O TEMPO E A INDÚSTRIA SEM MEMÓRIA
PARA WALTER BENJAMIN
A PARTIR DE TEXTOS DO AUTOR

Através de textos de Walter Benjamin,
escritos na década de 1930 - “Experiência e
pobreza”, “O narrador: Observações sobre a
obra de Nikolai Leskow”, “A obra de arte na
época de suas técnicas de reprodução” e
“Sobre alguns temas em Baudelaire”-,
demonstramos o modo como, no seu
pensamento, figura o tempo da grande
indústria. Primeiro, alguns aspectos
considerados pelo autor como próprios da
condição dos homens modernos, trazendo à
luz as questões levantadas nos textos.
 Em seguida, o posicionamento adotado por
ele frente a tais questões.
 Dimensões do declínio da experiência
 A perda da experiência e o fim da
narrativa: solidão e esquecimento
 No modo como o filósofo alemão enxergava
a “era da grande indústria”, um problema
se afirma com força: a circunstância de
que a vivência “hostil e obsecante” dessa
época conduziria ao declínio da experiência
enquanto partilha coletiva de “uma memória
e uma palavra comuns”.

 Esta perda da experiência constitui o tema
central de “Experiência e pobreza”
apresentando-se, também, para Benjamin,
como uma das causas da raridade moderna
da figura do narrador. Conforme diz o
próprio autor:
 Torna-se cada vez mais raro o encontro com
pessoas que sabem narrar alguma coisa
direito. É cada vez mais freqüente espalharse em volta o embaraço quando se anuncia o
desejo de ouvir uma história. É como se uma
faculdade, que nos parecia inalienável, a
mais garantida entre as coisas seguras, nos
fosse retirada. Ou seja: a de trocar
experiências.
 Uma causa deste fenômeno é evidente: a
experiência caiu na cotação. E a impressão é
a de que prosseguirá na queda interminável.
 Ao expor as condições que conduzem à
substituição da narrativa por outras formas
de comunicação, Benjamin identifica certos
elementos que, correlatos ao declínio da
experiência, seriam característicos da
existência dos homens modernos. Nesse
sentido, pode ser proveitoso acompanhar
sua exposição, realizada em “O narrador”.


Na própria natureza da narrativa, existia,
segundo ele, de forma indireta, uma
dimensão utilitária, pois o narrador era um
homem que dava conselhos, tecidos na
substância de sua própria vida. Era um
homem que dispunha de sabedoria, estando
o seu desaparecimento intimamente
relacionado com a morte da sabedoria em
nosso meio. Ninguém teria mais conselhos a
oferecer aos outros, e cada um quase sempre
seria incapaz de narrar sua própria história,
para que pudesse ouvir um aconselhamento
que sugerisse uma continuidade para ela.
Ter-se-ia mesmo perdido, segundo
Benjamin, a capacidade de ouvir e transmitir
histórias.
 Narrar histórias é sempre a arte de as continuar
contando e esta se perde quando as histórias já
não são mais retidas. Perde-se porque já não
se tece e fia enquanto elas são escutadas.
Quanto mais esquecido de si mesmo está quem
escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa
escutada. No momento em que o ritmo do
trabalho o capturou, ele escuta as histórias de
tal maneira que o dom de narrar lhe advém
espontaneamente. Assim, portanto, está
constituída a rede em que se assenta o dom de
narrar. Hoje em dia ela se desfaz em todas as
extremidades, depois de ter sido atada há
milênios no âmbito das mais antigas formas de
trabalho artesanal.
 Obs: ler /escrever e contar = pensar/viver.
 A narrativa cede lugar ao romance
 ... o romance não tem significado porque
representa, um destino estranho, mas
porque esse destino estranho, graças à
chama pela qual é devorado, nos transmite
um calor que nunca podemos obter do
nosso. O que arrasta o leitor para o romance
é a esperança de aquecer sua vida enregelada
numa morte vivenciada através da leitura.
 Ao isolamento do indivíduo moderno, leitor
de romances, corresponderia uma
adequação ao mecanismo social, que é
descrita por Benjamin:
 ... o homem civilizado das grandes
metrópoles retorna ao estado selvagem, isto
é, a um estado de isolamento. O sentido de
estar necessariamente em relação com os
outros, a princípio continuamente reavivado
pela necessidade, torna-se pouco a pouco
obtuso, no funcionamento sem atritos do
mecanismo social. Cada aperfeiçoamento
desse mecanismo torna inúteis
determinados hábitos, determinados modos
de sentir... Não guarda na memória, mas
consome instantaneamente. Do mesmo
modo como surge, esvai-se no
esquecimento.

Se, em “O narrador”, o indivíduo moderno
surge, na figura do leitor de informações,
como marcado pelo esquecimento, como
um desmemoriado, em “Sobre alguns temas
em Baudelaire”, Walter Benjamin apresenta
uma interpretação diferente acerca do tema
da memória nos tempos modernos. O que
teria ocorrido não seria propriamente
uma perda da memória, mas, sim, a
predominância de uma determinada
forma de lembrar.
 Memória apartada da experiência

Já no contexto moderno, em que
ocorre uma “progressiva atrofia da
experiência”, o passado individual e o
passado coletivo se apartam,
adquirindo “exclusividade recíproca”. É
esta cisão que se expressa no jornal
impresso, cujo objetivo é “excluir
rigorosamente os acontecimentos do
contexto em que poderiam afetar a
experiência do leitor”.
 ...Na vida da grande cidade,
o indivíduo se
via permanentemente confrontado com a
multidão com experiências ópticas e táteis
propiciadas por uma série de inovações
técnicas que, iniciadas pela invenção dos
fósforos, “têm em comum o fato de
substituir uma série complexa de operações
por um gesto brusco”. Nessa série de
invenções, estariam incluídos o telefone, a
máquina fotográfica e o filme, no qual “a
percepção intermitente afirma-se como
princípio formal”...
 Nesse aspecto, para Benjamin, residiria uma
das rupturas efetivadas pelo cinema com
relação à pintura: A pintura convida à
contemplação; em sua presença as pessoas
se entregam à associação de idéias. Nada
disso ocorre no cinema; mal o olho capta
uma imagem, esta já cede lugar a outra e o
olho jamais consegue se fixar.”
 A experiência que não produz
significados para Walter Benjamin:
Também o gesto (do operário), determinado
pelo processo automático do trabalho, é
representado como jogo de azar. À partida
no movimento da máquina corresponde ao
coup no jogo de azar. A intervenção do
operário na máquina é separada do
movimento anterior, porque constitui a sua
reprodução exata. Toda intervenção na
máquina é diferente da que a precedeu,
como um (lance) no jogo de azar é distinto
do coup precedente. E a escravidão do
assalariado a seu modo se equipara à do
jogador. O trabalho de um e do outro é
igualmente independente de todo conteúdo.
 A questão da perda da AURA
 Conduzindo ao declínio da memória
involuntária, a ruína da experiência leva ao
mesmo tempo, à decadência da aura, uma
vez que, conforme mostra Benjamin, os três
termos se encontram estreitamente
vinculados: “Definindo-se as representações
radicais na mémoire involontaire tendentes
a reunir-se em torno de um objeto sensível,
como a aura desse objeto, a aura ao redor de
um objeto sensível corresponde exatamente
à experiência que se deposita como exercício
num objeto de uso”.
 O Ver - Entre a memória e o
esquecimento
 No teatro, a aura de um Macbeth é
inseparável da aura do ator que desempenha
esse papel tal como o sente o público vivo. A
tomada no estúdio tem a capacidade de
substituir o público pelo aparelho. A aura
dos intérpretes desaparece necessariamente
e, com ela, a das personagens que eles
representam.
 A técnica como mediadora
 O olhar em relação a uma passante.
 Com relação às técnicas de reprodução, ao
mesmo tempo que mereceram do Benjamin
a apreciação cruel, são vistas também de
uma perspectiva bastante otimista. Ele
acreditava que, uma vez passível de
reprodução infinita, a obra de arte poderia
deixar de ter apenas uma “função artística”,
para fundar-se na prática política. “... desde
que o critério de autenticidade não é mais
aplicável à produção artística, toda a função
da arte fica subvertida. Em lugar de se
basear sobre o ritual, ela se funda,
doravante, sobre uma outra forma de praxis:
a política..”.
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