H o m e nage m
João de Scantimburgo *
Tarc í s i o Pa d i l ha
Ocupante
da Cadeira 2
na Academia
Brasileira de
Letras.
N
ão é frequente o encontro com escritores abertos à multiplicidade dos saberes que enriquecem a visão de mundo da
contemporaneidade. Este foi o caso particular do nosso confrade
João de Scantimburgo, recentemente desaparecido.
O escritor paulista marcou sua trajetória intelectual por um acendrado espírito acolhedor dos múltiplos desafios da civilização e da
cultura. Sua vasta obra percorreu os mais diversos temas, desde a
história do Brasil e da França, estendendo-se pela análise do liberalismo, atravessando o domínio da Filosofia e da Teologia, aprofundando o exame das peculiaridades da América Latina, até buscando
enfrentar o decisivo problema do mal.
Assinale-se primacialmente o horizonte de seu pensamento e de
sua ação. Jornalista de atuação variegada e profícua, o pensador que
* Texto apresentado na Sessão de Saudade dedicada à memória do Acadêmico João de
Scantimburgo, realizada em 27 de março de 2013.
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honrou, especialmente, sua terra natal – São Paulo – Scantimburgo escreveu
diariamente durante anos a fio em jornais como o Estado de São Paulo, e em perió­
dicos da cadeia dos Diários Associados, do âmbito de atuação de Chateaubriand,
de quem era amigo. Sua experiência na mídia se estendeu à televisão e à rádio.
Chegou a fundar jornais, além de atuar na esfera empresarial, nomeadamente na
Associação Comercial de São Paulo, onde sempre manteve o seu quartel general.
A bem da verdade, cabe assinalar que foi a entidade empresarial que cuidou de
nosso confrade durante o longo período de sua enfermidade e, assim, merece
encômios dos numerosos amigos e admiradores do finado escritor.
É indispensável acrescer o registro da relevante presença do filósofo paulista
nas atividades desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Filosofia. Fundada em
1951, a instituição capitaneada por Miguel Reale realizou numerosos congressos nacionais e internacionais e manteve a edição, sem interrupção até os nossos
dias, da Revista Brasileira de Filosofia. Por igual participou Scantimburgo dos
seminários internacionais promovidos pela Sociedade Brasileira de Filósofos
Católicos, desde sua criação, em 1970. Seu itinerário extremamente fecundo
alumiou, entre outros temas, os estudos sobre o pensamento brasileiro.
Em quaisquer das esferas de sua fecunda presença cultural, nosso saudoso confrade despontou com brilhantismo, além de notória afabilidade, visão
especulativa diversificada, produção invulgar e fidelidade aos valores que cultivou com vigor permanente.
Pervade sua obra a distinção tomista entre curiosidade e estudiosidade. Seu
olhar perquiridor percorre os patamares do mundo múltiplo em que vivemos,
num esforço permanente de se situar ante a riqueza do real à nossa volta. Sem
incidir na tênue camada superficial que envolve o universo, o polígrafo atira
a barra mais longe e se adentra no âmbito da estudiosidade, vale dizer, do
espírito pertinaz dos genuínos pesquisadores, a desvendar o fulcro dos seres
que nos convidam a que lhe decifremos os enigmas.
A visão onímoda de Scantimburgo promanou de sua formação humanística,
designadamente filosófica, ancorada na contribuição de Tomás de Aquino e de
Maurice Blondel. O primeiro lhe forneceu a ossatura de sustentação especulativa e o segundo lhe abriu a percepção da modernidade e de seus desafios.
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João de Scantimburgo A filosofia de Blondel é, medularmente, uma filosofia da ação. E impende
resgatar este conceito no espaço blondeliano. Reza Scantimburgo:
“palavra ação, mais concreta do que ato exprime o que é, simultaneamente, princípio, meio e termo de uma operação, a qual pode se conservar
imanente a si mesma. A ação consistiria em modelar matéria exterior ao
agente, a encarnar uma ideia, a fazer cooperar, por uma variação artificial,
diversos poderes físicos ou ideias. A ação pode consistir ainda, em plasmar
o próprio agente, em esculpir os seus membros e os seus hábitos, e, daí, a
via social. A ação pode consistir, finalmente, na realização do pensamento,
no que ele tem de mais universal, de eterno, a contemplação, no sentido
cabal e técnico do termo”.
Scantimburgo tem plena consciência da oposição entre o marxismo e o
espiritualismo. Assevera o escritor: “Blondel é o oposto de Marx, situam-se,
no entanto, em posições contrárias. Afirmando o primado da natureza sobre
o espírito, o marxismo obtura-se no círculo da imanência e recusa apoio à
tendência humana ao transcendente”.
Mereceu tratamento particular a questão da técnica, visualizada por Berdiaeff como um problema espiritual. Scantimburgo adota a tese do filósofo
russo. Daí ampliar o estudo da momentosa matéria e volver ao primado do
espírito, mesmo em domínio aparentemente muito distante da sua formação.
A técnica não obnubila a realidade que a sustenta e a ultrapassa: a presença do
espírito como plenitude e abrangência de vida.
A par de conteúdos filosóficos, Scantimburgo percorre espaços ligados à
estrutura social, política e econômica. Assim é que discorreu amplamente
sobre o liberalismo em geral e no Brasil, sublinhando sua convicção de que
nossos imperadores eram liberais, o que não ocorria na república nascente.
Longa disquisição sobre o Brasil, visando a que lhe descrever as raízes como forma de lhe compreender o perfil histórico e seu caráter igualmente
prospectivo, o autor se abalança à ingente tarefa de modelar um tratado geral
do Brasil, verdadeiro repositório de desenhos parciais dos diversos aspectos
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de nossa realidade. E prossegue na vereda encetada com a edição de um opus
sobre a América Latina.
Mais de trinta obras publicou Scantimburgo. São elas o eloquente testemunho de sua vasta cultura e de seu empenho em retratar as bases sobre as
quais se assentam as soluções que eventualmente propõe aos desafios lançados
á face da humanidade.
Viveu, pensou e produziu teses com o olhar atento ao País e ao ser humano
com suas angústias e suas esperanças.
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