ASPECTOS FORMAIS NA FIXAÇÃO DOS SUBSÍDIOS DOS VEREADORES Tércio Waldir Albuquerque 1 RESUMO Trata-se de uma abordagem técnica sobre a forma de se fixar os subsídios dos Vereadores a fim de demonstrar, com base na legislação vigente no ordenamento jurídico brasileiro, o instrumento adequado para esse objetivo, o que se faz através de análise doutrinária e constitucional. A controvérsia se dá em razão da existência de dispositivo voltado ao subsídio dos chefes do Executivo determinando uma forma de fixação – lei ordinária – e outro que suprimiu essa forma para os representantes do Legislativo, após o advento da Emenda Constitucional 25/2000. Palavras-chave: Subsídio Vereadores. Fixação. Constituição INTRODUÇÃO O tema em comento tem trazido diversas discussões, tanto no âmbito das Câmaras Municipais, como igualmente junto ao Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul, em decorrência da dúvida gerada quanto à formalidade no momento da fixação dos subsídios dos Vereadores e essa discussão perpassa pela Constituição Federal, pelas Leis Orgânicas dos Municípios e, ainda, pelos Regimentos Internos das Casas Legislativas. No momento em que se pensa em subsídio, desde logo é de se afastar da discussão qualquer outra forma de remuneração paga a servidores públicos, em quaisquer das esferas de poder e o foco principal, como já dito, é a forma de fixação do quantum a ser pago aos ocupantes de cargo eletivo junto ao Poder Legislativo Municipal. Para orientar o desenvolvimento do tema proposto, imprescindível passar antes por uma análise quanto ao processo legislativo municipal, e nesse sentido, é de se considerar qual a norma correta a ser utilizada pelas Câmaras Municipais no momento de fixar os já citados subsídios de seus membros, enfocando-se: 1 Graduado em Direito pela FUCMAT. Especialista em Direito pela UNIDERP. Professor, consultor, parecerista, advogado e assessor de Conselheiro do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul. a) Lei Legislativa; b) Decreto Legislativo; e c) Resolução. Quanto ao tema, existe uma discussão nacional cujo ponto nevrálgico diz respeito ao entendimento manifesto por alguns de que há de se fixar o subsídio dos Vereadores através de Lei e o de outros, de que a fixação se deva fazer por Decreto Legislativo e de um terceiro grupo que afirma ser a Resolução a norma adequada à fixação. Essa discussão passou a existir a partir do momento em que a Emenda Constitucional 25/2000, com vigência a partir de janeiro de 2001, suprimiu a afirmação de que o subsídio dos Vereadores haveria de ser fixado por lei, mas manteve inalterado o comando Constitucional no tocante a fixação dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais seriam por lei de iniciativa da Câmara Municipal, como consta no artigo 29, inciso V 2. Este comando constitucional trouxe um grande problema ao expressar que os subsídios dos membros do Poder Executivo devam ser fixados por lei de iniciativa da Câmara e aqui se está diante do princípio constitucional da reserva legal, envolvendo uma questão de competência para a edição normativa. Mas a presente análise se restringe à fixação de subsídios dos Vereadores e antes de adentrar diretamente ao tema, importante trazer uma definição abalizada do que seja subsídio, através do magistério do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello 3, que assim leciona, verbis: Subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio dos pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie. Assim posta, cumpre continuar a análise proposta sobre a fixação de tais subsídios, destacando-se que para estes, não existe a mesma afirmação constitucional quanto a espécie normativa a ser utilizada, diferentemente do que o texto da Carta Maior propõe a outros ocupantes da função de agentes políticos, como os Prefeitos, Vice-Prefeitos e Secretários Municipais. Nesse sentido é de se trazer à colação o dispositivo constitucional que cuida do tema. Determina o inciso VI do artigo 29 que: 2 Art. 29 (...) - V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; 3 In CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO – 25ª Ed. 2008 – Malheiros Editores, p. 267. VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos: Do texto constitucional transcrito, exsurge que não restou expresso na Carta Maior a espécie normativa a ser aplicada no momento da fixação dos subsídios dos Vereadores, posição esta que passou a ser verificada após a edição da Emenda Constitucional n. 25/00, que excluiu do texto a afirmação “por lei de iniciativa da Câmara Municipal”, mantendo os demais comandos no mencionado inciso quanto aos critérios a serem utilizados para tal fixação, e dentre estes é importante destacar o chamado “princípio da anterioridade”, através do qual resta indubitável que se fixem os subsídios em uma legislatura para a subsequente e não para a mesma. Esse posicionamento constitucional é acertado posto que, em assim determinando, afasta-se definitivamente a possibilidade do “legislar em causa própria” ou ainda “no interesse próprio”, que poderia ser nefasto para o município, e mesmo tendo em conta que alguns Vereadores podem ser reeleitos, não é de se pensar que possa haver interferência decisiva na legislatura seguinte. De volta ao tema proposto, essa alteração normativo-constitucional não foi compreendida por todos quanto a não ser mais exigível que ditos subsídios sejam fixados por lei de iniciativa da Câmara, especialmente porque alguns entendem que a alteração constitucional promovida no inciso VI do artigo 29, não teve o condão de afastar a afirmação constitucional constante do inciso X do artigo 37 4, onde segue constando que o subsídio de que trata o § 4º do artigo 39 5, há de ser fixado por lei específica. Esse posicionamento não encontra eco ou unanimidade, pois é cediço que as Câmaras Municipais têm definida na Lei Orgânica do Município sua competência normativa - adstrita a emenda a lei orgânica, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos, e resoluções -, existindo igualmente a informação expressa quanto às matérias a serem abordadas por cada uma dessas espécies normativas e, em momento algum encontra-se nesse rol a fixação de subsídios. De se recordar que, seja na Constituição Federal, seja na Constituição Estadual/MS 6, igualmente não há no rol o tema de fixação de subsídios, seja para os membros do Poder Executivo ou do Legislativo. 4 “Art. 37 (...)X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação da EC nº 19/98) 5 Art. 39 (...) - § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Redação da EC nº 19/98). 6 Art. 19: A remuneração do Prefeito e dos Vereadores e a verba de representação do Vice-Prefeito serão fixadas pela Câmara Municipal, em cada legislatura para a subsequente, vedada a vinculação à remuneração dos membros de As espécies normativas são de todos conhecidas, mas nunca é demais trazer alguns comentários sobre: a) Leis (em sentido geral) – De iniciativa de qualquer Vereador, das Comissões Permanentes das Casas Legislativas, da Mesa Diretora, do Prefeito Municipal e dos Cidadãos, cujas matérias são especificadas na Lei Orgânica do Município quanto a competência exclusiva ou concorrente do Poder Legislativo e/ou do Poder Executivo. Todas as leis, independentemente da condição de competência informada, para sua vigência, regra geral, dependem da sanção do Prefeito Municipal, que se não praticar o ato no prazo previsto, remete à promulgação por parte do Presidente da Câmara e tem a tramitação prevista no Regimento Interno de cada uma das Casas de Leis. b) Decreto Legislativo – ato normativo produzido quando a matéria de competência exclusiva da Câmara, que produza geração de efeito externo, não dependendo de sanção ou veto do Prefeito Municipal, cuja vigência se dá a partir da aprovação por parte do plenário da Câmara, a assinatura e promulgação de seu presidente e a necessária publicação em órgão oficial e suas regras são previstas no Regimento Interno da Casa Legislativa Municipal. c) Resolução – Espécie normativa conhecida, segundo o Mestre Hely Lopes Meirelles, como lei em sentido material 7, que, dentre os poderes constituídos e no que nos importa, destina-se a regular matéria político-administrativa da Câmara, de sua competência exclusiva, e diz respeito à sua economia interna, podendo, por vezes gerar efeito externo, mas não é essa sua função primordial, não dependendo de sanção ou veto do Prefeito Municipal, não tendo geração, por isso, de efeito externo, que não se confunde com publicidade, indispensável em todos os atos praticados no âmbito dos poderes constituídos da república. Igualmente com o Decreto Legislativo, tem previsão na Lei Orgânica do Município e as condições para sua produção e matéria de alcance, são reguladas no Regimento Interno. qualquer dos Poderes do Estado ou da União e observados os limites da arrecadação municipal a serem fixados na lei orgânica e o disposto na Constituição Federal 7 In Direito Administrativo Brasileiro – 34ª Ed. Malheiros Editores – 2008 – p. 181. Desta feita, no momento em que se trata dos subsídios dos Vereadores, há de se considerar que o inciso VI do artigo 29 da Constituição Federal já transcrito não traz em sua redação a afirmação quanto ao tipo de norma legal deva ser produzida para tanto, diferente do que aduz o inciso V do mesmo artigo ao se referir aos subsídios dos ocupantes de cargo no Poder Executivo. Nesse sentido, é o magistério de José Afonso da Silva 8, verbis: O subsídio do Prefeito e do Vice-Prefeito será fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal. Assim também estava previsto para o subsídio dos Vereadores por força da EC-19/98. Contudo, a EC-25, de 14.2.2000 alterou essa disposição para determinar que o subsídio dos Vereadores será fixado elas respectivas Câmaras Municipais (não mais por lei de iniciativa da Câmara) em cada legislatura para a subsequente, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos: (...) Esse diferencial deve ser considerado especialmente porque no momento em que a Casa Legislativa vai fixar os subsídios de seus membros, observada a exigência constitucional da anterioridade, materializada pela fixação em uma legislatura para vigência na subsequente, o faz em sua competência exclusiva, e a norma a ser editada não depende de sanção ou veto do Poder Executivo para sua vigência e, diante dessa ponderação, forçoso é concluir que a Câmara, neste caso, só tem ao seu dispor o Decreto Legislativo e a Resolução. De se considerar, como afirmado acima, que o Decreto Legislativo tem o condão de gerar efeito externo, sendo muito usado, por exemplo, para sustar atos regulamentadores do Poder Executivo, não seria esta norma, por consequência lógica, a mais adequada à fixação dos subsídios, restando então uma análise quanto a edição de uma Resolução, cuja temática trata de economia interna e matéria exclusiva da Câmara. Compreendida a fixação dos subsídios dos Vereadores como matéria de competência exclusiva da Câmara e entendido que o exercício dessa competência não se sujeita a sanção por parte do Chefe do Poder Executivo, a Resolução - que não deixa de ser parte das normas legais elencadas tanto na Carta Constitucional Nacional, quanto na Constituição Estadual e ainda na Lei Orgânica dos Municípios e, igualmente, tem sua tramitação esboçada nos Regimentos Internos de todas as Casas Legislativas Nacionais - é a norma correta. Trata-se, assim, da produção legal adequada a fixação dos subsídios, posto que, como ato legislativo, se perfaz como perfeito e acabado 8 In Curso de Direito Constitucional Positivo – 35ª Ed. Revista e Atualizada – Malheiros Editores, p. 648 – jan 2012. no momento em que a Mesa Diretora da Casa de Leis a aprova e faz publicar, não dependendo de qualquer manifestação do poder executivo. Nesse sentido, o posicionamento do citado mestre administrativista, Hely Lopes Meirelles 9, verbis: Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. (...). (grifamos) Corroborando esse entendimento o Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello , ao analisar o tema quanto à exigência de lei para fixação ou alteração de remuneração, afirma em nota, verbis: 10 Tal preceito, como já foi dito, concerne apenas a cargos, funções ou empregos no Executivo. Isto porque no Legislativo tal matéria não é disciplinada por lei, mas por resolução. (grifamos) Esse é o entendimento que decorre da exigência constitucional, do já citado inciso VI do artigo 29 e, diante destas ponderações, é possível afirmar ser a RESOLUÇÃO a norma correta para a fixação dos subsídios dos Vereadores, e não outra espécie normativa, lembrando que o Congresso Nacional do Brasil, ao fixar o subsídio de seus membros e ainda do Presidente e Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, o faz através de Decreto Legislativo 11 e não por lei. CONCLUSÃO O tema abordado é de significativa importância por envolver todos os municípios do Estado Brasileiro e, através de pesquisa prévia e livre, constata-se que não existe uniformidade quanto a norma utilizada para a fixação dos subsídios dos vereadores, sendo encontrado alguns casos de Leis Legislativas, de Decretos Legislativos, de Resolução, e ainda, alguns que se utilizam de leis de iniciativa do Poder Executivo para ditas fixações, e diante desse quadro, é de se indagar: 9 In Direito Administrativo Brasileiro – 34ª Ed. Malheiros Editores – 2008 – p. 185 10 In Curso de Direito Constitucional Positivo – 35ª Ed. Revista e Atualizada – Malheiros Editores, p. 274 – nota 20 – jan 2012. 11 Decreto Legislativo nº 805, de 2010 – EMENTA: Fixa idêntico subsídio para os membros do Congresso Nacional, o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado e dá outras providências. Como justificar a edição de uma lei por parte da Câmara ou ainda em menor escala, de iniciativa do Poder Executivo, para fixar os subsídios dos vereadores, quando a competência é exclusiva da própria Câmara e quando esta edita uma lei necessita obter do Chefe do Poder Executivo a sanção para sua vigência? E se o Prefeito Municipal entender, por questões exclusivamente políticas de vetar, qual seria o posicionamento da Casa Legislativa? Óbvio que não se pode pensar de modo simplista que esta “derrubaria o veto”, pois a matéria é muita mais séria que isso. Consoante divulgado pela mídia, a Câmara Municipal de Campo Grande acaba de fixar os subsídios de seus vereadores através de Resolução, e como se sabe, muitas Câmaras do interior do estado de Mato Grosso do Sul se espelham na da Capital para a prática de seus atos. Se assim for, por certo haverá uma modificação positiva quanto a escolha normativa para a prática de tal competência e assim uma contribuição com a discussão que este artigo se propôs a abrir e que, com certeza não se esgotará brevemente. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. BRASIL. Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul de 1989. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2011. 26ª Edição. Malheiros Editores. CASTRO, José Nilo. Direito Municipal Positivo. 20-6. 6ª Edição. Editora Del Rey. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2009. 132ª Edição. Editora RT. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2007. 34ª Edição. Malheiros Editores, pg. 181. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 2008. 25ª Edição. Malheiros Editores, pg. 267. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2012. 35ª Edição Revista e Atualizada. Malheiros Editores, pg. 648.