CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MIRELLA SUYANE FREIRE FERREIRA
A COMPREENSÃO DAS FAMÍLIAS ACERCA DO DESENVOLVIMENTO
BIOPSICOSOCIAL DAS CRIANÇAS INSERIDAS NO PROGRAMA DE
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – PETI EM FORTALEZA - CE
Fortaleza - Ceará
2013
MIRELLA SUYANE FREIRE FERREIRA
A COMPREENSÃO DAS FAMÍLIAS ACERCA DO DESENVOLVIMENTO
BIOPSICOSOCIAL DAS CRIANÇAS INSERIDAS NO PROGRAMA DE
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – PETI EM FORTALEZA - CE
Monografia apresentada como exigência parcial
para obtenção do grau de bacharel no Curso de
Serviço Social, sob a orientação de conteúdo do
Professor Antônio Diogo Cals de Oliveira Filho.
Fortaleza - Ceará
2013
F383c Ferreira, Mirella Suyane Freire.
A compreensão das famílias acerca do desenvolvimento
biopsicosocial das crianças inseridas no Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil - PETI em Fortaleza - CE / Mirella Suyane
Freire Ferreira. – 2012.
62 f.
Orientador: Prof. Ms. Antônio Diogo Cals de Oliveira Filho.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2012.
1. Trabalho infantil - Brasil. 2. Trabalho infantil - erradicação.
3. Infância. I. Oliveira Filho, Antônio Diogo Cals de. II. Título.
CDU 364.4-05.5/.7
Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867
CDU 338.48-2-055.34
MIRELLA SUYANE FREIRE FERREIRA
A
COMPREENSÃO
BIOPSICOSOCIAL
DAS
DAS
FAMÍLIAS
CRIANÇAS
ACERCA
DO
INSERIDAS
DESENVOLVIMENTO
NO
PROGRAMA
DE
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – PETI EM FORTALEZA - CE
Monografia como pré-requisito para obtenção do
título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado
pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido
aprovada
pela
banca
examinadora
professores.
Data de aprovação: ____/____/______.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Professor Ms. Antônio Diogo Cals de Oliveira Filho
_________________________________________________________
Professora Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto
_________________________________________________________
Professora Esp. Priscila Nottingham de Lima
pelos
Aos meus pais Márcia Maria Freire Ferreira e
Pedro Paulo Lopes Ferreira, as pessoas mais
importantes da minha vida.
As minhas irmãs pela colaboração e apoio
incondicional.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, que me abençoou com o dom da vida e
iluminou o meu caminho, tornando-me, com o passar dos dias, mais
perseverante.
Aos meus pais, Márcia Maria e Pedro Paulo, que são meus exemplos de
vida e amor eterno, por me apoiarem a cada decisão tomada. E, principalmente,
por terem me proporcionado uma formação familiar condescendente e por serem
minha fonte de estímulo para os estudos, os quais me fizeram hoje ser quem eu
sou.
As minhas irmãs, Paula Ravena e Sayonara Rayane, pelo apoio fraterno,
manifestado através do amor incondicional que nos liga fortemente uma a outra e,
principalmente, por acreditarem ainda mais em mim quando eu mesma não
acreditava mais.
Aos Meus avós, Nair e Raimundo, Nilza e a minha bisavó Altina, pelos
exemplos de vida e perseverança de cada um deles, e por compreenderem os
momentos que precisei me ausentar durante a construção do meu trabalho
acadêmico.
Aos meus exemplos de amizade verdadeira, minhas amigas eternas:
Aline Colares, Kelly Araújo, Mayara Torquato e Mira Raya, pelo apoio, pela
compreensão, pelo consolo nos momentos mais difíceis da minha vida e pela
alegria que elas me proporcionam a cada dia.
A minha equipe querida, “Equipe Master”: Antônia Lira, Caroline Lindolfo,
Débora Lemos, Emanuela Vitor e Shirley de Castro. Por acreditarem em mim,
mesmo eu sendo a mais nova da turma, por fazerem parte desse momento tão
engrandecedor de tanto aprendizado e por todas as notas dez nos trabalhos de
equipe.
Aos professores que me proporcionaram o conhecimento e me
acompanharam nessa longa caminhada, muitíssimo obrigada! Principalmente, a
Professora Jane Meyre, com quem primeiro compartilhei o tema que gostaria de
abordar na monografia, e que de pronto me envolveu com seu grande incentivo.
A toda a equipe do Centro de Referência Especializado da Assistência
Social, especialmente a minha supervisora de campo Eveline Lima e a psicóloga
Daniele Macedo pelo incentivo e apoio durante o estágio e a pesquisa de campo.
E a colaboração dos entrevistados que fizeram parte da pesquisa e que se
mostraram disponíveis a responder o roteiro de entrevistas.
A minha banca examinadora, Professora Letícia Peixoto e Professora
Priscila Nottingham, por se dispor a contribuir para o meu engrandecimento
intelectual, e se mostrar disponível. Sem me esquecer do meu querido e
complacente Orientador Diogo Cals, pela grande ajuda e por acreditar em mim,
mesmo sem me conhecer.
Obrigada a todos!
“Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos
sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria subestância.”
(Simone de Beauvoin)
RESUMO
Este estudo buscou identificar como as famílias das crianças inseridas no Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI e acompanhadas pelo Centro de
Referência Especializado da Assistência Social – CREAS II, em Fortaleza – CE,
percebem a passagem dos filhos pelo trabalho infantil. Entendemos que a temática é
demasiada desafiadora, e que também é um estudo relevante por se tratar de uma
das formas que se expressa à questão social. De acordo com os dados levantados
pelo PNAD, o trabalho infantil está reduzindo no Brasil. O principal motivo da luta
pela erradicação do trabalho infantil são as consequências, pois de acordo com o
Portal da Saúde, o trabalho infanto-juvenil, aumenta em três vezes o abandono
escolar e diminui o tempo de laser da criança, tempo em que ela realizaria
atividades importantes para o seu desenvolvimento. Realizamos um resgate
histórico da infância no Brasil e no mundo, relacionando a exploração do trabalho
infantil no Brasil colônia após o advento do capitalismo. Fundamentamos a nossa
investigação, nos autores que abordam a significação da infância, como Ariés (2006)
e Badinter (1985), e nas políticas públicas e legislações voltadas para a
problemática do trabalho infantil. A nossa pesquisa é de caráter qualitativo, a qual
realizamos seis entrevistas semi estruturadas com responsáveis familiares de
crianças e adolescentes inseridos no PETI. Evidenciamos a forma com que o
exercício de atividades laborativas na infância é percebido pelas famílias, e a
concepção de infância das mesmas, percebendo a forma naturalizada com que o
trabalho infantil é vivenciado.
Palavras-chave: infância; erradicação; trabalho infantil.
ABSTRACT
This study sought to identify how the families of the children involved in the
Eradication of Child Labor - PETI and accompanied by the Centre for Social
Assistance Specialized Reference - CREAS II, in Fortaleza - CE, perceive the
passage of children through child labor. We understand that the issue is too
challenging, and it is also an important study because it is one way that expresses
the social question. According to data collected by the National Household Survey, is
reducing child labor in Brazil. The main reason for the eradication of child labor are
the consequences, because according to the Health Portal, the child labor increases
at three times the dropout and shortens the laser of the child, at which time she
would perform activities important to their development. We conducted a historical
childhood in Brazil and worldwide, relating to child labor colony in Brazil after the
advent of capitalism. We base our research on authors who address the significance
of childhood, as Ariès (2006) and Badinter (1985), and public policy and legislation
aimed at the problem of child labor. Our research is qualitative, which conducted six
semi-structured interviews with responsible relatives of children and adolescents on
PETI. We show the way in which the exercise of labor activities in childhood is
perceived by households, and the same conception of childhood, realizing how
naturalized with that child labor is experienced.
Keywords:
childhood;
eradication,
child
labor.
Lista de Siglas
CRAS - Centros de Referência da Assistência Social
CREAS - Centro de Referência Especializado da Assistência Social
DAS - Distritos da Assistência Social
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
FNPETI - Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
FEBEMs - Fundação Estadual do Bem-estar o Menor
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LA - Liberdade Assistida
ONU - Organização das Nações Unidas
OIT - Organização Internacional do Trabalho
PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio
PSC - Prestação de Serviços à Comunidade
PBF - Programa Bolsa Família
PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PSB - Proteção Social Básica
PSE - Proteção Social Especial
SDH - Secretaria de Desenvolvimento Humano
SER - Secretarias Executivas Regionais
SEMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social
SCFV - Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
PAEFI - Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
UNICEF - Fundo das Nações Unidas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
1.1 Aproximação e escolha do tema..........................................................................17
1.2 Percurso metodológico........................................................................................18
1.3 O Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS II como
campo de pesquisa...............................................................................................21
1.3.1 Programa de Erradicação do Trabalho Infantil................................................23
1.4 Caracterização dos entrevistados........................................................................24
2 PERSPECTIVAS SOBRE A INFÂNCIA E O TRABALHO INFANTIL
2.1 O imaginário social da infância como estorvo: um olhar na história....................27
2.2 Infância no Brasil..................................................................................................33
2.3 A eclosão do sentimento de infância: imaginários sociais de controle e proteção.
..............................................................................................................35
2.4 Trabalho Infantil...................................................................................................38
2.4.1 O trabalho infantil no Brasil..............................................................................41
3 COMPREENDENDO A VISÃO DAS FAMÍLIAS A RESPEITO DA INSERÇÃO
DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO TRABALHO.
3.1 Percepção sobre infância....................................................................................44
3.2 Percepção da família sobre a inserção dos seus filhos no trabalho infantil......48
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE
13
Introdução
A presente pesquisa tem o objetivo de identificar como as famílias das
crianças inseridas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI e
acompanhadas pelo Centro de Referência Especializado da Assistência Social –
CREAS II, em Fortaleza – CE, percebem a passagem dos filhos pelo trabalho
infantil. Neste sentido, procuramos entender como os pais observam essa
experiência na vida das crianças, especialmente em relação ao desenvolvimento
biopsicosocial dos infantes inseridos em uma condição social e econômica onde o
trabalho infantil aparece como uma realidade na vida dessas famílias. A fala destes
pais foi capaz de trazer elementos importantes para a compreensão da prática
laboral dos filhos como uma construção social e histórica, pertencente a uma classe
específica e que engendra relações sociais diferenciadas na teia social as quais
essas famílias estão inseridas.
Com o advento do capitalismo, a revolução industrial levou ao cabo a
potencialização do trabalho, inclusive infantil. Mas a partir do século XIX e
principalmente XX, se modificou a forma de perceber a infância e a família, e a
sociedade começou a ser pressionada no sentido de um enfrentamento ao trabalho
e de perceber a criança apenas como um ser em desenvolvimento, que necessitaria
de estudo e do brincar, como os principais elementos para sua construção social.
O acirramento da questão social brasileira tem gerado uma série de
refrações que tem atingido os mais diferenciados públicos. A condição de pobreza
advinda de uma sociedade capitalista baseada num processo exclusório, reverbera
em diversas expressões da questão social de maneira a produzir novas formas de
sociabilidade na sociedade brasileira, dentre as quais, atinge também de maneira
diferenciada o público infanto-juvenil.
Levou-se muito tempo até que a criança fosse reconhecida como um
sujeito de direitos, pois houve uma época (séc. XIX e XX) que as pessoas eram
convenientes com alguns tipos de violações de direitos como por exemplo o castigo
físico, em que era repassada a justificativa de educar a criança. Contudo,
14
atualmente, o arcabouço legal que ampara a categoria infanto-juvenil, as violações
estão sendo denunciadas.
Em Outubro de 1927 foi instituído o Código de Menores, que objetivava
abandonar uma postura anterior de reprimir e punir, passando a priorizar a
educação, sendo a ideia primordial da legislação menorista: educar e disciplinar as
crianças oriundas de “famílias desajustadas” ou da orfandade. O Código constituía
uma perspectiva individualizante do problema do menor, culpabilizando a família. No
ano de 1979, surgiu o chamado “novo Código de Menores” que não constituiu
mudanças significativas, apresentando características que colocam a criança e o
adolescente pobres como uma ameaça à ordem vigente.
Somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi
sancionada a Lei 8.069 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de
ampliar o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente.
Assim,
devemos refletir quanto ao compromisso que deve ser assumido pela sociedade
para garantir os direitos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Atualmente a erradicação do trabalho infantil vem sendo uma meta
prioritária no estado brasileiro. A prova disso é o fato de ter sido instituído o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI. Trata-se da obrigação de
proteger a criança e o adolescente de forma integral, pois a existência do trabalho
infantil é um tipo de violência por se caracterizar como uma negativa aos direitos da
criança e do adolescente. De acordo com o Portal da saúde 1, os dados da Pesquisa
Nacional de Amostra por Domicílio – PNAD demonstram que, as crianças e
adolescentes de 05 a 17 anos em situação de trabalho prosseguiu em queda,
passando de 5,3 milhões em 2004, para 4,3 milhões em 2009.
Na nossa pesquisa, realizada no Centro de Referência Especializado da
Assistência Social – CREAS II, equipamento da Prefeitura Municipal de Fortaleza,
que acompanha famílias em situações de violação de direitos as quais os vínculos
familiares não foram rompidos, entrevistamos as famílias das crianças em situação
de trabalho infantil acompanhadas pelo PETI.
1
http://portal.saude.gov.br
15
A estrutura desse ensaio monográfico se constitui em três capítulos,
sendo o primeiro intitulado, Procedimentos metodológicos. Nesse abordamos
como foi realizada a escolha e a aproximação com o tema que se deu durante a
nossa experiência de estágio no CREAS II. Como metodologia de pesquisa,
realizamos entrevistas semi-estruturadas e utilizamos dados da instituição, o que
tornou a nossa pesquisa também documental. No mesmo capítulo falamos sobre o
Centro de Referência Especializado da Assistência Social como nosso campo de
pesquisa, onde ele se encaixa enquanto política pública, discutimos também como
as nossas entrevistas foram realizadas e classificamos o perfil dos entrevistados.
Em nosso segundo capítulo, Perspectivas sobre a infância e o
trabalho, realizamos um resgate histórico da infância, o qual utilizamos Philippe Arié
e suas concepções acerca da família e da infância enquanto categorias sociais.
Realizamos também um estudo sobre como se classificava a infância e como a
criança era vista naquela época. Mostrando também a evolução dos direitos da
criança e do adolescente a partir do século XX, principalmente após a instituição do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Analisamos também a forma com que
se iniciou o trabalho infantil no Brasil, bem como o seu processo de naturalização, a
precarização do trabalho e a exploração da mão de obra barata. Percebe-se que
não se iniciou com a revolução industrial, mas vem desde o descobrimento do Brasil.
E, por fim, relacionamos as legislações que foram surgindo a partir da Consolidação
das Leis Trabalhistas que proibi a realização de atividades de trabalho antes dos 18
anos de idade. Reforçamos também que a erradicação do trabalho infantil é uma
meta do Estado brasileiro e o mesmo vêm tendo êxito com as políticas públicas que
existem relativas a isso, até o momento, como podemos observar em pesquisas
realizadas que mostram a diminuição de crianças m situação de trabalho.
Nosso terceiro e último capítulo, Compreendendo a visão das famílias a
respeito da inserção das crianças e adolescentes no trabalho. Analisamos
primeiramente a percepção dos entrevistados acerca da infância e a relação das
crianças e adolescentes com os demais membros da família e o seu relacionamento
com outros alunos e professores da escola que estão frequentando. E por fim,
analisamos como as famílias percebem a inserção das crianças e adolescentes no
trabalho infantil, a relação que isso pode ter com o passado dos seus responsáveis,
16
buscando perceber também de que forma os pais compreendem o risco que a
situação de trabalho pode oferecer a vida de seus filhos.
17
1 Procedimentos metodológicos
1.1 Aproximação e escolha do tema
Meu interesse pelo tema iniciou em março de 2011, quando cursava o
quinto semestre na experiência de Estágio curricular. A partir desse semestre, as
outras duas disciplinas de estágio foram no Centro de Referência Especializado da
Assistência Social (CREAS II), em Fortaleza, que atualmente atende pessoas que
residem nas áreas de abrangência das Regionais II e IV 2.
A Instituição não atende somente trabalho infantil, mas outros tipos de
violações de direitos nas mais diversas formas em que a questão social se expressa.
Os casos de trabalho infantil são acompanhados na mesma até que a situação seja
superada (em média o acompanhamento acontece durante quatro meses), e então
as famílias são encaminhadas para acompanhamento nos Centros de Referência da
Assistência Social (CRAS), equipamento da Proteção Social Básica (PSB).
Durante o período de estágio, tivemos a oportunidade de realizar diversas
atividades na instituição, principalmente visitas domiciliares que possibilitaram
compreender mais profundamente a realidade de cada um dos usuários visitados e
até acompanha-los sugerindo formas de tentar modificar ou melhorar a situação que
estava posta. Desde o início, meu interesse maior foi pelos casos de violação de
direitos de crianças e adolescentes, sentia-me motivada a entender o que acontecia
e o que levava aquela situação de vulnerabilidade social.
No
segundo
semestre
de
estágio
(2011.2),
as
pessoas
em
descumprimento com as condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF)
começaram a ser acompanhado pelo (CREAS), o que nos aproximou das famílias e
2
A Regional II tem como área de abrangência os bairros: Aldeota, Cais do Porto, Cidade 2000,
Cocó, De Lourdes, Dionísio Torres, Engenheiro Luciano Calvalcante, Guararapes, Joaquim Távora,
Manuel Dias Branco, Meireles, Mucuripe, Papicu, Praia de Iracema, Praia do Futuro I e II, Salinas,
São João do Tauape, Varjota e Vicente Pinzon. E a regional IV tem como área de abrangência os
bairros: São José Bonifácio, Benfica, Fátima, Jardim América, Damas, Parreão, Bom Futuro, Vila
União, Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demócrito Rocha, Itaoca, Parangaba, Serrinha,
Aeroporto Itaperi, Dendê e Vila Pery.
18
do nosso público de interesse. Ao mesmo tempo, iniciamos a elaboração do projeto
de intervenção, que nos aproximou das famílias e das crianças em situação de
trabalho infantil, despertando nosso interesse pelo tema.
A partir das oficinas propostas pelo projeto, fiquei bastante instigada a
entender a percepção das famílias acerca do trabalho infantil, visto que, muitos
deles não compreendiam que o simples fato de levar as crianças e adolescentes
para o trabalho, já os expunham a vulnerabilidade. Principalmente se esse trabalho
era insalubre, como na atividade de reciclagem.
Nosso projeto de intervenção, foi realizado através de oficinas para
orientação, sobre os direitos da Criança e do Adolescente fundamentados no ECA, e
com relação as condicionalidades do Programa Bolsa Família que interessa a
maioria das famílias justamente porque a frequência ou não nas atividades do PETI
repercute no benefício.
Diante disso, nossos primeiros questionamentos são: Qual o papel da
família neste processo? E de que forma ela percebe e identifica a inserção dos
filhos junto ao trabalho infantil? E o terceiro é como as famílias percebem a
passagem das crianças pelo trabalho infantil para o seu desenvolvimento
biopsicosocial?
A partir desses questionamentos, da experiência de estágio e da nossa
aguçada curiosidade, percebemos a relevância do tema, principalmente por
compreender a dificuldade que é modificar uma realidade, quando não é
reconhecida pelos atores sociais inseridos.
1.2 Percurso metodológico
De acordo com Bourdieu (2007),
[...] o pesquisador precisa ser capaz de apreender a pesquisa como uma
atividade racional, não como uma espécie de busca mística, pois acredita
que seja a melhor, ou talvez a única maneira de se evitar decepções graves.
Nesse caso, o pesquisador precisa ter bastante seriedade em relação a sua
pesquisa, para que o resultado não possa ser comprometido.
19
Ainda para o autor, a escolha do objeto de pesquisa, não é algo que se
possa escolher tão rapidamente, mas fruto de observações ou de análises, que
não tem um plano que se desenhe antecipadamente como um engenheiro, é um
trabalho que se realiza pouco a pouco, por uma série de ementas e correções.
Este objeto deve ser algo inquietante para o pesquisador, que lhe desperte
interesse e o instigue a querer compreender a problemática posta.
Nosso objetivo é identificar como as famílias das crianças inseridas no
PETI acompanhadas pelo CREAS II em Fortaleza – CE percebem a relação entre
infância e trabalho no que tange ao desenvolvimento bio-psico-social dos filhos
inseridos precocemente no mercado de trabalho.
Para iniciar a pesquisa de campo, estruturamos o projeto de Trabalho
de Conclusão de Curso – TCC e fizemos uma solicitação de autorização para
pesquisar na Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS. Quinze dias
depois, recebemos uma resposta autorizando a nossa pesquisa e começamos a
frequentar o equipamento para realizar as entrevistas.
Minayo (1993), analisando por um prisma mais filosófico, considera a
pesquisa como atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da
realidade. É um processo inacabado e permanente, uma atividade de aproximação
sucessivas da realidade.
Realizamos a pesquisa no Centro de Referência Especializado da
Assistência Social – CREAS, que se localiza na Avenida Thompson Bulcão, nº 853,
no bairro Luciano Cavalcante no município de Fortaleza. A instituição atende
pessoas em situação de violação de direitos, seja violência física, psicológica ou
sexual, trabalho infantil, negligência, abandono ou abuso financeiro. Neste âmbito,
vamos nos ater somente as famílias das crianças que estão inseridas no PETI,
acompanhadas pelo CREAS II.
Conforme o pensamento de Bourdieu,
Em suma, a pesquisa é uma coisa demasiado séria e demasiado difícil
para se poder tomar a liberdade de confundir a rigidez, que é o contrário da
inteligência e da invenção, com o rigor, e se ficar privado deste ou daquele
20
recurso entre os vários que podem ser oferecidos pelo conjunto das
tradições intelectuais da disciplina[...]. (BOURDIEU, 2007, p. 26).
Utilizamos a abordagem qualitativa, procurando enfocar principalmente os
aspectos sociais, passivos de investigação para analisar o comportamento das
pessoas.
De acordo com Minayo, a pesquisa qualitativa trabalha,
com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
(MINAYO, 2002, p, 21-22).
Como instrumentos de coletas de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas para conhecer e analisar as famílias a partir de suas particularidades,
procurando adentrar no universo simbólico dessas famílias, apreendendo suas falas
e suas formas de perceber sua realidade, como afirma Minayo (1998):
A entrevista é o procedimento mais usual do trabalho de campo. Através
dela o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores
sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez
que se insere como meio de coleta das falas relatadas pelos atores
enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciaram uma determinada
realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser
de natureza individual e/ou coletiva. Através desse procedimento, podemos
obter dados subjetivos e objetivos. (MINAYO,1998, p.57)
Realizamos
entrevista
semi-estruturada
com
05
(cinco)
famílias
acompanhadas pelo CREAS II em que as crianças estão inseridas no PETI.
Em uma entrevista semi-estruturada, o pesquisador tem um roteiro
previsto para ser respondido, isto para manter uma organização, tendo-o como um
guia, mas não se atendo somente a esse roteiro. A entrevista tem relativa
flexibilidade. As perguntas do roteiro não precisam seguir exatamente a ordem
prevista no guia e poderão ser formuladas novas questões no decorrer da entrevista
(MATTOS,2005).
21
1.3 O Centro de Referência Especializado da Assistência Social –
CREAS II como campo de pesquisa
A Prefeitura Municipal de Fortaleza realiza sua administração de forma
descentralizada, assim o município de Fortaleza organiza a gestão e a execução
através das Secretarias Executivas Regionais (SER) que são compostas por seis
regionais. Assim, do período de 2007 a maio de 2010 a execução das ações do
CREAS era também descentralizada. Havia um profissional do CREAS lotado nos
seis Distritos da Assistência Social (DAS) dessas Secretarias, com a finalidade de
facilitar o atendimento e o acesso aos serviços especializados no território onde
ocorre a violação de direitos, ou seja, próximo de suas comunidades. Mas a partir de
maio de 2010, os profissionais que executavam as atividades do CREAS nos DAS,
passaram a estar diretamente vinculados a Proteção Social Especial (PSE)3 e suas
demandas de atendimento, além de pertencerem a Proteção Social de Média
Complexidade, também passaram a atender demandas da Proteção Social de Alta
Complexidade. Contudo, a partir deste período, a equipe técnica do CREAS ficou
composta por quatro profissionais para atender a demanda das seis regionais da
cidade.
No entanto, após o aumento da demanda do atendimento de pessoas em
situação de violação de direitos, houve a necessidade de implantação de um novo
serviço CREAS para compartilhar as demandas. Com isso, mais cinco educadores
sociais passaram a compor as equipes dos CREAS.
Atualmente, em Fortaleza,
existem quatro CREAS4.
3
A dinâmica institucional se faz necessário o conhecimento das duas Proteções Sociais que
fazem parte da PNAS; Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. A Proteção Social Básica
Destina-se a população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza,
privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou,
fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social neste caso o equipamento
atuante é o Centro de Referência da Assistência Social - CRAS. E a Proteção Social Especial é a
modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em
situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ ou psíquicos,
abuso sexual, uso de substância psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de
rua, situação de trabalho infantil, entre outros, sendo o equipamento responsável o CREAS.
4
O CREAS II, atende as regionais II e IV, funciona na Rua: Thompsom Bulcão, nº 853 Bairro
Luciano Cavalcante;O CREAS III, atende as regionais I e III, funciona na Rua: Dom Lino, nº 1001
22
O CREAS é um equipamento social da PSE de Média Complexidade, que
atende indivíduos e famílias com seus direitos violados, mas sem rompimento de
vínculos familiares e comunitários, e oferece os seguintes serviços, programas e
projetos: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos –
PAEFI; Serviço Especializado de Abordagem Social para questões de trabalho
infantil; Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à
Comunidade
(PSC);
Esse
serviço
é
desenvolvido
pela
Secretaria
de
Desenvolvimento Humano (SDH) e a SEMAS através da PSE acompanha e
monitora as ações; Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com
Deficiência, Idosos (as) e suas Famílias; Realizações de campanhas sócioeducativas abordando temáticas de violação de direitos, através de palestras,
seminários, dentre outros; Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI.
Para a realização de suas ações, os profissionais, inicialmente, verificam
as demandas junto ao usuário no âmbito do CREAS II, estabelecendo a duração do
acompanhamento a partir de prioridade dos atendimentos, que pode ou não ser
estendido se necessário. Depois disso, é visto o acompanhamento psicossocial, que
pode ser bastante duradouro. Após a superação da situação, é realizado o
desligamento da família e encaminhamento da mesma para inserção nas atividades,
programas e projetos, para fortalecer os vínculos da mesma e assim evitar a
situação de revitimização dos indivíduos.
O Centro de Referência Especializada de Assistência Social tem como
missão prestar atendimento à população com seus direitos violados, mas sem
rompimento de vínculos familiares e comunitários. Tendo como política geral,
atender a população de forma satisfatória, articulando-se com outras instituições
para contribuir com a redução de violação de direitos e fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários.
Bairro Rodolfo Teófilo;O CREAS V, atende a regional V, funciona na Avenida: F, nº 554, 1ª etapa
Bairro Conjunto Ceará; E o CREAS VI, atende a regional VI, funciona na Rua: Crisanto Moreira da
Rocha, 650 Bairro Conjunto Alvorada.
23
Durante o trabalho de campo e minha experiência de estágio, foi possível
perceber a multiplicidade da atuação dos profissionais do CREAS, pois trabalhar
com vínculos familiares em iminência de rompimento de vínculos é um processo
complexo e que exige uma intervenção profissional efetiva, trabalhando questões de
difícil resolução.
1.3.1 Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI
De acordo com seu Caderno de Orientações Técnicas 5 (2010), o PETI é
um programa de âmbito Nacional que visa proteger e retirar as crianças e
adolescentes com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho precoce,
articulando um conjunto de ações, resguardando o trabalho na condição de aprendiz
à partir dos 14 anos, em conformidade com que estabelece a Lei de Aprendizagem
(10.097/2000).
Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho espacial, ajustado por
escrito e por prazo determinado em que o empregador se compromete a
assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em
programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica,
compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o
aprendiz, a executar, com zelo e deligência, as tarefas necessárias a essa
formação (Art. 428, Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT)
O PETI foi lançado pelo Governo Federal em 1996, numa articulação dos
três entes federativos com o apoio da Organização Internacional do Trabalho – OIT,
primeiramente, no Mato Grosso do Sul e, posteriormente, a sua cobertura foi
ampliada para os estados de Pernambuco, Bahia, Sergipe e Rondônia. Somente
após o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), o
PETI foi alcançado por todos os Estados do Brasil, o que mostra sua importância no
cenário das políticas públicas de atendimento aos direitos da criança e do
adolescente.
5
O Caderno de Orientações Técnicas sobre a gestão do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil no Sistema Único de Assistência Social – SUAS , é o conjunto de diretrizes,
conceitos, informações, procedimentos e orientações que tem o objetivo de nortear e apoiar os
Estados, os Municípios e o Distrito Federal na coordenação, no planejamento, execução e
acompanhamento do programa.
24
Em dezembro de 2005, o PETI foi integrado ao Programa Bolsa Família
(PBF), fazendo com que se refira aos objetivos de combate à pobreza e erradicação
do trabalho infantil. O PETI é executado pelo CREAS e conta com 05 (cinco)
educadores sociais em cada equipamento. O seu objetivo é retirar as crianças e
adolescentes entre 07 e 15 anos de idade do trabalho considerado perigoso,
penoso, insalubre ou degradante, ou seja, daquele trabalho que coloca em risco a
saúde e segurança do infante.
Acompanhamento das famílias do PETI e do PBF, em especial daquelas
em Situação de Descumprimento de Condicionalidades por motivos
relacionados a situações de risco pessoal e social, por violação de direitos.
(Guia de Orientações Técnicas do CREAS, 2010, p. 40).
As crianças e adolescentes devem frequentar a escola em um período e
participar das atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos –
SCFV do PETI em outro. As atividades em grupo do PETI ocorrem com seus
familiares, participando de três reuniões. Em cada grupo são abordadas temáticas
referentes ao Sistema de Garantia de Direitos e trabalho infantil, com o objetivo de
proporcionar uma orientação e uma reflexão a essas famílias.
1.4 Caracterização dos entrevistados
Realizamos as entrevistas em um período de 15 (quinze) dias com 06
(seis) pessoas. As quatro primeiras foram realizadas no próprio equipamento.
Fizemos contato com as famílias, agendamos atendimento que foi feito pela
psicóloga do CREAS II e realizamos a pesquisa com estas famílias. As duas últimas
foram realizadas em visitas domiciliares. Em uma delas (Entrevistado 05) tivemos
um problema, pois ao chegar, fomos informados que o filho da entrevistada teria sido
preso e ela estava emocionalmente abalada. Na metade da entrevista, chegou um
dos netos da entrevistada, informando que um homem ligou para o telefone dela,
perguntou quem estava falando e disse que mataria o seu filho que estava preso.
Após sofrer a ameaça, ela ficou bastante confusa e conseguimos continuar e
concluir a entrevista com muita dificuldade. Para a preservação da identidade dos
entrevistados, utilizaremos nomes fictícios.
25
Entrevistado 01 – Cora Coralina, mulher de 49 anos de idade que se auto
intitula negra, nasceu e foi criada em Fortaleza. Atualmente é dona de casa e a
renda mensal da sua família se resume exclusivamente ao dinheiro que recebe do
Programa Bolsa Família. Não lembra a idade que tinha quando iniciou as suas
atividades de trabalho, mas segundo ela, já era maior de idade, e a sua primeira
ocupação foi em uma casa de família como empregada doméstica. Mãe do
adolescente de 15 anos que realizava venda de roupas no centro da cidade, em
Fortaleza, e cursava o Ensino de Jovens e Adultos – EJA 05 até este semestre, mas
parou de estudar. Continua realizando as atividades do Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos do PETI.
Entrevistado 02 – Clarice Lispector, mulher de 48 anos de idade que
reconhece sua etnia como “morena”, nasceu e foi criada em Fortaleza. Sua atividade
profissional atual é de dona de casa e a renda mensal da família é proveniente da
atividade de reciclagem que exerce, chegando a arrecadar em torno de 25 reais por
semana. Não lembra bem com que idade começou a trabalhar, mas segundo ela já
tinha mais de 18 anos, não tem certeza, acha que a sua primeira ocupação foi
“trabalhando em casa de família”. Mãe de uma criança do sexo feminino, que tem 11
anos e cursa o 3º ano do ensino fundamental e participa das atividades do PETI,
pois também realizava atividade de reciclagem com a mãe na Avenida Beira-mar.
Entrevistado 03 – Raquel de Queiroz, mulher de 33 anos de idade, que
reconhece sua etnia como “morena”, nascida em Uruburetama no interior do Ceará.
Sua atividade profissional atual é de dona de casa e a renda mensal da família não
chega a um salário mínimo, proveniente do trabalho autônomo do seu companheiro.
Começou a trabalhar aos 12 anos de idade com castanha de caju no interior do
Estado. Mãe de uma criança de sexo feminino de 11 anos, que cursa o 5º ano do
Ensino Fundamental e realizava atividades de reciclagem com a sua família, por isso
agora estuda em um turno e no outro participa das atividades do PETI.
Entrevistado 04 – José de Alencar, homem de 35 anos de idade, que
reconhece sua etnia como “moreno”, nasceu em Fortaleza. Atualmente, trabalha
como motorista e a renda mensal de sua família é em torno de um salário mínimo,
proveniente da sua atividade de trabalho. Começou a trabalhar aos 16 anos, como
26
empacotador em um supermercado. Pai de um adolescente do sexo masculino, de
13 anos de idade, que cursa o 6º ano do ensino fundamental e que foi inserido no
PETI, porque vendia sardinha na Praia do Futuro.
Entrevistado 05 – Adélia Furtado, mulher de 57 anos de idade que se auto
intitula negra, nasceu na cidade de Beberibe e veio morar em Fortaleza com 14
anos. Atualmente, vende roupas em uma feira e em sua casa moram oito pessoas,
sendo 03 (três) filhos e 04 (quatro) netos. A renda mensal da sua família é de um
salário mínimo. Iniciou suas atividades de trabalho quando tinha 08 (oito) anos de
idade no roçado junto a sua família na cidade onde morava. Mãe de uma criança de
12 anos do sexo masculino que está cursando o 7º ano do ensino fundamental e
participa do PETI, porque realizava atividade de reciclagem junto com a mãe.
Entrevistado 06 – Cecília Meireles, Mulher de 46 anos de idade, se
reconhece como branca, nasceu na cidade de Mucambo no interior do Estado e veio
morar em Fortaleza aos 17 (dezessete) anos de idade. Atualmente, realiza
atividades de reciclagem, e a renda da família não chega a um salário mínimo.
Começou a trabalhar com 05 (cinco) anos no roçado com a família. Mãe de uma
criança do sexo feminino de sete anos de idade que está cursando o 1º ano do
ensino fundamental em um horário e realizando as atividades do PETI em outro,
porque acompanhava sua mãe na reciclagem.
27
2 Perspectivas sobre infância e o trabalho infantil
Para Castoriadis:
Tudo que se apresenta, no mundo social-histórico, está
profundamente entrelaçado com o simbólico. Não que se esgote
nele. Os atos reais, individuais ou coletivos, - o trabalho, o consumo,
a guerra, o amor a natalidade, os inumeráveis produtos materiais
sem os quais nenhuma sociedade poderia viver um só momento, não
são (nem sempre foram) símbolos. Mas, uns e outros, são
impossíveis fora de uma rede simbólica. (CASTORIADIS, 1982,
p.42).
Existira assim uma profunda amálgama entre o mundo social e os
imaginários, uma vez que em determinadas sociedades e momentos históricos,
conjunto de indivíduos constroem esquemas e teias de significações, de “imagens
que aparecem” de conceitos que se estabelecem sobre alguma coisa, alguém, ou
mesmo sobre outros imaginários, ou sobre em um coletivo de pessoas em
determinadas circunstâncias históricas: “através dos imaginários sociais, uma
coletividade designa sua identidade; elabora uma certa representação de si,
estabelece distribuição dos papéis e das posições sociais, exprime e impõe crenças
comuns […]” ( BACKZO, 1985, p. 309).
A forma que as crianças são tratadas ao longo da história está embricado
com a maneira pela qual os imaginários da infância estabelecem. Neste sentido,
vamos estudar os imaginários sociais sobre infância e o trabalho infantil.
28
2.1 O imaginário social da infância como estorvo: um olhar na
história.
Recorrendo à definição da palavra infância, oriunda do latim infantia,
significa “incapacidade de falar”. Nos séculos XIII e XIV, considerava-se que a
criança, antes dos 07 anos de idade, não teria condições de falar e expressar seus
sentimentos. Assim, podemos compreender que desde a sua gênese a palavra
infância remete a incapacidade e a uma condição subalterna.
Vamos dar início ao nosso estudo sobre infância, relacionando ao
passado, pois é bem verdade que a infância sempre existiu, desde os primórdios
da humanidade, mas a sua percepção enquanto categoria social teve início a
partir dos séculos XVII e XVIII. As concepções a cerca da infância vão se
metamorfoseando ao longo da história e as percepções referentes à categoria
modificam. E para compreender o sentimento de infância é necessário fazer um
resgate histórico.
Na antiga Roma, os recém-nascidos só eram integrados a sociedade
romana, depois que o chefe de família o aceitava como filho. Na china, por
exemplo, ainda hoje o infanticídio é comum em bebês do sexo feminino. Na
Grécia antiga, isso acontecia em crianças que eram portadoras de malformação
congênita.
Segundo Áries (2006), até o fim do século XIII, não existiam no
imaginário social crianças tratadas de forma particular, mas homens em um
tamanho reduzido, assim, infância não gerava nenhum sentimento de proteção e
cuidado, pois ela era antes de qualquer coisa, uma etapa para chegar a fase
adulta. A partir do século XIII, surgiram algumas concepções de tipos de crianças
que se aproximam do sentimento moderno.
O primeiro tipo de criança é o anjo, que representa a aparência de um
rapaz jovem. São crianças educadas para ajudar na missa, uma espécie de
seminaristas. No que se refere ao segundo tipo de criança, a infância se ligava ao
mistério da maternidade da Virgem, a Nossa Senhora menina e ao menino Jesus,
e esse sentimento permaneceu até o século XIV. Um terceiro tipo era a criança
29
nua, o que introduziria essa imagem, seria a alegoria da morte e da alma que
ocorreu aproximadamente no final da idade média.
De acordo com Áries (2006), de uma forma bastante tímida, a infância
religiosa, deixou de se limitar à infância de Jesus.
Enquanto a origem dos temas do anjo, das infâncias santas e de suas
posteriores evoluções iconográficas remontavam ao século XIII, no século
XV, surgiram dois tipos novos de representação da infância: o retrato e o
putto. A criança, como vimos, não estava ausente da Idade Média, ao
menos a partir do Século XIII, mas nunca era o modelo de um retrato, de
um retrato de uma criança real, tal como ela aparecia num determinado
momento de sua vida. (ÁRIES, 2006, p.21).
Em seu livro, Um amor conquistado: o mito do amor materno, Elisabeth
Badinter (1985) cita o filósofo René Descartes, que fala que a infância não passa
de uma fraqueza de espírito, período em que o conhecer depende totalmente do
corpo. Segundo ele o feto já pensa, mas não passa de ideias confusas, sem
discernimento, portanto, podemos concluir que a alma infantil é guiada pelas
sensações de prazer e de dor. Outro autor citado no livro é Santo Agostinho que
fala sobre o seu entendimento relativo ao “pecado da infância”. Para Santo
Agostinho, o pecado de uma criança não é diferente do pecado de seu pai, pois a
consciência ou a premeditação não modificam a situação. “Não havia infância
inocente”, Santo Agostinho atribuía um valor completamente negativo a categoria.
Não é um pecado desejar o seio chorando? Pois se eu desejasse agora,
com o mesmo ardor, um alimento conveniente à minha idade, seria alvo de
zombaria...trata-se portanto de uma avidez má, visto que, ao crescer, nós a
debelamos e rejeitamos (SANTO AGOSTINHO in BADINTER, 1985, p.55)
Essa visão é uma representação social e simbólica que percebia a
criança como um ser incompleto, dadas as suas necessidades por atenção e
cuidados. Nessa época, a criança era considerada um estorvo, pois por vários
motivos, e mais especificamente o lactante, parece ser um fardo muito grande,
afastando o pai e a mãe, e a maioria dos pais não podia ou não queria arcar com
esse fardo. A primeira característica da rejeição é o fato da mãe não querer dar o
seio ao filho, sobretudo no período em que disso depende a sobrevivência da
criança, recorrendo-se então a uma ama. Quando possuía recursos financeiros, a
mãe logo instalava em sua residência uma ama de leite, não os tendo, mandava a
criança para a casa da ama. Assim, surge na França o hábito de contratar amas-
30
de-leite, já que a abertura da primeira agência de amas foi em Paris no século
XIII, perdurando até o século XVIII, quando há uma escassez de amas.
Conforme o pensamento de Badinter (1985), até o final do século XVI,
parece que a amamentação mercenária, é procurada apenas pela aristocracia. As
mulheres ricas traziam as amas para as suas casas e privavam os filhos das
mesmas, do convívio com a sua mãe. No século XVII, o uso de deixar a criança
na casa da ama-de-leite se tornou mais comum na burguesia, pois as mulheres
dessa classe julgavam que tinham “coisas melhores para fazer” (BADINTER,
1985, p.62). Existia ainda, uma diversidade de soluções para o problema,
principalmente o abandono físico e abandono moral da criança, “do infanticídio à
indiferença”. Diferente do que se pensa no senso comum, o assassínio de forma
alguma é uma forma de indiferença. “É fora de dúvida que o infanticídio puro e
simples é geralmente manifestação de um desespero humano considerável”.
(BADINTER, 1985, p.63). Somente no século XVIII o envio das crianças para as
casas das amas se estende a todas as camadas da sociedade, assim a entrega
dos filhos se tornou um fenômeno generalizado.
Como sempre, Paris dá o exemplo... em 1780, na capital, em cada grupo de
21 mil crianças que nascem anualmente (numa população de oitocentos a
novecentos mil habitantes), menos de mil são amamentadas pelas mães,
mil são amamentadas por uma ama a domicílio. Todas as outras, ou seja,
19 mil são enviadas para a casa das amas. (BADINTER, 1985, p. 67)
É verdade que um filho gera uma grande dificuldade para as mulheres
que precisam trabalhar para viver. Essas mulheres são as grandes fornecedoras
de crianças para as amas, pois trabalham ao lado do marido. Assim, em nosso
tempo histórico atual, em virtude de outras relações, principalmente aquelas
oriundas do mercado de trabalho, os pais também possuem tempo reduzido para
a efetivação dos cuidados inicias com o bebe. Em nossa pesquisa, foi possível
perceber que essa dificuldade da mãe trabalhadora ainda existe. A metade (três)
dos nossos entrevistados são as mães das crianças que durante as entrevistas
deixaram muito claro que eram obrigadas a levar as crianças para trabalhar,
porque não tinham com quem deixá-las durante o dia.
Ainda sobre a questão da amamentação, para Badinter, quanto os
casais mais pobres, o que ganhavam mal dava para o sustento, sendo impossível
31
pagar os serviços de uma ama, por mais barata que fosse. Isso fazia dos filhos,
uma ameaça para a própria sobrevivência dos pais. As mulheres mais miseráveis
aceitavam amamentar por apenas cinco libras, tudo isso, para obter um lucro de
duas libras, desta forma as crianças tinham uma grande probabilidade de morrer,
sendo enterradas em qualquer lugar,como cita Áries (2006): “A criança era tão
insignificante, tão mal entrada na vida, que não se temia que após a morte, ela
voltasse para importunar os vivos”. (p.22)
De acordo com Badinter (1985), a partir do século XVI, inicia o
nascimento da consciência das especificidades da criança. Porém apesar desse
progresso, indícios revelam a persistência da sociedade que tenderia a mostrar
que a criança não ocuparia uma posição verdadeiramente significativa.
O primeiro indício é a representação da criança como um brinquedo.
Em seu livro, Badinter cita um autor moralista chamado Crousaz que fala que no
século XVIII, os pais começam a tratar as crianças como elas tratam suas
bonecas. “Diverti-vos com eles enquanto são engraçados, ingênuos e dizem
coisinhas divertidas. Mas quando têm idade e se tornam sérios não vos
interessam mais” (CROUSAZ apud BADINTER, 1985, p.78). Assim quando elas
crescem, passam a ser consideradas máquinas. O segundo indício da
representação usual da criança é que, naquela época, era notável o desinteresse
do médico pela infância, tanto que a especialidade na medicina infantil (pediatria)
surge apenas no século XIX. Um terceiro indício da insignificação da criança se
refere ao lugar que lhe é dado na literatura até a primeira metade do século XVIII,
onde ela é tida como um objeto indigno de reter atenção.
De acordo com Ariès (2006), a Idade Moderna veio para desmistificar a
figura da criança como um adulto pequeno, passando agora a ser criança de fato
e de direito. Inicia então o conceito de família e da criança como alguém
diferenciado do adulto que possui suas particularidades. Assim observamos, que
a transição da Idade Média para a Idade Moderna intensificou a valorização da
criança, trazendo seu reconhecimento como criança. Ainda segundo o autor.
O surgimento de infância associa-se ao fortalecimento da família, onde a
família começou a se organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal
importância que a criança saiu de seu anonimato, que se tornou impossível
32
perde-la ou substituí-la sem uma enorme dor, que ela não pode mais ser
reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número
para cuidar melhor dela. (ARIÈS, 2006, p.12)
Em sua obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”,
Engels (1997) afirma que a história da família se confunde bastante com a história
da humanidade. No início da sua discussão, Engels fala da família em sua época
primitiva, a qual “reinava no seio da tribo, o comércio social sem limites”, em que
cada mulher se envolvia com todos os homens e cada homem se envolvia com
muitas as mulheres, uma espécie de casamento grupal, tendo como característica
principal a família consanguínea.
A família consangüínea evoluiu para a família panaluana, que se
caracterizava pela exclusão das relações sexuais recíprocas entre irmãos. Excluindo
primeiramente os irmãos uterinos e posteriormente os irmãos colaterais, isto é,
primos carnais, de segundo e terceiro grau. Essa família novamente evoluiu para a
chamada família pré-monogâmica, quando foram se consolidando a formação de
casais individuais. Mesmo assim, o homem tinha direito a poligamia e a infidelidade,
mas a mulher, em caso de adultério, era castigada.
A principal mudança ocorreu com o início da “civilização”, em que as
mudanças nas relações de propriedade acarretaram uma evolução que resultou no
modelo monogâmico de família, no qual os laços conjugais são mais sólidos. Após
algumas mudanças, a partir do desenvolvimento da agricultura no século XVIII, deuse origem a família patriarcal.
Denominamos família patriarcal, genericamente, a família na qual os
papéis do homem e da mulher e as fronteiras entre o público e o
privado são rigidamente definidos: o amor e o sexo são vividos em
instancias separadas, podendo ser tolerado o adultério por parte do
homem e a atribuição de chefe da família é tida como exclusivamente
do homem. (GUEIROS, 2002, p. 107)
Segundo Áries (1991), até o século XV, mais do que sentimental, a família
era uma realidade moral e social. A motivação sentimental quase não existia entre
os pobres e, quando havia riqueza, o sentimento de inspirava pela mesma
motivação das antigas relações, a condição social. Por volta do século XVII, às
crianças, mais especificamente os meninos, começam a ser educados em escolas, e
a família vai passar a se concentrar em torno delas, essas crianças começam a
participar mais da vida dos adultos, que passam a transmitir seus conhecimentos.
33
Para Áries (1978), o século XVII é percebido como um divisor de águas
na história da família, esta centra suas atenções em torno dos filhos. Os adultos
começam a demonstrar interesse nas expressões das crianças. É neste mesmo
século que aparecem as primeiras imagens de crianças vestidas diferente de
adultos. Nessa época as crianças eram vistas como pequenos adultos, portanto
tinham que ter atitude de adultos e se vestir como tal.
Após o século XVII, a família passa a ser o lugar da vida privada, do
repouso do trabalhador, sendo o espaço ocupado pelas esposas e os filhos, e o lar,
motivo de cuidados devendo ser o mais agradável possível. Assim se inicia o
desenvolvimento da família moderna, com uma maior valorização dos laços de
família e enfatiza a intimidade familiar. Fatores como a saúde e a educação
passaram a ser uma preocupação dos pais neste século, bem como a igualdade
entre os filhos, até então desconsiderada pois o primogênito era privilegiado.
Dos séculos anteriores, até o início do século XX, as famílias eram
bastante grandes, até pelos modelos anteriores de família, em que o homem se
relacionava com outras mulheres. Mas essa situação se modificou a com a
necessidade de cuidar melhor das crianças.
2.2 Infância no Brasil
De acordo com Ramos (2007), na história da Colonização do Brasil,
nunca relata o que realmente acontecia nas embarcações que vinham de Portugal
rumo a Terra de Santa Cruz. A rota trazia muitos perigos à tripulação, principalmente
os grumetes, como eram chamadas as crianças até por volta dos 14 anos de idade.
Para o autor as crianças eram um pouco mais consideradas que os animais, e
acreditavam que deveriam utilizar toda a sua força de trabalho, pois a sua vida era
bastante curta. Haviam duas formas dessas crianças serem recrutadas. A primeira
era quando os próprios pais alistavam, buscando aumentar a renda da família,
sabendo que seria uma pessoa a menos para alimentar. A outra forma era o rapto
de crianças com o uso da força física.
34
Os grumetes eram os que possuíam as piores condições das
embarcações, por isso não tinham uma sobrevida muito longa. Além disso,
realizavam todas as tarefas que normalmente seriam desempenhadas por um
homem. Assim percebemos que a exploração do trabalho infantil vem desde antes
do descobrimento do Brasil.
[...] apesar de os grumetes não passarem muito, de adolescentes,
realizavam a bordo todas as tarefas que normalmente seriam
desempenhadas por um homem. Recebiam de soldo, contudo, menos da
metade do que um marujo, pertencendo à posição mais baixa dentro da
hierarquia da marinha portuguesa. (RAMOS apud CABRAL, 2011, p.03).
De acordo com Simões (2011), no início do período colonial, as crianças
indígenas, eram afastadas de suas tribos para serem educadas junto aos filhos dos
colonos no sistema de catequese dos jesuítas, fazendo parte de um exercito de
pequenos jesuítas para colaborar com a pregação cristã. Assim, sua cultura e o seu
modo de vida anterior, não eram respeitados eles tiveram que se habituar a novos
costumes, diferentes dos que tinham antes em suas tribos.
No Brasil patriarcal Freyre (1998) demonstra bem como a criança
indígena era tratada, e a ideia de família, onde quem assume o papel principal é a
mãe. É ela que assume as responsabilidades que de uma forma convencional seria
agregada a figura masculina. E durante a nossa pesquisa, foi possível perceber que
isso ainda acontece, principalmente porque quando foi convidado um responsável
familiar da criança, a mãe assumia esse papel e demonstrava que era ela mesma
que se responsabilizava por toda aquela família.
Conforme Simões (2011), a assistência das crianças e adolescentes
abandonados no Brasil colônia e na época do Império, era atribuída a entidades
religiosas (igreja e irmandades de misericórdia) de caráter caridoso. A partir do
século XVII, surge no Brasil uma instituição que teve vida bastante longa (quase por
um século e meio) chamada roda dos expostos. De acordo com Freitas (2003) a
modalidade de abandono foi inventada na Europa medieval. Era um meio de garantir
o anonimato do expositor e estimula-lo a levar o bebê que não desejava à roda ao
invés de abandona-los nos bosques, portas de igreja ou casas de família.
Desde antes, a igreja católica já havia criado as casas de recolhimento dos
expostos (abandonados), mas em situação precária. Era então competência
35
da Câmara de Misericórdia ou de famílias abastadas cuidar dessas
crianças. (SIMÕES, 2011, p. 222).
Tinha caráter caritativo, pois a assistência era feita por missionários, muito
embora as crianças quase sempre morriam de fome, de frio ou acabava sendo
alimento de algum animal antes de serem encontradas e recolhidas por almas
caridosas, como fala Freitas (2003).
Do século XIX para o século XX, as rodas de expostos foram
desaparecendo, e a filantropia foi surgindo como modelo de assistência para
substituir a caridade. Desta forma atribuía-se a filantropia a tarefa de organizar a
assistência nas novas exigências políticas, econômicas e sociais que início no
começo do século XX no Brasil.
Podemos perceber que a forma com que os direitos das crianças são
violados vem de muito tempo, principalmente a negação aos direitos fundamentais
como o direito à vida. A noção que se tem hoje da criança enquanto um sujeito de
direitos nem sempre existiu. As práticas de violência eram e ainda são bastante
comuns em diversas culturas.
2.3 A eclosão do sentimento de infância: imaginários sociais de
controle e proteção.
As mudanças na sociedade com o capitalismo, também mudaram a
alocação da criança e os imaginários sociais referentes à mesma. Conforme o
pensamento de Costa (1999 apud Pinheiro), o início da fase republicana combina-se
com a ação dos médicos higienistas, que contribuem para instituir as concepções de
infância como investimento do Estado, seguiu uma política de expansão
populacional.
A escolarização também foi bastante importante para a consolidação do
sentimento de infância, pois assim, as crianças eram separadas dos adultos e o
ambiente escolar propiciaria o desenvolvimento de uma infância prolongada ao
serem adotadas medidas pedagógicas como a separação das classes por idade
36
onde as crianças teriam descobertas em conjunto, mas Ariés (2006), à princípio, o
senso comum aceitava facilmente a questão da mistura das idades.
O colégio tornou-se então uma instituição essencial da sociedade: o colégio
com um corpo docente separado, com uma disciplina rigorosa, com classes
numerosas, em que se formariam todas as gerações instruídas [...]. (ARIÉS,
2006, p. 111).
Em nossa pesquisa, de acordo com os entrevistados, apenas um
adolescente não quer mais estudar, os demais frequentam a escola, e quando
indagados sobre o relacionamento deles com os outros alunos e com os
funcionários da escola, e a maioria disse que tem um bom relacionamento.
“Tem um bom relacionamento, mas a professora diz que ela é muito
danada”. (Clarice).
“Ela é ótima, não é danada, só muito quieta ela, não fala muito.” (Raquel).
Nesta mesma época foi havendo uma articulação maior no exterior, a
prova disso, é a primeira Declaração dos Direitos Universais da Criança proclamada
pela Liga das Nações em 1924 e aperfeiçoada pela Organização das Nações Unidas
– ONU com a tentativa de fortalecer e conscientizar a respeito da necessidade de
serem instituídas políticas públicas de assistência e proteção à infância necessitada.
Reportando-se a isso, houve a Convenção dos Direitos da Criança e do
adolescente, que assinala que devido à falta de maturidade, a criança necessita de
cuidados especiais, e que para seu pleno desenvolvimento, ela deve “crescer no
seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”. Referindo-se
a família como “grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o
crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, em particular, das crianças”.
No Brasil, as legislações que tratam da criança e do adolescente, em
particular inicio no mês de Outubro de 1927, quando da instituição do Código de
Menores, com a tentativa de abandonar uma postura anterior de reprimir e punir
passando a priorizar a educação, sendo a ideia primordial da legislação menorista,
educar e disciplinar as famílias oriundas de “famílias desajustadas” ou da orfandade.
O Código constituía uma perspectiva individualizante do problema do “menor”,
culpabilizando a família e construindo instituições para dar conta do acolhimento de
crianças em situação de rua, de trabalho infantil ou “abandonadas”.
37
Conforme Freitas (2003) a partir dos anos de 1960, há uma mudança no
modelo de assistência à criança abandonada. Inicia-se a fase do Estado de Bem –
Estar com a Lei Federal 4.512 de dezembro de 1964, dando início a Fundação
Nacional do Bem-estar do Menor, e a esta competia formular e implantar a Política
Nacional do Bem-estar do Menor em todo o território nacional. Em 1967 o Poder
Executivo instituiu a Fundação Estadual do Bem-estar o Menor - FEBEMs,
administradas pela Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, e destinada a
assistir aos menos de faixa etária de zero a 18 anos, tentando prevenir a
marginalização contando com a promoção social.
Em 1979, surgiu o chamado novo Código de Menores, que não constituiu
mudanças significativas, apresentando características que colocam a criança e o
adolescente, pobres como uma ameaça à ordem vigente.
No final dos anos 1970, com o início do processo de abertura e de
democratização, iniciaram-se movimentos de reforma institucional, entrados
na crítica ao conceito de menor, em prol da concepção integral e universal
da criança e do adolescente, como sujeitos de direitos. (SIMÕES, 2011, p.
226).
Neste processo, os imaginários sociais de infância que se estabeleciam
eram ligados, como afirma Pinheiro, a noções de controle e coerção. Se manifestam
práticas voltadas à garantir a vida do infante. Isso se refere principalmente à
proteção da criança pequena. Práticas estas, que combatam o fenômeno do
abandono social, realidade a qual, são submetidas as crianças no Brasil.
À partir da Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Organização
das Nações Unidas (ONU), juntamente com o artigo 227 da Constituição Federal de
1988, foi sancionada a Lei 8.069 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim,
devemos refletir quanto ao compromisso que deve ser assumido pela sociedade
para garantir os direitos previstos pelo ECA.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA)
38
As crianças e adolescentes eram concebidas como objetos de proteção
social, controle e disciplinamento e repressão social, entendendo que tal referência
acontece por que as representações sociais são construções da vida social como
base construtiva. Analisando tudo que foi realizado para a formulação de um sistema
de garantia de direitos para a criança e o adolescente, percebemos o grande avanço
que houve depois da Constituição Federal de 1988 e da promulgação da lei do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Mostrando assim, que o código de menores
era um retrocesso no sistema de garantia de direitos.
2.4 Trabalho infantil
A inserção da criança no trabalho é um fenômeno bastante antigo, que
envolve fatores culturais, sociais e econômicos, por isso, é uma pratica que vem se
sustentando ao longo dos anos e que têm profundas referencias com a simbologias
e imaginários relacionadas à criança e ao adolescente trabalhadas nos itens
anteriores. O trabalho infantil é ainda um processo de construção histórica e
processual, ou seja, suas formas de se organizar no cotidiano dependem tanto das
simbologias dominantes de infância quanto das relações objetivas postas aos
indivíduos em seus determinantes de trabalho no plano de fundo do capitalismo.
Como falado anteriormente, de acordo com Ramos(2007), antes mesmo
do descobrimento do Brasil, as crianças já eram inseridas no mercado de trabalho,
recrutadas como marujos nas embarcações. De acordo com Ariés (2006) o trabalho
era uma forma de socializar adultos e crianças na Idade Média, mas logo deixa de
ser vista dessa forma, e passa a ser uma atividade incentivada desde cedo para
formar e educar “pequenos adultos”.
O trabalho com as crianças conservou uma característica com a sociedade
medieval: a precocidade da passagem para a idade adulta. Toda a
complexidade da vida foi modificada pelas diferenças do tratamento escolar
da criança burguesa e da criança do povo. (ARIÉS, 2006, p. 130).
Discorra mais sobre isso no sentido de dizer que enquanto um “adulto em
miniatura” o trabalho infantil fazia parte da vida das crianças na idade média.
Enquanto representação social o trabalho infantil se reatualiza, nos séculos
39
seguintes de maneira diferenciada, e os estudos que dão conta dessa matéria, em
geral, circunscrevem o agravamento dessa realidade principalmente a partir de do
século XIX e XX com o advento de uma sociedade industrial, e as leituras marxistas
de crítica ao capitalismo e a exploração do trabalho.
Como sabemos a temática da infância nunca foi o tema central de Marx e
Engels, mas ocupa uma posição de destaque por se caracterizar pela violenta
exploração do trabalho infantil que se potencializa na indústria capitalista. Com a
revolução industrial, um dos focos de Marx se torna a ampliação da força de trabalho
infantil feminina, uma vez que o capital em seu processo “civilizatório”, não faz
distinção quanto a mão de obra, desde que possa ser explorada.
Segundo Nogueira (1990), seria uma análise incorreta supor que o
trabalho infantil se iniciou no século XIX, e que a Revolução industrial foi
responsável por isso, pois em épocas anteriores, já se fazia uso da força de trabalho
da criança mesmo que de outras formas. No meio rural, a criança já ocupava certas
tarefas como, por exemplo, guiar o rebanho, e trabalho domiciliar. Porém, a
emergência da indústria potencializa o fenômeno, sobretudo as péssimas condições
em que ele passa a se dar.
Marx, no primeiro livro de O capital fala de trabalho como um exemplo
convincente de trabalho infantil:
Se, portanto, em nosso esboço histórico desempenha papel importante, de
um lado, a moderna indústria e, de outro, o trabalho dos que não física e
juridicamente menores, a primeira funcionou apenas como esfera
específica, o segundo como exemplo particularmente convincente da
exploração do trabalho. (MARX apud LOMBARDI, 2012).
Além da exploração do trabalho físico, os salários pagos eram
baixíssimos, geralmente não passando da metade ou terça parte do salário pago ao
operário adulto, segundo relata Engels em sua obra A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra (1986).
Esta situação continua sendo vivida por muitos infantes em situação de
trabalho infantil. Podemos observar na nossa pesquisa, que todas as crianças e
adolescentes das famílias entrevistadas realizavam atividades insalubres e de baixa
remuneração. Destas, quatro realizavam atividades de reciclagem, outra vendia
40
roupas no centro da cidade e outra trabalhava vendendo sardinha na praia. A partir
dos relatos, percebemos que além da venda da força de trabalho, as crianças
recebem salário inferior ao de um adulto, situação compatível com a época referida
por Marx, na Revolução Industrial.
Os baixos salários pagos ás crianças conduzia a redução dos salários dos
adultos, que por sua vez levaram a necessidade dos pais levarem seus filhos para
trabalharem, assim, o valor da força de trabalho passava a ser determinado não
apenas pelo tempo de trabalho do trabalhador individual, mas de toda família.
O valor da força de trabalho era determinado pelo tempo de trabalho não só
necessário para a manutenção do trabalhador individual adulto, mas para a
manutenção da família do trabalhador. A maquinaria, ao lançar todos os
membros da família do trabalhador no mercado de trabalho, reparte o valor
da força de trabalho do homem por toda sua família. (MARX apud
LOMBARDI, 2012).
O trabalho infantil é uma das refrações da questão social, se encontrando
mais presente justamente nas populações em situação de vulnerabilidade.
Principalmente porque, segundo Araque (2006), a pobreza, sem dúvida, é um fator
determinante da atividade laboral infantil, porém, não é o único. Muito tem se falado
desde a movimentação para erradicação do trabalho infantil, mas as mobilizações
não tem sido suficientes para erradicar os mitos que permeiam a questão. Desde o
início do século XVII até a contemporaneidade, vem se mostrando uma verdadeira
chaga social.
Conforme cita Araque (2006) Eis alguns mitos
O trabalho enobrece; é determinante na formação dos jovens, além de
afastá-los das ruas e da marginalidade; na falta de condições de
sobrevivência da família, natural que suas crianças e adolescentes se
voltem ao trabalho para suprir sua subsistência. (ARAQUE, 2006, p. 10).
Estas são justificativas presentes na sociedade, que tornam o trabalho
infantil, um fenômeno natural, o que contribui para a sua permanência e para o seu
crescimento.
41
2.4.1 O trabalho infantil no Brasil
Os primeiros relatos da existência de trabalho infantil no Brasil ocorrem na
época da escravidão. Onde os filhos dos escravos realizavam atividades laborativas
que exigiam esforços muito superiores a sua capacidade. Conforme Lombardi
(2010), o trabalho infantil se inicia antes, mas passa pelo seu ápice no período da
Revolução Industrial, com a intensificação da utilização da força de trabalho de
trabalho de mulheres e crianças. Nesse período, os fabricantes das indústrias
necessitam reduzir os gastos e procuram a mão de obra mais barata. Por sua vez,
as famílias inteiras trabalhavam e cediam aos baixos salários devido a sua situação
econômica.
De acordo com o Guia de Orientações Técnicas do PETI, no contexto
brasileiro, as causas do trabalho infantil são bastante complexas, e os mais diversos
motivos levam a inserção das crianças no trabalho infantil. Porém, existem três
causas que predominam na decisão da incorporação infanto-juvenil no mundo do
trabalho: a necessidade econômica de manutenção da família; a reprodução cultural
dos mitos sobre trabalho infantil e a falta de universalização das políticas públicas de
atendimento aos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias.
Em se tratando do tema na contemporaneidade no ano de 1946 foi criado
pela ONU a UNICEF, Fundo das Nações Unidas específico para a infância para
contribuir com o desenvolvimento da criança e prestar ajuda na garantia dos seus
direitos fundamentais.
Outras legislações foram surgindo como a Declaração Universal dos
Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1959, que diz em seu 9º princípio:
Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima
conveniente; De nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido
empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a
saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico,
mental ou moral. (BRASIL, 1959)
De acordo com a Constituição Federal brasileira, o trabalho é permitido a
partir dos 16 anos, exceto nos casos de trabalho noturno, perigoso ou insalubre em
que a idade mínima é 18 anos. Atualmente, são estabelecidas exceções (Art.
42
227,parágrafo 3º, I) admitindo o trabalho a partir dos 14 anos na condição de
aprendiz.
No dia 13 de julho de 1990 é instituído pela lei 1069 o Estatuto da Criança
e do Adolescente com intuito de garantir os direitos das crianças e adolescentes.
Que cita em seu art. 60:
É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na
condição de aprendiz. (o artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal,
com nova redação dada pela Ementa Constitucional nº20, de 1998, assim
disciplina o trabalho de menores: “proibição de trabalho noturno, perigoso
ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores
de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze
anos”.) (BRASIL, 1990).
Desde o início de 1990, a erradicação do trabalho infantil vem se tornando
uma prioridade das políticas públicas no Brasil. E no que diz respeito à PNAD é ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o trabalho infantil está
reduzindo no Brasil. No ano de 2004, haviam 5,3 milhões de trabalhadores de 05 a
17 anos de idade; em 2008, esse número reduziu para 4,5 milhões; e em 2009 para
4,3 milhões. O IBGE divulgou os dados do censo 2010 acerca do trabalho infantil,
que comparados aos dados de 2000, verifica-se uma diminuição de 13,4 % com
idade entre 10 e 17 anos.
O principal motivo da luta pela erradicação do trabalho infantil são as
consequências. De acordo com o Portal da Saúde, o trabalho diminui o tempo
disponível para o lazer da criança, para a educação e para a vida em família, além
do tempo de convivência com outras pessoas da comunidade em geral. Conforme o
Portal, especialistas afirmam que o abandono escolar é três vezes maior quando as
crianças e adolescentes realizam atividades de trabalho.
Segundo o Guia de Orientações Técnicas do PETI os principais efeitos do
trabalho infantil, envolve a área socioeconômica, pois gera uma precarização nas
relações de trabalho, gerando uma remuneração inferior e exploração do trabalho,
além da redução das oportunidades de emprego e inserção profissional dos adultos
reforçando o circulo vicioso, e o aumento da informalidade no mercado de trabalho.
Perpassa a questão da educação, que apresenta sérias consequências no
desenvolvimento das crianças e adolescentes, isso porque, afeta diretamente o
43
acesso às oportunidades e ao desempenho escolar de qualidade, além do abandono
escolar, fazendo com que as crianças e adolescentes sejam influenciados pelo
mercado de trabalho, impedindo a educação e reforçando a exclusão social.
Outro grave efeito é com relação à saúde das crianças e adolescentes,
pois os trabalhos desenvolvidos podem causar danos físicos e psicológicos, como: a
obrigação de assumir responsabilidades incompatíveis com as suas etapas de
desenvolvimento. Além da “exposição à insalubridade, à periculosidade, às doenças,
afetando a saúde, violando e retardando o desenvolvimento físico, psíquico e
cognitivo”. Por terem uma capacidade limitada à resistência as crianças e
adolescentes estão mais vulneráveis e se sujeitam à fadiga devido a exposição às
árduas condições climáticas.
É
importante
ressaltar,
que
o
trabalho
infantil,
inverte
as
responsabilidades de forma que a família, o Estado e a sociedade se eximem da
responsabilidade de garantir os direitos das crianças e dos adolescentes, levando
até a fragilização dos vínculos familiares e comunitários.
44
3 Compreendendo a visão das famílias a respeito da inserção das
crianças e adolescentes no trabalho.
3.1 Percepção sobre infância
As diversas concepções de infância foram construídas ao longo do tempo,
para que hoje a criança seja vista como um ser social, que deve ser tratada de forma
diferenciada de um adulto, não como um adulto em um tamanho reduzido como no
final do século XIII.
Em nossa entrevista, quando indagadas sobre o que é ser criança, a
maioria dos entrevistados respondeu que é bom, mas não souberam explicar o
motivo. Um dos entrevistados respondeu que é necessário ter muita paciência com
os filhos, que na sua infância não fazia o que as crianças de hoje em dia fazem: “Eu
acho que não dava trabalho ao meu pai, a gente vivia em casa, no cercado, só fazia
plantar fruta e eu gostava” ressaltou ainda que era muito feliz (Cecília). Já outra
entrevistada respondeu que: “Ser criança é bom, é brincar, ter laser e carinho”.
Para Áries (1978), o século XVII é percebido como um divisor de águas
na história da família, esta centra suas atenções em torno dos filhos. Os adultos
começam a demonstrar interesse nas expressões das crianças. É neste mesmo
século que aparecem as primeiras imagens de crianças vestidas diferente de
adultos. Nessa época as crianças eram vistas como pequenos adultos, portanto
tinham que ter atitude de adultos e se vestir como tal.
45
Assim observamos que para (Cecília), as simbologias e imaginários
referentes à infância são ainda muito ligados às predominantes no século XIX. Isso
se dá pelo fato de que as crianças, muitas vezes, eram tratadas como adultos. Esta
mesma entrevistada fala sobre o comportamento da filha e diz que ela é muito
desobediente, e confessou utilizar força física como uma medida disciplinar. “Ela só
obedece quando eu pego um cipó ou uma corda, porque eu grito é muito com ela e
ela não ta nem aí”.
De acordo com Guerra,
A violência doméstica contra crianças e adolescentes representa todo ou
omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra criança e/ou
adolescente que sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico
à vítima implica, de um lado, uma transgressão do poder/ dever de proteção
do adulto, e de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do
direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e
pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (GUERRA, 2001, p.32).
Ainda de acordo com Guerra (2001), a violência física ocorre quando o
adulto usa sua autoridade e força física direcionando a criança. O espancamento
começa em uma palmada e a falta de paciência dos pais ou responsáveis faz com
que utilizem a violência para conter a criança.
Conforme Ariés (2006), por volta dos séculos XIX e XX a família vai se
tornando o lugar de uma afeição necessária entre pai, mãe e filhos, afeição essa,
que passou a se atribuir à educação. “Não se tratava mais apenas de estabelecer os
filhos em função dos bens e da honra, tratava-se de um sentimento novo.” (p. 138).
Em nossa pesquisa de campo, todos afirmaram que as crianças e
adolescentes tem um bom relacionamento com a família.
É bom, mais ela é muito braba, ignorante, nada demais, acho que é da
idade mesmo. (Raquel)
Bom, mais quando se zanga... ele é um menino muito doce, sensível, mais
quando se aborrece é de verdade. (Adélia).
Ela era um pouco agressiva, mais agora que ela toma medicamento ela
está mais calma. (Cecília).
Observamos assim, que a afeição das crianças com a família se torna
muito importante para o seu desenvolvimento. Porém é perceptível em algumas das
46
crianças, consequências psicológicas da situação de trabalho infantil, que pode
comprometer de forma negativa o relacionamento familiar.
De acordo com o Guia de Orientações Técnicas do PETI:
As consequências psicológicas podem ser muito graves, pois se exigem das
crianças e dos adolescentes no mundo do trabalho comportamentos
próprios de adultos, substituindo as etapas essenciais de desenvolvimento.
(2010, p.30).
Por volta do século XV as crianças vão passando gradativamente a ser
educados nas escolas. Por isso, o adulto tem um papel muito importante na vida
de uma criança, principalmente no que diz respeito à educação, fazendo com que
a responsabilidade com esta, se torne uma parceria entre as duas instituições,
escola e família.
Segundo Gueiros (2002), a família se concentrou em torno das
crianças, para garantir entre outras coisas a transmissão de conhecimentos de
toda uma geração à outra através da participação das crianças na vida dos
adultos principalmente dos pais.
Em nossa pesquisa, a maioria dos entrevistados falaram na escola e no
acompanhamento escolar como papel do adulto na educação dos filhos. Vale
ressaltar que dos seis entrevistados, apenas um adolescente abandonou os
estudos, os demais frequentam a escola normalmente.
Eu acho que uma mãe é para educar seus filhos, acompanhar no colégio
pra saber como ele está. (Cora)
Colocar eles na escola, levar para as atividades. (Adélia)
Porém a educação da criança, na fala dos entrevistados, não se resume a
escola e ao acompanhamento escolar, mas a limites e ao afeto que deve ser
proporcionado pela família como citam outros entrevistados:
O adulto tem que conversar ver o que a criança está fazendo, ver a hora
que sai e a hora que chega, pra poder orientar. (Raquel).
Conversar, dar educação mesmo. (José).
47
Ao conversar com Cecília, um dos seus relatos nos fez compreender um
pouco da infância da entrevistada para analisar o seu pensamento em relação à
infância da sua filha.
Eu acho que ela tem é sorte, porque quando eu fui criada eu não tinha nem
a comida. Eu faço tudo que é possível, converso com ela, ela estuda e
pronto. (Cecília).
Além da educação, as crianças e adolescentes devem participar de
atividades educativas que ajudem no desenvolvimento do seu lado lúdico e que
façam parte do seu lazer.
As crianças precisam de tempo para brincar entre elas, definindo tipos de
brincadeira, papéis, tempos, regras e normas. A escola das crianças de 6 a
10 anos, principalmente, não pode negligenciar esse ponto. As atividades
livres são tão importantes quanto às dirigidas, não só para brincar, mas para
a escolha de um livro, escolha de um colega de trabalho ou brincadeira,
definição da organização de uma atividade, das cores para usar num
desenho, entre muitas outras possibilidades. Essas decisões têm relevância
para a construção da segurança interna, autonomia e responsabilidade da
criança (GOULART, 2007, p. 81).
Constatamos em nossa pesquisa que o que as crianças mais gostam de
fazer durante o dia é brincar. Seja jogar bola, seja com brinquedos, ou brincar na rua
com os colegas, a resposta foi unânime.
Quando perguntamos as atividades que uma criança tem que participar,
todos relataram e deixaram bem claro que o essencial é estudar, quaisquer outras
atividades ficam em segundo plano ou são “descenessárias”. A maioria citou ainda,
que a criança deve além de estudar, brincar, outro citou que a criança deve ajudar
em casa.
Estudar, o principal é estudar (Cora).
Estudar, brincar e ajudar em casa (Clarisce).
Tem que estudar e brincar (Rauqel).
Tem que jogar bola e obedecer o pai e a mãe (José)
Tem que participar de muitas atividades (Adélia)
Apenas uma das entrevistadas fez um relato completamente diferenciado
dos anteriores, apesar de concordar que a criança também deve estudar ela citou:
48
“... eu não acho que seja ruim uma criança trabalhar, tem que estudar e ajudar em
casa. Trabalhar e estudar pra ocupar o tempo” (Cecília). Diante do relato sentimos a
necessidade de perguntar o que ela acha sobre a criança ter um momento de laser,
e ela nos respondeu:
Enquanto eu estou varrendo a casa, eu estou brincando, quando eu estou
lavando roupa, eu estou brincando, eu também não lavava as roupas das
bonecas e era brincando?! Quando eu estou dobrando as roupas eu
também estou brincando. (Cecília)
Percebemos assim, que a mãe não compreende o trabalho infantil como
trabalho penoso e, consequentemente, não reconhece quão pungente e degradante
é o exercício dessas atividades para a sua filha.
Com relação ao futuro das crianças, todos citaram que querem que as
crianças trabalhem e tenham um bom emprego para tentar modificar a condição
financeira da família, ajudar aos pais e avós. E dizem que isso só será possível se
eles estudarem para tentar garantir um futuro melhor.
3.2 Percepção da família sobre a inserção dos seus filhos no
trabalho infantil.
Como foi abordado anteriormente, o trabalho infantil vem se estendendo
desde o descobrimento do Brasil ao longo dos séculos se classificando como uma
mão de obra barata.
De acordo com Eliane Araque, em artigo publicado a Revista do Tribunal
Superior do Trabalho diz que, se tratando de trabalho infantil, deve-se ressaltar as
péssimas condições de trabalho, ao desrespeito aos direitos trabalhistas e a não
remuneração. As crianças são um alvo fácil porque além de dóceis não são
conhecedores de seus direitos.
Dos nossos seis entrevistados, quatro estiveram em situação de trabalho
infantil:
Comecei a trabalhar com 12 anos com castanha no roçado (Raquel).
49
Com 16 anos trabalhava como empacotador de supermercado (José).
Trabalhava no roçado, tirava caju, castanha, tudo que tinha no interior, com
farinha de mandioca, com tudo. Tinha 08 anos (Adélia).
Com 05 anos, trabalhava no roçado mesmo (Cecília).
Todos eles realizavam atividades que tinham que utilizar bastante a força
física, podendo prejudicar a saúde. Conforme o Ministério do Trabalho e Emprego, a
permanência em posturas viciosas provocam deformações principalmente na
coluna, sendo prejudicial ao crescimento e podendo acarretar no aparecimento de
dores crônicas.
As crianças e adolescentes das famílias entrevistadas também se
encontravam em situação de trabalho infantil insalubre. Quatro delas realizavam
atividade de reciclagem que segundo os entrevistados, era algo realizado por toda a
família. Fizeram questão de dizer ainda que elas não trabalhavam, apenas
acompanhavam os pais. E das outras duas, uma vendia roupas no centro da cidade
e outra vendia sardinhas na Praia do Futuro.
A realização de trabalho nas ruas antes dos 18 anos é proibida desde a
Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943. Conforme o guia de orientações
técnicas do PETI (2010), a proibição se dá devido a “natural falta de atenção das
crianças e adolescentes que, nas ruas, estão sujeitos a um maior risco de acidentes
e perigos”. (p. 33)
Diante de todos esses riscos, perguntamos em entrevista as famílias, o
que eles achavam do fato das suas crianças e adolescentes estarem em situação de
trabalho. Dois dos entrevistados responderam que era ruim pelo perigo e porque
eles deveriam estar na escola. Os outros entrevistados diziam que não achavam que
era ruim, e tentavam justificar de alguma forma.
Eu nunca achei que ela devesse estar fazendo aquilo, não era o que eu
queria dar aos meus filhos. Mais quando a coisa aperta, tem que ajudar, a
gente levava até para eles não ficarem só em casa. (Raquel)
Percebemos então, que essa família acredita em um dos mitos tradados
no Guia de orientações técnicas do PETI, que se trata do mito de que a criança ou
50
adolescente está ajudando os pais. Porém, de acordo com Guia, 48% das crianças e
adolescentes que trabalha não recebem remuneração alguma, e a outra parte deles
recebem valores insuficientes para a sua sobrevida.
As outras três famílias afirmavam que não achavam ruim que as crianças
trabalhassem. A primeira entrevistada chegou a cair em outro mito, o de que é
melhor trabalhar do que ficar nas ruas.
Eu acho que quando ele trabalhava a vida dele era melhor. Ele trabalhava,
quando chegava ia para o colégio, e agora ele não trabalha mais, quer ficar
com os meninos na rua e também não quer saber de estudar. (Cora)
Porém, é uma falsa dicotomia, por reduzir as alternativas de atenção à
criança e ao adolescente. Dando margem a compreensão de que para crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade social serve qualquer alternativa,
desconsiderando os direitos conquistados.
E as outras duas entrevistadas deixaram claro que não acham ruim que
os filhos trabalhem, demonstrando que isso se dá em um processo natural. De
acordo com Eliane Araque (2006) Existem várias justificativas no imaginário da
sociedade brasileira que tornam o trabalho infantil um fenômeno natural, o que
contribui com a sua permanência e para a falta de políticas públicas que deem apoio
à essas famílias.
Ele não trabalhava tanto não, ia só pra ajudar. A gente só ia quando não
tinha nada pra merendar em casa. (Adélia)
Trabalhar ela não trabalhava, ela me acompanhava na reciclagem. Eu não
acho que trabalhar seja ruim pra criança não, eu mando ela arrumar as
coisas dela. De vez em quando uma mãe pegar e mandar a filha lavar um
copo, um prato não é ruim. (Cecília)
Desta forma, também é possível perceber que os pais não reconhecem a
atividade que as crianças e adolescentes realizam enquanto trabalho infantil. O
discurso é que as crianças não estão trabalhando, estão apenas “acompanhando os
pais”.
Diante desse discurso, todos os entrevistados afirmaram que as crianças
e adolescentes ficam expostos a vários riscos. Os que realizavam atividades de
reciclagem tinham outro risco maior que é o fato de estar vulnerável a vários tipos de
51
doenças que podem ser adquiridas a partir do contato com os resíduos que contém
no lixo. Quando perguntamos à Raquel se ela achava que o filho ficava exposto a
algum tipo de risco, a mesma chegou a dizer ”Tanto ela quanto a gente. Muitas das
vezes a gente abre um saco de lixo daqueles e tem um gato morto, ou cachorro”. Os
outros dois falaram que a rua em si tem muito risco principalmente devido o trajeto
que era realizado por eles.
Para compreender melhor como as famílias percebem a inserção das
suas crianças e adolescentes no mundo do trabalho, perguntamos se eles acham
que o fato da criança ou adolescente estar em situação de trabalho contribui para o
desenvolvimento. Quatro dos entrevistados responderam que não. Uma delas
(Cecília) disse que não vai contribuir para o futuro da sua filha porque ela frequenta
a escola e vai ter mais possibilidades, “vai arranjar um emprego melhor”.
Dos outros dois entrevistados, (Cora) citou que achava que o trabalho
contribuía sim para o desenvolvimento do seu filho, principalmente porque servia
para ocupar o tempo dele. Já a entrevistada Raquel citou que ajudava sim no
desenvolvimento do seu filho.
Eu creio que foi bom, quando ela for maior e for trabalhar ela já vai saber
porque já trabalhou. Eu trabalhei quando era criança e nunca fiz mal a
ninguém, nunca usei droga, nunca peguei nada de ninguém. Se os pais
estivessem onde os filhos estivessem, não aconteceria tanta coisa ruim.
(Raquel).
Assim, percebemos que a família têm experiências de vida que fazem
com que se perceba o trabalho infantil desta forma, a qual, o Guia de orientações
técnicas do PETI, cita que a criança e/ou adolescente que trabalha fica mais esperto
e tem melhores condições de lidar com as imposições da vida. Porém, ainda
segundo o Guia de Orientações técnica do PETI (2010), o trabalho infantil não
antecipa as etapas de desenvolvimento da criança e do adolescente, ele subtrai
seus direitos fundamentais; a responsabilidade precoce com o trabalho impede as
possibilidades de desenvolvimento integral.
Referindo-nos a visão das crianças e adolescentes acerca da situação de
trabalho, três dos pais informaram que eles não gostavam de ir, estes eles
realizavam atividade de reciclagem. Os outros três, afirmaram que as crianças
52
gostavam porque se sentiam beneficiadas, seja com o dinheiro ou no caso da
reciclagem como uma das entrevistadas citou que encontrava brinquedos para a
filha.
Ainda se tratando da visão das crianças e adolescentes, perguntamos se
elas chegaram a falar se construíram algum tipo de laço afetivo com as pessoas que
tinha convívio nas atividades de trabalho e somente a entrevistada 01 (um), disse
que seu filho falava que ficava conversando com umas mulheres, mas não tinha
amizade, somente conversava.
Todos os entrevistados citaram que seus filhos nunca chegaram a
comentar se teriam sofrido algum tipo de violência. E os que realizavam atividades
de reciclagem citaram ainda que a família inteira exerce a mesma atividade e nunca
ninguém foi vítima de violência.
Em se tratando da renda da família, e do que era arrecadado com a força
de trabalho das crianças e adolescentes, a metade das famílias informou que o fato
deles estarem em situação de trabalho infantil não ajudava muito, pois a renda que
recebiam era irrelevante e não contribuía de uma forma decisiva na renda familiar.
Reforçando assim, a ideia de outro mito que é citado no Caderno de Orientações
Técnicas do PETI, de que o dinheiro que a criança recebe com o seu trabalho é tão
pouco que não é capaz de suprir as condições básicas da família.
Os demais falaram que esse dinheiro realmente contribuía muito para a
renda da casa.
Ajudava, dava o dinheiro pra mim. Quando ela parou de trabalhar ficou ruim
porque é menos dinheiro em casa. (Clarice)
O que ela apurava era tudo pra dentro de casa, a não ser que tivesse sorte
de achar alguma coisinha melhor, na época de natal mesmo ela ganhava
muita coisa. (Raquel)
Ajuda bastante. (Cecília)
Em entrevista as quatro famílias das crianças e adolescentes que
realizavam atividades de reciclagem afirmara que não tinha fiscalização alguma no
momento da realização das suas atividades. E os outros dois afirmaram não saber
por que não viam e não faziam ideia se havia ou não algum tipo de fiscalização.
53
Considerações finais
O processo de produção desse documento foi deveras desafiador. A
escolha e delimitação do tema, o aprofundamento teórico, a pesquisa de campo e
todas as tarefas importantes durante esse percurso, foram indispensáveis para a
elaboração do projeto que culminou na realização desse ensaio monográfico.
O Centro de Referência Especializado da Assistência Social II – CREAS II
foi um colaborador e parceiro efetivo, mostrando-se solicito e sensível às
necessidades eventuais, com profissionais comprometidos e qualificados. Hoje
posso afirmar que o tempo que passei em estágio e pesquisa foi muito importante
para que eu pudesse me interessar ainda mais pela temática.
O levantamento e a obtenção das informações ocorreram através de
entrevistas semi-estruturadas, para que pudéssemos analisar cada caso em uma
pesquisa de caráter qualitativo. A seleção da amostra se deu de forma bastante
simples: entrevistamos famílias acompanhadas pelo CREAS II que foram inseridas
no serviço devido seu envolvimento com o trabalho infantil. Todos os entrevistados
pais ou mães de crianças e adolescentes inseridos no PETI.
Na aplicação das entrevistas, além da obtenção de dados, foi possível
conhecer um pouco a respeito do cotidiano dos entrevistados. Os participantes não
tiveram dificuldades para responder o roteiro, porém, algumas vezes, algumas
perguntas tiveram que ser repetidas, porque eles começavam a tratar outros
assuntos e deixavam de focar nas perguntas que havia sido feitas. Ainda tivemos
que lidar com as dificuldades das entrevistas realizadas nos domicílios, pois é um
local de bastantes distrações. Em uma entrevista realizada na casa de uma das
54
mães participantes, segura em seu ambiente residencial, a mesma relutou negando
que a filha trabalhava, disse que a filha apenas a acompanhava.
Ao analisar os dados de um modo geral, inclinamos-nos a concluir que na
ótica dos pais a situação de trabalho infantil é algo natural. Principalmente, pelo fato
de quatro dos entrevistados terem trabalhado durante a infância, e isso eles utilizam
como uma justificativa.
No que se refere o papel do adulto no desenvolvimento das crianças e
adolescentes, todos resumem a educação puramente a frequência escolar, um dos
entrevistados chegando a dizer que a criança deve estudar e trabalhar para que
possa ocupar o tempo. E quando perguntamos das atividades que as crianças
devem participar, eles também classificaram o estudo como algo primordial, como se
as atividades lúdicas como o brincar não tivesse importância alguma para o
desenvolvimento da criança e do adolescente.
Isso se contradiz bastante quando perguntamos o que seus filhos gostam
de fazer durante o dia, pois todos respondem que eles gostam de brincar, seja de
bola, ou de correr, a resposta foi unânime. Possibilitando-nos concluir que a criança
ainda não tem voz, pois o que ela geralmente faz e o que gostaria de fazer tem um
distanciamento muito grande do que o adulto pretende que ela faça.
Outra contradição que ocorre, é que ao perguntar o que os entrevistados
acham das crianças estarem trabalhando, metade responde que não acha ruim.
Porém ao perguntar se eles consideram que o trabalho expõe os filhos a alguns
tipos de riscos, eles são unânimes ao dizer que todos ficam expostos a riscos, tanto
relativos à saúde, quanto à violência.
Nos casos estudados, também foi possível perceber e concluir que o
trabalho infantil não é a única situação de vulnerabilidade que a crianças estão
expostas. Mas uma delas sofre também violência física por parte da mãe, além de
outros tipos de riscos devido à localização em que é inserida a sua residência.
A realização desta pesquisa nos possibilitou um conhecimento mais
amplo a cerca da temática do trabalho infantil. Pudemos constituir dados relativos ao
trabalho realizado pelas crianças e adolescentes e perceber como os pais e
55
responsáveis os consideram algo natural a ponto de não se sentirem incomodados
de falar sobre o assunto. Desta forma, foi possível perceber que a visão de infância
e da prática de atividades laborais na infância é cultural, principalmente quando os
pais estiveram em situação de trabalho infantil.
Desejo profundamente que os dados coletados nessa pesquisa possam
evoluir para realidades mais agradáveis no que concerne esse tema. Espero que
tenha apreciado esta leitura e que outros atores possam colaborar com a discussão
para engrandecer a pesquisa.
56
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59
APÊNDICE
60
61
Roteiro de entrevista
Identificação da pessoa entrevistada
1. Nome:_____________________________________________________
2. Idade:_____________________________________________________
3. Qual o vínculo e/ou grau de parentesco com a criança/adolescente:
( ) mãe ( ) pai ( ) irmão ( ) irmã ( ) Avô ( ) Avó
( ) Outro. Especificar:__________________________________
4. Atividade profissional atual:____________________________________________
5. Renda mensal:
( ) Menos de 1 salário mínimo b) ( ) 1 salário mínimo
( ) De 1 a 2 salários mínimos d) ( ) Mais de 2 a 3 salários mínimos
( ) Não possui renda
6. Etnia referida:
( ) Branca b) ( )Negra c) ( ) Parda d) ( ) Não sabe
( ) Outra. Especificar: ___________________________________________
Naturalidade:_____________________________________________
7. Com que idade você começou a trabalhar?
8. Qual foi a sua primeira ocupação?
Dados da criança
1. Nome:__________________________________________Idade:_______
2. Convive com outras crianças? Sim ( )
Não (
)
3. Escolaridade:________________________
4. Como é a criança na escola? Relacionamento com os professores e as outras
crianças?
62
_____________________________________________________________
5. Qual a relação da criança com a família?
Concepção de infância:
1. O que é ser criança para você?
2. Quais as atividades que uma criança tem que participar?
3. Qual o papel do adulto na educação da criança?
4. O que a criança mais gosta de fazer durante o dia?
5. Quando você pensa em um futuro para a criança, como você o imagina?
Trabalho infantil
1. Qual a atividade de trabalho que a criança participa/ participava?
2. O que você acha da criança estar trabalhando?
3. Você acha que no trabalho ele fica exposto a algum tipo de risco?
4. Você acha que estar trabalhando contribui para o desenvolvimento da criança?
5. Quando seu filho trabalhava, ele gostava do que fazia?
6. Seu filho construiu amizades, ou outras relações de proximidade enquanto
trabalhava?
7. Seu filho passou por algum tipo de situação de rua? Sofreu algum tipo de
violência?
8. A renda que era trazida pelo trabalho do seu (suas) filho/a contribuía
decisivamente para a renda familiar? Como esta situação ficou quando ele parou e
trabalhar?
9. Existia algum tipo de fiscalização do trabalho da criança? Ou ela trabalhava só?
63
Faculdade Cearense - FAC
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Estamos desenvolvendo uma pesquisa cujo tema é Trabalho infantil,
tendo por objetivo: Identificar como as famílias das crianças inseridas no Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI acompanhadas pelo Centro de
Referência Especializado da Assistência Social – CREAS II em Fortaleza – CE
percebem a relação entre infância e trabalho no que tange ao desenvolvimento biopsico-social dos filhos inseridos precocemente no mercado de trabalho.
Sua participação é voluntária, não causando nenhum dano a sua
qualidade de vida. A qualquer momento, poderá desistir de participar do estudo sem
qualquer prejuízo e todas as informações obtidas serão mantidas em sigilo assim
como sua identidade.
A pesquisa será realizada através de entrevista semi-estruturada.
Destacamos que a entrevista será individualizada e gravada para que não haja
perda do conteúdo.
Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a
pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos, em
revistas especializadas e/ou encontros científicos, sem a identificação do
entrevistado. Em caso de dúvidas ou para outras informações, poderá entrar em
contato com a pesquisadora responsável, Mirella Suyane Freire Ferreira, pelo
telefone (85) 88173039.
Este termo terá duas vias iguais, sendo uma para o sujeito participante da
pesquisa ou para seu responsável legal e outro para o arquivo da pesquisadora.
Desse modo, tendo tomado conhecimento sobre o teor da pesquisa
concordo em participar dela de forma livre e esclarecida.
Nome:______________________________________________________________
Telefone:________________________
Data: ____________________________
Assinatura:__________________________________________________________
______________________________________________________
Assinatura do Pesquisador
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