SERVIÇOS NOTARIAIS, CARTORÁRIOS E REGISTROS PÚBLICOS E A FORMA DE TRIBUTAÇÃO DO ISSQN Michele Cristine Belizário Advogada Tributarista 1. Apresentação Desde que foi instituída a incidência de ISSQN sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, as serventias têm se mobilizado na tentativa de serem eximidas de referida obrigação tributárias. Com a confirmação da constitucionalidade da incidência, passaram então a buscar uma forma de serem beneficiados com a tributação em regime especial, sob a alegação de que os serviços por eles prestados seriam em caráter pessoal, levantando, dessa forma, nova discussão, agora em relação à forma de tributação. Obviamente o tema merece destaque, razão pela qual será tratado no presente estudo, que tem o objetivo de esclarecer a impossibilidade jurídica da pretensão das serventias, bem como fixar os elementos e aspectos que determinam a correta forma de tributação de tais serviços. 2. Da tributação dos serviços registrais, cartorários e notariais Com o advento da Lei Complementar n. 116/2003, a qual instituiu a tributação dos serviços notariais e registrais, iniciou-se uma batalha por parte dessas serventias, para eximirem-se da obrigação tributária. Primeiro questionaram a constitucionalidade da lei, sob a alegação de que os cartórios seriam imunes à tributação, no entanto, o julgamento da ADIN 3.089 pôs fim às discussões, decidindo pela improcedência daquela ação, reconhecendo a constitucionalidade da incidência do imposto. No julgamento de referida ação, apenas o Ministro Carlos Britto, Relator do processo, votou pela procedência da ação, tendo sido seu voto vencido por todos os demais. Os votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, são irretocáveis, porém, bastante extenso, o que inviabiliza suas citações no presente 1 artigo, mas faço aqui essa ressalva, pois a quem esteja pesquisando a matéria, vale a pena conhecê-los. Não obstante isso, a ementa proferida nos autos da ADIM 3.089, é suficiente para explicitar e fundamentar a decisão: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA A LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTUTICIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145,II, 156, III, e 236, caput, da Constituição Federal, porquanto a matriz constitucional do imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com o intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, §3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação de serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a nãotributação das atividades delegadas. (não há grifo no texto original). Como se vê, a solução para as discussões partiu do caráter econômico das atividades desenvolvidas pelos Cartórios e Notários, já que, evidente a finalidade lucrativa de suas atividades. Por conseguinte, sendo atividade econômica, evidente a capacidade contributiva. Como se vê, está superada a tese de que as serventias, prestadoras de serviços registrais e notariais estariam acobertadas pela imunidade tributária, restando solucionado de uma vez por todas as especulações anteriormente levantadas, em virtude do efeito vinculativo e erga omnes da decisão de mérito proferida nos autos da ADIN 3089, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 102, §2º: “§ 2º: As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra 2 todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” Tais efeitos (“erga omnes” e vinculante) das decisões proferidas em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade estão previstas também no parágrafo único do art.28 da Lei 9.868/1999: “Parágrafo único: A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.” Portanto, nenhum outro órgão judiciário poderá proferir decisão contrária ao entendimento do STF, bem como, as decisões proferidas anteriormente restam prejudicadas, revogadas, o que imprime segurança aos Municípios para tributarem os serviços notariais e de registro. 3. Da forma de tributação Vencidos na tese da suposta imunidade tributária, buscam os Cartórios e Notários, serem beneficiados com o regime especial de tributação de ISS, sob a alegação de que os serviços por eles prestados, os são em caráter pessoal. A fim de explicitar a improcedência de tal alegação, mister analisar os argumentos das serventias notariais e registrais, para embasar a tese de que fazem jus ao regime especial. Segundo eles, os serviços de registros públicos e notariais são prestados de forma pessoal, devendo, por isso, ser tributados conforme previsto no art. 9º, § 1º do Decreto Lei n. 406/68, em razão de: ser exigido conhecimento intelectual para o exercício de tal atividade, do tabelionato não deter personalidade jurídica ou judiciária e pelo fato de que o titular da serventia assume responsabilidade pessoal pelo serviço prestado. Embora ainda se encontre quem negue vigência ao supracitado artigo, o qual prevê a possibilidade de tributação fixa aos prestadores serviços em caráter pessoal, entendo que não há margem a discussões; está vigente. 3 No entanto, o cerne da questão não está na possibilidade jurídica deste tipo de cobrança, mas sim se poderiam as serventias/titulares beneficiarem-se com essa forma de tributação. Percebe-se que isso seria juridicamente impossível, para constatar tal fato, basta remeter-se aos conceitos jurídicos que determinam as duas formas de tributação. O trabalho de forma pessoal, como o próprio nome sugere, é aquele prestado pelos próprios profissionais, de forma personalizada e com responsabilidade técnica. Já o trabalho de impessoal, por sua vez, pode ser prestado por terceiros (diretamente) aos usuários. Na maioria das vezes, as leis municipais, ao dispor sobre o ISSQN, para explicitar e facilitar a distinção entre trabalho pessoal e impessoal, dispõem que será pessoal, mesmo que com a colaboração de auxiliares, conforme prevê o artigo 966 do Código Civil, em seu parágrafo único, primeira parte. Nesse caso, a colaboração se dá a nível interno, sendo que o trabalho técnico junto ao tomador do serviço é sempre pessoal. Entendem-se como auxiliares ou colaboradores, os digitadores, telefonistas, copeira, enfim, aqueles trabalhadores que colaboram na execução do serviço, mas apenas “internamente”. O trabalho impessoal, no entanto, não se reduz ao auxilio interno por colaboradores, como afirmado anteriormente. Analisam-se agora os trabalhos prestados pelos “cartórios”, para isso, cito alguns exemplos, como abertura e reconhecimento de firma, certidões, registros de documentos particulares, elaboração de escrituras. É cediço que todos esses serviços, dentre todos os outros, são prestados tanto pelo titular das serventias como por seus funcionários, indicados como substitutos. Para evidenciar ainda mais o caráter impessoal dos serviços é preciso analisar o disposto no art. 20, da Lei n. 8.935/94, o qual permite aos notários e oficiais que contratem empregados para realizarem os serviços a eles delegados, sendo livre tal contratação, inexistindo limite quanto ao número, bem como exigências em relação à escolaridade dos mesmos. Senão vejamos: Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. 4 §1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro. §2º (...). Ainda, o parágrafo quarto do mesmo artigo, dispõe expressamente que “os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou oficial de registro, praticar todos o atos que lhe sejam próprios”. Referido parágrafo, chega a excetuar um serviço, aos tabelionatos de notas, ao dispor que os substitutos não poderão lavrar testamentos, porém, mesmo essa exceção tem ressalvas, pois, nos casos em que o titular estiver impedido, este designará um, dentre os substitutos, para substituí-lo. Em virtude disso, é comum que em alguns cartórios os titulares sequer permaneçam na serventia, ou exerça qualquer função, sendo que os serviços são prestados, na totalidade, por seus substitutos - empregados de livre contratação e regidos pela legislação trabalhistas conforme o artigo supracitado. Portanto, a ausência do titular não impede a realização e/ou prestação dos serviços pela serventia, pois os mesmos são prestados por terceiros, não havendo que se falar em serviço prestado de forma pessoal pelo titular. 4. Conhecimento intelectual para prestação dos serviços notariais e registrais Para fundamentar sua tese, as serventias baseiam-se ainda na suposta exigência de que os titulares possuam bacharelado em direito, sob a alegação de que para a prestação dos serviços notariais e registrais, é exigido conhecimento intelectual e específico (bacharelado em direito), como ocorre com os médicos, dentistas, engenheiros, e demais profissionais liberais. Entretanto, ao analisar a base legal (Lei n. 8935/1994) de onde teria sido extraído tal fundamento, constata-se que na verdade, ao invés de confirmar a tese de exigência de conhecimento intelectual e específico para prestação dos serviços, referida lei o contradiz, isso por duas razões: Primeiro porque o art. 14 da Lei n. 8.935/94, dispõe que a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende, dentre outros requisitos, que o titular possua diploma de bacharel em direito. 5 Denota-se, portanto, que o citado artigo refere-se à delegação do serviço pelo poder público, mas não à sua efetiva prestação, tanto é verdade que, conforme exposto anteriormente, os titulares das serventias podem contratar empregados livremente para prestar os serviços que lhe foram delegados, não sendo exigido para tanto, que tais empregados sejam bacharéis em direito. Segundo porque o bacharelado em direito não é condição obrigatória nem mesmo para a titularidade dos serviços, já que o art. 15, § 2º, da mesma lei, permite que concorram à vaga de notário ou registrador candidatos não bacharéis em direito, bastando que até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, tenham completado dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro. Mais uma vez, verifica-se a improcedência dos fundamentos utilizados pelas serventias na tentativa de convencerem a todos que fazem jus à tributação na forma fixa. 5. Da personalidade jurídica dos “cartórios” Também em relação à alegação de ausência de personalidade jurídica dos cartórios, não restam dúvidas, totalmente inviável. Com o advento da Lei Complementar n. 116/2003, que reconheceu como tributáveis as atividades cartorárias, todas as discussões quanto à personalidade jurídica das serventias de serviços notariais e registrais foram solucionadas, isto porque, anteriormente, em razão da ausência de disposições legais expressas que reconhecesse tais serventias como atividade econômica, com fins lucrativos, existia espaço à diversas interpretações. No entanto, agora, resta evidente o caráter empresarial dos “cartórios”, já que os mesmos se amoldam perfeitamente ao conceito de empresa, qual seja a organização técnica-econômica, que, com fins lucrativos vende/presta/fornece bens ou serviços. Para facilitar ainda mais a compreensão, vamos distinguir profissional liberal de empresário: Profissional liberal é aquele que sendo detentor de diploma universitário exerce atividade técnica ou intelectual, com autonomia e independência e sem 6 vínculo hierárquico ou de subordinação. Podemos ainda afirmar que, é quem exerce profissão regulamentada por lei (médico, dentista, advogado, fisioterapeuta, contador, etc). Empresário, antes denominado “firma individual”, é a empresa de um único titular, não se confundindo com sociedades (empresárias, anônimas, de capital, simples, etc), em virtude do fato de que essas últimas possuem, necessariamente, dois ou mais sócios/acionista. Ademais, desnecessário pautar aqui o conceito de pessoa jurídica de direito público, até mesmo porque, irrefutável a impossibilidade de serem as serventias enquadradas como tais. O artigo 966, do Código Civil, reza que empresário é aquele indivíduo que exerce sua atividade, com habitualidade, objetivando lucro e possui organização. Os cartórios, além de prestarem serviços com habitualidade e com fins lucrativos, são robustamente organizados demonstrado administrativa nos tópicos e economicamente, anteriores, e conforme corroborado pelos fundamentos constantes da ementa da decisão nos autos da ADIN 3089. São ainda, obrigados a cadastrarem-se junto ao Cadastrado Nacional da Pessoa Jurídica, sendo que tal obrigatoriedade não decorre apenas da necessidade de contratação e registro de funcionários, já que estes últimos são celetistas, mas também pela impossibilidade de serem eles equiparados aos autônomos e menos ainda aos profissionais liberais. Não obstante a necessidade de ser cadastrado no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, mesmo que fosse possível que os serviços cartorários (notariais e registrais) fossem prestados por pessoa física, ainda assim não caracterizaria serviço em caráter pessoal, até porque nem toda pessoa física presta serviços de forma pessoal. No entanto, não é o caso, já que, a natureza organizacional dos serviços notariais e registrais é evidenciada pela própria lei que rege suas atividades, Lei n. 8.935/94, que assim dispõe: Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. 7 Portanto, são organizados técnica, administrativa e economicamente, possuindo desse modo todas as características de gestão empresarial. Insta salientar que a alegação de ausência de personalidade jurídica, é extraída pelas serventias, do fato de que a Receita Federal, a princípio, encontrou dificuldades para cadastrá-las e tributá-las (IR), o que se deu em virtude de distorções das normas jurídicas bem como de interpretações equivocadas das mesmas. Ainda, que as distorções e equívocos decorrem do próprio processo evolutivo dos fatos e do ordenamento jurídico. Como se sabe, nem sempre a evolução dos fatos é acompanhada pela evolução das leis, principalmente quando diversas normas, editadas em datas distintas e distantes, versam sobre um mesmo assunto. A Lei 8.935, que regula os serviços notariais e registrais é de 1994; o artigo da Constituição regulamentado por referida lei é de 1988; o Código Civil é de 2002. Seria ótimo se houvesse total correspondência entre as disposições e interpretações de tais normas, e, principalmente, que todas elas trouxessem de forma expressa todos seus aspectos e disposições. No entanto, sabemos que isso é impossível, em decorrência da própria evolução dos fatos, das normas e do tempo. Tanto é verdade que somente em 2003 foi reconhecido a finalidade lucrativa das atividades cartorárias, mesmo não tendo ocorrido nenhuma alteração quanto à regulamentação de tais atividades. Pode-se citar como exemplo de incoerência, em razão da ausência de disposição expressa, a classificação dada pela Receita Federal às serventias. Dentre seus códigos de atividades, os quais são classificados em entidades governamentais, entidades empresariais e entidades sem fins lucrativos diante da necessidade de estarem as serventias inscritas no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, acabou por conferir a eles um código especifico, o que não está incorreto, no entanto, o mesmo foi incluído na classe de entidades sem fins lucrativos (código 303-4 – Serviço Notarial e Registral – Cartórios). A forma de classificação demonstra uma grande e grave incoerência, até mesmo equívoco, isto porque, a renda auferida pela atividade cartorária, é tributada pela própria Receita Federal (IR), porém, para que isso seja possível, já que 8 segundo sua classificação seria entidade sem fins lucrativos, referida renda é declarada na pessoa física do titular da serventia. Ora, se os serviços são prestados pela pessoa jurídica, através dos titulares e seus substitutos, e, sendo essa pessoa jurídica classificada e cadastrada pela Receita Federal como entidade sem fins lucrativos, como pode a renda auferida em razão de tais serviços ser tributada pela mesma Fazenda Pública? Pois, se não tivesse fins lucrativos os serviços ou a renda com eles auferida, não seriam tributados, nem pelas Fazendas Públicas Municipais, nem pela Fazenda Federal. A Lei Complementar n. 116/2003, assim como a decisão proferida nos autos da ADIN 3.089, conforme já afirmado, revelou que a atividade notarial e registral é exercida com fins lucrativos, e se amolda perfeitamente na hipótese prevista no art. 150, § 3º da Constituição Federal: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I(...) VI- instituir impostos sobre: a) Patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) (...) § 3º As vedações do inciso VI, ‘a’, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” (o original não possui grifo) Forçoso seria reconhecer que uma empresa, na acepção jurídica da palavra, organizada administrativamente, com fins lucrativos, que possui quadro de funcionários, os quais simultânea ou substitutivamente desenvolvem as atividades fins, seja equiparada aos profissionais liberais, os quais de fato prestam serviços em caráter pessoal. Ademais, mesmo “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, se o exercício da profissão constituir elemento da empresa” não poderá ser-lhe excluído o caráter empresarial (segunda parte do parágrafo único do art. 966, do Código Civil). É público e notório que não há um só cartório que não possua ao menos um oficial ou escrevente substituto, além de outros empregados que não exercem as 9 funções de oficial ou notário, como digitador, atendente, telefonista, copeira, faxineira, etc. Portanto, impossível desvincular os cartórios do caráter empresarial, porquanto, inaceitável a alegação de ausência de personalidade jurídica. 6. Responsabilização pessoal do titular Agora, em relação à responsabilização pessoal do titular da serventia, podemos constatar sua improcedência, com a simples análise do artigo 22, da Lei 8.935/94: Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurando aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. Mais uma vez evidente a impessoalidade dos serviços notariais e registrais, pois a lei acima referida, ao assim dispor, expressa mais uma vez que tais serviços não são executados unicamente pelo titular, de maneira pessoal. Além disso, demonstra que a responsabilidade pessoal dos titulares de que trata o artigo supracitado, não se trata de responsabilidade técnica, mas sim responsabilidade civil, sendo certo que é resguardado aos titulares o direito de regressão em caso de dolo ou culpa dos prepostos. Isso se demonstra também pelos artigos 23 e 24 da mesma lei: Art. 23. A responsabilidade civil independe da criminal. Art. 24. A responsabilidade criminal será individualizada, aplicando-se, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública. (texto original sem grifo). Levando em conta os fundamentos expostos no tópico anterior, pode-se afirmar que o cartório é pessoa jurídica de direito privado, e mais, que se trata de empresário – individual, isto porque, o titular não pode associar-se à outras pessoas, porém, é necessário que esteja cadastrado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. 10 Por derradeiro, denota-se que a responsabilidade pessoal dos titulares por danos causados aos tomadores dos serviços prestados por “sua” serventia, decorre da própria personalidade jurídica. Pois, por ser um só titular na serventia (empresário – individual), o patrimônio pessoal confunde-se com o da pessoa jurídica, respondendo seu patrimônio pessoal pelos atos da pessoa jurídica. Por isso a responsabilização civil dos titulares das serventias pelos danos causados a terceiros (resguardado o direito de regressão em caso de ser comprovado dolo ou culpa), não se confunde com a responsabilidade técnica, sendo essas inerentes apenas às atividades técnicas de caráter exclusivamente pessoal. 7. Da forma de incidência do ISSQN A hipótese de incidência do ISSQN tem como critério material a prestação de serviços, sendo certo que, em regra, é calculado sobre o valor dos serviços, ou seja, aplicação da alíquota sobre a base de cálculo (preço dos serviços). No entanto, dispõe o art. 9º, § 1º do DL n. 406/68: Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nesses não compreendida a importância a título de remuneração do próprio trabalho. Assim, tem-se que a regra é que o ISS seja calculado com base no valor dos serviços, enquanto que a exceção é o ISS tributado com valor fixo ou variável. Destarte, um consiste em tributação normal, o outro em regime especial. O regime especial de tributação é concedido a contribuintes que se enquadrem em determinados critérios. Pode-se dizer ainda que tal forma de tributação tem como finalidade benefício fiscal, pois se calculado o imposto na forma normal o valor do crédito tributário seria maior que o “ISSQN fixo”. Vale ressaltar que, em alguns casos, mesmo se tratando de profissional liberal, a tributação na forma fixa não é mais vantajosa, como, por exemplo, no caso de um dentista, recém formado, que inaugurou seu consultório e, mesmo sem 11 possuir um só cliente, tem que recolher o ISSQN, ou seja, nenhum ou pouco serviço foi prestado, mas o valor pago por este profissional seria igual ao valor pago por aquele que já possui uma clientela numerosa. Este, por sua vez é beneficiado, pois se o ISSQN fosse cobrado sobre o valor de seus serviços, certamente, seria superior àquele valor lançado de forma fixa. O exemplo acima citado revela que a forma diferenciada de tributação (ISSQN fixo), de fato consiste em regime especial com o objetivo de beneficiar o contribuinte que presta seu serviço de forma pessoal. No entanto, embora, na maioria dos casos o Código Tributário Municipal (ou lei municipal que regula o imposto em questão), não prevê de forma expressa que o contribuinte não está obrigado a pagar seu imposto na forma excepcional, não pode ser prejudicado, caso essa forma seja, no seu caso, mais onerosa. Isto porque, a regra geral, é a tributação sobre o valor dos serviços. Também porque, o fato gerador do ISSQN é a prestação de serviços, desse modo, não havendo prestação de serviço não há que se falar em imposto sobre serviços. O simples fato de estar o contribuinte cadastrado no Município, não gera crédito de ISSQN algum, até mesmo porque, pela instalação, localização e funcionamento do consultório/escritório/estabelecimento do contribuinte, o tributo devido é a taxa correspondente. Pois bem, mesmo tratando-se de regime especial de tributação, o qual depende de concessão pelo fisco após a comprovação, por parte do contribuinte de que faz jus ao beneficio, o que tem ocorrido é que os cartórios (ou seus titulares) vêm se recusado em lançar e recolher o ISSQN calculado sobre o valor do serviço. Acontece que, mesmo que tais contribuintes entendam que fazem jus ao regime especial, não podem recusar-se a cumprir com a obrigação tributária de lançamento e recolhimento do imposto na forma determinada pelo fisco, ou seja, pela regra geral. Como se sabe, o ISSQN é imposto lançado por homologação, ou seja, o contribuinte apura, lança e recolhe o imposto incidente sobre os fatos geradores ocorridos, e o fisco, sujeito ativo da relação tributária, o homologa. Sabe-se também que o lançamento dos créditos tributários, é atividade administrativa vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (art. 142, § 2º do CTN) sendo que, nos casos em que não forem realizados os lançamentos dos impostos sujeitos ao lançamento por homologação, ou ainda que 12 tenham sido realizados em desacordo com a lei, a fazenda pública o fará de oficio, aplicando, em sendo o caso, as penalidades pelo não cumprimento da obrigação tributária pelo sujeito passivo. Vale lembrar que referido imposto passou a incidir sobre os serviços notariais e registrais no inicio do exercício de 2004, sendo certo que, algumas serventias, até a presente data não recolheram às Fazendas Públicas Municipais, nenhum valor correspondente ao ISSQN, isso, mesmo após o julgamento da ADIN 3.089. Mas não há justificativa para a recusa dos cartórios. Mesmo que houvesse fundamentos plausíveis para se discutir quanto a forma de tributação dos cartórios, esses deveriam recolher os impostos na forma determinada pelo fisco até que lhe fosse concedido o beneficio fiscal, como bem explicitado acima. Isso porque, o beneficio fiscal, regime especial, somente é aplicável aos exercícios posteriores à sua concessão, não sendo retroativo, ou seja, o período compreendido entre a data de entrada em vigor da lei que institui a incidência do imposto, e a data da concessão do beneficio, caso fizessem jus as serventias, o imposto deveria ser lançado de acordo com a situação jurídica da época do fato gerador. Sendo assim, verifica-se que, por tratar-se de trabalho prestado de forma impessoal, não há que se falar em tributação por “alíquota fixa” em relação aos serviços notariais e registrais, devendo ser aplicado à tais serviços, a regra geral, ou seja, aplicação da alíquota sobre o valor dos serviços (base de cálculo). 8. Considerações finais Ante os fundamentos expostos, tem-se a improcedência dos argumentos apresentados pelas serventias notariais e registrais em defesa da tese de que fazem jus à tributação por “alíquota fixa” de ISSQN. Ainda, contrapondo os argumentos dessa tese, podemos apontar alguns fatores que demonstram a legalidade da tributação sobre o valor dos serviços prestados pelas serventias: 13 a) Trata-se de atividade empresarial, em razão da inequívoca intenção lucrativa, bem como pelo fato da prestação dos serviços dependerem de uma estrutura organizada administrativa e economicamente, o que lhes atribui o caráter empresarial; b) Os serviços não possuem caráter pessoal, pois são prestados pelos titulares e seus empregados (substitutos) de forma simultânea ou substitutivamente; c) Os titulares não podem ser equiparados aos profissionais d) Os serviços prestados não geram responsabilidade liberais; técnica aos prestadores; Conclui-se desse modo, que a forma correta de tributação de ISSQN dos serviços notariais e registrais, é usar o preço do serviço como base de cálculo e aplicar a ela a alíquota correspondente, não havendo que se falar em tributação fixa, esta aplicada tão-somente aos serviços prestados de forma pessoal. De modo que, a busca incessante dos titulares das serventias cartorárias, para reduzir a carga tributária incidente sobre sua atividade, não encontra nenhum amparo jurídico. De certa forma, é possível entender que tais contribuintes relutam ao pagamento do ISSQN, incidente a partir de 2004 pela Lei Complementar n. 116/2003, pois a carga tributária que lhes foram atribuídas representa um custo que ao qual não estavam habituados, custo este que representa uma redução em seu lucro, pois até aquela data, somente eram tributados pelo Imposto de Renda. Pode-se afirmar que este é o único argumento real para a incessante busca de forma reduzida de tributação, porém, não torna possível a tributação na forma fixa, devendo eles lançar o ISSQN e recolher aos cofres públicos o crédito tributário devido, cumprindo com sua obrigação tributária. 9. Referências 14 BRASIL. Decreto-Lei n. 406/1968. Estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza, e dá outras providências. BRASIL. Lei Federal n. 8935/1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de Registros. (Lei dos Cartórios). BRASIL. Lei Federal n. 116/2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. BRASIL. Lei Federal n. 10.406/2002. Institui o Código Civil. BRASIL. Tribunal Pleno. ADIN 3089. Relator: Ministro Carlos Britto. Distrito Federal, j. em 13/02/2008, DJ de 01/08/2008. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. MELO, José Eduardo. PAULSEN, Leandro. Impostos: Federais, Estaduais e Municipais. 5. ed. São Paulo: Editora do Advogado, 2009. PALMA, Antônio Jacinto Caleiro. Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2006. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 7. ed. ver. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2005. 15