Universidade
Católica de
Brasília
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA
INEFICÁCIA SOCIAL
Autor: Jonatas Moreth Mariano
Orientador: Profª. Msc. Neide Aparecida
BRASÍLIA
2008
JONATAS MORETH MARIANO
OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA INEFICÁCIA SOCIAL
Trabalho apresentado ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para o Título de Bacharel em
Direito.
Orientadora:
Aparecida
Brasília
2008
Profª.
Msc.
Neide
Trabalho de autoria de Jonatas Moreth Mariano, intitulado “OS 20 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA INEFICÁCIA SOCIAL”, requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada
em______________________________, pela banca examinadora constituída por:
_________________________________________
Profª. Msc. Neide Aparecida
Orientadora
_________________________________________
Professor
Curso de Direito – UCB
_________________________________________
Professor
Curso de Direito – UCB
Brasília
2008
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, em primeiro lugar, pela saúde e a pela disposição que me dá
aos estudos.
Agradeço também a minha amiga Hanna pela pressão e incentivo; e aos meus
amigos Rômulo pelo apoio na difícil missão de formatar este trabalho; e ao Bruno pelo
empréstimo do notbook.
Outrossim, agradeço a alguns professores, não pela formatura, mais sim pela
formação como homem e acadêmico das ciências jurídicas.
Por fim, agradeço aos companheiros de militância estudantil, que tanto me
auxiliou no senso crítico e idealista exposto nesta monografia.
Não menos importante, agradeço aos meus pais pelo sempre constante apoio e o
imprescindível auxílio no financiamento de meus estudos.
RESUMO
MARIANO, Jonatas Moreth Mariano. Os 20 anos da Constituição Federal e sua
ineficácia social. Brasília. 2008. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008.
Já se vão vinte anos da promulgação da Constituição Federal. Ela insurgiu em um
momento de transição da ditadura militar para a democracia. É uma constituição
progressista, e que muito avançou nos direitos e garantias fundamentais. A sua
promulgação foi fruto de muita luta política da população. A Assembléia Nacional
Constituinte tinha em sua composição política as mais variadas ideologias, o que
resultou em uma Carta sem um padrão ideológico conciso. Várias são as classificações
na doutrina pátria a respeito das normas constitucionais. Todavia, ainda peca por
ausência de normas regulamentadoras, bem como de políticas públicas que
implementem seus preceitos. Várias são as causas apontadas para sua ineficácia social.
Também várias são as soluções apontadas para tornar a Constituição mais efetiva.
Existem importantes mecanismos jurídicos que combatem a ineficácia, como a Ação
Direta de Inconstitucionalidade por omissão e o Mandado de Injunção. Ademais, a
Constituição também permite a iniciativa popular de leis. Se torna imprescindível para a
efetividade da Constituição a intensa participação popular.
Palavras-chave: Eficácia social das normas constitucionais. Assembléia Nacional
Constituinte. Classificação das normas constitucionais. Normas programáticas.
Mandado de injunção. Inconstitucionalidade por omissão. Iniciativa popular de leis.
RESUMEN
MARIANO, Jonatas Moreth Mariano. Los 20 años de la Constitución Federal y de su
ineficiencia social. Brasilia. 2008. 79 f. Finalización de los trabajos del curso (Diploma
en Derecho) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008.
Han de ir veinte años a partir de la promulgación de la Constitución Federal. Ella
claramente en un momento de transición de la dictadura militar a la democracia. Se trata
de una constitución progresista, y mucho más avanzada que en los derechos y garantías.
Su promulgación fue el resultado de una gran lucha política del pueblo. La Asamblea
Nacional Constituyente había en su composición las más diversas ideologías políticas,
que se tradujo en una carta sin un patrón ideológico conciso. Su promulgación fue el
resultado de la lucha política mucho Hay varias clasificaciones de la doctrina patria
sobre los requisitos constitucionales. Sin embargo, incluso culpables de la falta de
normas reglamentarias y las políticas públicas para la aplicación de sus preceptos. Hay
varias razones dadas por su ineficiencia social. Además, varias soluciones están
destinadas a hacer la Constitución más eficaz. Existen importantes mecanismos
jurídicos para luchar contra la ineficiencia, como la acción directa de
inconstitucionalidad por omisión y por orden de los mandamientos judiciales. Por otra
parte, la Constitución también permite la iniciativa popular de leyes. Se convierte en
esencial para la eficacia de la Constitución a una intensa participación popular.
Palabras clave: Social eficacia de los requisitos constitucionales. Asamblea Nacional
Constituyente. Clasificación de los requisitos constitucionales. Normas programa. Auto
de mandamiento judicial. Inconstitucionalidad por omisión. Iniciativa popular de leyes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
1
ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ..................................... 13
1.1
A DERROTA DA CAMPANHA PELAS “DIRETAS JÁ” E A
CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. ...................... 13
1.2
INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL
CONSTITUINTE ........................................................................................................... 16
1.2.1 O advento do Centrão ........................................................................................ 19
1.2.2 As votações em plenário e a promulgação da Constituição de 88 .................. 20
1.3
PARTICIPAÇÃO POPULAR, O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS . 23
2
A ORIGEM DA INEFICÁCIA .................................................................... 26
2.1
CONCEITOS DE VIGÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA........................... 26
2.2
DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA JURÍDICA E EFICÁCIA SOCIAL ........ 27
2.3
CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO A SUA
EFICÁCIA JURÍDICA. ................................................................................................. 29
2.3.1
Normas constitucionais de eficácia plena .................................................... 30
2.3.2
Normas constitucionais de eficácia contida ................................................. 31
2.3.3
Normas constitucionais de eficácia limitada ............................................... 32
2.4
A OPÇÃO DO CONSTITUINTE POR UMA CONSTITUIÇÃO
ANALÍTICA E COM NORMAS PROGRAMÁTICAS. .............................................. 36
2.4.1
Críticas às normas programáticas................................................................ 38
2.4.3
2.5
Defesas ás normas programáticas ................................................................ 40
O TRIPÉ CAUSADOR DA INEFICÁCIA SOCIAL..................................... 44
3
3.1
ARMAS NO COMBATE A INEFICÁCIA SOCIAL................................. 46
O ARSENAL JURÍDICO (JURISDICIONAL) .............................................. 47
3.1.1
Inconstitucionalidade por omissão ............................................................... 47
3.1.1.1 Conseqüência da omissão inconstitucional perante a sociedade ....................... 49
3.1.1.2 Processabilidade e efeitos da decretação pelo STF da inconstitucionalidade por
omissão. .......................................................................................................................... 50
3.1.2
Mandado de Injunção.................................................................................... 54
3.1.2.1 Origem histórica ................................................................................................. 55
3.1.2.2 Pressupostos ....................................................................................................... 56
3.1.2.3 Competência e procedimento ............................................................................. 56
3.1.2.4 Objeto e efeitos da decisão ................................................................................. 58
3.1.2.5 Evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ................................ 59
3.1.3
3.2
Outros instrumentos jurídicos de combate a ineficácia da Constituição. 65
PARTICIPAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS. ........................ 66
3.2.1
Iniciativa popular de leis. .............................................................................. 68
3.3
PROPOSTA DE UMA NOVA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE
REVISIONAL. ............................................................................................................... 71
CONCLUSÃO............................................................................................................... 75
REFERÊNCIA.............................................................................................................. 78
10
INTRODUÇÃO
A nação comemorou neste ultimo 5 de outubro os 20 anos da promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil. O momento em que o país se
encontrava em 1988 era uma transição da ditadura para a democracia, o país ainda
engatinhava em prol da democracia. A Constituição cidadã, conforme foi nomeada por
Ulysses Guimarães, revolucionou o país na questão Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, assegurando aos cidadãos direitos da 1º a 4º gerações.
Com o passar do tempo, a euforia advinda desta nova Carta política foi
substituída pela enxurrada de Emendas à Constituição, bem como sofreu com a falta de
regulamentação das normas constitucionais por parte do poder constituinte derivado. É
neste tumultuado cenário que se levanta a questão da ineficácia social da Constituição
da República de 1988.
Este trabalho tem por escopo aprofundar o debate não sobre a eficácia jurídica
da norma constitucional, ou seja, sua capacidade em ser aplicada, e sim, numa
perspectiva sociológica, de sua ineficácia social, bem como suas causas, conseqüências
e eventuais soluções.
A presente pesquisa é de suma importância, haja vista que uma das maiores
conquistas do povo brasileiro, a Constituição de 88, se tornou um documento em que
apesar de conter um significativo avanço no rumo da justiça social, não se tornou
efetiva no seio da sociedade. No entanto, a academia não tem dado maior importância
para essa problemática, em especial por parte dos acadêmicos das ciências jurídicas.
Ademais, deve ser missão de todo militante do Direito a busca incessante a todas
as possibilidades em dar maior efetividade a Constituição, vez que, a sua não realização
concreta enseja na população o sentimento de desrespeito e falta de confiança na Carta
Política. Neste aspecto, o êxito da pesquisa pode trazer grandes benefícios a população,
pois pretende apontar alguns caminhos, sejam jurídicos ou políticos, com vistas a
destinar a Constituição cidadã o ápice de sua efetividade.
A metodologia de estudos escolhida foi a do empirismo, em virtude de que o
tema proposto originou-se de observações de fatos e insatisfações com a Constituição
oriundas da sociedade. Vislumbra-se a problemática por intermédio da análise do
cotidiano. Dar-se-á significativa importância quanto ao referencial teórico à melhor
doutrina publicista, em especial as obras de Luís Roberto Barroso, Paulo Bonavides,
11
Celso Antônio Bandeira de Melo, José Afonso da Silva, Hely Lopes Meirelles, Maria
Helena Diniz, Celso Ribeiro Bastos e Raul Machado Horta, que em diferentes
momentos tratam especificamente do tema pesquisado. Todavia, no que diz respeito aos
mecanismos jurídicos que dão efetividade a Carta Política, será feito um aprofundado
estudo jurisprudencial em face das decisões do Supremo Tribunal Federal.
Também será utilizado o método da observação do participante, tendo em vista
que o autor do presente trabalho obteve formação teórica e exerce militância nos
movimentos sociais, além de que pela formação jurídica está em constante contato com
a atuação do judiciário em relação ao tema fruto desta pesquisa. O autor do trabalho irá
buscar informações sobre a aplicabilidade real da Carta Magna na sociedade, e o papel
do judiciário nesta efetividade.
Em que pese às fortes críticas que a Constituição e o judiciário sofrem
atualmente da sociedade, a presente pesquisa se mostra de fundamental importância na
defesa deste imprescindível documento oriundo de maciça participação popular, bem
como de seu aplicador.
A exposição dos estudos será dividida em três capítulos. No primeiro capítulo
será abordado o momento histórico-político da promulgação da Carta de 88, ou seja, a
transição de uma forte ditadura para a democracia. Tendo como base dados históricos e
o Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte far-se-á uma explanação a
respeito de como foi realizado os trabalhos constituintes, a configuração do quadro
políticos e seus inevitáveis conflitos. Em tópico específico, será abordado como ocorreu
a participação popular na elaboração da Carta Magna.
No segundo capítulo começará a ser estudado as causas da ineficácia social.
Preliminarmente, será feito um aprofundado estudo na doutrina pátria sobre a
classificação das normas constitucionais, entretanto, dando se enfoque a classificação
proposta por José Afonso da Silva. Neste capítulo abordar-se-á o debate a cerca da
inserção de normas programáticas na Constituição, apresentando as doutrinas que
defendem e criticam as citadas normas, bem como seus melhores argumentos. Por fim,
em síntese, será apresentado às causas da ineficácia social que atinge a Carta Política.
Já o terceiro capítulo o objeto de estudo será o estudo de mecanismos que
solucionem a ineficácia social das normas constitucionais. Inicialmente, o enfoque será
nos institutos jurídicos da Inconstitucionalidade por Omissão e do Mandado de
Injunção, seus conceitos, aplicabilidade e evolução da jurisprudência. Após o estudo das
armas jurídicas, dar-se-á enfoque a participação popular e pressão política dos
12
movimentos sociais, inclusive com estudo da iniciativa popular de leis. Posteriormente,
serão estabelecidos comentários acerca da proposta de que o próximo parlamento exerça
a função de Assembléia Nacional Constituinte Revisional.
13
1
ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ
1.1
A DERROTA DA CAMPANHA PELAS “DIRETAS
CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE.
JÁ”
E
A
Não é intenção desta monografia fazer um resgate histórico de todas as
constituições da história do Brasil, e sim, apenas fazer um resgate histórico da
Constituição de 88 para posteriormente tratar de sua ineficácia social. Para tanto,
começa-se o resgate histórico a partir da ditadura militar que precedeu a Carta Política
de 88.
A ditadura militar implantada com o golpe de 64 teve a sua fase mais dura no
final da década de 60, quando da promulgação do Ato Institucional nº 51 de 13 de
Dezembro de 1968 durante o Governo do Presidente Costa e Silva. Em 1974, com a
eleição do General Ernesto Geisel para a Presidência da República se deu inicio ao que
o mesmo chamava de transição “lenta, gradual e segura” para a democracia. Uma de
suas atitudes foi a proibição das torturas por organismos militares após o incidente da
morte do jornalista Wladmir Herzog. Na verdade não se passava de mera “boa
intenção”, pois mantinha-se a tortura em alguns organismos militares.
Para suceder Geisel foi eleito o General João Baptista de Oliveira Figueiredo,
reafirmando o compromisso em restaurar a tão almejada democracia, o que era
frontalmente combatido inclusive com ataques terroristas pelo núcleo duro da ditadura
militar e seus aliados. Nesta perspectiva, ocorre durante o ano de 84 uma das maiores
mobilizações populares da história do país: a campanha pela eleição direta pelo povo do
Presidente da República.
Conhecida como “diretas já”, teve o seu pontapé inicial com um colossal
comício na Praça da Sé, em São Paulo, com mais de 300 mil brasileiros reivindicando o
direito de eleger seu presidente. O comitê Pró-diretas era plural e composto por mais de
70 entidades de representação na sociedade, espalhadas entre sindicatos, partidos
1
Tamanha foi a brutalidade deste Ato Institucional que paralelamente a Constituição permitia a adoção de
medidas tais como: competência do Executivo para legislar quando do recesso dos órgãos legislativos de
qualquer dos três níveis; possibilidade de intervenção federal nos Estados e Municípios, sem as limitações
previstas na Constituição; poder do Presidente da República de suspender direitos políticos e cassar
mandatos eletivos de todos os níveis; suspensão das garantias da magistratura; suspensão do habeas
corpus nos casos de crimes políticos dentre outras.
14
políticos, entidades de representação estudantil, comunidades eclesiais de base,
associações de moradores e até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil.
De São Paulo o movimento se estendeu rapidamente por todo o resto do País,
levando a praça pública e às ruas milhões de cidadãos em históricos protestos contra a
ditadura e em defesa das eleições diretas2. A Proposta que alterava a Constituição
permitindo a eleição direta para a Presidência da República era a Proposta de Emenda à
Constituição nº 05/1983, apresentada pelo Deputado Dante de Oliveira3.
Apesar de não aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda das “diretas já”, a
sociedade continuou mobilizada e conseguiu um pequeno avanço em 85, nas eleições
presidenciais indiretas, quando a chapa dos civis conservadores Tancredo Neves para
Presidente e José Sarney para Vice se sagrou vitoriosa no Colégio Eleitoral. Durante a
campanha em todo o país, Tancredo Neves afirma ser seu compromisso caso eleito
Presidente, que aquela seria a última eleição indireta e que a nação teria uma nova
Constituição. Em seu discurso após a confirmação de seu nome como Presidente da
República pelo colégio eleitoral em 15 de janeiro de 1985 Tancredo Neves reafirmou o
compromisso:
Brasileiros,
A primeira tarefa de meu governo é a de promover a organização
institucional do Estado. Se, para isso, devemos recorrer à experiência
histórica, cabe-nos também compreender que vamos criar um estado
moderno, apto a administrar a Nação no futuro dinâmico que está sendo
construído.
Sem abandonar os deveres e preocupações de cada dia, temos de concentrar
os nossos esforços na busca de consenso básico á nova Carta política.
Convoco-vos ao grande debate constitucional. Deveis, nos próximos
meses, discutir, em todos os auditórios, na imprensa e nas ruas, nos partidos e
nos parlamentos, nas universidades e nos sindicatos, os grandes problemas
nacionais e os legítimos interesses de cada grupo social.
É nessa discussão ampla que ireis identificar os vossos delegados ao Poder
Constituinte e lhes atribuir o mandado de redigir a lei fundamental do País.
A Constituição não é assunto restrito aos juristas, aos sábios ou aos políticos.
Não pode ser ato de algumas elites. É responsabilidade de todo o povo. Daí a
preocupação de que ela não surja no açodamento, mas resulte de uma
profunda reflexão nacional4. (negritou-se)
Em comovente fatalidade, o Presidente eleito, em virtude de grave enfermidade,
não chega a tomar posse, falecendo em 21 de abril de 1985. Ocupou a Presidência da
2
Além da manifestação na Praça da Sé/SP, houve importantes mobilizações como a ocorrida na Praça da
Candelária/RJ em 18/04/84 e a em frente ao Congresso Nacional no dia da eleição da Emenda
Constitucional no dia 25/04/84.
3
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2008, p. 37.
4
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 795.
15
República, o vice da chapa vencedora, o ex-senador e ex-governador do Maranhão José
Sarney. Em respeito aos compromissos firmados por ele e Tancredo Neves, José Sarney
encaminha mensagem ao Congresso Nacional com a proposta de convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte. Dessa proposta resultou a Emenda Constitucional nº
26, de 27 de novembro de 1985, que além de convocar a ANC concedeu anistia política,
nos seguintes termos:
Art. 1º - os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunirse-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e
soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.
Art. 2º - O presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia
Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu presidente.
Art. 3º - a constituição será promulgada depois de aprovação de seu texto,
em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da
Assembléia Nacional Constituinte.
Art. 4º - é concedida anistia a todos os servidores públicos civis da
Administração direta e indireta e militantes de organizações sindicais e
estudantis, bem como os servidores civis ou empregados que hajam sido
demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base
em outros diplomas legais5.
Antes de instalada a Assembléia Nacional Constituinte, o presidente Sarney
criou o decreto nº 91.540, de 18 de julho de 1985, instituindo a Comissão Provisória de
Estudos Constitucionais, que estavam incumbidos de desenvolverem estudos e
pesquisas de interesse da Nação. A comissão ficou conhecida como “comissão Afonso
Arinos” em homenagem ao seu presidente.
Apesar de convocada às eleições para a ANC, esta seria uma constituinte
congressual, ou seja, após as conclusões dos trabalhos se transformaria no Congresso
Nacional, exercendo normalmente os poderes inerentes ao Legislativo, ao contrário do
anseio da população, que almejava uma Assembléia exclusivamente destinada para a
elaboração da Carta política, se dissolvendo após a conclusão dos trabalhos. O jurista
Dalmo Dallari alertava quanto a impropriedade de uma constituinte congressual:
Eu mesmo fui contra essa constituinte congressual, porque me pareceu
absurdo, inadequado, que eles fizessem as regras para si próprios. Então,
eleitos, deputados e senadores fariam a constituição dizendo quais seriam os
poderes dos deputados e senadores. Seria legislar em causa própria6.
Outro problema bastante discutido naquele momento era quanto aos 24
Senadores eleitos em 1982 e que tinham mandato até 1991. Para boa parte da
5
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 802.
6
Rádio Senado. Programa os 20 anos da Constituição cidadã. Apresentado nos dias 03 e 04 de outubro
de 2008.
16
população, estes senadores não poderiam participar da Constituinte, uma vez que não
foram eleitos para está finalidade.
1.2
INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL
CONSTITUINTE
No dia 15 de Novembro de 1986 o povo compareceu às urnas para eleger os
membros da Constituinte, composta por 487 deputados e 72 senadores, sendo que 24
senadores foram eleitos no pleito de 1982. Confirmando o seu caráter democrático, 13
partidos políticos conseguiram cadeiras na constituinte. O quadro político eleito em
1986 estava assim desenhado7:
PARTIDO
BANCADA
PMDB
303
PFL
135
PDS
38
PDT
26
PTB
18
PT
16
PL
07
PCB
03
PCdoB
03
PSB
02
PMB
01
TOTAL
559
A Assembléia Nacional Constituinte foi instalada em 1º de fevereiro de 1987,
pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Moreira Alves. No dia seguinte,
Ulysses Guimarães foi eleito presidente.
7
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2008, p. 58.
17
Decidiram os constituintes iniciar os trabalhos sem um projeto prévio, apesar da
apresentação de vários deles por entidades civis. Após ferrenhos debates, foi deliberada
a organização dos trabalhos em oito comissões, cada qual subdividida em três
subcomissões, totalizando vinte e quatro subcomissões.
As comissões temáticas e suas respectivas subcomissões, conforme contido no
art. 15 do Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte, eram as seguintes:
I.
Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da
Mulher:
a. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações
Internacionais;
b. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e
Garantias;
c. Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais.
II.
Comissão da Organização do Estado:
a. Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios;
b. Subcomissão dos Estados;
c. Subcomissão dos Municípios e Regiões.
III.
Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo:
a. Subcomissão do Poder Legislativo;
b. Subcomissão do Poder Executivo;
c. Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público.
IV.
Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições:
a. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos;
b. Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua
Segurança;
c. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas.
V.
Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças:
a. Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das
Receitas;
b. Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira;
c. Subcomissão do Sistema Financeiro.
VI.
Comissão da Ordem Econômica:
a. Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do Estado,
Regime da Propriedade do Subsolo e da Atividade Econômica;
18
b. Subcomissão da Questão Urbana e Transporte;
c. Subcomissão da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma
Agrária.
VII.
Comissão da Ordem Social:
a. Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores
Públicos;
b. Subcomissão de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente;
c. Subcomissão dos Negros,
Populações
Indígenas, Pessoas
Deficientes e Minorias.
VIII.
Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e
Tecnologia e da Comunicação:
a. Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes;
b. Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação;
c. Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso.
Durante os trabalhos, as subcomissões poderiam realizar audiências públicas
com o intuito de ouvirem especialistas e a população. As subcomissões apresentaram
para as oito comissões temáticas relatórios dos trabalhos, que foram discutidos,
aprovados e encaminhados para a comissão de sistematização como anteprojetos de
cada título da Carta.
Após os trabalhos da comissão de sistematização, seu relator, o deputado
Bernardo Cabral, apresentou o primeiro anteprojeto de Constituição, um calhamaço de
não menos do que 501 artigos distribuídos em cerca de 2.600 dispositivos. Abre-se o
período para a apresentação de emendas ao anteprojeto, onde são apresentadas 20.791
emendas, entre as quais 122 populares8.
Em virtude das emendas dos constituintes e as populares, o relator de
sistematização apresenta o segundo anteprojeto de Constituição, um substitutivo com
305 artigos. Com base neste substitutivo, inicia um inédito prazo para defesa das
emendas populares em Plenário e o recebimento de outras emendas ao substitutivo
pelos constituintes
Após a aprovação pela comissão de sistematização de um terceiro substitutivo
com as emendas do relator, este é encaminhado ao plenário para discussão e votação,
8
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2008, p. 100.
19
onde são apresentadas mais 2.045 emendas, as quais 29 coletivas9. O relator da
comissão de sistematização apresenta um parecer sobre as emendas, e que tem um prazo
de 48 horas para que os constituintes possam fazer destaques. Somente após este longo
processo de elaboração de três anteprojetos e milhares de emendas, consumindo
praticamente um ano de trabalhos, é que se inicia em 27 de janeiro de 1988 o primeiro
turno de votação em plenário.
1.2.1 O advento do Centrão
Antes do inicio da votação do primeiro turno da nova Constituição, a
Assembléia Nacional Constituinte foi vítima de uma proposta de reforma em seu
regimento interno, oriunda de um grupo suprapartidário10, de ideologia conservadora,
denominado Centrão. A reforma proposta permitiria a apresentação de novas emendas e
estabelecia que o texto que reunisse maior apoio teria preferência na votação, e não
mais o da Comissão de Sistematização.
Numa das votações mais tumultuadas da história da Constituinte, a proposta do
Deputado Roberto Cardoso Alves foi aprovada com 290 votos a favor, e 16 contra. O
baixo número da votação se justifica porque a maioria do PMDB seguidos pelo PT,
PDT, PC do B, PSB e PCB se retiraram do plenário em protesto, conforme notícia
Paulo Bonavides e Paes de Andrade:
Houve a retirada, de plenário, da maioria dos peemedebistas, encabeçados
pelo líder Mário Covas. Retiraram-se também numerosos parlamentares de
esquerda filiados aos pequenos partidos, após o malogro das negociações que
as lideranças haviam articulado com o Centrão.
A partir daí, surgiram os textos concorrentes, os substitutivos, que disputavam as
preferências nos dois turnos de votação em Plenário. A procura do entendimento,
marcante na fase inicial da Constituinte, tornou-se mais importante ainda após a reforma
no regimento interno.
9
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2008, p. 100.
10
Apesar de existirem parlamentares descontentes de outros partidos, a base de sustentação do Centrão
era o PFL – Partido da Frente liberal, hoje DEM - Democratas, e o PDS – Partido Democrático Social,
hoje PP – Partido Progressista.
20
1.2.2 As votações em plenário e a promulgação da Constituição de 88
O início das votações em primeiro turno realiza-se já com certa dose de
ansiedade por parte dos constituintes e a população, haja vista que o país enfrentava
uma grave crise econômica, tendo o governo anunciado um novo plano para redução do
déficit público e contenção de gastos. Ademais, a inflação estava em 300% por ano11.
Tendo em vista que muitas matérias foram constantemente debatidas nas
comissões e subcomissões, inclusive obtendo consensos, não houve nas votações em
plenário maiores divergências. Tal consenso não se manteve em algumas votações, tais
como: sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo); tempo do mandato
presidencial; reforma agrária; intervenção estatal na ordem econômica entre outras
matérias sensíveis.
Depois de encerrado o primeiro turno, ocorreu uma das mais graves crises da
Assembléia Nacional Constituinte, decorrente do estremecimento de relações entre
aquela Casa e o Palácio do Planalto. Em 26 de Julho de 1988, em cadeia nacional de
rádio e televisão, o presidente Sarney faz um duro discurso carregado de críticas ao
projeto de Constituição, que naquele momento alcançara a fase final de votação do
primeiro turno. Queixava-se o presidente que com a inclusão de excessivos direitos
sociais, como os benefícios da seguridade social e o direito de greve, tornariam o país
ingovernável. Quase como um apelo, Sarney, em seu discurso, pede alterações na
votação do segundo turno:
Mais uma vez venho dividir responsabilidades com a nação. Venho falar
sobre a futura Constituição do Brasil. É este o momento exato, porque hoje se
iniciou o processo de votação do segundo turno. O projeto está, agora, liberto
das pressões e das circunstâncias: pode ser repensado e pode ser aprimorado.
Este pensamento também é de todos os constituintes, pois eles apresentaram
1.800 emendas, o que mostra que não estão satisfeitos com a redação atual do
projeto. A segunda votação, portanto, não é uma votação homologatória. É
para rever, melhorar, e meu desejo é que este trabalho seja concluído o mais
rapidamente possível12.
O duro discurso do presidente Sarney ocasionou um grande desagrado por parte
dos constituintes, a ponto de no dia seguinte, o presidente da Assembléia Nacional
11
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2008, p. 100.
12
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 903.
21
Constituinte, também por meio da rede nacional de rádio e televisão, fezer um duro
discurso defendendo a inclusão de garantias sociais na Carta Política, e que tal fato não
tornaria o país ingovernável como alegava o presidente, senão vejamos:
Senhores constituintes,
A constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da
governabilidade.
A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença
inassistida são ingovernáveis.
A injustiça social é a negação do governo e a condenação do governo. A boca
dos constituintes de 1987-1988 soprou o hálito oxigenado da governabilidade
pela transparência e distribuição de recursos viáveis para os municípios, os
securitários, o ensino, os aposentados.
Repito: está será a constituição cidadã13.
Empolgados com o discurso de seu presidente, os constituintes neste mesmo dia,
numa votação tranqüila, aprovaram em primeiro turno o projeto de Constituição. Apesar
de as votações do segundo turno terem iniciado em vinte e sete de julho de 1988 com
1.74414 destaques a serem analisados, o ritmo dos trabalhos estava em ritmo acelerado,
sem pausas em feriados e finais de semana. Contanto com o esforço concentrado de
todos os constituintes, no dia vinte e dois de setembro de 1988 houve a ultima votação
do segundo turno em plenário.
O texto definitivo da nova Carta foi aprovado em plenário com quatrocentos e
setenta e quatro votos a favor, quinze contra e seis abstenções. Estes quinze votos contra
foram da bancada do PT – Partido dos Trabalhadores em obediência partidária a uma
determinação do seu Diretório Nacional, entretanto, um dos deputados petistas votou a
favor do texto definitivo. Não obstante o voto contrário, esta atitude do Partido dos
Trabalhadores tinha como propósito um protesto quanto alguns dispositivos
“conservadoras e elitistas” que fora aprovadas em plenário. Ademais, a bancada do PT
não se obsteve em assinar a Carta recém promulgada.
De vinte e dois de setembro, dia do encerramento das votações do segundo
turno, ao tão conhecido cinco de outubro, data da promulgação, os membros da
comissão de redação trabalharam arduamente para corrigir as omissões e obscuridades
do texto.
13
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 909.
14
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2008, p. 100.
22
Por um importante resgate histórico, transcreve-se como ocorreram as
solenidades no histórico cinco de outubro de 1988:
Principiou às 9 horas do dia 5 de outubro de 1988 a festa de promulgação da
Carta, com a celebração de um culto ecumênico. Na mesma manhã, o
deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional
Constituinte, recepcionou no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, os
presidentes dos parlamentos dos países das Américas, bem como os de
Portugal e Espanha e todo o corpo diplomático, na qualidade de convidados
de honra às cerimônias daquele dia.
Tiveram inicio às 15 horas os atos solenes que precederam a sessão magna,
com a chegada dos presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal,
os quais, após revista à tropa, foram introduzidos pelo presidente Ulysses
Guimarães ao recinto do Congresso Nacional.
Às 15 horas e 30 minutos, Ulysses declarou aberta a sessão solene, tendo
uma comissão de líderes, por determinação do presidente da Constituinte
levado e acompanhado, do Salão Negro ao Plenário, o presidente José Sarney
e o ministro Rafael Mayer.
Após a execução do Hino Nacional, Ulysses Guimarães assinou cinco
exemplares da Constituição, fazendo entrega dos mesmos aos componentes
da Mesa, o primeiro a Sarney, o segundo a Humberto Lucena, presidente do
Senado Federal e o terceiro a Rafael Mayer, presidente do Supremo, ficando
os dois restantes sobre a Mesa.
Cumprindo esses atos protocolares, foram proferidos os dois discursos
fundamentais da solenidade histórica: um por Ulysses Guimarães, presidente
da Constituinte, o outro por Afonso Arinos de Melo Franco, presidente da
Comissão de Sistematização, em nome dos constituintes15.
Em seu inesquecível discurso na promulgação da Carta Política, Ulysses
Guimarães fez uma fala em defesa incondicional da Constituição:
A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a
reforma.
Quanto a ela, discordar sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontála, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria16. (negritou-se)
É de bom alvitre relembrar a fala deste grande parlamentar, principalmente em
virtude deste momento de constante mudança da Constituição, bem como de total
desrespeito e descumprimento por parte de quem tem a obrigação de executá-la:
15
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 474.
16
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 913.
23
1.3
PARTICIPAÇÃO POPULAR, O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Antes mesmo da convocação da Assembléia Nacional Constituinte, já havia um
movimento em prol da participação popular na elaboração da nova Carta Constitucional,
conforme relata Dalmo Dallari:
Em são Paulo surgiu um movimento pela participação popular na
constituinte. Este movimento começou a propor que as pessoas apoiassem
propostas populares para a Constituinte, e obteve mais de 30 milhões de
assinatura. Quer dizer, a quantidade de brasileiros participantes foi muito
expressiva17.
Essa vontade popular em participar, foi normatizada no início dos trabalhos
constituintes, permitindo que a população tivesse assegurado o direito de encaminhar
emendas ao texto constitucional, desde que obedecidos os requisitos estabelecidos pelo
art. 24 do Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte:
Art. 24 – Fica assegurada, no prazo estabelecido no § 1º do artigo anterior, a
apresentação de proposta de emenda ao Projeto de Constituição, desde que
subscrita por 30.000 (trinta mil) ou mais eleitores brasileiros, em listas
organizadas por, no mínimo, 3 (três) entidades associativas, legalmente
constituídas, que se responsabilizarão pela idoneidade das assinaturas,
obedecidas as seguintes condições:
I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome
completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral;
II – a proposta será protocolizada perante a Comissão de Sistematização, que
verificará se foram cumpridas as exigências estabelecidas neste artigo para
sua apresentação;
III – a comissão se manifestará sobre o recebimento da proposta, dentro de 48
(quarenta e oito) horas de sua apresentação, cabendo, da decisão denegatória,
recurso ao Plenário, se interposto por 56 (cinqüenta e seis) constituintes no
prazo de 3 (três) sessões, contando da comunicação da decisão à Assembléia;
IV – a proposta apresentada na forma deste artigo terá a mesma tramitação
das demais emendas, integrando sua numeração geral, ressalvado o disposto
no inciso V deste artigo;
V – se a proposta receber, unanimente, parecer contrário da Comissão, será
considerada prejudicada e irá ao Arquivo, salvo se for subscrita por um
constituinte, caso em que irá a Plenário no rol das emendas de parecer
contrário;
VI – na Comissão, poderá usar da palavra para discutir a proposta, pelo prazo
de 20 (vinte) minutos, um de seus signatários, para esse fim indicado quando
da apresentação da proposta;
VII – cada proposta, apresentada nos termos deste artigo, deverá
circunscrever-se a um único assunto, independente do número de artigos que
contenha;
17
Rádio Senado. Programa os 20 anos da Constituição cidadã. Apresentado nos dias 03 e 04 de outubro
de 2008.
24
VIII – cada eleitor poderá subscrever, no máximo 3 (três) propostas18.
(negritou-se)
Diante de importante prerrogativa, e tendo em vista que a sociedade estava em
constante processo de mobilização, oriundo da campanha pela Constituinte e as “diretas
já”, foram apresentadas a Assembléia Nacional Constituinte 122 emendas populares,
totalizando mais de 13 milhões de assinaturas19. Essas 122 emendas populares tratavam
dos mais variados temas, conforme compreende-se do quadro abaixo20:
ENTIDADE
Com. Nac. Criança e Constituinte
Fed. das Ass. Bairros de Salvador
Assoc. de Mor. De Plataforma
Assoc. Mulheres de Cosme e Farias
Fed. Inter. Trab. Emp. Telecom
Assoc. Empregados da Embratel
Sind. Trab. Telecomunicações
Comitê Pró-Cristão Est. Tocantins
Assoc. Munic. Extremo Norte
Assoc. Munic. Nordeste
Fed. Ind. do Est. S.P
Centro das Ind. do Est. S.P
Fed. Com. do Est. S.P
União Nac. Dos Estudantes
Conf. Nac. das Assoc. de Moradores
União da Juventude Socialista
ASSUNTO
Direitos da criança
ASSINATURAS
1.200.000
Aposentadoria das donas de
casa.
132.528
Monopólio Estatal das
Comunicações.
111.192
Criação do Estado de
Tocantins.
72.959
Princípio da livre iniciativa.
70.000
Forças armadas
31.885
Foi de fundamental importância a participação popular, não só com as emendas,
mais também constante participação nas comissões, pressão nos gabinetes dos
constituintes e manifestações em plenário. O Constituinte Marcelo Cordeiro, primeirosecretário da Assembléia Nacional Constituinte, em artigo para o Jornal da Constituinte
relata a importância da participação popular:
Hoje podemos afirmar sem nenhum medo de errar o quanto foi sábio, correto
e, politicamente inovador, a instituição do processo de emendas populares na
Constituinte. É sabido, segundo um dado estatístico que o Dr. Ulysses
Guimarães tem repetido em várias entrevistas, que desde a sua instalação, a
Assembléia Nacional Constituinte tem recebido uma média de 10 mil pessoas
por dia. Visitantes de todos os rincões de imenso Brasil, todos buscando
18
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 855.
19
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2008, p. 82.
20
Jornal da Constituinte. 13 de set. 1987, p. 14-15.
25
defender seus interesses, uma vida melhor e um País que alcance a
modernidade e a justiça social21.
Todavia, foi este mesmo caráter de participação social que fez com que o texto
final expressasse uma vasta mistura de interesses legítimos de trabalhadores e categorias
econômicas, cumulados com interesses cartoriais e corporativos. Toma-se como
exemplo a remuneração dos servidores públicos. Apesar de a Constituição prever que
não pode haver diferenças entre os salários dos servidores dos diferentes poderes,
também incluiu em seu texto interesses de determinadas categorias, em especial a alta
cúpula do Judiciário, criando uma contradição desnecessária.
Apesar de certa dose de corporativismo e interesses pessoais, os movimentos
sociais tiverem grande importância na Constituição, principalmente nos direitos sociais,
dos índios, das mulheres e das minorias. Como poucas vezes na história da nação, os
movimentos sociais foram ouvidos.
21
Jornal da Constituinte. 13 de set. 1987, p. 2.
26
2
A ORIGEM DA INEFICÁCIA
2.1
CONCEITOS DE VIGÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA.
Após a contextualização do período histórico e político em que se emergiu a
Constituição cidadã, iremos estudar minuciosamente o que tornou este documento
elaborado de uma forma democrática e com a participação ostensiva da sociedade civil,
em uma carta que apesar de conter um avanço significativo quanto à justiça social, não
se tornou efetiva no seio da sociedade.
Para uma melhor compreensão do tema fruto deste estudo, preliminarmente se
faz necessário à conceituação de alguns institutos jurídicos. São eles: vigência, validade
e eficácia.
Vigência segundo José Afonso da Silva é “a qualidade da norma que a faz
existir juridicamente e a torna de observação obrigatória, isto é, que a faz exigível, sob
certas condições”.22
Estas “condições” a qual o autor se refere trata-se da vacatio legis, que é o prazo
entre a promulgação da lei até a sua efetiva entrada em vigor. Tal procedimento é muito
utilizado em legislações que irão causar um grande impacto/mudança na sociedade,
como por exemplo, o Art. 2.044 do Código Civil de 2002 que estabeleceu que “este
código entra em vigor 01 (um) ano após a sua publicação”.23
No direito constitucional tal procedimento não é muito utilizado, tendo em vista
suas peculariedades e forma de elaboração. Entretanto, o Brasil em duas de suas cartas
políticas, na de 1967 e 1969 utilizou-se da “vacatio constitucionis”, estipulando um
prazo determinado para que a Constituição começasse a vigorar.
Quanto a validade, nos ensina Maria Helena Diniz que “norma formalmente
válida é a promulgada por um ato legítimo da autoridade, de acordo com o trâmite ou
processo estabelecido em norma, que lhe é superior, não tendo sido ela revogada”.24
Observa-se que as normas infraconstitucionais obtém sua validade ou
legitimidade da Constituição, que por sua vez tem a essência de sua validade oriunda do
22
DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 52.
23
BRASIL. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Codigos/quadro_cod.htm>. acesso em 10. set. 2008.
24
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 26.
27
poder constituinte originário, que frise-se, é ilimitado juridicamente bem como tem o
povo como o seu titular.
Cabe aqui apenas trazer um conceito lato de eficácia, tendo em vista que este é o
tema central a ser estudado nesta monografia e, por conseguinte será aprofundado
posteriormente. Segundo o magistério de Maria Helena Diniz:
A eficácia vem a ser a qualidade do texto normativo vigente de produzir, ou
irradiar, no seio da coletividade, efeitos jurídicos concretos, supondo,
portanto, não só a questão de sua condição técnica de aplicação, observância,
ou não, pelas pessoas a quem se dirige, mas também de sua adequação em
face da realidade social, por ele disciplinada, e aos valores vigentes na
sociedade, o que conduziria ao seu sucesso25.
2.2
DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA JURÍDICA E EFICÁCIA SOCIAL
Apesar de serem conexos, a eficácia jurídica se distingue da eficácia social.
Temos como eficaz juridicamente a norma constitucional que possui condições de ser
aplicada, de interferir no mundo fático na forma como foi elaborada pelo constituinte
originário. O simples fato de adquirirem as condições materiais para serem aplicadas
significa que possuem eficácia jurídica.
Como veremos adiante, toda norma constitucional é eficaz, algumas com maior
e outras com menor grau de aplicabilidade, dentro dos limites objetivos de seu teor
normativo.
Todavia, nem todas as normas constitucionais que possuem a capacidade de
produzir efeitos, efetivamente os produzem, ou seja, nem tudo o que está escrito na
Carta política de fato se torna concreto. Neste diapasão, relembramos a crítica apontada
por Ferdinand Lassalle ainda quando o estudo do constitucionalismo estava prematuro,
por volta do século XIX quando alertava que “de nada serve o que se escreve em uma
folha de papel, se não se ajusta à realidade”.26
25
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 28.
LASSALE, Ferdinand apud DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6.
ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 13.
26
28
A eficácia social consiste na qualidade da norma concretizar os efeitos por ela
determinada no seio da sociedade, em síntese é a justiça social na sua praxis27; o
comando normativo no ápice de sua força operativa no mundo dos fatos.
A efetividade28 significa, portanto, a realização do direito, o desempenho
concreto de sua função social, representando a aproximação entre o dever-ser almejado
pelo constituinte e o ser da realidade social. Como já abordado, ambos os institutos
apesar de suas diferenciações são conexos, não podendo se falar em efetividade da
norma sem a sua conseqüente eficácia jurídica.
Para uma melhor elucidação da conexão entre a eficácia jurídica e a sociológica,
tomamos como exemplo o art. 7º, IV da Constituição Federal que garante como direito
de todo trabalhador urbano ou rural, um salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente
unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e ás de sua família. Está
claro pela leitura do dispositivo, que ele possui plenas condições de ser aplicado,
entretanto, atualmente o atual salário mínimo vigente29 em nenhuma hipótese tornou a
norma supracitada efetiva, em virtude de o seu valor monetário não ser suficiente para
todas as necessidades básicas do trabalhador e sua família30. Observa-se que essa
inefefetividade não foi ocasionada por ausência de eficácia jurídica da norma, pois a
mesma tem plenas condições de se concretizar, e sim, por uma decisão política ou
ausência de recursos por parte do Estado.
Muito embora inexista vontade política por parte do Estado, deve-se destacar o
papel das elites nacionais na luta contra um aumento real no salário mínimo vigente.
Torna-se difícil a concretização de uma norma que contrarie os interesses particulares
de camada poderosa do país, que inclusive tem grande influência no aparelho estatal.
Como visto no capítulo anterior, foi uma grande luta da sociedade civil
organizada a inserção destes direitos sociais na Carta política de 88, mesmo com a
oposição de setores mais conservadores da sociedade. Está derrota acarretou num
furioso contra-ataque por parte da elite dominante, principalmente na tentativa de
27
Apesar de possuir vários significados, o aqui empregado é em conformidade com o pensamento de Karl
Marx, no sentido de que a praxis é a união da teoria com a prática, com uma maior ênfase para a segunda.
28
Expressão muito empregada por Luis Roberto Barroso, e que é utilizado nesta monografia como
conseqüência da eficácia jurídica.
29
Conforme o art. 1º da Lei nº. 11.709 de 19/06/2008 o salário mínimo vigente a partir de 1º de março de
2008 é de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze) reais.
30
Segundo tabela divulgada pelo Dieese o salário mínimo necessário para o mês de Agosto/2008 seria de
R$ 2.025,99 (dois mil e vinte e cinco reais e noventa e nove centavos).
<http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminset08.xml>. Acesso em 04/09/2008
29
influenciar e dominar as instituições Estatais. Dalmo Dallari com perspicácia observou
este processo:
Chamado primeiramente a intervir para assegurar a justiça social, contendo
os abusos das grandes forças político-sociais, o Estado foi primeiramente
combatido por essas forças, as quais, entretanto, verificando a inevitabilidade
da intervenção, mudaram seu comportamento procurando dominar o Estado e
utilizá-lo a seu favor, gerando uma nova espécie de intervencionismo.31
2.3
CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO A SUA
EFICÁCIA JURÍDICA.
Mais uma vez frisamos que toda norma constitucional é munida de eficácia
jurídica, mesmo que em graus de aplicabilidade diferenciados. No que tange a
classificação dessas normas em face de sua eficácia, é grande a divergência na doutrina
pátria, mesmo que muitas das vezes a diferença é apenas uma questão de nomenclatura,
sendo a essência do pensamento a mesma.
Pinto Ferreira propõe a seguinte distinção: a) normas constitucionais de eficácia
absoluta não emendáveis, com força paralisante total sobre as normas que lhe
conflitarem; b) normas constitucionais de eficácia plena, constitucionalmente
emendáveis; c) normas constitucionais de eficácia limitada (como as programáticas).32
Celso Bastos e Carlos Ayres Brito classificam em: a) normas constitucionais
quanto ao modo de incidência; b) normas constitucionais quanto a produção de efeitos.
As primeiras, à sua vez, são: a) por via de aplicação, distinguindo-se em normas
regulamentáveis e normas irregulamentáveis; e b) por via de integração, distinguindo-se
em normas complementáveis e normas restringíveis. As segundas são de dois tipos,
também: a) normas de eficácia parcial, que são normas complementáveis; e b) normas
de
eficácia
plena,
distinguindo-se
em
normas
regulamentáveis,
normas
irregulamentáveis e normas restringíveis.33
31
DALLARI, Dalmo de Abreu apud BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de
suas normas. Limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.
167.
32
PINTO FERREIRA, apud DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 87.
33
BASTOS, Celso Ribeiro, e BRITO, Carlos Ayres de. Interpretação e aplicabilidade das normas
constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 62
30
No magistério de Maria Helena Diniz ela faz a seguinte distinção: a) normas
com eficácia absoluta; b) normas com eficácia plena; c) normas com eficácia plena
restringível; d) normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de
complementação.34
Em tese apresentada a IX Conferência Nacional dos Advogados, Celso Antônio
Bandeira de Mello faz uma classificação do ponto de vista da posição jurídica em que
os administrados se vêem imediatamente investidos em decorrência das regras
constitucionais que vale a penas ser mencionada. Assim dispõe o publicista: a) normas
concessivas de poderes jurídicos; b) normas concessivas de direitos; c) normas
meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida.35
Com todo o respeito científico que tais classificações merecem, inclusive para a
construção da jurisprudência e trabalhos acadêmicos atuais, abordaremos com maior
ênfase, para o estudo das classificações, a elaborada por José Afonso da Silva36. Para o
constitucionalista as normas classificam-se quanto a sua aplicabilidade em: a) normas
de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral; b) normas de eficácia
contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral; c) normas de
eficácia limitada, que por sua vez subdivide-se em c.1) declaratórias de princípios
institutivos ou organizativos e c.2) declaratórias de princípio programático.
2.3.1 Normas constitucionais de eficácia plena
As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas em que desde a sua
promulgação, produzem ou tem a possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais,
relativamente aos interesses e situações em que o constituinte quis regular. Noutras
palavras, são as que receberam normatividade suficiente à sua incidência imediata e
independem de providência normativa ulterior para sua aplicação.
34
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 111.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antõnio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social.
Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis,
1982, p. 185.
36
DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 86.
35
31
Nestas normas, o constituinte não deixou margem para que o legislador
infraconstitucional ou outros órgãos estatais restrinjam a sua aplicabilidade nem a sua
área de influência.
São normas que não designam órgãos ou autoridades incumbidos de sua
execução nem exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o
alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, por que já se apresentam suficientemente
explícitas na definição dos interesses nelas regulados.
Para uma melhor compreensão, citamos alguns exemplos retirados da
Constituição Federal de 88:
Art. 44 – O poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se
compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
[...]
Art. 76 – O poder executivo é exercido pelo Presidente da República,
auxiliado pelos Ministros de Estado.
[...]
Art. 145, § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
[...]
Art. 226, § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração37.
2.3.2 Normas constitucionais de eficácia contida
As normas de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte as
regulou de tal forma que possuem aplicabilidade direta e imediata, entretanto deixou
margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público,
nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos dos conceitos gerais nelas
enunciados.
Em resumo, elas podem ser contidas por duas formas: a) por legislação; b)
conceitos gerais de Direito Público. A restrição legislativa por sua vez pode vir através
de uma lei infraconstitucional ou por uma outra norma constitucional de contenção de
eficácia. O art. 5, XIII ao enunciar ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” fica claro que é
um direito com eficácia imediata mais que poderá vir a sofrer através de uma lei
37
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
32
infraconstitucional limitações ao seu exercício pleno. Observa-se que enquanto o
legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena.
Exemplo clássico de limitação pela própria constituição consta do art. 5, XXII,
que garante o direito a propriedade, e depois é restringido pelo inciso XXIII ao exigir
que a propriedade deve exercer a sua função social. Tais normas ainda podem ter sua
eficácia afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem, por
exemplo, certos pressupostos de fato como o estado de sítio.
Outros direitos são restringíveis não por legislação, e sim, por conceitos
subjetivos como ordem pública, integridade nacional, bons costumes, necessidade ou
utilidade pública dentre outros. Procedimento este muito perigoso, porque a história já
nos provou que para preservar a “ordem pública e a integração nacional”, o Estado já
cometeu todos os tipos de atrocidades aos direitos e garantias fundamentais do cidadão.
A necessidade de delimitação da eficácia dessas normas tem razão de ser pela
necessária prevalência aos interesses coletivos em face dos individuais, sendo fruto da
transição ideológica de nossas constituições, que abandonou o modelo liberal
individualista para o Estado Democrático de Direito, com certo teor intervencionista.
2.3.3 Normas constitucionais de eficácia limitada
Conforme mencionado anteriormente, as normas constitucionais de eficácia
limitada subdividem-se em declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e as
declaratórias de princípio programático. As de princípio institutivo são as que o
constituinte traça esquemas gerais, a estrutura e competência de órgãos, entidades ou
institutos, adquirindo concretização definitiva mediante lei. Sua função primordial é a
de esquematizar a organização e criação dessas entidades.
Quanto a sua eficácia em face do legislador infraconstitucional podem ser
impositivas ou facultativas. As impositivas determinam ao legislador de forma
peremptória a emissão das respectivas leis integradoras. Geralmente são seguidas de
termos como “lei disporá”, “lei regulará”, “lei disciplinará” ou “nos casos determinados
e lei”. Temos como exemplos:
Art. 33 – A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos
Territórios.
[...]
33
Art. 107, parágrafo único – A lei disciplinará a remoção ou a permuta de
juízes dos Tribunais Regionais Federais e determinará a sua jurisdição e
sede38.
Outras apenas dão ao legislador infraconstitucional a possibilidade de instituir
ou regular a situação traçada pelo constituinte originário. São geralmente acompanhadas
de expressões como “lei complementar poderá”, “Os Estados poderão” e “A União
poderá”, as quais podemos citar as seguintes:
Art. 22, parágrafo único – Lei complementar poderá autorizar os Estados a
legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
[...]
Art. 25, § 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir
regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas
por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum39.
Nas hipóteses, infelizmente muito corriqueira, de o legislador ordinário não
cumprir com a sua missão constitucional, a própria Carta magna forneceu a população
alguns mecanismos jurisdicionais que serão detalhadamente estudadas nesta monografia
em capítulo oportuno, como a inconstitucionalidade por omissão, mandado de injunção
e iniciativa popular em processo legislativo.
Entretanto, nas matérias em que o constituinte apenas enseja uma faculdade ao
legislador, este possui discricionariedade completa inclusive quanto à regulamentação
ou não da matéria, não ensejando, nestes casos, a hipótese de inconstitucionalidade por
omissão.
Mesmo com a discricionariedade em regular ou não determinada matéria, caso o
faça, o legislador ordinário ficará vinculado ao texto constitucional. No caso de já
haverem leis anteriores a atual Constituição, estando em conformidade com os preceitos
constitucionais vigente, terão eficácia plena e imediata.
A Constituição Federal foi fruto de um embate entre o liberalismo capitalista e a
política social intervencionista. De um lado, o ideal liberal com sua política privatista e
de pouca ou nenhuma intervenção estatal. Quanto aos direitos fundamentais, apenas
defende a tese que o Estado não mitigue as liberdades individuais. Do outro lado, o
ideal social com a perspectiva de ser função estatal a intervenção na economia e aguda
participação na realização efetiva da justiça social, bem como o combate ao excesso de
poderes econômico em mãos de poucos.
38
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
39
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
34
Este conflito político-ideológico repercutiu na inserção de normas programáticas
na Carta Magna, principalmente no que se refere aos direitos econômicos e sociais.
Conceituam-se normas programáticas como aquelas que têm como objetivo maior a
realização da justiça social, mais que o legislador seja por uma decisão política, seja por
dificuldade em materializar tais situações, optou traçar-lhes apenas os princípios para
serem cumpridos pelo legislativo, executivo e o judiciário.
Segundo os ensinamentos de Pontes de Miranda:
Regras jurídicas programáticas são aquelas em que o legislador, constituinte
ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça
linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os Poderes públicos40.
A falta de um estudo aprofundado nos traz a conclusão precipitada de que toda
norma constitucional programática é dirigida a uma atuação do legislativo, o que é
inverídico, pois algumas normas são dirigidas ao Poder Público e outros à ordem
econômico-social. Sempre seguindo as lições de José Afonso da Silva, segundo os
sujeitos mais diretamente vinculados, as normas programáticas se classificam em 03
categorias: a) vinculadas ao princípio da legalidade; b) referidas aos poderes públicos;
c) dirigidas à ordem econômico-social41.
As normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, conforme
supramencionadas, são aquelas em que se dirigem ao legislador, ou seja, necessitam de
uma lei infraconstitucional para se tornarem efetivas42. Podemos citar como exemplo os
seguintes dispositivos:
Art. 173, § 4º – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento
arbitrário dos lucros.
[...]
Art. 218, § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em
pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e
aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de
remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário,
participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu
trabalho43.
40
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda
nº. 1, de 69, tomo I. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1969, p. 126-127.
41
DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 92.
42
Na ocasião da criação de lei integrativa, essas normas deixam de ser programáticas.
43
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
35
Já as normas programáticas referidas aos Poderes Públicos exigem uma atuação
de determinados Órgãos estatais na realização de políticas públicas a serem implantadas
pelo Estado, com vistas à justiça social, as quais podemos citar:
Art. 184 – Compete a União desapropriar por interesse social, para fins da
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos,
a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
[...]
Art. 180 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e
44
econômico .
Por fim, temos as normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social em
geral. São de grande relevância estas normas, em virtude que ajudam a desmistificar o
pensamento liberal de que era apenas o Estado que infligia o gozo dos direitos e
garantias fundamentais dos indivíduos. A história comprovou que não é o Estado que
oprime a implementação da justiça social, pelo contrário, pois na maioria das vezes, a
justiça social está condicionada a poderes paraestatais, em especial, os poderes
econômicos. Celso Antônio Bandeira de Mello em sua tese já citada possui o mesmo
pensamento:
Não são apenas os eventuais descomedimentos do Estado que abatem,
aniquilam ou oprimem os homens. Tais ofensas resultam, outrossim, da ação
dos próprios membros do corpo social, pois podem prevalecer-se e se
prevalecem de suas condições sócio-econômicas poderosas em detrimento
dos economicamente mais frágeis45.
A Constituição Federal avançou ao abrigar normas voltadas à ordem econômicosocial, como por exemplo:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)
[...]
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como
objetivo o bem-estar e a justiça sociais46.
44
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
45
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social.
Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis,
1982, p. 177.
46
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 16. Jul. 2008.
36
2.4
A OPÇÃO DO CONSTITUINTE POR UMA CONSTITUIÇÃO ANALÍTICA
E COM NORMAS PROGRAMÁTICAS.
A construção de uma constituição analítica e com excessivas normas de caráter
programático não foi uma opção isolada do constituinte que elaborou a Constituição
Federal de 88, e sim, fruto de um longo processo histórico de transição do Estado
Liberal para o Estado Social.
Historicamente, o movimento constitucionalista moderno surgiu após a
Revolução francesa e a independência das 13 Colônias Britânicas na América do Norte.
Observe-se que foram movimentos tendo como seus idealizadores e mentores a
burguesia. Como conseqüência da liderança burguesa, as constituições do século XVIII
tiveram como alicerce a doutrina do liberalismo.
Nas constituições liberais o Estado não passava de mero espectador da vida
econômica e social. A constituição cabia tão somente a estabelecer a estrutura básica do
Estado e seus respectivos poderes e competências, bem como davam grande ênfase as
liberdades individuais. Não tinham a noção, hoje consolidada, de que se torna
impossível usufruir de liberdades individuais sem igualdade econômico-social no seio
da sociedade. Daí encontra-se o grande problema do capitalismo atual: a liberdade sem
a presença intervencionista do Estado tem como conseqüência a aguda desigualdade,
seja nos países desenvolvidos, sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento, como o caso
do Brasil. Importante trazer a baila as lições de Paulo Bonavides citando o juiz alemão
Leibholz:
A igualdade material faz livre aqueles que a liberdade do Estado de direito da
burguesia fizera paradoxalmente súditos. Essa a conclusão de uma análise
crítica elaborada pelo jurista clássico da igualdade, o juiz alemão Leibholz da
Corte Constitucional da Alemanha. Senão, vejamos: “a desigualdade criada
pela liberdade faz parecer problemática a largas camadas o valor da
liberdade. De tal sorte que o sentido profundo de um igualitarismo político e
social somente poderá ser o de transferir aquele que a liberdade fez servo
para uma situação em que outra vez e já agora com o auxílio da igualdade,
possa fazer um sensato uso da liberdade”47
A constituição Belga de 1832 é o retrato por excelência do Estado Liberal e sua
estrutura jurídica. Com o surgimento da doutrina socialista que atacava o modo de
produção capitalista e seu caráter destrutivo e explorador da sociedade e dos
47
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed . São Paulo: Malheiros, 2005. p. 379.
37
trabalhadores, o constitucionalismo Liberal começa a entrar e crise, perdendo espaço
para o constitucionalismo Social.
Surgia então o constitucionalismo Social não se preocupando apenas como o
individuo isolado, e sim com a sociedade e suas necessidades vitais, criando acima de
tudo barreiras defensivas do individuo perante a dominação econômica de outros
indivíduos. Passa a garantir além das liberdades burguesas, direitos e obrigações como:
função social da propriedade; direitos ao trabalho como dignidade da pessoa humana;
intervenção do Estado na economia; período máximo de jornada de trabalho dentre
outros. O estado sai da situação negativa liberal do não fazer para o ativismo, incumbido
da obrigação de defender os menos favorecidos em prol da tão sonhada justiça social.
O inicio deste ideário do Estado Social teve sua origem constitucional nas
Constituições Mexicana de 1917 e principalmente na de Weimar (Alemanha) de 1919.
Paulo Bonavides faz um interessante comparativo entre os dois Estados:
Façamos a seguir ligeiro confronto entre o Estado de Direito da burguesia
liberal do passado e o novo Estado de Direito que tem por base primeira a
igualdade. Naquele os valores fundamentais – vida, liberdade e propriedade –
gravitam, segundo Schambeck e Huber, no centro da ordem jurídica, ao passo
que com o advento do Estado social os novos valores fundamentais
produzidos pela sociedade industrial abrangem o pleno emprego, a segurança
existencial e a conservação da força de trabalho48.
A experiência constitucional de Weimar comprovou que a constituição não é
como uma varinha mágica, que com um passe de mágica todos os problemas sociais
seriam resolvidos. Para a imediata concretização destes preceitos seriam necessários
recursos públicos. Como a maioria dos países não possuem recursos suficientes, a
solução encontrada foi deixar para o futuro a concretização de tais garantias através das
já estudas normas programáticas, o que por conseqüência resultou em certa perda de
imperatividade.
O Procurador Federal Marcos André Couto Santos em artigo publicado no sítio
especializado jus navigandi observou com precisão este fenômeno:
O fato é que o Estado não estava preparado para oferecer tantos serviços e
prestações sociais e econômicas à população. Acabou-se, então, por garantir
estes direitos de modo programático, perdendo a Constituição certa
juridicidade49.
48
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed . São Paulo: Malheiros, 2005. p. 380.
SANTOS, Marcos André Couto. A efetividade das normas constitucionais: as normas programáticas e
a crise constitucional. Jus navigandi, Teresina, ano 8, n. 204, 26 jan. 2004. disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4731>. acesso em: 26 ago. 2008.
49
38
É exatamente este o grande dilema do constitucionalismo social, devendo ser
pauta urgente de estudos da sociedade acadêmica e inclusive do judiciário a criação de
técnicas ou institutos processuais que garantam efetividade aos direitos sociais,
entretanto, temos a consciência de que problemas como este não são resolvidos apenas
pelo judiciário, pois deve haver vontade política do Estado e principalmente o constante
engajamento da sociedade civil organizada, titular desses direitos.
2.4.1 Críticas às normas programáticas
Não são raras as críticas apontadas pela doutrina e pelo próprio judiciário ás
normas programáticas, o que não necessariamente quer dizer, como veremos adiante,
que a comunidade jurídica é contra a inclusão nas constituições atuais de tais normas. É
de certo modo consenso, mesmo para os mais críticos, da impossibilidade de termos
uma constituição que regule de forma ampla todas as ocasiões.
Torna-se necessária que ela tenha certo grau prospectivo, pois a sociedade não
é estática, vai se moldando em conformidade com o processo de transformação. É
necessário que o direito tente ser o condutor dessa transformação para que a mudança
não ocorra ao bel prazer das forças econômico-sociais.
Após estudo aprofundado sobre a matéria, conclui-se que várias são as críticas
as normas programáticas, dentre elas citamos: a) não possuem eficácia imediata; b) são
destituídas de imperatividade; c) não passam de meros “programas”, “conselhos”
“lições”, “aforismos políticos, “manifestos” ou “sentenças políticas”; d) desestimulam a
luta social; e) dependem de fatores eminentemente políticos; f) cria uma frustração
social pela sua não implementação.
Além das críticas levantadas, a história comprovou que muitas dessas normas
devido à sua baixa efetividade são inseridas na Lei das Leis justamente para dar uma
resposta imediata a sociedade, mais na prática, não era de fato a vontade do constituinte
a sua execução. Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua tese elaborada ainda na
vigência da Carta de 69, alertava que na prática, a melhor forma de tornar os direitos
39
inerentes a justiça social inoperantes é desenhá-los em termos vagos, genéricos ou
dependentes de normação infraconstitucional50.
Neste diapasão, como alguns direitos, mesmo que de forma programática estão
inseridos na Carta política mais não são efetivos, isto desestimularia a luta social tendo
em vista que já se encontram positivados. Este é o pensamento de Eros Grau, citado por
Celso Ribeiro Bastos:
Assim, penso possamos afirmar que a construção que nos conduz à
visualização das normas como tais – programáticas – no texto constitucional
tem caráter reacionário. Nelas se erige não apenas um obstáculo á
funcionalidade do Direito, mas, sobretudo, ao poder de reivindicação das
forças sociais. O que teria a sociedade civil a reivindicar já está contemplado
na Constituição. Não se dando conta, no entanto, da inocuidade da
contemplação desses “direitos sem garantias”, a sociedade civil acomada-se,
alentada e entorpecida pela perspectiva de que esses mesmos direitos “um dia
venham a ser realizados”51.
Quanto a está crítica, José Afonso da Silva é de entendimento diversificado.
Para o publicista, a relevância da positividade das normas programáticas, ao contrário
do entendimento de Eros Grau, serve com pauta de luta social para os movimentos que
queiram vê-las aplicadas e cumpridas, como por exemplo, a reforma agrária que apesar
da resistência dos grandes latifúndios só tem saído, a duras penas, por pressão do MST
– Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e outros movimentos camponeses52.
Fábio Konder Comparato em Anteprojeto de Constituição elaborado por
solicitação do PT – Partido dos Trabalhadores antes do início dos trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte, na exposição de motivos, defendia a ausência de
normas programáticas na Constituição por serem desacompanhadas de sistemas de
sanções, bem como definidora de princípios desligados das regras de aplicação53.
Outro aspecto apontado pelos críticos das normas programáticas é no sentido
de que como estas normas ficam na dependência de uma realização futura pelo Estado,
sua concretização é condicionada a uma decisão política.
Interessante trazer a baila à síntese feita por Marcos André Couto Santos:
As duas conseqüências mais perversas, na nossa opinião, da falta de
efetividade jurídico-social das normas programáticas acabam sendo que: I )
50
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social.
Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis,
1982, p. 175.
51
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 146.
52
DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 149.
53
COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil – Uma constituição para o desenvolvimento democrático.
4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p 15.
40
juristas de araque e governantes com tendências despóticas podem alegar a
falta de efetividade das normas programáticas e evadir-se do cumprimento de
diversas regras e princípios constitucionais; 2) ocorre um sentimento de
frustração constitucional dentre a comunidade, passando a haver um divórcio
latente do mundo normativo (sollen) do mundo real (sein). Está frustração
pela não implementação e realização dos objetivos constitucionais, e a não
aplicação de diversos direitos sociais e econômicos levam a população a
descrer na ordem jurídica e não respeitar a Constituição como lei
fundamental do Estado54.
Apesar das críticas serem fruto de profunda meditação e sempre com o intuito de
fomentar o debate com vistas à obtenção de métodos que dão maior efetividade as
normas constitucionais, muitas desta teses, combatida nesta monografia, taxam certas
normas incômodas como programáticas com o intuito exclusivamente de não aplicá-las.
2.4.3 Defesas ás normas programáticas
Este tópico mais do que fazer a defesa da essencialidade das normas
programáticas, tem o intuito de desmistificar de uma vez por todas, o pensamento hoje
esvaziado político e tecnicamente de que tais normas são ineficazes e que as
Constituições contemporâneas não devem utilizá-las.
Preliminarmente, as normas programáticas têm o nobre intuito de dar um
objetivo a ser almejado pelo Estado, outrora esvaziado pelo Liberalismo. Por mais que
sua eficácia seja limitada ou mesmo dependente de uma política Estatal, vários são os
efeitos imediatas que a sua inserção na Carta Política enseja, conforme veremos adiante.
O Direito Constitucional pátrio adota a teoria da recepção material, ou seja, não
serão
recepcionadas
pelo
novo
ordenamento
constitucional
a
legislação
infraconstitucional que tenha conteúdo contrário a Constituição vigente. Estão
revogadas todas as leis que contrarie materialmente os preceitos da Carta de 88,
inclusive os objetivos emanados das normas programáticas.
Em se tratando de uma Constituição que faz a transição de um Estado de
exceção para o Estado Democrático de Direito esta teoria é de extrema relevância. Ora,
do que valeria uma nova Constituição que faz uma ruptura do autoritarismo para a
democracia se as suas normas integradoras ainda estejam com traços autoritários.
54
SANTOS, Marcos André Couto. A efetividade das normas constitucionais: as normas programáticas e
a crise constitucional. Jus navigandi, Teresina, ano 8, n. 204, 26 jan. 2004. disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4731>. acesso em: 26 ago. 2008.
41
Várias foram as legislações esdrúxulas que foram revogadas pela Constituição
de 88. Podemos citar o exemplo recente da Lei da Imprensa que foi declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em face de julgamento do uma ADIN
proposta pelo PPS – Partido Popular Socialista. Apesar de ter sido decretada
inconstitucional, configura-se exemplo clássico de não recepção pela Constituição de lei
criada anteriormente a sua vigência e que não coaduna com os seus princípios
democráticos. A lei nº. 5.250/67 foi por muito tempo a fundamentação legal para a
implementação no país de uma severa censura.
Seguindo este mesmo raciocínio, toda norma ainda que promulgada após a Carta
vigente, se for incompatível com os fins contidos nas normas programáticas estará
eivada de vício de inconstitucionalida. A norma é desobedecida quer quando se faz o
que ela proíbe quer quando não se faz o que ela determina. No que diz respeito à seara
da omissão, tratemos deste tipo de inconstitucionalidade em tópico específico.
De fato, ainda não foi criado um meio de obrigar juridicamente o legislador ou a
Administração a seguir os caminhos almejados pela Carta Magna. Entretanto, compelise a não seguir outro diverso, através do Controle de Constitucionalidade, seja pelo
método difuso ou concentrado. Neste aspecto avançamos, além de permitir que todo juiz
decrete a inconstitucionalidade das leis55, a Carta de 88 estendeu sobre maneira os
titulares para proporem a Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal. Segundo o Art. 103 da Constituição Federal são titulares para
proporem tal ação: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da
Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador Geral da
República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político
com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe
de âmbito nacional.
Conforme alerta José Afonso da Silva, mesmo as normas que são facultativas ao
Estado implementá-las, caso o façam, deverão se ater aos princípios nela contidos. Cita
como exemplo o Art. 7º da Constituição que assegura aos trabalhadores os direitos ali
enumerados, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Mesmo tal
dispositivo sendo programático e tendo o legislador ampla discricionariedade em sua
atuação, ainda assim, fica condicionado ao fim ali proposto – a melhoria da condição
55
Nas hipóteses de controle difuso de constitucionalidade das leis, o efeito é apenas para as partes do
processo, além de não retirar imediatamente do ordenamento jurídico a norma decretada inconstitucional.
42
social do trabalhador. Qualquer norma que contrarie este fim estará eivada de
inconstitucionalidade56.
Além de vincular o legislador no objetivo a ser alcançado com a norma
integradora, as normas programáticas também condiciona a sua forma legislativa. O Art.
93 da Constituição Federal determina que “lei complementar, de iniciativa do Supremo
Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura”. Se por ventura o legislador
infraconstitucional promulgar uma lei ordinária dispondo sobre o Estatuto da
Magistratura está norma será formalmente inconstitucional.
Conforme já estudado, a inserção destas normas ainda que de forma
programáticas foi fruto de constante luta, e por isto refletem os anseios populares e
devem servir - ao contrário do pensamento já citado de Eros Grau - como bandeira de
luta em prol das transformações sociais.
Aspecto problemático quanto a eficácia das normas programáticas diz respeito
ao debate se elas ensejam ou não direitos subjetivos. Entende-se como direitos
subjetivos aqueles que o ordenamento jurídico achou deveras importante o seu conteúdo
que criou mecanismos que o tornaram passíveis de serem exigidos jurisdicionalmente.
Quanto a este debate, esclarecedora é a lição do mestre Luís Roberto Barroso, ao
afirmar:
Ao ângulo subjetivo, as regras em apreço conferem ao administrado, de
imediato, direito a: a) opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à
sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo
constitucional; b) obter, nas prestações jurisdicionais, interpretações e
decisão orientadas no mesmo sentido e direção apontados por estas normas,
sempre que estejam em pauta os interesses constitucionais por ela
protegidos57.
Observa-se que efetividade destes direitos muito depende de um maior ativismo
jurisdicional, principalmente por parte dos magistrados. Corroborando, os artigos 4º e 5º
da Lei de Introdução ao Código Civil autorizam o magistrado em casos específicos a
julgar conforme a analogia e os princípios gerias do direito, mais sempre em busca do
fim social a que ela se dirige, in verbis:
Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
56
DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 159.
57
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 122.
43
Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum58.
Sempre que o magistrado, o parlamentar ou o administrador estiver diante de um
fato concreto ao qual terá que aplicar uma norma constitucional programática, deverá
fazer uso da interpretação teleológica, que é aquela em que busca a finalidade da norma.
A uma norma constitucional deverá ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe
conceda.
Um maior ativismo jurisdicional tem ocorrido no país em relação aos direitos
sociais de saúde e educação. Nestes casos, o Supremo Tribunal tem entendido que essas
normas garantem direito subjetivo do cidadão em exigir do Estado o cumprimento legal.
Esclarecedora é a decisão do Supremo Tribunal Federal ao julgar um pedido de paciente
de HIV/AIDS para que o Estado forneça gratuitamente os medicamentos:
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição
da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado,
por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a
quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas
idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do
vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e
médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito
fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida. O poder Público, qualquer que
seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa
brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da
população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave
comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL
INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da
Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente,
sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas
pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS
CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas
de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive
àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos
fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e
representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de
apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e
nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua
essencial dignidade59.
58
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 14. Jul. 2008.
59
AgRg no RE 273834. D.J 02/02/2001. Relator Ministro Celso de Mello.
44
2.5
O TRIPÉ CAUSADOR DA INEFICÁCIA SOCIAL
Como síntese do estudo da ausência de efetividade das normas constitucionais,
podem ser elencadas três causas mais incisivas que ocasionam a ineficácia social da
Constituição, quais sejam: a) ausência de pressão por parte dos movimentos sociais; b)
omissão do poder constituído; c) obstáculos opostos por segmentos econômica e
politicamente influentes.
Primeiramente, deve-se destacar que não mais vivemos um ambiente de agitação
dos movimentos sociais. A sociedade não mais pressiona nem fiscaliza o Estado como
outrora. Mesmo tendo como marco de nossa história recente o autoritarismo, várias
foram as pressões sociais que abalaram drasticamente o setor dominante, como por
exemplo, o movimento das “diretas já” e da luta por uma nova Constituição.
Vários são os motivos que ocasionam este verdadeiro parasitismo social, como o
individualismo reinante no sistema capitalista, a criminalização dos movimentos sociais
e uma imprensa cada vez mais denuncista e pouco formadora de opinião. Este ponto
será mais aprofundadamente estudado no próximo capítulo, porque quando os
movimentos sociais estão desorganizados e inertes funcionam como uma das causas da
ineficácia, por outro lado, quando estão organizados e atuantes é uma de suas soluções.
Em segundo lugar, temos o poder constituído, que não tem vontade política para
a implantação de ações que culminem com a efetivação das normas constitucionais.
Para este raciocínio - apesar de o judiciário ter a sua parcela de responsabilidade entendemos o poder constituído como o Executivo e o Legislativo. Por um lado, o
legislativo não cumpre a sua missão de criar normas infraconstitucionais que
regulamente as normas constitucionais.
Por sua vez, o Executivo não implementa políticas públicas que torne efetiva a
Carta Magna. Conforme já estudando, nem todas as normas são voltadas para o
legislativo integrá-las, pelo contrário, muitas têm como destinatário a Administração
Pública. Ora, cabe ao Executivo a criação de escolas e universidades; a realização da
reforma agrária; a garantia da segurança pública; a titularidade para a fixação de salário
mínimo digno e suficiente para o sustento do trabalhador e de sua família, dentre outras
prerrogativas.
45
O terceiro aspecto tem total ligação com o segundo, tendo em vista que a elite
político-econômica do Brasil possui forte domínio sobre o Estado. Como a Carta
Política de 88 inovou com um forte leque de direitos sociais, a elite foi financeiramente
atacada, pois apesar de ser função do Estado a implantação dos direitos sociais, é o
empresariado diretamente atingido.
Novamente utilizando como exemplo o salário mínimo previsto no art. 7º, IV da
Lei das Leis, não podemos cair no erro corriqueiro de creditar toda a culpa de o salário
mínimo vigente ser insuficiente para todas as necessidades básicas na conta do Estado.
Mesmo sabendo que o aumento do salário mínimo irá ocasionar um considerável déficit
nas contas da previdência, isto não ocorre principalmente pela oposição ferrenha da
sociedade empresarial que não quer ver os seus lucros diminuírem.
Ademais, com o atual sistema eleitoral de financiamento privado de campanha,
vários são os Governantes e principalmente os parlamentares que são dependentes dos
grandes empresários. Para uma maior efetivação das normas constitucionais
necessitamos de um estado mais eficiente e independente. Para se tornar independente,
ele não pode ser eleito com dinheiro privado, e isto só será possível, após uma profunda
reforma política e eleitoral.
46
3
ARMAS NO COMBATE A INEFICÁCIA SOCIAL
Em face dos problemas exaustivamente estudados no capítulo anterior, será dado
enfoque em soluções a ineficácia social - algumas passíveis de criação outras já
existentes - haja vista que em um trabalho que tem por intuito trazer a academia o
debate sobre esta importante problemática não se deve furtar a pretensão de apontar
possíveis armas na luta contra a ineficácia social das normas constitucionais.
Em especial o militante das ciências jurídicas não pode silenciar-se diante de tais
desafios, principalmente em virtude de seu conhecimento específico, entretanto tal
busca incessante pela efetividade das normas constitucionais não pode e nem deve ser
uma prerrogativa dos estudantes da ciência do direito, uma vez que toda a sociedade
deve se empenhar nesta difícil missão, em virtude de ser a própria sociedade a
destinatária da Carta Magna
Neste diapasão, animadora é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello,
litterim:
Ao lado dos deveres e compromissos com o bem-estar público que incubem a
todos os cidadãos, os advogados são aliciados e colhidos ademais – e
sobretudo -, por um dever específico que advém de sua formação jurídica. O
dever de perquirir no sistema normativo, até a exaustão, todas as
possibilidades ai abertas em prol do atendimento de valores sócio-culturais
que a humanidade incorporou em seu processo civilizatório e que, bem por
isso, encontram-se inevitavelmente vazados nas Cartas fundamentais dos
países do mundo civilizado60.
Não é só através do meio jurídico que encontraremos soluções para este grave
problema, atualmente para termos uma maior efetividade das normas constitucionais
terá que ser travada também uma luta política e social. Partindo deste pressuposto de
que apesar de sua importância não vai ser o judiciário sozinho que resolverá o
problema, e sim, conjuntamente com a luta dos movimentos sociais, dividimos este
capítulo em três grandes tópicos: a) o arsenal jurisdicional; b) participação popular; c) a
proposta de se criar uma nova Constituição.
60
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social.
Tese nº. 08 apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis,
1982, p. 174.
47
3.1
O ARSENAL JURÍDICO (JURISDICIONAL)
A Constituição de 1969 apesar de ter sido outorgada pela ditadura mantinha em
seu bojo dispositivos em prol da justiça social que não era efetivado pela situação
passiva que se encontrava o poder constituído. O constituinte de 88 ciente desta
problemática e com o intuito de resguardar o seu próprio prestígio inseriu na Carta
Política mecanismos de controle da omissão dos poderes constituídos, bem como de
garantia de realização dos direitos fundamentais.
3.1.1 Inconstitucionalidade por omissão
Uma Constituição é desrespeitada quer quando se faz algo de forma contrária ao
que ela estabelece quer quando não faz o que ela determina. Inicialmente só se cogitava
na inconstitucionalidade por ação, configurando-se, sempre, numa atuação positiva
contrária à Constituição. Observando que também existe a inconstitucionalidade na
omissão do ente público em fazer o que a Carta determina é que se foi inserindo nas
constituições contemporâneas o instituto denominado de inconstitucionalidade por
omissão.
Devido à grande proximidade que temos com o constitucionalismo português o
nosso instituto é muito similar com o previsto na Constituição Portuguesa que prescreve
em seu artigo 283:
Artigo 283
(Inconstitucionalidade por omissão)
A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com
fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes
das assembléias legislativas das regiões autônomas, o Tribunal
Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por
omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exeqüíveis as
normas constitucionais.
Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de
inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão
legislativo competente61.
61
BRASIL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em:
<http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/Sistema_Politico/Constituicao/06Revisao/>. Acesso em
08. Set. 2008.
48
Observa-se que a inconstitucionalidade por omissão prevista na Carta Lusitana é
voltada exclusivamente para o legislativo, não cuidando das omissões dos demais
órgãos. A Constituição brasileira foi um pouco mais abrangente ao também prever a
omissão da Administração. A Carta de 88 de forma similar institui no direito pátrio a
inconstitucionalidade por omissão, in verbis:
Art. 103 – (omissis)
§ - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar
efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providencias necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em (trinta) 30 dias62.
Para um melhor entendimento das reais funções da inconstitucionalidade por
omissão, imperativo se torna fazer a diferenciação deste instituto com o Mandado de
Injunção. Na inconstitucionalidade por omissão o objetivo é dar ciência ao órgão
omisso para que adote as providências necessárias. Em outras palavras tem como
objetivo maior a regulamentação da norma constitucional. Já o Mandado de injunção é
incidente no caso concreto, pois reconhecendo o judiciário que o direito que a
constituição concede ao cidadão é ineficaz por ausência de regulamentação fará por
força do próprio Mandado de Injunção a integração do direito, tornando-o exeqüível.
O maior problema a ser enfrentado se refere às omissões do legislativo. Por isto,
é importante salientar que nem todo “não fazer” configura-se uma omissão
inconstitucional, haja vista que normalmente o legislativo tem a discricionariedade na
execução de sua missão legiferante. Só irá configurar uma inconstitucionalidade por
omissão nos casos em que a Lei Maior impõe ao órgão legislativo o dever de editar
norma regulamentadora.
O legislativo tem discricionariedade e faz parte do seu juízo de conveniência e
oportunidade em legislar, por exemplo, sobre a obrigatoriedade de o empregador pagar
14º salário para o trabalhador. A mesma discricionariedade não tem em relação a
legislar sobre a participação dos trabalhadores nos lucros e gestão das empresas
conforme determinação do art. 7, XI da Constituição Federal. Neste caso, surge para o
legislador o dever de legislar, e não apenas a competência para tanto, e caso não o faça
estará incurso em inconstitucionalidade por omissão.
62
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
49
Outro aspecto a ser observado diz respeito ao prazo que o legislativo tem para
regulamentar a norma constitucional, ou seja, a partir de que momento ele estaria
cometendo uma inconstitucionalidade por omissão. Nesta hipótese, o judiciário antes de
decretar a omissão deverá ponderar se neste decurso de tempo o legislativo não só podia
como deveria ter integralizado a norma, uma vez que houve prazo suficiente para
elaboração e discussão da matéria. Todavia, o simples fato de ter projeto de lei
tramitando no órgão legislativo por si só, não afasta a inconsitucionalidade por omissão,
porque se assim fosse bastava o legislativo apresentar qualquer projeto, mesmo que
esdrúxulo que estaria impossibilitando o judiciário de decretar a omissão. É do mesmo
entendimento o Supremo Tribunal Federal:
A mora - que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da
omissão legislativa -, e de ser reconhecida, em cada caso, quando, dado o
tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo
da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato
legislativo necessário a efetividade da lei fundamental; vencido o tempo
razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do
dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo
podem descaracterizar a evidencia da inconstitucionalidade da persistente
omissão de legislar. III. juros reais (cf. art.192, par. 3.): passados quase cinco
anos da constituição e dada a inequívoca relevância da decisão constituinte
paralisada pela falta da lei complementar necessária a sua eficácia - conforme
já assentado pelo STF(ADin n. 4, DJ 25.06.93, Sanches)-, declara-se
inconstitucional a persistente omissão legislativa a respeito, para que a supra
o Congresso Nacional63.
3.1.1.1 Conseqüência da omissão inconstitucional perante a sociedade
Neste sub-tópico será analisada não a conseqüência da decretação pelo STF da
inconstitucionalidade por omissão, e sim, as conseqüências que tal desrespeito a Carta
Política enseja tanto na própria Constituição Federal como na sociedade. Segundo o
mestre Luís Roberto Barroso a não regulamentação por parte do legislador acarreta a
“subversão da hierarquia das normas, com a falência da supremacia constitucional, visto
que o legislador ordinário se arroga o poder de impedir que um direito conferido pela
Lei maior opere seus efeitos64”.
63
Cf. Mandado de Injunção n. 361-1/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 08/04/94, publicado no
DJ de 17/06/1994
64
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 166.
50
Razão assiste ao constitucionalista tendo em vista que a partir do momento em
que o legislador ordinário não regulamente norma constitucional fazendo com que tal
direito não seja efetivo, o mesmo estará passando por cima da vontade suprema do
constituinte, o que não lhe compete. Ademais, essa omissão não só do Legislativo mais
muitas vezes também do Executivo ocasiona na falta de confiança da sociedade para
com a Lei Fundamental, uma vez que ela verifica que o que está escrito no papel não
tem efeito em suas vidas.
Neste diapasão, Ana Cândida da Cunha Ferraz faz crítica severa aos poderes
constituídos quando assevera que a omissão:
Constitui uma lamentável falha, e caracteriza a ausência de senso de
responsabilidade e lealdade para com os cidadãos e os eleitores que
confiaram, pelo voto, aos exercentes dos Poderes Legislativos e Executivo, a
missão de cumprir e fazer cumprir a lei consagrada como “fundamental” para
reger os destinos do País65.
3.1.1.2 Processabilidade e efeitos da decretação pelo STF da inconstitucionalidade por
omissão.
Diferentemente
do
Mandado
de
Injunção,
a
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade por Omissão é julgada pelo Supremo Tribunal Federal com
exclusividade, e são legitimados para propo-lá os mesmos para proporem a Ação Direta
de Inconstitucionalidade e Ação Direta de Constitucionalidade elencados no art. 103 da
Constituição Federal, quais sejam: O Presidente da República; a Mesa do Senado
Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou
Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional e confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Apesar do grande avanço que foi dado com a inclusão deste louvável instituto na
Carta Política, foi um pouco tímido em seus efeitos haja vista que apenas permite ao
judiciário dar ciência ao Poder Competente, salvo no caso de órgão administrativo que
após a decretação pelo Supremo tem o prazo de trinta dias para suprir a omissão.
65
FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Inconstitucionalidade por omissão: uma proposta para a
Constituinte. Revista de informação legislativa, volume 23, nº. 89, p. 52.
51
Infelizmente este problema não é exclusivo de nossa Constituição, pois a mesma
dificuldade também é encontrada em outros países. Interessante é o mecanismo da
inconstitucionalidade por omissão na Venezuela, pois permite que o Tribunal
Constitucional além de decretar a omissão pode estabelecer prazos para que se preencha
a lacuna, bem como fixar parâmetros a serem contidos na lei integradora, conforme nos
ensina Valeschka e Silva Braga em minucioso estudo comparado, senão vejamos:
O exemplo teoricamente melhor elaborado atualmente é o da Venezuela.
Com efeito, a Constituição de 1999 prevê que o Tribunal constitucional tem a
autoridade de fazer a declaração de inconstitucionalidade por omissão, mas
também pode estabelecer o prazo para quem o legislador preencha o seu
dever de legislar e fixar os parâmetros da lei futura, nos limites, obviamente
do direito, in verbis (tradução livre):
Artigo 336. [...]
7. Declarar a inconstitucionalidade das carências do poder legislativo das
comunas, estatais ou cidadão, quando não editaram regras ou medidas
indispensáveis para a garantia do cumprimento desta Constituição, ou editouo de maneira incompleta, e estabelecer o prazo e, se necessário, os
parâmetros da sua correção66.
Infelizmente, as decisões do Supremo em relação à inconstitucionalidade por
omissão têm sido muito retrógradas e tímidas, pois vem o pretório excelso decidindo no
sentido de que só cabe ao judiciário dar ciência ao Poder inadimplente, pois caso
contrário estariam usurpando de seu poder e atingindo a seara do legislativo, conforme
pode-se verificar na seguinte decisão:
A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão,
importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder
Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de
cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas
necessárias à concretização do texto constitucional.
- Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios
limites fixados pela Carta Política com o objetivo de suprir a inatividade do
órgão legislativo inadimplente em tema de inconstitucionalidade por omissão
(CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos67.
Tal decisão basicamente se fundamente na divisão dos poderes, no sentido de
que não cabe ao Judiciário através de uma decisão normatizar matéria não
regulamentada pelo Legislativo tampouco estipular políticas não implementadas pelo
Executivo. Entretanto, a separação de poderes idealizada por Montesquieu não pode ser
absoluta, pois o que se almeja é a preponderância de certas funções nas mãos de
determinados órgãos, mais não sua exclusividade. A real intenção da teoria da separação
66
BRAGA, Valeschka e Silva. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de
injunção: reflexões à luz do Direito Comparado. Disponível na internet:
<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 05 de Outubro de 2008.
67
ADI 1458 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 23/05/1996, publicada no DJ de 20/09/96, p.
34531.
52
dos poderes é fazer com que os poderes não se concentrem nas mãos de uma única
pessoa o ou órgão.
Ademais, a nossa Constituição adota o sistema dos “freios e contrapesos” em
que para manter o equilíbrio e harmonia entre os poderes um poder exerce a função de
outro, como por exemplo, o Senado Federal julga o presidente da República (art. 52, I),
que por sua vez legisla através de Medidas Provisórias (art. 62) e por fim, o Judiciário
legisla ao ter a iniciativa de lei no caso de criação de novas varas judiciárias (art. 96, I,
“d”).
Apesar do contido no art. 103, § 2º não abrir muita margem para a atuação do
Judiciário, o mesmo através de um maior ativismo poderia implementar sentenças com
caráter normativo que traçaria normas gerais indispensáveis para que se efetive as
normas constitucionais e que teriam eficácia enquanto o poder constituído não suprisse
a omissão inconstitucional. Tal sugestão coaduna com o ideário de Valeschka e Silva
Braga, in verbis:
A inconstitucionalidade por omissão deve, sim, acarretar uma sanção para o
legislador: a momentânea perca da faculdade de complementar a norma
constitucional de eficácia limitada em prol de um papel integrativo do juiz,
que poderá, portanto, excepcionalmente, emitir decisão de caráter normativo,
que valerá até a edição da lei proveniente do seu real titular, a saber: o poder
legislativo. E isto é válido também para o caso da autoridade administrativa
competente não expedir o ato normativo no prazo de 30 (trinta) dias previsto
no art. 103, §2º da Constituição, sem prejuízo das demais sanções cabíveis68.
Por outro lado, conforme já mencionado, este não é o entendimento do Supremo
Tribunal Federal que por diversas vezes já decidiu que a Corte não está autorizada a
expedir uma norma para o caso concreto ou a editar norma geral abstrata, em virtude de
que tal conduta não se compatibiliza com os princípios constitucionais da democracia e
da divisão de poderes.
Quanto a este entendimento de que nestas hipóteses falta legitimidade por parte
do Judiciário para traçar normas gerais em face da omissão legislativa, inclusive pelo
fato de os magistrados no Brasil não serem eleitos pelo povo, interessante é o
posicionamento de Luís Roberto Barroso:
Já deixamos consignado que em uma democracia é não apenas possível,
como desejável, que parcela do poder público seja exercida por cidadãos
escolhidos com base em critérios de capacitação técnica e idoneidade
pessoal, preservados das disputas e paixões políticas. A falta de emanação
popular do poder exercido pelos magistrados é menos grave do que o seu
68
BRAGA, Valeschka e Silva. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção:
reflexões à luz do Direito Comparado. Disponível na internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>.
Acesso em 05 de Outubro de 2008.
53
envolvimento em campanhas eletivas, sujeitas a animosidades
compromissos incompatíveis com o mister a ser desempenhado69.
e
Ao bem da verdade, apesar de a jurisprudência ser um pouco tímida a respeito da
inconstitucionalidade por omissão, o constituinte originário não ajudou muito, pois
poderia ter ido mais além e estipulado prazo para que o legislativo supra a omissão,
assim como fez em relação à matéria administrativa.
Todavia, indo neste mesmo raciocínio, houve por parte do Pretório Excelso um
significativo avanço em seu entendimento ao estipular um prazo para que o Congresso
Nacional tome todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever
constitucional, conforme recente julgado:
1. A Emenda Constitucional nº. 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18
da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais
de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do
período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à
criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de
notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao
cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do
comando do art. 18, § 4º, da Constituição.
2. Apesar de existirem Congresso Nacional diversos projetos de lei
apresentados visando á regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é
possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e
aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade
parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não
justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas
Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem
constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto
de ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da
Constituição, acabou dando ensejo à conformação e a consolidação de
estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador
na elaboração da lei complementar federal.
4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se
encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18
(dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao
cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da
Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes
do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de
impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas
apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo
de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.340, 3.316, 3.489 e
3.689 para que as leis estaduais que criaram municípios ou alteram seus
limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal
seja promulgada contemplando as realidades desses municípios70.
Observa-se que este é até então o mais recente julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, e que pela
69
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 169.
70
ADI 3682 MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 09/05/2007, publicada no DJ de 06/09/2007, p.
277.
54
primeira vez estipula um prazo para o Legislativo sanar a omissão inconstitucional.
Ademais, a decisão quanto à estipulação de prazo não foi unânime, tendo sido vencidos
os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Neste sentido, interessante trazer a
baila o voto destes eméritos Ministros:
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, penso que a
Constituição contempla dualidade. Em se tratando de omissão de autoridade
administrativa, é possível fixar-se o prazo de trinta dias para a prática do ato,
não ocorrendo o mesmo em relação ao Poder Legislativo.
Por isto, na esteira de pronunciamentos da Corte, limito-me – imaginando
que, realmente, depois da decisão do Supremo, virá a lei complementar
cogitada no preceito constitucional – a declarar a mora, com a cientificação
do Congresso Nacional.
[...]
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENDE – Eu prefiro não me
comprometer com o prazo, quer dizer, considero apenas um apelo à
razoabilidade temporal71.
Desta forma, ainda fica uma incógnita se o Supremo irá em direção ao contido
nos votos dos ilustres Ministros citados, ou consolidará entendimento de que em Ação
Direta de inconstitucionalidade por Omissão é cabível que o STF estipule prazo para
que o Congresso Nacional tome as providências legislativas necessárias. Outro aspecto
que ainda não se pode ter uma resposta diz respeito a que efeitos esta sentença terá caso
o Congresso Nacional após o decurso completo do prazo de 18 meses não tiver
aprovado a Lei Complementar.
3.1.2 Mandado de Injunção
Juntamente com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão o mandado
de injunção foi outra novidade trazida pelo constituinte de 88 a fim de combater o
desrespeito as normas constitucionais através da omissão do poder constituído.
O mandado de injunção está previsto na Carta Magna em seu Título II – Dos
Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos, art. 5º, LXXI que assim dispõe:
LXXI – Concerder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
71
ADI 3682 MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 09/05/2007, publicada no DJ de 06/09/2007, p.
321.
55
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania72.
3.1.2.1 Origem histórica
Conforme estudado anteriormente, com o fim do Estado Liberal e o incremento
do Estado Social as Constituições começaram a exigir do Poder Público uma atuação
positiva e não mais apenas um não intervir na vida da sociedade. Como por vários
motivos, seja falta de recursos públicos ou vontade política o Estado não cumpria com
as obrigações que as Constituições passara a exigir, surgiu os fundamentos da
inconstitucionalidade por omissão.
Tendo este grave problema a ser resolvida, começou-se a serem estudados
mecanismos que combatessem essas omissões. Um destes mecanismos é o mandado de
injunção.
Os autores divergem quando tratam da fonte de inspiração do nosso mandado de
injunção, entretanto, a maior parte dos doutrinadores entendem que o mandado de
injunção da forma que está na Constituição de 88 é uma criação tupiniquim, sem
precedentes no Direito internacional. Luís Cesar Souza de Queiroz após extensivo
estudo ao Direito comparado conclui:
Por tudo que foi demonstrado, é possível concluir que o mandado de
injunção, introduzido em nosso sistema jurídico pela Constituição de 1988,
não se identifica com qualquer instituto do Direito constitucional comparado.
A finalidade do mandado de injunção o torna singular no cenário jurídico
mundial. É o primeiro instituto constitucional que tem por objetivo maior,
enfrentar o problema da nossa inconstitucionalidade por omissão, não por
intermédio de um controle abstrato, com ocorre em Portugal, mas através de
um controle concreto73.
Celso Ribeiro Bastos é do mesmo entendimento:
O mandado de injunção é uma medida sem precedente, quer no Direito
nacional, quer no alienígena. A confrontação que se possa fazer com a
injuncion do Direito americano só leva à conclusão da absoluta singularidade
do instituto pátrio74.
72
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 22. set. 2008.
73
QUEIROZ, Luís César Souza de. Mandado de Injunção e Inconstitucionalidade por omissão. Cadernos
de Direito Constitucional e Ciência Política, volume 6, nº.23, p. 208.
74
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 250.
56
3.1.2.2 Pressupostos
São pressupostos ou requisitos mínimos para a propositura do Mandado de
Injunção: a) a existência de um direito constitucional, relacionado às liberdades
fundamentais, à nacionalidade, à soberania ou à cidadania cujo exercício esteja
inviabilizado; e b) a falta de norma regulamentadora que impeça ou prejudique a fruição
deste direito.
Observa-se que o constituinte ao escrever “prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania” apenas utilizou estas prerrogativas como
exemplos e não como forma de restringir o cabimento do Mandado de Injunção, pois o
mesmo é cabível em face de qualquer direito contido na Lei das Leis que dependa de
norma regulamentadora para sua efetivação, inclusive os sociais.
Assim como estudado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não
é toda omissão que será inconstitucional, noutras palavras, apenas será cabível o
remédio constitucional ora em questão quando o ente público se tornou omisso em uma
obrigação em que Carta Política lhe outorgou a obrigação de agir. Além disto, o direito
a ser pleiteado pelo remédio constitucional estudado deve está sendo impedido a sua
realização por ausência de norma regulamentadora, não sendo cabível o Mandado de
Injunção em face normas constitucionais em que possui normatividade suficiente para
legitimar a sua direta, imediata e integral aplicação.
3.1.2.3 Competência e procedimento
Por ironia do destino, o Mandado de Injunção sofre do mesmo mal a qual foi
criado para combater, pois ainda não foi criada norma infraconstitucional
regulamentando o seu uso. Entretanto, tendo como fundamento o art. 5º, § 1º da Carta
Política conclui-se que o mandado de injunção é auto-aplicável.
Enquanto não for criada norma regulamentadora, o mandado de injunção utiliza
o mesmo procedimento do mandado de segurança, conforme nos ensina Hely Lopes
Meirelles, in verbis:
Não existe, presentemente, legislação específica para regrar o trâmite
processual do mandado de injunção, o que nos leva a entender possível a
57
aplicação analógica das normas pertinentes ao mandado de segurança, visto
que este instituto guarda estreita semelhança com aqueloutro75.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também entende ser o mandado
de injunção auto-aplicável, bem como que enquanto não for criada norma
regulamentadora deverá ser utilizada a legislação específica do mandado de segurança:
Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da
competência dessa Corte – que está devidamente definida pelo art. 102, I, q -,
auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma
jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que
lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que
couber76.
Será competente para julgar o mandado de injunção o Supremo Tribunal Federal
quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da
República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das
mesas de uma dessas Casas Legislativas, do TCU, de um dos Tribunais Superiores ou
do próprio STF (art., 102, II, q). Compete também ao Supremo julgar recurso ordinário
contra decisão denegatória em única instância de mandado de injunção julgado por
Tribunal Superior (art. 102, II, a).
Por outro lado, tem competência o Superior Tribunal de Justiça pra julgar
originariamente o mandado de injunção quando a elaboração de norma regulamentadora
for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da Administração direta ou
indireta, excetuados os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da
Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal (art. 105, I, h).
Todavia, quanto a omissões de autoridades e órgãos estaduais, cabem a
Constituição Estadual e a lei de organização judiciária delimitar a competência para o
julgamento, que poderá ser do juiz singular ou do Tribunal de Justiça.
A legitimação ativa para impetração do mandado pertence ao titular do direito
cujo exercício está obstado por falta de norma regulamentadora. Quanto a legitimidade
passiva recai sobre a autoridade ou o órgão omisso. Desta forma, não se inclui no pólo
passivo do julgamento do mandado de injunção a autoridade, órgão ou até mesmo
entidade privada que será responsável a determinada ação após a regulamentação
normativa.
Já se tornou pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de
se impetrar mandado de injunção coletivo assim como acontece com o mandado de
75
76
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 274.
MI-QO 107 DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 21/11/1990, publicada no DJ de 02/08/1991.
58
segurança, tendo como legitimados os mesmos para este ultimo, quais sejam: a) partido
político com representação no Congresso Nacional; e b) organização sindical, entidade
de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um
ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Para elucidar a questão,
transcrevemos julgado da Suprema Corte:
MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – ADMISSIBILIDADE:
Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do
mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de atuação
processual destinado a viabilizar, em favos dos integrantes das categorias que
essas instituições representam o exercício de liberdades, prerrogativas e
direitos assegurados pelo ordenamento constitucional77.
3.1.2.4 Objeto e efeitos da decisão
A definição do objeto do mandado de injunção é o ponto que traz a maior
divergência entre os estudiosos deste remédio constitucional. Para alguns ele é
destinado a estimular e pressionar o órgão ou autoridade a preenchera lacuna criada por
sua inércia. De outro modo pensam os que vêem no writ um mecanismo de suprimento
judicial da norma não criada.
A delimitação do objeto do mandado de injunção tem conseqüências práticas nos
efeitos que terão a decisão proferida pelo judiciário, na qual persistem as mesmas
divergências doutrinárias. Basicamente, são duas as posições encontradas na doutrina. A
primeira entende que cabe ao judiciário apenas declarar a mora na elaboração da norma
regulamentadora e notificar o órgão que detém a respectiva competência, tal qual ocorre
na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Caso persista com a inércia, para
está linha de pensamento, o judiciário não teria possibilidade de obrigá-lo a atuar.
Já a segunda linha de pensamento considera que o mandado de injunção deve
servir para que o judiciário elabore a regulamentação que permita o exercício imediato
dos mencionados direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania. Conforme veremos no tópico a seguir,
gradativamente o Supremo Tribunal Federal foi mudando da primeira para a segunda
linha de pensamento.
77
MI 472 DF, Rel. Celso de Melo, julgado em 06/09/1995, publicada no DJ de 02/03/2001.
59
Ora, dá ciência ao poder inerte para que cubra sua lacuna, conforme
exaustivamente já estudamos acima é função da Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão, pois faz uma análise em abstrato da norma, não analisa e nem deveria o
caso concreto. Diferente é a hipótese de incidência do mandado de injunção, haja vista
que foi criado para incidir no caso em concreto, inclusive tendo efeito apenas entre as
partes. Se prevalecer o primeiro posicionamento, teremos dois mecanismos exercendo a
mesma função: dar ciência ao órgão ou autoridade de sua inércia.
A melhor doutrina se encontra na segunda linha de pensamento. De forma
brilhante defende este raciocínio Luís Roberto Barroso:
O objeto da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para edição de
uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo
ou administrativo competentes para criar a regra, criando ele próprio, para os
fins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A
função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional
seja aplicada em favor do impetrante, independentemente de regulamentação,
e exatamente porque não foi regulamentada78.
Também crítica o entendimento de que o mandado de injunção serviria apenas
para dar ciência da omissão ao órgão ou autoridade inerte o ilustre constitucionalista
José Afonso da Silva:
O mandado de injunção tem, portanto, por finalidade realizar concretamente
em favor di impetrante o direito, liberdade ou prerrogativa, sempre que a falta
de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício. Não visa obter a
regulamentação prevista na norma constitucional. Não é função do mandado
de injunção pedir a expedição de norma regulamentadora, pois ele não é
sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. É
equivocado, portanto, data vênia, a tese daqueles que acham que o
julgamento do mandado de injunção visa a expedição da norma
regulamentadora, dando a esse remédio o mesmo objeto da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão. Isso quer dizer apenas que o mandado de
injunção não passaria de ação de inconstitucionalidade por omissão
subsidiária79.
3.1.2.5 Evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Nestes recém completados vinte anos da existência do tão comemorado
mandado de injunção, a jurisprudência da Suprema Corte não se manteve inerte, pois
78
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 252.
79
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 450.
60
teve uma sensível alteração nestas duas décadas, principalmente no sentido de
aproximar-se ao clamor que vinha da doutrina.
Inicialmente a Suprema Corte vinha dando ao mandado de injunção efeito
similar ao da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, ou seja, apenas ciência
ao órgão ou autoridade inerte para que supra a omissão, conforme podemos observar no
julgamento de questão de ordem suscitada no mandado de injunção nº. 107:
Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de
injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito garantia o prerrogativa a
que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado para
falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a
declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a
mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de
que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração,
para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com
a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, da Carta
Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível
contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de
que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a
omissão inconstitucional80.
Tal posicionamento não era unânime no Supremo Tribunal Federal, pois já havia
vozes progressistas dentro da Suprema Corte que defendia que a decisão em mandado
de injunção deveria elaborar norma a ser observado no caso concreto, em especial os
Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio. Os posicionamentos destes eminentes
Ministros ficam claro no julgamento do MI-124 em que o Ministro Carlos Velloso era o
relator e foi acompanho pelo Ministro Marco Aurélio. Apesar de vencidos, importante
trazer a baila os brilhantes posicionamentos:
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – RELATOR -Prosseguindo
no julgamento, faço o que, segundo penso, a Constituição quer que eu faça:
para o caso concreto elaboro a norma a ser observada, nos seguintes termos:
o aviso prévio será de dez dias por ano de serviço ou fração superior a seis
meses, observado o mínimo de trinta dias (C.F., art. 7º, XXI).
Assim votei, Senhor Presidente, por ocasião do julgamento do MI nº. 369DF.
Obtida a norma – e é isto o que o impetrante procura obter no mandado de
injunção – retornam os autos ao Juízo Trabalhista, onde prosseguirá a
reclamação trabalhista já ajuizada.
[...]
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Quanto ao mérito,
propriamente dito, acompanho o nobre relator. Não posso, de forma alguma,
entender que se inseriu no inciso LXXI do artigo 5º um preceito inútil,
porque estaria a viabilizar, apenas, a constatação de que o Legislativo está
omisso.
A Suprema Corte não é convocada, com a impetração do mandado de
injunção, apenas para certificar que o Congresso Nacional continua omisso.
80
MI-QO 107 DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 21/11/1990, publicada no DJ de 02/08/1991.
61
Não! Ela é convocada para lançar no mundo jurídico um provimento que
viabilize o exercício do direito previsto constitucionalmente81.
Posteriormente, a jurisprudência da Suprema Corte começou a conceder o
mandado de injunção não apenas com o fim de reconhecer a existência da omissão, mas
assinando um prazo a fim de que se ultimasse o processo legislativo faltante, sob pena
de, vencido o prazo sem legiferação, passar o requerente a gozar do direito que a
Constituição lhe outorga, mas que não está regulamentado. Este posicionamento foi
julgado por maioria – pois novamente os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e
agora Célio Borja divergiram - no MI-232:
Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para
declar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim
de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se
impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo
195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa
obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida82.
Neste caso os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Célio Borja entendiam
que o requerente já fazia jus imediatamente da isenção prevista no artigo 195, § 7º,
pelos motivos mencionados acima. Todavia, ao analisar o julgado observa-se que houve
uma mudança de posicionamento em relação ao MI–107, uma vez que não mais
considerou o mandado de injunção como uma espécie de inconstitucionalidade por
imissão, e sim, foi mais incisivo ao estipular um prazo a ser cumprido pelo Legislativo.
Já em outro mandado de injunção, o Pretório Excelso além de declarar a mora e
fixar prazo para o legislativo regulamentar o preceito constitucional, a decisão também
estabeleceu uma sanção no sentido de que caso o processo legislativo não seja concluso
no prazo fixado, fica assegurado ao impetrante através da via processual adequado na
juízo de primeira instância requerer a reparação por perdas e danos.
Para melhor compreender o teor da decisão: este mandado de injunção foi
impetrado com fundamento no art. 8º, § 3º, do ADCT, que prevê que cidadãos afetados
por atos discricionários do Ministério da Aeronáutica, editados logo após o movimento
militar de 64, fazem jus a uma reparação de natureza econômica, na forma que dispuser
lei de iniciativa do Congresso Nacional. Após extensa discussão, a Suprema Corte por
maioria julgou o MI–283 da seguinte forma:
Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de
injunção para:
81
82
MI 124, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 07/10/1992, publicado no DJ de 18/06/1993.
MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 02/08/1991, publicado no DJ de 27/03/1992.
62
a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no
art. 8º, § 3º, ADCT, comunicando-se ao Congresso Nacional e à Presidência
da República;
b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim
de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada;
c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer
ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual
adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida,
pelas perdas e danos que se arbitrem.
d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não
prejudicará a cosa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de
obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais
favorável83.
Da mesma forma como vinha acontecendo diante de outros mandados de
injunção, a ciência ao Legislativo não surtiu maiores efeitos práticas, e nisto se sustenta
o grande avanço deste julgado, ao já prever que caso o processo legislativo não seja
efetivo, permita o usufruto do direito pelo impetrante.
Entretanto, pouco adiante, em mandado de injunção impetrado com base no
mesmo dispositivo constitucional (art. 8º, § 3º do ADCT), o STF, tendo em vista o
escoamento do prazo que concedera no mandado de injunção anterior, considerou
desnecessária nova comunicação ao Congresso Nacional e facultou aos impetrantes
ingressarem imediatamente em juízo para obterem a reparação a que faziam jus,
conforme ementa do MI–284:
Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional –
único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa
reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no
mandado de injunção nº 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-se de
adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se
prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos
impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos
termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza
econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório84.
Este mandado de injunção teve como relator o Ministro Marco Aurélio, que em
seu voto ao invés de assegurar aos impetrantes a possibilidade de ajuizarem ação no
juízo ordinário, delimitou, no próprio voto os valores da indenização a serem pagos pela
União aos impetrantes, demonstrando coerência com os seus votos nos mandados de
injunções anteriores. O Ministro Marco Aurélio foi acompanhado pelos Ministros
Carlos Velloso e Ilmar Galvão.
Por fim, interessante e bastante divulgado inclusive pela mídia foram os
julgamentos dos mandados de injunção 670, 708 e 712 em que apreciavam a omissão
83
84
MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 20/03/1991, publicado no DJ de 14/11/1991.
MI 288, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/11/1991, publicado no DJ de 26/06/1992.
63
legislativa em regulamentar o direito de greve dos servidores públicos consubstanciado
no art. 37, VII da Carta Política.
Primeiramente, entendeu a Suprema Corte que o direito de greve, diante da
inércia do Congresso Nacional responsável pela sua integração, deveria ser concretizado
pela própria Corte, de acordo com as possibilidades existentes no ordenamento jurídico.
Neste sentido, entende-se que deveria ser aplicada ao direito de greve dos servidores
públicos, enquanto não editada a lei específica exigida pelo mandamento constitucional,
a lei de greve da iniciativa privada, qual seja a Lei nº 7.783 de 1.999, senão vejamos:
O Tribunal iniciou o julgamento de mandado de injunção impetrado pelo
Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa –
SINTEM em face do Congresso Nacional, com o objetivo de dar efetividade
à norma inscrita no art. 37, VII, da CF. o Min. Gilmar Mendes, relator,
conheceu do mandado de injunção e acolheu a pretensão nele deduzida para
que, enquanto não suprida a lacuna legislativa, seja aplicada a Lei 7.783, e,
ainda, em razão de imperativos da continuidade dos serviços públicos, de
acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, e mediante solicitação
de órgão competente, seja facultado ao juízo competente impor a observância
a regime de greve mais severo, haja vista se tratar de serviços ou atividades
essenciais, nos termos dos artigos 9 a 11 da Lei 7.783/99 (STF, MI 708/DF,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 24/05/2007)85.
Novamente, estas três decisões não foram unânimes:
Ficaram vencidos, em parte, nos três mandados de injunção, os Ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a
decisão à categoria representada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam
condições específicas para o exercício das paralisações. Também ficou
vencido, parcialmente, no MI 670/ES, o Min. Maurício Corrêa, relator, que
conhecia do writ apenas para certificar a mora do Congresso Nacional. (STF,
MI nº 670/ES, Rel. original min. Maurício Corrêa, Rel. para o acórdão Min.
Gilmar Mendes; MI nº 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes; MI nº 721/PA,
Rel. Min. Eros Grau, julgados em 25/10/2007)86.
Fica prejudicada uma análise mais aprofundada a respeito destes importantes
julgados em virtude de os mesmos ainda não terem sido publicados. Ainda assim,
observa-se que neste caso a divergência principal encontra-se no sentido de que o
mandado de injunção terá efeitos erga omnes ou apenas para as categorias que
impetraram o remédio constitucional. Até então, a jurisprudência do Pretório Excelso
era unânime no sentido de que o efeito das decisões do writ eram apenas entre as partes,
o que não ocorre com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que possui
efeitos erga omnes.
85
86
Informativo STF, nº 468, Maio de 2007. Disponível em: <www.stf.jus.br>. acesso em 02 out. 2008.
Informativo STF, nº 485, Outubro de 2007. Disponível em: <www.stf.jus.br>. acesso em 02 out. 2008.
64
Após detalhado estudo sobre a jurisprudência a respeito dos mandados de
injunção julgados pelo Supremo Tribunal Federal, conclui-se pela significativa
mudança de entendimento da Suprema Corte. Tal fato ocorreu por vários motivos.
Primeiramente, houve nestas duas décadas uma significativa alteração na composição
da Corte Suprema, com a nomeação de ministros com posições divergentes. Em
segundo lugar porque o entendimento que o Supremo vinha tendo em seus primeiros
julgamentos era inverso ao emanado da maioria da doutrina. Por fim, os Ministros
começaram a observar que apenas a ciência ao órgão inerte sobre a sua omissão não
vinha trazendo efeitos práticos na sociedade, tampouco resolvendo o problema. Isto
ocasionava um verdadeiro descrédito a este importante remédio constitucional.
O Ministro Marco Aurélio, em entrevista concedida quando da comemoração
dos 20 anos da Constituição, ao analisar o mandado de injunção também observou essa
significativa mudança do entendimento da Suprema Corte, a qual foi um dos líderes:
O que se reclamava em relação à Constituição anterior? Que havia direitos
previstos nela, Constituição, mas que dependiam da regulamentação do
Congresso. E faltava exatamente um instrumental, como o Mandado de
Injunção, para tornar esses direitos concretos, exercitáveis pelos cidadãos.
Veio a Carta de 1988 e nos deu esse instrumental.
De início, o Supremo teve uma postura um pouco tímida quanto ao
instrumental e, muito embora a ação seja uma ação mandamental, a ensejar
uma decisão que implique ordem, o Supremo tomou essa ação como
simplesmente declaratória da omissão. Mas houve uma insistência de certa
ala do Supremo – e eu me incluo nessa ala, porque desde o primeiro dia eu
sustentei a eficácia do Mandado de Injunção-, acabou evoluindo. E ganhou
com isso jurisdicionados em geral. Achar que nós legislamos é uma visão
míope. Nós não legislamos. A nossa atuação é uma atuação vinculada.
Vinculada à Constituição Federal e às leis aprovadas pelo Congresso87.
Este inclusive era o desejo dos constituintes, conforme podemos observar do
discurso do presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses
Guimarães, no dia da promulgação da Carta Política, quando alertava a grande missão
que o Legislativo tinha a executar, mais que isto não impedia a efetividade daquelas
normas então promulgadas:
Nós, os legisladores, ampliamos nossos deveres. Teremos de honrá-las. A
nação repudia a preguiça, a negligência, a inépcia. Soma-se à nossa atividade
ordinária, bastante dilatada, a edição de 56 leis complementares e 314
ordinárias. Não esqueçamos que, na ausência de lei complementar, os
cidadãos poderão ter o provimento suplementar pelo mandado de injunção88.
87
Entrevista concedida a TV Justiça e transmitida na programação da emissora no dia 05 de Outubro de
2008.
88
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed.
Brasília: OAB Editora, 2004. p. 915.
65
3.1.3 Outros instrumentos jurídicos de combate a ineficácia da Constituição.
Por uma questão metodológica, nesta monografia apenas será aprofundado o
estudo dos mecanismos jurídicos que combatam a ausência de norma regulamentadora,
a qual é o dos maiores problemas a ser enfrentado após duas décadas da promulgação da
Constituição cidadã.
Todavia, não diminui a grande importância dos demais mecanismos jurídicos
que vem cumprindo relevante papel na sociedade. Além do mandado de injunção e da
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão já estudados, a Constituição inseriu
em seu texto outros importantes mecanismos, os quais podemos observar no quadro
abaixo:
Instrumento
Previsão
Art. 5º, LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger
Mandado de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas
Segurança data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público
Art. 5º, LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado
Mandado de por:
Segurança a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
coletivo
constituída em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
Art. 5º, LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação
popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
Ação
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
Popular
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de
sucumbência.
Lei nº 7.347/85 – proteção do patrimônio público e social, do meio
Ação civil
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
pública
Art. 5º, LXXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
Habeas
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Corpus
Art. 5º, LXXII – conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa
do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades
Habeas Data governamentais ou de caráter público;
b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por
processo sigiloso, judicial ou administrativo.
66
A Carta Magna também previu a possibilidade de iniciativa legislativa popular,
entretanto, está importante prerrogativa será estudada cuidadosamente no tópico sobre a
participação popular.
3.2
PARTICIPAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS.
Muito embora, pela natureza deste trabalho, seja dada maior ênfase aos
mecanismos técnico-jurídicos, importante se torna tecer alguns comentários acerca do
papel dos movimentos sociais na luta política cotidiana, que tem na maioria das vezes o
sincero intuito de dar efetividade ao consubstanciado na Lei Fundamental.
Por ocasião da fase mais radical do autoritarismo político no Brasil, houve a
obstrução dos canais institucionais de participação política: os partidos políticos. Diante
da impossibilidade de organização em partidos políticos, a luta social foi travada por
organizações sociais. Nesta perspectiva, entidades como a Ordem dos Advogados do
Brasil e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil juntaram forças com os
movimentos negro, feminista, de moradores de determinado bairro, as comunidades
eclesiais de base, os sindicatos revitalizados etc.
É imprescindível fazer uma distinção. Apesar de muitos desses movimentos
terem alguns de seus grandes líderes disputando a institucionalidade, inclusive obtendo
êxito, a luta social que aqui referimos diz respeito à não institucionalizada, ou seja, é a
luta das ruas exercendo pressão e encaminhando sugestões para o Estado.
Este modelo de luta política comprovadamente já mostrou a sua eficiência. Não
foram poucas as vezes que o clamor vindo das ruas obteve êxito. Mesmo nas grandes
derrotas como nas “diretas já” ou na luta por Uma Assembléia Nacional Constituinte
exclusiva89, obteve-se o mérito de abrir caminho para a negociação por outras
reivindicações, além de demonstrar que a sociedade está organizada e que não aceitaria
qualquer desmando por parte do Estado.
Mas a luta social não é exclusividade de grandes temas, pois compreende desde
uma pequena reivindicação para vedar a derrubada de árvores de determinada praça até
89
Apesar de ter sido convocada a ANC, ela não foi exclusive conforme queria o clamor popular, pois os
constituintes após a promulgação da Carta continuaram a exercer suas funções, agora como
parlamentares.
67
o impeachment do Presidente da República. Todavia, esse essencial modelo de luta
política, após o seu ápice nas décadas de 80 e 90, vem sofrendo um acentuado declínio
atualmente. Vários são os motivos para esse fato. Primeiramente, a eleição em 2002 de
um Governo central de esquerda e oriundo dos movimentos sociais de certa forma
inibiu a pressão popular, além de muitos de seus líderes terem se transferido para o
Governo, deixando alguns dos mais importantes movimentos populares sem referência e
liderança.
Em segundo lugar, os movimentos sociais estão sofrendo uma intensa
criminalização, tendo seus integrantes constantemente sendo taxados de marginais ou
arruaceiros. Exemplificando este fenômeno, temos a movimentação por parte do
Ministério Público Federal em solicitar a extinção do MST por entender que este se
enquadra como uma organização paraestatal, abdicando de considerar a sua grande
importância no combate aos latifúndios improdutivos.
Por fim, observa-se que os movimentos sociais estão reduzidos a atuações
setoriais, não havendo mais a interação entre diferentes grupos em torno de determinado
objetivo. Esse fato ocorre pelo individualismo e corporativismo, bem como pela
ausência de importantes pautas nacionais, que englobariam diferentes segmentos da
sociedade, como ocorreu em outros tempos com a luta pela redemocratização do Brasil.
Fazendo uma ligação da participação dos movimentos sociais com a eficácia
social das normas constitucionais, conclui-se, no esteio do pensamento de Luís Roberto
Barros, que “não há efetividade possível da Constituição, sobretudo quanto à sua parte
dogmática, sem uma cidadania participativa”.90
Em especial as normas programáticas, pelo seu baixo teor normativo, só se
tornarão efetivas com a pressão dos movimentos sociais, uma vez que, apesar do
aumento arrecadatório por parte do Estado, tais verbas não são suficientes para o Estado
executar todos os programas contidos na Carta Política de imediato. Neste aspecto que
surge com grande relevância a pressão dos movimentos sociais, pois influencia na
escolha de prioridades na execução de políticas públicas.
90
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. Ed. Renovar. 6º edição, p. 132.
68
3.2.1 Iniciativa popular de leis.
Não persiste mais no mundo contemporâneo a democracia direta nos moldes em
que era exercida na Grécia, pois cedeu espaço para o que denominamos atualmente
como democracia representativa. O Estado Brasileiro através da Constituição Federal de
88 adotou como fundamento da República a democracia representativa com
possibilidades determinada na própria Carta Política de participação direta pelo povo,
conforme dispõe no seu parágrafo único do art. 1º ao asseverar que “todo o poder emana
do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”. Essa junção entre a democracia representativa com a participação direta
do povo denomina-se como democracia semidireta.
É notório que o sistema representativo está em decadência, pois não mais
consegue exercer o seu papel de levar a vontade do povo para o Parlamento. Ademais,
dentre os três poderes da República é o Legislativo em que tem o maior descrédito
perante a sociedade, uma vez que os parlamentares não mais representam os interesses
de quem os elegeu, e sim, os interesses próprios e o dos financiadores de suas
campanhas. Não passou despercebido à sensibilidade de José Afonso da Silva está crise
de representatividade a que passa o Congresso Nacional quando assevera:
O regime representativo, no Estado burguês procura resolver o conflito de
interesses sociais por decisões da maioria parlamentar. Maioria que nem
sempre exprime a representação da maioria do povo, porque o sistema
eleitoral opõe grandes obstáculos a parcela ponderável da população, quanto
ao direito de voto, para a composição das Câmaras Legislativas. Daí decorre
que a legislação nem sempre reflete aquilo a que a maioria do povo aspira,
mas, ao contrário, em grande parte, busca sustentar os interesses de classe
que domina o poder e que, às vezes, está em contraste com os interesses
gerais da Nação. As classes dirigentes, embora constituindo concretamente
uma minoria, conseguem, pelo sistema eleitoral, impedir a representação, nos
Parlamentos, da maioria do povo, razão por que, fazendo a maioria
parlamentar, obtêm uma legislação favorável91.
Ora, assim como alude Eneida Desiree Salgado “a idéia de democracia vai além
do depositar o voto na urna”.92 Neste sentido, é mister que seja mais utilizado no Brasil
os mecanismos de participação direta do povo nas decisões nacionais. A Carta de 88
91
DA SILVA, José Afonso apud DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26.
ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 126.
92
SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis. As proposições, o positivado e o possível.
Revista de informação legislativa v. 43, n. 169, p. 95.
69
assegurou a participação direta de três formas distintas, conforme podemos
compreender da leitura do art. 14:
Art. 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
I – plebiscito;
II – referendo;
III – iniciativa popular93.
Por coerência ao tema de análise dessa monografia, será dado enfoque a
prerrogativa da iniciativa popular. Por sua vez, o § 2º do art. 62 da Carta Magna
determina como requisito para a tramitação do projeto de lei por iniciativa popular que
ele seja “subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído
pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores
de cada um deles”.
Observa-se que o constituinte foi muito exigente para a tramitação de projetos
legislativos de iniciativa popular, ao exigir um por cento do eleitorado nacional.
Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral, o eleitorado nacional consiste em
130.604.43094 (cento e trinta milhões, seiscentos e quatro mil, quatrocentos e trinta)
eleitores. Desta forma, são necessários para cumprir os requisitos constitucionais que o
projeto tenha mais do que 1.300.000 (um milhão e trezentos mil) assinaturas.
Por essa desnecessária exigência, esta louvável prerrogativa foi muito pouco
utilizada nessas duas décadas da promulgação da Constituição Federal. Segundo estudo
da professora Eneida Desiree Salgado, apenas três projetos de iniciativa popular foram
apresentados à Câmara dos Deputados e tornaram-se leis, todos em co-autoria por não
ter atingido o número exigido de assinaturas:
O projeto de Lei 4.146/92, que teve o Poder Executivo como co-autor,
tornou-se a Lei 8.390/94 e alterou a Lei 8.072/90, adicionando o homicídio
quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio no rol dos
crimes hediondos. O Projeto de Lei 1.517/99, com a co-autoria do Deputado
Albérico Cordeiro (e assinatura de todos os líderes partidários), transformouse na Lei 9.840/99 e incluiu na Lei 9.504/97 o artigo 42-A, permitindo a
cassação de registro do candidato que incidir em captação ilícita de sufrágio.
Finalmente o Projeto de Lei 2.710/92 torna-se, com muitas modificações, a
93
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 12. Jul. 2008.
94
Tribunal Superior Eleitoral, disponível em <http://www.tse.jus.br/internet/eleicoes/regi_uf_blanc.htm>.
Acesso em 13 de Outubro de 2008.
70
Lei 11.124 e cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Teve
o Deputado Nilmário Miranda como co-autor95.
Todavia, existem algumas Propostas de Emendas à Constituição com o intuito
de diminuir a quantidade de assinaturas necessárias para a propositura de projeto de
iniciativa popular, das quais podemos citar a PEC 02/1999 da autoria do Dep. Luiza
Erundina do PSB de São Paulo que diminui para 0,5% do eleitorado nacional, bem
como propõe a supressão da exigência de que seja distribuído pelo menos por cinco
Estados.
Esclarecedora é a justificativa para a propositura da citada Emenda:
Com efeito, desde o advento da Constituição Federal em vigor, a iniciativa
popular tem sido instrumento de democracia semidireta muito pouco
utilizado. Primeiro pela dificuldade de reunião das assinaturas, hoje,
aproximadamente, 1.000.000 (um milhão) delas, correspondente a 1% dos
100.000.000 (cem milhões) dos eleitores nacionais, conforme estabelece a
Constituição. Segundo, em face da exigência de efetiva expressão do
eleitorado em pelo menos cinco Estados da Federação96.
A lei que regulamenta a iniciativa popular legislativa é a Lei nº 9.709/99.
Segundo este dispositivo legal o projeto não poderá ser rejeitado por vício de forma,
cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção
de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação, bem como deverá
circunscrever-se a um só assunto.
Ciente desta dificuldade e com o intuito de fomentar a participação dos
movimentos sociais no processo legiferante, a Câmara dos Deputados em 2001 criou a
comissão permanente de Legislação Participativa, que segundo o art. 32, XII do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados terá como função receber e dar
prosseguimento de sugestões de iniciativa legislativa apresentadas por associações e
órgãos de classe.
Com um trâmite muito mais simplificado, para o encaminhamento de sugestões
para a comissão permanente citada, segundo o seu regulamento interno basta que
juntamente com a sugestão a entidade encaminhe: a) registro, em cartório, ou em órgão
do Ministério do Trabalho; b) documento legal que comprove a composição da diretoria
efetiva e responsável, judicial e extrajudicialmente, pela entidade, à época da sugestão.
Na hipótese de a sugestão receber um parecer favorável da comissão Permanente
de Legislação Participativa, será encaminhado como proposição para a comissão
95
SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis. As proposições, o positivado e o possível.
Revista de informação legislativa v. 43, n. 169, p. 100.
96
PEC nº 02/92. Disponível em <www.camara.gov.br>. Acessado em 13 de Outubro de 2008.
71
temática diretamente ligada ao assunto em exame para prosseguimento dos trâmites
legislativos normais. Assim como acontece com a iniciativa popular legislativa, não
poderá ser sugerida a comissão permanente de Legislação Participativa Propostas de
Emenda à Constituição.
Diante da maior facilidade de ser sugerida uma sugestão legislativa em virtude
da criação por parte da Câmara dos Deputados dessa comissão permanente, este
instrumento deverá ser usado pelos movimentos sociais de forma criativa em prol da
regulamentação dos direitos constitucionais carentes de legislação infraconstitucional.
Entretanto, este importante instrumento não poderá substituir a luta política cotidiana,
haja vista que o caminho a ser percorrido entre a aprovação da sugestão legislativa pela
comissão permanente de Legislação Participativa até a sanção presidencial é tortuoso e
só será alcançado com muita pressão e participação popular.
3.3
PROPOSTA
REVISIONAL.
DE
UMA
NOVA
ASSEMBLÉIA
CONSTITUINTE
Mesmo em face dos mecanismos jurídicos estudados e a possibilidade de intensa
participação da sociedade civil na luta em prol da efetividade da Constituição cidadã,
existem alguns políticos que acreditam que a Constituição já cumpriu o seu papel e que
se torna necessária fazer uma profunda revisão em seu texto. Sem a pretensão de
adentrar neste complexo debate acerca da legitimidade ou não em se fazer uma nova
revisão constitucional após a realizada em 1.993, e sim com o singelo intuito de
apresentar uma linha de pensamento que acredita na falência da atual Constituição,
transcrevemos abaixo a Proposta de Emenda à Constituição nº 157/2003 de autoria do
Deputado Luis Carlos Santos do então PFL/SP e assinatura de mais 174 Deputados,
litterim:
Art. 1º - Será instalada, no dia 1º de Fevereiro de 2007, Assembléia de
Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição.
Art. 2º - A revisão constitucional, consubstanciada em apenas um ato, será
promulgada após a aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e
votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia de Revisão
Constitucional.
Parágrafo único – A revisão constitucional observará o disposto no art. 60, §
4º. Da Constituição Federal.
Art. 3º - A Assembléia de Revisão Constitucional extinguir-se-á no prazo
máximo de doze meses contatos da data de sua instalação.
72
Art. 4º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação97.
Durante sua tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da
Câmara dos Deputados, o relator da proposta o Deputado e constitucionalista Michel
Temer do PMDB/SP, apresentou um parecer com substitutivo que faria com que
Emenda à Constituição prosseguisse com o seguinte teor:
Art. 1º - Será instalada, no dia 1º de fevereiro de 2007, Assembléia de
Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição.
§ 1º - o parlamento mais idoso instalará a Assembléia de Revisão
Constitucional no dia 1º de fevereiro de 2007 e dirigirá a sessão de eleição de
seu Presidente.
§ 2º - A discussão da matéria objeto da revisão será feita n sistema
unicameral previsto neste artigo.
§ 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional elaborará o Regimento
Interno de seus trabalhos.
Art. 2º. A revisão constitucional, consubstanciada em ato único, será
promulgada após aprovação do seu texto, em dois turnos de discussão e
votação, por maioria absoluta de votos de cada Casa integrante da
Assembléia de Revisão Constitucional e de referendo popular a ser realizado
no primeiro domingo de junho de 2007.
Parágrafo Único. A revisão constitucional observará o disposto na
Constituição Federal, art. 60, § 4º e não modificará o seu Título II, Capítulo
II.
Art. 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional terá prazo máximo de 12
meses de duração, contados da data de sua instalação.
Art. 4º. A cada dez anos é autorizada Revisão Constitucional nos moldes
estabelecidos nesta Emenda Constitucional.
Art. 5º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação98.
A grande alteração oriunda deste substitutivo do Deputado Michel Temer se
refere ao fato de que após concluído os trabalhos deverá ser apresentado a população,
que irá aprovar ou não, através de referendo, bem como autoriza a Revisão
Constitucional em 10 e 10 anos. O Deputado Henrique Fontana, líder do PT, apresentou
uma emenda no sentido de que a Assembléia seja instalada em 1º de fevereiro de 2011.
Tais propostas foram aprovados por maioria na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania, havendo alguns fundamentados votos divergentes. A proposta
apresentada não recebe o mínimo apoio dentre os militantes do Direito e a sociedade
civil organizada.
Sem adentrar ao mérito da provável ausência de legitimidade em se fazer outra
Revisão Constitucional - uma vez que o constituinte originário estabeleceu clara e
expressamente os dois mecanismos de reforma da Constituição Federal, de modo a
97
98
PEC 157/2003. Disponível em <www.camara.gov.br> acessado em 14 de outubro de 2008
PEC 157/2003. Disponível em <www.camara.gov.br> acessado em 14 de outubro de 2008
73
adaptá-la às mudanças sociais: o processo de emendas constitucionais insculpido no art.
60 da Constituição Federal, com seu quorum qualificado e tramitação em dois turnos, e
a Revisão Constitucional prevista no art. 3º do ADCT, a ser realizado uma única vez,
após cinco anos da promulgação da Constituição Federal pelos membros do Congresso
Nacional -, o problema ora estudado nesta monografia não é da Constituição, e sim, da
ausência de compromisso constitucional e com a nação por parte do poder constituinte e
da elite dominante.
Uma reforma profunda na Constituição em hipótese alguma deve vir de cima
para baixo, ou seja, do parlamento para a sociedade, e sim, das ruas para o parlamento,
através de um profundo processo de ruptura social. Este também é o entendimento do
professor Marcus Firmino Santiago:
Onde reside o fundamento de legitimidade da assembléia revisora proposta
recentemente no Brasil parece, portanto, ser a grande questão a se enfrentar.
Processos de revisão constitucional só encontram legitimidade quando
refletem a vontade de ampla maioria da sociedade. Revisões profundas, como
a proposta, da mesma forma que a instauração de uma nova ordem
constitucional, representam uma ruptura com o sistema vigente, donde surge
a necessidade de estarem amparadas em evidentes manifestações sociais, seja
pelos meios formais (plebiscito ou referendo), seja pela via revolucionária99.
Em voto em separado contrário a Revisão Constitucional na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania os Deputados Luís Eduardo Greenhalgh (PT/SP),
Antônio Carlos Biscaia (PT/RJ) e Odair Cunha (PT/MG) alegam que uma eventual
Reforma Constitucional teria o intuito claro de desconstitucionalizar direitos inerentes a
saúde e educação:
O que se tem, na verdade, é a possibilidade clara de um grande retrocesso,
onde todas as conquistas da sociedade brasileira, especialmente em áreas
sensíveis como educação, saúde, família, meio ambiente etc, serão
desconstitucionalizadas e relegadas a um plano secundário, sem as garantias
e a força normativa da Carta Federal100.
Ademais, diante da crise em que a esquerda e os movimentos sociais vem
sofrendo no Brasil, se for adiante tal proposta, corre-se o sério risco de não se ter força
política suficiente para manter grande parte destes direitos constitucionais. Como bem
assevera Márcio Medeiros Félix, para muitos setores com voz ativa e grande
representação parlamentar a Revisão Constitucional “seria um meio relativamente fácil
99
SANTIAGO, Marcus Firmino. Sobre a proposta de convocação de "assembléia revisora" para
reformulação da Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1218, 1 nov. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9110>. Acesso em: 15 out. 2008 .
100
PEC 157/2003. Disponível em <www.camara.gov.br> acessado em 15 de outubro de 2008.
74
de "livrar" o país do "entulho" social-democrata e garantista que a Constituição de 88
representa”101.
Nesta perspectiva, a sociedade deve se empenhar com afinco em manter uma das
maiores conquistas da história recente da Nação: a Constituição cidadã. Apesar de
nestas duas décadas ela ter sido alvo de todos os tipos de emenda, sempre tendentes a
abrir o Estado para a ideologia neoliberal, é o que temos de projeto e bandeira de luta
para o Brasil.
101
FÉLIX, Márcio Medeiros. Nova Constituinte: uma impropriedade política e jurídica. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1182, 26 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8974>.
Acesso em: 15 out. 2008 .
75
CONCLUSÃO
Neste mês de outubro muito foi comemorado os vinte anos da promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil pelas mais variadas instituições
nacionais. A Presidência da República fez uma festa, o Ministério da Justiça e o
Superior Tribunal de Justiça, realizaram seminários, o Supremo Tribunal Federal e o
Congresso Nacional, criaram exposições. Diante destas comemorações, imperativo se
torna um questionamento. Temos motivos para comemorar?
De fato, o dia cinco de outubro de 1988 foi marcante na história da nação,
selando em definitivo a transição da ditadura para a democracia, todavia, a vinte anos
atrás não se tinha a noção de que a luta para tornar aquela Carta recém promulgada
efetiva seria mais dura do que a já difícil batalha para conseguir a convocação da
Assembléia Nacional Constituinte. Até hoje grande parte da população não tem o
discernimento de que a simples inserção de direitos e prerrogativas na Carta Magna, por
si só, não resolve como um passe de mágica todos os problemas a qual o país enfrenta.
A Constituição tem o nobre intuito de servir como bandeira de luta, pauta de
reivindicações, argumento para protestos, mais em nenhuma hipótese deve substituir a
indispensável e cotidiana luta política. Ademais, apesar de a Carta Magna ter sido fruto
de uma concessão do capital para com o trabalho, a elite nacional não quer vê-la
concretizada, até porque não lhes beneficia. Por outro lado, o Estado como indutor de
políticas públicas, já está dominado pelo poderia econômico e lhes falta força política
para enfrentá-lo.
Interessante foi a postura do empresariado diante da Constituição. Em um
primeiro momento, ao se ver prejudicado com os dispositivos progressistas e sociais
inseridos na Lei Fundamental, resolveu bater de frente com o Estado para a não
implementação do ali contido. Observando que não mantinha força suficiente para tão
ousada empreitada, decidiu como estratégia tomar o Estado de forma legal através do
falido processo eleitoral.
O Poder Judiciário, outro importante mecanismo de fornecer efetividade as
normas constitucionais, ainda não se deu conta de sua real importância. Todavia, devese reconhecer, conforme estudado nessa monografia, o significativo avanço da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em face dos julgamentos em Mandado de
Injunção. Mais ainda é muito pouco, haja vista os seguintes motivos:
76
1. Encontra-se omisso ou tímido na repressão aos absurdos cometidos pelo
empresariado diante dos direitos do consumidor, principalmente as empresas
concessionárias de serviços de telecomunicações;
2. Prolata ao máximo ou se abstém em condenar, seja entes privados ou o
Estado, em ações em que envolvem grandes valores monetários, através de
teorias como a reserva do possível, ocasionando corriqueiros desrespeitos a
direitos constitucionais;
3. Julgamentos políticos e fundamentados em argumentos jurídicos suspeitos
quando envolve ações prejudiciais as grandes empresas e ao sistema
financeiro, como ocorreu nos julgamentos em que praticamente sepultaram o
agora extinto dispositivo constitucional em que limitava os juros em no
máximo 12% ao ano ou quando permitiram a cobrança de juros sob juros,
bem como excluindo as instituições financeiras da incidência da lei de usura;
4. Ausência de ativismo judicial em face das omissões do legislativo e do
judiciário em regulamentar ou implementar os dispositivos constitucionais
respectivamente, respaldados pelo cada vez menos absoluto princípio da
separação dos poderes.
Primeiramente, era intuito dessa monografia realizar um estudo aprofundado da
Proposta de Emenda à Constituição que tramita na Câmara dos Deputados em que tem
como objetivo dar ao próximo Congresso Nacional eleito as funções de Assembléia
Nacional Constituinte Revisional. Todavia, após profunda reflexão, conclui-se o quanto
tal proposta é aventureira e de certa forma golpista, uma vez que teria como intuito
desconstitucionalizar direitos fundamentais e entregar a iniciativa privada estratégicos
setores econômicos.
Essa monografia não tem a pretensão em trazer a baila todas as soluções para a
ineficácia social da Constituição, e sim, trazer algumas causas dessa ineficácia, bem
como humildes soluções para tão grave problema. Neste escopo, conclui-se tendo como
base este estudo em que algumas ações devem ser realizadas, tais como:
1. Maior utilização do instituto do Mandado de Injunção em todas as ocasiões
em que a ausência de norma regulamentadora impeça o usufruto de direitos
constitucionais. Para tanto, o Supremo deve continuar em sua evolução
jurisprudencial, bem como ser seguido pelos demais Tribunais, mesmo que
seja através de súmula vinculante;
77
2. Mudança na Constituição para diminuir a quantidade absurda de assinaturas
para a propositura de iniciativa popular de leis conjuntamente com alteração
no sentido de conceda prioridade na tramitação, inclusive trancando a pauta
do Congresso Nacional enquanto não votadas para as propostas legislativas
de iniciativa popular;
3. Maior utilização e divulgação para a propositura de iniciativa popular de leis
da Comissão Permanente de Legislação Participativa da Câmara dos
Deputados;
4. Total apoio e efetiva participação nos movimentos sociais, utilizando este
importante mecanismo para exercer pressão diante do Estado e da elite
econômico-financeira, haja vista ser imprescindível a efetividade das normas
constitucionais sem a conscientização e atuação construtiva da sociedade
civil;
5. Realização de uma profunda reforma política no país, em que crie o
financiamento público de campanha e fortaleça os partidos políticos, tendo
em vista que sem um Estado independente não se terá efetividade
constitucional, e para tanto, os representantes do povo devem ser eleitos sem
dinheiro privado.
A Constituição de 88 foi de imensurável importância para a democratização da
nação e para a ainda contínua ascensão das classes economicamente menos favorecidas,
mesmo diante dos constantes desrespeitos, que devem ser incessantemente denunciados
e combatidos. Mais uma vez se torna imprescindível citar Ulysses Guimarães, que em
seu memorável discurso de promulgação da Carta Política asseverou que “quanto a ela,
discordar sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da
Constituição é traidor da Pátria”102.
Convoquem-se a todos nós brasileiros a sair da inércia e ir de encontro à defesa
constitucional, pois assim, Brasil, verás que um filho teu não foge a luta.
102
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB
Editora, 2004. p. 913.
78
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STF. ADI 1458 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 23/05/1996, publicada
no DJ de 20/09/96, p. 34531.
__________. ADI 3682 MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 09/05/2007,
publicada no DJ de 06/09/2007, p. 277.
__________. AgRg no RE 273834. D.J 02/02/2001. Relator Ministro Celso de Mello.
__________. Cf. Mandado de Injunção n. 361-1/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado
em 08/04/94, publicado no DJ de 17/06/1994
80
__________. MI-QO 107 DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 21/11/1990,
publicada no DJ de 02/08/1991.
__________. MI 124, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 07/10/1992, publicado no
DJ de 18/06/1993.
__________. MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 02/08/1991, publicado no
DJ de 27/03/1992.
__________. MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 20/03/1991, publicado
no DJ de 14/11/1991.
__________. MI 288, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/11/1991, publicado no
DJ de 26/06/1992.
__________. MI 472 DF, Rel. Celso de Melo, julgado em 06/09/1995, publicada no DJ
de 02/03/2001.
20 anos-Constituição cidadã: catálogo de exposição – Brasília; Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2008.
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Jonatas Moreth Mariano - Universidade Católica de Brasília