhadamente estudadas nesta monografia em capítulo oportuno, como a inconstitucionalidade por omissão, mandado de injunção e iniciativa popular em processo legislativo. Entretanto, nas matérias em que o constituinte apenas enseja uma faculdade ao legislador, este possui discricionariedade completa inclusive quanto à regulamentação ou não da matéria, não ensejando, nestes casos, a hipótese de inconstitucionalidade por omissão. Mesmo com a discricionariedade em regular ou não determinada matéria, caso o faça, o legislador ordinário ficará vinculado ao texto constitucional. No caso de já haverem leis anteriores a atual Constituição, estando em conformidade com os preceitos constitucionais vigente, terão eficácia plena e imediata. A Constituição Federal foi fruto de um embate entre o liberalismo capitalista e a política social intervencionista. De um lado, o ideal liberal com sua política privatista e de pouca ou nenhuma intervenção estatal. Quanto aos direitos fundamentais, apenas defende a tese que o Estado não mitigue as liberdades individuais. Do outro lado, o ideal social com a perspectiva de ser função estatal a intervenção na economia e aguda participação na realização efetiva da justiça social, bem como o combate ao excesso de poderes econômico em mãos de poucos. 38 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 39 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 34 Este conflito político-ideológico repercutiu na inserção de normas programáticas na Carta Magna, principalmente no que se refere aos direitos econômicos e sociais. Conceituam-se normas programáticas como aquelas que têm como objetivo maior a realização da justiça social, mais que o legislador seja por uma decisão política, seja por dificuldade em materializar tais situações, optou traçar-lhes apenas os princípios para serem cumpridos pelo legislativo, executivo e o judiciário. Segundo os ensinamentos de Pontes de Miranda: Regras jurídicas programáticas são aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os Poderes públicos40. A falta de um estudo aprofundado nos traz a conclusão precipitada de que toda norma constitucional programática é dirigida a uma atuação do legislativo, o que é inverídico, pois algumas normas são dirigidas ao Poder Público e outros à ordem econômico-social. Sempre seguindo as lições de José Afonso da Silva, segundo os sujeitos mais diretamente vinculados, as normas programáticas se classificam em 03 categorias: a) vinculadas ao princípio da legalidade; b) referidas aos poderes públicos; c) dirigidas à ordem econômico-social41. As normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, conforme supramencionadas, são aquelas em que se dirigem ao legislador, ou seja, necessitam de uma lei infraconstitucional para se tornarem efetivas42. Podemos citar como exemplo os seguintes dispositivos: Art. 173, § 4º – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. [...] Art. 218, § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho43. 40 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº. 1, de 69, tomo I. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1969, p. 126-127. 41 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 92. 42 Na ocasião da criação de lei integrativa, essas normas deixam de ser programáticas. 43 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 35 Já as normas programáticas referidas aos Poderes Públicos exigem uma atuação de determinados Órgãos estatais na realização de políticas públicas a serem implantadas pelo Estado, com vistas à justiça social, as quais podemos citar: Art. 184 – Compete a União desapropriar por interesse social, para fins da reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. [...] Art. 180 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e 44 econômico . Por fim, temos as normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social em geral. São de grande relevância estas normas, em virtude que ajudam a desmistificar o pensamento liberal de que era apenas o Estado que infligia o gozo dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. A história comprovou que não é o Estado que oprime a implementação da justiça social, pelo contrário, pois na maioria das vezes, a justiça social está condicionada a poderes paraestatais, em especial, os poderes econômicos. Celso Antônio Bandeira de Mello em sua tese já citada possui o mesmo pensamento: Não são apenas os eventuais descomedimentos do Estado que abatem, aniquilam ou oprimem os homens. Tais ofensas resultam, outrossim, da ação dos próprios membros do corpo social, pois podem prevalecer-se e se prevalecem de suas condições sócio-econômicas poderosas em detrimento dos economicamente mais frágeis45. A Constituição Federal avançou ao abrigar normas voltadas à ordem econômicosocial, como por exemplo: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) [...] Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais46. 44 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 45 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, 1982, p. 177. 46 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 16. Jul. 2008. 36 2.4 A OPÇÃO DO CONSTITUINTE POR UMA CONSTITUIÇÃO ANALÍTICA E COM NORMAS PROGRAMÁTICAS. A construção de uma constituição analítica e com excessivas normas de caráter programático não foi uma opção isolada do constituinte que elaborou a Constituição Federal de 88, e sim, fruto de um longo processo histórico de transição do Estado Liberal para o Estado Social. Historicamente, o movimento constitucionalista moderno surgiu após a Revolução francesa e a independência das 13 Colônias Britânicas na América do Norte. Observe-se que foram movimentos tendo como seus idealizadores e mentores a burguesia. Como conseqüência da liderança burguesa, as constituições do século XVIII tiveram como alicerce a doutrina do liberalismo. Nas constituições liberais o Estado não passava de mero espectador da vida econômica e social. A constituição cabia tão somente a estabelecer a estrutura básica do Estado e seus respectivos poderes e competências, bem como davam grande ênfase as liberdades individuais. Não tinham a noção, hoje consolidada, de que se torna impossível usufruir de liberdades individuais sem igualdade econômico-social no seio da sociedade. Daí encontra-se o grande problema do capitalismo atual: a liberdade sem a presença intervencionista do Estado tem como conseqüência a aguda desigualdade, seja nos países desenvolvidos, sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento, como o caso do Brasil. Importante trazer a baila as lições de Paulo Bonavides citando o juiz alemão Leibholz: A igualdade material faz livre aqueles que a liberdade do Estado de direito da burguesia fizera paradoxalmente súditos. Essa a conclusão de uma análise crítica elaborada pelo jurista clássico da igualdade, o juiz alemão Leibholz da Corte Constitucional da Alemanha. Senão, vejamos: “a desigualdade criada pela liberdade faz parecer problemática a largas camadas o valor da liberdade. De tal sorte que o sentido profundo de um igualitarismo político e social somente poderá ser o de transferir aquele que a liberdade fez servo para uma situação em que outra vez e já agora com o auxílio da igualdade, possa fazer um sensato uso da liberdade”47 A constituição Belga de 1832 é o retrato por excelência do Estado Liberal e sua estrutura jurídica. Com o surgimento da doutrina socialista que atacava o modo de produção capitalista e seu caráter destrutivo e explorador da sociedade e dos 47 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed . São Paulo: Malheiros, 2005. p. 379. 37 trabalhadores, o constitucionalismo Liberal começa a entrar e crise, perdendo espaço para o constitucionalismo Social. Surgia então o constitucionalismo Social não se preocupando apenas como o individuo isolado, e sim com a sociedade e suas necessidades vitais, criando acima de tudo barreiras defensivas do individuo perante a dominação econômica de outros indivíduos. Passa a garantir além das liberdades burguesas, direitos e obrigações como: função social da propriedade; direitos ao trabalho como dignidade da pessoa humana; intervenção do Estado na economia; período máximo de jornada de trabalho dentre outros. O estado sai da situação negativa liberal do não fazer para o ativismo, incumbido da obrigação de defender os menos favorecidos em prol da tão sonhada justiça social. O inicio deste ideário do Estado Social teve sua origem constitucional nas Constituições Mexicana de 1917 e principalmente na de Weimar (Alemanha) de 1919. Paulo Bonavides faz um interessante comparativo entre os dois Estados: Façamos a seguir ligeiro confronto entre o Estado de Direito da burguesia liberal do passado e o novo Estado de Direito que tem por base primeira a igualdade. Naquele os valores fundamentais – vida, liberdade e propriedade – gravitam, segundo Schambeck e Huber, no centro da ordem jurídica, ao passo que com o advento do Estado social os novos valores fundamentais produzidos pela sociedade industrial abrangem o pleno emprego, a segurança existencial e a conservação da força de trabalho48. A experiência constitucional de Weimar comprovou que a constituição não é como uma varinha mágica, que com um passe de mágica todos os problemas sociais seriam resolvidos. Para a imediata concretização destes preceitos seriam necessários recursos públicos. Como a maioria dos países não possuem recursos suficientes, a solução encontrada foi deixar para o futuro a concretização de tais garantias através das já estudas normas programáticas, o que por conseqüência resultou em certa perda de imperatividade. O Procurador Federal Marcos André Couto Santos em artigo publicado no sítio especializado jus navigandi observou com precisão este fenômeno: O fato é que o Estado não estava preparado para oferecer tantos serviços e prestações sociais e econômicas à população. Acabou-se, então, por garantir estes direitos de modo programático, perdendo a Constituição certa juridicidade49. 48 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed . São Paulo: Malheiros, 2005. p. 380. SANTOS, Marcos André Couto. A efetividade das normas constitucionais: as normas programáticas e a crise constitucional. Jus navigandi, Teresina, ano 8, n. 204, 26 jan. 2004. disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4731>. acesso em: 26 ago. 2008. 49 38 É exatamente este o grande dilema do constitucionalismo social, devendo ser pauta urgente de estudos da sociedade acadêmica e inclusive do judiciário a criação de técnicas ou institutos processuais que garantam efetividade aos direitos sociais, entretanto, temos a consciência de que problemas como este não são resolvidos apenas pelo judiciário, pois deve haver vontade política do Estado e principalmente o constante engajamento da sociedade civil organizada, titular desses direitos. 2.4.1 Críticas às normas programáticas Não são raras as críticas apontadas pela doutrina e pelo próprio judiciário ás normas programáticas, o que não necessariamente quer dizer, como veremos adiante, que a comunidade jurídica é contra a inclusão nas constituições atuais de tais normas. É de certo modo consenso, mesmo para os mais críticos, da impossibilidade de termos uma constituição que regule de forma ampla todas as ocasiões. Torna-se necessária que ela tenha certo grau prospectivo, pois a sociedade não é estática, vai se moldando em conformidade com o processo de transformação. É necessário que o direito tente ser o condutor dessa transformação para que a mudança não ocorra ao bel prazer das forças econômico-sociais. Após estudo aprofundado sobre a matéria, conclui-se que várias são as críticas as normas programáticas, dentre elas citamos: a) não possuem eficácia imediata; b) são destituídas de imperatividade; c) não passam de meros “programas”, “conselhos” “lições”, “aforismos políticos, “manifestos” ou “sentenças políticas”; d) desestimulam a luta social; e) dependem de fatores eminentemente políticos; f) cria uma frustração social pela sua não implementação. Além das críticas levantadas, a história comprovou que muitas dessas normas devido à sua baixa efetividade são inseridas na Lei das Leis justamente para dar uma resposta imediata a sociedade, mais na prática, não era de fato a vontade do constituinte a sua execução. Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua tese elaborada ainda na vigência da Carta de 69, alertava que na prática, a melhor forma de tornar os direitos 39 inerentes a justiça social inoperantes é desenhá-los em termos vagos, genéricos ou dependentes de normação infraconstitucional50. Neste diapasão, como alguns direitos, mesmo que de forma programática estão inseridos na Carta política mais não são efetivos, isto desestimularia a luta social tendo em vista que já se encontram positivados. Este é o pensamento de Eros Grau, citado por Celso Ribeiro Bastos: Assim, penso possamos afirmar que a construção que nos conduz à visualização das normas como tais – programáticas – no texto constitucional tem caráter reacionário. Nelas se erige não apenas um obstáculo á funcionalidade do Direito, mas, sobretudo, ao poder de reivindicação das forças sociais. O que teria a sociedade civil a reivindicar já está contemplado na Constituição. Não se dando conta, no entanto, da inocuidade da contemplação desses “direitos sem garantias”, a sociedade civil acomada-se, alentada e entorpecida pela perspectiva de que esses mesmos direitos “um dia venham a ser realizados”51. Quanto a está crítica, José Afonso da Silva é de entendimento diversificado. Para o publicista, a relevância da positividade das normas programáticas, ao contrário do entendimento de Eros Grau, serve com pauta de luta social para os movimentos que queiram vê-las aplicadas e cumpridas, como por exemplo, a reforma agrária que apesar da resistência dos grandes latifúndios só tem saído, a duras penas, por pressão do MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e outros movimentos camponeses52. Fábio Konder Comparato em Anteprojeto de Constituição elaborado por solicitação do PT – Partido dos Trabalhadores antes do início dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, na exposição de motivos, defendia a ausência de normas programáticas na Constituição por serem desacompanhadas de sistemas de sanções, bem como definidora de princípios desligados das regras de aplicação53. Outro aspecto apontado pelos críticos das normas programáticas é no sentido de que como estas normas ficam na dependência de uma realização futura pelo Estado, sua concretização é condicionada a uma decisão política. Interessante trazer a baila à síntese feita por Marcos André Couto Santos: As duas conseqüências mais perversas, na nossa opinião, da falta de efetividade jurídico-social das normas programáticas acabam sendo que: I ) 50 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, 1982, p. 175. 51 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 146. 52 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 149. 53 COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil – Uma constituição para o desenvolvimento democrático. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p 15. 40 juristas de araque e governantes com tendências despóticas podem alegar a falta de efetividade das normas programáticas e evadir-se do cumprimento de diversas regras e princípios constitucionais; 2) ocorre um sentimento de frustração constitucional dentre a comunidade, passando a haver um divórcio latente do mundo normativo (sollen) do mundo real (sein). Está frustração pela não implementação e realização dos objetivos constitucionais, e a não aplicação de diversos direitos sociais e econômicos levam a população a descrer na ordem jurídica e não respeitar a Constituição como lei fundamental do Estado54. Apesar das críticas serem fruto de profunda meditação e sempre com o intuito de fomentar o debate com vistas à obtenção de métodos que dão maior efetividade as normas constitucionais, muitas desta teses, combatida nesta monografia, taxam certas normas incômodas como programáticas com o intuito exclusivamente de não aplicá-las. 2.4.3 Defesas ás normas programáticas Este tópico mais do que fazer a defesa da essencialidade das normas programáticas, tem o intuito de desmistificar de uma vez por todas, o pensamento hoje esvaziado político e tecnicamente de que tais normas são ineficazes e que as Constituições contemporâneas não devem utilizá-las. Preliminarmente, as normas programáticas têm o nobre intuito de dar um objetivo a ser almejado pelo Estado, outrora esvaziado pelo Liberalismo. Por mais que sua eficácia seja limitada ou mesmo dependente de uma política Estatal, vários são os efeitos imediatas que a sua inserção na Carta Política enseja, conforme veremos adiante. O Direito Constitucional pátrio adota a teoria da recepção material, ou seja, não serão recepcionadas pelo novo ordenamento constitucional a legislação infraconstitucional que tenha conteúdo contrário a Constituição vigente. Estão revogadas todas as leis que contrarie materialmente os preceitos da Carta de 88, inclusive os objetivos emanados das normas programáticas. Em se tratando de uma Constituição que faz a transição de um Estado de exceção para o Estado Democrático de Direito esta teoria é de extrema relevância. Ora, do que valeria uma nova Constituição que faz uma ruptura do autoritarismo para a democracia se as suas normas integradoras ainda estejam com traços autoritários. 54 SANTOS, Marcos André Couto. A efetividade das normas constitucionais: as normas programáticas e a crise constitucional. Jus navigandi, Teresina, ano 8, n. 204, 26 jan. 2004. disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4731>. acesso em: 26 ago. 2008. 41 Várias foram as legislações esdrúxulas que foram revogadas pela Constituição de 88. Podemos citar o exemplo recente da Lei da Imprensa que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em face de julgamento do uma ADIN proposta pelo PPS – Partido Popular Socialista. Apesar de ter sido decretada inconstitucional, configura-se exemplo clássico de não recepção pela Constituição de lei criada anteriormente a sua vigência e que não coaduna com os seus princípios democráticos. A lei nº. 5.250/67 foi por muito tempo a fundamentação legal para a implementação no país de uma severa censura. Seguindo este mesmo raciocínio, toda norma ainda que promulgada após a Carta vigente, se for incompatível com os fins contidos nas normas programáticas estará eivada de vício de inconstitucionalida. A norma é desobedecida quer quando se faz o que ela proíbe quer quando não se faz o que ela determina. No que diz respeito à seara da omissão, tratemos deste tipo de inconstitucionalidade em tópico específico. De fato, ainda não foi criado um meio de obrigar juridicamente o legislador ou a Administração a seguir os caminhos almejados pela Carta Magna. Entretanto, compelise a não seguir outro diverso, através do Controle de Constitucionalidade, seja pelo método difuso ou concentrado. Neste aspecto avançamos, além de permitir que todo juiz decrete a inconstitucionalidade das leis55, a Carta de 88 estendeu sobre maneira os titulares para proporem a Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Segundo o Art. 103 da Constituição Federal são titulares para proporem tal ação: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Conforme alerta José Afonso da Silva, mesmo as normas que são facultativas ao Estado implementá-las, caso o façam, deverão se ater aos princípios nela contidos. Cita como exemplo o Art. 7º da Constituição que assegura aos trabalhadores os direitos ali enumerados, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Mesmo tal dispositivo sendo programático e tendo o legislador ampla discricionariedade em sua atuação, ainda assim, fica condicionado ao fim ali proposto – a melhoria da condição 55 Nas hipóteses de controle difuso de constitucionalidade das leis, o efeito é apenas para as partes do processo, além de não retirar imediatamente do ordenamento jurídico a norma decretada inconstitucional. 42 social do trabalhador. Qualquer norma que contrarie este fim estará eivada de inconstitucionalidade56. Além de vincular o legislador no objetivo a ser alcançado com a norma integradora, as normas programáticas também condiciona a sua forma legislativa. O Art. 93 da Constituição Federal determina que “lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura”. Se por ventura o legislador infraconstitucional promulgar uma lei ordinária dispondo sobre o Estatuto da Magistratura está norma será formalmente inconstitucional. Conforme já estudado, a inserção destas normas ainda que de forma programáticas foi fruto de constante luta, e por isto refletem os anseios populares e devem servir - ao contrário do pensamento já citado de Eros Grau - como bandeira de luta em prol das transformações sociais. Aspecto problemático quanto a eficácia das normas programáticas diz respeito ao debate se elas ensejam ou não direitos subjetivos. Entende-se como direitos subjetivos aqueles que o ordenamento jurídico achou deveras importante o seu conteúdo que criou mecanismos que o tornaram passíveis de serem exigidos jurisdicionalmente. Quanto a este debate, esclarecedora é a lição do mestre Luís Roberto Barroso, ao afirmar: Ao ângulo subjetivo, as regras em apreço conferem ao administrado, de imediato, direito a: a) opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo constitucional; b) obter, nas prestações jurisdicionais, interpretações e decisão orientadas no mesmo sentido e direção apontados por estas normas, sempre que estejam em pauta os interesses constitucionais por ela protegidos57. Observa-se que efetividade destes direitos muito depende de um maior ativismo jurisdicional, principalmente por parte dos magistrados. Corroborando, os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil autorizam o magistrado em casos específicos a julgar conforme a analogia e os princípios gerias do direito, mais sempre em busca do fim social a que ela se dirige, in verbis: Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 56 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 159. 57 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 122. 43 Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum58. Sempre que o magistrado, o parlamentar ou o administrador estiver diante de um fato concreto ao qual terá que aplicar uma norma constitucional programática, deverá fazer uso da interpretação teleológica, que é aquela em que busca a finalidade da norma. A uma norma constitucional deverá ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda. Um maior ativismo jurisdicional tem ocorrido no país em relação aos direitos sociais de saúde e educação. Nestes casos, o Supremo Tribunal tem entendido que essas normas garantem direito subjetivo do cidadão em exigir do Estado o cumprimento legal. Esclarecedora é a decisão do Supremo Tribunal Federal ao julgar um pedido de paciente de HIV/AIDS para que o Estado forneça gratuitamente os medicamentos: O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade59. 58 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 14. Jul. 2008. 59 AgRg no RE 273834. D.J 02/02/2001. Relator Ministro Celso de Mello. 44 2.5 O TRIPÉ CAUSADOR DA INEFICÁCIA SOCIAL Como síntese do estudo da ausência de efetividade das normas constitucionais, podem ser elencadas três causas mais incisivas que ocasionam a ineficácia social da Constituição, quais sejam: a) ausência de pressão por parte dos movimentos sociais; b) omissão do poder constituído; c) obstáculos opostos por segmentos econômica e politicamente influentes. Primeiramente, deve-se destacar que não mais vivemos um ambiente de agitação dos movimentos sociais. A sociedade não mais pressiona nem fiscaliza o Estado como outrora. Mesmo tendo como marco de nossa história recente o autoritarismo, várias foram as pressões sociais que abalaram drasticamente o setor dominante, como por exemplo, o movimento das “diretas já” e da luta por uma nova Constituição. Vários são os motivos que ocasionam este verdadeiro parasitismo social, como o individualismo reinante no sistema capitalista, a criminalização dos movimentos sociais e uma imprensa cada vez mais denuncista e pouco formadora de opinião. Este ponto será mais aprofundadamente estudado no próximo capítulo, porque quando os movimentos sociais estão desorganizados e inertes funcionam como uma das causas da ineficácia, por outro lado, quando estão organizados e atuantes é uma de suas soluções. Em segundo lugar, temos o poder constituído, que não tem vontade política para a implantação de ações que culminem com a efetivação das normas constitucionais. Para este raciocínio - apesar de o judiciário ter a sua parcela de responsabilidade entendemos o poder constituído como o Executivo e o Legislativo. Por um lado, o legislativo não cumpre a sua missão de criar normas infraconstitucionais que regulamente as normas constitucionais. Por sua vez, o Executivo não implementa políticas públicas que torne efetiva a Carta Magna. Conforme já estudando, nem todas as normas são voltadas para o legislativo integrá-las, pelo contrário, muitas têm como destinatário a Administração Pública. Ora, cabe ao Executivo a criação de escolas e universidades; a realização da reforma agrária; a garantia da segurança pública; a titularidade para a fixação de salário mínimo digno e suficiente para o sustento do trabalhador e de sua família, dentre outras prerrogativas. 45 O terceiro aspecto tem total ligação com o segundo, tendo em vista que a elite político-econômica do Brasil possui forte domínio sobre o Estado. Como a Carta Política de 88 inovou com um forte leque de direitos sociais, a elite foi financeiramente atacada, pois apesar de ser função do Estado a implantação dos direitos sociais, é o empresariado diretamente atingido. Novamente utilizando como exemplo o salário mínimo previsto no art. 7º, IV da Lei das Leis, não podemos cair no erro corriqueiro de creditar toda a culpa de o salário mínimo vigente ser insuficiente para todas as necessidades básicas na conta do Estado. Mesmo sabendo que o aumento do salário mínimo irá ocasionar um considerável déficit nas contas da previdência, isto não ocorre principalmente pela oposição ferrenha da sociedade empresarial que não quer ver os seus lucros diminuírem. Ademais, com o atual sistema eleitoral de financiamento privado de campanha, vários são os Governantes e principalmente os parlamentares que são dependentes dos grandes empresários. Para uma maior efetivação das normas constitucionais necessitamos de um estado mais eficiente e independente. Para se tornar independente, ele não pode ser eleito com dinheiro privado, e isto só será possível, após uma profunda reforma política e eleitoral. 46 3 ARMAS NO COMBATE A INEFICÁCIA SOCIAL Em face dos problemas exaustivamente estudados no capítulo anterior, será dado enfoque em soluções a ineficácia social - algumas passíveis de criação outras já existentes - haja vista que em um trabalho que tem por intuito trazer a academia o debate sobre esta importante problemática não se deve furtar a pretensão de apontar possíveis armas na luta contra a ineficácia social das normas constitucionais. Em especial o militante das ciências jurídicas não pode silenciar-se diante de tais desafios, principalmente em virtude de seu conhecimento específico, entretanto tal busca incessante pela efetividade das normas constitucionais não pode e nem deve ser uma prerrogativa dos estudantes da ciência do direito, uma vez que toda a sociedade deve se empenhar nesta difícil missão, em virtude de ser a própria sociedade a destinatária da Carta Magna Neste diapasão, animadora é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, litterim: Ao lado dos deveres e compromissos com o bem-estar público que incubem a todos os cidadãos, os advogados são aliciados e colhidos ademais – e sobretudo -, por um dever específico que advém de sua formação jurídica. O dever de perquirir no sistema normativo, até a exaustão, todas as possibilidades ai abertas em prol do atendimento de valores sócio-culturais que a humanidade incorporou em seu processo civilizatório e que, bem por isso, encontram-se inevitavelmente vazados nas Cartas fundamentais dos países do mundo civilizado60. Não é só através do meio jurídico que encontraremos soluções para este grave problema, atualmente para termos uma maior efetividade das normas constitucionais terá que ser travada também uma luta política e social. Partindo deste pressuposto de que apesar de sua importância não vai ser o judiciário sozinho que resolverá o problema, e sim, conjuntamente com a luta dos movimentos sociais, dividimos este capítulo em três grandes tópicos: a) o arsenal jurisdicional; b) participação popular; c) a proposta de se criar uma nova Constituição. 60 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, 1982, p. 174. 47 3.1 O ARSENAL JURÍDICO (JURISDICIONAL) A Constituição de 1969 apesar de ter sido outorgada pela ditadura mantinha em seu bojo dispositivos em prol da justiça social que não era efetivado pela situação passiva que se encontrava o poder constituído. O constituinte de 88 ciente desta problemática e com o intuito de resguardar o seu próprio prestígio inseriu na Carta Política mecanismos de controle da omissão dos poderes constituídos, bem como de garantia de realização dos direitos fundamentais. 3.1.1 Inconstitucionalidade por omissão Uma Constituição é desrespeitada quer quando se faz algo de forma contrária ao que ela estabelece quer quando não faz o que ela determina. Inicialmente só se cogitava na inconstitucionalidade por ação, configurando-se, sempre, numa atuação positiva contrária à Constituição. Observando que também existe a inconstitucionalidade na omissão do ente público em fazer o que a Carta determina é que se foi inserindo nas constituições contemporâneas o instituto denominado de inconstitucionalidade por omissão. Devido à grande proximidade que temos com o constitucionalismo português o nosso instituto é muito similar com o previsto na Constituição Portuguesa que prescreve em seu artigo 283: Artigo 283 (Inconstitucionalidade por omissão) A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes das assembléias legislativas das regiões autônomas, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exeqüíveis as normas constitucionais. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente61. 61 BRASIL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/Sistema_Politico/Constituicao/06Revisao/>. Acesso em 08. Set. 2008. 48 Observa-se que a inconstitucionalidade por omissão prevista na Carta Lusitana é voltada exclusivamente para o legislativo, não cuidando das omissões dos demais órgãos. A Constituição brasileira foi um pouco mais abrangente ao também prever a omissão da Administração. A Carta de 88 de forma similar institui no direito pátrio a inconstitucionalidade por omissão, in verbis: Art. 103 – (omissis) § - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providencias necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em (trinta) 30 dias62. Para um melhor entendimento das reais funções da inconstitucionalidade por omissão, imperativo se torna fazer a diferenciação deste instituto com o Mandado de Injunção. Na inconstitucionalidade por omissão o objetivo é dar ciência ao órgão omisso para que adote as providências necessárias. Em outras palavras tem como objetivo maior a regulamentação da norma constitucional. Já o Mandado de injunção é incidente no caso concreto, pois reconhecendo o judiciário que o direito que a constituição concede ao cidadão é ineficaz por ausência de regulamentação fará por força do próprio Mandado de Injunção a integração do direito, tornando-o exeqüível. O maior problema a ser enfrentado se refere às omissões do legislativo. Por isto, é importante salientar que nem todo “não fazer” configura-se uma omissão inconstitucional, haja vista que normalmente o legislativo tem a discricionariedade na execução de sua missão legiferante. Só irá configurar uma inconstitucionalidade por omissão nos casos em que a Lei Maior impõe ao órgão legislativo o dever de editar norma regulamentadora. O legislativo tem discricionariedade e faz parte do seu juízo de conveniência e oportunidade em legislar, por exemplo, sobre a obrigatoriedade de o empregador pagar 14º salário para o trabalhador. A mesma discricionariedade não tem em relação a legislar sobre a participação dos trabalhadores nos lucros e gestão das empresas conforme determinação do art. 7, XI da Constituição Federal. Neste caso, surge para o legislador o dever de legislar, e não apenas a competência para tanto, e caso não o faça estará incurso em inconstitucionalidade por omissão. 62 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 49 Outro aspecto a ser observado diz respeito ao prazo que o legislativo tem para regulamentar a norma constitucional, ou seja, a partir de que momento ele estaria cometendo uma inconstitucionalidade por omissão. Nesta hipótese, o judiciário antes de decretar a omissão deverá ponderar se neste decurso de tempo o legislativo não só podia como deveria ter integralizado a norma, uma vez que houve prazo suficiente para elaboração e discussão da matéria. Todavia, o simples fato de ter projeto de lei tramitando no órgão legislativo por si só, não afasta a inconsitucionalidade por omissão, porque se assim fosse bastava o legislativo apresentar qualquer projeto, mesmo que esdrúxulo que estaria impossibilitando o judiciário de decretar a omissão. É do mesmo entendimento o Supremo Tribunal Federal: A mora - que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa -, e de ser reconhecida, em cada caso, quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário a efetividade da lei fundamental; vencido o tempo razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo podem descaracterizar a evidencia da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar. III. juros reais (cf. art.192, par. 3.): passados quase cinco anos da constituição e dada a inequívoca relevância da decisão constituinte paralisada pela falta da lei complementar necessária a sua eficácia - conforme já assentado pelo STF(ADin n. 4, DJ 25.06.93, Sanches)-, declara-se inconstitucional a persistente omissão legislativa a respeito, para que a supra o Congresso Nacional63. 3.1.1.1 Conseqüência da omissão inconstitucional perante a sociedade Neste sub-tópico será analisada não a conseqüência da decretação pelo STF da inconstitucionalidade por omissão, e sim, as conseqüências que tal desrespeito a Carta Política enseja tanto na própria Constituição Federal como na sociedade. Segundo o mestre Luís Roberto Barroso a não regulamentação por parte do legislador acarreta a “subversão da hierarquia das normas, com a falência da supremacia constitucional, visto que o legislador ordinário se arroga o poder de impedir que um direito conferido pela Lei maior opere seus efeitos64”. 63 Cf. Mandado de Injunção n. 361-1/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 08/04/94, publicado no DJ de 17/06/1994 64 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 166. 50 Razão assiste ao constitucionalista tendo em vista que a partir do momento em que o legislador ordinário não regulamente norma constitucional fazendo com que tal direito não seja efetivo, o mesmo estará passando por cima da vontade suprema do constituinte, o que não lhe compete. Ademais, essa omissão não só do Legislativo mais muitas vezes também do Executivo ocasiona na falta de confiança da sociedade para com a Lei Fundamental, uma vez que ela verifica que o que está escrito no papel não tem efeito em suas vidas. Neste diapasão, Ana Cândida da Cunha Ferraz faz crítica severa aos poderes constituídos quando assevera que a omissão: Constitui uma lamentável falha, e caracteriza a ausência de senso de responsabilidade e lealdade para com os cidadãos e os eleitores que confiaram, pelo voto, aos exercentes dos Poderes Legislativos e Executivo, a missão de cumprir e fazer cumprir a lei consagrada como “fundamental” para reger os destinos do País65. 3.1.1.2 Processabilidade e efeitos da decretação pelo STF da inconstitucionalidade por omissão. Diferentemente do Mandado de Injunção, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é julgada pelo Supremo Tribunal Federal com exclusividade, e são legitimados para propo-lá os mesmos para proporem a Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Direta de Constitucionalidade elencados no art. 103 da Constituição Federal, quais sejam: O Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Apesar do grande avanço que foi dado com a inclusão deste louvável instituto na Carta Política, foi um pouco tímido em seus efeitos haja vista que apenas permite ao judiciário dar ciência ao Poder Competente, salvo no caso de órgão administrativo que após a decretação pelo Supremo tem o prazo de trinta dias para suprir a omissão. 65 FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Inconstitucionalidade por omissão: uma proposta para a Constituinte. Revista de informação legislativa, volume 23, nº. 89, p. 52. 51 Infelizmente este problema não é exclusivo de nossa Constituição, pois a mesma dificuldade também é encontrada em outros países. Interessante é o mecanismo da inconstitucionalidade por omissão na Venezuela, pois permite que o Tribunal Constitucional além de decretar a omissão pode estabelecer prazos para que se preencha a lacuna, bem como fixar parâmetros a serem contidos na lei integradora, conforme nos ensina Valeschka e Silva Braga em minucioso estudo comparado, senão vejamos: O exemplo teoricamente melhor elaborado atualmente é o da Venezuela. Com efeito, a Constituição de 1999 prevê que o Tribunal constitucional tem a autoridade de fazer a declaração de inconstitucionalidade por omissão, mas também pode estabelecer o prazo para quem o legislador preencha o seu dever de legislar e fixar os parâmetros da lei futura, nos limites, obviamente do direito, in verbis (tradução livre): Artigo 336. [...] 7. Declarar a inconstitucionalidade das carências do poder legislativo das comunas, estatais ou cidadão, quando não editaram regras ou medidas indispensáveis para a garantia do cumprimento desta Constituição, ou editouo de maneira incompleta, e estabelecer o prazo e, se necessário, os parâmetros da sua correção66. Infelizmente, as decisões do Supremo em relação à inconstitucionalidade por omissão têm sido muito retrógradas e tímidas, pois vem o pretório excelso decidindo no sentido de que só cabe ao judiciário dar ciência ao Poder inadimplente, pois caso contrário estariam usurpando de seu poder e atingindo a seara do legislativo, conforme pode-se verificar na seguinte decisão: A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos67. Tal decisão basicamente se fundamente na divisão dos poderes, no sentido de que não cabe ao Judiciário através de uma decisão normatizar matéria não regulamentada pelo Legislativo tampouco estipular políticas não implementadas pelo Executivo. Entretanto, a separação de poderes idealizada por Montesquieu não pode ser absoluta, pois o que se almeja é a preponderância de certas funções nas mãos de determinados órgãos, mais não sua exclusividade. A real intenção da teoria da separação 66 BRAGA, Valeschka e Silva. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção: reflexões à luz do Direito Comparado. Disponível na internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 05 de Outubro de 2008. 67 ADI 1458 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 23/05/1996, publicada no DJ de 20/09/96, p. 34531. 52 dos poderes é fazer com que os poderes não se concentrem nas mãos de uma única pessoa o ou órgão. Ademais, a nossa Constituição adota o sistema dos “freios e contrapesos” em que para manter o equilíbrio e harmonia entre os poderes um poder exerce a função de outro, como por exemplo, o Senado Federal julga o presidente da República (art. 52, I), que por sua vez legisla através de Medidas Provisórias (art. 62) e por fim, o Judiciário legisla ao ter a iniciativa de lei no caso de criação de novas varas judiciárias (art. 96, I, “d”). Apesar do contido no art. 103, § 2º não abrir muita margem para a atuação do Judiciário, o mesmo através de um maior ativismo poderia implementar sentenças com caráter normativo que traçaria normas gerais indispensáveis para que se efetive as normas constitucionais e que teriam eficácia enquanto o poder constituído não suprisse a omissão inconstitucional. Tal sugestão coaduna com o ideário de Valeschka e Silva Braga, in verbis: A inconstitucionalidade por omissão deve, sim, acarretar uma sanção para o legislador: a momentânea perca da faculdade de complementar a norma constitucional de eficácia limitada em prol de um papel integrativo do juiz, que poderá, portanto, excepcionalmente, emitir decisão de caráter normativo, que valerá até a edição da lei proveniente do seu real titular, a saber: o poder legislativo. E isto é válido também para o caso da autoridade administrativa competente não expedir o ato normativo no prazo de 30 (trinta) dias previsto no art. 103, §2º da Constituição, sem prejuízo das demais sanções cabíveis68. Por outro lado, conforme já mencionado, este não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que por diversas vezes já decidiu que a Corte não está autorizada a expedir uma norma para o caso concreto ou a editar norma geral abstrata, em virtude de que tal conduta não se compatibiliza com os princípios constitucionais da democracia e da divisão de poderes. Quanto a este entendimento de que nestas hipóteses falta legitimidade por parte do Judiciário para traçar normas gerais em face da omissão legislativa, inclusive pelo fato de os magistrados no Brasil não serem eleitos pelo povo, interessante é o posicionamento de Luís Roberto Barroso: Já deixamos consignado que em uma democracia é não apenas possível, como desejável, que parcela do poder público seja exercida por cidadãos escolhidos com base em critérios de capacitação técnica e idoneidade pessoal, preservados das disputas e paixões políticas. A falta de emanação popular do poder exercido pelos magistrados é menos grave do que o seu 68 BRAGA, Valeschka e Silva. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção: reflexões à luz do Direito Comparado. Disponível na internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 05 de Outubro de 2008. 53 envolvimento em campanhas eletivas, sujeitas a animosidades compromissos incompatíveis com o mister a ser desempenhado69. e Ao bem da verdade, apesar de a jurisprudência ser um pouco tímida a respeito da inconstitucionalidade por omissão, o constituinte originário não ajudou muito, pois poderia ter ido mais além e estipulado prazo para que o legislativo supra a omissão, assim como fez em relação à matéria administrativa. Todavia, indo neste mesmo raciocínio, houve por parte do Pretório Excelso um significativo avanço em seu entendimento ao estipular um prazo para que o Congresso Nacional tome todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional, conforme recente julgado: 1. A Emenda Constitucional nº. 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição. 2. Apesar de existirem Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando á regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e a consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.340, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criaram municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios70. Observa-se que este é até então o mais recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, e que pela 69 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 169. 70 ADI 3682 MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 09/05/2007, publicada no DJ de 06/09/2007, p. 277. 54 primeira vez estipula um prazo para o Legislativo sanar a omissão inconstitucional. Ademais, a decisão quanto à estipulação de prazo não foi unânime, tendo sido vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Neste sentido, interessante trazer a baila o voto destes eméritos Ministros: O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, penso que a Constituição contempla dualidade. Em se tratando de omissão de autoridade administrativa, é possível fixar-se o prazo de trinta dias para a prática do ato, não ocorrendo o mesmo em relação ao Poder Legislativo. Por isto, na esteira de pronunciamentos da Corte, limito-me – imaginando que, realmente, depois da decisão do Supremo, virá a lei complementar cogitada no preceito constitucional – a declarar a mora, com a cientificação do Congresso Nacional. [...] O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENDE – Eu prefiro não me comprometer com o prazo, quer dizer, considero apenas um apelo à razoabilidade temporal71. Desta forma, ainda fica uma incógnita se o Supremo irá em direção ao contido nos votos dos ilustres Ministros citados, ou consolidará entendimento de que em Ação Direta de inconstitucionalidade por Omissão é cabível que o STF estipule prazo para que o Congresso Nacional tome as providências legislativas necessárias. Outro aspecto que ainda não se pode ter uma resposta diz respeito a que efeitos esta sentença terá caso o Congresso Nacional após o decurso completo do prazo de 18 meses não tiver aprovado a Lei Complementar. 3.1.2 Mandado de Injunção Juntamente com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão o mandado de injunção foi outra novidade trazida pelo constituinte de 88 a fim de combater o desrespeito as normas constitucionais através da omissão do poder constituído. O mandado de injunção está previsto na Carta Magna em seu Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, art. 5º, LXXI que assim dispõe: LXXI – Concerder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades 71 ADI 3682 MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 09/05/2007, publicada no DJ de 06/09/2007, p. 321. 55 constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania72. 3.1.2.1 Origem histórica Conforme estudado anteriormente, com o fim do Estado Liberal e o incremento do Estado Social as Constituições começaram a exigir do Poder Público uma atuação positiva e não mais apenas um não intervir na vida da sociedade. Como por vários motivos, seja falta de recursos públicos ou vontade política o Estado não cumpria com as obrigações que as Constituições passara a exigir, surgiu os fundamentos da inconstitucionalidade por omissão. Tendo este grave problema a ser resolvida, começou-se a serem estudados mecanismos que combatessem essas omissões. Um destes mecanismos é o mandado de injunção. Os autores divergem quando tratam da fonte de inspiração do nosso mandado de injunção, entretanto, a maior parte dos doutrinadores entendem que o mandado de injunção da forma que está na Constituição de 88 é uma criação tupiniquim, sem precedentes no Direito internacional. Luís Cesar Souza de Queiroz após extensivo estudo ao Direito comparado conclui: Por tudo que foi demonstrado, é possível concluir que o mandado de injunção, introduzido em nosso sistema jurídico pela Constituição de 1988, não se identifica com qualquer instituto do Direito constitucional comparado. A finalidade do mandado de injunção o torna singular no cenário jurídico mundial. É o primeiro instituto constitucional que tem por objetivo maior, enfrentar o problema da nossa inconstitucionalidade por omissão, não por intermédio de um controle abstrato, com ocorre em Portugal, mas através de um controle concreto73. Celso Ribeiro Bastos é do mesmo entendimento: O mandado de injunção é uma medida sem precedente, quer no Direito nacional, quer no alienígena. A confrontação que se possa fazer com a injuncion do Direito americano só leva à conclusão da absoluta singularidade do instituto pátrio74. 72 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 22. set. 2008. 73 QUEIROZ, Luís César Souza de. Mandado de Injunção e Inconstitucionalidade por omissão. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, volume 6, nº.23, p. 208. 74 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 250. 56 3.1.2.2 Pressupostos São pressupostos ou requisitos mínimos para a propositura do Mandado de Injunção: a) a existência de um direito constitucional, relacionado às liberdades fundamentais, à nacionalidade, à soberania ou à cidadania cujo exercício esteja inviabilizado; e b) a falta de norma regulamentadora que impeça ou prejudique a fruição deste direito. Observa-se que o constituinte ao escrever “prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” apenas utilizou estas prerrogativas como exemplos e não como forma de restringir o cabimento do Mandado de Injunção, pois o mesmo é cabível em face de qualquer direito contido na Lei das Leis que dependa de norma regulamentadora para sua efetivação, inclusive os sociais. Assim como estudado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não é toda omissão que será inconstitucional, noutras palavras, apenas será cabível o remédio constitucional ora em questão quando o ente público se tornou omisso em uma obrigação em que Carta Política lhe outorgou a obrigação de agir. Além disto, o direito a ser pleiteado pelo remédio constitucional estudado deve está sendo impedido a sua realização por ausência de norma regulamentadora, não sendo cabível o Mandado de Injunção em face normas constitucionais em que possui normatividade suficiente para legitimar a sua direta, imediata e integral aplicação. 3.1.2.3 Competência e procedimento Por ironia do destino, o Mandado de Injunção sofre do mesmo mal a qual foi criado para combater, pois ainda não foi criada norma infraconstitucional regulamentando o seu uso. Entretanto, tendo como fundamento o art. 5º, § 1º da Carta Política conclui-se que o mandado de injunção é auto-aplicável. Enquanto não for criada norma regulamentadora, o mandado de injunção utiliza o mesmo procedimento do mandado de segurança, conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles, in verbis: Não existe, presentemente, legislação específica para regrar o trâmite processual do mandado de injunção, o que nos leva a entender possível a 57 aplicação analógica das normas pertinentes ao mandado de segurança, visto que este instituto guarda estreita semelhança com aqueloutro75. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também entende ser o mandado de injunção auto-aplicável, bem como que enquanto não for criada norma regulamentadora deverá ser utilizada a legislação específica do mandado de segurança: Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência dessa Corte – que está devidamente definida pelo art. 102, I, q -, auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber76. Será competente para julgar o mandado de injunção o Supremo Tribunal Federal quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das mesas de uma dessas Casas Legislativas, do TCU, de um dos Tribunais Superiores ou do próprio STF (art., 102, II, q). Compete também ao Supremo julgar recurso ordinário contra decisão denegatória em única instância de mandado de injunção julgado por Tribunal Superior (art. 102, II, a). Por outro lado, tem competência o Superior Tribunal de Justiça pra julgar originariamente o mandado de injunção quando a elaboração de norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da Administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal (art. 105, I, h). Todavia, quanto a omissões de autoridades e órgãos estaduais, cabem a Constituição Estadual e a lei de organização judiciária delimitar a competência para o julgamento, que poderá ser do juiz singular ou do Tribunal de Justiça. A legitimação ativa para impetração do mandado pertence ao titular do direito cujo exercício está obstado por falta de norma regulamentadora. Quanto a legitimidade passiva recai sobre a autoridade ou o órgão omisso. Desta forma, não se inclui no pólo passivo do julgamento do mandado de injunção a autoridade, órgão ou até mesmo entidade privada que será responsável a determinada ação após a regulamentação normativa. Já se tornou pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de se impetrar mandado de injunção coletivo assim como acontece com o mandado de 75 76 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 274. MI-QO 107 DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 21/11/1990, publicada no DJ de 02/08/1991. 58 segurança, tendo como legitimados os mesmos para este ultimo, quais sejam: a) partido político com representação no Congresso Nacional; e b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Para elucidar a questão, transcrevemos julgado da Suprema Corte: MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – ADMISSIBILIDADE: Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar, em favos dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional77. 3.1.2.4 Objeto e efeitos da decisão A definição do objeto do mandado de injunção é o ponto que traz a maior divergência entre os estudiosos deste remédio constitucional. Para alguns ele é destinado a estimular e pressionar o órgão ou autoridade a preenchera lacuna criada por sua inércia. De outro modo pensam os que vêem no writ um mecanismo de suprimento judicial da norma não criada. A delimitação do objeto do mandado de injunção tem conseqüências práticas nos efeitos que terão a decisão proferida pelo judiciário, na qual persistem as mesmas divergências doutrinárias. Basicamente, são duas as posições encontradas na doutrina. A primeira entende que cabe ao judiciário apenas declarar a mora na elaboração da norma regulamentadora e notificar o órgão que detém a respectiva competência, tal qual ocorre na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Caso persista com a inércia, para está linha de pensamento, o judiciário não teria possibilidade de obrigá-lo a atuar. Já a segunda linha de pensamento considera que o mandado de injunção deve servir para que o judiciário elabore a regulamentação que permita o exercício imediato dos mencionados direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Conforme veremos no tópico a seguir, gradativamente o Supremo Tribunal Federal foi mudando da primeira para a segunda linha de pensamento. 77 MI 472 DF, Rel. Celso de Melo, julgado em 06/09/1995, publicada no DJ de 02/03/2001. 59 Ora, dá ciência ao poder inerte para que cubra sua lacuna, conforme exaustivamente já estudamos acima é função da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, pois faz uma análise em abstrato da norma, não analisa e nem deveria o caso concreto. Diferente é a hipótese de incidência do mandado de injunção, haja vista que foi criado para incidir no caso em concreto, inclusive tendo efeito apenas entre as partes. Se prevalecer o primeiro posicionamento, teremos dois mecanismos exercendo a mesma função: dar ciência ao órgão ou autoridade de sua inércia. A melhor doutrina se encontra na segunda linha de pensamento. De forma brilhante defende este raciocínio Luís Roberto Barroso: O objeto da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competentes para criar a regra, criando ele próprio, para os fins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante, independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentada78. Também crítica o entendimento de que o mandado de injunção serviria apenas para dar ciência da omissão ao órgão ou autoridade inerte o ilustre constitucionalista José Afonso da Silva: O mandado de injunção tem, portanto, por finalidade realizar concretamente em favor di impetrante o direito, liberdade ou prerrogativa, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício. Não visa obter a regulamentação prevista na norma constitucional. Não é função do mandado de injunção pedir a expedição de norma regulamentadora, pois ele não é sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. É equivocado, portanto, data vênia, a tese daqueles que acham que o julgamento do mandado de injunção visa a expedição da norma regulamentadora, dando a esse remédio o mesmo objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Isso quer dizer apenas que o mandado de injunção não passaria de ação de inconstitucionalidade por omissão subsidiária79. 3.1.2.5 Evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Nestes recém completados vinte anos da existência do tão comemorado mandado de injunção, a jurisprudência da Suprema Corte não se manteve inerte, pois 78 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 252. 79 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 450. 60 teve uma sensível alteração nestas duas décadas, principalmente no sentido de aproximar-se ao clamor que vinha da doutrina. Inicialmente a Suprema Corte vinha dando ao mandado de injunção efeito similar ao da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, ou seja, apenas ciência ao órgão ou autoridade inerte para que supra a omissão, conforme podemos observar no julgamento de questão de ordem suscitada no mandado de injunção nº. 107: Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito garantia o prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado para falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional80. Tal posicionamento não era unânime no Supremo Tribunal Federal, pois já havia vozes progressistas dentro da Suprema Corte que defendia que a decisão em mandado de injunção deveria elaborar norma a ser observado no caso concreto, em especial os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio. Os posicionamentos destes eminentes Ministros ficam claro no julgamento do MI-124 em que o Ministro Carlos Velloso era o relator e foi acompanho pelo Ministro Marco Aurélio. Apesar de vencidos, importante trazer a baila os brilhantes posicionamentos: O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – RELATOR -Prosseguindo no julgamento, faço o que, segundo penso, a Constituição quer que eu faça: para o caso concreto elaboro a norma a ser observada, nos seguintes termos: o aviso prévio será de dez dias por ano de serviço ou fração superior a seis meses, observado o mínimo de trinta dias (C.F., art. 7º, XXI). Assim votei, Senhor Presidente, por ocasião do julgamento do MI nº. 369DF. Obtida a norma – e é isto o que o impetrante procura obter no mandado de injunção – retornam os autos ao Juízo Trabalhista, onde prosseguirá a reclamação trabalhista já ajuizada. [...] O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Quanto ao mérito, propriamente dito, acompanho o nobre relator. Não posso, de forma alguma, entender que se inseriu no inciso LXXI do artigo 5º um preceito inútil, porque estaria a viabilizar, apenas, a constatação de que o Legislativo está omisso. A Suprema Corte não é convocada, com a impetração do mandado de injunção, apenas para certificar que o Congresso Nacional continua omisso. 80 MI-QO 107 DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 21/11/1990, publicada no DJ de 02/08/1991. 61 Não! Ela é convocada para lançar no mundo jurídico um provimento que viabilize o exercício do direito previsto constitucionalmente81. Posteriormente, a jurisprudência da Suprema Corte começou a conceder o mandado de injunção não apenas com o fim de reconhecer a existência da omissão, mas assinando um prazo a fim de que se ultimasse o processo legislativo faltante, sob pena de, vencido o prazo sem legiferação, passar o requerente a gozar do direito que a Constituição lhe outorga, mas que não está regulamentado. Este posicionamento foi julgado por maioria – pois novamente os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e agora Célio Borja divergiram - no MI-232: Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida82. Neste caso os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Célio Borja entendiam que o requerente já fazia jus imediatamente da isenção prevista no artigo 195, § 7º, pelos motivos mencionados acima. Todavia, ao analisar o julgado observa-se que houve uma mudança de posicionamento em relação ao MI–107, uma vez que não mais considerou o mandado de injunção como uma espécie de inconstitucionalidade por imissão, e sim, foi mais incisivo ao estipular um prazo a ser cumprido pelo Legislativo. Já em outro mandado de injunção, o Pretório Excelso além de declarar a mora e fixar prazo para o legislativo regulamentar o preceito constitucional, a decisão também estabeleceu uma sanção no sentido de que caso o processo legislativo não seja concluso no prazo fixado, fica assegurado ao impetrante através da via processual adequado na juízo de primeira instância requerer a reparação por perdas e danos. Para melhor compreender o teor da decisão: este mandado de injunção foi impetrado com fundamento no art. 8º, § 3º, do ADCT, que prevê que cidadãos afetados por atos discricionários do Ministério da Aeronáutica, editados logo após o movimento militar de 64, fazem jus a uma reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional. Após extensa discussão, a Suprema Corte por maioria julgou o MI–283 da seguinte forma: Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: 81 82 MI 124, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 07/10/1992, publicado no DJ de 18/06/1993. MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 02/08/1991, publicado no DJ de 27/03/1992. 62 a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, ADCT, comunicando-se ao Congresso Nacional e à Presidência da República; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem. d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a cosa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável83. Da mesma forma como vinha acontecendo diante de outros mandados de injunção, a ciência ao Legislativo não surtiu maiores efeitos práticas, e nisto se sustenta o grande avanço deste julgado, ao já prever que caso o processo legislativo não seja efetivo, permita o usufruto do direito pelo impetrante. Entretanto, pouco adiante, em mandado de injunção impetrado com base no mesmo dispositivo constitucional (art. 8º, § 3º do ADCT), o STF, tendo em vista o escoamento do prazo que concedera no mandado de injunção anterior, considerou desnecessária nova comunicação ao Congresso Nacional e facultou aos impetrantes ingressarem imediatamente em juízo para obterem a reparação a que faziam jus, conforme ementa do MI–284: Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no mandado de injunção nº 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório84. Este mandado de injunção teve como relator o Ministro Marco Aurélio, que em seu voto ao invés de assegurar aos impetrantes a possibilidade de ajuizarem ação no juízo ordinário, delimitou, no próprio voto os valores da indenização a serem pagos pela União aos impetrantes, demonstrando coerência com os seus votos nos mandados de injunções anteriores. O Ministro Marco Aurélio foi acompanhado pelos Ministros Carlos Velloso e Ilmar Galvão. Por fim, interessante e bastante divulgado inclusive pela mídia foram os julgamentos dos mandados de injunção 670, 708 e 712 em que apreciavam a omissão 83 84 MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 20/03/1991, publicado no DJ de 14/11/1991. MI 288, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/11/1991, publicado no DJ de 26/06/1992. 63 legislativa em regulamentar o direito de greve dos servidores públicos consubstanciado no art. 37, VII da Carta Política. Primeiramente, entendeu a Suprema Corte que o direito de greve, diante da inércia do Congresso Nacional responsável pela sua integração, deveria ser concretizado pela própria Corte, de acordo com as possibilidades existentes no ordenamento jurídico. Neste sentido, entende-se que deveria ser aplicada ao direito de greve dos servidores públicos, enquanto não editada a lei específica exigida pelo mandamento constitucional, a lei de greve da iniciativa privada, qual seja a Lei nº 7.783 de 1.999, senão vejamos: O Tribunal iniciou o julgamento de mandado de injunção impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa – SINTEM em face do Congresso Nacional, com o objetivo de dar efetividade à norma inscrita no art. 37, VII, da CF. o Min. Gilmar Mendes, relator, conheceu do mandado de injunção e acolheu a pretensão nele deduzida para que, enquanto não suprida a lacuna legislativa, seja aplicada a Lei 7.783, e, ainda, em razão de imperativos da continuidade dos serviços públicos, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, e mediante solicitação de órgão competente, seja facultado ao juízo competente impor a observância a regime de greve mais severo, haja vista se tratar de serviços ou atividades essenciais, nos termos dos artigos 9 a 11 da Lei 7.783/99 (STF, MI 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 24/05/2007)85. Novamente, estas três decisões não foram unânimes: Ficaram vencidos, em parte, nos três mandados de injunção, os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Também ficou vencido, parcialmente, no MI 670/ES, o Min. Maurício Corrêa, relator, que conhecia do writ apenas para certificar a mora do Congresso Nacional. (STF, MI nº 670/ES, Rel. original min. Maurício Corrêa, Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes; MI nº 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes; MI nº 721/PA, Rel. Min. Eros Grau, julgados em 25/10/2007)86. Fica prejudicada uma análise mais aprofundada a respeito destes importantes julgados em virtude de os mesmos ainda não terem sido publicados. Ainda assim, observa-se que neste caso a divergência principal encontra-se no sentido de que o mandado de injunção terá efeitos erga omnes ou apenas para as categorias que impetraram o remédio constitucional. Até então, a jurisprudência do Pretório Excelso era unânime no sentido de que o efeito das decisões do writ eram apenas entre as partes, o que não ocorre com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que possui efeitos erga omnes. 85 86 Informativo STF, nº 468, Maio de 2007. Disponível em: <www.stf.jus.br>. acesso em 02 out. 2008. Informativo STF, nº 485, Outubro de 2007. Disponível em: <www.stf.jus.br>. acesso em 02 out. 2008. 64 Após detalhado estudo sobre a jurisprudência a respeito dos mandados de injunção julgados pelo Supremo Tribunal Federal, conclui-se pela significativa mudança de entendimento da Suprema Corte. Tal fato ocorreu por vários motivos. Primeiramente, houve nestas duas décadas uma significativa alteração na composição da Corte Suprema, com a nomeação de ministros com posições divergentes. Em segundo lugar porque o entendimento que o Supremo vinha tendo em seus primeiros julgamentos era inverso ao emanado da maioria da doutrina. Por fim, os Ministros começaram a observar que apenas a ciência ao órgão inerte sobre a sua omissão não vinha trazendo efeitos práticos na sociedade, tampouco resolvendo o problema. Isto ocasionava um verdadeiro descrédito a este importante remédio constitucional. O Ministro Marco Aurélio, em entrevista concedida quando da comemoração dos 20 anos da Constituição, ao analisar o mandado de injunção também observou essa significativa mudança do entendimento da Suprema Corte, a qual foi um dos líderes: O que se reclamava em relação à Constituição anterior? Que havia direitos previstos nela, Constituição, mas que dependiam da regulamentação do Congresso. E faltava exatamente um instrumental, como o Mandado de Injunção, para tornar esses direitos concretos, exercitáveis pelos cidadãos. Veio a Carta de 1988 e nos deu esse instrumental. De início, o Supremo teve uma postura um pouco tímida quanto ao instrumental e, muito embora a ação seja uma ação mandamental, a ensejar uma decisão que implique ordem, o Supremo tomou essa ação como simplesmente declaratória da omissão. Mas houve uma insistência de certa ala do Supremo – e eu me incluo nessa ala, porque desde o primeiro dia eu sustentei a eficácia do Mandado de Injunção-, acabou evoluindo. E ganhou com isso jurisdicionados em geral. Achar que nós legislamos é uma visão míope. Nós não legislamos. A nossa atuação é uma atuação vinculada. Vinculada à Constituição Federal e às leis aprovadas pelo Congresso87. Este inclusive era o desejo dos constituintes, conforme podemos observar do discurso do presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, no dia da promulgação da Carta Política, quando alertava a grande missão que o Legislativo tinha a executar, mais que isto não impedia a efetividade daquelas normas então promulgadas: Nós, os legisladores, ampliamos nossos deveres. Teremos de honrá-las. A nação repudia a preguiça, a negligência, a inépcia. Soma-se à nossa atividade ordinária, bastante dilatada, a edição de 56 leis complementares e 314 ordinárias. Não esqueçamos que, na ausência de lei complementar, os cidadãos poderão ter o provimento suplementar pelo mandado de injunção88. 87 Entrevista concedida a TV Justiça e transmitida na programação da emissora no dia 05 de Outubro de 2008. 88 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 915. 65 3.1.3 Outros instrumentos jurídicos de combate a ineficácia da Constituição. Por uma questão metodológica, nesta monografia apenas será aprofundado o estudo dos mecanismos jurídicos que combatam a ausência de norma regulamentadora, a qual é o dos maiores problemas a ser enfrentado após duas décadas da promulgação da Constituição cidadã. Todavia, não diminui a grande importância dos demais mecanismos jurídicos que vem cumprindo relevante papel na sociedade. Além do mandado de injunção e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão já estudados, a Constituição inseriu em seu texto outros importantes mecanismos, os quais podemos observar no quadro abaixo: Instrumento Previsão Art. 5º, LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger Mandado de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas Segurança data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público Art. 5º, LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado Mandado de por: Segurança a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente coletivo constituída em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Art. 5º, LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao Ação meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, Popular salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência. Lei nº 7.347/85 – proteção do patrimônio público e social, do meio Ação civil ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. pública Art. 5º, LXXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua Habeas liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Corpus Art. 5º, LXXII – conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades Habeas Data governamentais ou de caráter público; b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. 66 A Carta Magna também previu a possibilidade de iniciativa legislativa popular, entretanto, está importante prerrogativa será estudada cuidadosamente no tópico sobre a participação popular. 3.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS. Muito embora, pela natureza deste trabalho, seja dada maior ênfase aos mecanismos técnico-jurídicos, importante se torna tecer alguns comentários acerca do papel dos movimentos sociais na luta política cotidiana, que tem na maioria das vezes o sincero intuito de dar efetividade ao consubstanciado na Lei Fundamental. Por ocasião da fase mais radical do autoritarismo político no Brasil, houve a obstrução dos canais institucionais de participação política: os partidos políticos. Diante da impossibilidade de organização em partidos políticos, a luta social foi travada por organizações sociais. Nesta perspectiva, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil juntaram forças com os movimentos negro, feminista, de moradores de determinado bairro, as comunidades eclesiais de base, os sindicatos revitalizados etc. É imprescindível fazer uma distinção. Apesar de muitos desses movimentos terem alguns de seus grandes líderes disputando a institucionalidade, inclusive obtendo êxito, a luta social que aqui referimos diz respeito à não institucionalizada, ou seja, é a luta das ruas exercendo pressão e encaminhando sugestões para o Estado. Este modelo de luta política comprovadamente já mostrou a sua eficiência. Não foram poucas as vezes que o clamor vindo das ruas obteve êxito. Mesmo nas grandes derrotas como nas “diretas já” ou na luta por Uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva89, obteve-se o mérito de abrir caminho para a negociação por outras reivindicações, além de demonstrar que a sociedade está organizada e que não aceitaria qualquer desmando por parte do Estado. Mas a luta social não é exclusividade de grandes temas, pois compreende desde uma pequena reivindicação para vedar a derrubada de árvores de determinada praça até 89 Apesar de ter sido convocada a ANC, ela não foi exclusive conforme queria o clamor popular, pois os constituintes após a promulgação da Carta continuaram a exercer suas funções, agora como parlamentares. 67 o impeachment do Presidente da República. Todavia, esse essencial modelo de luta política, após o seu ápice nas décadas de 80 e 90, vem sofrendo um acentuado declínio atualmente. Vários são os motivos para esse fato. Primeiramente, a eleição em 2002 de um Governo central de esquerda e oriundo dos movimentos sociais de certa forma inibiu a pressão popular, além de muitos de seus líderes terem se transferido para o Governo, deixando alguns dos mais importantes movimentos populares sem referência e liderança. Em segundo lugar, os movimentos sociais estão sofrendo uma intensa criminalização, tendo seus integrantes constantemente sendo taxados de marginais ou arruaceiros. Exemplificando este fenômeno, temos a movimentação por parte do Ministério Público Federal em solicitar a extinção do MST por entender que este se enquadra como uma organização paraestatal, abdicando de considerar a sua grande importância no combate aos latifúndios improdutivos. Por fim, observa-se que os movimentos sociais estão reduzidos a atuações setoriais, não havendo mais a interação entre diferentes grupos em torno de determinado objetivo. Esse fato ocorre pelo individualismo e corporativismo, bem como pela ausência de importantes pautas nacionais, que englobariam diferentes segmentos da sociedade, como ocorreu em outros tempos com a luta pela redemocratização do Brasil. Fazendo uma ligação da participação dos movimentos sociais com a eficácia social das normas constitucionais, conclui-se, no esteio do pensamento de Luís Roberto Barros, que “não há efetividade possível da Constituição, sobretudo quanto à sua parte dogmática, sem uma cidadania participativa”.90 Em especial as normas programáticas, pelo seu baixo teor normativo, só se tornarão efetivas com a pressão dos movimentos sociais, uma vez que, apesar do aumento arrecadatório por parte do Estado, tais verbas não são suficientes para o Estado executar todos os programas contidos na Carta Política de imediato. Neste aspecto que surge com grande relevância a pressão dos movimentos sociais, pois influencia na escolha de prioridades na execução de políticas públicas. 90 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. Ed. Renovar. 6º edição, p. 132. 68 3.2.1 Iniciativa popular de leis. Não persiste mais no mundo contemporâneo a democracia direta nos moldes em que era exercida na Grécia, pois cedeu espaço para o que denominamos atualmente como democracia representativa. O Estado Brasileiro através da Constituição Federal de 88 adotou como fundamento da República a democracia representativa com possibilidades determinada na própria Carta Política de participação direta pelo povo, conforme dispõe no seu parágrafo único do art. 1º ao asseverar que “todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Essa junção entre a democracia representativa com a participação direta do povo denomina-se como democracia semidireta. É notório que o sistema representativo está em decadência, pois não mais consegue exercer o seu papel de levar a vontade do povo para o Parlamento. Ademais, dentre os três poderes da República é o Legislativo em que tem o maior descrédito perante a sociedade, uma vez que os parlamentares não mais representam os interesses de quem os elegeu, e sim, os interesses próprios e o dos financiadores de suas campanhas. Não passou despercebido à sensibilidade de José Afonso da Silva está crise de representatividade a que passa o Congresso Nacional quando assevera: O regime representativo, no Estado burguês procura resolver o conflito de interesses sociais por decisões da maioria parlamentar. Maioria que nem sempre exprime a representação da maioria do povo, porque o sistema eleitoral opõe grandes obstáculos a parcela ponderável da população, quanto ao direito de voto, para a composição das Câmaras Legislativas. Daí decorre que a legislação nem sempre reflete aquilo a que a maioria do povo aspira, mas, ao contrário, em grande parte, busca sustentar os interesses de classe que domina o poder e que, às vezes, está em contraste com os interesses gerais da Nação. As classes dirigentes, embora constituindo concretamente uma minoria, conseguem, pelo sistema eleitoral, impedir a representação, nos Parlamentos, da maioria do povo, razão por que, fazendo a maioria parlamentar, obtêm uma legislação favorável91. Ora, assim como alude Eneida Desiree Salgado “a idéia de democracia vai além do depositar o voto na urna”.92 Neste sentido, é mister que seja mais utilizado no Brasil os mecanismos de participação direta do povo nas decisões nacionais. A Carta de 88 91 DA SILVA, José Afonso apud DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 126. 92 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis. As proposições, o positivado e o possível. Revista de informação legislativa v. 43, n. 169, p. 95. 69 assegurou a participação direta de três formas distintas, conforme podemos compreender da leitura do art. 14: Art. 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular93. Por coerência ao tema de análise dessa monografia, será dado enfoque a prerrogativa da iniciativa popular. Por sua vez, o § 2º do art. 62 da Carta Magna determina como requisito para a tramitação do projeto de lei por iniciativa popular que ele seja “subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. Observa-se que o constituinte foi muito exigente para a tramitação de projetos legislativos de iniciativa popular, ao exigir um por cento do eleitorado nacional. Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral, o eleitorado nacional consiste em 130.604.43094 (cento e trinta milhões, seiscentos e quatro mil, quatrocentos e trinta) eleitores. Desta forma, são necessários para cumprir os requisitos constitucionais que o projeto tenha mais do que 1.300.000 (um milhão e trezentos mil) assinaturas. Por essa desnecessária exigência, esta louvável prerrogativa foi muito pouco utilizada nessas duas décadas da promulgação da Constituição Federal. Segundo estudo da professora Eneida Desiree Salgado, apenas três projetos de iniciativa popular foram apresentados à Câmara dos Deputados e tornaram-se leis, todos em co-autoria por não ter atingido o número exigido de assinaturas: O projeto de Lei 4.146/92, que teve o Poder Executivo como co-autor, tornou-se a Lei 8.390/94 e alterou a Lei 8.072/90, adicionando o homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio no rol dos crimes hediondos. O Projeto de Lei 1.517/99, com a co-autoria do Deputado Albérico Cordeiro (e assinatura de todos os líderes partidários), transformouse na Lei 9.840/99 e incluiu na Lei 9.504/97 o artigo 42-A, permitindo a cassação de registro do candidato que incidir em captação ilícita de sufrágio. Finalmente o Projeto de Lei 2.710/92 torna-se, com muitas modificações, a 93 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008. 94 Tribunal Superior Eleitoral, disponível em <http://www.tse.jus.br/internet/eleicoes/regi_uf_blanc.htm>. Acesso em 13 de Outubro de 2008. 70 Lei 11.124 e cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Teve o Deputado Nilmário Miranda como co-autor95. Todavia, existem algumas Propostas de Emendas à Constituição com o intuito de diminuir a quantidade de assinaturas necessárias para a propositura de projeto de iniciativa popular, das quais podemos citar a PEC 02/1999 da autoria do Dep. Luiza Erundina do PSB de São Paulo que diminui para 0,5% do eleitorado nacional, bem como propõe a supressão da exigência de que seja distribuído pelo menos por cinco Estados. Esclarecedora é a justificativa para a propositura da citada Emenda: Com efeito, desde o advento da Constituição Federal em vigor, a iniciativa popular tem sido instrumento de democracia semidireta muito pouco utilizado. Primeiro pela dificuldade de reunião das assinaturas, hoje, aproximadamente, 1.000.000 (um milhão) delas, correspondente a 1% dos 100.000.000 (cem milhões) dos eleitores nacionais, conforme estabelece a Constituição. Segundo, em face da exigência de efetiva expressão do eleitorado em pelo menos cinco Estados da Federação96. A lei que regulamenta a iniciativa popular legislativa é a Lei nº 9.709/99. Segundo este dispositivo legal o projeto não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação, bem como deverá circunscrever-se a um só assunto. Ciente desta dificuldade e com o intuito de fomentar a participação dos movimentos sociais no processo legiferante, a Câmara dos Deputados em 2001 criou a comissão permanente de Legislação Participativa, que segundo o art. 32, XII do Regimento Interno da Câmara dos Deputados terá como função receber e dar prosseguimento de sugestões de iniciativa legislativa apresentadas por associações e órgãos de classe. Com um trâmite muito mais simplificado, para o encaminhamento de sugestões para a comissão permanente citada, segundo o seu regulamento interno basta que juntamente com a sugestão a entidade encaminhe: a) registro, em cartório, ou em órgão do Ministério do Trabalho; b) documento legal que comprove a composição da diretoria efetiva e responsável, judicial e extrajudicialmente, pela entidade, à época da sugestão. Na hipótese de a sugestão receber um parecer favorável da comissão Permanente de Legislação Participativa, será encaminhado como proposição para a comissão 95 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis. As proposições, o positivado e o possível. Revista de informação legislativa v. 43, n. 169, p. 100. 96 PEC nº 02/92. Disponível em <www.camara.gov.br>. Acessado em 13 de Outubro de 2008. 71 temática diretamente ligada ao assunto em exame para prosseguimento dos trâmites legislativos normais. Assim como acontece com a iniciativa popular legislativa, não poderá ser sugerida a comissão permanente de Legislação Participativa Propostas de Emenda à Constituição. Diante da maior facilidade de ser sugerida uma sugestão legislativa em virtude da criação por parte da Câmara dos Deputados dessa comissão permanente, este instrumento deverá ser usado pelos movimentos sociais de forma criativa em prol da regulamentação dos direitos constitucionais carentes de legislação infraconstitucional. Entretanto, este importante instrumento não poderá substituir a luta política cotidiana, haja vista que o caminho a ser percorrido entre a aprovação da sugestão legislativa pela comissão permanente de Legislação Participativa até a sanção presidencial é tortuoso e só será alcançado com muita pressão e participação popular. 3.3 PROPOSTA REVISIONAL. DE UMA NOVA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE Mesmo em face dos mecanismos jurídicos estudados e a possibilidade de intensa participação da sociedade civil na luta em prol da efetividade da Constituição cidadã, existem alguns políticos que acreditam que a Constituição já cumpriu o seu papel e que se torna necessária fazer uma profunda revisão em seu texto. Sem a pretensão de adentrar neste complexo debate acerca da legitimidade ou não em se fazer uma nova revisão constitucional após a realizada em 1.993, e sim com o singelo intuito de apresentar uma linha de pensamento que acredita na falência da atual Constituição, transcrevemos abaixo a Proposta de Emenda à Constituição nº 157/2003 de autoria do Deputado Luis Carlos Santos do então PFL/SP e assinatura de mais 174 Deputados, litterim: Art. 1º - Será instalada, no dia 1º de Fevereiro de 2007, Assembléia de Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição. Art. 2º - A revisão constitucional, consubstanciada em apenas um ato, será promulgada após a aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia de Revisão Constitucional. Parágrafo único – A revisão constitucional observará o disposto no art. 60, § 4º. Da Constituição Federal. Art. 3º - A Assembléia de Revisão Constitucional extinguir-se-á no prazo máximo de doze meses contatos da data de sua instalação. 72 Art. 4º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação97. Durante sua tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, o relator da proposta o Deputado e constitucionalista Michel Temer do PMDB/SP, apresentou um parecer com substitutivo que faria com que Emenda à Constituição prosseguisse com o seguinte teor: Art. 1º - Será instalada, no dia 1º de fevereiro de 2007, Assembléia de Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição. § 1º - o parlamento mais idoso instalará a Assembléia de Revisão Constitucional no dia 1º de fevereiro de 2007 e dirigirá a sessão de eleição de seu Presidente. § 2º - A discussão da matéria objeto da revisão será feita n sistema unicameral previsto neste artigo. § 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional elaborará o Regimento Interno de seus trabalhos. Art. 2º. A revisão constitucional, consubstanciada em ato único, será promulgada após aprovação do seu texto, em dois turnos de discussão e votação, por maioria absoluta de votos de cada Casa integrante da Assembléia de Revisão Constitucional e de referendo popular a ser realizado no primeiro domingo de junho de 2007. Parágrafo Único. A revisão constitucional observará o disposto na Constituição Federal, art. 60, § 4º e não modificará o seu Título II, Capítulo II. Art. 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional terá prazo máximo de 12 meses de duração, contados da data de sua instalação. Art. 4º. A cada dez anos é autorizada Revisão Constitucional nos moldes estabelecidos nesta Emenda Constitucional. Art. 5º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação98. A grande alteração oriunda deste substitutivo do Deputado Michel Temer se refere ao fato de que após concluído os trabalhos deverá ser apresentado a população, que irá aprovar ou não, através de referendo, bem como autoriza a Revisão Constitucional em 10 e 10 anos. O Deputado Henrique Fontana, líder do PT, apresentou uma emenda no sentido de que a Assembléia seja instalada em 1º de fevereiro de 2011. Tais propostas foram aprovados por maioria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, havendo alguns fundamentados votos divergentes. A proposta apresentada não recebe o mínimo apoio dentre os militantes do Direito e a sociedade civil organizada. Sem adentrar ao mérito da provável ausência de legitimidade em se fazer outra Revisão Constitucional - uma vez que o constituinte originário estabeleceu clara e expressamente os dois mecanismos de reforma da Constituição Federal, de modo a 97 98 PEC 157/2003. Disponível em <www.camara.gov.br> acessado em 14 de outubro de 2008 PEC 157/2003. Disponível em <www.camara.gov.br> acessado em 14 de outubro de 2008 73 adaptá-la às mudanças sociais: o processo de emendas constitucionais insculpido no art. 60 da Constituição Federal, com seu quorum qualificado e tramitação em dois turnos, e a Revisão Constitucional prevista no art. 3º do ADCT, a ser realizado uma única vez, após cinco anos da promulgação da Constituição Federal pelos membros do Congresso Nacional -, o problema ora estudado nesta monografia não é da Constituição, e sim, da ausência de compromisso constitucional e com a nação por parte do poder constituinte e da elite dominante. Uma reforma profunda na Constituição em hipótese alguma deve vir de cima para baixo, ou seja, do parlamento para a sociedade, e sim, das ruas para o parlamento, através de um profundo processo de ruptura social. Este também é o entendimento do professor Marcus Firmino Santiago: Onde reside o fundamento de legitimidade da assembléia revisora proposta recentemente no Brasil parece, portanto, ser a grande questão a se enfrentar. Processos de revisão constitucional só encontram legitimidade quando refletem a vontade de ampla maioria da sociedade. Revisões profundas, como a proposta, da mesma forma que a instauração de uma nova ordem constitucional, representam uma ruptura com o sistema vigente, donde surge a necessidade de estarem amparadas em evidentes manifestações sociais, seja pelos meios formais (plebiscito ou referendo), seja pela via revolucionária99. Em voto em separado contrário a Revisão Constitucional na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania os Deputados Luís Eduardo Greenhalgh (PT/SP), Antônio Carlos Biscaia (PT/RJ) e Odair Cunha (PT/MG) alegam que uma eventual Reforma Constitucional teria o intuito claro de desconstitucionalizar direitos inerentes a saúde e educação: O que se tem, na verdade, é a possibilidade clara de um grande retrocesso, onde todas as conquistas da sociedade brasileira, especialmente em áreas sensíveis como educação, saúde, família, meio ambiente etc, serão desconstitucionalizadas e relegadas a um plano secundário, sem as garantias e a força normativa da Carta Federal100. Ademais, diante da crise em que a esquerda e os movimentos sociais vem sofrendo no Brasil, se for adiante tal proposta, corre-se o sério risco de não se ter força política suficiente para manter grande parte destes direitos constitucionais. Como bem assevera Márcio Medeiros Félix, para muitos setores com voz ativa e grande representação parlamentar a Revisão Constitucional “seria um meio relativamente fácil 99 SANTIAGO, Marcus Firmino. Sobre a proposta de convocação de "assembléia revisora" para reformulação da Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1218, 1 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9110>. Acesso em: 15 out. 2008 . 100 PEC 157/2003. Disponível em <www.camara.gov.br> acessado em 15 de outubro de 2008. 74 de "livrar" o país do "entulho" social-democrata e garantista que a Constituição de 88 representa”101. Nesta perspectiva, a sociedade deve se empenhar com afinco em manter uma das maiores conquistas da história recente da Nação: a Constituição cidadã. Apesar de nestas duas décadas ela ter sido alvo de todos os tipos de emenda, sempre tendentes a abrir o Estado para a ideologia neoliberal, é o que temos de projeto e bandeira de luta para o Brasil. 101 FÉLIX, Márcio Medeiros. Nova Constituinte: uma impropriedade política e jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1182, 26 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8974>. Acesso em: 15 out. 2008 . 75 CONCLUSÃO Neste mês de outubro muito foi comemorado os vinte anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil pelas mais variadas instituições nacionais. A Presidência da República fez uma festa, o Ministério da Justiça e o Superior Tribunal de Justiça, realizaram seminários, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, criaram exposições. Diante destas comemorações, imperativo se torna um questionamento. Temos motivos para comemorar? De fato, o dia cinco de outubro de 1988 foi marcante na história da nação, selando em definitivo a transição da ditadura para a democracia, todavia, a vinte anos atrás não se tinha a noção de que a luta para tornar aquela Carta recém promulgada efetiva seria mais dura do que a já difícil batalha para conseguir a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Até hoje grande parte da população não tem o discernimento de que a simples inserção de direitos e prerrogativas na Carta Magna, por si só, não resolve como um passe de mágica todos os problemas a qual o país enfrenta. A Constituição tem o nobre intuito de servir como bandeira de luta, pauta de reivindicações, argumento para protestos, mais em nenhuma hipótese deve substituir a indispensável e cotidiana luta política. Ademais, apesar de a Carta Magna ter sido fruto de uma concessão do capital para com o trabalho, a elite nacional não quer vê-la concretizada, até porque não lhes beneficia. Por outro lado, o Estado como indutor de políticas públicas, já está dominado pelo poderia econômico e lhes falta força política para enfrentá-lo. Interessante foi a postura do empresariado diante da Constituição. Em um primeiro momento, ao se ver prejudicado com os dispositivos progressistas e sociais inseridos na Lei Fundamental, resolveu bater de frente com o Estado para a não implementação do ali contido. Observando que não mantinha força suficiente para tão ousada empreitada, decidiu como estratégia tomar o Estado de forma legal através do falido processo eleitoral. O Poder Judiciário, outro importante mecanismo de fornecer efetividade as normas constitucionais, ainda não se deu conta de sua real importância. Todavia, devese reconhecer, conforme estudado nessa monografia, o significativo avanço da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em face dos julgamentos em Mandado de Injunção. Mais ainda é muito pouco, haja vista os seguintes motivos: 76 1. Encontra-se omisso ou tímido na repressão aos absurdos cometidos pelo empresariado diante dos direitos do consumidor, principalmente as empresas concessionárias de serviços de telecomunicações; 2. Prolata ao máximo ou se abstém em condenar, seja entes privados ou o Estado, em ações em que envolvem grandes valores monetários, através de teorias como a reserva do possível, ocasionando corriqueiros desrespeitos a direitos constitucionais; 3. Julgamentos políticos e fundamentados em argumentos jurídicos suspeitos quando envolve ações prejudiciais as grandes empresas e ao sistema financeiro, como ocorreu nos julgamentos em que praticamente sepultaram o agora extinto dispositivo constitucional em que limitava os juros em no máximo 12% ao ano ou quando permitiram a cobrança de juros sob juros, bem como excluindo as instituições financeiras da incidência da lei de usura; 4. Ausência de ativismo judicial em face das omissões do legislativo e do judiciário em regulamentar ou implementar os dispositivos constitucionais respectivamente, respaldados pelo cada vez menos absoluto princípio da separação dos poderes. Primeiramente, era intuito dessa monografia realizar um estudo aprofundado da Proposta de Emenda à Constituição que tramita na Câmara dos Deputados em que tem como objetivo dar ao próximo Congresso Nacional eleito as funções de Assembléia Nacional Constituinte Revisional. Todavia, após profunda reflexão, conclui-se o quanto tal proposta é aventureira e de certa forma golpista, uma vez que teria como intuito desconstitucionalizar direitos fundamentais e entregar a iniciativa privada estratégicos setores econômicos. Essa monografia não tem a pretensão em trazer a baila todas as soluções para a ineficácia social da Constituição, e sim, trazer algumas causas dessa ineficácia, bem como humildes soluções para tão grave problema. Neste escopo, conclui-se tendo como base este estudo em que algumas ações devem ser realizadas, tais como: 1. Maior utilização do instituto do Mandado de Injunção em todas as ocasiões em que a ausência de norma regulamentadora impeça o usufruto de direitos constitucionais. Para tanto, o Supremo deve continuar em sua evolução jurisprudencial, bem como ser seguido pelos demais Tribunais, mesmo que seja através de súmula vinculante; 77 2. Mudança na Constituição para diminuir a quantidade absurda de assinaturas para a propositura de iniciativa popular de leis conjuntamente com alteração no sentido de conceda prioridade na tramitação, inclusive trancando a pauta do Congresso Nacional enquanto não votadas para as propostas legislativas de iniciativa popular; 3. Maior utilização e divulgação para a propositura de iniciativa popular de leis da Comissão Permanente de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados; 4. Total apoio e efetiva participação nos movimentos sociais, utilizando este importante mecanismo para exercer pressão diante do Estado e da elite econômico-financeira, haja vista ser imprescindível a efetividade das normas constitucionais sem a conscientização e atuação construtiva da sociedade civil; 5. Realização de uma profunda reforma política no país, em que crie o financiamento público de campanha e fortaleça os partidos políticos, tendo em vista que sem um Estado independente não se terá efetividade constitucional, e para tanto, os representantes do povo devem ser eleitos sem dinheiro privado. A Constituição de 88 foi de imensurável importância para a democratização da nação e para a ainda contínua ascensão das classes economicamente menos favorecidas, mesmo diante dos constantes desrespeitos, que devem ser incessantemente denunciados e combatidos. Mais uma vez se torna imprescindível citar Ulysses Guimarães, que em seu memorável discurso de promulgação da Carta Política asseverou que “quanto a ela, discordar sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria”102. Convoquem-se a todos nós brasileiros a sair da inércia e ir de encontro à defesa constitucional, pois assim, Brasil, verás que um filho teu não foge a luta. 102 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 913. 78 REFERÊNCIA BANDEIRA DE MELLO, Celso Antõnio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, 1982, BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. Ed. 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Carlos Velloso, julgado em 07/10/1992, publicado no DJ de 18/06/1993. __________. MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 02/08/1991, publicado no DJ de 27/03/1992. __________. MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 20/03/1991, publicado no DJ de 14/11/1991. __________. MI 288, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/11/1991, publicado no DJ de 26/06/1992. __________. MI 472 DF, Rel. Celso de Melo, julgado em 06/09/1995, publicada no DJ de 02/03/2001. 20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008.