Participation, representation and legitimacy Eduardo Moreira da Silva Universidade Federal de Minas Gerais Prepared for delivery at the 2012 Congress of the Latin American Studies Association San Francisco, California. May 23-26, 2012 1 Abstract The aim of this paper is to present the relationship between participation and representation in a specific Brazilian policy’s council of Minas Gerais’s state called CEDCA-MG (Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Minas Gerais). After the 1988 constitution, a big number of councils have been created in the three levels of federation – municipalities, states and federal government. There are a lot of studies about municipals councils, however few about state level. Therefore we have studied for a year, via participant observation, the dynamic of two commissions of the council, and, specially, the action inside of the institution of an important children and teenager’s social movement rights named FDDCA-MG (Frente Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes). The beneficiary public of the policy cannot participate in the activities of the councils due to their age, thus there are many adults from civil society and state speaking and acting on children`s behalf. This paper shows what sort of participatory action is possible under these circumstances inside of the institution. We also discuss the nature of representative’s legitimacy. Introdução Há uma série de estudos sobre conselhos municipais no Brasil. Após a Constituição de 1988, as políticas brasileiras passaram ser estruturadas através deste tipo específico de instituição participativa. Os conselhos são estruturados pelo poder executivo, embora não possam ser classificados como instituição unicamente estatal, e estão presentes em quase todos os municípios brasileiros. Este amplo aparato institucional criado pela legislação, ainda está em processo de estruturação e aperfeiçoamento. Desde 1999, o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – tem desenvolvido a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), cujos resultados permitem avaliar a expansão dos conselhos nas cidades brasileiras. Foram identificados, em 1999, 26.900 conselhos, de diferentes áreas temáticas de políticas públicas, em quase todos os municípios. Naquele momento, havia 5.506 cidades no Brasil. Em 2009, este número aumentou para 64.900 conselhos em todo o país, num total de 5.565 municípios (BARRETO, 2011, p.224-5). Os membros dessas instituições são representantes do governo e da sociedade civil e, em geral, existe paridade entre esses dois segmentos. Juntos, receberam a atribuição legal de deliberar sobre a formulação das políticas e as formas de monitoramento das ações e serviços ofertados pelo Estado à população. A legislação federal brasileira criou uma forma específica de financiar os serviços de três importantes áreas de políticas: saúde, assistência social, crianças e adolescentes. As despesas de cada área estão sob controle dos conselhos nos municípios, estados e governo federal. No caso da política de saúde, por exemplo, a lei 8142/1990, criou um mecanismo de “sanção se a participação não for institucionalizada" (AVRITZER, 2009, p.125). Isso significa que o orçamento do governo federal pré-determinado para o financiamento dos serviços só pode chegar à cidade, se há um conselho municipal de saúde instituído e em funcionamento 1. Isso se aplica aos recursos do Sistema Único de Saúde. Por essa razão principal, dentre outras, essas instituições foram criadas em todo o país. Em termos gerais, isso significa que 1 “Para receber recursos financeiros federais, as secretarias de saúde estaduais e municipais deveriam ter: (1) fundo de saúde, (2) conselho de saúde, (3) plano de saúde, (4) relatório de gestão, (5) considerável contrapartida de recursos financeiros oriundos dos orçamentos próprios destinados à função saúde, (6) plano de carreira, cargos e salários”(CÔRTEZ, 2002, p.34, nota 1). 2 todos os 5.565 municípios brasileiros têm algum tipo de conselho em funcionamento atualmente. De um modo geral, a legislação atribuiu à união e aos estados a atribuição de financiamento e coordenação da execução das políticas públicas e os municípios, por sua vez, criam e mantém as unidades de atendimento responsáveis por ofertar os serviços diretamente à população. Apesar da importância do nível estadual de governo, na gestão, coordenação e até mesmo na execução (em alguns casos) das políticas, ainda existem poucos estudos sobre os conselhos dessa esfera (CUNHA, 2007; FARIA, 2010; PEREIRA, CÔRTEZ e BARCELOS, 2009; SILVA, 2010). Nós não sabemos, exatamente, quais são as diferenças na dinâmica do processo político dentro destas instituições no nível estadual. Há uma série de instituições governamentais e associações da sociedade civil atuando como representantes do governo e da sociedade nesses espaços. É importante saber o tipo de público para o qual essas instituições trabalham, quais atividades elas desenvolvem e como o seu representante no conselho está desenvolvendo seu papel como conselheiro. É muito importante lembrar que, há alguns anos atrás, o regime brasileiro era uma ditadura, que controlava quase todos os tipos de participação do povo. Isso significa que, antes do surgimento dos conselhos setoriais, as políticas eram pensadas e criadas a partir da interação entre os governantes e os técnicos administrativos do poder executivo e do legislativo. Com a inclusão da participação da sociedade civil e de diferentes atores do governo dentro dos conselhos, criou-se a necessidade de deliberação no processo decisório, tornando-se um fenômeno mais complexo e plural. Ele muda a concepção de legitimidade do processo decisório, porque incluiu novos atores e cunhou um novo quadro institucional para a formulação e monitoramento das políticas. Ao mesmo tempo, a dinâmica política dessas instituições deixou em aberto a possibilidade de exercício da representação e participação políticas. A primeira acontece porque os conselheiros são geralmente representantes de instituições e organizações do Estado ou da sociedade civil 2. Por esta razão, Lavalle e Araújo (2008, p. 12) afirmam que os conselhos como uma instituição política "tem a particularidade de permitir a representação, não de indivíduos mas de diferentes coletividades(...)”. A possibilidade de participação de pessoas comuns nos conselhos também está aberta, porque as reuniões são públicas e qualquer pessoa interessada pode estar presente e com direito a usar a sua voz, embora não tenha direito ao voto. O objetivo principal deste trabalho é apresentar uma discussão sobre a interrelação entre três categorias - legitimidade, participação e representação - no interior da dinâmica de funcionamento das instituições participativas. O estudo de caso do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais (CEDCAMG), realizado durante um ano (Nov/2009-Nov/2010) por meio da técnica da observação participante, será a principal fonte de dados e de articulação entre a discussão teórica geral e a dinâmica das instituições participativas. Para tanto, o texto estrutura-se em três tópicos. 2 O município de Belo Horizonte criou, recentemente, o Conselho Municipal de Cultura cujas regras permitem a eleição de pessoas físicas como conselheiras, isto é, os indivíduos com comprovada atuação na área da cultura, há pelo menos dois anos, podem se candidatar ao processo eleitoral realizada em cada uma das nove regionais da cidade. Outro critério inovar do processo é a definição dos eleitores: a população do município (BELO HORIZONTE, 2011). O conselho estadual da mesma temática exige como requisito para pleitear uma vaga no conselho o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Isto é, o conselho municipal de cultura permite representação de indivíduos, ao passo que apenas organizações ou instituições podem ter assento no conselho estadual. O segundo caso é o mais comum. 3 O primeiro descreve os precedentes históricos e normativos das políticas destinadas às crianças e adolescentes, bem como a emergência da legislação atual que permitiu a criação das instituições participativas. Assim, procura-se demonstrar como a participação de atores da sociedade civil organizada desempenhou um papel importante na configuração atual da legislação brasileira que regulamenta diferentes setores de políticas públicas. Àquelas destinadas às crianças e aos adolescentes, em particular, experimentaram uma mudança paradigmática introduzida pela adoção da doutrina da proteção integral, responsável por estabelecer a concepção desse público como sujeito de direitos em condição peculiar de desenvolvimento. Dois órgãos colegiados - Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares - são as instituições estabelecidas no Brasil para assegurar a execução de ações específicas nessa área de política. Ambos foram regulamentados pela lei federal 8.069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A primeira instituição foi designada para formular e acompanhar as políticas na área. A segunda tem a função de iniciar a implementação de medidas de proteção e as sócioeducativas, prescritas no ECA. O CEDCA-MG foi escolhido como objeto de pesquisa por três razões principais: 1) ser um conselho do nível estadual, sobre o qual ainda existem poucos trabalhos no Brasil; 2) ser o responsável legal por formular a política estadual destina às crianças e aos adolescentes, um setor de política ainda não muito estudada em seu conjunto; 3) a exclusão do público beneficiário da possibilidade de participar no processo decisório do conselho, o que pode ser visto como um problema de legitimidade tal como delineado adiante. Nesse sentido, a área da criança e do adolescente difere da saúde e da assistência social, que contam com representantes de usuários nos conselhos. O segundo tópico aborda a categoria de legitimidade. O problema de pesquisa que norteou a construção deste artigo pode ser descrito da seguinte forma. Dado que a legislação estabeleceu o conselho como a instituição colegiada e deliberativa das políticas estaduais para as crianças e adolescentes, ele pode ser estudado a partir da perspectiva da democracia deliberativa. Esta, de acordo com Parkinson (2006), apresenta uma contradição estrutural em seu principal pilar de apoio, qual seja: o postulado segundo o qual a legitimidade das decisões deriva da participação (ou a abertura de sua possibilidade) de todos aqueles diretamente afetados por elas. No entanto, isto é inviável, porque uma dinâmica deliberativa requer um processo de interação em pequenos grupos. Parkinson (2006, p.2) delineia, em seguida, dois problemas derivados dessa formulação clássica da teoria deliberativa: 1) problema da escala - como os não-participantes podem conferir legitimidade às decisões tomadas pelo fórum deliberativo?; 2) problema da motivação - muitas pessoas podem optar por nunca participar da dinâmica do fórum, apesar de estar dentro do público diretamente afetado por suas decisões. Nosso objeto de estudo, o CEDCA, acrescenta um terceiro problema, porque o público-alvo da política - crianças e adolescentes - está legalmente impedido de participar na formulação de decisões sobre as políticas cujas ações afetam diretamente suas vidas. O tópico terceiro começa com a descrição do desenho institucional do CEDCA. Será enfatiza a dinâmica de funcionamento das reuniões plenárias e duas comissões temáticas. O objetivo é mostrar como os representantes do Estado e da sociedade têm desempenhado suas atividades dentro da instituição, com foco principal nas categorias da representação e da legitimidade. Ele irá descrever alguns fatos transcorridos durante a realização da pesquisa, especialmente a partir da fala dos atores da sociedade civil com assento no CEDCA-MG, para mostrar o fazem e pensam sobre a representação. Parte-se do princípio de que a legitimidade dos conselheiros do Estado deriva indiretamente do processo eleitoral, uma vez que o governador é, legalmente, quem tem 4 a autoridade para nomear os representantes do Estado no conselho. Os membros da sociedade civil são escolhidos através de um processo específico de eleição entre os colegas, isso significa que os membros de diferentes organizações da sociedade civil são selecionados como candidatos e como eleitores no processo. O processo eleitoral da sociedade civil será abordado em mais detalhes a seguir. 2.1 Antecedentes históricos da legislação atual No âmbito da política específica para as crianças e adolescentes, as transformações ocorridas no campo sócio-jurídico, ao longo do século XX, foram cruciais para a concepção de infância prevalecente nos dias de hoje. Ao longo desse período, afirmou-se a doutrina da proteção integral em substituição ao principio anterior denominado de doutrina da situação irregular. Essa alteração foi provocada por pelo menos duas fortes influências. De um lado, os legisladores e juristas incorporaram a concepção de que as crianças são sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento. De outro, consolidou-se um conjunto amplo e heterogêneo de atores da sociedade civil organizada mobilizada em torno da causa da infância, que encontrou no processo de democratização brasileiro uma janela de oportunidades para se articular com os legisladores da assembléia nacional constituinte em busca de influenciar a alteração das leis pertinentes a esse público. No âmbito internacional, o marco de referencia principal, formulado a partir da doutrina da proteção integral, foi a Convenção dos Direitos da Criança estabelecida em 20 de novembro de 1989, do qual o Brasil é signatário. Em conformidade com o mesmo princípio foi formulado o artigo 227 da constituição brasileira de 1988 e a legislação ordinária que o regulamentou, a lei 8.069/1990, que reconhece as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento. Uma síntese comparativa das duas doutrinas é apresentada por Frota (2004) nos seguintes termos: [n]o período de vigência da doutrina da situação irregular, as leis e instituições são orientadas predominantemente pela lógica da integração sistêmica, ou seja, o Estado prevalece como poder jurídico e administrativo que racionaliza e controla o processo de socialização, especialmente da criança pobre considerada menor, e exerce um controle social pleno sobre esse segmento, excluindo a família como ator partícipe do processo. Com a constituição da doutrina da proteção integral, a lógica da integração social se afirma e as responsabilidade da família e das organizações públicas da sociedade civil no processo de socialização da criança, tanto no campo assistencial quanto no da garantia de direitos, se ampliam (FROTA, 2004, p.56). Nesse sentido, as responsabilidades em relação à efetivação dos direitos desse público deixam de ser atribuição exclusiva do poder judiciário, em especial dos Juízes de Menores, e passam a ser deveres compartilhados entre a família, o Estado e a sociedade. O próprio processo de formulação desses dois diferentes princípios é também o resultado de concepções específicas sobre a infância prevalecentes entre os atores responsáveis pela sua elaboração. As primeiras leis e instituições regidas pela doutrina da situação irregular resultaram das orientações que se sobressaíram entre juízes, administradores estatais e legisladores que as formularam. A doutrina da proteção integral, por outro lado, expressa tanto na Convenção dos Direitos da Criança quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente foram elaboradas com intensa participação da sociedade civil organizada (WHITAKER et al, 1989, SILVA, 2003, FROTA, 2004). A ampliação dos atores participantes da tessitura da referida normatividade certamente impactou o resultado final do processo e pode ser visto como 5 um dos principais fatores motivos da atribuição de responsabilidades compartilhadas na legislação resultante. Uma primeira mudança importante de ser destacada é o compartilhamento de responsabilidades entre a sociedade, a família e o Estado para o provimento dos direitos desse público. Situação radicalmente diferente da política anterior, na qual apenas o Estado interventor tinha o dever de se ocupar das medidas de atendimento a esse público. Os impactos dessa alteração são substantivos, tanto do ponto de vista de uma maior responsabilização da família, que passa a ter deveres como o de matricular sua prole no sistema oficial de ensino, quanto da inclusão de atores da sociedade civil organizada mobilizada no processo deliberativo das políticas. Tais atores foram partícipes de um amplo processo de mobilização da sociedade brasileira na coleta de assinaturas para inserir instrumentos de participação nas políticas destinas às crianças e adolescentes, durante a elaboração da constituição de 1988 (WHITAKER et al, 1989). A política pública, entendida como o conjunto da ação do Estado no enfrentamento aos problemas ligados a infância e adolescência, passa a ter uma nova configuração. Atualmente existem, do ponto de vista legal, dois sistemas que norteiam as ações na área. O Sistema de Garantia de Direitos visa estabelecer medidas protetivas que assegurem os direitos a esse público. O Sistema de Medidas Socioeducativas, regulamentado pela Lei federal 12.594, de 18 de janeiro de 2012, compõe um conjunto de ações destinadas ao atendimento das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei, ou seja, aqueles que cometeram algum ato infracional. É necessário ressaltar a característica transversal da política, pois um grande número de ações destinadas ao público infanto-juvenil é desenvolvido nas áreas da educação, saúde, assistência social e outras. É possível identificar um conjunto de atores e operadores desses dois sistemas, como se pode observar no quadro a seguir. Quadro 1 – Instituições e atores do sistema de garantia de direitos e das medidas socieducativas Atores Função Ações Principais Conselheiros Tutelares Guardião do ECA. Encaminhamentos: medidas protetivas e sócioeducativas Conselhos de Políticas Conselheiros Formulação, acompanhamento Aprovação das contas anuais do (União, Estados e Governamentais e da da implementação e executivo, fiscalização da Municípios) Sociedade Civil monitoramento da Política implementação das políticas, Pública. formulação de planos. FIA (Fundo da Infância Conselhos deliberam o Gestão da Política Financiamento das ações dos projetos. e Juventude) destino dos recursos e secretarias gerem o recurso. Conferências Cidadãos e segmentos Indicar as prioridades para a Formular e sistematizar as ações organizados da política. prioritárias da sociedade sobre as sociedade. políticas. Juizado da Infância e Juizes e técnicos Julgamento das medidas Determinações judiciais aos Juventude judiciários. protetivas e sócioeducativas. responsáveis, crianças e adolescentes. Ministério Público Promotores e técnicos. Defesa dos direitos difusos. Ações de defesa aos grupos com direitos violados. Exigir do Estado o cumprimento de suas obrigações. Defensoria Pública Defensores públicos. Defesa das crianças e Advogados de defesa das crianças e adolescentes em conflito com adolescentes em julgamento. lei ou daqueles submetidas às medidas protetivas. Serviços de Técnicos da Saúde, Ofertar atendimentos gerais e Atendimentos diversos. Atendimento Assistência Social, especializados. Educação, Esporte, Cultura, Lazer etc. Delegacia especializada Delegados, detetives e Prisão e reunião de provas Primeira investigação, acolhimento e Instituição Conselho Tutelar 6 técnicos. Secretarias (União, Gestores e técnicos Estados e Municípios). Medidas protetivas e socioeducativas. Organizações da Dirigentes e técnicos. Sociedade Civil que atuam na área Frente de Defesa dos Organizações da Direitos da Criança e Sociedade Civil. dos Adolescentes Fonte: elaboração própria contra agressores. Financiamento, planejamento, implementação e avaliação da política. depoimento das vítimas e agressores. Corpo técnico, infra-estrutura, Planos, Programas e Projetos. Oferta de serviços. Oficinas, cursos, atendimentos etc. Pressão sobre o Estado em prol dos direitos das crianças e adolescentes. Mobilização de atores e instituições. O artigo 227 da Constituição de 1988 e o artigo 86 do ECA estabelecem que esses atores devem agir de forma articulada e coordenada no intuito de ofertar as diversas ações para as crianças e adolescentes. É possível notar que essa articulação não é simples, dado o número de setores a atores envolvidos. Os conselhos dos três níveis da federação, idealizados enquanto instituições responsáveis pela formulação das políticas públicas do setor seriam os órgãos responsáveis por fazer a aproximação e interlocução permanente entre esses diversos atores. Foram criados também fundos públicos especiais (Fundo da Infância e Adolescência) para a gestão da política. Os conselhos de direitos são os responsáveis pela gestão destes fundos, nos municípios, estados e no governo federal. Os recursos do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente se originam de três fontes principais: recursos próprios do governo federal oriundos de tributos, incluindo as contribuições sociais; recursos diretamente arrecadados, proveniente das destinações do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, e; doações de pessoas físicas ou jurídicas. O gráfico abaixo descreve a composição dessas fontes no orçamento total do fundo nacional ao longo dos anos (1998-2009). Grafico 1–FNCA 1998-2009, por fonte de financiamento anual (%) Fonte: Sadeck(2010, p.7) É possível observar uma mudança no padrão de financiamento da política ao longo do tempo. Entre 1998 e 2002, o governo é o ator principal nas despesas da área. Em 2003, percebe-se uma situação atípica, pois a totalidade do financiamento das ações é proveniente de doações. A partir desse ano, as doações passam a ser mais importantes que os recursos próprios do governo, com a exceção de 2004 e 2007, nos quais as fontes 7 do governo são ligeiramente superiores. Essa inversão no padrão de financiamento pode representar um problema no que concerne a regularidade da oferta dos serviços, pois a doação pode ou não chegar, dependendo de contexto favorável no mercado, por exemplo. Pelo contrário, os recursos do governo são teoricamente mais previsíveis, pois devem ser inseridos na lei orçamentária no ano anterior à execução do gasto. Portanto, por se tratar de uma política pública, com serviços regularmente ofertados, faz-se necessário ter fontes seguras de financiamento. Por existir legislação federal instituindo os conselhos, essas instituições proliferaram, por todo território nacional, nas diferentes áreas de políticas públicas, e nas esferas municipais, estaduais e federal. Na área da saúde, por exemplo, já existem conselhos municipais implementados em todos os municípios brasileiros desde o ano de 2006 (CUNHA, 2009). Na assistência social mais de 99,31% dos municípios brasileiros tinham conselhos em funcionamento, em 2009, portanto, atualmente praticamente todos os municípios brasileiros contam com conselhos em funcionamento (BARRETO, 2011, p.224). Essas duas áreas temáticas de políticas, assim como a educação, na qual há conselhos em 79,11% dos municípios brasileiros, possuem serviços de atendimento diretamente relacionados ao público infanto-juvenil, razão pela qual nos referimos aos conselhos dessas áreas para comparar com aquela que nos interessa mais diretamente, qual seja, a política pública da área da criança e do adolescente. Nesta área, a situação é um pouco diferente das anteriores, pois não há um ministério no âmbito do governo federal exclusivamente destinado à implementação de suas ações, que estão subordinadas à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão componente da estrutura da Secretaria Especial de Direitos Humanos, vinculada diretamente à Presidência da República. Essa situação se reproduz no âmbito dos Estados e Municípios, pois em geral o setor destinado as políticas para as crianças e adolescentes está vinculado à secretaria de assistência social. Este é o caso de Minas Gerais, pois o CEDCA-MG está diretamente vinculado à Coordenadoria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, que faz parte da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDESE). É importante mencionar a alteração provocada na formulação das políticas a partir da incorporação de outros atores no processo. Se antes o desenho final da política estava confinado aos técnicos do executivo e à interação entre esse poder e o legislativo, atualmente outros atores da sociedade devem participar, em conjunto com o governo, da formulação das políticas. Isso torna o processo mais complexo e difícil de ser construído e implementado, mas o resultado final é possivelmente diferenciado, na medida em que a pluralização dos atores e vozes possibilita uma ampliação das perspectivas consideradas no processo de formulação e produção das decisões. Até o presente momento, se conhece muito pouco dos efeitos das instituições participativas para o sistema político brasileiro. Uma das dificuldades desse processo de avaliação é a própria polissemia da categoria participação, como afirma Lavalle (2011) em um artigo publicado em um livro integralmente dedicado às estratégias de avaliação das instituições participativas. Adrian Lavalle apresenta uma análise da categoria participação e demonstra a possibilidade de sua utilização em três sentidos distintos: 1) enquanto uma “categoria nativa da prática política de atores sociais”; 2) como “categoria da teoria democrática com pesos variáveis segundo as vertentes teóricas e os autores 3”; 3) enquanto 3 Avritzer (2009, p.3) indica a varidade de sentidos da categoria participação na literatura: “Abers refers do participation as “increasing citizens” control over the state and improving the capacity of ordinary people to understand and decide about issues affecting their lives”(2000:5). Nylen refers do democratic participations as “the exercising of real Power over decision”(2003:28). Baiocchi links the origins of 8 “procedimento institucionalizado com funções definidas por lei e disposições regimentais” (LAVALLE, 2011, p. 33). Tratamos nesse tópico, basicamente, do primeiro e do terceiro sentidos, pois buscamos mostrar como a prática de determinados atores sociais articulados com alguns deputados da assembléia nacional constituinte, ligados ou sensíveis à defesa de direitos das crianças e adolescentes, foram capazes de inserir instrumentos de participação (no terceiro sentido do termo) na legislação brasileira responsável por disciplinar o ordenamento das políticas públicas. Muitos desses atores continuam atuantes na política e agora possuem canais institucionais por meio dos quais canalizam suas interações com o Estado. Lavalle demonstra também que “[a] ideia da participação entra no cenário nacional como uma categoria prática, isto é, uma categoria mobilizada para conferir sentido à ação coletiva de atores populares” (2011, p.34). A utilização dessa acepção do termo remonta aos anos 1960, em que ele é utilizado “como ideário carregado de uma visão emancipatória das camadas populares” (LAVALLE, 2011, p.34). Entre as décadas de 1960 e 1980 esse ideário participativo conjugou diversos significados. “Em primeira instância, a participação era, por definição, popular”(LAVALLE, 2011, p.34). O autor demonstra que, nesse primeiro sentido, participar não tinha qualquer relação com o processo eleitoral e nem com as instituições do governo representativo e, menos ainda, com o direito de cidadania fulcral em qualquer regime liberal democrático. Por conseguinte, tratava-se de um ideal de emancipação popular e não uma luta pela retomada da democracia. No segundo sentido, fortemente influenciado pela teologia da libertação, ““participar” significava apostar na agência das camadas populares, ou, conforme os termos da época, tornar o povo ator de sua própria história e, por conseguinte, porta-voz dos seus próprios interesses”. O terceiro sentido estava relacionado à conotação dada ao termo pela esquerda, com sua estratégia de mobilização das bases para enfrentar o esvaziamento da esfera política. Assim, a participação popular era vista por uma perspectiva mais ampla como a única saída possível para a construção de uma sociedade mais justa e livre da exploração (LAVALLE, 2011, p.34). No período de transição para a democracia mudanças vieram à tona e transformaram também o ideário participativo: “a participação, outrora popular, tornouse cidadã” (LAVALLE, 2011, p.34). Não se trata apenas de uma alteração terminológica, pois a constituição de 1988 conferiu um forte significado à participação, considerada como um direito do cidadão que extrapola o momento eleitoral. Nesse sentido, pode-se afirmar que o estatuto conferido à participação após a constituição de 1988 alterou os processos e espaços capazes de conferir legitimidade às decisões relativas às políticas públicas. O “Movimento das Diretas Já” envolveu um amplo processo de mobilização da população brasileira, em meados dos anos 1980, e levou milhões de brasileiros às ruas de diversas capitais do país na luta pela democratização do regime. Paralelamente àquele movimento de massas, inúmeros movimentos sociais se organizaram em torno de temáticas como a saúde, o meio ambiente, direitos das crianças e adolescentes, para demandar políticas públicas do Estado. Esses atores construíram acordos com os membros da assembléia nacional constituinte de 1987/1988 e conseguiram articulações com os legisladores para incluir a emenda nº021: Participação popular. Esta foi participation in Brazil to social moviments and capacities of ordinary people to make sensible decisions”(2005:5). For Fung and Wright, participation refers to “the commitments and capacities of ordinary people to make sensible decisions(2003:5)”. Logo após relacionar esses diferentes sentidos da participação, Avritzer alerta ainda, para o fato do conceito poder ser utilizado pela perscpectiva sociológica ou política. 9 oficialmente apresentada pelas seguintes entidades: Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Rio de Janeiro; Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com sede também no Rio; e Associação Brasileira de Apoio à Participação Popular na Constituinte, de São Paulo. Contou ainda com o apoio de outras cinco entidades (WHITAKER, 1989, p.202). Segundo Whitaker et al(1989, p. 202) a referida emenda “traduz o cerne da luta de organizações informais, plenário e comitês, que surgiram para defender e promover a participação popular durante a Constituinte e introduzir no futuro texto constitucional mecanismo de democracia direta”. Resultaram de todo esse amplo processo os mecanismo de participação semi-direta da população (plebiscito, referendo e a iniciativa popular de lei) nas decisões políticas. Do ponto de vista da estruturação das políticas públicas e da possibilidade de participação da sociedade em sua formulação são relevantes os seguintes artigos da Constituição de 1988: Art. 194, inciso VI, que trata da Seguridade Social; Art. 198, inciso III relativo à política de Saúde; Art. 204, inciso II relativo à Assistência Social; Art. 227, § 1º, que dispõe sobre a política para a Criança e o Adolescente. Todos os artigos mencionados apresentam relações diretas ou indiretas com a política da criança e do adolescente. Na política de seguridade social estão incluídos benefícios trabalhistas, dentre eles o auxílio maternidade, por meio do qual as mães continuam recebendo salários, mesmo estando afastadas do trabalho, durante os primeiros meses de vida das crianças. Nas políticas de saúde e de assistência social também existem inúmeras políticas destinadas ao atendimento às mães, às crianças e aos adolescentes. É fundamental o fato de essas políticas contarem, a partir dos referidos artigos constitucionais e das legislações ordinárias que os regulamentam, com a presença de organizações representativas da sociedade para a formulação e monitoramento das políticas públicas dessas áreas. Um dos fatores cruciais para a organização da sociedade civil mobilizada em torno dessa temática foi a constituição dos Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA) em todo o país. Assim como ocorreu em outras áreas de políticas públicas, como o meio ambiente e a reforma urbana, os fóruns relacionados à temática infanto-juvenil desempenharam um papel muito relevante tanto no processo de coleta de assinaturas para a constituinte, quanto na posterior regulamentação do artigo constitucional e na luta pela implementação das novas instituições criadas pela lei, como os conselhos tutelares e de direitos. No caso do Estado de Minas Gerais, por exemplo, a criação da Frente de Defesa data de 1988. Desde então, ela tem acompanhado e participado de perto das ações da política. Antes de passar à análise da dinâmica política do CEDCA, com foco nas duas comissões analisadas, o próximo tópico aborda a categoria da legitimidade, a partir de dois autores que partem do referencial da teoria democrática deliberativa: John Parkinson (2006) e Iris Young (2000). Ambos possuem contribuições importantes para as pesquisas sobre os conselhos. A legitimidade das decisões nos conselhos A legislação confere aos conselhos a atribuição de formular a política pública de cada setor, como é o caso CEDCA-MG, responsável pelas políticas destinadas às crianças e aos adolescentes de Minas Gerais. Para que as resoluções por ele produzidas sejam legítimas, é necessário que os representantes do Estado e da sociedade que o compõem sejam dotados de legitimidade, razão pela qual focamos a atenção nessa dimensão do conselho. Ao mesmo tempo, a legislação define os conselhos como instituições deliberativas, razão pela qual parte importante da literatura tem pesquisado 10 tais instituições pela ótica da teoria democrática deliberativa. De uma perspectiva teórica geral, a ação governamental é dotada de legitimidade, quando ela possui o direito de fazer e impor as leis (BUCHANAN, 1999). Trata-se de um pré-requisito que qualifica a autoridade governamental do atributo mínimo necessário para estabelecimento da regra a ser expressa como política pública. Os estudos sobre os conselhos brasileiros têm se concentrado na identificação dos atores relevantes para a dinâmica política desses espaços institucionais, nas decisões que têm sido produzidas por elas, na busca dos segmentos mais atuantes no processo decisório, no impacto das regras e do desenho institucional sobre dinâmica das decisões produzidas e, mais recentemente, nas novas formas de representação política que se viabilizaram com a criação dos conselhos (AVRITZER, 2007; AVRITZER, 2010; LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELO, 2006; TATAGIBA, 2002). No âmbito dos estudos sobre as políticas públicas, realizou-se um conjunto de estudos sobre as diversas formas de participação dos cidadãos na formulação das mesmas. Assim, passou a ser o foco da atenção a capacidade desse processo alterar a cultura política e as relações do Estado com os cidadãos, no Brasil. As variáveis mais privilegiadas passam a ser a descentralização, as reformas políticas, a autonomia do poder local, e os impactos dos diferentes desenhos institucionais que viabilizam a participação política dos cidadãos (HOCHMAN, ARRETE e MARQUES, 2007, p.15). Na primeira onda de estudos sobre as instituições participativas, ainda na década de 1990, foi muito comum identificar um grande otimismo dos pesquisadores em relação à capacidade dessas instituições anularem a possibilidade de ocorrência de práticas tradicionais da nossa cultura política, tal como o clientelismo. A aposta desses pesquisadores estava no princípio da publicidade adotado por elas, em especial os orçamentos participativos, durante o processo de definição do orçamento público (SILVA, 2007). O importante a ser destacado nesse momento é o fato dessas alterações no desenho institucional do Estado transformar também suas bases sociais de sustentação, isto é, a legitimidade do sistema entendida como um conjunto de regras e normas destinadas ao ordenamento do convívio coletivo, que são reconhecidas e obedecidas pelos cidadãos. Em outros termos, a obediência dos membros de uma coletividade à normas impostas pelo Estado é derivada do grau de aceitação das mesmas entre eles, ou seja, dos atributos que compõem a sua legitimidade. Rehfeld (2009) é explícito ao afirmar que legitimidade das normas depende da legitimidade dos processos de escolha dos representantes dos cidadãos selecionados nas eleições para o exercício das funções de governo. Transposto para os conselhos, esse argumento remete para a centralidade dos modos de escolha dos conselheiros, responsáveis por dar vida à instituição. É possível atribuir a legitimidade dos representantes do Estado nos conselhos, mesmo sendo de forma indireta, às eleições, pois são políticos eleitos os responsáveis por designar os servidores que irão falar e agir em nome do Estado nos conselhos. Quanto aos membros oriundos da sociedade civil o processo de escolha é bem variado, e depende das regras estabelecidas por cada conselho. Por essa razão, importa investigar e conhecer um pouco melhor como são escolhidos os conselheiros oriundos da sociedade, quem são eles e quais as atividades desempenhadas pelas suas organizações de origem em prol das crianças e adolescentes. Essas informações são importantes para se enumerar possíveis elementos componentes da legitimidade desses atores, ou melhor, são indicadores do envolvimento dos mesmos com as ações de defesa dos direitos das crianças e adolecentes, público beneficiário da política. A teoria democrática deliberativa se consolidou ao longo da década de 1990, com a obra de autores como Joshua Cohen ([1997]2009), Jürgen Habermas (2003), 11 John Dryzek (2000), James Bohman ([1996]2009), Seyla Benhabib([1996]2009), Iris Young (2000), dentre outros. É possível afirmar ele emerge como uma proposta de revisão dos principais fundamentos de legitimidade de outro modelo, qual seja, o democracia agregativa, que descreveremos sinteticamente a seguir. A teoria da deliberação democrática, por meio de seus postulados principais, define um conjunto de procedimentos que, se observados, são capazes de conferir legitimidade às decisões produzidas pelas instituições democráticas. Além do princípio da publicidade mencionado acima, outros relacionados à teoria democrática deliberativa estão presentes nas instituições participativas. São eles: inclusão; igualdade, exposição pública de razões e opiniões. As reuniões dos conselhos, por exemplo, em geral são abertas à participação de todos os interessados, portanto, podem viabilizar a inclusão política de segmentos historicamente excluídos dos processos decisórios. O postulado principal da referida teoria, é o de que a legitimidade das decisões deriva da possibilidade de que todos os afetados por ela possam participar (inclusividade), em condições de igualdade, de sua formulação, ou seja, todos os participantes do fórum devem estar livres da coerção pelo poder ou dinheiro. Também deve ser conferido a todos os integrantes do fórum a possibilidade de expor livremente suas razões e opiniões. Young se refere também ao princípio da reasonableness para expressar o conjunto de disposições e abertura dos participantes e não propriamente o conteúdo de suas contribuições ao debate. Nesse sentido, a reasonableness se refere a capacidade da pessoa de estar aberta a escutar os outros interessados em explicar porque sua ideia está incorreta ou inadequada (YOUNG, 2000,p.338-43). Ao analisar um conjunto de instituições britânicas da política de saúde, na qual foram utilizados diferentes formatos deliberativos, Parkinson (2006) apresenta uma instigante investigação dos problemas e das soluções possíveis para a questão da legitimidade no interior da teoria democrática deliberativa. Esta, em sua versão normativa, está baseada em dois princípios fundamentais: (...)insiste no convencimento entre as pessoas como o guia do procedimento político, mais do que a barganha entre interesses concorrentes ou a agregação de preferências privadas; e o ato político fundamental – a oferta, avaliação, aceitação ou rejeição das razões – é um ato público, em oposição ao ato puramente privado de votar (PARKINSON, 2006, p.3, destaque no original, tradução nossa) Percebe-se claramente nessas duas premissas do modelo uma nítida oposição aos dois princípios estruturais da democracia agregativa tal como descrita por Young (2002). Nesse modelo, a dinâmica da democracia é interpretada como um processo de agregação das preferências dos cidadãos manifestadas no processo de escolha dos membros do governo e das políticas. “O objetivo do processo de tomada de decisão democrática é estabelecer quais lideres, regras e políticas melhor corresponderão às preferências mais ampla e fortemente compartilhadas” (YOUNG, 2000, p. 285-88, tradução nossa). Uma dimensão central desse processo é a competição entre as preferências, a construção de estratégias e coalizões, e a resposta às pressões. O modelo estabelece que esses elementos são “abertos e justos, isto é, os resultados tanto das eleições quanto das decisões legislativas refletem a agregação das preferências mais fortes e amplamente compartilhadas na população”(YOUNG, 2000, p.293-96, tradução nossa). Neste sentido, os dois princípios apresentado por Parkinson (2006) demonstram um questionamento e uma proposta alternativa acerca dos critérios de legitimidade dos regimes democráticos, razão pela qual Dryzek (2010) afirma que o modelo democrático deliberativo teria nascido como uma teoria da legitimidade. Isso pode ser observado claramente, destaca Dryzek (2010, p.15), nos dois trabalhos clássicos de Manin (1987) e 12 Cohen ([1989]2009), a partir dos quais se pode afirmar que as decisões coletivas são legítimas na medida em que todos aqueles que estão sujeitos a elas tiverem tido o direito, a capacidade e a oportunidade de participar da deliberação na qual foram produzidas. Na visão de Parkinson (2006) a teoria democrática deliberativa, nessa versão clássica mencionada, apresenta dois problemas estruturais. O primeiro está relacionado a uma contradição no seu postulado supremo, no qual se pretende contar com a presença (ou o direito à ela) de todos aqueles diretamente afetados por uma decisão, durante o processo deliberativo na qual ela foi produzida. No entanto, a presença de todos é impossível, pois inviabilizaria a própria deliberação, que se realiza apenas em pequenos grupos. Nesses termos, como seria possível aos excluídos conferir legitimidade aos entendimentos produzidos no interior do fórum deliberativo? Trata-se do problema da escala, ou seja, da possibilidade de criar regras capazes de conferir legitimidade aos resultados produzidos na ausência daqueles excluídos do processo decisório. Em segundo lugar, há também uma limitação do ponto de vista da motivação, pois o modelo não oferece uma resposta satisfatória à possibilidade bem plausível de que muitas pessoas, mesmo sendo diretamente afetadas pelas decisões, possam escolher nunca serem incluídas no fórum deliberativo. Aliás, os baixos índices de participação política dos cidadãos das sociedades de massa, mesmo nas democracias mais consolidadas, indicam exatamente para essa propensão a não participação. A saída proposta por Parkinson (2006) estaria na possibilidade de escolha de representantes, preferencialmente pela via eleitoral, pois teria a capacidade simultânea de conceder uma autorização dos representados aos representantes, e de tornar os últimos atentos aos mecanismos de accountability. Eles seriam os responsáveis por falar e agir em nome daqueles que, embora ausentes do processo deliberativo, são diretamente afetados e interessados pelos resultados das decisões produzidas. Como nem sempre é possível haver eleições para os fóruns deliberativos, no entanto, na ausência de uma autorização inicial, duas seriam as principais estratégias para fundamentar a legitimidade da ação dos representantes. A primeira delas seria a responsabilidade dos mesmos em relação às demandas e interesses dos representados, ou seja, a instituição de mecanismos que viabilizem os processos de accountability, mesmo sem a eleição. O segundo é a publicidade das decisões produzidas, pois além de contribuir para o desenvolvimento do primeiro, possibilitaria o estabelecimento de canais de comunicação entre os micro-processos deliberativos de cada instituição que opera com esse formato e o público mais geral. Vejamos em maiores detalhes o argumento parkinsoniano do modo como a representação poderia resolver o problema da escala. Em resumo, o argumento do autor está baseado na possibilidade aberta pela representação de tornar presente o interesse dos indivíduos ausentes do processo decisório, embora afetados pela decisão, nos termos da definição de Pitkin ([1967]1985) sobre a representação política. Se os representantes vocalizam e/ou agem em prol do interesse daqueles indivíduos ausentes do processo decisório, seria possível produzir uma decisão considerada legítima mesmo sem a participação daqueles. O autor parte de três diferentes usos do termo representação na literatura: “1) [p]ara denotar um agente ou orador que age em nome do seu principal; 2) [p]ara indicar aquela pessoa que possui algumas características de uma classe de pessoas; 3) [p]ara indicar que uma pessoa simboliza a identidade ou qualidades de uma classe de pessoas”(BIRCH apud PARKINSON, 2006, p. 28). Parkinson (2006, p.30) começa pelo último dos usos e menciona como exemplos desse tipo de representação a Rainha Elizabeth que simboliza os britânicos em certas circunstâncias ou o caso do Nelson Mandela como a expressão simbólica da esperança 13 de uma África do Sul unida. Esses símbolos podem ser extremamente importantes para a legitimação de um determinado processo, pois as pessoas sentem que elas tiveram uma influência sobre as decisões finais ou um regime se eles puderem perceber que os símbolos com os quais elas se identificam participaram e foram responsáveis por uma influência real sobre o referido processo. O segundo uso mencionado do termo representação é aquele denominado por Pitkin ([1967]1985) de representação descritiva e ocorre quando um representante possuiu algumas características relevantes das pessoas que ele ou ela representa. Neste caso, as mulheres melhor representariam outras mulheres, os mexicanos outros mexicanos e assim por diante. Assim, a representação descritiva enfatiza as identidades, porque elas são política e normativamente relevantes como destacou Anne Phillips (2005) ao defender a política da presença (PHILLIPS apud PARKINSON, 2006, p.30). Neste modelo, a representação justa é aquela que se aproxima ao máximo de um espelho, por meio do qual a sociedade em toda a sua heterogeneidade se possa fazer representar no parlamento e nas instituições deliberativas. O primeiro sentido no qual a representação é utilizada é um velho conhecido, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, pois fundamenta o modelo da representação eleitoral denominado principal-agent. Trata-se das relações diretas estabelecidas entre um ou mais “principais” e os seus agentes. Pitkin ([1967]1985) demonstra uma divisão entre autores defensores desse modelo em dois grandes grupos. O primeiro foi denominado de modelo da representação delegada e está baseado no principio do mandato imperativo, ou seja, refere-se àqueles autores que defendem a ideia de que os representantes devem agir em conformidade com ordens a eles expressas pelos representados. O segundo chamado de trustee model está baseado no princípio do mandato independente e engloba os defensores da liberdade de julgamento dos representantes no desempenho de suas funções no parlamento (PARKINSON, 2006, p.31). Transposto para modelo teórico deliberativo essa tensão expressa pelo modelo binário trustee/delegate da representação coloca um problema adicional. Em princípio, a boa deliberação é aquela em que todos os presentes estão abertos à força do melhor argumento. Neste sentido, a única opção viável seria aquela na qual existe a independência de julgamento do representante (trustee model), pois só assim ele pode estar aberto a ser persuadido pelos argumentos dos demais membros da arena deliberativa. Por outro lado, no entanto, a legitimidade do processo também demanda movimentos de accountability entre representantes e representados, isto nos levaria a privilegiar o mandato por delegação (delegate model) e dar ênfase as possibilidade de ocorrência do accountability (PARKINSON, 2006, p. 32). Parkinson nos mostra parte da solução desse problema a partir do argumento da própria teoria liberal da democracia. Segundo ele, mesmo nesse modelo clássico, todos os representantes desempenham um papel misto, pois são ao mesmo tempo transmissores de informação e de instruções nas duas direções possíveis, ou seja, levam as demandas de seus representados ao governo e transmitem de volta as opiniões dos demais delegados aos seus representados para considerações posteriores. Constituem, assim, o que Young denominou de “representation as relationship”(YOUNG apud PARKINSON, 2006, p.32). Vamos tratar com um pouco mais de detalhes os argumentos desenvolvidos por Young (2002). Antes disso, no entanto, vejamos como o autor sintetiza os seus argumentos acerca do modo como a representação pode resolver o problema da escala em uma instituição colegiada deliberativa. Em primeiro lugar, Parkinson afirma que a “boa representação varia de acordo com o contexto” (2006, p.35). Partindo do princípio que a representação envolve a 14 combinação de um conjunto de elementos, o autor deixa clara a impossibilidade de se criar um único critério de legitimidade aplicável e todo e qualquer contexto, pois o que é legítimo em um pode não ser em outro. Os elementos variáveis dentro de um determinado corpo representativo podem ser: “os membros que os indivíduos consideram relevantes, os papeis dos representantes vis-à-vis seus representados, o processo de seleção, e a questão da proporcionalidade, todos dependem do tópico em questão e dos objetivos do corpo representativo” (PARKINSON, 2006, p.32). Em segundo lugar, Parkinson recupera o argumento de Fishkin segundo o qual a representação deliberativa só pode ter um poder de decisão definitivo se ela for originária de eleições, caso contrário, ela deve ter apenas um ‘poder de recomendação’(FISKIN apud PARKINSON, 2006, p.35). O que está em questão nesse ponto é o critério de seleção mais adequado a ser adotado em relação aos propósitos finais da instituição deliberativa. Fica claro nesse ponto quais são os dois desenhos deliberativos que o autor tem em mente: as pesquisas deliberativa e os júris cidadãos. Embora a metodologia seja diferente, ambos tem o propósito de incrementar a informação dos seus membros. Nesse sentido, "[t]here is a role for the selection of participants when the purpose is to information-gathering, but only as an input into a wider deliberative democratic process in which the representatives are directly accountable to people affected, not as a substitute for such accountable deliberation. Equaly, deliberative bodies should only be proportional when its purpose is information-gathering, not when it is decision-making. This is to protect minorities from being dominated by majorities"(PARKINSON, 2006, p.35). Por fim, em terceiro lugar, a legitimidade requer que os representantes desempenhem um duplo papel. “Eles devem ser livres para serem persuadidos pelo melhor argumento, então agindo como trustees; mas eles também devem comunicar-se com seus principais enquanto delegados, encontrando as condições de accountability assim como a de autorização” (PARKINSON, 2006, p.35, tradução nossa). Nesse sentido, o representante legítimo desempenha a difícil tarefa de balancear suas ações sem deixar que se concentrem em uma das extremidades desse clássico modelo binário (trustee/delegates) descrito por Pitkin ([1967]1985). As questões colocadas por Parkinson foram fundamentais para o desenho da presente pesquisa. É interessante o modo como o autor apresenta dois problemas teóricos e busca soluções a eles tanto teóricas quanto empíricas. Uma questão importante merece destaque e aparece com freqüência no argumento do autor, qual seja, ele concede a palavra aos seus entrevistados no decorrer do texto e mostra, por exemplo, a inexistência de contradições ou conflitos com a categoria da representação na opinião da maioria deles. Apenas quatro dos entrevistados comentaram diretamente sobre os conflitos entre diferentes tipos de representação, sendo que dois deles eram acadêmicos. Os demais vinte e seis entrevistados apresentaram a representação como uma categoria não problemática (PARKINSON, 2006, p.68). Esses últimos mobilizaram a acepção tradicional do conceito quando entrevistados, ou seja, a de uma pessoa agindo em prol do interesse de outras. Essa questão é importante, pois no âmbito teórico, o conceito de representação sempre foi marcado por inúmeras controvérsias e, recentemente, têm sido realizadas inúmeras revisões na concepção liberal do conceito. Parkinson (2006) desenvolve uma importante discussão acerca da legitimidade, começando por uma distinção entre os seus dois significados principais. O primeiro, do maior nível de abstração, é de âmbito moral e pode ser expresso nos seguintes termos: é a moralização da autoridade, ou seja, refere-se às bases morais que sustentam a obediência ao poder, em oposição aos fundamentos do auto-interesse ou da coerção (CROOK; POGGI apud PARKINSON, 2006, p.21). O segundo sentido é instrumental, 15 na medida em que a legitimidade torna o processo político mais eficiente ao reduzir os custos advindos da necessidade de se forçar a obediência por parte dos governados (PARKINSON, 2006, p.22). O autor destaca como essa dupla visão da legitimidade, no entanto, difere da posição da maioria dos cientistas políticos, pois eles seguem a definição weberiana do conceito e buscam identificar os fundamentos psíquicos e sociológicos da obediência. Assim, é possível a esses autores identificar nas ações dos cidadãos, como o voto, a crença amplamente generalizada na população acerca da legitimidade do regime. Para exemplificar essa posição, Parkinson (2006, p. 22) recorre à clássica e amplamente citada definição de legitimidade formulada por Lipset 4. Ele vai mostrar que se trata de uma visão problemática, pois toma a legitimidade como o equivalente da estabilidade e efetividade do poder e ao fazê-lo, reduz o conceito a uma mera submissão rotineira à autoridade (GRAFSTEIN apud PARKINSON, 2006, p.22) Em substituição à visão meramente descritiva da legitimidade, Parkinson (2006) propõem uma concepção substantiva, cujos fundamentos são de dois tipos: 1) o grau em que os resultados da política coincidem com os objetivos das pessoas afetadas; 2) o grau de sucesso dessas pessoas em atingir fins normativamente justificáveis ou desejáveis. Em síntese, a legitimidade refere-se aos fins da vida política, não apenas aos seus procedimentos (PARKINSON, 2006, p.23). Após o diálogo crítico com a literatura pertinente, Parkinson conclui a discussão sobre a legitimidade afirmando que a sua natureza é composta por três elementos específicos: 1) legalidade – inclui as normas relativas às fontes de autoridade, aos ideais substantivos e às metas de uma sociedade; 2) legitimidade propriamente– está relacionada às formas de acessar as demandas legítimas de representação dos incluídos em benefícios dos excluídos de um colegiado, ou seja, quais seriam os possíveis mecanismos de accountability existentes; 3) legitimação – instituições deliberativas podem ajudar os participantes a internalizar o requisito/norma da reciprocidade (PARKINSON, 2006, p.25). Young (2000) endossa o conceito de legitimidade dos teóricos deliberativos ao afirmar o seguinte: “[a] legitimidade normativa de uma decisão democrática depende do grau de inclusão viabilizado àqueles diretamente afetados por ela e se tiveram a oportunidade de influenciar os resultados” (YOUNG, 2000, p.123-28). A autora argumenta, ainda, que o modelo da democracia deliberativa concede um forte significado à inclusão e à igualdade políticas. Por essa razão, quando é implementado ele aumenta a probabilidade de que o processo de produção das decisões democráticas promova a justiça (YOUNG, 2000, p.126-35). Importante destacar a ênfase dada ao conceito de inclusão política como critério fundamental da legitimidade política dos resultados. Com base nesse critério da inclusão, Young sustenta o argumento de que mesmo com a discordância de uma parte dos autores afetados pelo resultado, os mesmos devem aceitar a legitimidade da decisão se ela tiver sido construída por meio de um processo inclusivo de discussão pública (YOUNG, 2002, p.681-86). A abordagem de Young acerca da sociedade civil é extremamente rica e instigante, pois uma de suas características mais marcantes é a capacidade de expor e criticar as exclusões. Ao fazê-lo, ela pode efetivamente alterar a legitimidade das regras institucionais e das decisões políticas (YOUNG, 2000, p.712-17). Essa ideia é importante para pensarmos a representação da sociedade civil nos conselhos. No CEDCA, em particular, mesmo com um processo eleitoral restrito aos membros das 4 Capacidade do sistema político de criar e manter a crença de que as instituições políticas existentes são as mais apropriadas para a sociedade (Lipset, 1967, p.78) 16 organizações da sociedade civil (OSC) com representatividade em pelo menos três municípios do Estado, a presença das OSC pode alterar a legitimidade das decisões se as exclusões são discutidas naquela arena. No próximo tópico, vamos retomar esse ponto apresentando as falas de alguns conselheiros acerca do modelo de representação considerado mais justo por cada um deles. Importante destacar a ênfase da autora nos mecanismos necessários de serem criados no âmbito do Estado, para enfrentar as exclusões de grupos subalternizados. De forma complementar a essa ideia, ela realiza também uma crítica àqueles autores defensores do conceito de sociedade civil como o lócus privilegiado da promoção da mudança social e da justiça, pois todos os interessados em reduzir as injustiças não podem se furtar da tarefa de promover alterações na estrutura institucional do Estado (YOUNG, 2000, p.155-60). Essa discussão perpassa não só os mecanismos tradicionalmente consolidados de representação, como também as instituições participativas, pois de alguma maneira elas também lidam com o princípio da representação e, mais importante ainda, são abertas à participação dos interessados nas discussões, e as pesquisas indicam que os grupos mais desprovidos de recursos materiais, de informação e poder, permanecem excluídos dos processos decisórios mesmo nas instituições participativas. Isto tem implicações para a legitimidade da própria instituição, caso não existam representantes que vocalizam e/ou agem em prol dos interesses desses grupos nos processos decisórios desenvolvidos pela instituição. Esse tópico do texto se organizou a partir da discussão acerca dos elementos componentes e dimensões relativas à legitimidade das instituições participativas. Para tanto, partimos do problema estrutural dessa teoria, tal como formulado por Parkinson (2006). Segundo o autor, o postulado principal da teoria deliberativa condiciona a legitimidade das decisões à participação de todos aqueles diretamente afetados por ela. No entanto, o número ideal de participantes para o desenvolvimento de um processo deliberativo de qualidade impõe limites a esse postulado, pois requer a constituição de pequenos grupos para se alcançar as condições ideais para se deliberar. Outras dimensões importantes de análise da legitimidade nos conselhos foi tratada por Young (2000). A autora demonstra a necessidade de se pensar nas formas internas e externas da exclusão política. Dadas as condições estruturais da sociedade brasileira, na qual um enorme contingente da população vive em condições de pobreza extrema, mesmo as instituições participativas, em princípio abertas à participação de todos os cidadãos, não conseguem incluir esse público. Mesmo se considerados àqueles incluídos nessas instituições, eles possuem um perfil socioeconômico não homogêneo. Razão pela qual é importante observar a dinâmica interna de funcionamento das instituições participativas, para se averiguar até que ponto os seus membros possuem condições de deliberar em condições de igualdade. Young (2000) apresenta outra consideração importante para a pesquisa em tela, qual seja, a centralidade conferida à sociedade civil na tematização da exclusão no interior dos fóruns deliberativos. Segundo a autora, a presença da sociedade civil nesses espaços e sua atitude de abordar o tema da exclusão podem representar uma forma de se alterar a legitimidade da própria instituição participativa, pois passa a se ocupar desse problema. O tópico seguinte visa analisar o desenho institucional de uma instituição participativa, o CEDCA-MG, a partir dos problemas principais da teoria democrática deliberativa abordada nesse tópico, quais sejam: a inclusão política, igualdade, publicidade, uso público da razão e, principalmente, os fundamentos da legitimidade dos conselheiros da sociedade civil. Além do desenho institucional do conselho serão apresentados os resultados de uma pesquisa de campo realizada na instituição, por meio da qual foi possível observar parte da dinâmica de funcionamento do conselho, 17 incluindo o posicionamento de seus membros sobre algumas das questões abordadas nesse tópico. O desenho institucional e a dinâmica política do CEDCA: participação, representação e legitimidade. O CEDCA - MG foi criado pela Lei Estadual nº 10.501 de 17/10/1991, que o vinculou à estrutura orgânica da Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social (SETAS). Em 7 de janeiro de 1994 foi criado o Fundo para a Infância e Adolescência (FIA), que está submetido às deliberações do conselho estadual. Em 2003 foi alterada a estrutura orgânica da Administração Pública e o CEDCA-MG passou a ser vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social e Esportes (SEDESE). Atualmente, está diretamente ligado à Coordenadoria Especial da Política Pró-Criança e Adolescente (CEPCAD), órgão componente da estrutura da SEDESE. São vinte os conselheiros titulares no CEDCA, sendo 10 da sociedade civil e 10 do governo. Há também 20 suplentes, distribuídos segundo a mesma divisão anterior. Os representantes do Estado são nomeados pelo governador, dentre uma lista de secretarias previamente elencadas no regimento interno do conselho 5. A seleção dos conselheiros da sociedade civil é realizada a cada três anos por meio de um edital público, que seleciona as entidades que podem participar enquanto candidatas e também como eleitoras. Existe paridade entre os dois segmentos representados no conselho, isto é, os conselheiros iniciam o processo deliberativo em condições de igualdade. O CEDCA-MG é composto por quatro instancias: o Plenário, a Diretoria Executiva, a Secretaria Executiva e as Comissões. O Plenário é a reunião dos membros do conselho e se forma uma vez por mês. É a instância deliberativa máxima do conselho. A diretoria executiva é eleita pelos conselheiros e é composta pelo presidente, o vice-presidente e o secretário geral do conselho, que são responsáveis pela condução dos trabalhos nas reuniões plenárias. Está sob a responsabilidade do presidente a elaboração da pauta. O governo e a sociedade civil se alternam nos cargos de presidente e vice. A Secretaria executiva desenvolve um conjunto de atividades administrativas que subsidiam o trabalho dos conselheiros. As comissões temáticas têm a função de discutir questões específicas e fazer proposições sobre o tema discutido. Até o ano de 2011 existiam quatro comissões no CEDCA: Orçamento e Finanças; Políticas Públicas; Medidas Socieducativas; Apoio aos Conselhos Tutelares e de Direitos e aos Fundos da Infância e Adolescência (FARIA, 2010). A partir daquele ano, sob a gestão de um presidente da sociedade civil, foi criada também a Comissão de Legislação e Normas (CEDCA, 2011). Os conselheiros da sociedade civil são escolhidos por meio de eleição entre pares, para um mandado de três anos. O processo eleitoral é regulamentado por edital público que estabelece os critérios para a inscrição das entidades. Podem candidatar as Organizações da Sociedade Civil (OSC) que tiverem mais de dois anos de existência, que desenvolvam atividades de promoção, atendimento direto, defesa, garantia, estudos e pesquisas dos direitos das crianças e adolescentes. Outro pré-requisito é o de que OSC devem ter atuação regional ou estadual. “Entende-se como atuação regional ou estadual a atuação da entidade em (03) três ou mais municípios do Estado, comprovada pelos 5 São elas: “a) a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes - SEDESE; b) a SubSecretaria de Direitos Humanos da SEDESE; c) a Secretaria de Estado da Educação; d) a Secretaria de Estado da Saúde; e) a Secretaria de Estado de Defesa Social; f) a Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão; g) a Secretaria de Estado da Fazenda; h) a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais; i) a Polícia Militar de Minas Gerais; j) a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais”(CEDCA, 2011) 18 Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou em sua falta, pelos promotores de Justiça(...)(CEDCA, 2009,p.2)” As entidades inscritas podem participar do processo eleitoral como candidatas ou como eleitoras. As 10 entidades mais votadas ocupam as vagas de conselheiros titulares. As vagas dos conselheiros suplentes são ocupadas pelas entidades classificadas entre o décimo primeiro e o vigésimo lugar no resultado do processo eleitoral. Tanto a análise das atas quanto a observação in loco das reuniões plenárias permitem afirmar que alguns membros da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais atuam como atores externos ao conselho e alguns fazem uso freqüente da palavra. Embora não tenham direito ao voto, interferem significativamente na dinâmica das reuniões, incluindo, por vezes, assuntos que não estavam na pauta. Nesse sentido, é possível afirmar que tanto membros internos quanto externos ao conselho, podem fazer uso público da razão durante o processo deliberativo do conselho. Em princípio, a dinâmica das reuniões viabiliza a inclusão de atores interessados em participar das mesmas. Dois fatos ilustram o poder de agenda dos atores desse fórum no CEDCA. O primeiro deles está relacionado à Escola de Conselhos, que foi criada por meio de um convênio celebrado entre o Governo do Estado e a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) para realizar cursos de capacitação para os conselheiros tutelares e de direitos em todo o Estado. A Frente criticou o modo como os cursos estavam sendo realizados e levou o assunto a diversas reuniões plenárias. O resultado foi a inclusão de um ponto de pauta específico para discutir a questão em uma plenária extraordinária realizada em 04/10/2010 quando a Subsecretária de Direitos Humanos do Estado de Minas esteve presente para prestar esclarecimentos sobre o convênio e apresentar os encaminhamentos futuros. O segundo fato está relacionado às medidas socioeducativas. A Frente de Defesa reuniu-se com diversos gestores do Estado durante dois anos. No mesmo período, realizou visitas a diversas unidades de atendimento e internação dos adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas. Na reunião plenária realizada no dia 15/06/2010, a Frente apresentou os dados desse conjunto de reuniões e visitas aos demais conselheiros (CEDCA, 2010, p.2). Os dados relativos ao orçamento público foram todos retirados do SIAF (Sistema Integrado de Administração Financeira), sistema oficial utilizado pelo governo de Minas. Foram detalhados os valores aprovados para o ano e percentual executado até o mês de realização da reunião. O Subsecretário de Medidas Sócio-educativas, que é também conselheiro e estava presente na reunião, admitiu desconhecer os valores acerca de uma das rubricas apresentadas e disse que verificaria a possibilidade de otimizar o uso do recurso. Esse ponto mostra a capacidade da Frente de ter acesso a uma informação orçamentária mais detalhada que o próprio gestor do órgão. Pelas razões apresentadas acima podemos inferir que a agenda do CEDCA-MG é pautada por atores mais amplos que somente os Conselheiros, ou seja, não basta focar nas atribuições previstas no regimento interno, pois um ator externo, como a FDDCA teve também a capacidade pautar a ação do Conselho. Nesse sentido, a perspectiva argumentativa da dinâmica do conflito social que tem influenciado uma “nova orientação” nos estudos sobre a definição da agenda teve um potencial analítico vigoroso para o entendimento do objeto desta pesquisa. Ela “desloca o foco de investigação da ‘condição objetiva’ dos assuntos públicos estudados para a dinâmica sociopolítica que envolve a mobilização da atenção e a compreensão pública desses assuntos” (FUKS, 2000, p.79). A Frente de Defesa, sendo um Fórum que congrega outros fóruns regionais do Estado, se apresenta como ator diferenciado na dinâmica do 19 conselho, na medida em que permite elucidar quais seriam os temas principais que estariam na ordem do dia dos movimentos sociais e das OSC que participam da dinâmica sociopolítica relacionada às políticas públicas para as crianças e adolescentes. Em certo sentido, é possível afirmar que existe participação de outros atores na dinâmica do conselho. Durante a observação das reuniões da comissão de orçamento e finanças, os conselheiros discutiram uma questão importante relacionada com a participação de atores externos no conselho. Eles decidiram que os membros de organizações que apresentassem projetos solicitando recursos ao CEDCA não poderiam participar nas reuniões das comissões, quando os conselheiros estivessem discutindo a aprovação ou reprovação do projeto. Os conselheiros foram unânimes ao afirmar que a presença de um membro da entidade iria limitar a liberdade de julgamento dos mesmos. Os representantes das entidades poderiam participar das reuniões plenárias, quando se lê o relatório produzido pelas comissões e se abre a discussão para o julgamento dos demais conselheiros. Durante a observação das reuniões plenárias, também foi possível identificar a preocupação de alguns conselheiros com o desenho da representação política praticada no Conselho. Dentre as 20 organizações da sociedade civil com assento no CEDCA, no ano de 2010, 12 delas estão localizadas na capital do Estado, portanto, 08 são do interior. Os conselheiros do interior, em geral, agem como porta-vozes de suas regiões de origem, sendo uma delas a que concentra os maiores índices de pobreza do estado. As falas desses conselheiros problematizam, em geral, a falta de ações da política estadual em prol das crianças e adolescentes de suas regiões. Descrevem as dificuldades enfrentadas no trabalho desenvolvido com escassez de recursos humanos e materiais. Os demais conselheiros foram sensíveis ao problema e realizaram a primeira reunião regionalizada do conselho numa dessas regiões 6. Se retomarmos os três sentidos e usos do conceito de representação, tal como descrito por Parkinson (2006) acima, observamos nas falas dos dois conselheiros mencionados o segundo dos sentidos da categoria da representação, qual seja, “[p]ara indicar aquela pessoa que possui algumas características de uma classe de pessoas”. Enquanto membros de uma determinada região, os conselheiros buscam chamar a atenção dos demais componentes do conselho para as necessidades e dificuldades enfrentadas pelas organizações da sociedade civil que ofertam serviços às crianças e adolescentes em suas localidades. Eles falam enquanto membros de OSC que ofertam serviços a um público pouco assistido pelas políticas estaduais. Em certo sentido, ao problematizar a representação desigual da dimensão territorial do Estado, os conselheiros estão chamando a atenção para a representatividade do conselho, isto é, em função de seu caráter estadual a instituição está realmente sendo representativa de todo o Estado? Outro conselheiro, proveniente de uma instituição com sede na capital do Estado, apresentou uma proposta de alteração da representação no conselho, cujo 6 O CEDCA realizou a plenária regionalizada na cidade de Paracatu no dia 18 de novembro de 2010. Acompanhamos a viagem da equipe do conselho até lá. No primeiro dia foram realizadas reuniões com os conselhos municipais das cidades do entorno para uma apresentação geral da estrutura do CEDCA e o esclarecimento de dúvidas. No segundo dia, foi realizada a plenária. A participação dos municípios foi bem reduzida, sobretudo no primeiro dia. No caminho para o almoço um conselheiro da sociedade civil disse dentro do carro: “essa viajem foi muito mal organizada, se eu soubesse que seria assim nem teria vindo”. Outro conselheiro da sociedade civil completou: “eu também só vim por respeito ao presidente, se não tinha ficado em minha casa”. Isso mostra a relevância e os obstáculos colocados à participação em função do problema da escala. O conselheiro do CEDCA que mora na região enfatizou a extensão da dimensão territorial dos municípios como uma das dificuldades de participação dos conselheiros dos municípios vizinhos. 20 princípio é bem próximo ao modelo da representação descritiva proposto por Pitkin ([1967]1985). A SEDESE – Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de Minas, órgão ao qual o CEDCA está vinculado, formula as políticas com base numa divisão do Estado em 19 macroregiões. O conselheiro sugeriu um modelo de representação no qual todas as 19 diretorias regionais da SEDESE enviassem um membro para participar das reuniões do conselho como suplentes dos conselheiros governamentais, pois poderiam atuar como representante daquela região. Ele justifica a sua proposta com base na necessidade de que todas as crianças e adolescentes do Estado, independente da localidade em que moram, pudessem ser representadas no conselho. Essa proposta surgiu após relatar a sua participação na conferência dos direitos da criança e do adolescente de um município da região, que contou com a participação de mais de 500 pessoas. Segundo ele, o sucesso de evento deveu-se ao trabalho de articulação desenvolvido pelo conselheiro do CEDCA que atua como representante da região. É importante resgatar também o argumento de Young (2000) sobre o importante papel desempenhado pelas ações da sociedade civil em problematizar as injustiças, em particular, àquelas derivadas das diferentes formas de exclusão. Segundo a autora, a simples presença das OSC nas instituições do Estado, entendida como a capacidade de vocalização em prol dos grupos excluídos, teria como efeito uma alteração na legitimidade das regras e das decisões produzidas. Os conselheiros mencionados acima são provenientes de OSC e suas falas destacadas expressam exatamente essa preocupação com regiões do Estado excluídas do rol de prioridades das políticas públicas, com efeitos diretos sobre as crianças e adolescentes desses locais. Essas questões nos permitem retomar os problemas de pesquisa apresentados no tópico anterior. Aos dois problemas teóricos da teoria democrática deliberativa, Parkinson (2006) oferece uma saída também teórica, pela via da representação e da legitimidade. Em outros termos, dado o postulado da teoria democrática deliberativa segundo o qual são legítimas apenas as decisões que contaram com participação de todos os afetados por ela e, ao mesmo tempo, a inviabilidade de que isso se realize porque a deliberação ideal só pode ocorre em pequenos grupos, a representação é vista por Parkinson como uma saída viável ao problema da legitimidade. Os representantes cumpririam o papel de falar/agir em nome dos ausentes, para que os últimos também possam acatar as decisões como legítimas. Perguntamo-nos, então, como esses dilemas têm se apresentado na dinâmica política de uma instituição participativa pesquisada, o CEDCA. Neste, por lidar com um público legalmente impedido de participar das decisões, em função da idade 7, e por ser uma instituição de âmbito estadual, que visa desempenhar ações para diversas regiões do Estado, a representação se coloca como uma necessidade. Os fatos selecionados como exemplos desse tópico, retirados da observação das reuniões do CEDCA, demonstram a possibilidade da combinação de práticas de participação e de representação no interior da instituição. A combinação de ambas amplia a possibilidade de que diferentes atores envolvidos com o desenvolvimento de ações destinadas ao público beneficiário da política possam interferir nas decisões do conselho. Nesse sentido, a despeito a ausência das crianças e adolescentes no processo deliberativo, atores ligados a oferta de serviços a esse público, alguns com o envolvimento histórico na luta pela defesa dos direitos nesse setor de política pública, agem como representantes daqueles ausentes e podem conferir legitimidade às decisões produzidas. O fundamento da legitimidade da ação desses atores deriva, principalmente, 7 Os adolescentes, com idade em 16 e 18, pela legislação brasileira têm o direito facultativo de votar, mas não de serem votados. Os conselheiros exercem uma função pública passível de ser desempenhada por aqueles cidadãos que atingiram a maioridade. 21 do seu envolvimento com as ações e serviços ofertados diretamente ao público beneficiário da política. Nessa condição, eles têm condições de julgar as deficiências e potencialidades da política pública e propor ações de aperfeiçoamento e melhoria das políticas deliberadas pelo conselho. A representação possui uma dupla natureza, segundo Urbinati (2011, p. 756-64), pois, de um lado, traz a ideia de alguém sendo autorizado a falar ou agir para alguém e, de outro lado, a ideia de formar uma vontade unitária que não existia antes. Nesse sentido, os conselheiros da sociedade civil do CEDCA receberam uma autorização, ainda que a escolha tenha sido realizada perante um demos restrito, para falar/agir em nome da sociedade na defesa dos interesses das crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, a representação possibilita ao conselho, enquanto instituição, se tornar o pólo centralizador da ação de diversos atores que trabalham em prol dos interesses das crianças e adolescentes do Estado. Aos conselheiros, em particular, agir como representante possibilita a alguns se apresentarem como porta-vozes dos interesses de crianças e adolescentes de determinada região do Estado. Isto fica claro na ação de alguns membros do conselho e sua preocupação com o modo como a representação pode ser aperfeiçoada no interior da instituição. Considerações finais Buscamos demonstrar nesse artigo o modo como as categorias da participação, representação e legitimidade são importantes e contribuem para a análise das instituições participativas. Estas foram criadas, no Brasil, a partir das legislações ordinárias responsáveis pela regulamentação de artigos específicos da Constituição de 1988, relativos às políticas públicas setoriais. O primeiro tópico do texto realizou uma abordagem da categoria da participação, enquanto prática de determinados atores sociais e também em sua dimensão institucional, para mostrar a influência exercida por esses atores no processo que antecedeu a criação das instituições participativas e, posteriormente, no interior da dinâmica de funcionamento de uma instituição participativa pesquisada no período de um ano(Nov/2009 a Nov/2010) 8. O estudo de caso e a observação participante foram os procedimentos metodológicos adotados na presente pesquisa para buscar trilhar a reconstrução dos caminhos pelos quais a representação no conselho foi iniciada, formulada e estabelecida. Assim, buscou se focalizar os vínculos orgânicos dos conselheiros, suas interações em redes sociais, seus vínculos institucionais e político-ideológicos, os interesses que expressam e sua inserção sócio-cultural. Tais elementos nos permitiriam enumerar as relações estabelecidas entre os conselheiros e os possíveis beneficiários da política pública deliberada no CEDCA. Também, quanto à dinâmica decisória interna ao próprio CEDCA, o foco esteve no processo de tomada de decisões com vistas à apreensão do desempenho dos “representantes da sociedade civil” 9. A análise da ação do conselheiro nas reuniões combinada com o levantamento das relações por ele estabelecidas com pessoas, grupos ou organizações possivelmente afetados pelas 8 Esse período foi selecionado por ter sido realizada a eleição dos conselheiros da sociedade civil em novembro de 2009, para o mandato do triênio 2010-2012. O objetivo foi observar tanto o processo de autorização dos representantes quanto o primeiro ano de desempenho da ação enquanto conselheiro. A pesquisa foi realizada também nos dois anos subseqüentes, pois será utilizada na minha tese de doutorado. 9 Na primeira reunião da comissão de orçamento e finanças em que estive presente expliquei aos membros que estava fazendo uma pesquisa sobre a representação em conselhos gestores. Um dos integrantes da comissão chegou atrasado à reunião e sua colega também proveniente da sociedade civil assim me apresentou a ele: “ele faz doutorado em sociologia e está pesquisando a representação da sociedade civil no conselho então, agora estamos sendo monitorados (sic)”. 22 políticas nos permitiria verificar se existe um público que potencialmente denominaria o conselheiro como o seu representante legítimo. Foi possível perceber que os próprios conselheiros, durante o processo deliberativo de aprovação de projetos, buscam informações sobre o trabalho desempenhado pelas instituições proponentes. Isto mostra que um dos critérios utilizados para a concessão de recursos às entidades que encaminham projetos ao CEDCA é o reconhecimento do trabalho da instituição perante os demais atores da área. Por essa razão afirmamos, no tópico anterior, que o principal fundamento da legitimidade dos diversos atores da sociedade civil, com ou sem assento no CEDCA, está localizado no reconhecimento do trabalho desenvolvido em prol das crianças e adolescentes. A segunda parte do artigo aborda as categorias da representação e da legitimidade, na visão de dois autores da teoria democrática deliberativa. Parkinson (2006) apresenta um problema estrutural da teoria democrática deliberativa que pode ser expresso em duas perguntas: como os indivíduos ausentes do processo deliberativo podem conferir legitimidade às decisões produzidas por um fórum que tem impacto direto sobre suas vidas?; como lidar com a possibilidade de que muitos afetados pelas decisões de um fórum não queiram nunca participar do processo deliberativo desse fórum?. Ambas as perguntas se originam do postulado principal da teoria democrática deliberativa segundo o qual as decisões são legítimas apenas de tiverem sido produzidas com a participação de todos os indivíduos diretamente afetados por elas. Parkinson (2006) recorre à representação política como saída viável para esse impasse da teoria democrática deliberativa. Young (2000) aborda os problemas derivados da exclusão de determinados segmentos da população dos processos decisórios no interior de instituições democráticas. A autora trabalha prioritariamente com as formas de se problematizar e buscar soluções frente à exclusão de determinados grupos e indivíduos dos processos decisórios das instituições democráticas. A autora demonstra como a ação da sociedade civil no interior dos fóruns deliberativos cumpre um papel de alterar a legitimidade das regras e das decisões quando ela problematiza a exclusão dos grupos subalternos dos processos decisórios do fórum. Com base nas contribuições teóricas de Parkinson (2006) e Young (2000) selecionamos alguns fatos provenientes da observação participante das reuniões das comissões e da plenária do CEDCA, objeto do terceiro tópico do artigo. Os pontos selecionados e descritos no tópico anterior demonstram a possibilidade de combinação entre práticas participativas e representativas no interior do conselho. Embora as regras dispostas no regimento interno do conselho estabeleçam como critério de participação de atores externos a inscrição prévia por escrito e a aprovação do plenário, na prática esse procedimento não é seguido. Durante as observações realizadas os atores externos puderam fazer uso público da razão, com um simples gesto de levantar a mão durante a reunião. Diante desse gesto o presidente do conselho conferiu a palavra a esses atores. Assim, existe um procedimento informal capaz de viabilizar a inclusão política dos atores interessados em participar das reuniões do conselho. Nesse sentido, as reuniões operam também sobre o princípio da publicidade, pois as reuniões plenárias são abertas à participação dos interessados. Há um site do conselho para disponibilizar as atas das reuniões realizadas entre os anos de 2008 e 2012 e também todas as resoluções publicadas pelo CEDCA até hoje. Alguns conselheiros oriundos da sociedade civil expressaram suas avaliações acerca da forma como a representação política acorre no CEDCA. Apesar de não ser uma preocupação de todo o conselho, um dos conselheiros proponentes de uma reforma da representação na instituição ocupava a presidência do conselho quando expressou 23 sua opinião. Assim, não é possível saber até que ponto estava vocalizando uma opinião pessoal ou se refletia também a sua interação com os demais membros da mesa diretora. De toda forma, a fala proferida referia-se tanto ao formato da representação quanto à legitimidade do próprio conselho, pois visava conferir maior representatividade a todas as regiões do Estado por meio da presença dos funcionários públicos das 19 regiões administrativas da SEDESE. Para finalizar, é importante destacar três elementos. O primeiro é de ordem metodológica e diz respeitos às contribuições da observação participante para a apreensão da dinâmica política da instituição. Principalmente a observação das comissões dos conselhos, ainda pouco conhecidas pela literatura. Por falta de tempo e espaço não descrevemos aqui o tramite de alguns projetos das comissões até reunião plenária, mas cabe destacar que a construção de algumas decisões é realizada também nos momentos de intervalo, como o lanche e o almoço. Essa dimensão do processo escapa a uma analise puramente documental dos conselhos. O segundo é derivado do primeiro e se refere à possibilidade de haver participação no conselho, quando boa parte da literatura tem caminhado exatamente no sentido de enfatizar as funções representativas desenvolvidas por organizações civis no interior dos conselhos. O terceiro relaciona-se aos fundamentos da legitimidade da ação dos representantes da sociedade civil, que combina a autorização entre pares conferida no processo de escolha das instituições, com uma espécie de legitimidade derivada do exercício de ações e atividades destinadas às crianças e adolescentes, que está relacionada ao reconhecimento do trabalho desenvolvido pelas instituições da área. Referências bibliográficas ARTHUSO, Edna Aparecida Rodrigues. A participação da sociedade civil na frente de defesa dos direitos da criança e do adolescente de Minas Gerais: uma experiência democrática. 2006. 113f. Dissertação (Mestrado). FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (ESCOLA DE GOVERNO). Belo Horizonte. AVRITZER, Leornardo. “Cultura política, atores sociais e democratização: uma crítica às teorias da transição para a democracia”. In: AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia: ensaios em teoria habermasiana e teoria democrática. Belo Horizonte: UFMG, Perspectiva, 1996. Cap. 6, p.125-151. 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