Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul
TEORIA SEMIÓTICA: UMA ALTERNATIVA PARA O ENSINO DE LEITURA
Fabiana Patricia Lovato RIBEIRO (PG-UEL)
Loredana LIMOLI (UEL)
ABSTRACT: Recent researches point out that Brazilian students are not competent readers in their mother
tongue , provided their appalling performance in both national and international exams . Based on their results
in these exams, we will present greimasian semiotics as an alternative to teach reading.
KEYWORDS: greimasian semiotics; teach reading
0. Introdução
É comum acompanharmos pelos veículos de comunicação do nosso país, como rádio, televisão,
jornais e revistas, o atual desempenho educacional de nossos alunos, avaliados através de exames, tanto
nacionais, como o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), o ENEM (Exame Nacional do
Ensino Médio), como também exames internacionais, como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos). O que os resultados desses exames demonstram é que o Brasil se encontra em uma defasagem
qualitativa do ensino. Curiosamente, à medida que o analfabetismo diminui e a inclusão educacional cresce no
país, a qualidade cai. A queda na qualidade de ensino é tão difundida, que já está se tornando lugar-comum dizer
que o aluno brasileiro está muito aquém do que se considera ideal. Pesquisas se avolumam, e os dados são cada
vez mais desanimadores.
Citamos, como exemplo, o Saeb 2001, área de Língua Portuguesa, em que se optou por avaliar
somente habilidades de leitura. O fato de esse exame enfocar apenas essas habilidades justifica-se pela condição
de essencialidade da leitura na compreensão do mundo, dos outros e de cada indivíduo em suas próprias
experiências de vida. Além disso, a leitura é fundamental para a inserção do aluno no mundo da escrita. Só a
leitura, entendida em seu sentido pleno, é capaz de levar o aluno além da simples decodificação de palavras,
instigando-o para que seja capaz de captar e produzir novos sentidos. Assim, devidamente justificada, a opção do
Saeb 2001 surge como uma possível radiografia do ensino básico, capaz de revelar os pontos positivos e
negativos da educação fundamental, ultrapassando em eficácia a simples avaliação lingüística do público-alvo.
O resultado desse exame nos mostrou um quadro de ineficiência e de profundas defasagens na
construção de habilidades e competências por parte dos alunos. Em resumo, a pesquisa aponta, com relação à
Língua Portuguesa, que nossos alunos não são leitores competentes. Podemos afirmar que esses resultados não
foram os desejados e causaram, até, uma certa frustração no meio acadêmico e social. Isto porque grandes são os
esforços empreendidos pelos professores e, por que não dizer, dos alunos, no processo de ensino-aprendizagem
de leitura.
As críticas sofridas ainda circulam nos veículos de comunicação pelos resultados do SAEB 2001,
do PISA 2000. Só para relembrar, neste último, de uma lista de 32 países envolvidos na avaliação, o Brasil ficou
em última colocação. Algumas dessas críticas, por exemplo, apontam certas distorções dos critérios que
constituíram a avaliação. Outras dirigem-se diretamente ao nosso sistema de ensino. Estas últimas, de maneira
geral, dizem que os alunos avaliados não sabem pôr em prática o que aprenderam na escola, ou então,
simplesmente, que nossos alunos não compreendem o que lêem.
A partir dos resultados do SAEB 2001, este trabalho se propõe expor algumas das propostas
metodológicas desenvolvidas para o ensino de leitura. O levantamento dessas se faz necessário para
compreendermos por que o resultado desses exames, ainda nos revelam um desemp enho baixo por parte dos
nossos alunos quanto às competências e habilidades de leitura. A questão que se coloca aqui é que, mesmo
existindo em nosso país tantos estudos relevantes sobre o ensino-aprendizagem de leitura, ainda se constata
baixo desempenho por parte dos alunos, segundo as avaliações feitas por órgãos oficiais.
Ao resgatarmos alguns dos trabalhos desenvolvidos para o ensino de leitura, pretendemos, tão
somente, esboçar um cenário em que se torne mais claro o que foi realizado, nos últimos anos, em termos de
subsídios metodológicos para essa área. Temos por objetivo realizar uma reflexão teórica, não para tratar da
totalidade de todo o processo do ensino de língua portuguesa, mas, nos limites deste trabalho, abordar algumas
das propostas metodológicas aplicadas ao ensino de leitura.
Primeiramente, abordaremos um trabalho proposto pelo professor João Wanderley Geraldi,
publicado em 1984 no livro O texto na sala de aula – Leitura & Produção, que, no capítulo intitulado Prática da
leitura de textos na escola, o autor aborda questões metodológicas para o ensino da leitura.
Segundo este autor, podem ser obtidos dois níveis de profundidade da leitura do texto. Pode-se
extrair informações que estão na superfície ou em um nível mais profundo do texto. Para este último nível, não
basta a leitura do texto, mas do relacionamento que fazemos com outros textos, outras informações e da leitura
que fazemos da vida.
Para a segunda postura, a leitura como estudo do texto, Geraldi (1984, p.83) propõe um roteiro
amplo e ao mesmo tempo útil. Para isto, deve-se identificar no texto:
• a tese defendida no texto;
• os argumentos apresentados em favor da tese defendida;
• os contra-argumentos levantados a teses contrárias e
• a coerência entre tese e argumentos.
O autor sugere que cada um destes tópicos possa ser desdobrado em outros, pondo em questão
tanto a tese defendida quanto a veracidade e validade dos argumentos apresentados. Dessa forma, é possível que
nossa leitura nos leve a concordar, de início, com a tese defendida, mas não com os argumentos enumerados.
Todo o preparo descrito acima não fará sentido se o professor não levar consigo uma teoria crítica
para o encaminhamento das atividades em sala de aula. E esse direcionamento tem que problematizar e gerar
mais idéias na sala, caso contrário os textos servirão apenas às velhas rotinas escolares, que somente reproduzem
o já-dito ou copiam aquilo que os escritores escreveram em seus textos.
O segundo trabalho a ser retratado será o de outro pesquisador no campo do ensino de leitura no
nosso país, o professor Ezequiel Theodoro da Silva, que lançou em 2003 uma série intitulada Trilogia
Pedagógica, composta por três livros sobre o tema de leitura. Nessa trilogia foram reunidos diversos de seus
escritos, participações em congressos e o relato de um longo trabalho de docência realizado por ele com
professores.
Nessa trilogia, Silva (2003) sugere um possível modelo de leitura a ser explorado criticamente na
leitura dos textos. O esquema metodológico, que tem como suporte o paradigma da hermenêutica, é descrito a
seguir como um movimento de interpretação, que vai do constatar, em seguida ao cotejar e, por fim, ao
transformar.
O primeiro, o constatar, se caracteriza pela leitura preliminar do texto, realizada individualmente
pelo aluno. Aqui, o leitor desvela os significados pretendidos e indiciados no texto, para, em seguida, reagir,
questionar e problematizar com criticidade. Essa criticidade o faz posicionar-se diante delas, dando início ao
cotejamento das idéias encontradas nesta fase. Dessa forma, o cotejar se constitui pela partilha coletiva com os
colegas e com o professor das primeiras constatações. Ou seja, através dos atos de evidenciar e refletir, novos
horizontes abrem-se para o leitor. A última etapa, o transformar, caracteriza -se pela produção de mais sentidos,
momento de agir sobre o conteúdo do texto. E esse processo só terminaria quando, após a leitura crítica de um
texto, os alunos-leitores fossem levados a elaborar outros textos vinculados à realidade concreta vivida por eles.
Por fim, também encontramos diretrizes metodológicas para o ensino de leitura no livro Oficina de
Leitura, publicado pela professora Ângela Kleiman. Nessa obra, a autora nos sugere uma proposta de leitura que
trabalha sobre as habilidades do leitor para compreender aspectos globais do texto. Para isso, o leitor fará uso de
duas habilidades: a primeira, refere-se à percepção e construção da estrutura textual; e a segunda diz respeito à
atribuição da intencionalidade do autor presente no texto.
A fim de uma melhor compreensão dos conceitos relativos à estrutura do texto, Kleiman (2004)
propõe pensar que todo o texto possui dois aspectos globais profundos: o primeiro denominado de
macroestrutura e, o outro, de superestrutura ou estrutura.
A macroestrutura constitui o aspecto formal da coerência textual global, comumente chamado de
tópico, tema, essência ou conteúdo do texto. Para esta autora, nesse momento, espera-se que o leitor consiga:
• depreender o tema, ou seja, perceber as relações entre as diversas partes do texto e
integrá-las num todo que seja coerente com as partes;
• construir relações lógicas e temporais. Aqui, espera-se que o leitor consiga, por
exemplo, depreender o tema, ou identificar componentes de um determinado tipo de
texto, tal como o problema e solução num texto expositivo;
• construir categorias ligadas ao gênero, isto é, reconhecer os componentes canônicos
dos diversos gêneros textuais;
• e, por fim, deverá perceber as diferentes relações hierárquicas do texto. Deve estar
apto a construir relações globais com base nas partes do texto. (KLEIMAN, 2004,
p.86)
Para completar, o leitor deverá perceber a superestrutura do texto, que seria a estrutura
característica de um tipo de texto, normalmente constituída por um certo número de categorias regidas por um
conjunto de regras que definem a sua ordem habitual de repetição. Deve, ainda, perceber a intenção do autor,
chegando ao seu íntimo. Para o aluno chegar em tal estágio, deve ser feito um trabalho de conscientização
lingüística crítica. Entende-se por isso que, além de o professor mostrar como a linguagem do texto funciona,
deverá, também, mostrar como a linguagem está a serviço das intenções do autor.
Após a exposição de algumas propostas metodológicas, buscamos mostrar, de uma maneira
bastante sucinta, através de diferentes autores e concepções teóricas diversas, que existe um consenso entre eles:
a necessidade de atingir a profundidade do texto no contexto escolar, ou melhor, ir além da superfície do texto,
porque só assim pode-se conseguir uma ruptura, uma mudança de realidade vivida pelo sujeito-leitor.
Muitos desses trabalhos acabaram por provocar diversas discussões sobre os conteúdos mínimos
para o ensino fundamental em torno do ensino de Língua Portuguesa no país, originando, em 1996, a publicação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são os documentos divulgados pelo Ministério da Educação
e do Desporto (MEC). Os parâmetros propõem-se estabelecer diretrizes curriculares para o ensino fundamental
brasileiro, pretendendo, assim, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino no país, além de buscar
subsidiar o trabalho de professores nas diferentes áreas.
Pretende-se, aqui, ressaltar, por meio de um pequeno recorte, qual a visão desses documentos, os
PCNs para 3º e 4º ciclo de Língua Portuguesa, em relação á leitura e quanto ao papel do leitor. Podemos
perceber uma concordância com as idéias propostas pelos autores citados acima.
“Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que circulam socialmente,
aqueles que podem atender a suas necessidades, conseguindo estabelecer as
estratégias adequadas para abordar tais textos. O leitor competente é capaz de ler as
entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, elementos implícitos
estabelecendo relações entre o texto e seus conhecimentos prévios ou entre o texto e
outros textos já lidos”. (SEF, 1998b, p.70)
O Brasil, mesmo com o trabalho intensificado visando constituir novas bases de reflexão e de
práxis didático-pedagógicas, a partir das quais foram gerados os Parâmetros Curriculares Nacionais - o que
colocou o país em consonância com pensamento educacional mais avançado - não foi bem no exame. Sua
performance não foi boa, mesmo com a dedicação de professores, que trabalham no sentido de capacitar os
alunos a lerem e escreverem bem, preparando-os para se tornarem cidadãos.
A escola, por meio de seus professores, vem a partir da década de 80 pesquisando, debatendo e
elaborando o trabalho com textos em sala de aula, o que significa que avanços foram realizados. No entanto,
acreditamos que esse trabalho ainda está situado mais no nível do fazer, ou seja, o professor procura levar o
aluno a produzir textos. E os alunos, por sua vez, praticam a linguagem, seja aprendendo a gramática, seja
elaborando textos de diferentes tipos. A correção, quando ocorre, realiza -se ainda no nível da frase, ou seja,
corrige-se a ortografia e as concordâncias, principalmente.
Apesar dos esforços continuados, os alunos nem sempre conseguem entender o que lêem e quando
o fazem não elaboram uma interpretação essencial. A interpretação do texto, de modo geral, consiste em
responder perguntas que não contribuem para o entendimento do seu sentido, ou seja, não atingem a esfera do
que o texto quer dizer e, principalmente, de como ele o diz. Mesmo que se estabeleça um roteiro que vise à
interpretação, raramente se atinge o cerne de um texto, ou seja, as suas relações semânticas fundamentais. O
professor faz um grande esforço para demonstrar os passos que realizou para chegar à compreensão e daí realizar
a interpretação do texto, porém nem todos os alunos conseguem segui-lo.
Uma outra questão que levantamos é quanto à avaliação da leitura. Acreditamos que, para se
entender, interpretar e, por fim, avaliar um texto, qualquer que ele seja, é preciso saber o que observar nele.
Assim como se ensina a gramática da língua, em que são observadas as relações entre os termos que constituem
a frase e as orações, é necessário observar que existe uma gramática do discurso manifestado pelo texto,
conforme Fiorin (1989, p. 9-10). Dessa forma, acreditamos que os alunos possam interpretar com eficácia os
textos a que são continuamente submetidos. Compreender um texto é observar que existem relações de
semantismos que o sustentam, manifestados por meio dos personagens, do espaço, do tempo, etc. Interpretar é
partir dessas relações, observando como foram constituídas. Avaliar é estabelecer relações entre o que o texto diz
e como ele diz o que diz.
O que se constata, porém, é que falta abordar com a mesma importância a prática da leitura não
somente na sala de aula, como também por esses exames aplicados por órgãos oficiais; apontando não apenas o
que os textos querem dizer, mas como os textos fazem para dizer o que dizem. Dessa maneira, o educador
(entendido, aqui, não só o de língua materna, mas os das outras disciplinas) precisa explicar e, sobretudo,
explicitar que os textos, para sustentar uma informação, possuem uma organização interna, mecanismos e
estratégias para veiculá-las.
Sabemos que os textos possuem uma organização, implícita, que sustenta o sentido apreendido no
momento da leitura. Isso tanto é verdade, que é comum por parte dos pesquisadores da área da leitura e dos
documentos oficiais que direcionam o ensino brasileiro afirmarem que os textos possuem camadas, as quais
precisam ser desvendadas para localizarmos as informações ali implícitas. Basta relembrarmos o que já citamos
anteriormente:
a) Conforme Geraldi (1984), podem ser obtidos dois níveis de profundidade da leitura do texto.
Podem-se extrair informações que estão na superfície ou em um nível mais profundo do texto;
b) Kleiman (2004), propõe pensar que todo o texto possui dois aspectos globais profundos;
c) Segundo os PCNs, o leitor competente é aquele capaz de ler as entrelinhas, identificando, a
partir do que está escrito, elementos implícitos. (SEF, 1998b).
Além de saber o gênero empregado em determinado texto e observar-lhe a organização gramatical,
é preciso dar um passo além para compreendê-lo em sua totalidade, para, posteriormente, ser avaliado. É
necessário saber que o sentido de um texto está fundamentado em relações organizadas. Nesse contexto, a teoria
Semiótica já possui elementos para auxiliar o trabalho do professor.
O percurso realizado acima se justifica por acreditarmos que conhecer o que já foi feito na área é
condição fundamental para apresentarmos propostas que, eventualmente, nos façam trilhar por outros caminhos
teóricos e/ou metodológicos. E também porque compreendemos que a leitura, entendida em seu sentido pleno, é
capaz de levar o aprendiz além da simples decodificação de palavras, instiga-lo para que seja capaz de apreender
e produzir novos sentidos por meio de diferentes textos.
1. Pressupostos Teóricos
A partir de agora, teceremos reflexões em torno da teoria semiótica de Greimas, que, por meio da
desconstrução do texto, possibilita o aperfeiçoamento das práticas leitoras do professor em sala de aula. As
reflexões a serem desenvolvidas visam à elaboração de estratégias para auxiliar a otimização do processo de
leitura.
A semiótica tem por objeto o texto, seja ele lingüístico, visual, gestual ou sincrético. Contudo, as
diferentes possibilidades de manifestação textual dificultam o trabalho de qualquer estudioso do texto. Sendo
assim, as teorias tendem a se especializar, como o fizeram os estudiosos das teorias do texto literário, da
semiologia da imagem e assim por diante. Visando delimitar o campo de atuação, este trabalho se propõe
analisar somente o texto lingüístico verbal escrito.
Para essa teoria, o texto entendido como objeto de significação faz com que seu estudo se
confunda com o exame dos procedimentos e mecanismos que o estruturam, que o tecem como um “todo de
sentido”. A esse tipo de descrição tem-se atribuído o nome de análise interna ou estrutural do texto (BARROS,
1999, p.07). A semiótica é, portanto, uma teoria que procura explicar o ou os sentidos do texto pelo exame de
seu plano de conteúdo.
Segundo Bertrand (2003, p.49):
“a semiótica propõe articular a apreensão do sentido segundo um percurso
estratificado em camadas relativamente homogêneas, indo das formas concretas e
particulares, manifestadas na superfície do texto, às formas mais abstratas e gerais
subjacentes, dispostas em múltiplos níveis de profundidade. Ela mostra, assim, como
os percursos de significação se organizam e se combinam, em razão de regras
sintáxicas e semânticas que fundamentam, em segredo, a sua coerência.
Inversamente, partindo das estruturas profundas para as estruturas de superfície, ela
simula a ‘geração’ da significação”.
O percurso do sentido é um percurso do conteúdo, independente da manifestação. Essa noção de
percurso é fundamental para a semiótica, uma vez que o texto pode ser apreendido em diferentes instâncias de
abstração, com descrições autônomas de cada um dos patamares de profundidade.
Em resumo, o percurso do sentido proposto por Greimas é constituído por três etapas. A primeira,
denominada de nível fundamental, a mais simples e abstrata, é quando dois significados abstratos que se opõem
entre si garantem a unidade do texto inteiro. O segundo nível, o narrativo ou das estruturas narrativas, é o plano
em que a narrativa se organiza sob a perspectiva de um sujeito. E o último patamar, o das estruturas discursivas,
é aquele em que a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação. Ou seja, é nesse nível que se instalam no
texto o narrador, os personagens, o espaço, o tempo e as ações concretas. (BARROS, 1999)
2. Proposta de Leitura
A teoria semiótica procura examinar os procedimentos de organização textual, os mecanismos
enunciativos de produção e recepção, tentando explicar o sentido do texto graças ao exame minucioso do plano
de conteúdo. A partir da análise que será proposta aqui, gostaríamos de ressaltar alguns aspectos que tornam a
abordagem semiótica uma grande aliada no desenvolvimento do processo de leitura, pois desperta o aluno para a
experiência estética, estimulando a imaginação e a análise crítica, tanto na recepção quanto na produção textual,
além de oferecer ao professor parâmetros para analisar e avaliar a leitura em sala de aula.
Neste trabalho, apresentamos elementos para a leitura do poema O bicho, de Manuel Bandeira.
Privilegiaremos os elementos internos, possibilitando a compreensão do texto por meio de dados intrínsecos.
Isso significa que, pelo menos num primeiro momento, os alunos não precisarão ter conhecimentos
aprofundados sobre o panorama sócio-histórico da época em que a obra foi escrita, nem tampouco sobre a
biografia do autor.
Em compensação, é claro, o professor deve conhecer a teoria escolhida, para que, utilizando a
noção de percurso gerativo, possa orientar o processo de leitura do poema. Assim como Geraldi (1984), citado
anteriormente nesse trabalho, acreditamos na importância de o professor levar consigo uma teoria crítica para o
encaminhamento das atividades em sala de aula. Munido de um instrumental teórico adequado, o educador não
precisa ficar preso a roteiros ou a questões simplistas de livros didáticos.
A análise feita a seguir é apenas uma sugestão de leitura, que utiliza alguns instrumentos da
semiótica greimasiana. Não se trata de uma análise rigorosa, nem muito menos completa, mas apenas de uma
atividade que pode ser executada pelo professor durante uma aula de leitura. Seguindo-se a este pequeno
exemplo de análise, comentaremos a utilização deste mesmo poema num exercício proposto pelo Sistema de
Avaliação no Ensino Básico.
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato.
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Após a uma primeira leitura do texto e apoiado no percurso gerativo proposto pela semiótica
greimasiana, o professor pode, sem muita dificuldade, enfocar o nível das estruturas fundamentais. Esse patamar
determina o mínimo de sentido para a construção do discurso, portanto o nível mais simples e abstrato do
percurso gerativo. Conforme Barros (1999, p.77), o nível fundamental é o patamar no qual uma rede de relações
se reduz a uma única relação que é a de oposição entre dois termos. Em O bicho, a oposição de termos
predominante é o de animalização versus humanização. Desde a escolha do título e durante todo o poema, o
enunciador narra um fato como se estivesse falando de um animal. Essa expectativa é quebrada no último verso,
quando ficamos sabendo que se tratava de um homem.
O nível seguinte, o narrativo, caracteriza-se por uma transformação centrada em dois estados
sucessivos e diferentes. “Isso significa que ocorre uma narrativa mínima, quando se tem um estado inicial, uma
transformação e um estado final”. (FIORIN, 1989, p. 21). Esse patamar se constitui de dois tipos de enunciados:
o primeiro, o de estado, se caracteriza por estabelecer uma relação de junção entre um sujeito e um objeto. Isto é,
há um sujeito que está disjunto ou conjunto com o seu objeto.
O Bicho é a história de um sujeito (homem) que está em disjunção de seu objeto valor: a comida.
Pressupomos isso, porque o texto nos diz que esse sujeito está ‘catando comida entre os detritos’, e que, o que
achava, ‘não examinava nem cheirava: engolia com voracidade’. Podemos também afirmar que, em um certo
momento, esse sujeito passa a estar em conjunção com o seu objeto valor (comida), pois, o que encontrava,
comia com avidez. Nesse momento, podemos identificar o segundo enunciado: o de fazer. Esse tipo de
enunciado se caracteriza por mostrar transformações. No nosso caso, um sujeito, inicialmente, se encontra em
disjunção do alimento e, num segundo momento, está em conjunção do alimento.
A articulação dos vários enunciados que constituem o texto formam as seqüências narrativas.
Dentro dessa estrutura os enunciados podem ser agrupados em quatro fases distintas, conforme Fiorin (1989,
p.22):
a) manipulação: quando um sujeito, entendido aqui não só com pessoa, age sobre o outro para
levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa;
b) competência: o sujeito é dotado de um saber e/ou poder fazer para realizar a transformação;
c) performance: momento em ocorre mudança de um estado para outro;
d) sanção: é a constatação de que a transformação de fato aconteceu.
No texto em questão, o manipulador é a própria fome, fazendo com que o sujeito pegue comida
entre os detritos. Podemos dizer que esse sujeito-operador é um sujeito competente, pois sai em busca do
alimento. A performance é vista quando o sujeito da ação encontra a comida: ‘quando achava alguma coisa, não
examinava nem cheirava’. E a sanção é positiva, porque o sujeito encontra o que está procurando: a comida.
Conforme Barros, “as estruturas narrativas convertem-se em estruturas discursivas quando
assumidas pelo sujeito da enunciação” (1999, p.53). Ele faz uma série de escolhas de pessoa, tempo, espaço e
figuras para contar a história. Estabelece-se, também, um contrato no qual o enunciador determina como o
enunciatário deve interpretar o discurso: como sendo verdadeiro ou falso.
Neste caso, o enunciador construiu no discurso um dispositivo veridictório, atando-o um homem,
tempo e lugar que o leitor reconhece como “reais” ou “existentes”. O sujeito da enunciação do poema de Manuel
Bandeira é assumido pelo narrador que realiza um fazer persuasivo, levando o leitor a crer na “verdade” do
texto. Para isso, cria um efeito aproximação ao usar a primeira pessoa, produzindo uma debreagem enunciativa,
e de imparcialidade, por manter anônimo o ator. O bicho apresenta um discurso predominantemente figurativo,
de forma que todos os temas presentes são representados por figuras do mundo real. Assim, os temas, cujos
valores são abstratos, concretizam-se por meio de recursos semânticos figurativizados pelo sujeito da enunciação
para criar os efeitos de realidade no texto.
O tema central do poema é a fome, situação vivida por milhares de serem humanos, muitos dos
quais em condição infra-humana. No texto, isso é figurativizado a partir das imagens que o enunciador vai
evocando ao confundir o homem com animais, primeiramente com o cão, depois com o gato e, por fim, com o
rato.
Paralelamente ao programa narrativo que põe em contato o sujeito “catador” com o objeto
“comida”, há um programa de reconhecimento, em que o enunciador assume a posição de sujeito do fazer e
sujeito de estado conjunto com um saber: o ser que procura comida entre os detritos é um homem, e não um
bicho. Nesse programa, o sujeito, que interpretava anteriormente como verdadeira a condição de /animalidade/, a
partir de um /parecer/, passa a interpretá-la como falsa. No entanto, mesmo afirmando o estado /humano/, o
enunciador reafirma o /parecer/ (bicho), ao manifestar sua surpresa – e indignação – diante dessa revelação, por
meio da expressão “meu Deus”.
O processo de revelação é simultaneamente transmitido ao leitor, que, manipulado pelas
seqüências textuais (incluindo o título do poema), também havia sido levado a julgar a imanência da
/animalidade/ a partir da manifestação (parece bicho, é chamado de bicho, portanto é bicho). Assim como o lixo
encobre a comida do catador, também as palavras encobriam a revelação da verdadeira identidade do
personagem. Leitor e enunciador participam, no final do texto, de uma mesma conjunção com a verdade.
Mostraremos a seguir, um exemplo de questão elaborada para a leitura do poema O bicho de
Manuel Bandeira, extraída do exame Saeb 2001, aplicado aos alunos da 8ª série do ensino fundamental. Nele
veremos como o processo de leitura enfocado deixa de lado aspectos fundamentais do texto, que perde, assim,
grande parte de suas qualidades artísticas.
O que motivou o bicho a catar restos foi
(A) a própria fome.
(B) a imundice do pátio.
(C) o cheiro da comida.
(D) a amizade pelo cão.
De acordo com o relatório divulgado do Saeb 2001 (p.60),
“a interpretação solicitada requer que o aluno aponte o que levou esse “bicho” a
catar restos, o que não deixa de ser, também, a percepção de uma relação de
causa/conseqüência. Parece que os alunos respondem certo sem muita dificuldade,
uma vez que 82% assinalaram a alternativa “A”, que corresponde à causa – a fome
do “bicho” -, que teve, como conseqüência, a ação de pegar os restos de comida.
Note-se que no texto de Manuel Bandeira não há menção literal à palavra “fome”.
Isso nos induz a descrever a operação mental por meio da qual os alunos puderam
acertar como decorrente da articulação entre conhecimentos prévios e informações
textuais (“catando comida”, “engolia com voracidade”), incluindo, para tanto,
informações que dependem de pressuposições e inferências autorizadas pelo texto.”
Essa foi a justificativa dada pelos organizadores da prova de língua portuguesa para tal questão.
Pelo que está aí afirmado, buscou-se comprovar se os alunos eram capazes de identificar num texto uma relação
de causa e conseqüência. Também, segundo consta no comentário, foi possível comprovar que os alunos são
capazes de utilizar conhecimentos prévios, além de pressuposições e inferências.
Vale lembrar que o trabalho com o texto literário pede uma atenção especial, já que este constitui
uma forma peculiar de representação e estilo, em que predominam a força criativa da imaginação e da intenção
estética. A literatura serve como uma forma de mediação entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto,
mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis. Levando em
consideração esses múltiplos aspectos, os PCNs preconizam que:
“o tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de
reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de
uso da linguagem. É possível afastar uma série de equívocos que costumam estar
presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tomá-los como pretexto
para o tratamento de questões outras (valores morais, tópicos gramaticais) que não
aquelas que contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as
sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das
construções literárias”. (SEF, 1998b, p. 27)
Em resumo, os PCNs apontam para um trabalho com a literatura que leve em consideração a sua
especificidade e que, de fato, conduza o aluno ao fruir estético e à formação do gosto pela leitura. Qualificam
como equivocados os procedimentos que fazem da literatura um mero instrumento para a confecção de provas,
preenchimento de fichas ou pretexto para o estudo da gramática.
Parece-nos que há uma discordância entre o que os parâmetros preconizam e o que é avaliado.
Podemos chamar a atenção para um ponto que parece bastante evidente: o poema de Manuel Bandeira foi mal
utilizado, pois a questão elaborada em nenhum momento atingiu, por exemplo, as orientações prescritas pelos
PCNs.
3. Conclusão
A teoria francesa, por meio do seu modelo, explicita e explica a organização do texto, o que torna
possível sua compreensão, interpretação e avaliação. Sabemos que algumas pessoas percebem a estrutura do
texto de forma mais ou menos intuitiva e fazem boas interpretações . Isto ocorre porque podem ter sido
submetidas a um maior número de textos ou ainda porque observaram neles a existência de certas regularidades.
O que queremos ressaltar é a possibilidade de se aprender a interpretar, sem que esse processo seja
entendido como um dom ou uma questão de sensibilidade. A apreensão do sentido é, segundo a Semiótica, um
ato inteligível, possível de ser explicitado e aprendido. Para abarcar o significado de um texto é preciso, enfim,
saber o que nele deve ser observado. Só assim nossos alunos serão capazes de organizar e controlar seu próprio
aprendizado, de aprender sozinhos ou em grupo, e de superar as dificuldades no processo de aprendizagem. Bem
instrumentalizados, eles terão a competência necessária para se servirem de suas próprias opiniões, estratégias de
aprendizagem e métodos, porque aprenderão o que deve ser observado em um texto.
RESUMO: Pesquisas recentes apontam para o fato de que os estudantes brasileiros não são leitores competentes
em sua língua materna, visto seu péssimo desempenho, tanto em exames nacionais quanto internacionais.
Tomando como base os resultados desses exames, apresentaremos a semiótica greimasiana como uma alternativa
para o ensino de leitura.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de leitura; semiótica greimasiana
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1999.
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teoria semiótica: uma alternativa para o ensino de leitura