Participation, representation and legitimacy
Eduardo Moreira da Silva
Universidade Federal de Minas Gerais
Prepared for delivery at the 2012
Congress of the Latin American Studies Association
San Francisco, California.
May 23-26, 2012
1
Abstract
The aim of this paper is to present the relationship between participation and
representation in a specific Brazilian policy’s council of Minas Gerais’s state called
CEDCA-MG (Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de
Minas Gerais). After the 1988 constitution, a big number of councils have been created
in the three levels of federation – municipalities, states and federal government. There
are a lot of studies about municipals councils, however few about state level. Therefore
we have studied for a year, via participant observation, the dynamic of two
commissions of the council, and, specially, the action inside of the institution of an
important children and teenager’s social movement rights named FDDCA-MG (Frente
Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes). The beneficiary public of
the policy cannot participate in the activities of the councils due to their age, thus there
are many adults from civil society and state speaking and acting on children`s behalf.
This paper shows what sort of participatory action is possible under these circumstances
inside of the institution. We also discuss the nature of representative’s legitimacy.
Introdução
Há uma série de estudos sobre conselhos municipais no Brasil. Após a
Constituição de 1988, as políticas brasileiras passaram ser estruturadas através deste
tipo específico de instituição participativa. Os conselhos são estruturados pelo poder
executivo, embora não possam ser classificados como instituição unicamente estatal, e
estão presentes em quase todos os municípios brasileiros. Este amplo aparato
institucional criado pela legislação, ainda está em processo de estruturação e
aperfeiçoamento. Desde 1999, o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
tem desenvolvido a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), cujos
resultados permitem avaliar a expansão dos conselhos nas cidades brasileiras. Foram
identificados, em 1999, 26.900 conselhos, de diferentes áreas temáticas de políticas
públicas, em quase todos os municípios. Naquele momento, havia 5.506 cidades no
Brasil. Em 2009, este número aumentou para 64.900 conselhos em todo o país, num
total de 5.565 municípios (BARRETO, 2011, p.224-5). Os membros dessas instituições
são representantes do governo e da sociedade civil e, em geral, existe paridade entre
esses dois segmentos. Juntos, receberam a atribuição legal de deliberar sobre a
formulação das políticas e as formas de monitoramento das ações e serviços ofertados
pelo Estado à população.
A legislação federal brasileira criou uma forma específica de financiar os
serviços de três importantes áreas de políticas: saúde, assistência social, crianças e
adolescentes. As despesas de cada área estão sob controle dos conselhos nos
municípios, estados e governo federal. No caso da política de saúde, por exemplo, a lei
8142/1990, criou um mecanismo de “sanção se a participação não for
institucionalizada" (AVRITZER, 2009, p.125). Isso significa que o orçamento do
governo federal pré-determinado para o financiamento dos serviços só pode chegar à
cidade, se há um conselho municipal de saúde instituído e em funcionamento 1. Isso se
aplica aos recursos do Sistema Único de Saúde. Por essa razão principal, dentre outras,
essas instituições foram criadas em todo o país. Em termos gerais, isso significa que
1
“Para receber recursos financeiros federais, as secretarias de saúde estaduais e municipais deveriam ter:
(1) fundo de saúde, (2) conselho de saúde, (3) plano de saúde, (4) relatório de gestão, (5) considerável
contrapartida de recursos financeiros oriundos dos orçamentos próprios destinados à função saúde, (6)
plano de carreira, cargos e salários”(CÔRTEZ, 2002, p.34, nota 1).
2
todos os 5.565 municípios brasileiros têm algum tipo de conselho em funcionamento
atualmente.
De um modo geral, a legislação atribuiu à união e aos estados a atribuição de
financiamento e coordenação da execução das políticas públicas e os municípios, por
sua vez, criam e mantém as unidades de atendimento responsáveis por ofertar os
serviços diretamente à população. Apesar da importância do nível estadual de governo,
na gestão, coordenação e até mesmo na execução (em alguns casos) das políticas, ainda
existem poucos estudos sobre os conselhos dessa esfera (CUNHA, 2007; FARIA, 2010;
PEREIRA, CÔRTEZ e BARCELOS, 2009; SILVA, 2010). Nós não sabemos,
exatamente, quais são as diferenças na dinâmica do processo político dentro destas
instituições no nível estadual. Há uma série de instituições governamentais e
associações da sociedade civil atuando como representantes do governo e da sociedade
nesses espaços. É importante saber o tipo de público para o qual essas instituições
trabalham, quais atividades elas desenvolvem e como o seu representante no conselho
está desenvolvendo seu papel como conselheiro.
É muito importante lembrar que, há alguns anos atrás, o regime brasileiro era
uma ditadura, que controlava quase todos os tipos de participação do povo. Isso
significa que, antes do surgimento dos conselhos setoriais, as políticas eram pensadas e
criadas a partir da interação entre os governantes e os técnicos administrativos do poder
executivo e do legislativo. Com a inclusão da participação da sociedade civil e de
diferentes atores do governo dentro dos conselhos, criou-se a necessidade de
deliberação no processo decisório, tornando-se um fenômeno mais complexo e plural.
Ele muda a concepção de legitimidade do processo decisório, porque incluiu novos
atores e cunhou um novo quadro institucional para a formulação e monitoramento das
políticas.
Ao mesmo tempo, a dinâmica política dessas instituições deixou em aberto a
possibilidade de exercício da representação e participação políticas. A primeira
acontece porque os conselheiros são geralmente representantes de instituições e
organizações do Estado ou da sociedade civil 2. Por esta razão, Lavalle e Araújo (2008,
p. 12) afirmam que os conselhos como uma instituição política "tem a particularidade de
permitir a representação, não de indivíduos mas de diferentes coletividades(...)”. A
possibilidade de participação de pessoas comuns nos conselhos também está aberta,
porque as reuniões são públicas e qualquer pessoa interessada pode estar presente e com
direito a usar a sua voz, embora não tenha direito ao voto.
O objetivo principal deste trabalho é apresentar uma discussão sobre a interrelação entre três categorias - legitimidade, participação e representação - no interior da
dinâmica de funcionamento das instituições participativas. O estudo de caso do
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais (CEDCAMG), realizado durante um ano (Nov/2009-Nov/2010) por meio da técnica da
observação participante, será a principal fonte de dados e de articulação entre a
discussão teórica geral e a dinâmica das instituições participativas. Para tanto, o texto
estrutura-se em três tópicos.
2
O município de Belo Horizonte criou, recentemente, o Conselho Municipal de Cultura cujas regras
permitem a eleição de pessoas físicas como conselheiras, isto é, os indivíduos com comprovada atuação
na área da cultura, há pelo menos dois anos, podem se candidatar ao processo eleitoral realizada em cada
uma das nove regionais da cidade. Outro critério inovar do processo é a definição dos eleitores: a
população do município (BELO HORIZONTE, 2011). O conselho estadual da mesma temática exige
como requisito para pleitear uma vaga no conselho o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Isto
é, o conselho municipal de cultura permite representação de indivíduos, ao passo que apenas organizações
ou instituições podem ter assento no conselho estadual. O segundo caso é o mais comum.
3
O primeiro descreve os precedentes históricos e normativos das políticas
destinadas às crianças e adolescentes, bem como a emergência da legislação atual que
permitiu a criação das instituições participativas. Assim, procura-se demonstrar como a
participação de atores da sociedade civil organizada desempenhou um papel importante
na configuração atual da legislação brasileira que regulamenta diferentes setores de
políticas públicas. Àquelas destinadas às crianças e aos adolescentes, em particular,
experimentaram uma mudança paradigmática introduzida pela adoção da doutrina da
proteção integral, responsável por estabelecer a concepção desse público como sujeito
de direitos em condição peculiar de desenvolvimento.
Dois órgãos colegiados - Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares - são as
instituições estabelecidas no Brasil para assegurar a execução de ações específicas nessa
área de política. Ambos foram regulamentados pela lei federal 8.069/1990, que instituiu
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A primeira instituição foi designada
para formular e acompanhar as políticas na área. A segunda tem a função de iniciar a
implementação de medidas de proteção e as sócioeducativas, prescritas no ECA. O
CEDCA-MG foi escolhido como objeto de pesquisa por três razões principais: 1) ser
um conselho do nível estadual, sobre o qual ainda existem poucos trabalhos no Brasil;
2) ser o responsável legal por formular a política estadual destina às crianças e aos
adolescentes, um setor de política ainda não muito estudada em seu conjunto; 3) a
exclusão do público beneficiário da possibilidade de participar no processo decisório do
conselho, o que pode ser visto como um problema de legitimidade tal como delineado
adiante. Nesse sentido, a área da criança e do adolescente difere da saúde e da
assistência social, que contam com representantes de usuários nos conselhos.
O segundo tópico aborda a categoria de legitimidade. O problema de pesquisa
que norteou a construção deste artigo pode ser descrito da seguinte forma. Dado que a
legislação estabeleceu o conselho como a instituição colegiada e deliberativa das
políticas estaduais para as crianças e adolescentes, ele pode ser estudado a partir da
perspectiva da democracia deliberativa. Esta, de acordo com Parkinson (2006),
apresenta uma contradição estrutural em seu principal pilar de apoio, qual seja: o
postulado segundo o qual a legitimidade das decisões deriva da participação (ou a
abertura de sua possibilidade) de todos aqueles diretamente afetados por elas. No
entanto, isto é inviável, porque uma dinâmica deliberativa requer um processo de
interação em pequenos grupos. Parkinson (2006, p.2) delineia, em seguida, dois
problemas derivados dessa formulação clássica da teoria deliberativa: 1) problema da
escala - como os não-participantes podem conferir legitimidade às decisões tomadas
pelo fórum deliberativo?; 2) problema da motivação - muitas pessoas podem optar por
nunca participar da dinâmica do fórum, apesar de estar dentro do público diretamente
afetado por suas decisões. Nosso objeto de estudo, o CEDCA, acrescenta um terceiro
problema, porque o público-alvo da política - crianças e adolescentes - está legalmente
impedido de participar na formulação de decisões sobre as políticas cujas ações afetam
diretamente suas vidas.
O tópico terceiro começa com a descrição do desenho institucional do CEDCA.
Será enfatiza a dinâmica de funcionamento das reuniões plenárias e duas comissões
temáticas. O objetivo é mostrar como os representantes do Estado e da sociedade têm
desempenhado suas atividades dentro da instituição, com foco principal nas categorias
da representação e da legitimidade. Ele irá descrever alguns fatos transcorridos durante
a realização da pesquisa, especialmente a partir da fala dos atores da sociedade civil
com assento no CEDCA-MG, para mostrar o fazem e pensam sobre a representação.
Parte-se do princípio de que a legitimidade dos conselheiros do Estado deriva
indiretamente do processo eleitoral, uma vez que o governador é, legalmente, quem tem
4
a autoridade para nomear os representantes do Estado no conselho. Os membros da
sociedade civil são escolhidos através de um processo específico de eleição entre os
colegas, isso significa que os membros de diferentes organizações da sociedade civil são
selecionados como candidatos e como eleitores no processo. O processo eleitoral da
sociedade civil será abordado em mais detalhes a seguir.
2.1 Antecedentes históricos da legislação atual
No âmbito da política específica para as crianças e adolescentes, as
transformações ocorridas no campo sócio-jurídico, ao longo do século XX, foram
cruciais para a concepção de infância prevalecente nos dias de hoje. Ao longo desse
período, afirmou-se a doutrina da proteção integral em substituição ao principio
anterior denominado de doutrina da situação irregular. Essa alteração foi provocada
por pelo menos duas fortes influências. De um lado, os legisladores e juristas
incorporaram a concepção de que as crianças são sujeitos de direitos em condição
peculiar de desenvolvimento. De outro, consolidou-se um conjunto amplo e
heterogêneo de atores da sociedade civil organizada mobilizada em torno da causa da
infância, que encontrou no processo de democratização brasileiro uma janela de
oportunidades para se articular com os legisladores da assembléia nacional constituinte
em busca de influenciar a alteração das leis pertinentes a esse público.
No âmbito internacional, o marco de referencia principal, formulado a partir da
doutrina da proteção integral, foi a Convenção dos Direitos da Criança estabelecida em
20 de novembro de 1989, do qual o Brasil é signatário. Em conformidade com o mesmo
princípio foi formulado o artigo 227 da constituição brasileira de 1988 e a legislação
ordinária que o regulamentou, a lei 8.069/1990, que reconhece as crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento.
Uma síntese comparativa das duas doutrinas é apresentada por Frota (2004) nos
seguintes termos:
[n]o período de vigência da doutrina da situação irregular, as leis e
instituições são orientadas predominantemente pela lógica da integração
sistêmica, ou seja, o Estado prevalece como poder jurídico e administrativo
que racionaliza e controla o processo de socialização, especialmente da
criança pobre considerada menor, e exerce um controle social pleno sobre
esse segmento, excluindo a família como ator partícipe do processo. Com a
constituição da doutrina da proteção integral, a lógica da integração social se
afirma e as responsabilidade da família e das organizações públicas da
sociedade civil no processo de socialização da criança, tanto no campo
assistencial quanto no da garantia de direitos, se ampliam (FROTA, 2004,
p.56).
Nesse sentido, as responsabilidades em relação à efetivação dos direitos desse
público deixam de ser atribuição exclusiva do poder judiciário, em especial dos Juízes
de Menores, e passam a ser deveres compartilhados entre a família, o Estado e a
sociedade. O próprio processo de formulação desses dois diferentes princípios é
também o resultado de concepções específicas sobre a infância prevalecentes entre os
atores responsáveis pela sua elaboração. As primeiras leis e instituições regidas pela
doutrina da situação irregular resultaram das orientações que se sobressaíram entre
juízes, administradores estatais e legisladores que as formularam. A doutrina da
proteção integral, por outro lado, expressa tanto na Convenção dos Direitos da Criança
quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente foram elaboradas com intensa
participação da sociedade civil organizada (WHITAKER et al, 1989, SILVA, 2003,
FROTA, 2004). A ampliação dos atores participantes da tessitura da referida
normatividade certamente impactou o resultado final do processo e pode ser visto como
5
um dos principais fatores motivos da atribuição de responsabilidades compartilhadas na
legislação resultante.
Uma primeira mudança importante de ser destacada é o compartilhamento de
responsabilidades entre a sociedade, a família e o Estado para o provimento dos direitos
desse público. Situação radicalmente diferente da política anterior, na qual apenas o
Estado interventor tinha o dever de se ocupar das medidas de atendimento a esse
público. Os impactos dessa alteração são substantivos, tanto do ponto de vista de uma
maior responsabilização da família, que passa a ter deveres como o de matricular sua
prole no sistema oficial de ensino, quanto da inclusão de atores da sociedade civil
organizada mobilizada no processo deliberativo das políticas. Tais atores foram
partícipes de um amplo processo de mobilização da sociedade brasileira na coleta de
assinaturas para inserir instrumentos de participação nas políticas destinas às crianças e
adolescentes, durante a elaboração da constituição de 1988 (WHITAKER et al, 1989).
A política pública, entendida como o conjunto da ação do Estado no
enfrentamento aos problemas ligados a infância e adolescência, passa a ter uma nova
configuração. Atualmente existem, do ponto de vista legal, dois sistemas que norteiam
as ações na área. O Sistema de Garantia de Direitos visa estabelecer medidas protetivas
que assegurem os direitos a esse público. O Sistema de Medidas Socioeducativas,
regulamentado pela Lei federal 12.594, de 18 de janeiro de 2012, compõe um conjunto
de ações destinadas ao atendimento das crianças e dos adolescentes em conflito com a
lei, ou seja, aqueles que cometeram algum ato infracional. É necessário ressaltar a
característica transversal da política, pois um grande número de ações destinadas ao
público infanto-juvenil é desenvolvido nas áreas da educação, saúde, assistência social e
outras.
É possível identificar um conjunto de atores e operadores desses dois sistemas,
como se pode observar no quadro a seguir.
Quadro 1 – Instituições e atores do sistema de garantia de direitos e das medidas socieducativas
Atores
Função
Ações Principais
Conselheiros Tutelares
Guardião do ECA.
Encaminhamentos: medidas protetivas
e sócioeducativas
Conselhos de Políticas Conselheiros
Formulação, acompanhamento Aprovação das contas anuais do
(União,
Estados
e Governamentais e da da
implementação
e executivo,
fiscalização
da
Municípios)
Sociedade Civil
monitoramento da Política implementação
das
políticas,
Pública.
formulação de planos.
FIA (Fundo da Infância Conselhos deliberam o Gestão da Política
Financiamento das ações dos projetos.
e Juventude)
destino dos recursos e
secretarias gerem o
recurso.
Conferências
Cidadãos e segmentos Indicar as prioridades para a Formular e sistematizar as ações
organizados
da política.
prioritárias da sociedade sobre as
sociedade.
políticas.
Juizado da Infância e Juizes
e
técnicos Julgamento
das
medidas Determinações
judiciais
aos
Juventude
judiciários.
protetivas e sócioeducativas.
responsáveis, crianças e adolescentes.
Ministério Público
Promotores e técnicos.
Defesa dos direitos difusos.
Ações de defesa aos grupos com
direitos violados. Exigir do Estado o
cumprimento de suas obrigações.
Defensoria Pública
Defensores públicos.
Defesa
das
crianças
e Advogados de defesa das crianças e
adolescentes em conflito com adolescentes em julgamento.
lei ou daqueles submetidas às
medidas protetivas.
Serviços
de Técnicos da Saúde, Ofertar atendimentos gerais e Atendimentos diversos.
Atendimento
Assistência
Social, especializados.
Educação,
Esporte,
Cultura, Lazer etc.
Delegacia especializada Delegados, detetives e Prisão e reunião de provas Primeira investigação, acolhimento e
Instituição
Conselho Tutelar
6
técnicos.
Secretarias
(União, Gestores e técnicos
Estados e Municípios).
Medidas protetivas e
socioeducativas.
Organizações
da Dirigentes e técnicos.
Sociedade Civil que
atuam na área
Frente de Defesa dos Organizações
da
Direitos da Criança e Sociedade Civil.
dos Adolescentes
Fonte: elaboração própria
contra agressores.
Financiamento, planejamento,
implementação e avaliação da
política.
depoimento das vítimas e agressores.
Corpo técnico, infra-estrutura, Planos,
Programas e Projetos.
Oferta de serviços.
Oficinas, cursos, atendimentos etc.
Pressão sobre o Estado em prol
dos direitos das crianças e
adolescentes.
Mobilização de atores e instituições.
O artigo 227 da Constituição de 1988 e o artigo 86 do ECA estabelecem que
esses atores devem agir de forma articulada e coordenada no intuito de ofertar as
diversas ações para as crianças e adolescentes. É possível notar que essa articulação não
é simples, dado o número de setores a atores envolvidos. Os conselhos dos três níveis da
federação, idealizados enquanto instituições responsáveis pela formulação das políticas
públicas do setor seriam os órgãos responsáveis por fazer a aproximação e interlocução
permanente entre esses diversos atores.
Foram criados também fundos públicos especiais (Fundo da Infância e
Adolescência) para a gestão da política. Os conselhos de direitos são os responsáveis
pela gestão destes fundos, nos municípios, estados e no governo federal. Os recursos do
Fundo Nacional da Criança e do Adolescente se originam de três fontes principais:
recursos próprios do governo federal oriundos de tributos, incluindo as contribuições
sociais; recursos diretamente arrecadados, proveniente das destinações do imposto de
renda das pessoas físicas e jurídicas, e; doações de pessoas físicas ou jurídicas. O
gráfico abaixo descreve a composição dessas fontes no orçamento total do fundo
nacional ao longo dos anos (1998-2009).
Grafico 1–FNCA 1998-2009, por fonte de financiamento anual (%)
Fonte: Sadeck(2010, p.7)
É possível observar uma mudança no padrão de financiamento da política ao
longo do tempo. Entre 1998 e 2002, o governo é o ator principal nas despesas da área.
Em 2003, percebe-se uma situação atípica, pois a totalidade do financiamento das ações
é proveniente de doações. A partir desse ano, as doações passam a ser mais importantes
que os recursos próprios do governo, com a exceção de 2004 e 2007, nos quais as fontes
7
do governo são ligeiramente superiores. Essa inversão no padrão de financiamento pode
representar um problema no que concerne a regularidade da oferta dos serviços, pois a
doação pode ou não chegar, dependendo de contexto favorável no mercado, por
exemplo. Pelo contrário, os recursos do governo são teoricamente mais previsíveis, pois
devem ser inseridos na lei orçamentária no ano anterior à execução do gasto. Portanto,
por se tratar de uma política pública, com serviços regularmente ofertados, faz-se
necessário ter fontes seguras de financiamento.
Por existir legislação federal instituindo os conselhos, essas instituições
proliferaram, por todo território nacional, nas diferentes áreas de políticas públicas, e
nas esferas municipais, estaduais e federal. Na área da saúde, por exemplo, já existem
conselhos municipais implementados em todos os municípios brasileiros desde o ano de
2006 (CUNHA, 2009). Na assistência social mais de 99,31% dos municípios brasileiros
tinham conselhos em funcionamento, em 2009, portanto, atualmente praticamente todos
os municípios brasileiros contam com conselhos em funcionamento (BARRETO, 2011,
p.224). Essas duas áreas temáticas de políticas, assim como a educação, na qual há
conselhos em 79,11% dos municípios brasileiros, possuem serviços de atendimento
diretamente relacionados ao público infanto-juvenil, razão pela qual nos referimos aos
conselhos dessas áreas para comparar com aquela que nos interessa mais diretamente,
qual seja, a política pública da área da criança e do adolescente. Nesta área, a situação é
um pouco diferente das anteriores, pois não há um ministério no âmbito do governo
federal exclusivamente destinado à implementação de suas ações, que estão
subordinadas à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente, órgão componente da estrutura da Secretaria Especial de Direitos
Humanos, vinculada diretamente à Presidência da República. Essa situação se reproduz
no âmbito dos Estados e Municípios, pois em geral o setor destinado as políticas para as
crianças e adolescentes está vinculado à secretaria de assistência social. Este é o caso de
Minas Gerais, pois o CEDCA-MG está diretamente vinculado à Coordenadoria Especial
de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, que faz parte da Secretaria
Estadual de Desenvolvimento Social (SEDESE).
É importante mencionar a alteração provocada na formulação das políticas a
partir da incorporação de outros atores no processo. Se antes o desenho final da política
estava confinado aos técnicos do executivo e à interação entre esse poder e o legislativo,
atualmente outros atores da sociedade devem participar, em conjunto com o governo,
da formulação das políticas. Isso torna o processo mais complexo e difícil de ser
construído e implementado, mas o resultado final é possivelmente diferenciado, na
medida em que a pluralização dos atores e vozes possibilita uma ampliação das
perspectivas consideradas no processo de formulação e produção das decisões. Até o
presente momento, se conhece muito pouco dos efeitos das instituições participativas
para o sistema político brasileiro. Uma das dificuldades desse processo de avaliação é a
própria polissemia da categoria participação, como afirma Lavalle (2011) em um artigo
publicado em um livro integralmente dedicado às estratégias de avaliação das
instituições participativas.
Adrian Lavalle apresenta uma análise da categoria participação e demonstra a
possibilidade de sua utilização em três sentidos distintos: 1) enquanto uma “categoria
nativa da prática política de atores sociais”; 2) como “categoria da teoria democrática
com pesos variáveis segundo as vertentes teóricas e os autores 3”; 3) enquanto
3
Avritzer (2009, p.3) indica a varidade de sentidos da categoria participação na literatura: “Abers refers
do participation as “increasing citizens” control over the state and improving the capacity of ordinary
people to understand and decide about issues affecting their lives”(2000:5). Nylen refers do democratic
participations as “the exercising of real Power over decision”(2003:28). Baiocchi links the origins of
8
“procedimento institucionalizado com funções definidas por lei e disposições
regimentais” (LAVALLE, 2011, p. 33). Tratamos nesse tópico, basicamente, do
primeiro e do terceiro sentidos, pois buscamos mostrar como a prática de determinados
atores sociais articulados com alguns deputados da assembléia nacional constituinte,
ligados ou sensíveis à defesa de direitos das crianças e adolescentes, foram capazes de
inserir instrumentos de participação (no terceiro sentido do termo) na legislação
brasileira responsável por disciplinar o ordenamento das políticas públicas. Muitos
desses atores continuam atuantes na política e agora possuem canais institucionais por
meio dos quais canalizam suas interações com o Estado.
Lavalle demonstra também que “[a] ideia da participação entra no cenário
nacional como uma categoria prática, isto é, uma categoria mobilizada para conferir
sentido à ação coletiva de atores populares” (2011, p.34). A utilização dessa acepção do
termo remonta aos anos 1960, em que ele é utilizado “como ideário carregado de uma
visão emancipatória das camadas populares” (LAVALLE, 2011, p.34).
Entre as décadas de 1960 e 1980 esse ideário participativo conjugou diversos
significados. “Em primeira instância, a participação era, por definição,
popular”(LAVALLE, 2011, p.34). O autor demonstra que, nesse primeiro sentido,
participar não tinha qualquer relação com o processo eleitoral e nem com as instituições
do governo representativo e, menos ainda, com o direito de cidadania fulcral em
qualquer regime liberal democrático. Por conseguinte, tratava-se de um ideal de
emancipação popular e não uma luta pela retomada da democracia. No segundo sentido,
fortemente influenciado pela teologia da libertação, ““participar” significava apostar na
agência das camadas populares, ou, conforme os termos da época, tornar o povo ator de
sua própria história e, por conseguinte, porta-voz dos seus próprios interesses”. O
terceiro sentido estava relacionado à conotação dada ao termo pela esquerda, com sua
estratégia de mobilização das bases para enfrentar o esvaziamento da esfera política.
Assim, a participação popular era vista por uma perspectiva mais ampla como a única
saída possível para a construção de uma sociedade mais justa e livre da exploração
(LAVALLE, 2011, p.34).
No período de transição para a democracia mudanças vieram à tona e
transformaram também o ideário participativo: “a participação, outrora popular, tornouse cidadã” (LAVALLE, 2011, p.34). Não se trata apenas de uma alteração
terminológica, pois a constituição de 1988 conferiu um forte significado à participação,
considerada como um direito do cidadão que extrapola o momento eleitoral. Nesse
sentido, pode-se afirmar que o estatuto conferido à participação após a constituição de
1988 alterou os processos e espaços capazes de conferir legitimidade às decisões
relativas às políticas públicas.
O “Movimento das Diretas Já” envolveu um amplo processo de mobilização da
população brasileira, em meados dos anos 1980, e levou milhões de brasileiros às ruas
de diversas capitais do país na luta pela democratização do regime. Paralelamente
àquele movimento de massas, inúmeros movimentos sociais se organizaram em torno
de temáticas como a saúde, o meio ambiente, direitos das crianças e adolescentes, para
demandar políticas públicas do Estado. Esses atores construíram acordos com os
membros da assembléia nacional constituinte de 1987/1988 e conseguiram articulações
com os legisladores para incluir a emenda nº021: Participação popular. Esta foi
participation in Brazil to social moviments and capacities of ordinary people to make sensible
decisions”(2005:5). For Fung and Wright, participation refers to “the commitments and capacities of
ordinary people to make sensible decisions(2003:5)”. Logo após relacionar esses diferentes sentidos da
participação, Avritzer alerta ainda, para o fato do conceito poder ser utilizado pela perscpectiva
sociológica ou política.
9
oficialmente apresentada pelas seguintes entidades: Comissão Brasileira de Justiça e
Paz, Rio de Janeiro; Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com sede também no
Rio; e Associação Brasileira de Apoio à Participação Popular na Constituinte, de São
Paulo. Contou ainda com o apoio de outras cinco entidades (WHITAKER, 1989, p.202).
Segundo Whitaker et al(1989, p. 202) a referida emenda “traduz o cerne da luta
de organizações informais, plenário e comitês, que surgiram para defender e promover a
participação popular durante a Constituinte e introduzir no futuro texto constitucional
mecanismo de democracia direta”. Resultaram de todo esse amplo processo os
mecanismo de participação semi-direta da população (plebiscito, referendo e a iniciativa
popular de lei) nas decisões políticas. Do ponto de vista da estruturação das políticas
públicas e da possibilidade de participação da sociedade em sua formulação são
relevantes os seguintes artigos da Constituição de 1988: Art. 194, inciso VI, que trata da
Seguridade Social; Art. 198, inciso III relativo à política de Saúde; Art. 204, inciso II
relativo à Assistência Social; Art. 227, § 1º, que dispõe sobre a política para a Criança e
o Adolescente.
Todos os artigos mencionados apresentam relações diretas ou indiretas com a
política da criança e do adolescente. Na política de seguridade social estão incluídos
benefícios trabalhistas, dentre eles o auxílio maternidade, por meio do qual as mães
continuam recebendo salários, mesmo estando afastadas do trabalho, durante os
primeiros meses de vida das crianças. Nas políticas de saúde e de assistência social
também existem inúmeras políticas destinadas ao atendimento às mães, às crianças e
aos adolescentes. É fundamental o fato de essas políticas contarem, a partir dos
referidos artigos constitucionais e das legislações ordinárias que os regulamentam, com
a presença de organizações representativas da sociedade para a formulação e
monitoramento das políticas públicas dessas áreas.
Um dos fatores cruciais para a organização da sociedade civil mobilizada em
torno dessa temática foi a constituição dos Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente (FDCA) em todo o país. Assim como ocorreu em outras áreas de
políticas públicas, como o meio ambiente e a reforma urbana, os fóruns relacionados à
temática infanto-juvenil desempenharam um papel muito relevante tanto no processo de
coleta de assinaturas para a constituinte, quanto na posterior regulamentação do artigo
constitucional e na luta pela implementação das novas instituições criadas pela lei,
como os conselhos tutelares e de direitos. No caso do Estado de Minas Gerais, por
exemplo, a criação da Frente de Defesa data de 1988. Desde então, ela tem
acompanhado e participado de perto das ações da política.
Antes de passar à análise da dinâmica política do CEDCA, com foco nas duas
comissões analisadas, o próximo tópico aborda a categoria da legitimidade, a partir de
dois autores que partem do referencial da teoria democrática deliberativa: John
Parkinson (2006) e Iris Young (2000). Ambos possuem contribuições importantes para
as pesquisas sobre os conselhos.
A legitimidade das decisões nos conselhos
A legislação confere aos conselhos a atribuição de formular a política pública de
cada setor, como é o caso CEDCA-MG, responsável pelas políticas destinadas às
crianças e aos adolescentes de Minas Gerais. Para que as resoluções por ele produzidas
sejam legítimas, é necessário que os representantes do Estado e da sociedade que o
compõem sejam dotados de legitimidade, razão pela qual focamos a atenção nessa
dimensão do conselho. Ao mesmo tempo, a legislação define os conselhos como
instituições deliberativas, razão pela qual parte importante da literatura tem pesquisado
10
tais instituições pela ótica da teoria democrática deliberativa.
De uma perspectiva teórica geral, a ação governamental é dotada de
legitimidade, quando ela possui o direito de fazer e impor as leis (BUCHANAN, 1999).
Trata-se de um pré-requisito que qualifica a autoridade governamental do atributo
mínimo necessário para estabelecimento da regra a ser expressa como política pública.
Os estudos sobre os conselhos brasileiros têm se concentrado na identificação
dos atores relevantes para a dinâmica política desses espaços institucionais, nas decisões
que têm sido produzidas por elas, na busca dos segmentos mais atuantes no processo
decisório, no impacto das regras e do desenho institucional sobre dinâmica das decisões
produzidas e, mais recentemente, nas novas formas de representação política que se
viabilizaram com a criação dos conselhos (AVRITZER, 2007; AVRITZER, 2010;
LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELO, 2006; TATAGIBA, 2002).
No âmbito dos estudos sobre as políticas públicas, realizou-se um conjunto de
estudos sobre as diversas formas de participação dos cidadãos na formulação das
mesmas. Assim, passou a ser o foco da atenção a capacidade desse processo alterar a
cultura política e as relações do Estado com os cidadãos, no Brasil. As variáveis mais
privilegiadas passam a ser a descentralização, as reformas políticas, a autonomia do
poder local, e os impactos dos diferentes desenhos institucionais que viabilizam a
participação política dos cidadãos (HOCHMAN, ARRETE e MARQUES, 2007, p.15).
Na primeira onda de estudos sobre as instituições participativas, ainda na década de
1990, foi muito comum identificar um grande otimismo dos pesquisadores em relação à
capacidade dessas instituições anularem a possibilidade de ocorrência de práticas
tradicionais da nossa cultura política, tal como o clientelismo. A aposta desses
pesquisadores estava no princípio da publicidade adotado por elas, em especial os
orçamentos participativos, durante o processo de definição do orçamento público
(SILVA, 2007).
O importante a ser destacado nesse momento é o fato dessas alterações no
desenho institucional do Estado transformar também suas bases sociais de sustentação,
isto é, a legitimidade do sistema entendida como um conjunto de regras e normas
destinadas ao ordenamento do convívio coletivo, que são reconhecidas e obedecidas
pelos cidadãos. Em outros termos, a obediência dos membros de uma coletividade à
normas impostas pelo Estado é derivada do grau de aceitação das mesmas entre eles, ou
seja, dos atributos que compõem a sua legitimidade. Rehfeld (2009) é explícito ao
afirmar que legitimidade das normas depende da legitimidade dos processos de escolha
dos representantes dos cidadãos selecionados nas eleições para o exercício das funções
de governo. Transposto para os conselhos, esse argumento remete para a centralidade
dos modos de escolha dos conselheiros, responsáveis por dar vida à instituição.
É possível atribuir a legitimidade dos representantes do Estado nos conselhos,
mesmo sendo de forma indireta, às eleições, pois são políticos eleitos os responsáveis
por designar os servidores que irão falar e agir em nome do Estado nos conselhos.
Quanto aos membros oriundos da sociedade civil o processo de escolha é bem variado,
e depende das regras estabelecidas por cada conselho. Por essa razão, importa investigar
e conhecer um pouco melhor como são escolhidos os conselheiros oriundos da
sociedade, quem são eles e quais as atividades desempenhadas pelas suas organizações
de origem em prol das crianças e adolescentes. Essas informações são importantes para
se enumerar possíveis elementos componentes da legitimidade desses atores, ou melhor,
são indicadores do envolvimento dos mesmos com as ações de defesa dos direitos das
crianças e adolecentes, público beneficiário da política.
A teoria democrática deliberativa se consolidou ao longo da década de 1990,
com a obra de autores como Joshua Cohen ([1997]2009), Jürgen Habermas (2003),
11
John Dryzek (2000), James Bohman ([1996]2009), Seyla Benhabib([1996]2009), Iris
Young (2000), dentre outros. É possível afirmar ele emerge como uma proposta de
revisão dos principais fundamentos de legitimidade de outro modelo, qual seja, o
democracia agregativa, que descreveremos sinteticamente a seguir. A teoria da
deliberação democrática, por meio de seus postulados principais, define um conjunto de
procedimentos que, se observados, são capazes de conferir legitimidade às decisões
produzidas pelas instituições democráticas.
Além do princípio da publicidade mencionado acima, outros relacionados à
teoria democrática deliberativa estão presentes nas instituições participativas. São eles:
inclusão; igualdade, exposição pública de razões e opiniões. As reuniões dos conselhos,
por exemplo, em geral são abertas à participação de todos os interessados, portanto,
podem viabilizar a inclusão política de segmentos historicamente excluídos dos
processos decisórios. O postulado principal da referida teoria, é o de que a legitimidade
das decisões deriva da possibilidade de que todos os afetados por ela possam participar
(inclusividade), em condições de igualdade, de sua formulação, ou seja, todos os
participantes do fórum devem estar livres da coerção pelo poder ou dinheiro. Também
deve ser conferido a todos os integrantes do fórum a possibilidade de expor livremente
suas razões e opiniões. Young se refere também ao princípio da reasonableness para
expressar o conjunto de disposições e abertura dos participantes e não propriamente o
conteúdo de suas contribuições ao debate. Nesse sentido, a reasonableness se refere a
capacidade da pessoa de estar aberta a escutar os outros interessados em explicar porque
sua ideia está incorreta ou inadequada (YOUNG, 2000,p.338-43).
Ao analisar um conjunto de instituições britânicas da política de saúde, na qual
foram utilizados diferentes formatos deliberativos, Parkinson (2006) apresenta uma
instigante investigação dos problemas e das soluções possíveis para a questão da
legitimidade no interior da teoria democrática deliberativa. Esta, em sua versão
normativa, está baseada em dois princípios fundamentais:
(...)insiste no convencimento entre as pessoas como o guia do procedimento
político, mais do que a barganha entre interesses concorrentes ou a agregação
de preferências privadas; e o ato político fundamental – a oferta, avaliação,
aceitação ou rejeição das razões – é um ato público, em oposição ao ato
puramente privado de votar (PARKINSON, 2006, p.3, destaque no original,
tradução nossa)
Percebe-se claramente nessas duas premissas do modelo uma nítida oposição aos
dois princípios estruturais da democracia agregativa tal como descrita por Young
(2002). Nesse modelo, a dinâmica da democracia é interpretada como um processo de
agregação das preferências dos cidadãos manifestadas no processo de escolha dos
membros do governo e das políticas. “O objetivo do processo de tomada de decisão
democrática é estabelecer quais lideres, regras e políticas melhor corresponderão às
preferências mais ampla e fortemente compartilhadas” (YOUNG, 2000, p. 285-88,
tradução nossa). Uma dimensão central desse processo é a competição entre as
preferências, a construção de estratégias e coalizões, e a resposta às pressões. O modelo
estabelece que esses elementos são “abertos e justos, isto é, os resultados tanto das
eleições quanto das decisões legislativas refletem a agregação das preferências mais
fortes e amplamente compartilhadas na população”(YOUNG, 2000, p.293-96, tradução
nossa).
Neste sentido, os dois princípios apresentado por Parkinson (2006) demonstram
um questionamento e uma proposta alternativa acerca dos critérios de legitimidade dos
regimes democráticos, razão pela qual Dryzek (2010) afirma que o modelo democrático
deliberativo teria nascido como uma teoria da legitimidade. Isso pode ser observado
claramente, destaca Dryzek (2010, p.15), nos dois trabalhos clássicos de Manin (1987) e
12
Cohen ([1989]2009), a partir dos quais se pode afirmar que as decisões coletivas são
legítimas na medida em que todos aqueles que estão sujeitos a elas tiverem tido o
direito, a capacidade e a oportunidade de participar da deliberação na qual foram
produzidas.
Na visão de Parkinson (2006) a teoria democrática deliberativa, nessa versão
clássica mencionada, apresenta dois problemas estruturais. O primeiro está relacionado
a uma contradição no seu postulado supremo, no qual se pretende contar com a presença
(ou o direito à ela) de todos aqueles diretamente afetados por uma decisão, durante o
processo deliberativo na qual ela foi produzida. No entanto, a presença de todos é
impossível, pois inviabilizaria a própria deliberação, que se realiza apenas em pequenos
grupos. Nesses termos, como seria possível aos excluídos conferir legitimidade aos
entendimentos produzidos no interior do fórum deliberativo? Trata-se do problema da
escala, ou seja, da possibilidade de criar regras capazes de conferir legitimidade aos
resultados produzidos na ausência daqueles excluídos do processo decisório.
Em segundo lugar, há também uma limitação do ponto de vista da motivação,
pois o modelo não oferece uma resposta satisfatória à possibilidade bem plausível de
que muitas pessoas, mesmo sendo diretamente afetadas pelas decisões, possam escolher
nunca serem incluídas no fórum deliberativo. Aliás, os baixos índices de participação
política dos cidadãos das sociedades de massa, mesmo nas democracias mais
consolidadas, indicam exatamente para essa propensão a não participação.
A saída proposta por Parkinson (2006) estaria na possibilidade de escolha de
representantes, preferencialmente pela via eleitoral, pois teria a capacidade simultânea
de conceder uma autorização dos representados aos representantes, e de tornar os
últimos atentos aos mecanismos de accountability. Eles seriam os responsáveis por falar
e agir em nome daqueles que, embora ausentes do processo deliberativo, são
diretamente afetados e interessados pelos resultados das decisões produzidas.
Como nem sempre é possível haver eleições para os fóruns deliberativos, no
entanto, na ausência de uma autorização inicial, duas seriam as principais estratégias
para fundamentar a legitimidade da ação dos representantes. A primeira delas seria a
responsabilidade dos mesmos em relação às demandas e interesses dos representados,
ou seja, a instituição de mecanismos que viabilizem os processos de accountability,
mesmo sem a eleição. O segundo é a publicidade das decisões produzidas, pois além de
contribuir para o desenvolvimento do primeiro, possibilitaria o estabelecimento de
canais de comunicação entre os micro-processos deliberativos de cada instituição que
opera com esse formato e o público mais geral.
Vejamos em maiores detalhes o argumento parkinsoniano do modo como a
representação poderia resolver o problema da escala. Em resumo, o argumento do autor
está baseado na possibilidade aberta pela representação de tornar presente o interesse
dos indivíduos ausentes do processo decisório, embora afetados pela decisão, nos
termos da definição de Pitkin ([1967]1985) sobre a representação política. Se os
representantes vocalizam e/ou agem em prol do interesse daqueles indivíduos ausentes
do processo decisório, seria possível produzir uma decisão considerada legítima mesmo
sem a participação daqueles. O autor parte de três diferentes usos do termo
representação na literatura: “1) [p]ara denotar um agente ou orador que age em nome
do seu principal; 2) [p]ara indicar aquela pessoa que possui algumas características de
uma classe de pessoas; 3) [p]ara indicar que uma pessoa simboliza a identidade ou
qualidades de uma classe de pessoas”(BIRCH apud PARKINSON, 2006, p. 28).
Parkinson (2006, p.30) começa pelo último dos usos e menciona como exemplos
desse tipo de representação a Rainha Elizabeth que simboliza os britânicos em certas
circunstâncias ou o caso do Nelson Mandela como a expressão simbólica da esperança
13
de uma África do Sul unida. Esses símbolos podem ser extremamente importantes para
a legitimação de um determinado processo, pois as pessoas sentem que elas tiveram
uma influência sobre as decisões finais ou um regime se eles puderem perceber que os
símbolos com os quais elas se identificam participaram e foram responsáveis por uma
influência real sobre o referido processo.
O segundo uso mencionado do termo representação é aquele denominado por
Pitkin ([1967]1985) de representação descritiva e ocorre quando um representante
possuiu algumas características relevantes das pessoas que ele ou ela representa. Neste
caso, as mulheres melhor representariam outras mulheres, os mexicanos outros
mexicanos e assim por diante. Assim, a representação descritiva enfatiza as identidades,
porque elas são política e normativamente relevantes como destacou Anne Phillips
(2005) ao defender a política da presença (PHILLIPS apud PARKINSON, 2006, p.30).
Neste modelo, a representação justa é aquela que se aproxima ao máximo de um
espelho, por meio do qual a sociedade em toda a sua heterogeneidade se possa fazer
representar no parlamento e nas instituições deliberativas.
O primeiro sentido no qual a representação é utilizada é um velho conhecido,
tanto do ponto de vista teórico quanto prático, pois fundamenta o modelo da
representação eleitoral denominado principal-agent. Trata-se das relações diretas
estabelecidas entre um ou mais “principais” e os seus agentes. Pitkin ([1967]1985)
demonstra uma divisão entre autores defensores desse modelo em dois grandes grupos.
O primeiro foi denominado de modelo da representação delegada e está baseado no
principio do mandato imperativo, ou seja, refere-se àqueles autores que defendem a
ideia de que os representantes devem agir em conformidade com ordens a eles expressas
pelos representados. O segundo chamado de trustee model está baseado no princípio do
mandato independente e engloba os defensores da liberdade de julgamento dos
representantes no desempenho de suas funções no parlamento (PARKINSON, 2006,
p.31).
Transposto para modelo teórico deliberativo essa tensão expressa pelo modelo
binário trustee/delegate da representação coloca um problema adicional. Em princípio, a
boa deliberação é aquela em que todos os presentes estão abertos à força do melhor
argumento. Neste sentido, a única opção viável seria aquela na qual existe a
independência de julgamento do representante (trustee model), pois só assim ele pode
estar aberto a ser persuadido pelos argumentos dos demais membros da arena
deliberativa. Por outro lado, no entanto, a legitimidade do processo também demanda
movimentos de accountability entre representantes e representados, isto nos levaria a
privilegiar o mandato por delegação (delegate model) e dar ênfase as possibilidade de
ocorrência do accountability (PARKINSON, 2006, p. 32).
Parkinson nos mostra parte da solução desse problema a partir do argumento da
própria teoria liberal da democracia. Segundo ele, mesmo nesse modelo clássico, todos
os representantes desempenham um papel misto, pois são ao mesmo tempo
transmissores de informação e de instruções nas duas direções possíveis, ou seja, levam
as demandas de seus representados ao governo e transmitem de volta as opiniões dos
demais delegados aos seus representados para considerações posteriores. Constituem,
assim, o que Young denominou de “representation as relationship”(YOUNG apud
PARKINSON, 2006, p.32). Vamos tratar com um pouco mais de detalhes os
argumentos desenvolvidos por Young (2002). Antes disso, no entanto, vejamos como o
autor sintetiza os seus argumentos acerca do modo como a representação pode resolver
o problema da escala em uma instituição colegiada deliberativa.
Em primeiro lugar, Parkinson afirma que a “boa representação varia de acordo
com o contexto” (2006, p.35). Partindo do princípio que a representação envolve a
14
combinação de um conjunto de elementos, o autor deixa clara a impossibilidade de se
criar um único critério de legitimidade aplicável e todo e qualquer contexto, pois o que é
legítimo em um pode não ser em outro. Os elementos variáveis dentro de um
determinado corpo representativo podem ser: “os membros que os indivíduos
consideram relevantes, os papeis dos representantes vis-à-vis seus representados, o
processo de seleção, e a questão da proporcionalidade, todos dependem do tópico em
questão e dos objetivos do corpo representativo” (PARKINSON, 2006, p.32).
Em segundo lugar, Parkinson recupera o argumento de Fishkin segundo o qual a
representação deliberativa só pode ter um poder de decisão definitivo se ela for
originária de eleições, caso contrário, ela deve ter apenas um ‘poder de
recomendação’(FISKIN apud PARKINSON, 2006, p.35). O que está em questão nesse
ponto é o critério de seleção mais adequado a ser adotado em relação aos propósitos
finais da instituição deliberativa. Fica claro nesse ponto quais são os dois desenhos
deliberativos que o autor tem em mente: as pesquisas deliberativa e os júris cidadãos.
Embora a metodologia seja diferente, ambos tem o propósito de incrementar a
informação dos seus membros. Nesse sentido,
"[t]here is a role for the selection of participants when the purpose is to
information-gathering, but only as an input into a wider deliberative
democratic process in which the representatives are directly accountable to
people affected, not as a substitute for such accountable deliberation. Equaly,
deliberative bodies should only be proportional when its purpose is
information-gathering, not when it is decision-making. This is to protect
minorities from being dominated by majorities"(PARKINSON, 2006, p.35).
Por fim, em terceiro lugar, a legitimidade requer que os representantes
desempenhem um duplo papel. “Eles devem ser livres para serem persuadidos pelo
melhor argumento, então agindo como trustees; mas eles também devem comunicar-se
com seus principais enquanto delegados, encontrando as condições de accountability
assim como a de autorização” (PARKINSON, 2006, p.35, tradução nossa). Nesse
sentido, o representante legítimo desempenha a difícil tarefa de balancear suas ações
sem deixar que se concentrem em uma das extremidades desse clássico modelo binário
(trustee/delegates) descrito por Pitkin ([1967]1985).
As questões colocadas por Parkinson foram fundamentais para o desenho da
presente pesquisa. É interessante o modo como o autor apresenta dois problemas
teóricos e busca soluções a eles tanto teóricas quanto empíricas. Uma questão
importante merece destaque e aparece com freqüência no argumento do autor, qual seja,
ele concede a palavra aos seus entrevistados no decorrer do texto e mostra, por exemplo,
a inexistência de contradições ou conflitos com a categoria da representação na opinião
da maioria deles. Apenas quatro dos entrevistados comentaram diretamente sobre os
conflitos entre diferentes tipos de representação, sendo que dois deles eram acadêmicos.
Os demais vinte e seis entrevistados apresentaram a representação como uma categoria
não problemática (PARKINSON, 2006, p.68). Esses últimos mobilizaram a acepção
tradicional do conceito quando entrevistados, ou seja, a de uma pessoa agindo em prol
do interesse de outras. Essa questão é importante, pois no âmbito teórico, o conceito de
representação sempre foi marcado por inúmeras controvérsias e, recentemente, têm sido
realizadas inúmeras revisões na concepção liberal do conceito.
Parkinson (2006) desenvolve uma importante discussão acerca da legitimidade,
começando por uma distinção entre os seus dois significados principais. O primeiro, do
maior nível de abstração, é de âmbito moral e pode ser expresso nos seguintes termos: é
a moralização da autoridade, ou seja, refere-se às bases morais que sustentam a
obediência ao poder, em oposição aos fundamentos do auto-interesse ou da coerção
(CROOK; POGGI apud PARKINSON, 2006, p.21). O segundo sentido é instrumental,
15
na medida em que a legitimidade torna o processo político mais eficiente ao reduzir os
custos advindos da necessidade de se forçar a obediência por parte dos governados
(PARKINSON, 2006, p.22).
O autor destaca como essa dupla visão da legitimidade, no entanto, difere da
posição da maioria dos cientistas políticos, pois eles seguem a definição weberiana do
conceito e buscam identificar os fundamentos psíquicos e sociológicos da obediência.
Assim, é possível a esses autores identificar nas ações dos cidadãos, como o voto, a
crença amplamente generalizada na população acerca da legitimidade do regime. Para
exemplificar essa posição, Parkinson (2006, p. 22) recorre à clássica e amplamente
citada definição de legitimidade formulada por Lipset 4. Ele vai mostrar que se trata de
uma visão problemática, pois toma a legitimidade como o equivalente da estabilidade e
efetividade do poder e ao fazê-lo, reduz o conceito a uma mera submissão rotineira à
autoridade (GRAFSTEIN apud PARKINSON, 2006, p.22)
Em substituição à visão meramente descritiva da legitimidade, Parkinson (2006)
propõem uma concepção substantiva, cujos fundamentos são de dois tipos: 1) o grau em
que os resultados da política coincidem com os objetivos das pessoas afetadas; 2) o grau
de sucesso dessas pessoas em atingir fins normativamente justificáveis ou desejáveis.
Em síntese, a legitimidade refere-se aos fins da vida política, não apenas aos seus
procedimentos (PARKINSON, 2006, p.23).
Após o diálogo crítico com a literatura pertinente, Parkinson conclui a discussão
sobre a legitimidade afirmando que a sua natureza é composta por três elementos
específicos: 1) legalidade – inclui as normas relativas às fontes de autoridade, aos ideais
substantivos e às metas de uma sociedade; 2) legitimidade propriamente– está
relacionada às formas de acessar as demandas legítimas de representação dos incluídos
em benefícios dos excluídos de um colegiado, ou seja, quais seriam os possíveis
mecanismos de accountability existentes; 3) legitimação – instituições deliberativas
podem ajudar os participantes a internalizar o requisito/norma da reciprocidade
(PARKINSON, 2006, p.25).
Young (2000) endossa o conceito de legitimidade dos teóricos deliberativos ao
afirmar o seguinte: “[a] legitimidade normativa de uma decisão democrática depende do
grau de inclusão viabilizado àqueles diretamente afetados por ela e se tiveram a
oportunidade de influenciar os resultados” (YOUNG, 2000, p.123-28). A autora
argumenta, ainda, que o modelo da democracia deliberativa concede um forte
significado à inclusão e à igualdade políticas. Por essa razão, quando é implementado
ele aumenta a probabilidade de que o processo de produção das decisões democráticas
promova a justiça (YOUNG, 2000, p.126-35).
Importante destacar a ênfase dada ao conceito de inclusão política como critério
fundamental da legitimidade política dos resultados. Com base nesse critério da
inclusão, Young sustenta o argumento de que mesmo com a discordância de uma parte
dos autores afetados pelo resultado, os mesmos devem aceitar a legitimidade da decisão
se ela tiver sido construída por meio de um processo inclusivo de discussão pública
(YOUNG, 2002, p.681-86).
A abordagem de Young acerca da sociedade civil é extremamente rica e
instigante, pois uma de suas características mais marcantes é a capacidade de expor e
criticar as exclusões. Ao fazê-lo, ela pode efetivamente alterar a legitimidade das regras
institucionais e das decisões políticas (YOUNG, 2000, p.712-17). Essa ideia é
importante para pensarmos a representação da sociedade civil nos conselhos. No
CEDCA, em particular, mesmo com um processo eleitoral restrito aos membros das
4
Capacidade do sistema político de criar e manter a crença de que as instituições políticas existentes são
as mais apropriadas para a sociedade (Lipset, 1967, p.78)
16
organizações da sociedade civil (OSC) com representatividade em pelo menos três
municípios do Estado, a presença das OSC pode alterar a legitimidade das decisões se
as exclusões são discutidas naquela arena. No próximo tópico, vamos retomar esse
ponto apresentando as falas de alguns conselheiros acerca do modelo de representação
considerado mais justo por cada um deles.
Importante destacar a ênfase da autora nos mecanismos necessários de serem
criados no âmbito do Estado, para enfrentar as exclusões de grupos subalternizados. De
forma complementar a essa ideia, ela realiza também uma crítica àqueles autores
defensores do conceito de sociedade civil como o lócus privilegiado da promoção da
mudança social e da justiça, pois todos os interessados em reduzir as injustiças não
podem se furtar da tarefa de promover alterações na estrutura institucional do Estado
(YOUNG, 2000, p.155-60). Essa discussão perpassa não só os mecanismos
tradicionalmente consolidados de representação, como também as instituições
participativas, pois de alguma maneira elas também lidam com o princípio da
representação e, mais importante ainda, são abertas à participação dos interessados nas
discussões, e as pesquisas indicam que os grupos mais desprovidos de recursos
materiais, de informação e poder, permanecem excluídos dos processos decisórios
mesmo nas instituições participativas. Isto tem implicações para a legitimidade da
própria instituição, caso não existam representantes que vocalizam e/ou agem em prol
dos interesses desses grupos nos processos decisórios desenvolvidos pela instituição.
Esse tópico do texto se organizou a partir da discussão acerca dos elementos
componentes e dimensões relativas à legitimidade das instituições participativas. Para
tanto, partimos do problema estrutural dessa teoria, tal como formulado por Parkinson
(2006). Segundo o autor, o postulado principal da teoria deliberativa condiciona a
legitimidade das decisões à participação de todos aqueles diretamente afetados por ela.
No entanto, o número ideal de participantes para o desenvolvimento de um processo
deliberativo de qualidade impõe limites a esse postulado, pois requer a constituição de
pequenos grupos para se alcançar as condições ideais para se deliberar.
Outras dimensões importantes de análise da legitimidade nos conselhos foi
tratada por Young (2000). A autora demonstra a necessidade de se pensar nas formas
internas e externas da exclusão política. Dadas as condições estruturais da sociedade
brasileira, na qual um enorme contingente da população vive em condições de pobreza
extrema, mesmo as instituições participativas, em princípio abertas à participação de
todos os cidadãos, não conseguem incluir esse público. Mesmo se considerados àqueles
incluídos nessas instituições, eles possuem um perfil socioeconômico não homogêneo.
Razão pela qual é importante observar a dinâmica interna de funcionamento das
instituições participativas, para se averiguar até que ponto os seus membros possuem
condições de deliberar em condições de igualdade. Young (2000) apresenta outra
consideração importante para a pesquisa em tela, qual seja, a centralidade conferida à
sociedade civil na tematização da exclusão no interior dos fóruns deliberativos. Segundo
a autora, a presença da sociedade civil nesses espaços e sua atitude de abordar o tema da
exclusão podem representar uma forma de se alterar a legitimidade da própria
instituição participativa, pois passa a se ocupar desse problema.
O tópico seguinte visa analisar o desenho institucional de uma instituição
participativa, o CEDCA-MG, a partir dos problemas principais da teoria democrática
deliberativa abordada nesse tópico, quais sejam: a inclusão política, igualdade,
publicidade, uso público da razão e, principalmente, os fundamentos da legitimidade
dos conselheiros da sociedade civil. Além do desenho institucional do conselho serão
apresentados os resultados de uma pesquisa de campo realizada na instituição, por meio
da qual foi possível observar parte da dinâmica de funcionamento do conselho,
17
incluindo o posicionamento de seus membros sobre algumas das questões abordadas
nesse tópico.
O desenho institucional e a dinâmica política do CEDCA: participação,
representação e legitimidade.
O CEDCA - MG foi criado pela Lei Estadual nº 10.501 de 17/10/1991, que o
vinculou à estrutura orgânica da Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social
(SETAS). Em 7 de janeiro de 1994 foi criado o Fundo para a Infância e Adolescência
(FIA), que está submetido às deliberações do conselho estadual. Em 2003 foi alterada a
estrutura orgânica da Administração Pública e o CEDCA-MG passou a ser vinculado à
Secretaria de Desenvolvimento Social e Esportes (SEDESE). Atualmente, está
diretamente ligado à Coordenadoria Especial da Política Pró-Criança e Adolescente
(CEPCAD), órgão componente da estrutura da SEDESE.
São vinte os conselheiros titulares no CEDCA, sendo 10 da sociedade civil e 10
do governo. Há também 20 suplentes, distribuídos segundo a mesma divisão anterior.
Os representantes do Estado são nomeados pelo governador, dentre uma lista de
secretarias previamente elencadas no regimento interno do conselho 5. A seleção dos
conselheiros da sociedade civil é realizada a cada três anos por meio de um edital
público, que seleciona as entidades que podem participar enquanto candidatas e também
como eleitoras. Existe paridade entre os dois segmentos representados no conselho, isto
é, os conselheiros iniciam o processo deliberativo em condições de igualdade.
O CEDCA-MG é composto por quatro instancias: o Plenário, a Diretoria
Executiva, a Secretaria Executiva e as Comissões. O Plenário é a reunião dos membros
do conselho e se forma uma vez por mês. É a instância deliberativa máxima do
conselho. A diretoria executiva é eleita pelos conselheiros e é composta pelo presidente,
o vice-presidente e o secretário geral do conselho, que são responsáveis pela condução
dos trabalhos nas reuniões plenárias. Está sob a responsabilidade do presidente a
elaboração da pauta. O governo e a sociedade civil se alternam nos cargos de presidente
e vice. A Secretaria executiva desenvolve um conjunto de atividades administrativas
que subsidiam o trabalho dos conselheiros. As comissões temáticas têm a função de
discutir questões específicas e fazer proposições sobre o tema discutido. Até o ano de
2011 existiam quatro comissões no CEDCA: Orçamento e Finanças; Políticas Públicas;
Medidas Socieducativas; Apoio aos Conselhos Tutelares e de Direitos e aos Fundos da
Infância e Adolescência (FARIA, 2010). A partir daquele ano, sob a gestão de um
presidente da sociedade civil, foi criada também a Comissão de Legislação e Normas
(CEDCA, 2011).
Os conselheiros da sociedade civil são escolhidos por meio de eleição entre
pares, para um mandado de três anos. O processo eleitoral é regulamentado por edital
público que estabelece os critérios para a inscrição das entidades. Podem candidatar as
Organizações da Sociedade Civil (OSC) que tiverem mais de dois anos de existência,
que desenvolvam atividades de promoção, atendimento direto, defesa, garantia, estudos
e pesquisas dos direitos das crianças e adolescentes. Outro pré-requisito é o de que OSC
devem ter atuação regional ou estadual. “Entende-se como atuação regional ou estadual
a atuação da entidade em (03) três ou mais municípios do Estado, comprovada pelos
5
São elas: “a) a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes - SEDESE; b) a SubSecretaria de Direitos Humanos da SEDESE; c) a Secretaria de Estado da Educação; d) a Secretaria de
Estado da Saúde; e) a Secretaria de Estado de Defesa Social; f) a Secretaria de Estado do Planejamento
e Gestão; g) a Secretaria de Estado da Fazenda; h) a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais; i) a
Polícia Militar de Minas Gerais; j) a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais”(CEDCA, 2011)
18
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou em sua falta, pelos
promotores de Justiça(...)(CEDCA, 2009,p.2)” As entidades inscritas podem participar
do processo eleitoral como candidatas ou como eleitoras. As 10 entidades mais votadas
ocupam as vagas de conselheiros titulares. As vagas dos conselheiros suplentes são
ocupadas pelas entidades classificadas entre o décimo primeiro e o vigésimo lugar no
resultado do processo eleitoral.
Tanto a análise das atas quanto a observação in loco das reuniões plenárias
permitem afirmar que alguns membros da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Minas Gerais atuam como atores externos ao conselho e alguns fazem
uso freqüente da palavra. Embora não tenham direito ao voto, interferem
significativamente na dinâmica das reuniões, incluindo, por vezes, assuntos que não
estavam na pauta. Nesse sentido, é possível afirmar que tanto membros internos quanto
externos ao conselho, podem fazer uso público da razão durante o processo deliberativo
do conselho. Em princípio, a dinâmica das reuniões viabiliza a inclusão de atores
interessados em participar das mesmas. Dois fatos ilustram o poder de agenda dos
atores desse fórum no CEDCA.
O primeiro deles está relacionado à Escola de Conselhos, que foi criada por meio
de um convênio celebrado entre o Governo do Estado e a Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) para realizar cursos de capacitação para os conselheiros tutelares
e de direitos em todo o Estado. A Frente criticou o modo como os cursos estavam sendo
realizados e levou o assunto a diversas reuniões plenárias. O resultado foi a inclusão de
um ponto de pauta específico para discutir a questão em uma plenária extraordinária
realizada em 04/10/2010 quando a Subsecretária de Direitos Humanos do Estado de
Minas esteve presente para prestar esclarecimentos sobre o convênio e apresentar os
encaminhamentos futuros.
O segundo fato está relacionado às medidas socioeducativas. A Frente de Defesa
reuniu-se com diversos gestores do Estado durante dois anos. No mesmo período,
realizou visitas a diversas unidades de atendimento e internação dos adolescentes que
estão cumprindo medidas socioeducativas. Na reunião plenária realizada no dia
15/06/2010, a Frente apresentou os dados desse conjunto de reuniões e visitas aos
demais conselheiros (CEDCA, 2010, p.2). Os dados relativos ao orçamento público
foram todos retirados do SIAF (Sistema Integrado de Administração Financeira),
sistema oficial utilizado pelo governo de Minas. Foram detalhados os valores aprovados
para o ano e percentual executado até o mês de realização da reunião. O Subsecretário
de Medidas Sócio-educativas, que é também conselheiro e estava presente na reunião,
admitiu desconhecer os valores acerca de uma das rubricas apresentadas e disse que
verificaria a possibilidade de otimizar o uso do recurso. Esse ponto mostra a capacidade
da Frente de ter acesso a uma informação orçamentária mais detalhada que o próprio
gestor do órgão.
Pelas razões apresentadas acima podemos inferir que a agenda do CEDCA-MG é
pautada por atores mais amplos que somente os Conselheiros, ou seja, não basta focar
nas atribuições previstas no regimento interno, pois um ator externo, como a FDDCA
teve também a capacidade pautar a ação do Conselho. Nesse sentido, a perspectiva
argumentativa da dinâmica do conflito social que tem influenciado uma “nova
orientação” nos estudos sobre a definição da agenda teve um potencial analítico
vigoroso para o entendimento do objeto desta pesquisa. Ela “desloca o foco de
investigação da ‘condição objetiva’ dos assuntos públicos estudados para a dinâmica
sociopolítica que envolve a mobilização da atenção e a compreensão pública desses
assuntos” (FUKS, 2000, p.79). A Frente de Defesa, sendo um Fórum que congrega
outros fóruns regionais do Estado, se apresenta como ator diferenciado na dinâmica do
19
conselho, na medida em que permite elucidar quais seriam os temas principais que
estariam na ordem do dia dos movimentos sociais e das OSC que participam da
dinâmica sociopolítica relacionada às políticas públicas para as crianças e adolescentes.
Em certo sentido, é possível afirmar que existe participação de outros atores na
dinâmica do conselho. Durante a observação das reuniões da comissão de orçamento e
finanças, os conselheiros discutiram uma questão importante relacionada com a
participação de atores externos no conselho. Eles decidiram que os membros de
organizações que apresentassem projetos solicitando recursos ao CEDCA não poderiam
participar nas reuniões das comissões, quando os conselheiros estivessem discutindo a
aprovação ou reprovação do projeto. Os conselheiros foram unânimes ao afirmar que a
presença de um membro da entidade iria limitar a liberdade de julgamento dos mesmos.
Os representantes das entidades poderiam participar das reuniões plenárias, quando se lê
o relatório produzido pelas comissões e se abre a discussão para o julgamento dos
demais conselheiros.
Durante a observação das reuniões plenárias, também foi possível identificar a
preocupação de alguns conselheiros com o desenho da representação política praticada
no Conselho. Dentre as 20 organizações da sociedade civil com assento no CEDCA, no
ano de 2010, 12 delas estão localizadas na capital do Estado, portanto, 08 são do
interior. Os conselheiros do interior, em geral, agem como porta-vozes de suas regiões
de origem, sendo uma delas a que concentra os maiores índices de pobreza do estado.
As falas desses conselheiros problematizam, em geral, a falta de ações da política
estadual em prol das crianças e adolescentes de suas regiões. Descrevem as dificuldades
enfrentadas no trabalho desenvolvido com escassez de recursos humanos e materiais. Os
demais conselheiros foram sensíveis ao problema e realizaram a primeira reunião
regionalizada do conselho numa dessas regiões 6.
Se retomarmos os três sentidos e usos do conceito de representação, tal como
descrito por Parkinson (2006) acima, observamos nas falas dos dois conselheiros
mencionados o segundo dos sentidos da categoria da representação, qual seja, “[p]ara
indicar aquela pessoa que possui algumas características de uma classe de pessoas”.
Enquanto membros de uma determinada região, os conselheiros buscam chamar a
atenção dos demais componentes do conselho para as necessidades e dificuldades
enfrentadas pelas organizações da sociedade civil que ofertam serviços às crianças e
adolescentes em suas localidades. Eles falam enquanto membros de OSC que ofertam
serviços a um público pouco assistido pelas políticas estaduais. Em certo sentido, ao
problematizar a representação desigual da dimensão territorial do Estado, os
conselheiros estão chamando a atenção para a representatividade do conselho, isto é,
em função de seu caráter estadual a instituição está realmente sendo representativa de
todo o Estado?
Outro conselheiro, proveniente de uma instituição com sede na capital do
Estado, apresentou uma proposta de alteração da representação no conselho, cujo
6
O CEDCA realizou a plenária regionalizada na cidade de Paracatu no dia 18 de novembro de 2010.
Acompanhamos a viagem da equipe do conselho até lá. No primeiro dia foram realizadas reuniões com os
conselhos municipais das cidades do entorno para uma apresentação geral da estrutura do CEDCA e o
esclarecimento de dúvidas. No segundo dia, foi realizada a plenária. A participação dos municípios foi
bem reduzida, sobretudo no primeiro dia. No caminho para o almoço um conselheiro da sociedade civil
disse dentro do carro: “essa viajem foi muito mal organizada, se eu soubesse que seria assim nem teria
vindo”. Outro conselheiro da sociedade civil completou: “eu também só vim por respeito ao presidente, se
não tinha ficado em minha casa”. Isso mostra a relevância e os obstáculos colocados à participação em
função do problema da escala. O conselheiro do CEDCA que mora na região enfatizou a extensão da
dimensão territorial dos municípios como uma das dificuldades de participação dos conselheiros dos
municípios vizinhos.
20
princípio é bem próximo ao modelo da representação descritiva proposto por Pitkin
([1967]1985). A SEDESE – Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de Minas,
órgão ao qual o CEDCA está vinculado, formula as políticas com base numa divisão do
Estado em 19 macroregiões. O conselheiro sugeriu um modelo de representação no qual
todas as 19 diretorias regionais da SEDESE enviassem um membro para participar das
reuniões do conselho como suplentes dos conselheiros governamentais, pois poderiam
atuar como representante daquela região. Ele justifica a sua proposta com base na
necessidade de que todas as crianças e adolescentes do Estado, independente da
localidade em que moram, pudessem ser representadas no conselho. Essa proposta
surgiu após relatar a sua participação na conferência dos direitos da criança e do
adolescente de um município da região, que contou com a participação de mais de 500
pessoas. Segundo ele, o sucesso de evento deveu-se ao trabalho de articulação
desenvolvido pelo conselheiro do CEDCA que atua como representante da região.
É importante resgatar também o argumento de Young (2000) sobre o importante
papel desempenhado pelas ações da sociedade civil em problematizar as injustiças, em
particular, àquelas derivadas das diferentes formas de exclusão. Segundo a autora, a
simples presença das OSC nas instituições do Estado, entendida como a capacidade de
vocalização em prol dos grupos excluídos, teria como efeito uma alteração na
legitimidade das regras e das decisões produzidas. Os conselheiros mencionados acima
são provenientes de OSC e suas falas destacadas expressam exatamente essa
preocupação com regiões do Estado excluídas do rol de prioridades das políticas
públicas, com efeitos diretos sobre as crianças e adolescentes desses locais.
Essas questões nos permitem retomar os problemas de pesquisa apresentados no
tópico anterior. Aos dois problemas teóricos da teoria democrática deliberativa,
Parkinson (2006) oferece uma saída também teórica, pela via da representação e da
legitimidade. Em outros termos, dado o postulado da teoria democrática deliberativa
segundo o qual são legítimas apenas as decisões que contaram com participação de
todos os afetados por ela e, ao mesmo tempo, a inviabilidade de que isso se realize
porque a deliberação ideal só pode ocorre em pequenos grupos, a representação é vista
por Parkinson como uma saída viável ao problema da legitimidade. Os representantes
cumpririam o papel de falar/agir em nome dos ausentes, para que os últimos também
possam acatar as decisões como legítimas. Perguntamo-nos, então, como esses dilemas
têm se apresentado na dinâmica política de uma instituição participativa pesquisada, o
CEDCA. Neste, por lidar com um público legalmente impedido de participar das
decisões, em função da idade 7, e por ser uma instituição de âmbito estadual, que visa
desempenhar ações para diversas regiões do Estado, a representação se coloca como
uma necessidade.
Os fatos selecionados como exemplos desse tópico, retirados da observação das
reuniões do CEDCA, demonstram a possibilidade da combinação de práticas de
participação e de representação no interior da instituição. A combinação de ambas
amplia a possibilidade de que diferentes atores envolvidos com o desenvolvimento de
ações destinadas ao público beneficiário da política possam interferir nas decisões do
conselho. Nesse sentido, a despeito a ausência das crianças e adolescentes no processo
deliberativo, atores ligados a oferta de serviços a esse público, alguns com o
envolvimento histórico na luta pela defesa dos direitos nesse setor de política pública,
agem como representantes daqueles ausentes e podem conferir legitimidade às decisões
produzidas. O fundamento da legitimidade da ação desses atores deriva, principalmente,
7
Os adolescentes, com idade em 16 e 18, pela legislação brasileira têm o direito facultativo de votar, mas
não de serem votados. Os conselheiros exercem uma função pública passível de ser desempenhada por
aqueles cidadãos que atingiram a maioridade.
21
do seu envolvimento com as ações e serviços ofertados diretamente ao público
beneficiário da política. Nessa condição, eles têm condições de julgar as deficiências e
potencialidades da política pública e propor ações de aperfeiçoamento e melhoria das
políticas deliberadas pelo conselho.
A representação possui uma dupla natureza, segundo Urbinati (2011, p. 756-64),
pois, de um lado, traz a ideia de alguém sendo autorizado a falar ou agir para alguém e,
de outro lado, a ideia de formar uma vontade unitária que não existia antes. Nesse
sentido, os conselheiros da sociedade civil do CEDCA receberam uma autorização,
ainda que a escolha tenha sido realizada perante um demos restrito, para falar/agir em
nome da sociedade na defesa dos interesses das crianças e adolescentes. Ao mesmo
tempo, a representação possibilita ao conselho, enquanto instituição, se tornar o pólo
centralizador da ação de diversos atores que trabalham em prol dos interesses das
crianças e adolescentes do Estado. Aos conselheiros, em particular, agir como
representante possibilita a alguns se apresentarem como porta-vozes dos interesses de
crianças e adolescentes de determinada região do Estado. Isto fica claro na ação de
alguns membros do conselho e sua preocupação com o modo como a representação
pode ser aperfeiçoada no interior da instituição.
Considerações finais
Buscamos demonstrar nesse artigo o modo como as categorias da participação,
representação e legitimidade são importantes e contribuem para a análise das
instituições participativas. Estas foram criadas, no Brasil, a partir das legislações
ordinárias responsáveis pela regulamentação de artigos específicos da Constituição de
1988, relativos às políticas públicas setoriais. O primeiro tópico do texto realizou uma
abordagem da categoria da participação, enquanto prática de determinados atores
sociais e também em sua dimensão institucional, para mostrar a influência exercida por
esses atores no processo que antecedeu a criação das instituições participativas e,
posteriormente, no interior da dinâmica de funcionamento de uma instituição
participativa pesquisada no período de um ano(Nov/2009 a Nov/2010) 8.
O estudo de caso e a observação participante foram os procedimentos
metodológicos adotados na presente pesquisa para buscar trilhar a reconstrução dos
caminhos pelos quais a representação no conselho foi iniciada, formulada e
estabelecida. Assim, buscou se focalizar os vínculos orgânicos dos conselheiros, suas
interações em redes sociais, seus vínculos institucionais e político-ideológicos, os
interesses que expressam e sua inserção sócio-cultural. Tais elementos nos permitiriam
enumerar as relações estabelecidas entre os conselheiros e os possíveis beneficiários da
política pública deliberada no CEDCA. Também, quanto à dinâmica decisória interna
ao próprio CEDCA, o foco esteve no processo de tomada de decisões com vistas à
apreensão do desempenho dos “representantes da sociedade civil” 9. A análise da ação
do conselheiro nas reuniões combinada com o levantamento das relações por ele
estabelecidas com pessoas, grupos ou organizações possivelmente afetados pelas
8
Esse período foi selecionado por ter sido realizada a eleição dos conselheiros da sociedade civil em
novembro de 2009, para o mandato do triênio 2010-2012. O objetivo foi observar tanto o processo de
autorização dos representantes quanto o primeiro ano de desempenho da ação enquanto conselheiro. A
pesquisa foi realizada também nos dois anos subseqüentes, pois será utilizada na minha tese de doutorado.
9
Na primeira reunião da comissão de orçamento e finanças em que estive presente expliquei aos
membros que estava fazendo uma pesquisa sobre a representação em conselhos gestores. Um dos
integrantes da comissão chegou atrasado à reunião e sua colega também proveniente da sociedade civil
assim me apresentou a ele: “ele faz doutorado em sociologia e está pesquisando a representação da
sociedade civil no conselho então, agora estamos sendo monitorados (sic)”.
22
políticas nos permitiria verificar se existe um público que potencialmente denominaria o
conselheiro como o seu representante legítimo. Foi possível perceber que os próprios
conselheiros, durante o processo deliberativo de aprovação de projetos, buscam
informações sobre o trabalho desempenhado pelas instituições proponentes. Isto mostra
que um dos critérios utilizados para a concessão de recursos às entidades que
encaminham projetos ao CEDCA é o reconhecimento do trabalho da instituição perante
os demais atores da área. Por essa razão afirmamos, no tópico anterior, que o principal
fundamento da legitimidade dos diversos atores da sociedade civil, com ou sem assento
no CEDCA, está localizado no reconhecimento do trabalho desenvolvido em prol das
crianças e adolescentes.
A segunda parte do artigo aborda as categorias da representação e da
legitimidade, na visão de dois autores da teoria democrática deliberativa. Parkinson
(2006) apresenta um problema estrutural da teoria democrática deliberativa que pode ser
expresso em duas perguntas: como os indivíduos ausentes do processo deliberativo
podem conferir legitimidade às decisões produzidas por um fórum que tem impacto
direto sobre suas vidas?; como lidar com a possibilidade de que muitos afetados pelas
decisões de um fórum não queiram nunca participar do processo deliberativo desse
fórum?. Ambas as perguntas se originam do postulado principal da teoria democrática
deliberativa segundo o qual as decisões são legítimas apenas de tiverem sido produzidas
com a participação de todos os indivíduos diretamente afetados por elas. Parkinson
(2006) recorre à representação política como saída viável para esse impasse da teoria
democrática deliberativa.
Young (2000) aborda os problemas derivados da exclusão de determinados
segmentos da população dos processos decisórios no interior de instituições
democráticas. A autora trabalha prioritariamente com as formas de se problematizar e
buscar soluções frente à exclusão de determinados grupos e indivíduos dos processos
decisórios das instituições democráticas. A autora demonstra como a ação da sociedade
civil no interior dos fóruns deliberativos cumpre um papel de alterar a legitimidade das
regras e das decisões quando ela problematiza a exclusão dos grupos subalternos dos
processos decisórios do fórum.
Com base nas contribuições teóricas de Parkinson (2006) e Young (2000)
selecionamos alguns fatos provenientes da observação participante das reuniões das
comissões e da plenária do CEDCA, objeto do terceiro tópico do artigo. Os pontos
selecionados e descritos no tópico anterior demonstram a possibilidade de combinação
entre práticas participativas e representativas no interior do conselho. Embora as regras
dispostas no regimento interno do conselho estabeleçam como critério de participação
de atores externos a inscrição prévia por escrito e a aprovação do plenário, na prática
esse procedimento não é seguido. Durante as observações realizadas os atores externos
puderam fazer uso público da razão, com um simples gesto de levantar a mão durante a
reunião. Diante desse gesto o presidente do conselho conferiu a palavra a esses atores.
Assim, existe um procedimento informal capaz de viabilizar a inclusão política dos
atores interessados em participar das reuniões do conselho. Nesse sentido, as reuniões
operam também sobre o princípio da publicidade, pois as reuniões plenárias são abertas
à participação dos interessados. Há um site do conselho para disponibilizar as atas das
reuniões realizadas entre os anos de 2008 e 2012 e também todas as resoluções
publicadas pelo CEDCA até hoje.
Alguns conselheiros oriundos da sociedade civil expressaram suas avaliações
acerca da forma como a representação política acorre no CEDCA. Apesar de não ser
uma preocupação de todo o conselho, um dos conselheiros proponentes de uma reforma
da representação na instituição ocupava a presidência do conselho quando expressou
23
sua opinião. Assim, não é possível saber até que ponto estava vocalizando uma opinião
pessoal ou se refletia também a sua interação com os demais membros da mesa diretora.
De toda forma, a fala proferida referia-se tanto ao formato da representação quanto à
legitimidade do próprio conselho, pois visava conferir maior representatividade a todas
as regiões do Estado por meio da presença dos funcionários públicos das 19 regiões
administrativas da SEDESE.
Para finalizar, é importante destacar três elementos. O primeiro é de ordem
metodológica e diz respeitos às contribuições da observação participante para a
apreensão da dinâmica política da instituição. Principalmente a observação das
comissões dos conselhos, ainda pouco conhecidas pela literatura. Por falta de tempo e
espaço não descrevemos aqui o tramite de alguns projetos das comissões até reunião
plenária, mas cabe destacar que a construção de algumas decisões é realizada também
nos momentos de intervalo, como o lanche e o almoço. Essa dimensão do processo
escapa a uma analise puramente documental dos conselhos. O segundo é derivado do
primeiro e se refere à possibilidade de haver participação no conselho, quando boa parte
da literatura tem caminhado exatamente no sentido de enfatizar as funções
representativas desenvolvidas por organizações civis no interior dos conselhos. O
terceiro relaciona-se aos fundamentos da legitimidade da ação dos representantes da
sociedade civil, que combina a autorização entre pares conferida no processo de escolha
das instituições, com uma espécie de legitimidade derivada do exercício de ações e
atividades destinadas às crianças e adolescentes, que está relacionada ao
reconhecimento do trabalho desenvolvido pelas instituições da área.
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