1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MÍDIA E GÊNERO: análise crítica da violência contra a mulher no telejornalismo MARIA DE FÁTIMA JERÔNIMO MARQUES NATAL - RN 2011 2 MARIA DE FÁTIMA JERÔNIMO MARQUES MÍDIA E GÊNERO: análise crítica da violência contra a mulher no telejornalismo Dissertação apresentada à Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Serviço Social. Orientador (a): Profª. Drª. Eliana Costa Guerra Área de concentração: Serviço Social, Cultura e Relações sociais NATAL - RN 2011 3 4 Á Flávia (in memoriam), eternamente em meu coração. À minha mãe pelo incentivo e apoio em todas as etapas da minha vida. 5 AGRADECIMENTOS Há tanto e tantos/as a agradecer... À minha mãe Socorro que mesmo nos momentos mais difíceis e angustiantes me recebeu sempre com um sorriso acolhedor e terno. Por me fazer compreender que a distância e a saudade não são limites intransponíveis, que podemos superar as dores e as angústias cotidianas, mantendo a simplicidade e a doçura em tempos tão adversos e difíceis. Por transmitir em seus olhos o enorme orgulho me ver realizar sonhos pelos quais lutamos juntas. Ao meu irmão Fábio, pelo amor, compreensão e apoio dedicados a mim durante toda minha vida, sempre preocupado e disponível a me ajudar. Por me proporcionar momentos de afeto e conforto; À minha querida e amada vó D. Ana, exemplo de coragem, delicadeza e afeto. Agradeço por todas as orações a mim dedicadas. Aos/as meus/minhas amigos/as do mestrado, em especial a Juliana, Maria Francisca e Nuara com as quais compartilhei angústias e sorrisos durante a jornada acadêmica, a vocês meu amor, carinho e amizade; Ao João Paulo, companheiro sempre, e também aqui. Por entender as ausências necessárias nesse difícil processo de elaboração de dissertação e, mostrar-se sempre disposto a me ajudar no que fosse preciso. Para ti meu imenso amor. Aos/as queridos/as amigos/as de Residência Universitária de Pós Graduação, que com sorrisos e conflitos construímos relações de afeto e amizade, seguirão para sempre guardados na memória e no coração; À Leidiane (carinhosamente, Leidy), amiga-irmã que a vida me presenteou e com a qual compartilhei sonhos, perspectivas, dores e momentos inesquecíveis. O orgulho e admiração que sinto por você crescem a cada dia. A Luciana, amiga de longas datas, pelas intermináveis horas de conversas, pelas 6 expressões de solidariedade e carinho. À linda e doce Elizângela pelas conversas encorajadoras, pela paciência de ler e contribuir com esse trabalho. Pela colaboração imprescindível à finalização dessa dissertação. Aos/as amigos/as de vida e luta, que mesmo distante, estiveram presentes em mais essa jornada, todo o meu carinho; À professora Eliana Guerra, orientadora e amiga, que ao longo da minha vida acadêmica me incentiva a trilhar novos caminhos e buscar novas conquistas. Agradeço pelas orientações e comprometimento nesse intenso processo de investigação e elaboração teórica. Pela confiança e incentivos nos momentos de dificuldades e desencorajamento, a você meu respeito, carinho e imensa admiração; Às professoras Telma Gurgel, Mione Sales pelas valiosas e substanciais contribuições na banca de qualificação, muito obrigada; À professora Silvana Mara pela delicadeza e leveza com que sempre me acolheu, tanto graduação como no mestrado. Pelas valiosas contribuições na banca da qualificação e pela disponibilidade em participar dessa banca de defesa. À professora Marlene Teixeira por haver se disponibilizado participar dessa banca de defesa. Certa que as valiosas contribuições e reflexões serão substanciais no aprimoramento da dissertação. À professora Severina Garcia que tão prontamente aceitou compor a banca de defesa apesar dos muitos compromissos já firmados. As professoras do Programa de Pós Graduação em Serviço Social, pela socialização contínua de conhecimentos imprescindíveis à concretização desse estudo acadêmico. A CAPES pelo incentivo financeiro que me possibilitou a permanência a concretização do curso de mestrado. 7 RESUMO Este trabalho constitui-se de um estudo teórico e empírico sobre o tratamento dado pela mídia, em particular, pelo telejornalismo à violência contra a mulher. Objetiva analisar e refletir sobre o papel da mídia, em particular, da televisão, no processo de reprodução do sistema patriarcal de gênero no âmbito da sociedade brasileira, a partir de conteúdos e narrativas jornalísticas sobre os crimes cometidos contra Andréia Rodrigues e Eliza Samúdio. Nesse sentido, a luz da perspectiva crítica, buscamos apreender as particularidades do sistema patriarcal enquanto sistema de dominação do homem sobre as mulheres e, ainda desvelar a participação dos veículos de comunicação tradicionais como espaços de perpetuação e manutenção da desigualdade entre homens e mulheres. Para apreender tal realidade, tivemos como direcionamento a teoria social crítica, ancorada no materialismo históricodialético, que nos possibilitou aproximarmos e apreendermos o fenômeno investigado inscrito numa realidade dinâmica e contraditória. A pesquisa teve abordagem qualitativa. Recorremos à literatura especializada da área, a partir de autores clássicos e contemporâneos. Realizou-se a análise de conteúdo das matérias catalogadas, e entrevistas com sujeitos envolvidos nas temáticas de gênero, e/ou comunicação. O exame crítico das matérias indicou que o telejornalismo é perpassado pelas contradições inerentes a vida social, significa que, afirma e reafirma a ideologia das classes dominantes, seus valores e concepções de mundo, mas também, expressa os conflitos e demandas sociais. O estudo revelou que, na televisão, prevalece a reprodução de estereótipos e de desigualdades de gênero, que marcam sobremaneira a vida das mulheres. Pudemos verificar que a violência contra a mulher obtém uma abordagem espetaculosa e sensacionalista sem aprofundamentos sobre as relações sociais que a determinam e fundamentam. Palavras chaves: telejornalismo; patriarcado; violência contra a mulher 8 ABSTRACT This thesis is consisted of a theoretical and empirical study about the treatment given by media, particularly on telejournalism, to violence against women. It aims to analyze and reflect about the role of media, particularly television, on the process of reproduction of patriarchy system of gender on the context of Brazilian society, from content and narrative news about crimes committed against Andreia Rodrigues and Eliza Samudio. In light of the critical perspective, we seek to apprehend the particularities of patriarchy as a system of domination and subjugation of women, and also reveal the involvement of traditional means of media on reproduction and maintenance of inequality between men and women. To apprehend that reality, we had as guidance a critical social theory, grounded in historical-dialectical materialism which enabled us to apprehend the phenomenon under investigation actually enrolled in a dynamic and contradictory reality. The research had qualitative approach. We appeal to the specialized literature of the area from classical and contemporary authors. We conducted a content analysis of categorized matters, and interviews with individuals involved in issues of gender and / or communication. The critical examination of the matters indicated that television journalism is permeated by the contradictions inherent in social life, means that states and restates the ideology of ruling classes, their values and worldviews, but also express conflicts and social demands. The study revealed that prevails on television playing stereotypes and gender inequalities. We could also see that violence against women gets a sensationalist overblown approach and with no insights on the social relations that determine and base it. Key words: telejournalism; patriarchy; violence against women. 9 LISTA DE SIGLAS CODIMM – Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Mulheres e das Minorias CONNAR – Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária CONFECOM – Conferência Nacional de Comunicação CFEMEA – Centro Feminista de Estudo e Assessoria CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CRESS – Conselho Regional de Serviço Social CRIS - Communication Rights in the Information Society - Comunicação na Sociedade da Informação DEAM – Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher EBC – Empresa Brasil de Comunicação FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ONG – Organização Não-Governamental PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNDH – Plano Nacional de Direitos Humanos SOF – Sempreviva Organização Feminista SBT – Sistema Brasileiro de Televisão TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação TV – Televisão 10 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Simulação de trabalho investigativo – TJ1 ..........................................100 FIGURA 2 – Reportagem sobre a investigação TJ1 ...............................................100 FIGURA 3 – Eliza é levada do Rio para Minas Gerais – TJ4 ..................................105 FIGURA 4 – Eliza sofre agressão durante a viagem, ficam marcas de sangue no carro – TJ4 ..............................................................................................................105 FIGURA 5 – Bruno chega ao sitio – TJ4 .................................................................105 FIGURA 6 – Eliza é levada até seu algoz – TJ4 .....................................................105 FIGURA 7 – Momento em que Marcos Aparecido amarra os braços de Eliza e a sufoca – TJ4...........................................................................................................105 FIGURA 8 – Corpo de Eliza é esquartejado, posto em um saco preto e jogado aos cães – TJ4 ...............................................................................................................105 FIGURA 9 – Eliza: imagem exibida duas vezes na reportagem exibida no TJ5............................................................................................................................122 FIGURA 10 – Eliza: Imagem exibida duas vezes na reportagem do TJ5 e três vezes no TJ3 ......................................................................................................................122 FIGURA 11– Bruno: saindo de treino - Imagem exibida no TJ5 .............................123 11 LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS TABELA 1 – Emissoras de tv controladas por grupos religiosos) .............................49 TABELA 2 – Crimes de Ampla veiculação nos anos 1990.........................................77 TABELA 3 – Tempo das reportagens caso 1 ............................................................98 TABELA 4 - Tempo das reportagens caso 2 .............................................................98 GRÁFICO 1 – Distribuição veículos de comunicação por cargos políticos ...............48 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 15 2 CONTRADIÇÕES E PARTICULARIDADES DA COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO DO CAPITAL CONTEMPORANEO ..................................................... 27 2.1 A apropriação, uso e controle dos meios de comunicação: particularidades da realidade brasileira .................................................................................................... 28 2.1.1 L´enjeu: apropriação e produção da informação na reprodução da vida social .. ....................................................................................................................................28 2.1.2 As mulheres e a mídia tradicional: defesa da diversidade nos meios de comunicação ............................................................................................................. 33 2.2 A informação nos tempos contemporâneos: mercantilização versus informação crítica ..........................................................................................................................38 2.2.1 A informação mercadoria: a sociedade capitalista e a mercantilização das dimensões da vida social .......................................................................................... 39 2.2.2 Privatização do público e a defesa da regulamentação e democratização da comunicação no Brasil .............................................................................................. 43 2.3 A televisão brasileira: avanços tecnológicos e a espetacularização vida social..........................................................................................................................52 2.3.1 “A TV é tão importante que de janela passou a paisagem”: centralidade da televisão no cotidiano social ...................................................................................... 52 2.3.2 Violência e espetacularização: elementos centrais nas telas de TV ............... 57 3 A REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA E DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO NA MIDIA .................................................................................................................. 63 3.1 Criminalização da questão social e expressões da violência: terreno contraditório e multifacetado .................................................................................... .64 3.2 Exploração e ocultação das determinações da violência na mídia.................. 71 3.3 Violência contra a mulher: expressão da questão social forjada e mantida pelo patriarcado e pelo capital .......................................................................................... 78 4 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ESPAÇO MIDIÁTICO: OS CASOS DE ELIZA E ANDRÉIA ............................................................................................. 90 4.1 Ponto de partida: tecer os fios da história, desconstruir visões e “verdades” 13 forjadas na e pela mídia. ........................................................................................... 91 4.1.1 Casos emblemáticos da cobertura de situações de violência de gênero pelos telejornais .................................................................................................................. 92 4.1.2 “A questão é que a realidade não pode ser escondida”: dramatização e espetacularização da violência.................................................................................. 97 4.2 “A dor da gente não sai no jornal”: violência contra a mulher no noticiário televisivo.................................................................................................................. 108 4.2.1 “Quem nunca saiu na tapa com uma mulher?”: expressões de naturalização e banalização da violência. ........................................................................................ 109 4.3 Os Fios (in)visíveis do patriarcado nas narrativas televisivas e jornalísticas.117 4.3.1 Reprodução de desigualdades e estereótipos de gênero na/pela televisão..118 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... .127 6 REFERENCIAS ............................................................................................. 132 7 ANEXOS 14 Quimeras Latentes No mapa secreto das palavras Elas vão contando suas histórias Silenciosamente vão forjando primaveras livres Estão em todos os lugares, São milhões, milhares E também são seculares, Sobrevivem no sertão árido dos homens, Sonham com novos outubros, Reproduzem-se na selva amazônica do capital São femininas, elementares E, ainda sim, são plácidas, Nascem das desigualdades E, por toda vida lutam Contra a violência da carência fatigada Fustigada por sinistras cantilenas Têm corpos desertos e desejos obsoletos Vontades subalternizadas, passivas de novas lutas Onde arrefecer está no campo das impossibilidades Invisíveis vão tecendo no orvalho da manhã Quimeras de límpidos horizontes E, silenciosamente, transformam-se em labaredas entreabertas numa encruzilhada sem fim contra todo tipo de exploração Andam de peito aberto e olhar aguerrido Trazem nos olhos páginas avulsas em branco Quem sabe, sonhando um dia escrever igualdades e liberdades num mundo emancipado. Daniela Castilho Poetisa e Assistente Social 15 1. INTRODUÇÃO Como afirma Freire (2009), a mídia se constitui um excelente campo a ser analisado por nós pesquisadores e pesquisadoras. O registro diário das notícias nos possibilita de forma contínua e sistemática uma série de informações sobre os valores, ideologias, relações e práticas sociais que compõem a realidade. Com esse entendimento, nos propomos percorrer os sinuosos caminhos da comunicação, seus limites e possibilidades na função social que assume, articulando nesse debate a discussão sobre gênero e violência contra a mulher. É diante da chamada “midiatização” da vida social que nos dispomos a analisar o papel da mídia no processo de reprodução e perpetuação do sistema patriarcal. Buscamos desvelar os mecanismos mobilizados na produção e difusão da informação pela mass media1 em particular, pelos telejornais que contribuem na construção e reprodução da ideologia dominante, a qual reforça e sustenta as desigualdades sociais e, em especial, as desigualdades de gênero. Tomamos matérias veiculadas pelos telejornais sobre os crimes cometidos contra Andréia Rodrigues (2007) e Eliza Samudio2 (2010) para, a partir das coberturas destes casos, analisar em uma perspectiva crítica, a atuação da mídia televisiva na sedimentação de relações desiguais de gênero, considerando que existe um padrão de comunicação inscrito em cada tempo histórico, com particularidades inerentes a cada formação social. O interesse pela problemática inicia-se na graduação em Serviço Social com a participação em disciplinas, oficinas e cursos sobre a temática de gênero. Ainda influenciou o interesse pela discussão em foco, a inserção, por ocasião do estágio curricular, na Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Mulheres e Minorias – 1 Mass media corresponde a um conjunto de técnicas de difusão de mensagens (culturais, informativas ou publicitárias) destinadas ao grande público, tais como a televisão, a rádio, a imprensa; meios de comunicação social. O termo é sinônimo de Mídia, sendo este mais utilizado no Brasil. Ao logo do trabalho utilizaremos as duas terminologias. Ver Sales (2009) 2 Eliza Silva Samudio, 25 anos, natural do Paraná desapareceu na provável data de 04 de junho de 2010. O principal acusado do seu desaparecimento é Bruno (mandante), ex-jogador de futebol e pai do seu filho. Andréia Rosângela Rodrigues, 37 anos, natural do Rio Grande do Sul, morava no Rio Grande do Norte com o marido Andrei e duas filhas. Foi morta no dia 22 de agosto de 2007 pelo marido, com a participação dos familiares deste. 16 CODIMM. Posteriormente, estas experiências influenciaram a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso/Monografia. Neste estudo, buscamos apreender as relações desiguais de gênero expressas nos programas televisivos, problematizando-os enquanto mecanismo de reprodução das relações desiguais entre os gêneros. Analisar a dinâmica da violência que se objetiva nos processos de produção e reprodução da sociedade contemporânea mostra-se um grande desafio, haja vista, a diversidade e complexidade que a envolve. Estamos diante de um tema atual que se “reproduz e sofre metamorfoses sob condições objetivas marcadas pela sociedade burguesa, considerando as particularidades assentadas nos marcos da sociedade brasileira” (SILVA, 2006, p. 32). No Brasil, os índices de violência têm ganhado proporções alarmantes. Segundo o Mapa da Violência 20113, entre 1998 e 2008, o número total de homicídios registrados passou de 41.950 para 50.113, representando incremento de 17,8%. A pesquisa aponta, ainda, que os jovens são os mais atingidos pela violência no país. As causas externas são responsáveis por 73,6% das mortes, dentre as quais os homicídios correspondem a 39,7%, para cada 100 mil jovens. Ainda, o estudo evidencia que a violência contra a mulher continua em crescimento em todo o país. Entre 1998 e 2008, 42 mil mulheres foram assassinadas. As taxas anuais do período giram sempre entre 4,25 homicídios para cada 100 mil mulheres. No período, em vários estados, principalmente do Nordeste 4, a exemplo da Bahia, Maranhão, Rio Grande do Norte e Sergipe, o crescimento dos homicídios femininos foi significativo. No Rio Grande do Norte, as cidades com maior incidência de violência contra a mulher são: Mossoró (10,4% 5), Parnamirim (5,4%), Açu (3,4%) e Natal (3,5%). A pesquisa revela igualmente que, no Brasil, 40% dos crimes perpetrados contra as mulheres ocorreram na residência ou habitação das mesmas. 3 Waiselfisz, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2011. Os Jovens do Brasil. Brasília, Ministério da Justiça, Instituto Sangari, 2011. 4 A Bahia, 173%; Maranhão, 137%; Rio Grande do Norte, 154% e Sergipe, 110% (dados relativos ao aumento do índice assassinatos de mulheres em 10 anos). Caderno Complementar 2/Mapa da Violência 2011. 5 Porcentagem para cada 100 mil mulheres. 17 Esses dados revelam a crescente degradação da vida humana na sociedade capitalista, condicionada dentre outros fatores, pelo agravamento da questão social e das desigualdades sociais. O agravamento e a complexidade que assume a questão da violência nas cidades e no campo e, em particular, as expressões da violência contra mulheres, nos instigam a questionar a naturalização destes fenômenos, muitas vezes, tomados como ação isolada e pontual, circunscrito á esfera individual. Os elevados índices de violência fazem com que o fenômeno esteja sempre presente nos meios de comunicação, especialmente nos noticiários televisivos. Os episódios mais chocantes constituem motivo de variadas reportagens tendo em vista a capacidade de atrair a atenção do telespectador. Outros, por sua vez, são simplesmente invisibilizados. Todavia, de forma majoritária, a mídia tende a naturalizar e banalizar o fenômeno, ora situando-o geograficamente (típico das periferias, de determinados segmentos da classe trabalhadora), ora subjetivando-a (atos insanos, loucos). No âmbito da sociedade brasileira os meios de comunicação, em especial a televisão, se destacam pela centralidade na vida cotidiana. Segundo dados do IBGE em 2009, 95,7% dos lares tinham pelo menos um aparelho de televisão (IBGE, PNAD, 2009). Em 2010 a pesquisa Hábitos de Informação e Formação da População Brasileira, verificou que 94% da população costumam assistir televisão, e a maioria assiste TV aberta (77%)°(BRASIL, 2010). Assim, entendendo a centralidade e o poder de alcance da mídia na sociedade, nos inquietamos com a prevalência de discursos psicologizantes ou de culpabilização da vítima nas abordagens sobre a violência contra a mulher ainda. A reprodução de discursos ancorados no prisma da ideologia patriarcal naturalizam formas de opressão historicamente construídas. Contudo, assim como a realidade social, os veículos de comunicação são contraditórios e, portanto, podem possibilitar tanto avanços no enfrentamento da violência, como retrocessos. A complexidade atual na qual se gesta a formação societária promove uma pluralidade de fatores de manutenção e perpetuação das relações patriarcais. Ora, o patriarcado engendra-se no tecido social, circunscrito nos meios de produção e de reprodução. Embora, referencie a dimensão de gênero, expande-se por toda a 18 sociedade, no conjunto das relações sociais, espraiando suas hierarquias e relações de poder em todos os espaços de sociabilidade. Nesse sentido, o sistema ideológico patriarcal encontra nos veículos de comunicação tradicionais, espaços propícios à sua perpetuação. Historicamente, o sistema de comunicação brasileiro tem cumprido a função de reprodutor da ideologia das classes dominantes. Assim, a mesma orientação é reiterada em seus produtos; implícita e explicitamente, aparece nas relações de dominação, que afirmam o poder dos homens sobre o corpo e a vida das mulheres. Deste modo, as relações de gênero, construídas no decorrer do processo histórico e social, forjadas nas diferenças observadas nos sexos são sistematicamente, naturalizadas pelos diversos espaços sociais, dentre eles, os canais televisivos. Ademais, o conjunto das relações sociais é condicionado pelos processos de produção e reprodução da vida social. Deste modo, as dimensões culturais, políticas e ideológicas estão submetidas à lógica do modo de produção em curso. De acordo com Saffioti (1987), a desigualdade entre homens e mulheres é construída e naturalizada pela sociedade em distintos momentos históricos através de variados papeis designados para as categorias de sexo. A situação de subordinação das mulheres resulta de um longo processo histórico permeado por determinações econômicas, religiosas, culturais e políticas. Ao longo do desenvolvimento das sociedades, estes fatores possibilitaram a consolidação da dominação masculina como um sistema que, embora passe por alterações, mantémse presente nas relações sociais (MOREIRA, et all, 2006). Do ponto de vista teórico-metodológico as categorias gênero e patriarcado são centrais na apreensão crítica do objeto de estudo. Com efeito, as categorias gênero e patriarcado, inscritas em relações de classe são, pois, complementares na compreensão das relações sociais entre homens e mulheres, como também nas relações entre mulheres e mulheres, homens e homens. Elas nos ajudam a apreender como são objetivadas as desigualdades e as diversas manifestações de violência, que caracterizam as relações sociais, em particular, nas modernas sociedades capitalistas, as quais marcam, sobremaneira, a vida das mulheres. Neste sentido, Mirales (2009, p. 128), ressalta que essas categorias, 19 [...] constituem-se em possibilidades reflexivas sobre a condição das mulheres e ao mesmo tempo, possibilidades para a construção de uma história que seja capaz de enfrentas os preconceitos derivados destas questões. Assim, observando a complexidade da problemática, buscamos particularizar nosso objeto de estudo em um dos mecanismos que entendemos ser na atualidade um espaço de divulgação, disseminação e legitimação de valores e ideias que sustentam a estrutura societária vigente e, em particular, contribuem para a reprodução da condição de submissão das mulheres, das situações de opressão e, a naturalização das variadas expressões de violência. Analisamos especificamente dois casos, não somente pela amplitude e comoção social, mas, sobretudo pela forma espetaculosa com que foram tratados pelos veículos de comunicação. Entendemos estes casos como particularidade da totalidade social na qual se encontram inseridos. Assim, as características e elementos presentes e mobilizados nos mesmos revelam dimensões da dinâmica mais geral de nossa sociedade, no tempo histórico em análise. Durante dias e dias, em diversos programas e, principalmente no noticiário jornalístico, reportagens sobre a violência sofrida por mulheres são difundidas sem conter elementos que esclareçam e possibilitem aos telespectadores uma compreensão mais ampla dos casos tratados. Em geral, repetem-se informações, imagens e são articulados elementos que findam por levar a conclusões apressadas ou enviesadas sobre as matérias em pauta. Nesse sentido, se por um lado, a veiculação dos crimes dá visibilidade às expressões de violência e a situação de opressão vivenciada por tantas Elizas e Andréias, por outro, constatamos que não esta não permite uma reflexão aprofundada sobre determinantes das expressões de violência abordadas. De acordo com Queiroz (2008), no senso comum, a violência é entendida como o uso agressivo da força física. Contudo, afirma a autora (op. cit. p. 20), “[...] a violência não se limita ao uso da força física, mas a possibilidade ou ameaça de usála [...] constitui a dimensão de sua natureza”. Assim, associa-se intrinsecamente a ideia de poder, ao ressaltar a “possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um ator sobre o outro”. Para a autora Em seu significado mais freqüente, a violência quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a 20 fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob a pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta, enfim, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano (QUEIROZ, 2008, p. 20). Os estudos de violência contra as mulheres já somam mais de três décadas no Brasil. Segundo Passinato (2006), o debate sobre violência contra a mulher ganha relevância na década de 1970, momento em que ocorrem denúncias de crimes passionais e da impunidade penal. Aos poucos, o tema ganha destaque e passa “[...] a representar bandeira de luta do movimento de mulheres brasileiro”. Nos anos 1980, amplia-se o debate político, e ao mesmo tempo, crescem as mobilizações e denúncias de agressões e maus tratos nas relações conjugais. Essas lutas são propulsoras da criação dos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência6 (PASSINATO, 2006; QUEIROZ, 2008). Passinato (2006, p. 131) enfatiza, que “[...] o fenômeno da violência contra as mulheres foi sendo construído [politicamente] ao mesmo tempo em que era denunciado pelo Movimento Feminista”. Entendemos a violência cometida contra a mulher enquanto expressão das relações desiguais de gênero que, associadas às desigualdades de classe e etnia estruturam as relações sociais entre homens e mulheres. É ainda apreendida como uma relação de poder, de dominação do homem e de submissão da mulher. Evidencia que os papeis impostos às mulheres e homens, consolidados e reforçados, ao longo do processo histórico pela ideologia patriarcal, criam condições para as relações violentas entre os gêneros, as quase se constituem relações baseadas na dominação e na exploração. Nessa perspectiva, a violência perpetrada contra as mulheres não se reproduz como um processo natural, mas enquanto parte constitutiva da socialização dos sujeitos. A partir desse entendimento, podemos afirmar, que a violência cometida contra Eliza e Andréia, que vitimiza centenas de mulheres no Brasil, tem constituição histórica, sofrendo modificações nas variadas conjunturas. A historicização da violência nos possibilita apreendê-la enquanto complexo elaborado no processo de 6 Em 1895 é criada a primeira Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher em situação de violência, em São Paulo. 21 formação de sociabilidades e, portanto, passível de desconstrução. Trata-se de um fenômeno que, embora não tenha sido gerado pela sociedade capitalista, encontra no terreno da sociabilidade do capital condição concreta à reprodução e perpetuação (SANTOS, 2010). Pensar a relação entre as categorias, mídia, gênero e violência a partir da perspectiva de totalidade requer desvendar suas contradições, antagonismos e identificar a multiplicidade de significados que adquirem na realidade social. Fazê-lo, significa evidenciar o conjunto das relações que os envolvem contrapondo-se a análises particularistas e fragmentadas da realidade. Nessa dissertação pretendemos analisar o desenvolvimento dos veículos de comunicação, em especial da televisão, e a relação no processo de disseminação da ideologia burguesa, mais precisamente, sua participação na reprodução das relações desiguais entre homens e mulheres sob a lógica do sistema patriarcal. Buscamos identificar os aspectos culturais, políticos e econômicos presentes na produção jornalística, os quais, majoritariamente tendem a culpabilizar a mulher pela situação de violência por ela vivenciada e/ou atribui ao agressor, distúrbios psicológicos, contribuindo deste modo, para a ocultação dos aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais determinantes das diversas expressões de violência vivenciada pelas mulheres. No âmbito do Serviço Social o debate sobre comunicação vem se aprofundando desde a década de 1990 culminando com a Política de Comunicação do conjunto CFESS/CRESS elaborada em 2001. Nessa perspectiva acreditamos que para o conjunto da categoria, o debate político sobre a temática abordada é bastante profícuo. Ainda, enquanto expressão da questão social, a violência contra a mulher se constitui objeto de análises e de constantes intervenções no exercício profissional do Assistente Social. Dessa forma, aprofundar tais categorias significa: imbuir à categoria profissional de conhecimentos para a apreensão da reprodução das relações sociais e, portanto, a desnaturalização das desigualdades. Nesse sentido, para que possamos percorrer tal caminho sem incorrer em equívocos importa-nos desvelar as contradições constitutivas do nosso objeto de estudo. Assim poderemos apreender o universal que incide nas particularidades da mídia e da violência contra a mulher no momento histórico atual. A partir daí, 22 identificar os encadeamentos recíprocos no jogo das relações estabelecidas pelos veículos de comunicação no enfrentamento ou, ao contrário, na reprodução acrítica das desigualdades determinantes da violência vivenciada pelas mulheres. Mediante a complexidade da realidade, investigar e analisar processos sociais não se constitui uma tarefa fácil. No movimento do real a mídia contribui na disseminação de valores, ideologias e práticas sociais que permitem “sustentar e avalizar a lógica do grande capital”, fortalecendo o conformismo e a passividade diante das “transformações societárias em curso” (SIMIONATO, 2003, p. 273), mas numa lógica inversa também possibilita a veiculação de informações e a interação de grupos e indivíduos em um contexto assolado pelo individualismo. Como afirma Minayo (1993, p. 23), a pesquisa constitui uma “atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente”. Destaca-se ainda, como atividade que propõe uma “aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota” (ibidem). Trata-se, portanto de um processo de aproximações sucessivas mediante o qual nos debruçamos sobre o fenômeno em análise para desvelarmos os determinantes e suas particularidades materializadas. Assim, por compreender não apenas a complexidade da temática proposta, mas, sobretudo sua natureza histórica e as dimensões econômica, cultural e política que a envolve, desenvolvemos nossa pesquisa a luz perspectiva crítica-dialética. Consideramos que tal perspectiva nos possibilita analisar a realidade social identificando como nela se estruturam as relações entre homens e mulheres; permite-nos apreender contradições e antagonismos presentes na sociabilidade capitalista, seus rebatimentos sobre a mídia e, em particular, sobre a televisão e, como este tipo de mídia participa da construção ideológica que sedimenta e contribui para a reprodução de tais contradições. Os procedimentos metodológicos compreendem pesquisa bibliográfica, entrevistas e análise das matérias arquivadas em meio digital e catalogadas. Como fonte secundária, utilizamos matérias relacionados aos dois casos divulgadas por jornais impressos, nas suas versões online, digitalizadas e armazenados em meio digital. Utilizamos ainda falas, interpretações e opiniões sobre os episódios 23 divulgados em sítios da internet e armazenados em nossos arquivos. Porém, o nosso foco de análise são as reportagens cujos conteúdos referem-se à morte de Andréia Rodrigues e ao desaparecimento de Eliza Samudio – imagens e depoimentos, análises, e interpretações dos episódios pelos sujeitos arrolados nas notícias. As matérias sobre a morte de Andréia foram cedidas por uma emissora local (oito matérias) e, posteriormente, transcritas e analisadas. Obtivemos as notícias que tratam do desparecimento de Eliza de seis telejornais distintos disponíveis em sítios da internet (globo.com, youtube.com, R7.com). Algumas dificuldades se interpuseram nesse processo, dentre elas, destacamos: a) disponibilização das reportagens pelas emissoras locais, ocasionando atrasos em nosso processo de pesquisa. Apenas uma emissora nos concedeu as reportagens; nas mesmas, foram cortados os enunciados dos apresentadores, elemento a nosso ver importante nas análises, b) obtenção de reportagens na integra disponíveis na internet, sem cortes que comprometessem as análises. Estas dificuldades nos levaram a rever várias vezes cada matéria, a confrontar cada uma com um conjunto de informações obtidas em outras matérias ou em sítios. Os vídeos obtidos foram visualizados sistematicamente para seleção daquele que nos pareceu mais completo, portanto, sem cortes, passíveis de comprometer nossa investigação. No caso das reportagens cedidas pela emissora local, procedemos à análise dos conteúdos, desconsiderando os enunciados do apresentador. A pesquisa bibliográfica esteve presente em todo o percurso da pesquisa, possibilitando o “desvelar do objeto”. A leitura sistemática de pesquisas e textos teórico-metodológicos revelou-se imprescindível para esclarecer categorias e conceitos, além de fornecer instrumental teórico-metodógico para processo de investigação e nos guiar nas aproximações sucessivas com relação ao nosso objeto de estudo. Permitiu-nos ainda o gradativo e processual distanciamento com relação à dimensão fenomênica e identificar os diversos elementos que envolvem o objeto estudado. As entrevistas (semi-diretivas) foram utilizadas para ampliar e aprofundar o conhecimento sobre o tema pesquisado, a partir de questões previamente estabelecidas. O instrumental nos possibilitou esclarecer questões que não haviam 24 sido elucidadas através do material bibliográfico e das análises por nós realizadas. Entrevistamos sujeitos efetivamente inseridos nos processos analisados, envolvidos nas questões investigadas: um jornalista, um militante da área da comunicação e duas feministas. As entrevistas semi-estruturadas foram, portanto conduzidas com base em uma estrutura flexível a partir de questões abertas relacionadas à temática pesquisada. Os sujeitos das entrevistas são identificados com pseudônimos escolhidos dentre títulos de jornais de esquerda e de jornais feministas (Pasquim 7, Versus8, Mulherio9 e Nosoutras10). Os seguintes eixos de investigação conduziram as entrevistas realizadas: a importância da comunicação e da televisão para a sociedade contemporânea; o crescimento da quantidade de reportagens relacionadas à violência, apresentado dimensões do sensacionalismo; as relações desiguais entre homens e mulheres na sociedade e sua reprodução pela mídia; violência cometida contra as mulheres e a repercussão do fenômeno nos telejornais. A análise das matérias pautou-se em alguns aspectos previamente escolhidos que, direcionaram nossa apreensão do conteúdo explicito e implícito das notícias catalogadas: imagens veiculadas nas matérias, evidenciando a forma espetaculosa com a qual foram tratados os episódios selecionados; termos recorrentes nas falas dos sujeitos envolvidos; análises e interpretações que indicavam formas ideológicas do sistema patriarcal, reprodução do machismo e sexismo; declarações sobre a violência contra a mulher e a condição da mulher na sociedade. Dentre os veículos de comunicação, escolhemos a televisão dada à importância que adquire no cotidiano social 11. Particularizamos no gênero telejornalístico, tendo em vista que não raras vezes, é caracterizado por sua confiabilidade, seriedade e neutralidade no tratamento e transmissão de 7 Pasquim jornal semanal veiculado de1969 a 1991, reconhecido por seu papel de oposição ao regime militar. 8 Versus jornal alternativo cultural em circulação entre 1975 e 1979 com tiragens de até 35 mil exemplares. 9 Mulherio, um dos periódico feminista da época. Circulou de 1981 a 1987, com até 12 mil tiragens por mês. 10 Nosotras, periódico Feminista editado de 1974 a 1976. A proposta era discutir a condição da mulher e aprofundar a consciência de gênero de suas integrantes. 11 Segundo o Jornal da UFRJ (2005), o brasileiro passa em média 3,5 horas por dia em frente à televisão. 25 informações. Historicamente, os jornais têm tido a função social de veicular informação sobre os acontecimentos sociais, culturais, políticos e econômicos de nossa sociedade. Diversos segmentos sociais utilizam jornais, folhetins, rádios como instrumentos estratégicos para propiciar, ao conjunto da sociedade, informações relacionadas aos processos sociais que os envolvem. Nos últimos anos, as mudanças ocorridas nos marcos dos processos de mundialização do capital, com destaque para o crescimento dos fluxos de capitais, mercadorias e de pessoas, concorreram para valorizar ainda mais as notícias e reforçar seu caráter mercantil. Ademais, nas sociedades marcadas pela mercantilização de todas as dimensões da vida social, a exemplo das modernas sociedades capitalistas, a informação constitui matéria de consumo por excelência. Ora, para torná-la matéria de consumo é preciso torná-la atrativa, envolvê-la em narrativas dramáticas com forte apelo emocional (indignação, comoção, euforia, passividade). Considerando nosso foco de interesse – as expressões de violência contra mulheres tratadas pela mídia, em particular pelos telejornais -, tivemos que adentrar o universo das comunicações para entender sua gênese e desenvolvimento no contexto histórico brasileiro. Esse movimento foi necessário para apreendermos os elementos universais que conformam os processos comunicacionais, e suas incidências sobre a construção das agendas telejornalísticas. Analisando a transmissão de notícias sobre violência contra a mulher nos preocupamos em identificar os interesses implícitos e explícitos naquelas notícias, os fundamentos e aportes ideológicos que permeiam sua veiculação. Preocupa-nos especialmente, os elementos contidos nas narrativas e as imagens que reforçam e banalizam a opressão-exploração vivenciada pelas mulheres. O trabalho ora apresentado compreende uma introdução, três seções intrinsecamente articuladas, considerações finais, referências e anexos. O projeto de pesquisa obteve assentimento do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Protocolo n. 100) Na primeira seção que constitui a introdução, situamos de forma sucinta nosso objeto de estudo, assim como a vertente teórico-metodológica na qual a pesquisa foi embasada. Apresentamos os elementos que nos motivaram a 26 aprofundar nossos estudos sobre o tema, sua relevância social e acadêmica (Serviço Social) e o percurso metodológico que nos permitiu alcançar alguns resultados expostos nas considerações finais. Na segunda seção discorremos sobre a comunicação e a formação de conglomerados de midiáticos a partir da fase monopólica do sistema capitalista. Discutimos o papel da televisão, suas principais particularidades no contexto de contradições e ampliações dos antagonismos e desigualdades na sociedade brasileira. Em seguida, tratamos do debate sobre democratização da comunicação e as formas alternativas de comunicação, dentre as quais a feminista na perspectiva de apreender processos contraditórios que marcam os sistemas de comunicação no nosso país. Na terceira seção, prosseguimos o debate sobre comunicação, problematizando, a rotineira criminalização da questão social e das expressões da violência no telejornalismo brasileiro. Abordamos, sucintamente, a discussão sobre a questão social e suas manifestações na sociedade brasileira, dentre as quais, enfatizamos a violência contra a mulher. Em seguida, realizamos uma explanação conceitual sobre relações sociais de gênero e patriarcado na perspectiva apreender os aspectos que sustentam e mantém as relações desiguais entre homens e mulheres na sociedade contemporânea, na sua particularidade brasileira. Na quarta seção problematizamos o tratamento dado pelos telejornais à violência contra a mulher; sua participação na reprodução de estereótipos e preconceitos sobre as mulheres e, para a manutenção e perpetuação do sistema patriarcal. Apresentamos as análises das matérias catalogadas, sobre a naturalização e banalização da violência nos veículos de comunicação e identificamos das expressões patriarcais de gênero nos conteúdos e narrativas jornalísticas ao se referirem à violência contra a mulher. Nas considerações finais, retomamos as principais questões identificadas a partir das análises das matérias selecionadas, enfocando o papel da mídia, em particular da televisão, na construção de percepções e apreensões sobre as mais variadas dimensões e processos sociais. 27 28 2.1 A APROPRIAÇÃO, USO E CONTROLE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO: PARTICULARIDADES DA REALIDADE BRASILEIRA Tomando a sociedade capitalista como totalidade em seu movimento contraditório de reprodução, entendemos que a mídia desempenha papel de destaque. Enquanto particularidade desta totalidade, ela expressa as contradições que marcam cada tempo histórico e, ao mesmo tempo, é perpassada por estas contradições. Analisar as formas de apropriação uso e controle dos meios de comunicação no contexto da sociedade brasileira implica considerar a dimensão da luta de classes, a disputa de projetos políticos e societários, seus determinantes e implicações nos processos de construção e veiculação de notícias, na formação das empresas de comunicação, assim como nas expressões de disputa de hegemonia da classe trabalhadora. Deteremo-nos na análise da conformação do sistema de mídia brasileira, objetivando fornecer elementos subsidiários à apreensão de sua constituição, desenvolvimento, e ainda, as contradições que perpassam os processos comunicacionais no âmbito da sociedade brasileira, haja vista o destaque e centralidade que têm no dia a dia de seus/suas espectadores/as, leitores/as. Assim, ao longo do texto delinearemos mais precisamente nosso objeto, inscrevendo-o em um contexto socioeconômico e político mais amplo do capitalismo, considerando a particular inserção do Brasil neste contexto. 2.1.1 L´enjeu: apropriação e produção da informação na reprodução da vida social Para discutir a temática em foco, pareceu-nos necessário problematizar a comunicação a partir de sua constituição histórica, especificamente, sua expansão no contexto de desenvolvimento do capitalista (era dos monopólios) e do desenvolvimento 12 da indústria Cf. Adorno, Theodor W, 2007. cultural12. Esses dois elementos revelam-se 29 imprescindíveis para apreendermos o desenvolvimento do modelo midiático brasileiro, sobretudo, suas configurações no momento histórico atual. Em tempos de crise estrutural e de mundialização do capital, a mídia expressa através de seus diferentes espaços/instrumentos de comunicação, a luta de classe e as disputas por hegemonia no seio da sociedade. Como destaca Fontes (2010, p.14), nesse terreno contraditório, as lutas de classes também “sofrem inflexões”, contudo, permanece o fundamento primário do capitalismo que “opõe a concentração da propriedade à socialização expandida e internacionalizada da produção”. Assim, a face “bárbara” do capitalismo é senão elemento necessário para sua manutenção e continuidade. Contraditoriamente, o capitalismo mantém forças produtivas arcaicas e ultrapassadas; as misérias herdadas, são incorporadas às misérias modernas, promovem a desigualdade social, exploração, opressão e a mercantilização em todas as esferas da vida social. No sentido de frear e amenizar os processos reivindicativos dos grupos subalternizados, o capitalismo atualiza e/ou reedita valores, regras de comportamento, formas de ver e estar no mundo. Dimensões que atuam na redefinição das correlações de forças entre as classes. Assim, segundo Simionatto (2003, p. 276), as novas configurações das relações sociais, não se referem apenas à criação de uma nova forma de organização do trabalho e do capital, mas também à formação de novos pactos e consensos entre capitalistas e trabalhadores, já que o controle do capital não incide somente na extração da mais-valia, mas implica, ainda, no consentimento e a adesão das classes à nova ideologia. Decerto, as formas de organização do capital e as estratégias de fortalecimento de seu projeto hegemônico são múltiplas e multifacetadas. Assim, o conjunto das transformações econômicas e sociais ocorridas do final no século XIX e durante o século XX promoveram “novas formas de organização do capital, do trabalho e do Estado” (SIMIONATTO, 2003, p. 277). Contribuem para isso, os avanços tecnológicos nas áreas da microeletrônica e informática, que permitiram tanto o aumento da exploração do trabalho, quanto à elaboração de meios de comunicação altamente sofisticados. Sob o comando do capital a comunicação adquire particularidades próprias à 30 sociabilidade capitalista. Os meios de comunicação, sob o comando das classes dominantes, têm contribuído para a promoção do consenso e do controle da classe trabalhadora. São responsáveis pela disseminação do arcabouço ideológico que procura universalizar interesses particularistas, em nome de conceitos supostamente universais. Dessa forma, os mass media exercem papel relevante na manutenção de consensos e de controle voltado, notadamente, para pobres, negros, jovens e ainda sobre as mulheres. Como salienta Moraes (2010, p. 94), a manutenção de uma concepção dominante implica em assegurar unidade ideológica para todo um grupo social. Assim, “do ponto de vista das corporações midiáticas, trata-se de regular a opinião através de critérios de agendamento de temas que merecem ênfase, esvaziamento ou extinção”; temas que recebem igualmente determinados tipos de tratamento, de abordagem. Assim, as mídias buscam veicular conteúdos que contribuam para unificar e organizar uma consciência coletiva a partir de valores e princípios estabelecidos pelas classes dominantes. Formar opinião é, sobretudo, uma intervenção ideológica, diretamente ligada à hegemonia política. Tais aspectos nos parecem centrais na problemática em tela. Quando falamos em hegemonia13, estamos nos referindo à capacidade de uma classe ou conjunto de classes articular dimensões (política, ideológica e cultural) que permitam dirigir moral, cultural e economicamente a sociedade. Para Moraes (2010), um grupo hegemônico não é aquele que detém o poder econômico, mas aquele que além das bases econômicas congrega percepções e juízos de valor “aceitos” por todos ou pela maioria. Segundo Gruppi (1978) Para Gramsci uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento que consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante14. Trata-se, portanto da capacidade de elaborar uma concepção de mundo que guie o senso comum e estabeleça uma aparente harmonia entre as classes. Mas, apenas na aparência, pois enquanto perdurarem contradições originadas no 13 Cf Gruppi, 1978; Gramsci, 2002 14 In: Gruppi, L., 1978. 31 antagonismo capital/trabalho sempre haverá rebeliões, movimentos reivindicatórios, mesmo que estes sejam seguidos de momentos de passividade e retrocessos. Tendo em vista a inserção dos meios de comunicação na vida cotidiana dos sujeitos sociais, na condição de transmissores de informação e de formadores de opinião, estimamos indispensável analisar o protagonismo que desempenham na formação da consciência coletiva. Tal análise implica em desvelar as formas de convencimento, visões de mundo, formas de ser coletivas e os valores implícitos no processo de construção e de difusão da informação. Como ressalta Moraes, [...] A referência de valores e modos de ser e pensar tem a ver com o fato de que é no domínio da comunicação que se esculpem os contornos da ordem hegemônica, seus tentáculos ideológicos, suas hierarquias, suas expansões contínuas no bojo da mercantilização generalizada dos bens simbólicos (2010, p. 94). A lógica mercantil que perpassa a comunicação no nosso país limita a capacidade da população ao acesso à informação crítica sobre a realidade. A forma fragmentada, manipulatória e espetacular com que as notícias são tratadas, minimizam os elementos de análise que permitam à população ver para além da imagem reproduzida, ou da fala anunciada. Conforme Abramo (1988), a imprensa tende a induzir a outra realidade, embora as notícias enunciadas tenham relação com a realidade concreta e, por essa razão exponha mesmo que sutilmente, as contradições da realidade social. Vivenciamos um tempo histórico onde os meios de comunicação assumem lugar de destaque na vida cotidiana. Está nos lares, trabalho, lazer... Inscrevem-se como fonte de formação e de informação dos indivíduos; através destes, a maioria das pessoas se informa dos acontecimentos do país. Conforme Salles (2008) é preocupante a dimensão da televisão no cotidiano dos sujeitos sociais, constituindo fonte quase exclusiva de informação em um país onde 20,3%15 da população, não conseguem entender o que lê. Destaca o autor, 15 Segundo dados do PNAD, a taxa de analfabetismo funcional (percentual de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo) vem diminuindo entre 2004 e 2009, mas ainda mantém índices elevados. O Nordeste é a região com maior índice de analfabetos na população maior de 15 anos, embora venha reduzindo os índices os percentuais de 2004 a 2009(IBGE, PNAD, 2009). Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1708. Acesso em 21.09.2011. 32 [...] a televisão e o rádio ganham ainda mais poder, já que para transmitir suas mensagens não dependem que o público seja alfabetizado. Esta característica da mídia de massa poderia ser um dado positivo, já que no Brasil os veículos de radiodifusão são concessões públicas e, portanto, deveriam ser controlados pelo povo brasileiro – e em seu benefício (SALLES, 2008, p. 53). À medida que os media ditam costumes, criam novas necessidades de consumo, influenciam nos rumos políticos das sociedades, enfim, afirmam-se como necessários ao desenvolvimento da sociabilidade e não raras vezes, se constituem instrumentos de negação de valores humanos genéricos como o respeito às diversidades étnicas, sociais, sexuais e de gênero (RUIZ, 2009). Contraditoriamente, em um movimento oposto, os veículos de comunicação independentes constituem alternativas às grandes corporações e a suas pautas. As rádios comunitárias figuram como bons exemplos de resistência à comunicação empresarial, mesmo sofrendo a repressão do poder público e a falta de recursos tecnológicos e financeiros (VELOSO, 2005). Apesar das dificuldades encontradas pela comunicação alternativa, é inegável a importância que tais veículos têm para a disputa de ideias no seio da sociedade. No Manifesto Comunista, Marx e Engels (1998) já afirmavam o valor dos veículos de comunicação para a socialização de informações entre grupos sociais. Segundo os autores, em dado momento, a união crescente dos trabalhadores em torno de lutas coletivas foi facilitada pelos meios de comunicação, permitindo o contato entre os trabalhadores de localidades distintas. Panfletos, jornais, folhetins destacam-se como exemplos de veículos comumente utilizados por se diversos segmentos para veicular ideias, valores e projetos políticos. Ressaltando a relevância da comunicação, Gramsci (2007, p. 67) afirma que, o surgimento da imprensa escrita provocou uma revolução “[...] no mundo da cultura, dando a memória um subsídio de valor inestimável”. A imprensa possibilitou a socialização da produção intelectual e cultural até então transmitida através da linguagem falada. Para a humanidade significou ganho inestimável. Todavia na sociedade capitalista parte da imprensa escrita e dos meios visuais de comunicação está sob o comando de poucos grupos empresariais. Como estes detêm o poder econômico e ideocultural, se sobrepõem aos movimentos contra-hegemônicos e as formas alternativas de mídia. Ainda assim, a dinâmica 33 histórica abre a possibilidade da construção de uma vontade coletiva, ou seja, de um projeto transformador da sociedade, “apesar do instrumento organizativo oferecido pelos excepcionais meios de comunicação postos em funcionamento pelo sistema do capital, enfatizar a negação [...] de novas formas de luta política comum” (SANTUCCI, 2003, p. 254-255). Podemos aqui fazer duas observações: inicialmente, pensar os veículos de comunicação sob as bases da sociabilidade do capital nos remete a própria formação destes, ou seja, implica entender que não surgem do nada, não são autônomos, são elaborados e desenvolvidos sob condições concretas segundo a direção ideológica de uma classe (burguesa). No Brasil, diferentemente de outros países, os meios de comunicação “já nasceram privatizados”, fortemente ligados às elites políticas de cada região e, assim, seguem até os dias atuais (SALES, 2007, p. 99). A segunda é que os meios de comunicação não são homogêneos. Mesmo que as instituições midiáticas sejam comandadas por grupos empresarias, também são compostas por profissionais com visões distintas e por vezes divergentes. Tais instituições situam-se, portanto, em terreno contraditório, respondem à lógica mercadológica e por vezes, demandas e anseios da sociedade. Diferentemente da compreensão amplamente presente no senso comum não trazem a marca da “neutralidade” ou da “objetividade” nem mesmo nos seus programas informativos ou nos noticiários. Essas análises preliminares nos permitiram refletir sobre a orientação ideológica que perpassa a constituição dos grandes grupos de comunicação e, comandam as empresas midiáticas numa totalidade dinâmica e contraditória permeada por valores e concepções antagônicas. Passamos, então, a trilhar os caminhos da crítica feminista à comunicação de massa, além de apontar alguns exemplos da mídia alternativa feminista construída no seio do movimento para pensar estratégias de inserção e interação com a mídia tradicional. 2.1.2 As mulheres e a mídia tradicional: defesa da diversidade nos meios de comunicação Feitas as primeiras aproximações sobre a mídia, adentramos nas reflexões do 34 movimento feminista sobre a comunicação buscando evidenciar o modo como o movimento tem se apropriado desse mecanismo para socializar ao conjunto da sociedade suas reivindicações, e ao mesmo tempo, visibilizar à opressão e à exploração a que as mulheres estão submetidas. Historicamente, através da ocupação do espaço público, o movimento organizado de mulheres vem problematizando a condição feminina na sociedade. Desde seu nascedouro, o movimento feminista reconhece o papel da mídia na produção de estereótipos de gênero. Dessa forma, a crítica ao modo como as mulheres eram representadas nos meios de comunicação, em especial na segunda metade do século XX, acompanha o processo organizativo do movimento (WOITOWICZ, 2011). Segundo Veloso (2005), consciente da lógica que orienta a indústria cultural, o Movimento Feminista16 reconhece os veículos de comunicação de massa como espaços de reprodução dos valores patriarcais onde são perpetuadas as desigualdades de gênero, raça, orientação sexual e onde a sexualidade feminina é cotidianamente explorada nos programas dos mais variados gêneros (novela, propaganda, programas de entretenimento). Assim, entende que desconstruir o sexismo presente tanto na programação, quanto nas redações implica necessariamente adentrar nesse universo e dialogar com os meios massivos e comunitários. Ademais, entende que os meios de comunicação contribuem na importância dada aos temas sociais e políticos do momento. Estima que estes podem vir a promover17 o debate sobre os direitos humanos, incluindo ou não os direitos e a posição das mulheres na sociedade. Para a autora, As feministas reconhecem que podem contestar não só a concentração nas redes de comunicação, mas também o sistema econômico, que as exclui, e o patriarcado, que agudiza as desigualdades de gênero (VELOSO, 2005, p. 52). 16 A partir das leituras e entrevistas realizadas identificamos que a imagem da mulher na mídia, a forma estereotipada e preconceituosa como as mulheres são abordadas nos meios de comunicação, principalmente, nas propagandas é preocupação comum (com maior ou menor intensidade) às diversas correntes do Movimento Feminista. 17 Obviamente, os mass media não o fazem espontaneamente, de forma geral são pressionados a fazê-lo seja pela pressão de sujeitos organizados coletivamente, seja por interesses puramente do mercado. 35 Ao abordar a importância da criação ou apropriação da mídia pelo movimento feminista, Woitowicz (2011) observa que na década de 1970 foram sendo criados novos espaços de publicização de propostas e demandas das mulheres, a partir de variados meios: revistas, boletins, jornais alternativos, luta por espaço dentro da grande imprensa, do rádio, da televisão e do cinema. Nesse contexto, surgiram as primeiras publicações feministas. No primeiro momento, as produções voltava-se para as questões de classe, trabalho, economia entre outros assuntos mais gerais, que agitavam aquele momento histórico. Posteriormente, os temas se tornam mais específicos, voltados ao debate de gênero, trabalho feminino, orientação sexual. Nesse período, as feministas começam a se apropriar das leituras de gênero com repercussões em suas publicações, que passam incorporar reflexões sobre a categoria. Entre a década de 1970 e os dias atuais, inúmeras publicações feministas foram lançadas. Nós Mulheres, Brasil Mulher e Fêmea, destacam-se como os principais exemplares da imprensa feminista no Brasil (CARDOSO, 2004). Produzir seus próprios meios de comunicação se tornava relevante para dar visibilidade às demandas das mulheres, e ao mesmo tempo, contrapor-se ao machismo e ao sexismo presentes nas grandes corporações midiáticas. A impunidade diante dos crimes cometidos em “nome do amor”, a participação das mulheres nas decisões políticas do país, as relações desiguais no âmbito do trabalho e no espaço doméstico, foram problemáticas alvo de diversas campanhas elaboradas pelo movimento feminista as quais conquistaram a opinião pública. A campanha “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher” configurou uma ação que possibilitou articular e sistematizar as demandas das mulheres e apresentá-las à sociedade e aos/as constituintes através da “Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte”. As campanhas “quem ama não mata”, “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher” e, mais recentemente, a campanha “quem financia a baixaria é contra a cidadania”, compõem o leque de exemplos dentre tantos outros de produções noticiosas do movimento feminista. Estas campanhas foram amplamente divulgadas em revistas, jornais e folhetins alternativos. Além das campanhas e revistas elaboradas e publicadas, chamou à atenção 36 das feministas a forma estereotipada e depreciativa como as mulheres eram expostas nos veículos de comunicação. Desde então, o Movimento Feminista vem pautando e se apropriando do debate sobre comunicação. Segundo Woitowicz (2011), uma das primeiras tentativas de discutir comunicação ocorreu no Encontro do Movimento das Mulheres no Brasil, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 1981, que dentre as temáticas discutidas no evento destaque à comunicação. O evento enfatizou o papel educativo dos media, considerando que cumprem “não apenas o seu sentido conservador de reprodução da ideologia dominante, mas também, o seu sentido de mudança enquanto focos de resistência e propagadores das novas ideias e valores” (WOITOWICZ, 2011, p. 04) A partir da IV Conferência da Mulher, em Pequim/China – 1995, o movimento feminista intensifica a crítica à concentração de propriedade e poder nas grandes redes de comunicação. Como ressalta Veloso (2005, p. 7), doravante, o movimento passa a analisar a conformação de grandes conglomerados midiáticos como engrenagens da formação social capitalista, que podem “agudiza(r) as opressões de classe, gênero, raça e orientação sexual”. As reflexões feministas apontam a necessidade de compromisso por parte dos estados na adoção de políticas de comunicação que possibilitem ao conjunto dos sujeitos coletivos, a participar das instituições midiáticas - sejam as grandes redes, ou os meios comunitários. Ainda, tais reflexões permitem evidenciar a urgência da criação de mecanismos democráticos de monitoração e controle de conteúdos, atentando para aqueles de caráter discriminatório e vexatório que agridem as mulheres e sua subjetividade (VELOSO, 2005). Certamente, veículos de comunicação não determinam as condições e subordinação das mulheres. As causas têm raízes profundas nas estruturas econômicas, políticas, culturais socialmente determinadas e só poderão ser extintas através de transformações sociais, cuja finalidade seja a construção de outra forma de sociabilidade e de novas relações entre homens e mulheres. Contudo, os meios de comunicação têm até certo ponto, o poder de estimular ou, ao contrário, atrasar tais transformações, tendo em vista sua capacidade de formação de opinião e de consciências. Diversos sujeitos coletivos que compõem o movimento feminista contam com 37 veículos de comunicação, nos mais diversos formatos e suportes (impresso, sonoro, audiovisual, on-line). Estes meios atuam numa perspectiva de alternativa frente ao discurso hegemônico promovendo o debate e apresentando as reivindicações das mulheres. Destacam-se ainda como instrumentos de articulação das lutas das mulheres (WOITOWICZ, 2011 p. 6). O jornal Fêmea 18 (CFEMEA), a Folha Feminista19 (SOF – Sempreviva Organização Feminista) e o Jornal da Rede (Rede Feminista de Saúde) são exemplos de produções feministas que, nas suas edições, trazem temáticas relacionadas aos direitos das mulheres: direitos sexuais e reprodutivos (o aborto e políticas públicas); enfrentamento à violência de gênero; diversidade sexual; economia feminista, além de problematizarem a forma estereotipada e preconceituosa como as mulheres são representadas nos veículos de comunicação tradicionais. Mesmo dispondo de alguns meios e instrumentos de articulação, politização e enfrentamento as relações desiguais de gênero, o movimento de mulheres encontra inúmeras barreiras para inserir-se nos meios tradicionais de comunicação. Como Afirma a entrevistada “Mulherio” militante feminista Marcha Mundial de Mulheres, A questão da mídia é um problema, porque o que temos de visão dominante na sociedade, faz parte dos grupos dominantes detentores dos meios de comunicação. A gente ainda não tem uma democratização da mídia, isso faz com que os movimentos sociais como um todo, e não só o movimento feminista sejam criminalizados. Porém, apesar da prevalência dos interesses dominantes e patriarcais, segmentos do Movimento Feminista, entendem que estar presente nesses espaços revela-se importante para visibilizar a questões que lhe são caras. Nesse sentido, salienta “Nosoutras”, militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileira, Não vale só dizer que a Rede Globo é uma grande massificação, que são apenas interesses [burgueses], porque a gente já sabe de tudo isso, mas como fazer essa contra hegemonia, de como agir de forma contra cultural?. [...]Talvez seja criando pautas e metas contra culturais mesmo que esteja na contra mão do que a gente tá 18 O Fêmea possui uma tiragem de 13.000 exemplares (além dos acessos on-line), abrangência nacional e a periodicidade, que já foi trimestral, é atualmente mensal (desde 2008). 19 A Folha Feminista não tem uma periodicidade regular e possui uma tiragem de 1.500 exemplares, que circulam entre grupos feministas, além da versão on-line, disponível no site da ONG ( WOITOWICZ, 2011). 38 acompanhando e que ganha à mídia”. Continua, No 8 de março [dia das mulheres] somos muito convidadas pelos canais de comunicação. Aí a gente vai nas entrevistas e diz que a questão da mulher não é apenas no mês de março, é nos 365 dias do ano, se faz uma fala feminista naquele espaço. Então é uma forma de estarmos utilizando esses meios, através de uma entrevista. Não é falar o que eles querem, mas é mostrar exatamente nosso lado. Nesse sentido, os movimentos de mulheres articulados a outros sujeitos coletivos (Fórum Nacional pela Democratização da Mídia, Intervozes, Consulta Popular entre outros) vêm pautando e discutindo o direito à comunicação, a democratização e o controle social dos meios de comunicação, com objetivo inibir a concentração de propriedade e a formação de conglomerados midiáticos. 2.2 A INFORMAÇÃO NOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS: MERCANTILIZAÇÃO VERSUS INFORMAÇÃO CRÍTICA O desenvolvimento das forças produtivas permitido pelas engrenagens do modo de produção capitalista propiciou a sofisticação e diversificação das formas de comunicação entre os homens/mulheres. Nesse contexto, a televisão se destaca como um dos mecanismos de comunicação que mais tem se desenvolvido com as novas tecnologias. Enquanto os jornais impressos se tornam obsoletos ou perdem a força, em um mundo marcado pela comunicação “digital”, pela presença multifacetada da internet, a Televisão confirma sua posição no “centro da sala”, conquista cada vez mais centralidade da vida das pessoas, além de ganhar “as ruas” com o apoio da telefonia móvel. Como observa Souza (2010, p. 2), vivemos imersos em uma sociedade em que, cada vez mais, são criados aparatos eletrônicos conectados às telecomunicações que dinamizam os processos e provocam mudanças em todas as áreas da vida social; nas relações pessoais e profissionais de homens e mulheres. Conforme o autor, “tornou-se obsoleto, nos dias de hoje, falar e, principalmente usar, cartas, máquinas de escrever, vinil e outras antiguidades que foram substituídas por email ou scraps, computador, cd, ipod”. 39 Essas inovações importantes para o processo de acumulação capitalista ao promoverem a mercantilização das esferas da vida social através do apelo ao consumo pelas vias da publicidade, ao disponibilizarem, no mercado, produtos com performances diversas e ampliadas. Podemos dizer que as novas tecnologias da informação e da comunicação desempenham papel importante, com efeitos sobre as relações sociais, passando a inquirir e questionar o papel do Estado e das organizações sociais na regulação de seu uso e apropriação. O incentivo do Estado ao desenvolvimento, expansão e utilização das tecnologias da informação ao sabor dos imperativos do mercado tem sido confrontado com questionamentos oriundos de organizações sociais que militam pela democratização da mídia e pela ética no trato e difusão de informações, imagens, etc. 2.2.1 A informação mercadoria: a sociedade capitalista e a mercantilização das dimensões da vida social A emergência e consolidação do capitalismo promoveram a mercantilização das diversas dimensões da vida social, ao mesmo tempo em que se processaram transformações nas relações sociais. Assim, à medida que o capitalismo avança e se desenvolve são elaboradas novas formas de disseminação dos valores ideológicos que o fundamentam. Nesse processo os mecanismos e as vias de comunicação ganham valor. Estes integram o complexo e vasto universo da cultura e se inter-relacionam com as distintas esferas da vida social atuando na reprodução das relações sociais. Inserida na totalidade da vida social e não isenta das determinações do real, a produção cultural é gradativamente transformada em objeto de consumo, plenamente convertida em mercadoria. Magalhães comentando as ideias de Cevasco, (2001, p. 31) entende a cultura como, [...] constitutiva de um processo social, é um modo de produção de significados e valores mais básico[s] para o funcionamento da sociedade do que a noção de uma esfera separada. São esses significados e valores que organizam a vida comum (CEVASCO, 2003, 110-112 apud MAGALHAES, s/d, p. 03). 40 Com efeito, a cultura produz mediante o trabalho criador, obras de pensamento e obras de arte que capturam a experiência do mundo dando-lhe um sentido, interpretando-o, criticando-o, transformando-o. Na sociedade de classes, na qual a exploração, a dominação e a desigualdade constituem traço característico, a cultura passa a refletir sua racionalidade, metamorfoseada em passatempo, em entretenimento, veiculada por vezes, através de uma tela de televisão (CHAUI, 2006). A mercantilização da cultura e de suas expressões faz surgir à indústria cultural. Como provoca Fadul (2002, p. 4), trata-se de uma indústria muito especial, que produz “[...] não uma mercadoria qualquer, mas sim uma mercadoria que possui um valor simbólico muito grande”. A produção da indústria cultural objetiva homogeinizar os conflitos sociais, promover o consenso e controle dos sujeitos sociais. Enquanto produtos da indústria cultural, os meios de comunicação, em especial a televisão, contribuem para a mercantilização da vida social. O apelo ao consumo nas publicidades fomenta criação de novas necessidades no cotidiano. O fetiche da mercadoria (Marx, 1996) se faz cada vez mais presente, assim como a manipulação e a alienação produzidas pelo modo de produção capitalista e reforçadas pelos meios de comunicação. Com efeito, a necessidade lucrativa do capital, exige ampliação da esfera do consumo. Assim, conforme Coutinho (2010), a possibilidade de consumir, carece de mecanismos manipuladores dos desejos dos homens/mulheres. Estrategicamente, a propaganda comercial é orientada para incentivar e criar necessidades de consumo que, do ponto de vista racional, não se colocam como prementes ou incontornáveis para os indivíduos. Segundo Chauí (2006), em tempos de imediatismo e descartabilidade, a propaganda deixa de apresentar um produto propriamente dito e passa a assegurar desejos. Para a autora (idem), a propaganda comercial passa a vender imagens e signos ao invés de mercadorias. Assim, ao adquirir determinado produto uma pessoa satisfaz um desejo (harmonia, tranqüilidade) ao invés de uma necessidade. Não queremos dizer com isso, que os indivíduos assimilem passivamente os conteúdos publicitários. Por certo, existem resistências às formas hegemônicas de 41 pensamento. Obviamente, a luta de ideias e de projetos sociais travada no âmbito da sociedade possibilitam condições objetivas e subjetivas para o exercício do pensamento crítico, assim como, para criação de formas alternativas de comunicação. Entretanto, não se pode negligenciar o peso da ideologia dominante fincada nas estruturas sociais de reprodução. Neste sentido, consideramos indispensável explicitar as contradições existentes nos meios de comunicação de massa. Sob esse prisma, podemos pensar a mídia dialeticamente, estabelecendo relações entre as dimensões estruturais e ideológicas que a conformam e fundamentam. Nessa lógica, negamos as visões mecanicistas baseadas na aparência e no senso comum. Conforme Silva (1982), os meios de comunicação também são perpassados por contradições presentes na totalidade social. Eles não estão isentos das expressões das lutas de classe – são desenvolvidos, administrados e objetivados por pessoas, com valores e concepções distintas –, nesse sentido, embora prevaleçam o controle e o comando dos interesses e valores das classes dominantes, podemos identificar em seus produtos, por exemplo, abordagens de assuntos de interesse da sociedade. Assim, a mídia tem incluído em suas produções, situações vivenciadas no cotidiano social que, à medida que são expostas, podem representar avanços no que se refere ao enfrentamento de preconceitos, discriminações e violências. Essas raras brechas podem ser visualizadas em alguns conteúdos midiáticos que possibilitam entendê-la não apenas como espaço de criação de consensos, mas também como espaço contraditório. Nessa lógica, a mídia se configura não somente como mecanismo de construção de consensos e padrões, mas, também, como instrumento, pautado na ótica do diálogo desigual que a fundamenta, o qual possibilita a reflexão sobre os conflitos sociais, ainda com limites impostos na composição da produção midiática (NOVA, 2000). Como explica a autora, Este diálogo desigual é marcado pela unidirecionalidade da comunicação praticada, mas consolidado na possibilidade de variadas leituras, o que termina por relativizar o controle da mídia, não permitindo o engessamento e a simples manipulação das vontades e opiniões (NOVA, 2000, p. 24). 42 Partindo de tais premissas, podemos afirmar que a mídia constitui instrumento tanto de construção da hegemonia (burguesa conservadora), criando modelos e padrões que devem ser desejados e seguidos por todos/as, como, a partir da construção de novos formatos e estruturas midiáticas, pode apontar alternativas para a construção de uma contra-hegemonia, de uma nova forma de pensar e agir, apesar dos limites impostos pela ordem societária vigente. A tecnologia e a ampliação da internet, sem dúvida, inclusive em países como o Brasil, possibilitam às camadas populares, maior acesso aos bens culturais. Por exemplo, muitas vezes, discos, livros e filmes podem ser acessados completos em sites na internet. O acesso possível não significa efetiva utilização destes meios, dadas às condições materiais de milhares de famílias É evidente ainda que, a disponibilização desses elementos culturais (por si só) não corresponde a uma apropriação crítica e/ou a elevação da consciência das classes oprimidas. A reelaboração dos processos culturais e a construção de alternativas à cultura hegemônica constitui um percurso complexo e implica mudanças mais profundas nas estruturas sociais. No Brasil, as empresas de comunicação são predominantemente comerciais. Deste modo, são regidas pela lógica mercantil, pelos interesses do capital. As emissoras de televisão, veículo de comunicação de massa surgido nos anos de 1950, figuram dentre os mais poderosos dispositivo de difusão de valores que sustentam a sociedade do consumo. O crescimento e o aprimoramento da televisão tornam-se recurso estratégico para a expansão do capitalismo em nosso país, atuando como agente de reprodução de capital. A inovação (imagem e som) proporcionada pela TV tem tido importância singular para a comercialização de produtos, estimulando o consumismo através de espaços publicitários. Como destaca Liedke (2007, p. 06), a “prova disto é que o crescimento das redes de televisão esteve associado à formação dos grandes centros urbanos, criando-se emissoras conforme a concentração populacional” oriunda dos processos de industrialização e de desenvolvimento das forças produtivas. Em sua gênese a televisão já apresenta a intenção de tornar-se produto de consumo de massa. Podemos inclusive considerá-la como uma das mercadorias típicas do padrão fordista de produção ao lado dos automóveis. Inicialmente, é 43 apresentada ao conjunto da classe trabalhadora nas praças públicas20. Posteriormente, com incentivo do Estado, a produção em larga escala possibilita reduzir o valor de comercialização e, progressivamente ampliar o consumo até sua inserção em praticamente todos os lares brasileiros. Ao longo das últimas décadas, a televisão se aprimora e se renova. Nessa primeira década do século XXI, aglutina diversas tecnologias e assume centralidade ainda maior no dia-a-dia dos/as brasileiros/as. Porém, a propriedade de equipamentos e o direito de explorar este meio de comunicação estão concentrados nas mãos de poucas famílias e grupos empresariais, constituindo um verdadeiro império produtor e monopolizador de informações. A concentração de propriedade, a propriedade cruzada dos veículos de comunicação e a mercantilização da informação são características das indústrias de mídia em diversos países do mundo. No Brasil, essa característica impõe sérios limites à socialização de informações críticas, à democratização e ao controle social da comunicação. Portanto, se por um lado à mídia, em particular a televisão se reveste de uma áurea democrática por possibilitar o contato com diferentes povos e culturas; eliminar barreiras geográficas; permitir conexões regionais e globais, por outro lado, ampliam o poder de grupos manipuladores da informação mediante a formação de oligopólios (SIMIONATO, 2003). No Brasil, em grande medida, o poder de manipulação dos meios de comunicação dar-se pela concentração de propriedade, propriedade cruzada, escassa legislação, e ainda pela omissão do Estado no estabelecimento de marcos regulatórios para a comunicação do país. 2.2.2. Privatização do público e a defesa da regulamentação e democratização da comunicação no Brasil A Declaração dos Direitos Humanos21 anuncia que “todos [e todas] têm direito a liberdade de expressão e de opinião. Esse direito inclui a liberdade [...] de receber 20 21 Apenas as famílias mais abastadas tinham aparelho de televisão em suas casas. Declaração dos Direitos Humanos, 1948, art. 19. 44 e transmitir informações e ideias através de qualquer meio”. Porém, como afirma Veloso (2005), esse direito tem sido historicamente negado pela formação de grandes grupos empresariais. Assim, as corporações midiáticas impulsionam o mercado (marketing comercial) e, consequentemente legitimam o atual modelo hegemônico de sociedade. Enfatiza a autora (op. cit., p. 39), A perpetuação das relações de poder por meio da lógica cultural e econômica que move a imprensa desfavorece a apropriação dos meios pela população, destituída de recursos para competir com o poderio das grandes corporações. Nem mesmo as mídias independentes e comunitárias dispõem de recursos capazes de fazer frente ao conglomerado privado. Como afirma Fonseca (2005, p. 01), nas últimas décadas, vem ocorrendo uma acentuada transformação “nos sistemas de organização institucionais das indústrias culturais, levando a uma onda de concentração de propriedade e capital”, a exemplo do que ocorre em outros setores da economia, ou seja, a crescente formação de oligopólios midiáticos, com fusões de grandes redes de comunicação e a racionalização da administração das empresas. Para Sales, No Brasil, salta aos olhos a concentração dos meios de comunicação nas mãos de empresários, dublê de políticos, e de algumas poucas famílias poderosas, os quais fazem desse oficio um negócio lucrativo, muitas vezes em detrimento do papel social e público que deveria ser a sua marca maior (2007, p. 99). No Brasil, a concentração de propriedade dos veículos de comunicação contraria o artigo 220, parágrafo 5º da Constituição Federal de 1988, cujo conteúdo estabelece que os veículos de comunicação do país não podem ser de forma direta ou indireta, objeto de oligopólios22 (BRASIL, 2006). Todavia, o cenário observado revela uma crescente monopolização dos mass media nas mãos de algumas poucas famílias e grupos empresariais. Segundo Lima (2004), no Brasil, oito grupos familiares do setor de rádio e televisão dominam estes meios de comunicação, a saber: nacionais: famílias Marinho (Globo); Saad (Bandeirantes) e Abravanel (SBT) regionais: famílias Sirostky 22 “Há 20 anos, 50 corporações dominavam o mercado de mídia nos EUA. Eram 23 no inicio da década passada. Hoje são cinco”. Folha de São Paulo, 27 de julho de 2003, p. A2. In. VELOSO. Ana. 2006. 45 (RBS); Daou (TV Amazonas); Jereissati (TV Verdes Mares); Zahran (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul); Câmara (TV Anhanguera). Ainda conforme o autor, dessas oito famílias apenas duas (Saad e Abravanel) não são afiliadas às organizações Globo23. Segundo Liedtke (2007, p. 434), as organizações midiáticas no país se desenvolveram a partir de “intimidades com o poder”, com políticas públicas de comunicação e distribuição de concessões de radiodifusão utilizadas com critérios políticos, reduzindo a participação da sociedade civil. A isto se soma a crescente desregulamentação do setor, a tendência internacional do neoliberalismo e da mundialização do capital, proporcionando a acentuada concentração de propriedade sobre meios de comunicação. Para Lima (2004, p. 53), o Estado brasileiro, [...] patrocinou a desregulamentação que permitiu a privatização das comunicações e a entrada de capital estrangeiro na telefonia, na TV e na radiodifusão, "é também por ação ou omissão do Estado que a legislação (ou a ausência dela) continua a permitir que boa parte da nossa radiodifusão e de nossa imprensa seja controlada por grupos familiares, esteja vinculada a elites políticas regionais e locais. Como salienta o entrevistado, Pasquim, militante de organização social que luta pelo direito a comunicação e integrante do Intervozes, A gente vive um cenário de desregumentação praticamente plena, porque tem umas leis que tratam da comunicação, mas elas não tratam da questão como um todo e, muitas vezes elas são contraditórias entre si. Isso impõe uma série de irregularidades que cada vez mais contribui para a concentração dos meios de comunicação na mão de poucas famílias. Embora, haja divergências entre grupos familiares, estes pertencem à mesma classe social, têm os mesmos interesses políticos e econômicos. E assim, com poucas pessoas controlando os veículos de comunicação do país, ocorre a monopolização e ampla veiculação dos valores e ideologias das elites dominantes. 23 A Rede de Globo de Comunicações dispõe de um verdadeiro império midiático. A família Marinho é proprietária de sites na internet, canais abertos e fechados de televisão (Globo, Globo News,Viva, Futura, SportTV, SportTV2, SportTV3), jornal impresso (O Globo), produtoras de filmes, novelas, propaganda e musical (SIGLA – Sistema Globo de Gravações Audiovisuais Ltda.), emissoras de rádio (Globo AM, CBM AM), editora (Editora Globo). Além de produção de figurinos e comercializar produtos veiculados na programação (Globo Marcas). 46 De acordo com Salles (2008, p. 54), Esse monopólio midiático atua em todos os setores da sociedade. Desde política e economia, passando pela cultura e pelo entretenimento, até chegar nas questões internacionais, ciência e turismo, entre outros. Suas intervenções nunca são neutras ou imparciais, como alguns sustentam. Como as corporações de mídia estão organizadas enquanto empresas, elas também buscam o lucro acima de tudo – para si e para as empresas associadas. Essa característica, por si só, inviabiliza a busca do equilíbrio e, mais além, torna-se determinante na elaboração das mensagens (objetivas e subjetivas) que projeta. O autor chama a atenção para o jogo de interesses que permeiam as empresas de mídia. Tais interesses tanto orientam a programação, como os conteúdos de suas pautas. Contudo, devemos salientar que a própria dinâmica do real impõe elementos condicionantes à formulação dos conteúdos transmitidos. Assim, nos veículos de comunicação, mesmo que predomine uma determinada visão de mundo, podemos identificar narrativas, análises e questionamentos que explicitam problemáticas importantes para o conjunto da sociedade. Podemos citar, por exemplo, as tramas novelescas que tem abordado a violência doméstica e contribuindo (observados os limites) na visibilidade e publicização da problemática. Segundo matéria veiculada pelo site UOL, em 2008 o número de denúncias de violência doméstica aumentou ao ser abordado pela novela “A favorita” 24 . A Central de Atendimento à Mulher registrou 269 mil denúncias, relatos de violência e pedidos de informação em todo o país. A procura pelo serviço aumentou 32% se comparada com 2007. Não podemos afirmar que o aumento das denúncias deve-se unicamente a novela, certamente outros fatores influenciaram as mulheres a procurar ajuda e informações. Porém, o poder de alcance da televisão na sociedade pode potencializar a transmissão e socialização de informações importantes para o conjunto da sociedade. Podemos afirmar, no entanto, que os meios de comunicação de massa (rádio, televisão, internet entre outros) tiveram/têm o papel significativo na formação da identidade social e cultural brasileira. Ajudaram a construir um Brasil “verde e amarelo”, de um “povo solidário”. O país do futebol e do carnaval, de mulheres e 24 A novela abordou a história das agressões de Léo (Jackson Antunes) a Catarina (Lilia Cabral). Foi ao ar em 2008 no horário das 21h. 47 paisagens bonitas e exuberantes... A televisão, particularmente no período ditatorial, contribuiu para a criação de uma imagem de um país nacionalista, relativamente homogêneo, de belas paisagens e pouca desigualdade social. Os meios de comunicação assumem, portanto, a função de unificar ideologicamente uma identidade coletiva cada vez mais fragmentada, tentando apagar, camuflar as diferenças étnico-raciais e de gênero e as desigualdades sociais. De um lado, possibilitam a criação de elementos simbólicos que subsidiam a construção de significados, valores e práticas de grupos ou classes sociais, do outro, indicam e veiculam imagens, discursos e representações que buscam dar coesão aos estratos que formam a totalidade social. Majoritariamente, as corporações de mídia tentam reduzir ao máximo as contestações de segmentos organizados da sociedade. De fato, esses canais são elaborados a partir de necessidades efetivas de conter as lutas e os movimentos das classes subalternas. São, portanto, necessários para conservar uma identidade “ideológica de todo um bloco social, [...] que não é homogêneo, mas marcado por profundas contradições de classe” (GRUPPI, 1978, p. 69-70). Nesse sentido, explicitamente, observamos a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, à exploração da violência frequentemente relacionadas às classes oprimidas, o apelo ao consumo como fonte de satisfação pessoal. A estreita ligação das concessões de radiodifusão no Brasil com políticos e partidos políticos, possibilita que sejam numerosos os parlamentares detentores concessões ou, sejam sócios de veículos de comunicação. Segundo o site “DonosdaMidia”25, 270 parlamentares, em todo país, são sócios de 324 veículos de comunicação, veja o gráfico a seguir. No Rio Grande do Norte, grande parte dos políticos são donos ou sócios de canais abertos de televisão e emissoras de rádio26. 25 Fonte: site “donos da mídia” – www.donosdamidia.com.br . O site resultado de um projeto que mapeou os sistemas e mercados de comunicação no Brasil. Projeto iniciado em 1978, contou com a participação de 350 pesquisadores. Em 2002 foi criado o sitio na internet denominado “donos da mídia” onde estão disponibilizados dados atualizados sobre a comunicação no país. 26 TV Ponta Negra (Família Souza; Micarla de Souza, prefeita de Natal); InterTV Cabugi ( Família Alves; Carlos Eduardo Alves, deputado Federal); TV Tropical Natal (Família Maia; Agripino Maia, senador). 48 GRAFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO POR CARGOS POLÍTICOS Esses números indicam a relevância da análise sobre a ação dos veículos de comunicação na conquista do eleitorado e na manutenção dos cargos políticos. Obviamente, não são eles que determinam os pleitos eleitorais, mas certamente, contribuem de forma emblemática para eleger candidatos/as. Ainda que a última campanha eleitoral para presidente tenha revelado um peso contrastante da mídia em nossa sociedade uma vez que as campanhas difamatórias contra a então candidata, hoje presidente do país, não surtiram os efeitos desejados, ou seja, a queda em sua popularidade, que conduzisse a outro resultado. Não podemos esquecer o efeito que obteve, por exemplo, na eleição de Fernando Collor de Melo. No ultimo debate entre Collor e Lula, a Globo, promoveu uma verdadeira manipulação com edições e cortes que privilegiaram Collor. Contraditoriamente, pouco tempo depois a emissora transforma protestos estudantis pela meia-entrada e carteirinhas nos “caras pintadas”, promovendo o “Fora Collor”. Por certo, a “propaganda” orquestrada pela emissora não foi responsável pela derrota de Lula, assim como, pelo impeachment de Collor, mas certamente, influenciou a opinião pública. Além da concentração de propriedade e, do elevado número de políticos que detêm concessão e/ou são sócios de veículos de comunicação, um dado importante 49 a ser considerado na mídia nacional: o chamado "império da fé", ou seja, a crescente proliferação de veículos de comunicação controlados por grupos religiosos (LIEDTKE, 2007, p. 13). Fenômeno vinculado basicamente ao aumento das “bancadas cristãs” no congresso, facilitando o processo de concessão de outorga de radiodifusão aos grupos religiosos. Das trinta maiores emissoras de televisão, nove são ligadas a grupos religiosos. TABELA 1 – EMISSORAS DE TV CONTROLADAS POR GRUPOS RELIGIOSOS Rede TV Record Família Aparecida Controle Doutrina/ Religião Nº de veículos Grupos afiliados Evangélica Evangélica Católica 142 27 17 30 1 3 Rede Vida Universal do Reino de Deus Universal do Reino de Deus Congregação do Santíssimo Redentor Organização Monteiro de Barros Católica 13 2 Canção Nova Rede Gêneses Gospel Século 21 Nazaré Fundação João Paulo II Com. Evangélica Sara Nossa terra Igreja Apostólica Renascer Associação do Senhor Jesus Arquidiocese de Belém do Pará Católica Evangélica Evangélica Católica Católica 12 11 11 2 2 2 2 1 1 1 Assim, sob a influência das classes, instituições e elites políticas os meios de comunicação, favorecem e impulsionam os interesses econômicos e políticos de grupos sociais específicos, detentores das concessões de radiodifusão e de editoras de jornais e revista. Convertem-se em legitimadores dos interesses ideológicos do modelo econômico atual, nega dessa forma, a dimensão de direito27 dos/as sujeitos sociais. As companhias midiáticas acompanham, assim, a forma capitalista de organização social. Contudo, não significa dizer que inexistam contradições, movimentando uma contra tendência na produção/veiculação de informações. Conscientes dessa lógica, a partir da década de 1980, paralelamente à mobilização 27 política pela redemocratização do país, surge as primeiras A comunicação enquanto direito humano vem sendo pautada por diversos ativistas. Expressa o direito de participar de todos os processos da comunicação, ou seja, do acesso, produção e veiculação de informações, ideias. 50 manifestações pela democratização da comunicação no Brasil. Congregando vários movimentos e categorias sociais, posteriormente, integrados com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), passam a desenvolver correlações de forças com o governo e os empresários da mídia. Considerando a importância da comunicação e do controle social mídia para o desenvolvimento das sociabilidades, o movimento passou atuar mundialmente e, a partir do Fórum Social Mundial, ocorrido em 2005, os movimentos sociais mobilizaram-se através da Campanha pelos Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação, conhecida como CRIS - Communication Rights in the Information Society (LIEDTKE, 2007, p. 2). As reivindicações do movimento pela democratização da mídia estabelecem pelo menos três elementos que precisam ser regulamentados. O primeiro deles é a divisão do espectro eletromagnético de forma que mais grupos e sujeitos coletivos possam participar das concessões de radiodifusão (seria uma espécie de reforma agrária no sistema de transmissão de TV e rádio) diminuindo a concentração de propriedade; o segundo elemento compreende os aspectos técnicos, concernentes as tecnologias utilizadas e o terceiro refere-se ao conteúdo. Este último elemento se constitui ainda, tema de calorosas discussões tendo em vista, a linha tênue entre controle e censura. Porém, para o movimento é essencial que se estabeleça critérios para a transmissão de conteúdos, respeitando as diversidades, os regionalismos, as expressões culturais das diversas sociabilidades. A Constituição de 1988 é um marco na formalização das reivindicações dos movimentos sociais organizados pela democratização da mídia. Porém, em terreno capitalista, há um descompasso entre a formalização e a efetivação dos marcos legais. Por essa razão, passadas duas décadas as diretrizes estabelecidas no texto constitucional ainda permanecem desregulamentadas, possibilitando assim a formação de oligopólios midiáticos. O Estado detentor do poder de regular e construir marcos para a expansão dos meios de comunicação favorece prioritariamente os interesses do grande capital, abrindo as portas para o capital internacional em detrimento de concessões a rádios e emissoras de TV alternativas. Não podemos omitir que não houve avanços pós Constituição de 1988. Dentre eles podemos considerar a EBC 51 (Empresa Brasil de Comunicação) constituída pela TV Brasil, canal público de televisão sintonizado em canal aberto, TV Brasil Internacional e oito emissoras de radio. Outro fator relevante foi à realização em 2009 da I Conferência de Comunicação (CONFECOM). Apesar das conquistas, frutos das pressões e mobilizações sociais, a luta pela democratização da mídia, enfrenta muitos desafios, o principal deles, “os donos da mídia” brasileira. Os grandes grupos de comunicação querem dominar todas as esferas sócias, criminalizar os movimentos sociais e as ações do Estado que provocariam mudanças nas relações entre sociedade e o sistema de comunicação (LOPES, 2011). No sentido de impedir os avanços relativos à democratização, as empresas comunicação realizam verdadeiros ataques terroristas, Um dos exemplos ocorreu recentemente com a discussão do Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH). Entre as ações previstas constava a regulamentação do o artigo 221 da Constituição Federal, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão como critério para outorga ou renovação das concessões (LOPES, 2011, p. 13). Além das ações, o PNDH previa penalidades administrativas “como advertência, multa e suspensão da programação ou cassação da concessão de acordo com a gravidade da infração cometida” (LOPES, 2011). No sentido de desqualificar o debate foi criada pela Rede Globo de Televisão 28 uma verdadeira campanha para influenciar a opinião pública, como se o estabelecimento dessas normas e critérios se constituíssem um retrocesso e retorno ao período ditatorial, censura. Podemos inferir, portanto, que a luta pela democratização e controle social da mídia tem um longo e tortuoso caminho a percorrer. Salientamos que na nossa 28 Um exemplo é a propaganda publicitária “o monstro da censura” elaborado pelo CONNAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) e seu braço acadêmico, a Escola Superior de Marketing e Propaganda. A peça, inserida propositadamente em meio ao bombardeio de notícias sobre o PNDH-3, envolve o telespectador numa de animação sombria, com a seguinte narrativa: “Ele era conhecido como o Último Suspiro, o laboratório mais seguro do mundo, a última fronteira para o mal. Ali, foram eliminadas as maiores aberrações existentes na face da terra, vírus, seres das profundezas oceânicas, bactérias. Experiências secretas foram feitas ali e, em uma cela especial, ainda habita a criatura mais terrível, o mostro da censura, que agora repousa fora de combate. A temperatura da sua cela é cuidadosamente controlada, o frio tem que ser constante, assim ele já mais despertará de novo. Nada pode distrair a tarefa da sentinela! Não deixe o mostro da censura acordar!” (RIBEIRO & BARBOSA, 2010, p. 3). 52 perspectiva, pensar em veículos midiáticos efetivamente democráticos é pensar na construção de outra forma de sociedade verdadeiramente livre e emancipada. Contudo, apesar dos limites impostos pela dinâmica capitalista, afirmamos a importância do enfrentamento e problematização da concentração de propriedade e da necessidade do controle social sobre os veículos de comunicação. 2.3 A TELEVISÃO BRASILEIRA: AVANÇOS TECNOLÓGICOS E A ESPETACULARIZAÇÃO DAS DIMENSÕES VIDA Na busca por um público mais fiel, que gere elevados índices de audiência, observa-se a cada dia a proliferação de programas com agendas apelativas, com requintes de sensacionalistas, que banalizam e naturalizam os complexos fenômenos sociais. Sabemos que sob bases capitalistas o lucro é o motor, o sustentáculo, das empresas privadas. Enquanto empresa privada 29 as emissoras de televisão – ou grande maioria delas – tem se apropriado das expressões da violência, da exploração da miséria, das dores humanas, das catástrofes, principalmente nos noticiários, como fonte de lucro. É evidente a banalização e naturalização da questão social, a negação da dimensão humana e da ética na maioria dos produtos televisivos. 2.3.1 “A TV é tão importante que de janela passou a paisagem” 30 : centralidade da televisão no cotidiano social Em meados do século XX, o mundo passava por mudanças profundas, que (re) definiram a produção e reprodução social dos anos subsequentes. O surgimento da televisão31 dá-se exatamente em meio a descobertas, avanços e desafios postos às sociedades humanas. Entendida a princípio como mero objeto tecnológico destinado à classe média, aos poucos se percebe o quanto esta 29 Apesar de se constituírem empresas privadas, as emissoras de radio e televisão precisam de concessão pública (espectro eletromagnético) para irem ao ar. Como bem público tem (deveria ter) a responsabilidade de transmitir informações de interesse do conjunto da população. 30 31 Frase de Daniel Piza. A televisão foi criada em 1920, pelo Inglês John Logie Baird e, estreou oficialmente na França, em 1935. No Brasil a televisão chega por volta da década de 1950. 53 invenção se mostrava importante para o desenvolvimento das sociedades capitalistas e para a perpetuação de seus valores. A internet e a televisão foram os veículos de comunicação mais beneficiados com criação de novos aparatos tecnológicos. Assim, a TV se introduz, de forma definitiva, no cotidiano das pessoas, diminuindo a noção de tempo/espaço, com uma vasta e variada gama de informações, com emissões ao vivo, com modalidades de interação in direct com os telespectadores que são chamados a intervir de modo mais efetivo nas programações, a participar do jogo de imagens e conteúdos produzidos e difundidos pela TV. A participação em tempo real ganha maior dimensão com a internet e a expansão do acesso ao telefone. A introdução da televisão no cotidiano brasileiro se dará na década de 1950, com a inauguração da PRF-3/TV Tupi, Canal 3 com pouco mais de 100 televisores na cidade de São Paulo. A primeira transmissão ocorreu no dia 18 de setembro daquele ano, contudo seu caráter ainda era regional e, poucos ainda tinham acesso ao meio de comunicação naquele momento. O reconhecimento da potencialidade da TV como meio de comunicação ocorre no período de governo ditatorial, instaurado pelo golpe militar de 1964. Nesse período, a televisão foi utilizada para auxiliar na criação da pretensa unidade brasileira e legitimar o regime vigente. Nesse contexto foram realizados investimentos na infra-estrutura comunicacional, com a criação de redes nacionais de televisão. A Rede Globo de Comunicações foi uma das emissoras que mais recebeu incentivos do governo militar. No movimento contraditório de expansão do capitalismo via industrialização por substituição de importações, através da industrialização no Brasil, a televisão destaca-se como um dos itens. Inicialmente, as classes dominantes e camadas das classes médias adquirem este bem. A partir da nacionalização da produção do aparelho receptor, tornou-se possível um maior número de brasileiros o acesso à televisão. Em 1960 em apenas 9,5% das residências brasileiras havia um aparelho de televisão; depois de dez anos, o número aumentou para 40,2%; chegando a 73%, em 1980 (LOPES, 2011). Nessa primeira década do século XXI, podemos afirmar que a televisão brasileira (grandes emissoras) encontra-se entre as mais desenvolvidas 54 tecnologicamente do mundo. Entretanto, os conteúdos de suas transmissões parecem não acompanhar tais evoluções. A prevalência de conteúdos comerciais em detrimento de educativos e culturais permanecem centrais em praticamente todas as emissoras de televisão. A televisão (objeto) bem como as retransmissoras de radiodifusão (emissoras) desenvolvem-se sob os moldes da sociabilidade que a conformam. Enquanto reprodutora do sistema modifica-se e adapta-se ao contexto histórico do qual faz parte. Assim, por exemplo, nos tempos mais recentes, em que há proeminência do sistema financeiro, a TV dá suporte aos bancos, vende empréstimos, ações das mais variadas áreas de produção, incentiva o consumo de itens do mercado financeiro, não deixando de cumprir seu papel na difusão de ideias, valores, na publicidade e produtos diversos. Com efeito, a televisão encontra-se em praticamente todos os lares brasileiros32. Obtém destaque, entre os veículos midiáticos, por ter a capacidade, construir realidades fragmentadas como se fossem a totalidade a ser conhecida. Majoritariamente, os produtos televisivos fazem recortes na realidade, desrespeitando as particularidades regionais, étnicas, geracionais, econômicas que a compõem, simplificando-a, ocultando sua complexidade, supervalorizando determinadas dimensões33 da sociedade camuflando outras tantas. Ela adentra os lares das pessoas influenciando suas vidas, criando novas formas de pensar e agir, novas expectativas e esperanças. Progressivamente, assistimos à adesão aos eletroeletrônicos muito mais em função de um status do que para suprir necessidades de uma população cada vez mais urbana. Grandes parcelas das populações urbanas integram-se profundamente aos ritos do consumo, deixando de comprar objetos por seu valor de uso e privilegiando, sobremaneira, os seus signos distintos (marca, acessórios). Os veículos midiáticos ocupam lugar privilegiado na afirmação dos novos comportamentos, estilos de vida e consciência individuais (SODRÉ, 1994). Podemos considerar a televisão como um dos mecanismos importantes do 32 33 Ver dados na introdução dessa dissertação. Um exemplo são as novelas. Geralmente, se passam no centro sul do país, não existe contradições de classe; as contradições são entre os bons (mocinhos e mocinhas) e os maus (vilões); os regionalismos apresentam-se de forma estereotipada, com exageros nos sotaques e nas formas de ser comportar. 55 processo de acumulação capitalista, visto que contribui tanto para a comercialização de aparelhos, incentivando a indústria fabricante, como para promover a publicidade de diferentes objetos de consumo e para a difusão de ideias e valores. Sob essa lógica, uma das funções da televisão tem sido atender aos interesses do mercado, mediante a transmissão de informações e o anúncio de diversos produtos. Porém, a televisão tem sido importante mecanismo para a veiculação de fatos importantes: notícias sobre o cenário político, acontecimentos pelo mundo, programas sobre saúde e trabalho são exemplos de que mesmo sob a lógica dominante, o veículo é importante difusor de informações para o conjunto da população. O telejornal é o produto televisivo cuja finalidade é a transmissão de informações para o conjunto da sociedade. O surgimento do telejornal se confunde com o surgimento da televisão em terras tupiniquins. Logo, será aprimorado e ao longo do tempo se tornará o programa televisivo mais assistido pelos brasileiros (42% de preferência na audiência). O Jornal Nacional é o mais visto e a Globo a emissora de televisão com mais credibilidade da população34. No que se refere à disposição dos telejornais, explica Góis (2010). [...] entre as principais redes de televisão abertas do Brasil, os horários do almoço comercial e da noite são os prestigiados para emitir sua cobertura jornalística. Isso se dá pela envergadura que o jornalismo confere à emissora, em termos de status, prestígio e receita publicitária - uma vez que os preços alcançam a cifra do milhar por cerca de trinta segundos no intervalo entre os blocos. A forma de organização da grade de programação televisiva não é construída aleatoriamente. O telejornal, geralmente é veiculado em horários considerados “nobres”, ou seja, períodos em que, comprovadamente, a audiência aumenta (GÓIS, 2010). Um jornal televisionado tem, pretensamente, a tarefa de fornecer um relato audiovisual dos principais acontecimentos do estado, do país, do mundo; de forma imparcial e verídica. O pressuposto da cobertura jornalística corresponde a alguns direitos constitucionalmente garantidos: o direito à livre expressão e à informação. Se de um lado, a imprensa é livre para transmitir suas grades de programação, ao cidadão é assegurado o acesso ao informativo democrático (idem, p. 9-10). 34 Cf. Pesquisa Sobre os Hábitos de Informação dos Brasileiros. BRASIL, 2010. 56 Segundo Góis (op. cit.) a perspectiva jornalística, articulada ao tratamento e valor comercial da imagem, fornece alguns caminhos para a verificação dos significados éticos na televisão. O uso da imagem é essencial aos veículos audiovisuais. Nos noticiários, os cenários, a padronização dos apresentadores, o uso selecionado das cores e a diminuição da importância da voz são fatores que atestam a força da imagem para a construção de interpretações da informação. Porém mesmo que seja imprescindível o uso da imagem no telejornalismo, com toda a capacidade de exprimir uma interpretação imediata de um determinado fato noticioso, o uso de imagens não dispensa a palavra. Dessa forma, todas as matérias vêm acompanhadas de narrativas descritivas e explicativas que amarra os sentidos oferecidos. A junção de imagem e som possibilitou a televisão obter centralidade no cotidiano da vida social. Contudo, verifica-se cada vez mais a fragmentação e os recortes da realidade, veiculados como sendo a totalidade. Ainda, e mais comumente a exploração/dramatização das informações e imagens para fins mercadológicos. A violência tem se constituído elemento essencial na programação televisiva, com certa evidência nos telejornais. De acordo com Rodrigues (2010), nos telejornais a violência é retratada sob duas perspectivas, a primeira delas refere-se à violência urbana rotineira, já a segunda volta-se aos casos excepcionais que acabam gerando forte apelo social e, por isso, são exaustivamente divulgados pela televisão. No caso da violência cometida contra as mulheres, geralmente obtém centralidade os casos de assassinatos de mulheres (femicídio), sobretudo quando ocorrem nas classes medias e altas ou estão vinculados a alguma personalidade do país. Seguindo a regra, os jornais televisionados procuram explorar o máximo os casos. Emocionados os telespectadores acompanham os relatos do crime, as investigações, pela televisão, pelos jornais e revistas que chegam a editar números especiais, capas com fotos das vítimas e relatos pormenorizados (BLAY, 2008). É compartilhado com o público os sofrimentos dos envolvidos no caso. Durante dias, semanas e até meses são veiculadas diligências da polícia, atuação 57 dos advogados (defesa e acusação), explora-se a vida íntima do acusado e da vítima. Enfatiza-se detalhes, realiza-se simulações e muitas vezes falta a dimensão ética que deveria perpassar a produção da informação. Ressaltam-se as justificativas do crime, vinculadas basicamente, às paixões, ao transtorno provocado pelo ciúme/uso de drogas, à insegurança dos amantes e a perversidade dos criminosos e das criminosas. Contudo provoca Blay (2008), “nem todos os crimes contra mulheres têm repercussão midiática; aqueles que ocorrem nas camadas de baixa posição econômica ficam relegados a pequenas notas na imprensa”, sendo veiculados apenas os crimes muito crueis (comoventes). Salvo, alguns comentários e análises mais aprofundadas, a maioria dos casos de violência são considerados normais, “confirmando a expectativa de que “ali”, entre os pobre e favelados, eles são esperados mesmo”. Tudo isso nos faz refletir sobre a participação da televisão na formação de opinião dos brasileiros/as, haja vista, sua inserção no cotidiano dos indivíduos. A centralidade de adquire na vida social nos impõe a refletir sobre influência das emissoras na elaboração de apreensões acerca da questão social e, em particular, da exploração e espetacularização a violência nos programas televisivos. 2.3.2 Violência e espetacularização: elementos centrais nas telas de TV A sociedade brasileira contemporânea parece saturada de imagens e “aparentemente conformada em expressar aspirações por meio do consumo”, segundo a lógica da formação capitalista (MORAES, 2010, p. 93). Trata-se de uma sociedade mercantilizada, regida pelo aparente, pela espetacularização, pelo imediatismo. Vem sendo atravessada por fluxos hipervelozes, os quais levam aos recônditos mais longínquos uma imensa gama de informações interferindo na “cartografia do mundo coletivo”, à medida que formulam realidades aceitas por segmentos sociais diversos. O novo convive com o mais atrasado – a mais elevada tecnologia relaciona-se pacificamente com a mais gritante desigualdade. As tecnologias da informação e comunicação (TICs) mudaram as noções de tempo e espaço. Nos dias atuais podemos através da internet ou televisão acompanhar, muitas vezes ao vivo, os protestos sociais na Líbia, as catástrofes 58 ambientais no Japão, invasões estadunidenses a países do Oriente Médio e etc. Da mesma forma podemos acompanhar julgamentos e os desenrolar de investigações de crimes, algumas vezes simulados pelos veículos de comunicação. A televisão promove um verdadeiro consumo da violência. Observamos diariamente, nos filmes, novelas, mas principalmente nos telejornais, um excessivo do apelo ao sensacionalismo transvestido de informação. A violência bruta, mais cruel é explorada e veiculada sem quaisquer constrangimentos e respeito aos envolvidos. Mediante a exploração destes tipos de problemáticas garante-se os lucros das emissoras, haja vista, o caráter comercial dos meios de comunicação. Sob essa lógica, a programação adapta-se as supostas expectativas dos telespectadores. Há quem afirme que não existiria violência na mídia se não houvesse publico consumidor. Porém, perguntamos se são realmente as pessoas que “gostam” desses conteúdos, e se há na televisão aberta alternativas aos conteúdos sensacionalistas. Na nossa concepção a forma como se desenvolveram os meios de comunicação, fortemente vinculados as elites burguesas no nosso país e aos interesses do capital, promove a necessidade de formular produtos que, tenham linguagem acessível, incite a curiosidade e, consequentemente atraiam a atenção dos telespectadores. Atrair audiência significa manter acordos publicitários. Quanto maior audiência, maior são os interesses das empresas em relacionar seus produtos a um programa. De acordo com Canavilhas (2001, p.7), os telejornais, dependendo do horário e dia de transmissão, são responsáveis pelos maiores faturamentos em receitas publicitárias, isto devido “à credibilidade associada ao produto e ao alto número de espectadores, também têm os seus ícones sensacionalistas, como alguns programas de entrevistas, talk-shows e noticiosos policiais”. Continuando o pensamento, o autor salienta que uma boa programação exige mais receitas publicitárias e estas advêm do aumento da audiência. “Para que as audiências aumentem é necessário tornar a informação mais apelativa” (CANAVILHAS, 2001, p.1), mais emotiva. O caminho mais fácil é a opção pelo 59 espetáculo35. A forma espetacular como são tratados os fatos e as generalizações/fragmentação que são feitas destitui os fatos noticiados de suas particularidades e determinantes. A violência, por exemplo, quando cometida nas periferias das cidades é banalizada, naturalizada como pertencente aquele espaço de sociabilidade. Assim, os fatos mais chocantes são transmitidos à exaustão. Quem não lembra os atentados de “11 de setembro” 36 transmitidos ao vivo e em tempo real pela Globo? Do caso "Nardone" e do seqüestro seguido de morte da jovem Eloá e da falta de limites de jornalistas, apresentadores e emissoras e televisão que confundiam notícia com escândalo, sensacionalismo em sentido estrito. Poderíamos citar muitos outros exemplos. O fato é que mídia - jornalística apropria-se da violência para fazer o/a telespectador/a assistir (comprar) a notícia transmitida apenas por atração, impacto ou mera curiosidade, “uma vez que a exploração da matéria não acrescentará nada além daquilo que já foi anunciado” (PATIAS, 2006, p. 01). O fato é que grupos de comunicação são empresas, que visam ao lucro comercial; e tratam a imagem e o tempo como mercadorias. Esse processo passa pelo jornalismo, que deve adaptar-se aos manuais e regras do mercado de comunicações. “Uma máxima do meio afirma que a imprensa é livre, mas os jornalistas não. Em outras palavras, os jornais são estruturados segundo padrões de tempo, ideologia, linha editorial, que acabam sendo as amarras invisíveis” (GÓIS, 2010, p.10). Ao analisarmos os telejornais diários constatamos a prevalência da exploração de fatos violentos, a criminalização da juventude, da pobreza e dos movimentos sociais. O caráter de alguns telejornais é visivelmente sensacionalista; outros, embora melhor elaborados, não nos oferecem informações críticas nas narrativas e conteúdos transmitidos nos noticiários, quotidiano ou a fazem sutilmente. 35 Tomamos como espetáculo/espetacularização: aquilo que atrai a atenção, que impressiona e capta a atenção dos sujeitos. 36 Atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001, onde aviões colidiram com as torres gêmeas do Word Trade Center, nos Estados Unidos, matando 3.000 pessoas. Atentados assumidos pelo grupo Al Qaeda. 60 O jornalismo, em particular, nos chama atenção pelo discurso predominante de imparcialidade, neutralidade e objetividade dado às notícias transmitidas. Influenciado pelo jornalismo americano, as empresas jornalísticas prometem seguir o lema do New York Times “dar notícia, com imparcialidade, sem medo ou favor” (FONSECA, 2005, p. 206). Com essa lógica, as noticias devem de fato mostrar-se objetivas, neutras e imparciais, realidade reproduzida nas linhas editoriais e nas redações televisivas sem quaisquer constrangimentos, políticos, econômicos, ideológicos, éticos... Contudo, mesmo que prevaleça às restrições impostas pela lógica empresarial, o jornalismo implica segundo Fonseca (ano), que as notícias sejam de interesse do público. As notícias, portanto, são acontecimentos reais que devem ser relatados e compreendidos pelo maior número de pessoas possíveis. Ainda que se constituam retalhos, fragmentos da realidade social devem produzir informações para o conjunto da sociedade. Nessa direção segue o jornalismo televisivo. Assistimos todos os dias “um Brasil na TV” no qual o telespectador ver e é visto, ao menos, ilusoriamente. O retrato da dinâmica social é transmitido pela televisão diariamente, como em um show da vida, da violência, da miséria. A informação é mercantilizada com todos os apelos estéticos, emocionais e sensacionais. O desaparecimento de Eliza Samudio logo estampou as páginas dos jornais, se tornou pauta de telejornais, notícia em programas matutinos e, atiçou a curiosidade da população brasileira. As notícias e imagens “exclusivas” disputavam os tais índices de audiência. Uma tragédia onde a ficção e a realidade se misturavam. Uma simbiose de mensagens e conteúdos que dramatizados causavam interesse dos espectadores por semanas seguidas. Estes, na comodidade da sua casa, em frente à TV assistiam estupefatos o drama de Eliza. No “jornalismo policial” a dramatização e a espetacularização dos fatos violentos possibilita a ampliação da audiência das emissoras. Podemos visualizar essa característica com mais nitidez nos programas jornalísticos regionais. As emissoras tendem a produzir telejornais com conteúdos de baixa qualidade, explorando os fatos mediante a excessiva dramatização da notícia, utilizando imagens e depoimentos expondo o sofrimento e angústia dos sujeitos envolvidos. Não raras vezes, essas notícias dramáticas são intercaladas com publicidades, 61 sendo o/a apresentador/a o/a “garoto/a propaganda”. Conforme explicita Canavilhas (op. cit.) o processo informativo não está isento das influências das tensões e contradições da dinâmica social. A política, a economia, os valores que perpassam a sociedade condicionam o processo de produção da notícia e a forma como a qual será transmitida. Nesse sentido, podemos identificar a veiculação de determinadas temáticas, como da própria violência contra a mulher que acaba reverberando e provocando debates no âmbito da sociedade. Ao analisar o cinema e o rádio (ainda pouco desenvolvidos), Gramsci já compreendia a importância que poderiam assumir na sociedade contemporânea para a socialização de informações e, contraditoriamente para o processo molecular de acumulação do capital. Como afirma o autor, [...] a comunicação falada é o meio de difusão ideológica que tem uma rapidez, uma área de ação e uma simultaneidade emotiva enormemente mais amplas do que a comunicação escrita [...], mas superfície, não em profundidade (2007, p. 67). É certo que, na época de Gramsci os meios audiovisuais se encontravam em fase de desenvolvimento. Todavia, ele soube dimensionar a relevância dos mesmos para a difusão dos interesses das classes sociais. Porém, assinala que sob a ordem burguesa, o improviso e a superficialidade são marcas profundas nos mecanismos de comunicação. Nos canais de televisão (tempo é dinheiro) onde as notícias devem adequarse ao tempo do noticiário, as matérias produzidas são recortadas, editadas e, muitas vezes sofrem alterações que limitam sua capacidade informativa. Os dados/informações apresentadas são superficiais e pouco elucidativas. Não podemos negar que telejornalismo também veicula informações importantes para o conjunto da população: denúncias sobre violência policial, demandas sociais e prestação de serviço a públicos diversos, ainda apresenta conteúdos relacionados à saúde, educação e cultura. Podemos afirmar com isso, que a esfera da comunicação não constitui espaço harmonioso destituído de contradições e contrasensos. Como todas as dimensões da vida social, a mídia ainda apresenta, dependendo da conjuntura histórica (e a bem da verdade por razões do mercado), determinadas inquietações, contradições que permeiam a 62 sociedade. É também tensionada por segmentos organizados do trabalho motivados por questões que emergem na realidade social ou por conteúdos abordados na programação geral dos media. Para Gramsci (apud Grupi, 1978) é preciso analisar as formas de expressões da consciência das classes subalternas. Estudá-las cuidadosamente, nos possibilita identificar episódios de expressões culturais, valores e movimentos que, embora sob os limites burgueses, são importantes para a superação de visões conservadoras. Assim também podemos pensar e analisar os processos comunicativos, tencionados ora pelas demandas do capital, ora pelas expressões e lutas das classes oprimidas. A partir dessa perspectiva podemos identificar a veiculação de temáticas/problemáticas que atingem direta ou indiretamente a vida cotidiana do conjunto dos sujeitos sociais. Temos ciência de que a visibilidade desses temas – embora sua veiculação seja orientada pela lógica dominante no veiculo – é importante para a sociedade, por possibilitarem reflexões sobre os mesmos. Com certa frequência, assistimos à veiculação através de novelas, programas de entretenimento ou jornalísticos de temáticas como a diversidade sexual, violência contra a mulher, drogradição, alcoolismo, racismo... Através destes conteúdos exibidos, a mídia busca assegurar a maior fidelidade possível de um público cada vez mais assíduo, mas também bastante heterogêneo. Há, portanto, um empreendimento em explicitar situações nas quais as formas de violência, principalmente aquelas mais cruéis ganham cada vez mais espaço. Nesse momento, importa-nos problematizar o trato despendido pela mídia, especialmente, a televisão, às desigualdades sociais, expressas entre outros: nos conflitos pela terra, precarização das condições de vida da população, agudização da pobreza e da violência. Tais, problemáticas são revisitadas, quase que cotidianamente pelos veículos de comunicação, mas cuja interpretação e análise voltam-se prioritariamente, para a culpabilização dos sujeitos historicamente oprimidos e a criminalização dos processos organizativos da classe trabalhadora. 63 64 3.1 CRIMINALIZAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL E EXPRESSÕES DA VIOLÊNCIA: TERRENO CONTRADITÓRIO E MULTIFACETADO Como destacamos anteriormente, a mídia contribui para a criação de consensos sobre a vida social. Colabora na construção de formas de ver, pensar e estar no mundo, atribui significados e sentidos aos diversos processos sociais, dentre os quais se encontra a violência. Contudo, a maneira fragmentada e desconectada da realidade como a violência tem sido historicamente veiculada pelo noticiário (impresso ou televisionado) não permite a apreensão das relações contraditórias que permeiam a categoria mascarando as determinações sociais, culturais e econômicas que a fundamenta e legitima. Como afirma Koroll (2008), na sociabilidade capitalista, os grandes meios de comunicação cumprem função central na construção de uma subjetividade cada vez mais alienada e individualista. A criminalização da classe trabalhadora, sempre presente no noticiário televisivo, constitui aspecto orgânico da política de controle do capitalismo para garantir sua reprodução ampliada. Estamos em uma época em que o “Estado Social cede lugar para o Estado Penal e a burguesia, em vez de como antes, administrar as contradições sociais mediante concessões pontuais, mas reais” (TRINDADE, 2008, p. 5037), “[...] passa a fazê-lo mediante a combinação de um duplo movimento: anestesiamento da miséria (assistencialismo) e repressão ao que restar de manifestações daquelas contradições” (op. cit., 52). A mídia burguesa assume papel de cúmplice, sendo bem consciente disso. Por essa razão, as tensões, contradições e antagonismos que conformam a realidade social são invisibilizados nas produções, ou como salienta Sales (2007), são mostrados ocultando suas determinações mais profundas. No contexto de crescente criminalização e punição dos movimentos sociais e da questão social, discutimos a participação da mídia, em particular das transmissões telejornalísticas, na elaboração de narrativas repressivas e na formação de dimensões do senso comum, que contraditoriamente, naturaliza e 37 Entrevista com José Damião de Lima Trindade, ex-presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo. In: Revista Classe, 2008. 65 criminaliza as expressões mais gritantes da questão social: desigualdade, pauperismo e violência. Com relação às questões particulares da reflexão sobre gênero, ou à condição da mulher e às relações desiguais de gênero em nossa sociedade, com destaque para uma de seus componentes mais atroz – a violência contra mulheres – a mídia e em especial a televisão e os telejornais assumem a linha de frente na reprodução de visões estereotipadas, culpabilizantes, que findam por reforçar padrões machistas, sexistas e preconceituosos. Nesses tempos de mundialização do capital, “[...] mas do que nunca o poder se concentra em pequenos grupos econômicos”; os países periféricos continuam seguindo as regras estabelecidas pelos países de capitalismo central (BOSCHETTI, 2010, p. 64-65). Os impactos destrutivos orquestrados pelo capitalismo nos tempos contemporâneos se refletem na desproteção social, destruição de postos de emprego, exploração do trabalho e redução dos salários, e na concentração de renda. Segundo Iamamoto (2008, p. 118), “[...] a mundialização do capital tem profundas repercussões na órbita das políticas públicas, com suas conhecidas diretrizes de focalização, descentralização, desfinanciamento e regressão do legado dos direitos do trabalho”. Esse processo tem provocado consequências perversas nas condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras por todo o mundo, mais particularmente, nas periferias do capitalismo, ou seja, nos países “pobres”. Consequentemente, em face do crescente aprofundamento de desigualdades e injustiças, reproduzem-se as expressões da violência em todos os espaços de sociabilidade. O suporte oferecido pela mídia à burguesia favorece a disseminação de uma “cultura do medo”. Nunca se viu tanto crime, tanta violência na televisão. No Brasil, afirma Malagutti (2003) apud Oliveira (2003), a difusão do medo e da desordem tem historicamente servido para deflagrar estratégias de controle e disciplinamento das classes subalternas. O medo se constitui porta de entrada para políticas de segurança cada vez mais punitivas e segregadoras. A mídia (impressa e televisiva) contribui para o processo de criminalização da população pobre e ainda influencia a criação de “redutos” da violência. Como consequência reivindicam-se melhorias generalizadas que incluem o reaparelhamento policial, maiores níveis de repressão e de controle sobre os 66 espaços da cidade. Nesse novo/velho quadro se reeditam políticas cada vez mais focalizadas na extrema pobreza. Segundo Soares (2010, p. 271), [...] O acesso às políticas sociais passa a ser precarizado, mercantilizado e reatualizado na mediação do favor, via voluntariado. Consequentemente a questão social é levada ao entendimento externo à ordem social e, além disso, há uma grande ofensiva para eliminar a condição de direito das políticas sociais. O desmonte das conquistas dos/as trabalhadores/as, aliado ao viés ideológico do autoemprego e da autonomia consistem em estratégias político-ideológicas que mistificam a realidade e objetivam “[...] exacerbar a extração do excedente e desmobilizar a organização da classe trabalhadora” (SOARES, op. cit., p. 272) Os ajustes do capitalismo aprofundam as desigualdades e obscurecem o “[...] universo dos trabalhadores que produzem a riqueza e vivenciam a alienação como destituição, sofrimento e rebeldia” (IAMAMOTO, 2008, p. 118). Mas, ao mesmo tempo, essa mesma sociedade apresenta um terreno de lutas e enfrentamentos cotidianos numa conjuntura adversa às demandas das classes oprimidas. Ainda, as lutas organizadas pelas classes trabalhadoras têm sofrido golpes severos da mídia burguesa. A criminalização dos movimentos sociais pelos grandes veículos de comunicação do nosso país não constitui nenhuma novidade. Não raras vezes, representantes do Movimento dos Sem Terra têm sido tratados e colocados no mesmo nível de traficantes de drogas. Categorias profissionais em greve são tratadas como arruaceiros e desordeiros. Em outras ocasiões, quando as reivindicações são legitimadas pela mídia (manifestações nos países africanos e árabes, por exemplo), não identificamos nas reportagens argumentos ou exposição dos determinantes desses conflitos, tampouco o sentido político dos mesmos no contexto em que ocorrem38. 38 As manifestações que se alastraram por diversos países árabes e africanos – denominado Primavera Árabe – têm sido constantemente veiculadas pela mídia como manifestações de populações insatisfeitas com longos anos de regimes ditatoriais. Embora verdadeira a informação, as manifestações também expressam as desigualdades sociais aprofundadas pela crise estrutural do capitalismo do capital: a juventude sem emprego e sem expectativas, populações inteiras sem acesso a bens e serviços socialmente produzidos, agudização da pobreza e violência, elementos raramente contemplados nos discursos televisivos. 67 Assim, os grandes meios de comunicação procuram sedimentar consensos no sentido de minimizar as contradições e antagonismos, em uma espécie de tentativa de ocultamento das contradições inerentes às sociedades de classes. Espetaculariza as expressões da questão social e ocultam seus reais determinantes. Segundo Volanin (2008), no Brasil, a criminalização dos movimentos de enfrentamento a questão social é histórica. Manchetes como “Pernambuco e Rio Grande do Norte agitados por um movimento subversivo de caráter extremista” (Folha da Manhã, 1935); “Férias ameaçadas – a supergreve nas escolas altera calendário” (Veja, 1985); A Tática da Baderna – MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista (Veja39, 17.05.2000); Bombeiros invadem Quartel Central da corporação no Rio (Veja online, 2011). Essas matérias indicam os conflitos políticos e ideológicos travados entre os grupos sociais oprimidos e os sistemas dominantes detentores dos meios de comunicação. Certamente, os meios de comunicação no formato em que são estruturados dificilmente, oferecerão espaço para a expressão ou a constituição de interesses que questionem as estruturas básicas das relações capitalistas de produção. Com isso, a situação tem se mostrado delicada para os segmentos oprimidos cada vez mais silenciados e criminalizados pelo pensamento único das grandes empresas midiáticas. Contudo, como salienta Sales (2007), as manifestações das desigualdades sociais são tão gritantes que tem sido impossível ocultá-las completamente. Por essa razão, podemos identificar nos noticiários denúncias que dão visibilidade às problemáticas cotidianas de homens e mulheres. Ainda assim, prevalece o discurso da manutenção da ordem social e a ideologia dominante. Com seu aparato ideológico, estes veículos tendem a escamotear as injustiças sociais, a concentração de renda, as desigualdades de classe, raça/etnia, gênero e orientação sexual, as formas e os mecanismos de manutenção do poder, os antagonismos do modo capitalista de produção. Não é nossa intenção discutir e analisar as controvérsias e os conflitos entre a mídia e a interpretação dada aos movimentos sociais em nosso país. Entretanto, entendemos que tais reflexões ainda que preliminares, revestem-se de importância 39 Arquivos podem ser acessados em: veja.abril.com.br/acervodigital 68 para a apreensão da dimensão dos meios de comunicação na formação de consensos sobre os diversos complexos sociais. Historicamente, as organizações de trabalhadores e os movimentos sociais têm constituído estratégias importantes das classes oprimidas na perspectiva de dar visibilidade às desigualdades sociais e às expressões da questão social, de enfrentar as precárias condições de vida e de sobrevivência das classes trabalhadoras. Assim, entendemos que ao penalizar os movimentos sociais ou as manifestações das classes populares, a mídia também o faz com as demais expressões da questão social. A questão social é aqui entendida como resultado do conjunto de desigualdades sociais engendradas pela sociedade capitalista madura, indissociáveis das configurações assumidas pelo trabalho. Expressa uma “[...] arena de disputas entre projetos societários, informados por distintos interesses de classe, acerca de concepções e propostas para a condução das políticas econômicas e sociais” (IAMAMOTO, 2001, p. 10, grifo da autora). É, portanto, expressão das desigualdades sociais produzidas e reproduzidas na dinâmica contraditória das relações sociais, no conflito capital/trabalho. Trata-se, portanto, de um complexo social que tem origem arraigada na natureza das relações sociais capitalistas, cujos determinantes traduzem-se pela coletivização da produção, contraposta à apropriação privada dos frutos da atividade humana e das condições para sua realização. Conforme afirma Marx (1996, p. 237, grifo do autor) é próprio da natureza do modo de produção capitalista, à medida que desenvolve as forças produtivas, multiplicar a massa de “pobres laboriosos”; ou seja, à acumulação capitalista corresponde a acumulação da miséria das classes trabalhadoras. Nesse sentido, cotidianamente, a própria sociabilidade produz e aumenta o fosso entre as classes sociais. Conforme Oliveira (2010), a questão social emerge na segunda metade do século XIX, mediante a aparição da classe operária no cenário político da Europa Ocidental. De acordo com Netto (2001, p. 42), a expressão questão social surge, [...] para dar conta do fenômeno mais evidente da história da Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante, iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII: trata-se do fenômeno do pauperismo. 69 Nesse sentido, a pauperização constitui uma das expressões da questão social que acompanha concomitantemente o desenvolvimento e a consolidação da sociedade capitalista. Com efeito, afirma Netto (op. cit., grifo do autor), “[...] a pobreza crescia na razão direta em que acumulava a capacidade social de produzir riquezas”. Que dizer, a consolidação da formação capitalista cria progressivamente bens e serviços, mas contraditoriamente, produz um contingente populacional despossuído das condições materiais de sobrevivência e sem acesso a tais bens e serviços (idem). É nesse terreno tensionado pelo conjunto da classe trabalhadora que, pela primeira vez, a naturalização da miséria é politicamente contestada e o processo de urbanização, somado com a industrialização, resultará na combinação de três elementos indissociáveis, sendo estes: o empobrecimento extremo da classe trabalhadora; a consciência desta classe de sua condição de exploração e, as lutas desencadeadas por esta classe contra os seus opressores. Segundo Heidrich (2006, p. 2) podemos, assim, [...] vincular o surgimento da questão social com o surgimento da classe trabalhadora e identificá-la no momento em que a contradição fundamental do capitalismo, como modo de produção social, se desenvolve e se revela, ou seja, quando se evidencia que, no capitalismo, quem produz a riqueza não a possui e ainda, que não há espaço para todos no mercado. Nesses termos, o metabolismo da sociedade capitalista propicia terreno fértil à reprodução contínua e ampliada da questão social. Seus determinantes encontram-se na base estrutural da relação capital/trabalho, em que o fortalecimento da economia e do aparato Estatal aparece em descompasso com o desenvolvimento social (IANNI, 1989). Conforme Kameyama (1997), a gênese e as transformações das sequelas da questão social constituem manifestações concretas, mediante as quais se reproduzem as relações sociais. Tais manifestações, por conseguinte, se expressam nas práticas políticas e ideológicas cuja tendência é configurar políticas de Estado. Assim, configuram-se em questão social, sobretudo, os processos relacionados à formação e a reprodução da força de trabalho para o capital. O Estado assume papel de organismo regulador, na medida em que, intervém nas 70 mazelas próprias do capital através de políticas implementadas pelas suas instituições representativas (op. cit.). No caso brasileiro, a questão social passa a ser tomada como questão política e não mais de polícia, a partir das décadas de 1920 e 193040, quando o Estado passa a atuar frente às demandas sociais. Esta atuação reflete e decorre dos avanços da divisão social do trabalho e da emergência do trabalho assalariado em nossa sociedade (KAMEYAMA, 1997). Segundo Iamamoto (2001, p. 17), as manifestações da questão social que atingem diversos grupos sociais – principalmente os mais pauperizados - têm se tornando alvo de políticas assistencialistas focalizadas no “combate à pobreza” ou em expressão da violência dos pobres, reeditando políticas de cunho punitivo, policialesco e segregacionista. Nesse cenário, assumem novas configurações atingindo de forma diferenciadas os diversos segmentos sociais, ao mesmo tempo em que evidenciam o imenso fosso entre “o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que o sustentam”. Estes apontamentos sobre a questão social não têm por objetivo fragmentar ou isolar nossas análises sobre a violência e suas expressões. A compreensão crítica é necessária para reconstruir a categoria no âmbito da dinâmica contraditória da realidade e no movimento das relações sociais. As manifestações da questão social são múltiplas e multifacetadas e a violência contra a mulher constitui uma de suas faces, talvez uma das mais crueis. O percurso realizado nos fornece subsídios para nossas análises sobre as interpretações da violência contra a mulher pela mídia. Ao destacar a reprodução da ideologia patriarcal e sexista que se apresenta nas matérias escolhidas no processo de pesquisa, assim como, o caráter espetacular como foram tratados casos de violência contra mulheres pelos veículos de comunicação, tomamos por base o entendimento crítico da violência e de seu tratamento, enquanto expressão da questão social, violência que compõe a totalidade social e que, em sua particularidade, revela sua lógica e sua dinâmica. E ainda as desigualdades observadas nas próprias emissoras e redações de telejornais no trato de matérias 40 Até então predominavam as práticas repressivas, a violência do poder estatal e privado (IANNI, 1898, p. 46). 71 especificas sobre violência e particularmente sobre violência contra mulheres constituem particularidade da forma como a sociedade e a ideologia dominante que impregna o senso comum lidam com expressões da questão social. Com efeito, a mídia (televisiva), contribui na divulgação e na criação de consensos e variadas representações sociais sobre a condição de ser mulher. Nos telejornais, novelas e programas de entretenimento são veiculados símbolos ideológicos em uma perspectiva desigual de gênero, os quais ultrapassam os limites das telas de TV e estabelecem relações concretas nas vidas cotidianas das mulheres. Esses aspectos serão aprofundados na próxima sessão, após abordarmos nossas aproximações sobre violência, suas expressões na mídia e na vida cotidiana. 3.2 EXPLORAÇÃO E OCULTAÇÃO DAS DETERMINAÇÕES DA VIOLÊNCIA NA MÍDIA A “questão da violência na mídia no primeiro momento pode parecer um tema senão já muito esgotado pelo debate das controvérsias entre produção e recepção no Brasil” (SALES, 2007, p. 268). Todavia, continua a autora, “[...] é fato que a violência se intensificou nas ultimas décadas, carecendo de estudos interdisciplinares sistemáticos” que a problematizem nas suas especificidades históricas (idem). É notório que vivemos um momento de profunda agudização das expressões da questão social. O desemprego estrutural, a desregulamentação das legislações trabalhistas, as políticas cada vez mais seletivas, e a informalização/exploração da classe trabalhadora são alguns elementos que condicionam a intensificação das expressões da violência no mundo contemporâneo. Tudo isso, se reflete nas agendas dos veículos de comunicação. O que mais incomoda, comove e convoca ações reativas ou consensos é reiterado exaustivamente pela mídia tradicional. A implícita vinculação entre pobreza e criminalidade culpabiliza as populações subalternizadas, convocando a mobilização social em torno da elaboração de aparatos institucionais repressores mais endurecidos. Os condicionantes sociais, econômicos e históricos que fundamentam 72 a elevação dos índices de violência na sociedade não são lembrados, “quando muito se diluem na forma sensacionalista em que são relatadas como notícias” (FREIRE, 2009, p. 188). A hegemonia cultural elabora “zonas de pobreza” como territórios de criminalidade. Nos jornais, é bastante comum a ideia de periculosidade e “irreversibilidade” da situação “caótica” causada por “vândalos” que reclamam melhores condições de vida. Algumas vezes, entram em cena sujeitos cujas “falas” destoam das narrativas hegemônicas... Esses indivíduos41 dão outro tom e demonstram que a mídia pode vir a ser um instrumento de informação crítica da realidade. Porém, mesmo como essas brechas prevalecem os discursos marginalizantes e criminalizadores nas narrativas midiáticas. Essas, por sua vez, “ativam deliberadamente os mecanismos de terror para exigências de segurança, que significa em última estância, garantia dos direitos do capital” (KOROLL, 2008, p. 11). Como afirma Queiroz (2008), nos últimos anos, a problemática da violência passou a ser entendida como uma das maiores ameaças a humanidade. A variedade de manifestações conduz a reflexões diversas, sobretudo, no âmbito da sociedade brasileira e das relações que a permeiam. Conforme salienta Arrazola (1999, p. 4), são diversas as abordagens e perspectivas teóricas que buscam apreender as manifestações da violência na sociedade contemporânea. Ainda segundo a autora, ela tem sido constantemente tratada como “condição estruturante das sociedades”, como um elemento constituinte da lógica reprodutiva do capital. Nessa perspectiva as sociedades se organizam e se estruturam a partir de relações de exploração, desigualdade e discriminação sejam de classe, raça/etnia ou gênero. Este é o caso das sociedades capitalistas e patriarcais organizadas com base na “violência estrutural” 42. 41 Podemos exemplificar com a entrevista exibida pela Rede Globo News com o sociólogo Silvio Caccia Bava. Contrariando as opiniões dos entrevistadores, o sociólogo mostrou que a revolta dos jovens britânicos tem determinantes profundos, engendrados nos processos sociais estabelecidos naquele país, e que não são marginais ou jovens ociosos que sem o que fazer apela para a violência, como dizia os/as apresentadores do telejornal. A entrevista pode ser visualizada em: http://www.viomundo.com.br/humor/darcus-howe-o-homem-que-detonou-a-bbc-ao-vivo.html. Acesso em 16.08.2011. 42 Cf. ARENDT, Hannah (1970); COSTA, Jurandir Freire (1986). 73 Ainda, é comum associar a violência às classes pauperizadas. Historicamente, as classes mais pobres têm sido consideradas como as mais violentas, causadoras das desordens e distúrbios que acometem nossas sociedades. Não raras vezes, os meios de comunicação tendem a perpetuar esse preconceito. O discurso discriminador da mídia “parece concluir que não há o que fazer para solucionar a questão a não ser controlar a situação” (FREIRE, 2009, p. 187). Assim, a idéia de “classes perigosas”, é apropriada não só pelo Estado, mas também pelos canais de comunicação que associam o pobre e o negro a bandido, a violência. Para solução do problema, reforça a defesa de um Estado Penal como solução das expressões da desigualdade social. Como ressalta Minayo (1994, p. 04), Esta tendência de culpar as classes mais baixas pela violência prevalecente obedece a uma ideologia que justifica o "status quo". Ele idealiza a paz de privilégio social e absolve os perpetuadores de extrema exploração. Ele atribui o sucesso da sociedade ao esforço individual e explica a pobreza do resto como "preguiça", "indolência", "falta de aspirações", ou "doença social". Esta ideologia dominante vê os pobres, sobretudo negros, como a origem da violência, isto é, como "criminosos preferenciais." Silva (op. cit.), por sua vez, chama-nos a atenção para a necessidade de se esclarecer que as diferentes formas de apreensão da realidade não eliminam, integralmente, a existência de uma verdade sobre o real – sua lógica concreta. Embora a dimanicidade do real não nos possibilite apreender de uma vez por todas, as configurações, os mecanismos e os determinantes dos processos sociais podemos a partir de uma visão crítica de totalidade apreender os processos estruturais que os determinam, e em um processo de aproximações sucessivas sair da aparência fenomênica presente no senso comum. Assim, não é única a apreensão acerca da categoria violência na sociedade burguesa – em particular na sociedade brasileira – marcada por ideologias que tomam as partes dos processos como se fosse sua totalidade. Como assevera Silva, com determinada frequência, […] são endossadas apreensões da violência “[...] como atos pontuais causados exclusivamente por indivíduos que carecem de um tratamento pontual” (SILVA, op. cit, p. 05). Tais construções se fundamentam em perspectivas teóricas positivistas que consideram tais atos como disfunções ou anomias que devem ser “tratadas”. 74 Concordamos com a assertiva de Minayo (1994), ao negar as teorias que explicam a violência como atributo biológico do ser humano 43 ou que a relacionam se as camadas pauperizadas da sociedade. Ao contrário, ao longo da nossa pesquisa buscamos nos aproximar de aportes teóricos, que abordem o fenômeno a partir dos aspectos econômicos, culturais e políticos que conformam historicamente a sociabilidade buscando apreender a violência em suas múltiplas determinações em suas particularidades no contexto contemporâneo. Partimos do pressuposto de que não é possível apreender a realidade alheia a totalidade social, assim também não podemos analisar as expressões da violência sem identificarmos as condições concretas nas quais são produzidas e reproduzidas. Não tentaremos explicar a violência como um fenômeno isolado, explicado por si próprio. Nesse sentido, apesar de um ato violento parecer pontual, o apreendemos em suas conexões com as condições concretas, historicamente determinadas. Certamente, não poderia ficar restrito à esfera individual subjetiva, embora, saibamos que o ser social é ao mesmo tempo subjetividade e objetividade (SILVA, 2008). Buscamos empreender uma abordagem histórica à violência e apreendê-la a partir da constituição das relações sociais estabelecidas no âmbito da sociabilidade capitalista. Entendemos que os eventos são partes constituintes de uma realidade dinâmica e complexa permeada por contradições. São construídos socialmente no meio material e cultural no qual se inserem e se desenvolvem (CARVALHO & FREIRE, 2008). Nesse sentido, apreender a violência na perspectiva de totalidade requer abordagem teórico-metodológica que não fragmente ou generalize mecanicamente sua explicação, suas diversas expressões. Dentre as manifestações da questão social, o fenômeno da violência destaca-se por adquirir novos contornos se espraiando por toda a sociedade, muito embora, as condições concretas para seu exercício sejam distintas no interior das classes sociais. Assim, em suas variadas manifestações, em sua existência real, concreta, a violência impacta de diferentes maneiras a vida dos sujeitos em dada historicidade. 43 Segundo Freud, “existe no ser humano uma disposição instintiva agressiva que deve ser reprimida para permitir a vida em sociedade” (ARRAZOLA, 1999, P. 5). Em nossa concepção, essa análise acaba negando a historicidade dos processos sociais, culpabiliza os sujeitos que a praticam, julgando-o enquanto bom ou mal, e, portanto biologizando um constructo social. 75 Como argumenta Silva (op. cit. p. o4), sua objetivação não é uma abstração, e “supõe necessariamente, que para que se torne violência, uma realização prática, mais ou menos visível – reconhecida ou não socialmente capaz de violar, oprimir, negar, impor interesses e vontades de seres sociais” impressos numa dada realidade “que impõe parâmetros” mediantes os quais são formadas e desenvolvidas subjetividades. Enquanto complexo social, a violência não é nenhuma novidade, contudo é reatualizada e complexificada mediante as desigualdades engendradas pelo capitalismo em sua configuração contemporânea, considerando aqui os mecanismos de reprodução em marcha a partir de meados dos anos 1970, como modo de enfrentamento das manifestações de sua crise. Trata-se de um complexo social forjado no desenvolvimento histórico das sociedades, adquirindo diferentes expressões e intensidade a cada conjuntura histórica. No contexto capitalista, a violência constitui fenômeno social complexo, intensificando-se nos contextos de crises (mas não somente), quando se aprofundam a questão social, deterioram-se as condições de existência dos segmentos oprimidos e agrava-se a violação de direitos. Nos últimos tempos, no Brasil, a violência tem tido destaque alarmante 44, fato claramente observado nos noticiários, na imprensa e, mesmo nas falas cotidianas. Segundo Oliveira (2010, p. 17), essa onda de notícias apresenta uma realidade marcada por diversas “formas de violência o que faz com que a sociedade seja permeada pelo medo e insegurança”. A cultura do medo em nossa sociedade promove a defesa de um Estado Penal cada vez mais rigoroso; leis mais duras e opressivas como a prisão perpétua, diminuição da maioridade penal ou até mesmo a pena de morte. Pouco se fala das condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, da exploração de crianças e adolescentes, das desigualdades sociais aprofundadas a cada dia pelos antagonismos presentes na sociedade capitalista. A partir do final dos anos 1980, no Brasil “o noticiário sobre a violência começou a migrar dos redutos sensacionalistas populares, proliferando-se em todos os meios de comunicação” (SALES, 2007, p. 268). O aumento da veiculação, 44 Ver dados na introdução dessa dissertação. 76 particularmente, dos homicídios os quais obtêm direta cobertura de seus episódios. Os argumentos para o fenômeno pode ser ilustrada na fala a seguir, É fato. Há um aumento do jornalismo policial em todas as emissoras. [...] tem o compromisso com a sua audiência, a empresa é comercial ela precisa dar ibope para poder ter retorno de anunciantes, para poder se sustentar. Aumenta o conteúdo policial (Entrevistado Versus, editor do TJ1) O compromisso com os índices de audiência provocam a migração, ou elevação de notícias pitorescas e policialescas. Os lucros imediatos das empresas/ emissoras se sobrepõem a qualidade dos conteúdos transmitidos. “Reserva-se ao público a liberdade de mudar de canal ou desligar a televisão diante das cenas mostradas” (SALES, 2007, p. 290-291). Nos anos de 1990, alguns episódios marcaram a sociedade brasileira e se tornaram eventos de proporção / comoção nacional amplamente divulgadas pela mídia: as chacinas do “Carandiru45”, “Acari” 46 , “Candelária” 47 , “Vigário Geral” 48 , o massacre de Eldorado dos Carajás49. Sobre violência cometida contra mulher, o 45 A chacina ou massacre do Carandiru vitimizou, no dia 2 de outubro de 1992, 111 detentos que cumpriam privação de liberdade no pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção do Carandiru. Um levantamento das vítimas mostrou que 80% ainda esperavam por uma sentença definitiva da Justiça, ou seja, ainda não haviam sido condenados. Quase a metade dos mortos – 51 presos – tinha menos de 25 anos e 35 presos tinha entre 29 e 30 anos. E a maioria estava presa por roubo ou tráfico de drogas. Fonte: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cavallaro/carandiru.html 46 “A chacina de Acari consistiu no assassinato, em julho de 1990, de 11 jovens da Baixada Fluminense, sendo oito menores, mas cujos corpos até hoje estão desaparecidos. Policiais militares seriam responsáveis pelo crime. Daí se originou o movimento “mães de Acari”, as quais lutam para encontrar os corpos de seus filhos e parentes, e para obter a punição dos culpados” (SALES, 2007, p. 268). 47 “Chacina cometida por policiais à paisana, em julho de 1993, a qual vitimizou 8 adolescentes e feriu gravemente outros dois grupos de 72 crianças e adolescentes que moravam e dormiam nas proximidades da Igreja da Candelária no centro do Rio de janeiro. Pela quantidade de vítimas, pelo caráter de extermínio da ação, pelo fato de serem “meninos de rua” e pela localização do crime – coração da cidade -, a Chacina da Candelária se tornou um marco da violência no Rio de Janeiro e de afronta aos direitos humanos no Brasil” (idem) 48 Massacre, em agosto de 1993, que vitimizou 21 pessoas na favela de Vigário Geral/RJ. Em resposta ao assassinato de 4 PM, quarenta homens encapuzados abriram fogo contra moradores da comunidade (Ibdem) 49 O Massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido em abriu de 1996, resultou na morte de 19 trabalhadores rurais sem terra, deixou centenas de feridos e 69 mutilados. Passados 14 anos, os envolvidos no caso continuam em liberdade. 77 assassinato da atriz Daniella Perez50 destacou-se como um dos episódios mais revisitados pelos veículos de comunicação, disputando, espaços na programação diária das emissoras, com o processo de impeachment do então presidente do país Fernando Collor de Mello. TABELA 2 – CRIMES DE AMPLA VEICULAÇÃO NOS ANOS 1990 CRIMES Ano Chacina do Acarí – 11 mortos 1990 Massacre do Carandiru – 111 mortos 1992 Chacina da Candelária – 8 mortos e 72 feridos 1993 Massacre de Vigário Geral – 21 mortos 1993 O Massacre de Eldorado do Carajás – 19 mortos e 69 1996 feridos Assassinato de Daniella Perez 1992 Esses tipos de episódios são constantes nas pautas da programação jornalística, escrita e televisionada. Nas emissoras regionais, particularmente nas emissoras locais51, é marcante a presença do telejornalismo policial. A violência mais brutal, as mazelas sociais, a vida das pessoas são exploradas exibidas nos noticiários sob a justificativa de que “a realidade não pode ser escondida” como afirma o entrevistado Versus, editor do TJ1. Contudo, a realidade é mostrada a partir da orientação dos grupos (elites políticas) detentores desses canais. Ainda, as notícias recebem tratamento diferenciado segundo as características dos indivíduos que compõem a matéria, recorte de classe, raça/ gênero. Os mecanismos mais amplamente utilizados pela mídia e suas características centrais indicam como esta age e contribui para transformar tudo em mercadoria, tudo mercantilizar, inclusive dimensões da barbárie presentes em nossa sociedade, a exemplo das diferentes expressões da violência e, em particular, daquela que 50 Atriz assassinada em 2002 pelo “colega” de trabalho Guilherme de Pádua e sua esposa Paula Thomaz. Os autores do crime, Guilherme e Paula, foram presos e condenados a 19 e 18 anos e meio respectivamente. Atualmente, encontram-se em liberdade após cumprir um terço da pena, como disposto. 51 Digo: emissoras do Rio Grande do Norte. 78 afeta diretamente as mulheres. O tratamento dos meios de comunicação, as concepções de violência e de suas expressões elaboradas ou reiteradas pela mídia revelam especificidades do aparato ideológico dominante que atua na construção da sociabilidade, constituindo objeto a ser apreendido, desvelado na perspectiva de reforçar o entendimento crítico da violência enquanto expressão especifica da questão social. 3.3 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL FORJADA E MANTIDA PELO PATRIARCADO De acordo com Silva (1992) o modo de produção capitalista elabora um sistema de valores que mistifica as contradições e desigualdades inerentes às relações sociais. Esses valores justificam e garantem a manutenção da hegemonia e ampliação da acumulação capitalista. E ainda objetivam garantir os interesses da classe dominante. Para a autora, “[...] tal sistema ideológico-político é mais eficaz na medida em que [consegue] mascarar as contradições das relações sociais e fazer com que as camadas subalternas incorporem e reproduzam a mesma visão de mundo dominante” (op. cit., p. 52). A ideologia, portanto, desempenha o papel de unificar e homogeneizar os diversos estratos sociais. A vida das mulheres é permeada por estas relações contraditórias. Relações, majoritariamente, antagônicas que as coloca em situação de exploração e opressão. As dimensões de poder são exercidas e objetivadas no cotidiano das mulheres; não significa dizer que, não encontrem resistência e enfrentamento na reprodução destas relações. Como esclarece Safiotti (2009, p. 07), na sociedade de classes (mas não apenas), uma estrutura hierárquica atribui aos homens o direito de dominar as mulheres. Esse sistema pode ser também acionado pelas próprias mulheres conscientes disso ou não -, que, imbuídas do sentido de oferecer cobertura ao patriarcado exercem, “[...] com maior ou menor freqüência e com mais ou menos rudeza, as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras crianças ou adolescentes, segundo a lei do pai”. Nesse sentido, ainda que não sejam cúmplices deste regime, colaboram para alimentá-lo. 79 Para Safiotti (2009), é imprescindível destacar a materialidade que assume o patriarcado para não se incorrer no risco de reduzir a categoria a um adjetivo de ideologia. As condições materiais, ou seja, a unidade humana que age, pensa e sente é indispensável para a materialização, corporificação da ideologia. Os sistemas de exploração e opressão existem porque também permanecem as condições materiais para seu exercício. As sociedades divididas em classes constituem terreno fértil para as desigualdades e antagonismos, tendo em vista a apropriação privada do trabalho coletivo. Assim, as relações de dominação e exploração encontram-se presentes na realidade materializando-se nas desigualdades identificadas na vida cotidiana dos sujeitos sociais. Ou seja, objetivam-se nas relações de trabalho, no exercício da sexualidade, nas relações de poder, na violência que assola o cotidiano social e, particularmente, a vida das mulheres. Alvo de opressão específica, as mulheres constituem uma unidade formada pelo recorte de gênero. A vida das mulheres é construída socialmente, como se fosse determinada pelo destino de ser mulher. As variações residem nos aspectos econômicos e culturais. Deste modo, não importa a classe social da qual faz parte, as mulheres, em maior ou menor grau vivenciam situações de opressão. Ademais, a condição da mulher assume particularidades conforme se moldam as sociabilidades. Nesse sentido, a posição e o lugar da mulher não são os mesmos em sociedades capitalistas ou socialistas, mulçumana ou católica (SILVA, 1992). A violência exercida sobre a mulher atravessa as referências de classe. Obviamente, as formas de enfretamento utilizadas pelas mulheres burguesas ao se encontrarem em situação de violência são distintas daquelas orquestradas pelas mulheres de camadas pauperizadas da classe trabalhadora. Para adentrar no complexo universo da violência contra a mulher, realizamos algumas aproximações a partir de categorias que na nossa concepção, são centrais para o debate. No nosso entendimento, a violência contra a mulher é condicionada pelas relações desiguais estabelecidas entre homens e mulheres, permeadas pelas relações de classe e etnia, orientação sexual, geração e etc. Esses elementos não podem ser dissociados de suas macrodeterminações, movimento necessário à apreensão das desigualdades históricas entre os gêneros na sociedade, em sua 80 face burguesa. O debate sobre gênero52 e patriarcado parece-nos central, por destacar dimensões essenciais ao entendimento das relações desiguais entre homens e mulheres na sociedade. A partir desse entendimento, podemos afirmar que as relações entre os gêneros são constitutivas das relações sociais determinadas historicamente, construídas no decorrer do desenvolvimento das sociabilidades; porém marcadas pelas particularidades que compõem cada estrutura social. Para Scott, o gênero53 se destaca como construção social do sexo, ou seja, a partir das diferenças biológicas, a sociedade estabelece formas individualizadas de ser homem e ser mulher na sociedade. Essa distinção foi sendo estabelecida à medida que a participação de ambos os sexos na reprodução (biológica) e na apropriação do excedente (propriedade privada) foi se instituindo. Assim, foram estabelecidos e difundidos modelos específicos de homem e mulher, aceitos e internalizados pelo coletivo, passando assim, a compor o processo de formatação do feminino e do masculino. Contudo, essas diferenças foram se assumindo características de relações hierárquicas aprofundadas conforme as determinações materiais e subjetivas dos sujeitos e da sociabilidade da qual fazem parte. Para a autora, em todas as sociedades, os seres humanos nascem iguais: macho ou fêmea. Através de processos ideológicos, econômicos e culturais aprendem a ser homens e mulheres, “[...] incorporando estereótipos necessários aos interesses de preservação da ordem vigente numa dada sociedade” (SILVA, 1992, p. 62). Na construção das relações de gênero a sociedade disponibiliza símbolos, representações e conceitos normativos que ganham sentidos quando veiculados pelas instituições – escola, família, mercado, meios de comunicação, dentre outras (SCOOT, 1990). Tais instituições “[...] contribuem para a construção de uma identidade subjetiva, uma vez que homens e mulheres reais nem sempre preenchem 52 Diante dos limites impostos a esse trabalho, não iremos explorar as diversas abordagens sobre os termos utilizados para evidenciar as desigualdades entre as categorias de sexo na sociedade. Para maiores aprofundamentos Safiotti, 2009; Kergoat, 2009; Delphy, 2009. 53 A categoria gênero foi apropriada pelas teóricas do feminismo contemporâneo na perspectiva de compreender e responder, dentro de parâmetros científicos, a situação de desigualdade entre os sexos e como esta situação opera na realidade e interfere no conjunto das relações sociais. No Brasil, o conceito se populariza no final da década de1980 e início dos anos 1990, com a publicação do artigo de Joan Scott, “Gênero, uma categoria útil de análise histórica” (1995) (VELOSO, 2005). 81 todos os requisitos das prescrições sociais” (PASINATO, 2006, p. 142). Estes mecanismos, inscritos em relações de classe fundamentam as relações entre homens e mulheres na sociedade capitalista, naturalizando as diversas formas de exploração que fazem parte da vida cotidiana das mulheres. Os meios de comunicação de massa reforçam estereótipos presentes no senso comum emanados da ideologia dominante à medida que expõem tipos idealizados de mulher em sua grade de programação. As mulheres precisam ser, sobretudo, magras, altas e ter cabelos lisos. Além disso, nas telas de televisão e nos filmes, há predominância de mulheres brancas. Quando aparecem, as mulheres negras sobressaem-se na condição de escrava e/ou empregada doméstica. Evidente: vez ou outra uma mulher negra obtêm destaque na mídia. Contudo, esta constitui muito mais a exceção que a regra. Como a sociabilidade capitalista cria constantemente desigualdades, complexifica ainda mais as relações entre homens e mulheres. Em dado momento, ao sair do espaço doméstico54 e passam a compor o espaço público55, contraditoriamente a mulher é alvo das mais variadas discriminações, precariedade nas condições de trabalho, menores salários e expressões de violência. O patriarcado tem se destacado como categoria utilizada para explicar e apreender as relações desiguais entre homens e mulheres. Esta categoria se diferencia do gênero, por integrar, em suas análises, as contradições de classe que condicionam as desigualdades entre os grupos de gênero. Safiotti (2009, p. 10) explicita que, Neste regime, as mulheres são objetos da satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras. Diferentemente dos homens como categoria social, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação de serviços sexuais a seus dominadores. Esta soma/mescla de dominação e exploração é aqui entendida como opressão. Ou melhor, como não se trata de fenômeno quantitativo, mas qualitativo, ser explorada e dominada significa uma só realidade. 54 Lugar historicamente vinculado ao feminino. 55 Através, por exemplo, da inserção no mercado de trabalho. 82 Assim, o regime patriarcal56 traz implícitas relações hierarquizadas entre seres com poderes [sobretudo econômicos] desiguais. Neste sentido, tem-se uma relação dialética entre as diferenças de gênero e as desigualdades de classe. As desigualdades sociais criadas e recriadas cotidianamente constituem elemento determinante da situação de violência a qual mulheres estão submetidas. Como ressaltado, a violência atinge todos os níveis sociais, em maior ou menor intensidade. Todavia, as expressões, materialização e o enfrentamento são certamente, “tão distintos quanto desiguais”. Entendemos a violência contra a mulher no movimento dinâmico do tecido social, ou seja, a partir de suas relações antagônicas e contraditórias. Esta análise a nosso ver, evita incorrer no erro de tomá-la como uma aberração, um sintoma patológico causado por individuo/os com tendências violentas, cujo enfrentamento, dar-se-ia a partir de tratamentos e ações “cirúrgicas”. Muitas vezes, esse entendimento é utilizado pelos veículos de comunicação para explicar os casos de assassinatos de mulheres. Nos episódios de violência que catalogamos, identificamos em algumas narrativas associações (implícitas/explicitas) da situação violência a distúrbios psicológicos dos seus perpetradores. Partimos do pressuposto que a violência cometida contra as mulheres é determinada pelas desigualdades engendradas na sociedade capitalista, arraigada as relações desiguais de gênero e no sistema patriarcal. Trata-se de um fenômeno complexo, contraditório e multifacetado, perpassando o cotidiano da maioria das mulheres de todas as classes sociais, raças/etnias. Nesse sentido, as relações sociais estabelecidas sob condições objetivas nas diversas sociabilidades, têm posto a mulher numa histórica situação de desigualdade. Segundo Saffioti (1987), essa desigualdade pode ser melhor apreendida se analisada a luz do tripé formado pelo capitalismo, racismo e patriarcado. Essas três categorias são, portanto, parte de um mesmo processo e se relacionam dialeticamente. Dessa maneira, a autora afirma: a luta pela emancipação das mulheres requer e implica na luta pela erradicação de toda desigualdade social (classe, 56 Estima-se que o sistema patriarcal vem ocorrendo há cerca de 6500-7000 anos, quando os homens começaram a implantar seu esquema de dominação-exploração sobre as mulheres. Cf. ENGELS, 2002; SAFFIOTTI, 2000. 83 gênero e etnia); significa dizer, que lutar pela efetivação da igualdade e da liberdade de homens e mulheres nos marcos da sociabilidade capitalista revela-se como uma batalha fadada ao fracasso, tendo em vista que a criação e reprodução de relações coisificadas, desiguais e violentas lhes são inerentes. Todavia, ressaltamos a luz do pensamento de Saffioti, que nos marcos da sociabilidade capitalista, as lutas vigentes têm valor e sentido político inegável e são indispensáveis. Como assevera Richartz (2004), as lutas sociais não podem ser encaradas como específicas de uma única categoria, não podem ser conduzidas por um grupo específico e reduzidas a interesses particulares. Os problemas raciais dizem respeito a negros e brancos; o combate ao patriarcado, a homens e mulheres embora, cada segmento tenha suas particularidades. Contudo, no momento atual em que a negação dos direitos básicos de subsistência atinge incisivamente a classe trabalhadora, encaminhamentos práticos voltados a determinados contingentes populacionais têm inegavelmente seu grau de importância. Evidente: sob a lógica capitalista não há possibilidade da efetiva liberdade das mulheres. Isto não implica em negar a importância das lutas travadas ao longo dos anos pelo movimento feminista, as quais possibilitaram indiscutíveis avanços, por exemplo, no âmbito das políticas de enfrentamento à violência de gênero. Assim, é importante destacar a importância das lutas específicas dos sujeitos coletivos, embora reiteremos que a luta precisa necessariamente ter natureza anticapitalista, vislumbrar a emancipação humana de homens e mulheres. O patriarcado, cuja origem é anterior à formação capitalista, se movimenta entre os planos político, biológico, econômico e cultural, modificando suas expressões nos diversos contextos sociais. Significa dizer que se objetiva de formas distintas, conforme a dinâmica social. Se em dado momento (condicionado por possibilidades próprias do ordenamento social daquele contexto histórico), é possível observar melhores condições de vida das mulheres, em outro, se agudiza seu processo de opressão e de exploração. Por isso, “a dominação não se faz do mesmo jeito sobre todas as mulheres, [ela] varia por classe e, nas sociedades racistas, varia por identidade étnico-racial” (CAMURÇA, 2007, p. 04). A dominação sobre as mulheres também varia em decorrência das conjunturas históricas. Historicamente, o lugar destinado à mulher tem sido o espaço doméstico, sob 84 a justificativa de sua capacidade biológica de ser mãe. Cabe-lhe à esfera da reprodução, “[...] não só biológica, mas também dos aspectos culturais e sociais, a serem perpetuados pelas gerações” (LOURENÇO, 2004, p. 68). Aos homens cabe o campo da produção, ou seja, a esfera pública. Esta postura estabelece dicotomia entre produção e reprodução, dimensões que de fato, constituem uma totalidade no mundo das relações sociais. Analisando como são estabelecidas as relações entre homens e mulheres, é possível identificar como as desigualdades são construídas numa relação de dominação-exploração e sobreposição dos homens sobre as mulheres. Significa que os valores e ideias dão suporte a hierarquias de poder entre os sexos e fazem com que a relação de dominação/submissão entre homem e mulher esteja presentes nos mais diversos espaços sociais: na família, nas empresas, nas igrejas, nos sindicatos, nos partidos políticos e na mídia. A identidade social, tanto da mulher, como do homem, é, portanto, construída por meio de distintos papéis exercidos “[...] pelas diferentes categorias de sexo” (RICHARTZ, 2004, p. 03). As atribuições sociais determinadas para homens e mulheres acabam sendo naturalizadas pela sociedade, como ressalta Richartz (idem), Por ser naturalmente destinada à maternidade, com um corpo perfeito, carinho e paciência na medida certa, o espaço doméstico fica destinado à mulher. Cabe a ela socializar os filhos, mesmo quando trabalha fora do lar para ganhar seu próprio sustento e o dos filhos, ou ainda, para “complementar” o salário do marido. [...] Todas as funções naturais como a maternidade, alimentação e sono sofrem intervenção social. É a sociedade que determina como serão os partos, o que comer, como e quando dormir. A naturalização de processos socioculturais legitima a discriminação da mulher, e de outros segmentos sociais (negro, pobre, homossexual), se constitui o caminho mais fácil para confirmar a “dominação” dos homens, assim como se confirma a superioridade dos brancos, dos ricos e dos heterossexuais. Da mesma forma são naturalizados outros processos sócio-culturiais que dão suporte à discriminação do negro, do índio, dos pobres, das categorias LGBTs (SILVA, 1992). Segundo Moreira (2003), não é possível estabelecer com precisão a origem da opressão exercida sobre as mulheres, tendo em vista ser um processo que sofreu mutações ao longo do desenvolvimento histórico. Sabemos que a 85 subordinação da mulher não data dos tempos atuais, trata-se de um processo milenar, “[...] uma constituição que se move entre os planos, biológicos, políticos, econômicos e culturais” (ibidem, p. 39). Ao longo dos tempos, a opressão das mulheres se perpetua modificando-se em intensidade, conteúdo e formas de materialização nas diversas conjunturas. Assim, também podemos apreender a violência. Produto das relações sociais, movendo-se e particularizando-se nas especificidades dos contextos sociais. Fundamentados nesses pressupostos, podemos afirmar que a violência, particularmente as expressões vivenciadas pelas mulheres, tem sua origem anterior à constituição da sociabilidade burguesa. Contudo, podemos afirmar que o capitalismo não se sustenta sem reproduzir as “[...] relações de poder antagônicas, em que o poder de controle está inteiramente separado dos produtores e cruelmente imposto sobre eles” (MÉSZÁROS, 2009, p. 228-229). Significa dizer que a subsunção57 do trabalho ao capital reforça as desigualdades entre homens e mulheres (homens/homens; mulheres/mulheres); intensifica a exploração do trabalho58, a pauperização da classe trabalhadora e a violência nas suas diversas e cruéis expressões. Embora reconheçamos limites impostos pelo capitalismo no reconhecimento dos direitos, avanços significativos foram alcançados pelas mulheres na direção da conquista de direitos e da equidade de gênero. Podemos citar como exemplo a criação das Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres - DEAMs59; a implantação de casas abrigos no país, (FERNANDES; MOTA, 2008), dos núcleos e centros de apoio que prestam atendimento e orientação às mulheres, fazendo um trabalho de denúncia, prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher. Mudanças ocorreram no Código Penal, a exemplo da retirada do termo "mulher honesta". A lei 11.106/2005 promove a supressão de tal expressão dos 57 Cf. Marx, Karl Capítulo VI, Inédito de O Capital: resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Moraes, 1985 58 59 O trabalho das tende a ser menos valorizado: baixos salários, longas jornadas de trabalho. A primeira Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher foi criada em 1985 em São Paulo (BLAY, 2003). “... Em 2004, havia 345 municípios com Delegacia de Mulheres. Apesar de todas as Unidades da Federação contarem com, pelo menos, uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, quando se observa o tamanho das populações dos municípios constata-se que nenhum dos 1.359 municípios com até 5 000 habitantes tem esse equipamento.” (IBGE, 2005) 86 artigos 215 e 216 do Código Penal60. A adjetivação “honesta” restringia a proteção de determinadas mulheres em relação aos crimes de caráter sexual. Prostitutas e mulheres consideradas de “vida promíscua” não eram abarcadas pela tutela do direito (TASQUELO; SANCHES, 2005). Assim, o que se julgava não era a violação de um direito, mas a conduta moral da mulher. Trata-se, portanto, de uma qualificação preconceituosa e discriminadora que nega o direito de proteção à sua integridade física e psicológica. No tocante ao enfrentamento da violência contra a mulher, em agosto de 2006, foi promulgada a Lei 11.340, denominada “Lei Maria da Penha” 61 . A lei representa marco importante do ponto de vista das conquistas políticas e do ponto de vista legal. A lei propõe a adoção da pena de prisão para agressores, em substituição à doação de cestas básicas, medidas de assistência e proteção à mulher em situação de violência. Mesmo representado uma importante vitória dos Movimentos de Mulheres, a lei Maria de Penha vem sendo combatida contundentemente por setores conservadores da nossa sociedade. Isso nos confirma a dificuldade da materialização efetiva de direitos. O depoimento abaixo é bastante revelador dos limites da materialização das conquistas legais: O que a gente vê cada vez mais forte é que conquistamos, mas precisamos lutar cotidianamente para garantir direitos. Um caso emblemático é o enfrentamento a violência contra a mulher. Uma bandeira de luta do movimento antiga de 30, 40 anos atrás. Nós lutamos, conquistamos, mas é uma luta diária, porque estamos numa sociedade machista e, o capitalismo aflora o patriarcado. Além disso, nossas leis, ou melhor, nosso poder representativo é marcadamente masculino, assim facilmente, uma conquista como esta que se tornou uma política pública, é desconstruída (Entrevistada Nosotras, militante AMB). 60 O Código Penal data de 1940, de lá até os dias atuais algumas modificações foram realizadas. No que tange aos direitos das mulheres, é significativa a mudança no artigo 218 da lei 12.015/09 que tipifica o estupro, no rol dos crimes hediondos, definindo o tempo de reclusão (de 8 a 30 anos). A Lei 11.340/06, estabelece-se nova redação ao Art. 129 (Código Penal), estabelecendo pena de 3 meses a 3 anos as agressões cometidas contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Ainda, acrescenta-se ao artigo 313 do Código de Processo Penal, o inciso IV estabelecendo as medidas protetivas de urgência no caso de violência doméstica. 61 A lei recebeu essa nomenclatura em homenagem a Maria da Penha uma mulher que foi protagonista de uma corrida pela punição de seu ex-companheiro, que por duas vezes tentou assassiná-la. Quase 20 anos após os crimes, o agressor foi preso e o Estado brasileiro obrigado a adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. 87 Soma-se a isso, as limites materiais a realização e efetivação dos serviços de proteção à mulher, que particularmente, no Rio Grande do Norte, tem se constituído entraves concretos a materialização no enfrentamento a violência. No Estado, existem apenas 562 (cinco) Delegacias Especializadas no Atendimento a Mulher – DEAM, em condições estruturais que não dão condição da efetivação das ações previstas na Lei. Como Afirma Nosoutras (militante AMB): O problema está na política pública, que por falta de orçamento, a rede de atendimento a violência contra a mulher que precisaria está estruturada, não está [...]. Aí sim teríamos resultados mais rápidos e concretos. Mas como se pode ter uma lei arrojada, se a coisa mais simples que a gente tem na lei, que são as medidas protetivas, que deveriam ser realizadas em até 24h, tem que ser realizada onde não existe uma única viatura? Ainda sobre as dificuldades e limites na efetivação das Leis, exemplifica, Uma perda grande pra gente foi que uma única DEAM que conquistou plantões no fim de semana, foi retirado, em Paranamirim. Ou seja, as mulheres têm hora marcada para sofrer violência, e não pode ser no final de semana. A única que tínhamos. Por falta de estrutura e falta de estrutura pra gente é falta de recurso, falta de prioridade (Nosotras, militante AMB). Verificamos, portanto, o “descompasso entre o mundo legal e os processos sociais (SANTOS, 2010, p. 199)”. Ou seja, os direitos legalmente conquistados nem sempre são materializados na vida cotidiana. Como afirma a autora, “[...] isto porque em muitas situações há dificuldades na aplicação da lei, no acesso à justiça e na disseminação de conquistas para as novas gerações” (ibidem). Como explicam Oliveira e Santos (2010), na sociedade capitalista, as condições materiais impõem dificuldades à consolidação dos direitos dos grupos subalternizados, ou seja, o enfrentamento da violência, bem como das variadas expressões da questão social não se resolve com a instituição de marcos legais ou de um arcabouço jurídico63. Requer condições objetivas que possibilitem a efetiva participação dos sujeitos no acesso e usufruto de direitos. O enfrentamento das condições de opressão não pode se concretizar no terreno da legalidade jurídica, 62 Duas situadas em Natal (zona norte e oeste); uma (1) em Mossoró; uma (1) em Parnamirim e uma (1) em Caicó. 63 Para maior apreensão, ver SANTOS, 2010. 88 mas requer, sobretudo, a construção de uma sociedade humanamente emancipada, forjada a partir da luta anticapitalista. A erradicação completa das diversas expressões da violência implica rupturas profundas com a sociabilidade dominante na perspectiva da emancipação humana. Como destaca Santos, (2010, p. 189) [...] é preciso considerar que a sociabilidade capitalista, por se constituir numa forma de organização da vida social que se caracteriza pela subordinação de todos os valores humanos aos ditames da acumulação do capital e sua exigência de lucro, torna-se flexível, ora aprofundando a opressão, ao dissimular suas manifestações, ao mesmo tempo que no cotidiano desrespeita os indivíduos com discriminação e preconceitos e ignora, na lei, os sujeitos oprimidos, ora regulamentando-a. Articular capitalismo (suas contradições e particularidades) e patriarcado possibilita-nos apreender as manifestações de opressão, às quais a mulher está subordinada, tendo em vista que o sistema do capital apropria-se da opressão tanto do ponto de vista ideológico, como na produção da vida social. Permite-nos ainda apreender as dimensões de universalidade e particularidade que conformam o nosso objeto. No decorrer do processo histórico, as mulheres têm conquistado uma série de direitos. Contudo, não podemos afirmar que houve na mesma medida transformações substantivas em suas vidas. Para Mészáros (2009, p. 54), apesar de todo o desenvolvimento ocorrido nos últimos tempos que, de certo modo, provoca alterações na dinâmica da sociedade burguesa, “os ganhos obtidos não ultrapassaram o nível da igualdade formal”. Como explica o autor, faz parte da racionalidade capitalista aprofundar as desigualdades e antagonismos. É próprio desse sistema, manter e reproduzir as relações de poder “historicamente específicas” através das quais assegura o controle sobre a classe trabalhadora. Ressalta o autor, [...] enquanto o relacionamento vital entre homens e mulheres não estiver livre e espontaneamente regulado pelos próprios indivíduos [...], com base numa igualdade significativa entre as pessoas envolvidas – ou seja, sem a imposição dos ditames socioeconômicos da ordem sociometabólica sobre eles – não se pode sequer pensar na emancipação da sociedade da influência paralisante que evita a auto-realização dos indivíduos como seres sociais particulares (2009, p. 54). 89 Assim, dadas as condições estabelecidas pelo movimento da vida social sob a autoridade do capital, a emancipação das mulheres não será efetivada, sem que se questione em profundidade e com radicalidade a ordem social burguesa e suas implicações na vida de homens e mulheres. A sociabilidade do capital é incompatível com a afirmação da igualdade real e substantiva. Nesse sentido, ainda que avanços sejam significativos, são inquestionáveis os processos de dominação e opressão, não apenas no âmbito político-ideológico, mas também no econômico (MOREIRA, 2003). Ainda, permanece a repressão da sexualidade feminina (tratada como objeto de desejo dos homens64); a desqualificação profissional (divisão hierárquica das atividades destinadas às mulheres e, consequentemente, a desvalorização salarial); a violência vivenciada no seio familiar, no ambiente de trabalho e nos espaços públicos. Em vez de sujeitos livres e autônomos, as mulheres continuam submetidas a situações de opressão, legitimadas dentre outras, pela família (papel conservador perpetuador de valores aceitos como normais); pela sociabilidade (mediante valores incontestáveis que devem ser seguidos pelos indivíduos); pelos meios de comunicação em massa (sob a forma de reprodução ideológica dos papéis destinados a mulheres e homens). Por certo, relações de gênero são construções históricas e, como tal, passíveis de transformação. O estabelecimento de um uma nova sociabilidade e de novas relações entre homens e mulheres implica, portanto, em descortinar suas determinações e formas de materialização para pôr a nu as contradições que as permeiam e orientar as lutas emancipatorias. 64 A exarcebação da sexualidade feminina é facilmente observada nos produtos publicitários. Sobre esse debate ver CRUZ, 2007 90 91 4.1 PONTO DE PARTIDA: TECER OS FIOS DA HISTÓRIA, DESCONSTRUIR VISÕES E “VERDADES” FORJADAS NA E PELA MÍDIA. Digo não a violência, falo sim para a coragem, condeno a tirania desse machismo doente, Verme, filho do patriarcalismo que cresce no moralismo covarde. Cores do Invisível Andréa Lima Como destacamos na seção, dentro da lógica do mercado, a mídia burguesa procura estar em sintonia com o “gosto popular”, com propósito de atrair para si uma clientela continua e permanente (MORAES, 2010). Par tal é preciso uma programação atraente, que cause empatia nos telespectadores, mas, sobretudo que desperte a curiosidade e atenção mantendo-os atentos também ao tempo publicitário. Nessa lógica, conteúdos são distribuídos e ordenados, ideias e informações são mobilizadas ocupando posição distintiva no âmbito das relações sociais. Enfim, os contornos “ideológicos da ordem hegemônica” são fixados (ibidem. p. 84), através da premissa do consumo, do individualismo, da mercantilização das variadas dimensões vida. Não podemos deixar de considerar o papel preponderante dos meios de comunicação na elaboração de concepções e interpretações sobre os processos e fenômenos sociais em determinados tempos históricos. Com efeito, nos tempos atuais os veículos midiáticos, em especial, a televisão e o telejornalismo destacamse como mecanismos privilegiados na construção de formas de interpretar os fatos e acontecimentos da vida cotidiana, angulados sistematicamente sob a direção das elites hegemônicas. Partindo dessas indicações, o objetivo dessa seção é refletir sobre o tratamento dado pelos telejornais à violência contra as mulheres buscando explicitar as particularidades do noticiário televisivo quando se remete a assassinatos de mulheres, mas, sobretudo, identificar os mecanismos sobre os quais se apóiam as emissoras de televisão na construção da notícia, explicitar a lógica de construção e articulação de elementos ideológicos objetivados nos discursos e narrativas 92 jornalísticas que contribuem de maneira explícita ou velada para a manutenção e perpetuação da ideologia patriarcal de gênero. Para percorrer o caminho desejado, partimos de dois casos (um com divulgação em nível nacional outro local65), os quais são caracterizados inicialmente e depois perscrutados. Tomamos os casos da morte da dona de casa Andréia Rosângela Rodrigues e do desaparecimento da jovem Eliza Silva Samúdio. Estes casos ocorreram em 2007 e 2010 respectivamente e tiveram ampla cobertura midiática, permanecendo nas pautas dos telejornais por tempo relativamente longo. A descrição dos casos nos parece pertinente por nos permitir adentrar nas particularidades da veiculação pelas emissoras, o tratamento dado a cada um dos casos pelos telejornais, a centralidade que obtiveram no cotidiano e, a dimensão espetacular que os envolve. 4.1.1 Casos emblemáticos da cobertura de situações de violência de gênero pelos telejornais Caso 1 – Assassinato de Andréia Rodrigues (Rio Grande do Norte) Andréia Rosângela Rodrigues, 37 anos, foi assassinada pelo marido Andrei Thies, em 22 de agosto de 2007. Natural do Rio Grande do Sul morava em Natal /RN com o marido e suas duas filhas (uma com 12 anos e a outra com 11 meses). Seu corpo só foi encontrado dois meses depois do crime. O TJ1 (local) cobriu de forma expressiva as investigações concentrado as reportagens no mês de outubro66 daquele ano, principalmente após a prisão do suspeito, o sargento Andrei Thies, marido da vítima. Progressivamente, os detalhes da investigação são socializados com os telespectadores. O delegado especial Raimundo Rolim que está apurando o caso do desaparecimento da dona de casa Andréia Rosangela Rodrigues de 37 anos está em Porto Alegre há três dias. Ontem ele conversou com familiares de Andréia no Palácio da policia gaúcha. Foi o encontro 65 66 Rio Grande do Norte As reportagens disponibilizadas pelo TJ1 se concentram todas no mês de outubro, indo do dia 01 ao dia 30.10.07 93 com a filha dela de treze anos [...] uma das peças chaves da investigação. O encontro foi no Centro Integrado de Atendimento à Criança e Adolescente. O delegado foi colher informação e material genético que pode ajudar na investigação de Andréia (18.10.2007). Os pais e o irmão de Andrei também estão sendo investigados. Eles prestaram depoimento ao delegado que preside o inquérito (18.10.2007). O corpo de Andréia foi localizado no quintal da casa dos pais de Andrei. Com a descoberta do corpo, ele assume a responsabilidade no assassinato, mas tenta inocentar os pais. O TJ1, datado de 30 de outubro, veicula os detalhes, [...] as buscas na casa localizada na Rua São Mateus em Ponta Negra, começaram por volta das 16h30 da tarde. Depois de escavarem vários locais, policiais civis encontraram o corpo em uma cova de aproximadamente 1m de profundidade o cadáver que apresenta avançado estado de decomposição estava dentro de uma capa de acampamento da aeronáutica. Nossa reportagem acompanhou com exclusividade o momento em que funcionários do ITEP fizeram as perícias no corpo. [...] falei com Andrei ele já informou que realmente os pais não sabiam de nada. (então ele confessou?) confessou e disse que os pais não sabem de nada (entrevista com advogado de Andrei, 30.10.2007). Conforme a matéria, no dia da morte de Andréia, o acusado havia discutido com a esposa porque ela queria sair de casa para falar com familiares, ameaçando ir embora. Matéria veiculada em jornal impresso da capital potiguar revela detalhes do crime: [...] Ao ouvir os gritos, o pai de Andrei (Hamilton) vai até a casa do filho e os encontra discutindo. Nesse momento, Andrei pega filha mais nova e leva para a mãe (dele) cuidar. Ao voltar encontra Andréia desmaiada, segundo Hamilton (pai), eles haviam entrado em luta corporal e ela acabou caindo e desmaiando. Andréia volta a acordar e tenta fugir. Andrei segura-a com um golpe mata leão e Hamilton desfere um golpe de faca a altura do pulmão. Colocam o corpo no saco de dormir e depois na geladeira. Dia seguinte colocam num freezer no local de trabalho de Hamilton. Quatro dias depois enterram no quintal da casa onde reside Hamilton, Mariana (pais) e Rodrigo (irmão). A partir dos depoimentos e investigações, o delegado responsável pela investigação (Sr. Rolim) conclui que Andrei assassinou Andréia com a ajuda da família. Para a acusação, Andrei matou a esposa, tendo pais e irmão ajudado a 94 ocultar o corpo. Até o final da pesquisa o crime ainda não havia sido julgado67. Após quatro anos, a história de Andréia se confunde com a de tantas mulheres potiguares, rotineiramente humilhadas, espancadas e assassinadas por seus maridos, namorados e companheiros. Reflete a desigualdade que perpassam as relações afetivas/conjugais e espraiam-se por todas as esferas da vida social. Exprime a dominação masculina sobre a vida e o corpo das mulheres, não raramente, mutiladas e executadas por expressar seus desejos, sonhos e projetos. Caso 2 – Desaparecimento de Eliza Samúdio (Minas Gerais) A paranaense Eliza da Silva Samudio, 25 anos, desapareceu na data provável de 04 de junho de 2010, após viajar para Minas Gerais onde de acordo com as investigações, resolveria a questão da paternidade de seu filho. Desde então, a jovem não foi mais vista. Indícios “apontam” para sua morte. Todavia, as diversas buscas não obtêm êxito na localização do corpo da jovem. Seu filho foi encontrado com uma amiga da ex-mulher de Bruno (suposto pai e mandante do crime). Matéria divulgada no site R7.com (07.07.2010) relata o suposto assassinato da jovem, Após ouvir depoimento de dois suspeitos, a polícia diz que Eliza teria sido sequestrada com seu filho no Rio de Janeiro no dia 4 de junho e levada para Minas Gerais. Segundo a polícia, a jovem teria sido mantida com o filho no sítio de Bruno e, dias depois, teria sido morta na casa do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte – MG. O crime pareceu ser elucidado quando um menor, primo do acusado, revela à polícia que Eliza teria sido assassinada, esquartejada e jogada aos cães. O crime teria sido cometido pelo ex-policial Marcos. Macarrão (amigo de Bruno), o próprio Bruno e o menor teriam presenciado parte do crime. A história de Eliza tornara-se notícia jornalística quando, em 2009, a vítima denuncia Bruno, por seqüestro, agressão e tentativa de aborto forçado (grávida de 67 O crime foi julgado no dia 22 de março de 2012. Andrei foi condenado a 18 anos de prisão e seus pais condenados a 19 anos, tempo acrescido por ocultação e negação da participação. Fonte Tribuna do Norte 22 de março de 2012, acesso em 12.06.12 95 cinco meses). O pai da criança seria o jogador. Na época, poucos telejornais transmitiram a notícia. Em alguns sítios na internet, encontram-se registros sobre o fato dentre os quais destacamos: “Bruno: “Ela quer 15 minutos de fama””68 (Extra, 25.08.2009); “Paranaense fala dos encontros com o jogador” (Extra, 25.08.2009); “Bruno nega ter engravidado paranaense: “Vai ter de provar”” (G1, 26.08.2009); “Goleiro do Flamengo acusado de ter sequestrado e ameaçado ex-namorada” (Extra, 20.10.2009). Em julho de 2010, Eliza volta a ser protagonista da agenda jornalística em decorrência do seu desaparecimento e suposto envolvimento de Bruno no crime. Nesse momento, o caso é objeto de notícia em diversos canais de televisão, nos mais variados programas televisivos. Investigações, prisões, depoimentos, acareações, tudo passa a ser noticiado. No dia 07 de julho de 2010, o TJ2 veicula a prisão de Bruno e Luis Henrique (Macarrão) como notícia de abertura do telejornal, explicitando toda a trajetória de busca e apreensão dos acusados. Afirma à apresentadora: O goleiro Bruno e o amigo Luiz Henrique Romão, conhecido como Macarrão, estão nesse momento aqui na delegacia de Homicídios na Barra da Tijuca, onde chegaram agora há pouco por volta de 7h15 da noite. Bruno foi indiciado pela polícia do Rio como mandante do seqüestro de Eliza Samudio, o amigo macarrão, o adolescente que está apreendido em Minas Gerais são considerados pela polícia os executores desse crime. Em 09 de julho de 2010, o TJ3 faz uma retrospectiva da vida de Eliza. A reportagem relata que a jovem queria ser “goleira” de futebol e, sonhava em ser famosa (nas passarelas); logo, envolve-se com jogadores de futebol e conhece Bruno. Destaca o telejornal: 68 Nota lançada à imprensa por Bruno veiculada na página do Jornal ExtraOnline em 25.08.2010: "Esta será a primeira e última vez que vou falar sobre minha vida pessoal, mas faço questão de me defender dos ataques absurdos que recebi desta moça que diz estar grávida de mim. Quem tem de provar alguma coisa é ela e não eu. Se ela tem tanta certeza de que eu sou o pai do suposto filho dela, por que ao invés de procurar os instrumentos legais que a justiça proporciona para pessoas nesta situação, ela me ameaçou e depois concretizou essa ameaça procurando a imprensa? Não reconheço essa paternidade e muito menos qualquer evento que possa tê-la gerado. Ela vai ter que provar tudo o que está dizendo.na Justiça. Está claro que ela quer apenas seus 15 minutos de fama às minhas custas. Como ela pode ter tanta certeza da paternidade se confessou à imprensa que mantém relacionamento com vários jogadores de futebol? Estou tranqüilo, mas vou buscar uma reparação". 96 A juventude foi marcada por dois grandes sonhos: as passarelas da moda e os gramados. No histórico escolar no colégio público onde estudou as notas mais altas eram as de educação física. Ela começou a treinar futsal a posição escolhida foi a de goleira. [...] seguindo a carreira de modelo, logo surgiram trabalhos no Rio de Janeiro e foi numa festa ano passado que Eliza teria visto o goleiro do [...] pela primeira vez. A vida de Eliza continua sendo narrada nas telas de televisão em todo o país. Em 11 de julho de 2010, o TJ4 veicula passagens de conversas mantidas por Eliza com amigos/as em páginas da internet. Depoimentos sobre o crime são repetidos. Referências à relação de cumplicidade entre Bruno e os amigos são realizadas. Especialistas são entrevistados e, no último ato, a partir dos depoimentos e investigações, são recriadas cenas e cenário do crime. Segundo investigações, Bruno mandou matar a ex-amante, mãe de um bebe de quatro meses, que seria filho do próprio jogador. Eliza Samudio foi torturada, morta por asfixia e ainda esquartejada, de acordo com as investigações. O desaparecimento de Eliza mantém-se nas pautas dos telejornais, concentrando-se nos dias que precederam a prisão dos envolvidos (entre 07 e 11 de julho de 2010). Contudo, gradativamente, perde espaço para outros crimes, notícias de corrupção e jogos de futebol até cair quase no esquecimento. Podemos observar na exposição dos dois casos a crueldade que os envolveram, a dimensão que tiveram nos telejornais, a exploração dimensões da vida dos envolvidos. A mídia deteve-se em veicular: os detalhes dos crimes, prisões, investigações. Deteve-se em elementos que pudessem atrair e captar a atenção dos/as telespectadores/as, manter os índices de audiência e a confiabilidade de seus patrocinadores. A dimensão política da violência sofrida por Andreia e Eliza raramente é identificada nas matérias telejornalísticas. Ao contrário, prevalecem as interpretações forjadas na moral conservadora que tendem a responsabilizar as mulheres pela situação de violência vivenciada. Tratamento esse, revelado no nas narrativas, interpretações e explicações dos casos, nas sanções jurídicas e no apelo incisivo em encontrar justificativas para os crimes. A dimensão espetacular é visível nas diversas emissoras de TV e nos mais 97 variados gêneros televisivos. As emissoras pesquisadas não fogem a regra, embora, com especificidades próprias, em seus telejornais a violência adquire uma dimensão dramática e comovente, envolvendo os/as espectadores/as nas narrativas e cenários produzidos. Partimos do pressuposto que a violência contra a mulher é um fenômeno recorrente na sociedade vivenciado não apenas por Andréia e Eliza, mas por muitas mulheres, e a televisão um veículo de comunicação com ampla centralidade na vida cotidiana. Nesse sentido, faz-se imprescindível discutir o papel contraditório dos telejornais no tratamento das expressões da violência contra a mulher, ao se colocar como veículo de informação, mas contraditoriamente, agir na reprodução de relações hierarquizadas e desiguais entre homens e mulheres, transmitindo visões do senso comum e da ideologia dominante em nossa sociedade. 4.1.2 “A questão é que a realidade não pode ser escondida 69”: dramatização e espetacularização da violência A forma exagerada e melodramática como a mídia trata a violência tem constituído conteúdo de muitos estudos e elaborações teóricas. De fato, percebemos a exploração da violência nos diversos gêneros televisivos nas novelas, nos filmes e, de forma mais acentuada, no telejornalismo. Como as emissoras brasileiras são majoritariamente comerciais, a elaboração das notícias passa “[...] pelo crivo de manuais de redação específicos e por políticas de andamento empresarial” (GÓIS, 2010, p. 3). O processo de captação de fatos, produção e edição das notícias até sua transmissão para o público leva o tempo mínimo necessário para seguir a premissa “tempo é dinheiro”. Como ressalta a autora, “O ritmo comercial exige rapidez, instantaneidade [...]. Quanto menos tempo, melhor” (idem, p. 3). A rapidez na veiculação da mensagem fragmenta e oculta dimensões da realidade que poderiam explicar o fato noticiado nas suas dimensões gerais e particulares. Vejamos o tempo de transmissão das reportagens nas tabelas seguintes: 69 Expressão contida na fala de Versus, um dos nossos entrevistados. 98 TABELA 3 – TEMPO DAS REPORTAGENS CASO 1 Telejornal Data Tempo da Matéria TJ1 11.10.07 2min40s TJ1 18.10.07 2min30s TJ1 18.10.07 2min28s TJ1 22.10.07 1min15s TJ1 26.10.07 2min48s TJ1 30.10.07 3min TJ1 30.10.07 1min TJ1 30.10.07 1min TABELA 4 – TEMPO DAS REPORTAGENS CASO 2 Telejornal Data Tempo da Matéria TJ2 07.07.10 2min15s TJ2 09.07.10 2min24s TJ3 09.07.10 2min50s TJ4 11.07.10 22min20 TJ5 15.10.09 2min TJ5 08.07.10 9min TJ6 09.07.10 16min TJ7 05.07.10 5min21s 70 Como podemos observar as reportagens referentes ao caso 1 são mais rápidas variando de 1min a 3min. No caso 2, o tempo de transmissão é mais longo, chegando há 22 minutos (divididos em 04 partes). Contraditoriamente, a premissa do tempo/dinheiro adquire outra dimensão: utiliza-se o tempo necessário para manter o telespectador em frente à TV. Ao invés de variadas reportagens com assuntos diversos, dedica-se mais tempo àquela notícia que capta a atenção do público, nesse caso, o acompanhamento de um crime cruelmente arquitetado por um “famoso” jogador de futebol. Porém, ainda que algumas reportagens tenham 70 É importante esclarecer que o TJ4 tem aproximadamente 2h de transmissão. 99 obtido mais tempo na grade dos telejornais, isto não resultou em maior qualificação e aprofundamento da informação transmitida. Ao contrário, prevalece o caráter sensacionalista e apelativo. O trecho seguinte é ilustrativo: O TJ4 começa agora com uma investigação especial sobre o caso do goleiro Bruno um ídolo do futebol, preso essa semana acusado de cometer um dos crimes mais bárbaros da historia do Brasil. Segundo investigações Bruno mandou matar a ex-amante mãe de um bebe de quatro meses que seria filho do próprio jogador. Eliza Samudio foi torturada, morta por asfixia e ainda esquartejada de acordo com as investigações (11.07.10). Como destaca Negrine (2011), a televisão tem passado por constantes mudanças na programação, nas técnicas e na forma de enfocar os conteúdos transmitidos. O meio foi modificado tecnicamente, tendo aumentado sua capacidade e possibilidades de alcance: melhorias em equipamentos portáteis tornaram possíveis transmissões instantâneas em situações dramáticas (como guerras, ou conflitos); novos aparelhos com tecnologia avançada (HDTV 71, 3D) aumentam a qualidade de recepção da imagem; implantação de sistemas de verificação simultânea de audiência72; informatização dos processos possibilitam o aumento da velocidade na captura dos fatos. Como podemos conferir na fala de Versus, redator do TJ1: Hoje, por exemplo, através do celular, a televisão está presente nos mais variados espaços [...]. Houve esse aumento de alcance, essa facilidade de tecnologias. Uma matéria de Mossoró, por exemplo, que a gente faz de manhã, já entra no ar de manhã mesmo. A tecnologia favorece a gente mostrar a realidade de imediato. Muito volume também que além do material [...] chegar por telefone ou por outro recurso, vídeo conferencia, skype. O depoimento de nosso entrevistado mostra a centralidade que a televisão 71 HDTV ou TV em Alta Definição é um sistema de transmissão televisiva com uma resolução de tela superior à dos formatos tradicionais (NTSC, SECAM, PAL) que permite maior resolução nas imagens e nas cores. Outros aprimoramentos podem ser listados: imagens em 3D (três dimensões), TVs que possibilitam acesso a internet e com as redes sociais. 72 A audiência dos programas de televisão é realizada através de um aparelho colocado em alguns domicílios. Em São Paulo a averiguação é realizada em tempo real. Minuto a minuto os programas que estão sendo assistidos em cada casa são transmitidos e codificados em sinais de rádio. Os sinais seguem para uma central que recebe os dados enviados pelos domicílios e reúne esse "pacote" de informações. Por sinais de rádio, internet ou linha telefônica, os números de audiência saem da central e chegam às emissoras que pagam pelo serviço. Dessa forma as emissoras sabem como está a audiência de um determinado programa no momento em que está sendo transmitido (fonte: mundoestranho.abril.com.br). 100 obtém na vida cotidiana, “está no celular”, ou seja, ocupa variados espaços de sociabilidade, (in)formando as pessoas. Trata-se de uma mercadoria que se diferencia pela dupla funcionalidade no processo de acumulação capitalista: torna-se objeto de consumo, desenvolvendo-se com novos atrativos (modelos multifuncionais, sistemas de sons e imagens, três dimensões) e, impulsiona o consumismo, através do marketing e da publicidade. Conforme Negrine (2011, p. 1), o poder de alcance e o uso de novas tecnologias implicaram no aumento da espetacularização, “[...] inclusive, na grade de jornalismo de muitas emissoras, as quais, mesmo de forma sutil, apresentam programas de shows como forma de sedução do público”. No primeiro caso, o principal conteúdo das matérias analisadas refere-se ao processo investigativo Chega-se a simular a condução da investigação. Trecho da reportagem explora aspectos do processo de investigação “[...] até mesmo uma retroescavadeira está sendo utilizada” para encontrar o corpo de Andréia. O equipamento deveria está “escavando” um local onde possivelmente o corpo da dona de casa teria sido enterrado, uma zona de mata de aproximadamente 18 km de propriedade das forças armadas. Contudo, as imagens transmitidas pela reportagem mostram máquinas no meio de uma rua, de uma área urbana, como indicam as fotos a seguir, Figura 1. Simulação da investigação caso Andreia Fonte TJ1 Figura 2. Reportagem sobre o caso Andreia Fonte: TJ1 A reserva militar localiza-se nas proximidades do local onde a reportagem é transmitida. Através das imagens e narrativas o telespectador pode se convencer da veracidade da fala enunciada. Assim, apreendemos como os telejornais nos 101 transmitem recortes e/ou cenários construídos para melhor enquadrar na tela da TV o fato enunciado (VIZEU, 2010). Não retratam a realidade, com a “objetividade” e “neutralidade” que tentam fazer crer; apresentam uma versão dos acontecimentos e de seus desdobramentos. Constroem e interferem nos cenários e fazem recortes de falas segundo a visão que desejam passar aos telespectadores. No segundo caso, as reportagens se detêm na prisão de Bruno e nos detalhes do crime. O detalhamento e a explicitação de minúcias do crime constituem elementos que captam a atenção do telespectador, mesmo que as mesmas informações tenham sido repetidas diversas vezes em telejornais distintos. Como podemos observar nos trechos a seguir. Ah! Porque ela foi desossada... Meu Deus do Céu! Meus amigos, ela foi desossada, a carne jogada para os animais... Inclusive tem uma coisa que eu gostaria de confirmar com o senhor, porque, segundo o seu sobrinho, foi o Neném que desossou essa jovem; ele sai com um saco de aproximadamente vinte quilos e oferece aos cães e seu sobrinho vê a mão de Eliza sendo dada a um cão, é verdade isso? (Fala de apresentador do TJ5, 08.07.2010). [...] Segundo Sergio no dia 9, Eliza e o Filho foram levados do sítio por Macarrão, o adolescente e Bruno. O Adolescente contou que eles teriam ido para um local parecido com um sítio, onde Neném teria matado Eliza (narração, TJ2, 09.07.2010) [segue-se a narração de trechos de entrevista coletiva] - Segundo narrativas, pegou as mãos da Eliza cheirou as mãos da Eliza, depois amarrou para trás. Aí ela falou assim: - eu não agüento mais apanhar. Ele falou assim: você não vai mais apanhar, você vai morrer (Delegado responsável pelo caso, TJ2, 09.07.2010) É expressivo, no segundo trecho o apelo à comoção do telespectador. Este aspecto parece ser explorado para assegurar melhor “venda” ao programa, na linguagem e no formato apresentado e também, corresponde ao suposto desejo do público que almeja atingir. Esta dimensão é retomada um de nossos entrevistados, veja o fragmento, As informações são veiculadas conforme o lucro que possam promover. Como as empresas privadas estão sempre buscando o lucro, elas tem que correr mais, fazer barulho, fazer o espetáculo acontecer. Aí vão mostrar sangue, violência [...] para aumentar a audiência (Pasquim, militante do Movimento Pela Democratização da Comunicação) A linguagem utilizada é simples e coloquial, aproximando-se o máximo 102 possível de um tom de conversa íntima, um papo entre amigos. Nos dois casos, as transmissões das matérias são marcadas pelo caráter repetitivo, com foco no desenrolar do processo investigativo. Cada nova reportagem reitera informações anteriores, com poucas novidades. Assim como Eliza, Bruno também teve sua vida exposta nas emissoras de televisão. Contudo, as reportagens sobre o jogador enfatizam sua ascensão da pobreza e abandono vivenciados na infância ao estrelato nos campos de futebol. Trechos de reportagem do TJ6 (11.07.10) são reveladores: [...] É surpreendente na história do goleiro bruno como ele saiu da pobreza e do abandono dos pais atingiu o estrelato e agora fez tudo desmoronar. Atrás da bola, o menino pobre foi longe. Bruno Fernandes nasceu na periferia de Belo Horizonte e foi em Ribeirão das Neves que cresceu criado pelo os avos, os pais o abandonaram três dias depois do nascimento (TJ6 09.07.2010). [...] Só aos 18 anos Bruno reencontrou o pai Maurílio que morreu logo em seguida. A mãe também o procurou vinte anos depois de deixá-lo. [...] em 2006, foi emprestado ao flamengo e a história de sucesso começou um ano depois. Pegou dois penalts da decisão do Estadual contra o Botafogo e no ano passado como capitão do time foi um dos responsáveis pela conquista do hexa-campeonato brasileiro com defesas espetaculares, nascia um ídolo. [...] Agora o menino que venceu a pobreza e vivia nesse casarão de luxo [imagens da casa de Bruno], zona oeste do Rio vai passar a noite numa cela, no estado onde nasceu. Apesar da reportagem veicular que Bruno cometeu o crime, tenta enfatizar dimensões de sua história de vida que tende a atenuar a gravidade do ato cometido, justificado como uma excepcionalidade na vida de um “jovem” “sério”, “batalhador”. Diferentemente de Bruno, que conseguiu fama e dinheiro mediante seu trabalho como jogador de futebol, a jovem paranaense “desde criança” queria ser famosa. As narrativas sobre a vida de Eliza não buscam qualificá-la como uma pessoa batalhadora e esforçada, mas uma “oportunista” que não mede esforços para conseguir seus objetivos, nem que para isso se aproxime de um homem casado e dele engravide. A moral conservadora expressa nos veículos de comunicação reforça o poder 103 e domínio dos homens na sociedade patriarcal. Aos homens é dada a liberdade, a vida pública. Às mulheres a castração dos desejos e a privação da liberdade. E, aquelas mulheres que procuram romper com o domínio e a exploração execradas pela sociedade. São as “Marias Chuteiras”, “aproveitadoras”, “vagabundas”. Dando continuidade à investigação sem qualquer esforço para aprofundar a problemática, no dia 08 de julho 2010, o TJ5, entrevista continua a investigação sobre o desaparecimento de Eliza. No programa, é entrevistado o tio do adolescente que denunciou o crime. A entrevista narra detalhes da investigação sendo interrompida para mostrar a transferência de Bruno e Luis Henrique (Macarrão) do Rio de Janeiro para Minas Gerais. [...] A pergunta que eu faço ao senhor: a polícia já, nesse carro aí, a polícia encontrou sangue e a polícia acredita que foi justamente nesse carro que ocorreu o transporte do corpo? [...] atenção tio! Eu queria pedir um pouco de atenção do senhor: amplia a imagem do lado direito, você já está vendo, atenção: Bruno e Macarrão, o Luiz Henrique, acabam de sair da Leopoldina do Rio de Janeiro e estão seguindo agora nesse exato momento pela pista seletiva da Av. Brasil na altura do bairro da Penha [...]. Na reportagem analisada, a prisão do goleiro parece obter mais interesse para a emissora do que as informações prestadas pelo entrevistado. O fato de Bruno ser uma “personalidade” do país contribui para aumentar os holofotes da mídia sobre o caso. O tratamento, uso (e abuso) de imagens destaca-se como mecanismo, que nos conduz a questionar a dimensão ética no telejornalismo. De acordo com Vizeu (2010), a união da imagem e do som possibilita à televisão descrever com mais detalhes o fato noticiado. Na televisão “[...] não adianta querer mostrar o que a imagem não diz, a gente tem que ter imagem, a imagem fala também”, aponta Versus editor do TJ1. Assim, são exibidos corpos, sangue, dor e sofrimento sem quaisquer constrangimentos éticos. De acordo com Góis (2010, p. 07), “[...] a representação dos objetos e pessoas data dos tempos pré-históricos, quando o homem gravou inscrições rupestres”. A partir dessas assinaturas, “[...] foi possível estudar, analisar e especular sobre a evolução, já que foram desenhados o cotidiano e o subjetivo da época: de caçadas a astros, começava a relação com os símbolos visuais”. 104 Ainda conforme o autor (idem, p. 08) a digitalização, propiciada pelo desenvolvimento tecnológico, transformou os símbolos visuais numa espécie de “[...] conglomerados de dígitos ou pontos (pixels). A imagem do ponto de vista material “não existe mais” (grifo do autor), podendo ser armazenada em arquivos digitais, editadas, melhoradas”. Cabe indagar, do ponto de vista ético, em que medida se pode intervir nas imagens, recompor cenas, etc; qual o limite do uso da tecnologia nos processos investigativos, entre artifício técnico e manipulação para se forjar uma “visão” acerca da realidade? No telejornalismo, as novas tecnologias podem possibilitar, por exemplo, a (re)criação e simulações dos casos noticiados a depender dos instrumentos tecnológicos que a emissora disponha. Em maior ou menor grau, as imagens reais ou produzidas a partir de fatos ou evidências são utilizadas na veiculação de notícias. O TJ1, por exemplo, utiliza imagens para informar sobre o momento em que o corpo de Andréia foi encontrado pela polícia. O jornal exibe imagens do possível local e do cadáver da vítima. A imagem (do corpo), apesar de captada de longe e através das folhagens, produz a ideia daquilo enfatizado pela linguagem falada expressa na matéria veiculada, como podemos observar nas imagens e no trecho a seguir, Depois de escavarem vários locais, policiais civis encontraram o corpo em uma cova de aproximadamente 1m de profundidade o cadáver que apresenta avançado estado de decomposição estava dentro de uma capa de acampamento da aeronáutica. Nossa reportagem acompanhou com exclusividade o momento em que funcionário do ITEP fizeram as perícias no corpo (TJ1, 30.10.07) O estado do corpo não permite inicialmente uma identificação, mas com os indícios que já coletamos 99,9% [ de probabilidade] é de que seja o corpo de Andréia (Delegado, TJ1, 30.10.07). Segundo perito do Itep, Marcos Guimarães, apesar do corpo já se encontrar em avançado estado de decomposição apresentava sinais de estrangulamento e uma fratura no tórax. Além disso, também foi constatado que as costelas da vítima estavam fraturadas (Repórter, TJ1, 30.10.07). No caso de Eliza Samúdio, a informática possibilitou a reprodução, ou melhor, a reconstrução “fiel” do episódio envolvendo o seqüestro e a morte da 105 jovem. Como podemos visualizar nas figuras abaixo, através computação gráfica e das informações do depoimento do adolescente envolvido no crime, o TJ6 produziu uma “ilustração” dos últimos momentos de vida de Eliza. Figura 3 – Eliza é levada do Rio para Minas Gerais. Fonte: TJ4, disponível youtube.com Figura 5 – Bruno chega ao sitio e manda que Luiz Henrique e Sergio “resolvam o problema”. Fonte: TJ4, disponível youtube.com Figura 7 – Momento em que Marcos Aparecido amarra os braços de Eliza e a sufoca. Fonte: TJ4, disponível youtube.com Figura 4 – Eliza sofre agressão do adolescente que acompanhava a viajem, ficam marcas de sangue no carro. Fonte: TJ4, disponível youtube.com Figura 6– Eliza é levada para um sítio alugado por Marcos Aparecido (executor) em Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte. Fonte: TJ4, disponível youtube.com Figura 8 – Segundo depoimento do adolescente, Marcos Aparecido esquarteja o corpo e dá aos cães. . Fonte: TJ4, disponível youtube.com 106 Como podemos observar, as imagens buscam retratar desde o momento em que Eliza foi levada para Minas Gerais até sua execução. Entre uma imagem e outra, são exibidas no programa partes do depoimento, fotos dos acusados, e o espaço geográfico, o cenário onde o crime ocorreu. No final da matéria, aspectos do episódio são reafirmados pelo delegado, em seu depoimento: “[...] ele (Marcos) cheira, pega suas mãos e coloca para trás” e afirma “você vai morrer”. Em outro momento, TJ4 (11.07.2010) reconstitui o episódio usando atores contratados. O crime se transforma em “entretenimento”: uma novela, com enredo, personagens e um final (infeliz). Dentro do quadro jornalístico, misturam-se elementos da dramaturgia, ingredientes que atraem o público e elevam a audiência (NEGRINE, s/d). De acordo Bucci (2005, p. 49), o “[...] telejornalismo é mais dramático que factual. Organiza-se como ficção, e uma ficção primária: tem suspense, tem lição de moral, tem mocinhos e bandidos”. Em se tratando de violência contra a mulher, aos poucos os telejornais foram passando de “[...] defensores dos agressores (onde mocinho e bandido se confundem) e passam a se constituir mais investigativos, mesmo tratando-os como excepcionalidades” (BLAY, 2008). Como salienta Blay (2008), no final da década de 1960, quando o Movimento Feminista denunciava a invisibilidade da violência contra a mulher, a mídia justificava e reiterava o fenômeno a partir de concepções conservadoras e patriarcais. A “vítima” era sempre culpada; os assassinos, apresentados como homens de bem, trabalhadores que agem por força da paixão, ou do “nervosismo”, como afirma Andrei ao justificar a morte de Andréia. Tratam-se de crimes passionais “[...] o único crime respeitável [...] que qualquer um (homem) comete” 73. Como a mídia, não está isenta do movimento da realidade, aos poucos, em seus conteúdos, passa a explicitar, ainda de forma sutil, as reações da sociedade. Ainda que prevaleçam expressões conservadoras e culpabilizantes da mulher como verão nos itens subsequentes, algumas iniciativas se propõem a discutir e problematizar a violência contra a mulher. Em julho de 2010, TJ4 (18.07.2010) produz matéria sobre a Lei Maria da Penha. A efetividade da lei constitui foco central da reportagem, sendo tratada a 73 Depoimento de um delegado sobre o assassinato de Ângela Diniz. Cf. Blay, 2008. 107 partir do caso de Eliza Samúdio74. A matéria inicia-se como o questionamento: “Porque a lei criada para proteger (mulheres) não consegue evitar tragédias como a de Eliza Samudio?”. Ana Paula de Freitas, juíza; Carolina Bega, defensora pública; Márcia Salgado, coordenadora das Delegacias da Mulher/SP e Rebecca Reichmann, representante do Brasil no Fundo das Nações Unidas, são entrevistadas. Vídeos produzidos pelo programa denunciam as falhas no atendimento em delegacias da mulher e equívocos de interpretação da lei. As entrevistadas esclarecem a amplitude da lei (relacionamentos estáveis e eventuais); explicam o que é “representação” e medidas de proteção (retirada do agressor do lar). No entanto, identificamos alguns limites na reportagem, dentre eles: não se problematiza a condição de trabalho dos/as profissionais nas DEAMs (estruturas físicas, material de trabalho, salários, jornadas de trabalhos e etc.), a responsabilização do Estado na efetivação da Lei; as concepções e valores que perpassam a decisão de juízes; os determinantes da violência. Na perspectiva de discutir a violência vivenciada pelas mulheres, o Programa Em Questão, da TV Gazeta produz um debate bastante profícuo sobre a questão. Foram convidados/as Valderez Abbud, procuradora de Justiça; Rachel Moreno, feminista, ONG Observatório da Mulher e, Diego Bragant, psicólogo. Subsidiaram o debate reflexões sobre a sociedade patriarcal, perpassada pelas relações desiguais de gênero e classe. Foram ainda discutidos os índices de violência, a efetividade e os limites da legislação em vigor. Os dois programas têm formatos diferentes: no primeiro, as reportagens são construídas para enquadrar-se a um determinado tempo. Assim as falas são reduzidas, são realizados cortes nos depoimentos que esvaziam mensagens; mesclam-se entrevistas com imagens e dados, produzindo uma confusão de sentidos. O segundo constitui um programa de entrevista-debate, não tem edição das falas, as exposições dos entrevistados possibilitam a apreensão das informações transmitidas. Este programa é qualitativamente melhor, transmite uma quantidade maior de informações do que o primeiro, contudo, obtém menores 74 Eliza tem pedido de proteção negado pela juíza da Vara da Família de Jacarepaguá. Ver item 4.3.1. 108 índices de audiência, tendo em vista o poder de alcance das emissoras. Por certo, nos meios de comunicação tradicionais no noticiário, em particular, prevalecem os valores e concepções ideológicas das classes dominantes, preponderam à dramatização e o melodrama. Todavia, não podemos negar as possibilidades de discussão e abertura de pautas para um debate atento às demandas da sociedade. Na mídia, especificamente, no telejornalismo, a violência contra a mulher ainda é (in)visibilizada e tratada como excepcionalidade. Como veremos nos itens subsequentes, mesmo predominam concepções estereotipadas e preconceituosas, sutilmente dispostas nas imagens exibidas, nos discursos dos repórteres, apresentadores e entrevistados. 4.2 “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO NOTICIÁRIO TELEVISIVO [...] Errou na dose Errou no amor Joana errou de João Ninguém notou Ninguém morou na dor que era o seu mal A dor da gente não sai no jornal. (Chico Buarque) Esses dois crimes nos contam mais do que nos informaram a televisão e os telejornais. Eles são emblemáticos porque ilustram a vida de muitas Marias, Andréias, Penhas... Mulheres que ao tentar romper com a opressão e violência acabam sofrendo as consequências e, muitas vezes, perdem a própria vida. E, não raras vezes, são culpabilizadas, acusadas de infringir as regras da “sagrada família”, responsabilizadas pelo crime do qual foram vitimas. Embora os crimes analisados tenham ocorrido em situações e lugares distintos, com diferentes sujeitos envolvidos, eles têm algo em comum: Eliza e Andréia foram mortas por homens com quem mantinham e/ou haviam mantido relacionamentos afetivos. Esses dois crimes ilustram a realidade de muitas mulheres brasileiras, que foram assassinadas ao tentar realizar seus próprios desejos, romper 109 com a subordinação-opressão masculina, ou apenas exigir os direitos dos seus filhos. Nesse sentido, a discussão acerca do tratamento dado pelo telejornalismo à violência contra a mulher ganha relevo por constituir fenômeno complexo materializado na vida das mulheres, sob uma multiplicidade de formas e expressões. 4.2.1 “Quem nunca saiu na tapa com uma mulher?” 75: expressões de naturalização e banalização da violência Como afirma Camurça (2007), a prática da violência constitui um dos mais antigos e usuais instrumentos da dominação patriarcal sobre as mulheres. Figura como ameaça presente no cotidiano de milhares de mulheres que ousam desafiar o padrão de comportamento feminino delas esperado. Por isto, tem sido uma prática recorrente e contínua, tanto nos espaços privados (violência doméstica e sexual) como nos espaços públicos. Como alerta Camurça, De igual maneira, é instrumento de dominação o[e] controle sobre o corpo das mulheres. Este controle é expresso na negação de sua liberdade sexual, na limitação a sua autodeterminação reprodutiva, na criminalização da prática do aborto (causa de milhares de mortes de mulheres, todos os anos), na expropriação mercantil do corpo e imagem das mulheres pela indústria da propaganda, da beleza, da moda e do sexo. (CAMURÇA, 2007, p. 05) Para Mirales (2009), a violência evidencia o controle sobre as mulheres, mediante a utilização da força física ou coerção psicológica, demonstrando a coisificação do gênero feminino. Como explica a autora (idem, p.128), no “[...] corpo feminino encontram-se formas de objetivação da dominação-exploração através do sexo e da reprodução. A dominação sexual e a reprodução decorrente de sua prática sobrecaiu historicamente sobre as mulheres”. Tecida no seio das relações sociais, a violência não tem distinção de cor, classe social ou idade. Atinge não somente as mulheres, mas também seus filhos, famílias. Não queremos dizer com isso que não apresente particularidades distintas 75 Comentário de Bruno em entrevista coletiva exibida pelo Jornal da Globo dia 09.07.2010 110 nas diversas esferas da vida cotidiana. Porém, se afirmamos que se constitui uma das mais crueis e veladas expressão de violação dos direitos humanos das mulheres uma vez que usurpa o direito de usufruir das liberdades fundamentais, atingindo a sua dignidade e autoestima (FNED, 2006). Evidencia relações de opressão elaboradas pelo patriarcado, mantidas e recriadas na sociedade capitalista. Para Queiroz (et all, 2006, p. 03), as formas de violência exercidas contra as mulheres em razão de seu sexo são multiformes, ou seja, Elas englobam todas as ações que pela ameaça, força ou discriminação, as atingem, na vida privada ou pública, expressos por intermédio de violências físicas, sexuais, psicológicos e discriminações com a intenção de intimidar, punir e humilhar, ferindo a integridade física e subjetiva das mulheres agredidas. Tais práticas de violência ocorrem devido às relações de desigualdades existentes entre homens e mulheres, pois por acreditarem que possuem supremacia sobre as suas companheiras, os homens acabam sentindo-se no direito de humilhá-las, espancá-las ou assassiná-las. Identificamos no material analisado que antes de serem assassinadas Andréia e Eliza também vivenciaram diversas formas de violência. Como apresenta o Jornal Tribuna do Norte, em sua versão online: O delegado Raimundo Rolim apurou que Andréia disse a uma amiga que o militar costumava trancá-la em casa, até sem comida, num ato de total controle sobre a mulher. Consta também em depoimento que Andrei costumava sair com os pais e a bebê para passear, deixando Andréia e a filha de 12 anos - fruto de um relacionamento anterior trancadas em casa (Tribuna do Norte online, 21.11.2007). Em entrevista concedida ao TJ1(18.10.2007), a mãe adotiva revela que Andréia tinha sofrido ameaças do marido, de acordo com os extratos seguintes: Um dos depoimentos coletados até agora um chamou a atenção da policia. Foi o depoimento Maria Lidia, mãe adotiva de Andréia. Ela disse ao delegado Raimundo Rolim que a sua filha teria recebido ameaça de morte do marido Andrei Thies, pouco antes do desaparecimento (repórter). - Andressa disse que presenciou essa discussão onde ela disse que iria à na base aérea falar com o comandante e ele teria dito que se ela fosse ele a mataria. E ele deu três socos na cabeça dela por causa disso... Aí a Andressa foi dormir preocupada. Ai quando ela foi à escola, ela ligou para outra minha filha dizendo que estava 111 preocupada que acontecesse alguma coisa com a mãe dela. No dia seguinte, após a briga... No dia que ela desapareceu (mãe adotiva de Andréia). A situação de violência tambem é narrada em reportagem posterior (TJ1, 26. 10.07). O diário de Andresa, filha mais velha de Andréia, desaparecida há 66 dias traz relatos surpreendentes de uma menina de 12 anos que pelo que escreveu passava com a mãe momentos de dificuldades. E cita varias Andrei Thies, o padrasto, que é citado pela policia como o principal suspeito do desaparecimento da esposa como sendo responsável por todo sofrimento, inclusive da mãe. Em trecho ela diz que a mãe é agredida na cabeça por Andrei. Na manhã seguinte a mãe diz que todo aquele sofrimento ia acabar, pois quando ela voltasse do colégio, elas irão para Porto Alegre. Antes de Andressa sair para o colégio, sua mãe se tranca no banheiro. Quando volta, Andressa percebe que a luz do banheiro está acesa e ouvi gemidos, pensa que é a mãe, mas é impedida de entrar em casa pelo sargento Andrei. Em outro trecho do diário, a adolescente diz que tem dificuldade de comer. De manhã não tinha nada, no almoço um frango congelado. Isso um dia antes de Andréia fazer aniversário (narração). - Há relatos inclusive que a mãe do Andrei teria espancado Andréia há cerca de 15 dias antes de eles virem morar nessa casa. Andréia teria sido expulsa da casa da mãe exatamente por causa dessas agressões da dona Mariana a mãe do sargento Andrei. Que teria não só espancado Andréia como estaria mantendo ela em cárcere privado (Delegado responsável pelas investigações). Meses antes de “desaparecer”, Eliza sofrera ameaças do goleiro Bruno: “ele me deu dois bofetões na cara e falou assim”: não sei se te mato [...] se eu te matar e te jogar em qualquer lugar não vão descobrir que fui eu” (TJ3, 09.07.2010). Em agosto de 2009 Eliza anuncia publicamente que está grávida, o pai seria bruno que não queria assumir a criança, nesta época que começaram as brigas. Grávida de cinco meses ela foi à delegacia de atendimento a mulher em Jacarepaguá e denunciou bruno por agressão, segundo depoimento ela teria sido obrigada a tomar uma substancia abortiva (Repórter). Os fragmentos retratados revelam que as formas de violência não ocorrem isoladamente, ou seja, evidenciam que os assassinatos de mulheres sucedem agressões físicas, ameaças, privação de liberdade, dentre outros 76. Revelam da 76 Segundo a Lei Maria da Penha (11.340/2006) são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: a) Violência física; b) Violência psicológica; c) Violência sexual; d) Violência patrimonial e, e) 112 mesma forma, o exercício do controle sobre as vidas das mulheres nas relações afetivo-sexuais, mesmo que estas não estejam circunscritas à esfera conjugal, como enuncia o caso 2. O fato da violência ocorrer freqüentemente nas relações interpessoais (no âmbito privado) e ser praticada por pessoas com as quais as vítimas mantêm/mantiveram relações afetivas não lhe retira o caráter político e, portanto, público, devendo ser enfrentada mediante a elaboração de políticas públicas, bem como ser repudiada por todos (as) que lutam pela emancipação (QUEIROZ et al, 2006). Nas décadas de 1960 e 1970, mediante denúncias de crimes “passionais” e da impunidade que beneficiava os criminosos77, o debate sobre a violência contra a mulher se intensifica no contexto político brasileiro. Os assassinatos, cujos motivos apresentados eram relacionados a tentativas da mulher de romper com a relação afetiva, quase sempre tinham a mesma justificativa: “matou por amor” (BLAY, 2003, grifos nossos). Como observa Blay (idem), a mídia (jornalística) era complacente com o homem que cometia tais crimes. Não raras vezes, reproduzia os valores morais e preconceitos que contribuíam para desqualificar a vítima, ou culpála pela própria morte78. Nas primeiras décadas do século XXI, a violência contra a mulher tem obtido destaque na grade de programação televisão: compõe um enredo de novela 79, tem sido tema de debates de programas diversos e agenda nos noticiários. Algumas mudanças podem ser observadas no tratamento da temática, pela TV, ao longo das últimas décadas. Isto reflete a dinâmica social, as novas posturas e apreensões do fenômeno. No noticiário televisivo, entretanto, a busca pela audiência conduz a Violência moral. 77 O assassinato de Ângela Diniz, em 1976, por Doca Street, seu noivo, se constitui um dos tantos exemplos que poderíamos citar de impunidade. Inconformado com o rompimento do relacionamento, Doca a mata, grávida de cinco meses. Em um primeiro julgamento, o assassino recebeu a pena mínima de dois anos. Nos argumentos da defesa, Ângela Diniz passou a ser acusada de “denegrir os bons costumes”, “ter vida desregrada”. Em um segundo julgamento, foi condenado a 15 anos de detenção, com a participação intensa do Movimento Feminista. 78 “Ela sabia, sabia, por exemplo, que um de seus amantes seria mais homem do que os outros e lhe daria o castigo – ou a vingança – que ela buscava, inconscientemente, ao longo de sua estranha aventura feita de amor, delírio e vazio” [grifo da autora]. Trecho de reportagem publicada antes do julgamento de Doca (BLAY, 2003). 79 Mulheres Apaixonadas (2003); A Favorita (2008); Fina Estampa (2011) 113 exposições e interpretações superficiais e pouco informativas sobre a temática da violência, em especial, aquela perpetrada sobre as mulheres. O telejornalismo, não raras vezes, psicologiza a violência. A relação crime/psicopatia é expressamente utilizada pelos veículos de comunicação para explicar os casos de assassinatos de mulheres. Nos episódios de violência que catalogamos, identificamos algumas narrativas com associações (implícitas/explicitas) a distúrbios psicológicos dos agressores. Nos casos de Eliza e Andréia, logo surgiram especialistas para explicar ao público o comportamento dos seus algozes. O TJ6 (11.07.2010) convidou um psiquiatra, para explicar o comportamento de Bruno, ao ser preso. Segundo o profissional, o acusado é uma pessoa fria “altamente centrada”, “muito contido e com características muito próprias de pensar em si mesmo”. O jornal também, entrevistou um ex-técnico, para o qual Bruno já demonstrava ser uma pessoa com indícios de problemas psicológicos. Conforme explicita a fala seguir, Ele (Bruno) sempre foi um atleta de potencial enorme, um potencial desportivo enorme, mas sempre com muitas dificuldades psicológicas, sempre com uma instabilidade muito grande. (extécnico, TJ6, em 09.07.2010). Um indivíduo que não expressa desequilíbrio emocional. Isso mostra que está pensando nele, não estar preocupado com quem morreu com quem desapareceu [...]. (psiquiatra, TJ4, 11.10.2010) No TJ1 os repórteres questionam a saúde mental de Andrei. Os trechos que seguem são reveladores: - Andrei é uma pessoa normal? Pergunta repórter. - Ele é uma pessoa normal, só que há muitas contradições no depoimento. Não satisfeita com a resposta, pergunta (afirmando) outra repórter: - O senhor vai inclusive pedir um exame psicológico, é isso? - Vou pedir o exame psicológico dele, mas também do irmão que 114 aparenta alguns problemas mentais. Nos dois programas jornalísticos, a intenção parece ser encontrar indícios de distúrbios psicológicos nos agressores. Esse elemento é utilizado por diversos programas televisivos e não contribui para desmistificar e dimensionar o problema. Não é nossa intenção, negar a dimensão subjetiva que envolve a violência. Contudo, explicá-la e justificá-la numa perspectiva subjetivista acaba por esvaziar a dimensão objetiva que a envolve e determina. Tomar como verdade as explicações veiculadas de muitas matérias com este viés poderia conduzir-nos a uma apreensão do mundo, como mundo de psicopatas, haja vista, a incidência de violência contra a mulher no país. Como afirma Silva, (2008, p. 268), É preciso reconhecer que a violência apresenta-se heterogênea e multifacetada e particulariza-se atingindo diferentes grupos sociais (jovens, mulheres, idosos, famílias, grupos, movimentos sociais entre outros), classes sociais diversas (dos miseráveis aos milionários – ainda que, evidentemente, objetive-se com intensidades variadas e conte com instrumentos de defesa igualmente diferentes e desiguais) e imediatamente se manifesta por meio de marcas físicas ou psicológicas, sentidas pelos indivíduos. A repetição e a comparação com outros episódios já enunciados constitui outro mecanismo de busca de convencimento preponderante no telejornalismo. Assim, para enfatizar a “psicopatia” o TJ4 compara o caso de Bruno aos casos Suzane Von Richthofen, e da menina Isabela Nardone. Como podemos visualizar nos trechos a seguir: Narração: Segundo o psiquiatra a frieza de Bruno é semelhante a de Suzane Von Richthofen, condenada por tramar a morte dos próprios pais e mais recentemente o caso de Isabela Nardone (11.10.2010). Narração: o advogado criminalista e ex-policial Milton Dedinasque, colecionador de crimes bárbaros, resume em uma frase o perfil desses assassinos: eles são dissimulados, né? (11.10.2010). Com essas afirmações, o telejornal transmite ao público uma explicação óbvia e rápida para o caso veiculado. As falas dos/as entrevistados/as dão suporte às afirmações dos/as repórteres e apresentadores/as e tentam assegurar “credibilidade” à informação. Tendo em vista a necessidade da imediaticidade e rapidez, a televisão em grande medida, não aprofunda as problemáticas por ela suscitadas. Com isso, o/a telespectador/a é “bombardeado/a” por informações que 115 simplesmente não informam, mas dão-lhes a impressão de “saber tudo” que se passa a sua volta. Relatar o fato descrevendo seus detalhes não possibilita ao telespectador apreender o real significado da informação transmitida. Como explica Vizeu (2010, p. 06), apesar de apresentar um discurso pormenorizado do fato noticioso, o telejornal oculta “aspectos da realidade” impedindo que “os [as] telespectadores [as] apreendam a totalidade do que lhes foi apresentado”. Além de não possibilitar a apreensão das dimensões da violência contra a mulher, o telejornalismo, contribui para naturalizar e, tratá-la como excepcionalidade, tendo em vista que são veiculados apenas os casos mais bárbaros. O fenômeno deixa, portanto, de ser algo corriqueiro nas relações entre homens e mulheres, passando a ser um evento extraordinário, raro na sociedade. Com isso, o jornalismo invisibiliza a violência contra a mulher, destituindo-a de sua dimensão política e social. A promoção da violência contra a mulher não parte somente das instâncias midiáticas, tampouco é reproduzidas unicamente por estas. Está presente nas músicas, como forró, pagode, funk dentre outros gêneros musicas, nas instituições e organizações sociais, nas falas cotidianas dos sujeitos sociais. - No dia anterior teve uma discussão, mas nada que eu fosse... Fazer alguma coisa com ela (Andrei, entrevista, 18.10.2007) - Eles não brigavam, briga de casal. De se agredir, não fisicamente, ela às vezes dava nele sim, mas era briga e casal. Né?! Eu acho que todo mundo passa por isso – Mariana, mãe de Andrei (30.07.2007). - Qual de vocês aí que é casado que nunca brigou com mulher? Que nunca discutiu, que nunca até saiu na mão com uma mulher, né cara? Não tem jeito, em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, xará! (Bruno, jornal da globo 09.07.2010). Nos trechos enunciados, identifica-se expressamente a naturalização de situações de violência em relações afetivas conjugais. Revelam ainda, que os avanços na sociedade, não significaram mudanças nas estruturas ideológicas que tornam justificáveis e banais atitudes e condutas agressivas. Essas falas reforçam aspectos do senso comum. No TJ1 não foram exibidos outros comentários ou falas que se contrapusessem à afirmação de Mariana ou a de 116 Andrei. As narrativas e exposições da matéria não foram qualificadas e aprofundadas, apenas enunciadas. O telejornal, portanto, não contribuiu para desmistificar as concepções estereotipadas e naturalizantes do senso comum ou mesmo gerar um possível debate em torno dos casos tratados. Como salienta Pasquim, jornalista militante do movimento de democratização da mídia, As informações que circulam nos meios de comunicação do nosso país, majoritariamente, não falam para pessoas. Vários grandes temas que não se passam na televisão brasileira. Ou se passam, passam de forma enviesada. Uma mulher, por exemplo, que sofre violência não recebe informações de forma adequada da sociedade na televisão brasileira. Entender a violência contra a mulher no movimento dinâmico do tecido social, ou seja, a partir de suas relações antagônicas e contraditórias constitui desafio premente. A violência contra a mulher tem uma dimensão política que não se pode negar. É constitutiva das relações sociais e não produto da natureza humana. Como já citamos anteriormente, constitui-se um complexo social expresso de múltiplas formas, tem dimensões objetivas e subjetivas na vida de homens e mulheres. Com este entendimento nos propomos a desmistificar as interpretações que explicam a violência a partir de observações superficiais e isoladas, como se esta fosse uma manifestação puramente psicológica, um sintoma patológico resultado da ação de individuo/os com tendências violentas, cujo enfrentamento, dar-se-ia a partir de tratamentos e ações “cirúrgicas”, medicamentosas; ou como atos próprios da condição humana. Além de não possibilitar a apreensão das dimensões da violência contra a mulher, o telejornalismo, contribui para naturalizar e, ainda, tratá-la como excepcionalidade, tendo em vista que são veiculados apenas os casos mais bárbaros. O fenômeno é, portanto, difundida nos telejornais sem a preocupação de identificar as condições objetivas e subjetivas que a determinam e provocam. Tem sido recriada e explorada muito mais com a finalidade de manter os índices da audiência e consequentemente, garantir acordos publicitários. 117 4.3 OS FIOS (IN)VISÍVEIS80 DO PATRIARCADO NAS NARRATIVAS TELEVISIVAS E JORNALÍSTICAS No tempo em que a maçã foi inventada antes da pólvora, da roda e do jornal a mulher passou a ser culpada pelos deslizes do pecado original guardiã de todas as virtudes santas e megeras, pecadoras e donzelas filhas de Maria ou deusas lá de Hollywood [...]. Joyce Moreno Como mencionamos nas seções anteriores, a mídia e seus veículos movimentam-se na dinâmica e na lógica da sociedade capitalista, respondendo prioritariamente a interesses das classes dominantes. Nesse sentido, são instrumentos por excelência de reprodução da racionalidade burguesa, cujo horizonte atravessa todas as dimensões da vida social (SANTOS, 2010). No Brasil, os meios de comunicação são concentrados e monopolizados por um pequeno número de pessoas. Deste modo, as concepções, valores e interesses desse grupo são disseminados para o conjunto da sociedade, apresentando-se como necessários e inerentes à dinâmica da vida social. A televisão tem se mostrado veículo de comunicação com grande participação na vida das pessoas. É responsável pelo entretenimento e lazer de parte significativa da população. Instrumento mediante o qual a população se “informa” dos acontecimentos do país. Assim, com um grande poder de alcance, o veículo participa da disseminação de valores que orientam a vida cotidiana dos indivíduos. Reproduz estilos de vida a serem consumidos, sonhos almejados, cria e recria necessidades de consumo cada vez mais supérfluas. Interfere na vida das mulheres, reproduzindo estereótipos que, ancorados no senso comum materializamse na mercantilização e na exploração dos corpos e da subjetividade destas, seja na publicidade, na moda, nos programas de entretenimento. 80 Paráfrase do livro “Os fios (in) visíveis da produção capitalista”: Maria Augusta Tavares, São Paulo: Editora Cortez, 2004. 118 A participação da televisão e, sobretudo, dos telejornais na conformação de estereótipos de gênero destaca-se como aspecto central de nossas reflexões para apreendermos o fenômeno estudado em sua complexidade. Refletir e analisar os fios (in) visíveis do sistema patriarcal contidos nas falas, expressões e imagens veiculadas nas matérias catalogadas para buscar apreender seus condicionantes coloca-se como desafio central para nossa pesquisa. Como veremos na sequência deste texto, embora o caráter sensacionalista e espetacular no tratamento aos episódios sobressaia, sutis aportes ideológicos e concepções moralistas que compõem e sustentam a opressão das mulheres estão presentes no noticiário, principalmente, no caso do desaparecimento de Eliza Samúdio. 4.3.1 Reprodução de desigualdades e estereótipos de gênero na/pela televisão Nas últimas décadas, a forma estereotipada como as mulheres são tratadas pelos veículos de comunicação tem constituído objeto de debate no Movimento Feminista. Corpos coisificados na publicidade de cervejas, a exploração da sexualidade no marketing televisivo, a criação de um “tipo de ideal” de mulher pela indústria da moda e da estética, o tratamento dado a violência contra a mulher no noticiário televisivo são modalidades de exploração e de disseminação de estereótipos de mulheres questionadas em diversos eventos promovidos por segmentos do movimento de mulheres, a exemplo o Seminário Mulher e Mídia, o qual irá realizar sua 8ª edição e o Seminário sobre Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia81. Majoritariamente, as reflexões direcionam-se para a questão da disseminação de estereótipos e mercantilização dos corpos das mulheres na publicidade. Contudo, são pouco comuns análises interpretativas e pesquisas sobre a cobertura dos casos de violência contra a mulher no âmbito do jornalismo (ou 81 O 8º Seminário Mulher e Mídia será realizado nos dias 29, 30/11 e 1º de dezembro de 2011 no Rio de Janeiro. O tema do evento é Mídia, sexismo e racismo: uma pauta ainda em questão. Será realizado pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Secretaria de Política de Promoção a Igualdade Racial (SEPPIR), Fundação Ford e ONU Mulheres. O Seminário O controle Social na Mídia, ocorreu em 2008. Não encontramos registros das próximas edições. 119 telejornalismo) (AZEVÊDO, 2010). Já ponderamos nos itens anteriores, que violência contra mulher finca raízes no sistema patriarcal e, nas desigualdades produzidas pelo processo de (re)produção do capital, nas quais prevalecem o domínio do masculino e a exploração das mulheres. No contexto da sociedade brasileira, as expressões do patriarcado são veiculadas nos noticiário ao exibir crimes praticados contra mulheres, mas também são reproduzidas nas narrativas e discursos jornalísticos. São ainda disseminadas nas novelas, na publicidade, no entretenimento. Conforme Scoot (1999), as identidades de gênero são constituídas a partir de elaborações sociais sobre os sexos. Dessa forma, são fundamentadas historicamente, com particularidades dos tempos históricos. Com o surgimento da sociedade de classes (em sua fase burguesa) e patriarcal, tais relações são perpassadas por relações de poder assimétricas e hierarquizadas, em que o masculino se sobrepõe ao feminino numa relação de domínio-submissão-opressão. De acordo com Toledo (2008), as relações econômicas produziram uma superestrutura ideológica que sustenta a opressão e as relações de poder antagônicas entre homens e mulheres. As crenças, os valores, os costumes, a cultura contribuem para moldar e definir papeis diferenciados para cada categoria de gênero. O processo de subordinação, ao qual as mulheres estão submetidas, vem se desenvolvendo ao longo de séculos. No Brasil colônia, por exemplo, a mulher branca e rica desempenhava funções relacionadas à procriação e a supervisão das atividades desenvolvidas pelas escravas e escravos no ambiente doméstico, consideradas funções inerentes a sua condição e natureza (SILVA, 1992). As mulheres negras, além de trabalhadoras escravas nos campos e casas de senhores, serviam de reprodutoras de mão-de-obra escrava. Constituíam mercadoria para os seus senhores, tinham “seus corpos violados pelos homens livres e brancos” (idem, p. 64). Passado mais de um século da abolição da escravatura, a condição da mulher negra no Brasil ainda apresenta marcas do período servil. A televisão tem contribuído para a reprodução dos estereótipos da mulher negra, assim como de brancas, ruivas. Porém podemos observar particularidades. Enquanto as mulheres brancas geralmente assumem posição 120 “superior” (são donas de casa, casadas, empreendedoras), as negras, por sua vez, permanecem na subalternidade do trabalho doméstico, sendo raras as vezes que não desempenham esse papel. Contudo, independentemente da classe ou raça/etnia a qual pertença à mulher, se exerce sobre ela uma opressão específica, assumindo feições distintas a partir de sua inserção social. No âmbito dos processos macroestruturais que conformam a totalidade da vida social, a televisão reproduz em seus diversos programas o sistema de valores ideo-políticos patriarcais e capitalistas. Prevalece a coisificação e a mercantilização do corpo feminino, com a apropriação e a exploração da sexualidade e sensualidade, observadas nos variados gêneros televisivos. Partícipe da vida social, as TVs comerciais exploram preconceitos construídos historicamente na sociedade brasileira, sobre mulheres, homossexuais, negros e pobres. Nos programas de entretenimento como o Pânico na TV (Rede TV), Legendários (Record) e Zorra Total (Globo), não faltam piadas que desqualificam as mulheres (loira burra), caricaturam homossexuais (boiolas, viado, bicha louca). Nesses programas são perceptíveis a apropriação dos corpos femininos, marcados pela erotização e, dirigidos aos olhares masculinos. As novelas estabelecem um perfil de mulher a ser desejado. Afirmam e reafirmam um “padrão” único de mulher: alta, branca, magra... Um modelo inalcançável e impositivo de beleza, haja vista a diversidade e a pluralidade que compõem o país. E isto tem uma lógica. Não por acaso, o Brasil é o terceiro país em números de cirurgias plásticas. As mulheres brasileiras correspondem a 82% 82 da demanda desses procedimentos estéticos. Neste sentido, a televisão colabora para movimentar o mercado da beleza, em tempos de mercantilização exacerbada das dimensões da vida humana, de individualismo e alienação e supervalorização de padrão determinado de beleza física em um contexto de crise de valores. Ademais, reforça a subalternidade e opressões entendidas como natural, e a maternidade e o casamento como única fonte possível de realização pessoal. Por um lado, a mídia se apropria da sensualidade e sexualidade das mulheres atendendo aos interesses do mercado, por outro, a reprime e discrimina. Nos casos 82 “Uma pesquisa inédita feita pelo Ibope em todo o país estima que, no ano passado, foram realizadas mais de 640 mil cirurgias plásticas no Brasil, 82%, em mulheres”. (“Brasil é o segundo país em número de cirurgias plásticas” - G1.com. 30.04.2010) 121 investigados, identificamos que o livre exercício da sexualidade permanece sendo é alvo de julgamentos morais. O tratamento dado ao caso de Eliza é revelador. Dentre as nove matérias analisadas, oito utilizavam a expressão “ex-amante” para identificar à jovem. A repetição da expressão foi definindo o lugar da jovem no relacionamento com Bruno. Para o senso comum, ela era a “outra”, a “destruidora de lares”, formulações conservadoras e moralistas que compõem o imaginário social, legitimadas nas falas cotidianas83. Como salienta Silva (1992), alguns comportamentos da mulher são considerados provocações, utilizados muitas vezes como justificativas dos atos violentos: não fazer tarefas domésticas; não dispensar a atenção e cuidados considerados desejáveis aos filhos; contrapor-se a atitudes do marido/companheiro/namorado; negar-se a manter relações sexuais; mostrar-se disposta a romper com o relacionamento; ter condutas consideradas “erradas” como o livre exercício da sexualidade. Estas dimensões são destacadas e excetuadas de seus contextos objetivos e subjetivos. As construções relativas às práticas sexuais estão inscritas nas relações patriarcais e de gênero que, por sua vez, demarcam lugares, influência atitudes e práticas sociais determinadas. Dessa forma, nas sociedades patriarcais, foram sendo construídas e, mantidas uma divisão em relação ao exercício da sexualidade entre o masculino e feminino, uma vez que aos homens foi atribuído o direito de separar afeto/amor e sexo. E, inversamente, para mulher destinado o papel da reprodução e da negação do prazer (FEITOSA, 2011). O controle sobre o corpo é instrumento histórico de dominação sobre as mulheres. De acordo com Camurça (2007, p. 05), Este controle é expresso na negação de sua liberdade sexual, na limitação a sua autodeterminação reprodutiva, na criminalização da prática do aborto (causa de milhares de mortes de mulheres, todos os anos), na expropriação mercantil do corpo e imagem das mulheres pela indústria da propaganda, da beleza, da moda e do sexo. 83 Durante o processo investigativo nos deparamos com as mais variadas analises e comentários sobre o caso, destacamos os que mais nos chamaram a atenção: “queria dar o golpe da barriga” “era uma Maria chuteira” “tudo por causa de uma ordinária, se ela gosta de dinheiro que vá trabalhar golpista chamada Eliza”, “foi dar o golpe da barriga... tai, se [...]! Espero que fique como exemplo as milhares de mulheres que tentar fazer o mesmo” (comentários sobre as reportagens postadas no site do youtube.com.br). 122 Para Silva (1992, p. 73), de forma implícita ou explicita, o desejo e o prazer feminino são capturados. A autora destaca que: “Efetuam-se verdadeiros rituais de castração do exercício da sexualidade feminina na dimensão do prazer”, reafirmadose o padrão “[...] de mulher-esposa-mãe colocado como num invólucro de santidade a atender os interesses da preservação da ordem vigente”. A autora chama a atenção para tais práticas, haja vista, que as mesmas contribuem para a reprodução de concepções ideológicas em que a maternidade é um instinto inerente à natureza feminina. Quando a mulher assume a sexualidade de forma livre, provoca as mais diversas reações da sociedade. São-lhe atribuídos estereótipos, como “puta”, “vagabunda”, “safada”. Eliza sofreu as conseqüências de transgredir as “regras”, julgada e condenada nas diversas instâncias sociais. Como relatamos no item 4.1, o envolvimento da jovem com o jogador é publicizado, quando ela o denuncia por agressão, aproximadamente um ano antes do seu desaparecimento. O fato é noticiado pelo TJ5 (15.10.09) que trata de divulgar nota à imprensa na qual “Bruno nega as acusações e diz que não é a primeira vez que Eliza tenta prejudicá-lo”. A jovem não foi entrevistada pelo telejornal, não teve espaço para se defender e refutar as acusações do goleiro. A palavra foi dada apenas ao jogador que, por sua vez tratou de desqualificá-la. Na mesma reportagem, são exibidas imagens posteriormente veiculadas por diversos telejornais da emissora. Figura 09 - Imagem exibida duas vezes na reportagem exibida no TJ5 Fonte:www.youtube.com Figura 10 - Imagem exibida duas vezes na reportagem do TJ5 e três vezes no TJ3 Fonte: www.youtube.com 123 Nas imagens veiculadas de Bruno pelo telejornal, o jogador está no centro de treinamento do time no qual jogava, onde segundo a reportagem, estaria treinando (em outras matérias o jogador também aparece em treinos e jogos). O jornal expressa sua parcialidade no caso, expõe a vitima e explora as qualidades do agressor, afinal, “é um excelente goleiro” afirma apresentador. Figura 11. Bruno saindo de treino exibida no TJ5 Fonte: www.youtube.com O TJ5 deixa dúvidas quanto à veracidade da denúncia apresentada por Eliza, “[...] a delegacia então, da mulher, vai estar apurando este caso. Vai investigar, vai ouvir testemunhas e saber na realidade o que está acontecendo”. Isto deveria ter acontecido, no entanto, a investigação não foi realizada, ou melhor, tendo sido concluída somente após o desaparecimento de Eliza. Agora, ou seja, tarde demais, Inês é morta! O “envolvimento com jogadores de futebol 84” também foi explorado pela mídia (impressa e televisiva). Dentre os noticiários televisivos, O TJ3 anuncia a relação entre Eliza e jogadores de futebol. Os trechos da notícia abaixo exploram estas relações: [...] Eliza começou a se envolver com jogadores de futebol, alguns conhecidos internacionalmente, como o craque português Cristiano Ronaldo (narração, TJ3, 07.09.2010) 85. Nesta entrevista ela falou como chegava até eles [narração]. - Tem jogador que pega e liga dos EUA... Pega seu telefone, sabe que você 84 “Caso Bruno: Eliza se orgulhava de ter beijado até Cristiano Ronaldo” - Extra Online. Publicado em 30.06.2010 85 Entrevista com Eliza veiculada Jornal Extra Online, exibida pelo TJ3. 124 já saiu com vários [depoimento de Eliza]. Sobre o contexto no qual conhecera Bruno, Eliza afirmar ter sido em uma festa, [...] aí minha amiga chegou e me falou que ele queria ficar comigo aí eu falei: Ah deixa acontecer. O enunciado da matéria não corresponde às afirmações de Eliza. Na versão da jovem, eles (os jogadores) a procuravam e não o oposto. Porém, a ênfase dada ao enunciado conduz a outra interpretação das informações contidas na matéria. Embora a notícia esteja denunciando o crime do qual foi vítima, prevalecem posturas machistas a respeito desta. Assim, o telejornal expressa os valores e concepções patriarcais que se espraiam por toda a sociedade, reforçando-os e legitimando-os. Em matéria publicada pela revista Veja 86, mais uma vez, Bruno tenta promover uma imagem negativa de Eliza, alegando que a conheceu em uma “orgia”. No entanto, não há constrangimentos por parte de Bruno em assumir que esse tipo de evento, é comum em seu meio (entre jogadores de futebol). Trecho da reportagem: “Foi uma orgia só. Tinha homem, mulher, amigas dela, outros jogadores, uma p... Essas festas são comuns no nosso meio. Depois que ela disse que estava grávida, fui saber que todo o time do São Paulo a conhecia, que ela já tinha feito filme pornô... Fiquei até preocupado com a minha saúde, tanto que logo depois fiz exame de HIV, mas estava tudo tranqüilo” (VEJA, julho 2010, p. 80). O advogado de Bruno procura transformar a vítima em acusada, apontando alguns “desvios” de caráter de Eliza: “Essa moça” afirma advogado, “é atriz pornô 87”. Qualquer camelô de Belo Horizonte sabe que essa menina fazia filme pornô. Que crédito tem o depoimento de uma pessoa dessas? O comportamento dessa Eliza foge a qualquer padrão médio de ética e moral da sociedade, disse Quaresma (O ESTADÃO online, 26.08.2010) Para os padrões sociais conservadores, a conduta de Eliza era “imoral”, como afirma o advogado, contudo, os jogadores que a procuravam não receberam o 86 Segundo a Pesquisa Hábitos de Informação da População Brasileira, 2010, a Veja (editora Abril) é a revista mais lidas no país (50,4%). 87 O ESTADÃO, versão online, 26.08.2010. 125 mesmo julgamento. No terreno da cultura machista, os homens vivem sua sexualidade livremente, enquanto as mulheres são castradas, alijadas de desfrutar o prazer sexual. Nesse sentido, embora, o movimento do tempo histórico aliado às lutas das mulheres tenha possibilitado mudanças efetivas no campo da sexualidade das mulheres, prevalece o controle, o conservadorismo e o preconceito. Até mesmo nos espaços onde procuram proteção. Como inúmeras mulheres nesse país que procuram as DEAMs para denunciar a situação de violência a qual estão submetidas, Eliza também procurou proteção do Estado. Nove meses antes de “desaparecer”, denunciou Bruno por seqüestro, cárcere privado e tentativa de aborto forçado. Contudo, não encontrou proteção. Apesar da delegada ter solicitado as medidas protetivas, a juíza da Vara de Família de Jacarepaguá/RJ negou à vítima o direito de proteção, justificando que ela não poderia se beneficiar das medidas nem (sic) “[...] tentar punir o agressor sob pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha”. Para a Juíza, “ter ficado” com o jogador não significava um relacionamento afetivo. Em reportagem exibida pelos telejornais, TJ4 e TJ7, a Juíza se justifica, - No mesmo dia em que recebi a denuncia eu verifiquei que não era da minha competência, porque a lei Maria da penha exige que a mulher tenha uma relação intima de afeto duradoura. A declaração dela na delegacia foi que ela “apenas ficou com ele”. Então, o que eu fiz foi aplicar a lei e encaminhar para o juiz competente que era a vara criminal. (depoimento da Juíza, TJ4 13.07.2010; G1) A autoridade jurídica, no entanto, não anexou aos fatos que a jovem estava grávida de cinco meses do jogador, que mantinha contato (mesmo que telefônico) com acusado, com quem vinha “negociando” o reconhecimento da paternidade de seu filho. O TJ7 não aprofundou a questão, ao contrário, reafirmou a posição da juíza; segundo o apresentador do telejornal o “[...] presidente do tribunal de justiça do rio, Luis Zveiter apoiou a decisão da Juíza Ana Paula de Freitas. Ressaltando que ela agiu de acordo com a lei88”. Na reportagem89 não foram ouvidos outros 88 Conforme estabelece a Lei Maria da Penha se “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art 5º). No texto, a violência doméstica/familiar não exige que o agressor venha a morar junto da agredida ou que exista uma “relação estável” (BRASIL, Lei 11.430/2006). 126 sujeitos. A denúncia foi investigada e julgada meses após o desaparecimento de Eliza. E, mesmo considerando Bruno culpado pelo seqüestro e agressão a jovem, o juiz enfatizou a conduta moral da vítima. Como expressa parte da sentença, publicada pelo site UOL em 07.12.2010. [...] Seria hipocrisia fingir que os autos não revelam que a vítima também tinha comportamento desajustado. Há registro nos autos de que a vítima procurava envolvimento com muitos jogadores de futebol. Neste ponto, não se define bem quem é vítima de quem. Se os jogadores de futebol, embriagados pelo dinheiro e pela fama, são vítimas de mulheres que os procuram com toda a sorte de interesses. Se as mulheres que procuram os jogadores de futebol, embriagadas pelo dinheiro e pela fama são vítimas deles. Nessa relação, ninguém é muito inocente. Todos têm culpa (trecho da sentença do Juiz). (grifos nossos) A sentença sugere que a vítima também compartilhe da punição já que “todos têm culpa”. Mais uma vez a vítima se torna ré. Eliza então teria provocado sua própria morte? Ora, se a defesa da honra já não é mais justificativa para os crimes contra mulheres, permanece presente a culpabilização da mulher pela violência sofrida. Trata-se, deste modo, da influência das desigualdades de gênero e de classe que buscam assegurar a superioridade masculina e, desconsiderar a luta histórica das mulheres por igualdade e emancipação. Podemos apreender que a violência contra a mulher se constitui um fenômeno expressivo na nossa sociedade, constituindo, não raras vezes, pautas em telejornais e outros programas televisivos. Todavia, além de prevalecer o tratamento espetaculoso e novelesco dos crimes, não raras vezes as análises e interpretações realizadas expressam valores e concepções machistas e preconceituosas. Desta forma, apesar de, “visibilizar” o fenômeno não possibilita a apreensão de seus determinantes. 89 Mas essa não foi à única matéria sobre caso. Lembremos que O Fantástico produziu reportagem, ver item 4.2. 127 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa investigação buscou apreender as expressões patriarcais contidas nas narrativas e discursos televisivos, em particular dos telejornais, no sentido de desvelar as determinações que perpassam os noticiários, a elaboração e veiculação das notícias sobre a violência contra a mulher. Longe de propormos conclusões estanques, elencaremos algumas questões identificadas no processo de análise das matérias catalogadas e nas entrevistas realizadas. A partir dos casos estudados, confrontados à análise de resultados de pesquisa da mesma natureza, podemos destacar três aspectos/questões centrais: a) a abordagem e o tratamento dados aos casos de violência nos telejornais, particularmente, a violência contra a mulher; b) as concepções ideológicas patriarcais que perpassam as narrativas veiculadas nos telejornais e, c) as contradições que reverberam e provocam debates, sobre demandas sociais demonstrando o caráter contraditório dos meios comunicação Vimos que o sistema de mídia no Brasil concentra-se majoritariamente, nas mãos de poucas famílias, constituindo um verdadeiro oligopólio midiático que, embora disputem entre si, monopolizam a grande maioria dos processos de produção e veiculação da informação. Embora, dependam de concessão pública, a apropriação privada e a concentração de capitais prevalecem nas empresas de comunicação. Nesse sentido, os media, são mecanismos de difusão da dominação ideo-cultural capitalista, contribuindo para a reprodução das concepções de mundo, ideologias e a ética que sustentam os interesses das classes dominantes. Assim, pudemos apreender que a televisão brasileira tem sido historicamente, comandada pelo capital; surge privatizada e assim permanece até os dias atuais. O caráter comercial das emissoras de televisão concorre para a crescente multiplicação de programas apelativos e sensacionalistas. Destarte, a violência uma de suas principais mercadorias, encontra-se presente nos mais variados gêneros e, de forma mais acentuada, nos telejornais. Apesar de importantes mecanismos socializadores (muitos indispensáveis nos dias atuais), os meios de comunicação de massa desempenham papel importante para a manutenção da racionalidade das classes dominantes e, assim, para o processo de acumulação capitalista. As notícias constantes sobre eventos envolvendo violência destacam-se 128 como estratégia do telejornalismo para captar a atenção dos/as telespectadores e manter os índices de audiência. É também, reflexo das disparidades sociais criadas e recriadas no âmbito da sociedade capitalista. Cabe destacar que, nas redações, os fatos são editados e adaptados ao tempo de agendamento disposto nos telejornais; isso serve para recortar determinadas dimensões da realidade, dar ênfase ou minimizar aspectos e elementos de processos por demais complexos e veiculá-la como sendo a totalidade. O formato da produção noticiosa, tendo por base a mercantilização da informação, não possibilita ao telespectador dados e informações críticos sobre a realidade. A partir das frações do real que lhes são apresentadas constrói conceitos, ideias e concepções sobre determinados aspectos da realidade, muitas vezes preconceituosos e conservadores. Essa condição impõe limite à apreensão critica das informações pelos/as telespectadores/as ou mesmo à construção de um entendimento mais coerente e completo das notícias divulgadas. Da mesma forma, observamos o tratamento dado à violência contra a mulher nos noticiários televisivos. Identificamos a frequência de análises pontuais e simplistas do fenômeno. Os casos analisados são repetidos em alguns telejornais, revelando detalhes minuciosos do crime, sujeitos envolvidos, sentenças previstas de modo fragmentado, por vezes capcioso. Embora reconheçamos a publicização da violência vivenciada pelas vítimas, mantêm-se invisíveis as relações sociais que condicionam e fundamentam. Como nos casos investigados por Sales (2007) poderíamos indagar se não estamos diante de uma (in)visibilidade perversa, com exposição de detalhes da vida privada, supervalorizando aspectos que, na maioria das vezes, não são centrais, tornando visíveis apenas marcas da violência e da barbárie na qual vivem sobretudo mulheres do meio popular, objeto de interesse sobretudo de programas de âmbito local Em geral, o fenômeno tem sido tratado como um episódio excepcional, realizado por indivíduos particulares, circunscrito à esfera individual-subjetiva. Todavia, salientamos que a violência atinge diretamente as mulheres independente de classe, raça/etnia, orientação sexual ou geração, é um problema rotineiro na vida cotidiana destas. Por certo, ocorre nos bairros “nobres” e nas periferias, embora a materialização e as formas de enfrentamento sejam distintas nos diversos espaços. Os trechos de reportagem que trouxemos no decorrer da quarta seção 129 demonstram a naturalização e banalização da violência através dos discursos (entrevistados e dos próprios repórteres), culpabilizantes e subjetivistas na sua interpretação/análise. Nos dois casos tratados observamos a associação dos crimes praticados a distúrbios psicológicos dos envolvidos: frieza, dificuldades psicológicas e instabilidade são com freqüência “justificativas” à prática da violência. O segundo aspecto diz respeito à participação da televisão e do telejornal na reprodução e afirmação de estereótipos e preconceitos sobre as mulheres. Reforça a ideia de beleza que de longe compreende a diversidade que compõe a sociedade brasileira. À condição feminina imposta pela sociedade burguesa soma-se a supervalorização de um padrão estético. A mídia apropria-se de demandas das mulheres (liberdade sexual, autonomia) explorando a sexualidade e sensualidade destas nas novelas, propagandas e programas de entretenimento. Contraditoriamente, reforça preconceitos e recrimina, a depender dos interesses, aquelas que exercem “livremente” sua sexualidade rompendo com os padrões e normas sociais. É importante observar o sistema de dominação-exploração é construído historicamente, a partir de condições objetivas e subjetivas determinadas. Nesse sentido, a cultura e os valores ideológicos que alicerçam a violência, ou seja, a cultura machista e patriarcal, afloram em diversas circunstâncias, nos mais variados espaços de sociabilidade, inclusive naqueles em que as mulheres procuram ajuda e proteção. Devemos salientar que as contradições que marcam nossa sociabilidade também perpassam os meios de comunicação. Movimento importante torna-se necessário para apreendê-los inseridos na dinâmica da vida cotidiana e, portanto, atravessado pelas lutas e disputas de hegemonia. Nesse sentido, os mass media, em alguma medida expõem também demandas sociais caras ao conjunto da população reverberando em debates e discussões importantes ao processo de apreensão crítica da realidade. Entretanto, há que se perceber que a forma como se estruturam os sistemas de comunicação no Brasil é funcional ao processo de acumulação do capital. Desse modo, prevalece a coisificação e a mercantilização das relações sociais, espraiando-se o domínio do capital para todas as dimensões subjetivas e objetivas da vida social. 130 Nesse sentido, a luta pela democratização da comunicação, assim como as lutas feministas contra exploração e opressão das mulheres, não podem estar desvinculada das lutas emancipatórias, com vista à construção de outra sociabilidade, em que seja possível vivenciar a emancipação humana, a plena realização das potencialidades de cada um e de cada uma e em que as formas de violência não tenham mais lugar, porque sucumbiram desigualdades de classe, de gênero, raça/etnia, orientação sexual, geração. Questões éticas importantes subjazem o debate sobre a comunicação: a difusão de interesses particulares e privados em detrimento de temas e fatos de interesse coletivo; a exposição da vida privada de categorias sociais oprimidas; a espetacularização do fato noticioso, com exploração de imagens degradantes e “chocantes90” e, a criminalização dos movimentos e organizações sociais são algumas das questões que permeiam a dimensão das implicações éticas da prática jornalística “[...] em razão do fato de que os media detêm, em grande parte, o poder de determinar o que é [ou não] noticia (SALES, 2009, p. 56). Nesse sentido, o controle e regulação democráticos dos meios de comunicação figura como defesa necessária no contexto atual, embora saibamos os limites impostos pelas intransigências do modo vigente de produção da vida social Como explicitamos no decorrer desse estudo, a violência contra a mulher é resultado da legitimação social da opressão dos homens sobre as mulheres e dos processos de exploração tecidos na dinâmica da produção e reprodução sociometábolica do capital. É produto das hierarquias e opressões patriarcais intensificadas e perpetuadas na sociedade capitalista. A apreensão crítica desta realidade coloca-nos, ao mesmo tempo, diante de desafios importantes: combater as desigualdades e preconceitos, e lutar por novas relações entre homens e mulheres, entre homens e homens, mulheres e mulheres, sem desvincular das lutas pela emancipação humana, por uma sociedade radicalmente livre e democrática. E ainda, não abrir mão da luta por ampliação de direitos e por políticas sociais no âmbito da sociedade capitalista como espaço de constituição de sujeitos críticos e 90 Não raras vezes são mostrados nos telejornais corpos amorfos, ensangüentados e sem vida, como se tais imagens constituíssem a noticia em si, fossem toda a notícia. Promove-se um espetáculo mistificador em detrimento do esclarecimento da população sobre o real significado daquelas imagens. 131 conscientes, como mediação importante na construção de outra sociabilidade. Esperamos com esse estudo instigar análises mais profundas das relações patriarcais de gênero que tecidas no âmbito da sociedade capitalista condicionam as diversas formas de violência perpetradas contra as mulheres. Ainda oferecer elementos para a apreensão crítica dos processos comunicação entendidos como imprescindíveis a vida coletiva, que apropriados e mercantilizados constituem-se estratégicos aos interesses do capital. No entanto, para que nossas propostas sejam desencadeadoras de um processo de transformação radical da sociedade, é necessário romper com todas as formas de internalização que dão suporte à lógica capitalista e patriarcal; significa dizer que, necessariamente, temos que superar com o processo de produção metabólica no qual a sociedade está submersa (MÉSZÁROS, 2009) Por fim, é importante salientar que chegamos ao termino desse estudo com a certeza de que todo final traz consigo novas indagações, novas possibilidades e novos começos. 132 6. REFERENCIAS Adorno, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra. 4ª ed., 2007. ARRAZOLA, Laura S. Duque. A mulher sob o signo da violência. Marca invisível para um olhar androcentrico. CIELA/UNICEF. Recife, 1999. AZEVÊDO, Sandra Raquew dos Santos. A Violência de Gênero nas Páginas dos Jornais. Biblioteca online de Ciências da Comunicação. Disponível em www.bocc.ubi.pt, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006. _______, Hábitos de Informação e Formação de Opinião da População Brasileira II. Meta Pesquisa de Opinião. Brasília, 2010 BLAY, EVA ALTERMAN. Violência contra a mulher e políticas públicas. Rev. Estudos Avançados 17, 2003, p. 87-98 _______, Assassinatos de mulheres e direitos humanos. São Paulo: USP, PósGraduação em Sociolgia, Editora 34, 2008. BOSCHETTI, Inavete. Os custos da crise para a política social. In: BOSCHETTI, Ivanete et all (orgs). Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. CANAVILHAS, João. O domínio da informação-espectáculo na televisão. Universidade da Beira Interior. Biblioteca online de Ciências da Comunicação BOCC. Disponível em www.bocc.ubi.pt. Acesso 15.10.2011 CARDOSO, Elizabeth. Imprensa Feminista Feministas. Florianópolis, 2004, p. 37-55 Brasileira pós 1974. Estudos CAMURÇA, Sílvia. ‘Nós Mulheres’ e nossa experiência comum. Cadernos de Crítica Feminista, Número 0, Ano I, Recife: SOS CORPO, 2007. CARVALHO, Andreia de Souza de; FREIRE, Silene de Moraes. Midiatização da violência: os labirintos da construção do consenso. 2008. Disponivel em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/3944/3208. Acesso em 08.11.2010. CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 133 11 ed, São Paulo: Cortez, 2006. _______. Simulacro e poder: uma analise da mídia. São Paulo; Fundação Perseu Abramo, 2006. CISNE, Mirla. A (im) possibilidade da emancipação das mulheres na “ordem sociometabólica” do capital. Anais ENPESS, 2006. (8pgs) COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. FREIRE, Silene de Morais. Mídia, violência e questão social: a pedagogia do capital. In _________ (orgs). Direitos Humanos e questão social na America Latina. 1 ed. Rio de Janeiro, GRAMMA, 2009. FONSECA. Virginia P. da S. O jornalismo no conglomerado de mídia: reestruturação produtiva sob o capitalismo global. Tese de Doutorado - UFRS, 2005. FONTES, Virginia. Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, volume 4. Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. GÓIS, Veruska Sayonara de. A Ética da Imagem e a Informação Jornalística. 2010 – Biblioteca online de Ciências da Comunicação. Disponível em www.bocc.ubi.pt. GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. HEIDRICH, Andréa Valente. Transformações no estado capitalista: refletindo e refratando transformações na questão social. Revista Virtual Textos & Contextos. Nº 5, ano V, nov. 2006. HIRATA, Helena; Kergoat Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa. v. 37, n. 132, set./dez. 2007. IAMAMOTO, Marilda Villela. A questão social no capitalismo. In: Revista Temporális/ Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – Ano 1. 2, n. 3. Brasilia: ABPESS, Grafline, 2001. _________. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008 134 _________.Mundialização do capital, “questão social” e Serviço Social no Brasil, Revista Em Pauta, n.21, 2008 (p. 117-139). KAMEYAMA, Nobuco. Crise e reestruturação no capitalismo tardio: elementos pertinentes para o Serviço Social. Revista Praia Vermelha, UFRJ. Vol. 1, n 1: Rio de Janeiro, 1997. Koroll, Claudia. Criminalização dos Movimentos sociais na América Latina. Revista Classe: UFF, 2008 p. 10-13 IANNI, Octavio. A questão social. Revista USP. São Paulo, n. 3, set-nov. 1989. IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –. Perfil dos Municípios Brasileiros – Gestão Pública, 2004. Rio de Janeiro, 2005. LIEDTKE, Paulo Fernando. O movimento pela democratização da comunicação no Brasil: os embates entre o Estado, as empresas de mídia e a sociedade civil. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais Participação e Democracia. UFSC, 2007. (4 LIMA, Venicio A. de. Mídia: teoria e política. 2 ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. ________, 45 anos do CBT: sem festas, nada a celebrar. 2007. Disponível em: http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view &id=1238. Acesso em 05.02.2011. LOWY, Michael. Ideologia e ciência social: elementos para uma análise marxista /. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1985. MARX, Karl. O capital: Critica da Economia Política. Livro 1. Os Economistas. Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo: 1996. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. __________, Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998 MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo:Brasileira, 1982. MELLO, Jaciara Novaes. Telejornalismo no Brasil. Faculdade Santa Amélia SECAL. Biblioteca online de Ciências da Comunicação, 2009. Disponível em www.bocc.ubi.pt. Acesso 10.10.2011 135 MENEGAT, Marildo. A atualidade da barbárie. Disponível em: http://antivalor3.vilabol.uol.com.br/outros/marildo12.html. Acesso em 12.12.2010 MÉZSÁROS, Istiván. A liberação das mulheres: a questão da igualdade substantiva. In: MÉZSÁROS, Istiván. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2009. MINAYO, Maria Cecília de S. Desigualdade, violência e ecologia no Brasil. Cad. Saúde Pública. V.10 n.2, Rio de Janeiro Abr. / jun 1994. Disponível em: Versão original: MINAYO, M. C. S. Inequality, Violence, and Ecology. In: Brazil. Cad. Saúde. Rio de Janeiro, 10 (2): 241-250, Apr/Jun, 1994. MIRALES, Rosana. Violência de Gênero: contribuições para o Serviço Social. Tese de doutoramento. PUC/SP, 2009, 270p. MONTAÑO, Carlos E. O projeto neoliberal de resposta à “questão social” e a funcionalidade do “terceiro setor”. Revista Lutas Sociais PUC/SP, numero 2, Primeiro semestre de 2002. Disponível em www.pucsp.br/neils/downloads/v8_carlos_montano.pdf. Acesso em 02.08.2011 MORAES, Denis de. Gramsci e as mutações do visível. In: Moraes, Dênis de, Mutações do visível: da comunicação de massa à comunicação em rede / Dênis de Moraes (organizador). Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010. ________. Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004 MOREIRA, Maria Regina de Ávila. A constituição de gênero no serviço social: um estudo a partir das manifestações de empregadores e assistente sociais. Tese de doutorado: PUC-SP, 2003. 259p. MOREIRA, Maria Regina de Ávila, et all. O lugar do gênero na formação da/o Assistente Social. Temporalis/ ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social). Ano VI, n 11, Brasilia; 2006 NEGRINE, Michele. A morte em destaque: reflexões sobre telejornalismo. Biblioteca online de Ciências da Comunicação, 2011. Disponível em www.bocc.ubi.pt. Acesso 10.10.2011. ________, O homem espetáculo do telejornalismo: estudo do discurso do apresentador José Luis Datena do programa Brasil Urgente. Enciclopédia do pensamento comunicacional latino-americano. Disponível em: http://encipecom.metodista.br/mediawiki/imagens/9/9d/gt3-06-ohomemdoespe taculo-michele.pdf. Acesso 10.10.2011 136 NETTO, Jose Paulo. Cinco notas a propósito da questão social. Revista Temporalis. / Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – Ano 1. 2, n. 3. Brasilia: ABPESS, Grafline, 2001. _______, Capitalismo monopolista e Serviço Social. 6. ed., São Paulo, Cortez, 2007. _______, Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade, n 50. São Paulo: Cortez, 1996. OLIVEIRA, Conceição. Sexismo emburrece e mata. 2010. Disponível em: www.viomundo.com.br. Acesso em 10.09.2011 OLIVEIRA, Laura Freitas. Questão Social e criminalidade da pobreza: aportes para a compreensão do novo senso comum penal no Brasil. Dissertação de mestrado. UERJ, 2010 (109p). OLIVEIRA, Leidiane; SANTOS, Silvana Mara. Igualdade nas relações de gênero na sociedade do capital: limites, contradições e avanços. Revista Katalysis/UFSC. n. 1, Florianópolis: Editora da UFSC, 2010 (p. 11-19) PASINATO, Wânia; Santos, Cecília MacDowell. Mapeamento das Delegacias da Mulher no Brasil. Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, UNICAMP, 2008. ___________. Violência contra as Mulheres e Violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Revista E.I.A.L Estudos Interdisciplinares de America Latina y El Caribe. Universidade de Tel Aviv, 2005 (p. 1-16). PASSINATO, Wania. Questões atuais sobre gênero, mulheres e violência no Brasil. Praia Vermelha. N.14 e 15, segundo semestre de 2006 (p. 130-154). PATIAS, Jaime Carlos. O telejornal sensacionalista, a violência e o sagrado. Núcleo de Pesquisa de Comunicação Audiovisual, INTERCOM. 2006. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0631-1.pdf PITANGUY. Jacqueline. As Mulheres e a Constituição de 1988. Disponível em http://www.cepia.org.br/images/nov089.pdf. Acesso em 12.11.2010. QUEIROZ, Fernanda Marques. Não se rima amor e dor: cenas cotidianas de violência contra a mulher. Mossoró, RN: UERN, 2008 RICHARTZ, Terezinha. Conceituando Gênero e Patriarcado. 2004. Disponível em http://www.esnips.com/doc/759208df-0bb6-4c9c-b2edc6eb64208d4b/G%CANERO%20E%20PATRIARCADO%20CONCEITUANDO%20. Acesso 10.05.2010. 137 ROSA, Susel Oliveira. “Apesar de você, amanhã vai ser outro dia”: imprensa alternativa, versus ditadura militar em Porto Alegre. Revista Eletronica de Crítica e Teoria de Literatura. UFRGS. Porto Alegre, Vol. 01, N 01, 2005. RUIZ, Jefferson Lee de Sousa. Comunicação como Direito Humano. In: Mídia, Questão Social e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2009 (p. 82-104). __________. Serviço Social e comunicação: avanços e desafios. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS-CBAS, 13, 2010, Brasília, Anais... Brasília: 2010, CD SAFFIOTI, Heleith I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. _________. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo em Perspectiva: Revista da Fundação SEAD. São Paulo, V 13, nº 04.1999; p. 82-91. _________. Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento? Revista Crítica Marxista, UNICAMP, nº 11, 2000. _________. “Violência de gênero – lugar da práxis na construção da subjetividade”. Revistas Lutas Sociais. São Paulo, PUC, 1997, p.59-79. SANTOS, Silvana Mara de Morais dos. Política Social e diversidade humana: crítica à noção de igualdade de oportunidade. In: BOSCHETTI, Ivanete ...[et al.] (orgs). Capitalismo em crise, política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010, (p. 185194). SALES, Mione Apolinário. (In) visibilidade perversa: adolescentes infratores como metáfora da violência. São Paulo: Cortez, 2007. __________. Mídia e Questão Social: o direito à informação como ética da resistência. In: SALES, Mione Apolinário (org) Mídia, Questão Social e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2009 (p. 33-81). SALLES, Marcelo. Comunicação e controle social. Revista Classe: UFF, 2008. SILVA, Fernando Siqueira da. Violência e desigualdade Social: desafios para o Serviço Social. Revista Ser Social. N. 19, Brasília, 2006 (p. 31-58) ________. O Método em Marx e o Estudo da Violência Estrutural. Disponível em www.franca.unesp.br/O%20Metodo%20em%20Marx.pdf. Acesso 02.10.2011. ________. Violência e Serviço Florianópolis, V. 11, N.2, 2008 Social: notas críticas. Revista Katalises. SIMIONATO, Ivete. A cultura do capitalismo globalizado: novos consensos e novas 138 subalternidades. In: COUTINHO, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Andrea de Paula. Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. SOARES, Marcela. As políticas de geração de emprego e renda no Brasil: o arcaico reatualizado. In: BOSCHETTI, Ivanete et all (orgs). Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. TASQUETTO, Lucas da Silva ; SANCHES, Eduardo Jesus. Lei nº 11.106/2005: uma análise crítica frente às alterações ao Código Penal brasileiro. 2005. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/6996/lei-no-11-106-2005. Acesso em 01.02.2011 VELOSO, Ana Maria da Conceição. O fenômeno Radio Mulher: comunicação e gênero nas ondas do radio. Dissertação de mestrado – UFPE. Recife, abril de 2005. ________, A interação com os meios de comunicação: um desafio para a agenda política dos movimentos feminista brasileiro. Unirevista, vol. 1, n. 3. São Leopoldo/RS, 2006. VOLANIN, Leopoldo. Poder e Mídia: a criminalização dos movimentos sociais no Brasil nas últimas trinta décadas. Disponível em: www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/760-4.pdf. Acesso em 16.08.2011. VIZEU Alfredo, Decidindo o que é notícia. Biblioteca online de Ciências da Comunicação, 2002. Disponível em www.bocc.ubi.pt. Acesso em 10.10.2011 WOITOWICZ, Karina Janz. Imprensa feminista pós anos 1990: Ativismo midiático e novas formas de resistência. Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, Anais do VIII Encontro Nacional da História da Mídia, Guarapuava, PR. 2011. Waiselfisz, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2011. Os Jovens do Brasil. Brasília, Ministério da Justiça, Instituto Sangari, 2011 SAFFIOTI, Heleieth I. B. Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento? Revista Crítica Marxista, UNICAMP, nº 11, 2000. Sites pesquisados: http://www.donosdamidia.com.br. Acesso em 08.11.2011 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=84 6. Acesso em 07.04.2011 139 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=17 08. Acesso em 08.04.2011 http://www.social.org.br/relatorio2001/relatorio020.htm. Acesso em 09.04.2011. http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 11.06.2011 http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-e-medida-a-audiencia-de-tv. Acesso em 05.10.2011 http://www.youtube.com/watch?v=Y9V9UuZDrIs. Acesso em 20.07.2011 http://www.youtube.com/watch?v=rzBiRCFZB0c&feature=related. 20.07.2011 Acesso em http://www.youtube.com/watch?v=actsa0xvDec&feature=related. 20.07.2011 Acesso em http://www.youtube.com/watch?v=6i01agQXCJY&feature=related. 20.07.2011 Acesso http://www.youtube.com/watch?v=jllHADXK0zQ. Acesso em 20.07.2011 http://www.youtube.com/watch?v=Wb4_AGggGwY. Acesso em 20.07.2011 http://www.youtube.com/watch?v=s7XdkUO_0JE. Acesso em 20.07.2011 http://www.youtube.com/watch?v=gtxkm_ImJos. Acesso em 20.07.2011 http://www.youtube.com/watch?v=Ev76zT3eXfs. Acesso em 10.11.2011 http://www.youtube.com/watch?v=JbgIMOUgg10. Acesso em 09.10.2011 em 140 ANEXOS