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Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro
Vinculada à Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Pesca .
ESTAÇÃO EXPERIMENTAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
SUPERVISÃO E APOIO TÉCNICO
LUIZ DE MORAIS RÊGO FILHO
ENGENHEIRO AGRÔNOMO, DSc em PRODUÇÃO VEGETAL.
AUNER PEREIRA CARNEIRO
ECONOMISTA, DSc em HISTÓRIA SOCIAL
Faculdade de Direito de Campos, CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE.
RELAÇÕES ENTRE O MUNDO RURAL E O MUNDO URBANO: EVOLUÇÃO
HISTÓRICA, SITUAÇÃO ATUAL.
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RIO DE JANEIRO
2007.
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RELAÇÕES ENTRE O MUNDO RURAL E O MUNDO URBANO: EVOLUÇÃO
HISTÓRICA, SITUAÇÃO ATUAL.
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Rêgo Filho, Luiz de Morais; Carneiro, Auner Pereira
RELAÇÕES ENTRE O MUNDO RURAL E O MUNDO URBANO: EVOLUÇÃO
HISTÓRICA, SITUAÇÃO ATUAL. / Luiz de Morais Rêgo Filho; Auner Pereira
Carneiro. – 2007.
XXXX f.
RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICO
Socioeconomia; Agricultura
CDD
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EMPRESA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
ESTAÇÃO EXPERIMENTAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
SUPERVISÃO E APOIO TÉCNICO
LUIZ DE MORAIS RÊGO FILHO
ENGENHEIRO AGRÔNOMO, DSc em PRODUÇÃO VEGETAL.
AUNER PEREIRA CARNEIRO
ECONOMISTA, DSc em HISTÓRIA SOCIAL
Faculdade de Direito de Campos, CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE.
RELAÇÕES ENTRE O MUNDO RURAL E O MUNDO URBANO: EVOLUÇÃO
HISTÓRICA, SITUAÇÃO ATUAL.
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RIO DE JANEIRO
2007.
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SUMÁRIO
RELAÇÕES ENTRE O MUNDO RURAL E O MUNDO URBANO: EVOLUÇÃO
HISTÓRICA, SITUAÇÃO ATUAL.
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RESUMO:
Atualmente há necessidade de uma melhor discussão da antiga dicotomia urbano
rural em face de necessidades de um melhor esclarecimento do que é urbano e do que é
rural, para atendimento a algumas ações de políticas públicas. Os critérios anteriormente
estabelecidos, em plena ditadura Vargas, não mais atendem a estas demandas.
Sempre se considerou êxodo rural a saída do homem do campo no sentido das
cidades, mas na realidade o que tem acontecido atualmente é o êxodo agrícola, por não
ter a população rural o conforto e bens oferecidos no meio urbano. Muitas vezes há um
abandono das terras, saindo o proprietário em busca de recursos nas cidades que lhe
permitam explorar sua atividade agrícola. Assim, além de manter a posse da terra,
vários proprietários de terra também a exploram conjuntamente com sua atividade na
cidade, nem que seja no final de semana. Este é um aspecto simples, mas que não tem
sido, até então levado em consideração.
Sempre houve uma necessidade maior das cidades em definir sua população /
limite, impondo suas delimitações: aonde acaba um e inicia outro. Há portanto,
necessidade de novos enfoques, ou seja, uma redefinição nesta dicotomia (urbano /
rural).
Há que se considerar também que hoje não é possível, em algumas situações,
diferenciar o que é urbano ou o que é rural, já que muitas atividades realizadas nas
cidades são consideradas rurais e outras, realizadas no meio rural, não são consideradas
como agrícolas.
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DESENVOLVIMENTO:
Relações entre mundo rural e mundo urbano: evolução histórica, situação atual.
Historicamente, o mundo rural destaca-se por se organizar em torno de uma
tetralogia de aspectos bem conhecida:
•
Uma função principal: a produção de alimentos;
•
Uma atividade econômica dominante: a agricultura;
•
Um grupo social de referência: a família camponesa, com modos de vida, valores e
comportamentos próprios;
•
Um tipo de paisagem que reflete a conquista de equilíbrios entre as características
naturais e o tipo de atividades humanas desenvolvidas.
Este mundo rural secular opõe-se claramente ao mundo urbano, marcado por
funções, atividades, grupos sociais e paisagens não só distintos, mas, também, em
grande medida, construídos “contra” o mundo rural. Esta oposição tende a ser encarada
como “natural” e, por isso, recorrentemente associada a relações de natureza simbiótica:
campo e cidade são complementares e mantêm um relacionamento estável num
contexto (aparentemente?) marcado pelo equilíbrio e pela harmonia de conjunto.
A revolução industrial iniciada no século XVIII veio alterar a situação anterior. Na
realidade, a emergência de uma nova sociedade urbano-industrial acarretou duas
conseqüências principais para as áreas rurais. Por um lado, inicia-se um acentuado
processo de perda de centralidade econômica, social e simbólica por parte do mundo
rural. Por outro lado, este tende a ser globalmente identificado com realidades
arcaicas, enquanto as aglomerações urbano-industriais são vistas como o palco, por
excelência, do progresso.
A relação rural-urbano não pode deixar de refletir esta alteração profunda, forjandose novas complementaridades e modificando-se sua natureza.
À produção de bens alimentares -que se destinam agora, de forma crescente, a
abastecer mercados urbanos - e ao papel de refúgio e segurança que as áreas rurais
sempre desempenharam em épocas de crise para as populações citadinas, adiciona-se
uma nova função-chave: a de fornecer mão-de-obra desqualificada e barata para as
atividades econômicas em acelerado crescimento nas cidades.
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Simultaneamente, o fato da expansão das infra-estruturas e dos equipamentos de
apoio à qualidade de vida dos cidadãos ser muito mais rápida nas aglomerações urbanas
reforça o papel das cidades como pólos de prestação de serviços pessoais e sociais.
Diversificam-se, pois, as relações de complementaridade rural-urbano, ao mesmo
tempo em que a sua natureza tradicional (aparentemente?) simbiótica vai dando lugar a
interdependências cada vez mais reconhecidas como assimétricas. Em conseqüência, a
cidade organicamente integrada em áreas rurais perde importância relativa face à
emergência de aglomerações urbano-industriais mais “autônomas” e com maior
capacidade de polarizar, do ponto de vista funcional, as áreas envolventes.
A industrialização da agricultura, particularmente visível a partir do final da 2ª
Guerra Mundial, veio introduzir uma nova inflexão importante, ao fraturar o mundo
rural em duas realidades bem distintas: o mundo rural moderno e o mundo rural
tradicional. Pela primeira vez na história da humanidade, a oposição rural-urbano
começa a não ser vista como a mais decisiva, na medida em que a modernidade deixa de
constituir um exclusivo das áreas urbanas.
Começa, assim, a ganhar consistência uma nova dicotomia pós-rural/urbano, que
valoriza antes a oposição existente entre um mundo moderno (que pode ser urbanoindustrial ou rural) e um mundo arcaico (predominantemente rural). É verdade que
continua a persistir a idéia de que o mundo rural se encontra num processo estrutural de
marginalização econômica, social e simbólica. Mas a forte mercantilização da produção
agrícola em massa vem deslocar a fronteira das grandes oposições, chamando a
atenção para o fato de nem todas as áreas rurais estarem condenadas aos processos de
agonia do “velho” mundo tradicional.
Neste novo contexto, a relação rural-urbano bifurca-se, dando origem a uma
partição das áreas rurais em função da sua proximidade (física, mas também funcional e
sócio-econômica) aos principais centros urbanos. A diferenciação entre áreas rurais
“centrais”, “periféricas” e “marginais” ou ainda a designação de “áreas rurais
profundas” evidenciam, com clareza, esta nova situação.
Entre os centros urbanos e as áreas rurais “centrais” ou “periféricas” prossegue a
tendência anterior de diversificação de relações de complementaridade desenvolvidas
num quadro fortemente assimétrico.
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Pelo contrário, entre o mundo urbano e as áreas rurais “marginais” ou “profundas”
as relações de complementaridade ativa vão-se dissipando, já que estas últimas, alvo de
uma sangria continuada de pessoas e recursos e com condições de acessibilidade
particularmente desfavoráveis, pouco interesse despertam nos citadinos.
Nos anos 80 assiste-se à invenção social de uma nova realidade: o mundo rural não
agrícola. Esta perspectiva introduz elementos novos no modo de encarar os mundos
rural e urbano, em si e na forma como se relacionam.
Em primeiro lugar, rompe-se explícita e deliberadamente com dois dos elementos da
tetralogia secularmente associada ao mundo rural: a sua função principal não tem de ser
necessariamente a produção de alimentos e a atividade predominante pode não ser
agrícola. Esta disjunção entre mundo rural e agricultura é assumida como possível e até
desejável, como a política comunitária de set aside ou a proliferação de parques naturais
em áreas anteriormente agricultadas bem o demonstram.
Em segundo lugar, a valorização da dimensão não agrícola do mundo rural é
socialmente construída a partir da idéia de patrimônio. Verifica-se, de fato, a ocorrência
de três tendências que, por motivos parcialmente autônomos, convergem num mesmo
sentido:
•
O movimento de renaturalização, centrado na conservação e proteção da natureza,
aspectos agora hipervalorizados no âmbito do debate sobre os processos de
desenvolvimento sustentável;
•
Procura de autenticidade, que leva a encarar a conservação e a proteção dos
patrimônios históricos e culturais como vias privilegiadas para valorizar memórias e
identidades capazes de enfrentar as tendências uniformizadoras desencadeadas pelos
processos de globalização;
•
A mercantilização das paisagens, como resposta à rápida expansão de novas
práticas de consumo decorrentes do aumento dos tempos livres, da melhoria do
nível de vida de importantes segmentos da população e, como conseqüência, da
valorização das atividades de turismo e lazer.
Em terceiro lugar, deve referir-se que esta nova visão do mundo rural assume como
inevitáveis e corretas as práticas de multi - atividade e de multi - rendimento das
famílias
campesinas,
há
muito
identificadas
por
numerosos
investigadores,
enquadrando-as numa estratégia mais ampla de transformação do mundo rural em
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espaços multifuncionais com valor patrimonial. Abre-se, assim, um novo debate: as
atividades que contribuem para manter vivo o mundo rural devem ser remuneradas não
apenas pelo seu valor econômico mas também pelas funções sociais e ambientais que
asseguram.
Finalmente, e em quarto lugar, a problemática do mundo rural profundo foi sendo
crescentemente abordada à luz de uma nova concepção: a dos espaços de baixa
densidade, não só física, associada ao despovoamento intenso que caracteriza estas
áreas, mas também relacional. Populações envelhecidas, empresas de reduzida
dimensão e com funcionamento atomizado, ausência de movimentos significativos de
associativismo ou ainda instituições públicas pouco dinâmicas transformam estas áreas
em espaços sem a “espessura” social, econômica e institucional necessária para suportar
estratégias endógenas de desenvolvimento sustentadas no tempo.
A idéia de um mundo rural não agrícola que importa preservar -ou que se vende em virtude do seu valor patrimonial vem alterar, uma vez mais, as relações urbano-rural.
Pelo menos ao nível simbólico e do discurso político, a “cidade” -ou melhor, a franja
mais escolarizada da população urbana - recupera o velho mundo rural, crescentemente
reduzido, no entanto, a um dos elementos da velha tetralogia que tradicionalmente o
caracterizou: a paisagem. Esta perspectiva vai deixando, ainda que de forma implícita,
um indício claro: é na procura urbana que parece residir o essencial da evolução
futura das áreas rurais onde a atividade agrícola orientada para o mercado não
alcança uma expressão significativa.
A evolução sumariamente apresentada nos pontos anteriores permite identificar com
maior clareza as situações-chave que as relações mundo rural-mundo urbano revelam
hoje:
•
A fronteira mais relevante separa espaços diretamente integrados na área de
influência das grandes cidades e espaços marginais a essa influência, não
coincidindo, portanto, com a tradicional dicotomia urbano-rural ou, na sua versão
mais simples, cidade-campo;
•
As realidades atualmente designadas por “áreas urbanas” incluem espaços urbanos,
suburbanos, rurais agrícolas e rurais não agrícolas, articulados sistêmicamente entre
si, às vezes de forma conflituosa (suburbanização degeneradora de usos do solo e
patrimônio não urbanos, por exemplo) e às vezes de forma simbiótica (corredores
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verdes, regeneração urbanística e sócio-econômica de espaços construídos
tradicionais, etc.), recuperando-se, nestes últimos, algumas componentes da
complementaridade que caracterizou a relação tradicional urbano-rural;
•
O mundo rural exterior às “áreas urbanas” defronta-se com uma contradição
evidente: a valorização simbólica e política que lhe é hoje atribuída no contexto dos
discursos patrimonialistas contrastam com a fragilidade de meios efetivamente
mobilizáveis nesse sentido, com a escassez de resultados, entretanto obtidos (a mero
título de exemplo, veja-se o impacto reduzido das iniciativas de turismo rural, tanto
em termos de criação de emprego como de geração de rendimentos adicionais para
as famílias) e com a estreita dependência de práticas de consumo urbanas cuja
durabilidade está longe de corresponder a uma realidade incontroversa.
As situações detectadas apontam para uma conclusão aparentemente incontornável:
o futuro dos “mundos rurais” decide-se, no essencial, em sede urbana. Se contra fatos
não há argumentos, então a questão a colocar parece ser a seguinte: como gerir a
procura e a oferta urbanas a favor dos vários mundos rurais?
A construção de uma nova relação rural-urbano desenvolvida na óptica dos espaços
rurais poderá assentar em dois objetivos de âmbito geral:
•
Consolidar relações de proximidade mutuamente benéficas e de natureza
sinergética em detrimento de relações assimétricas e predadoras do mundo rural;
•
Transformar as cidades em pontes efetivas entre as áreas rurais e o mundo exterior.
Enunciado de um ponto de vista econômico, o primeiro aspecto corresponde ao
esforço de transformar a massa crítica de recursos urbanos (humanos, institucionais,
físicos, etc.) em externalidades positivas que as populações e as organizações do mundo
rural conseguem parcialmente internalizar.
De fato, sendo a baixa densidade física e relacional um dos problemas principais de
grande parte das áreas rurais, importa rediscutir a questão das condições de acesso a
infra-estruturas, equipamentos, serviços e competências cujo grau de especialização é
incompatível com uma localização rural ou, pelo menos, com os tradicionais padrões
dispersos de distribuição geográfica. Este aspecto é tanto mais importante quanto ele
hoje se coloca, já, para equipamentos relativamente banais: veja-se, a título de exemplo,
o caso das escolas do 1º ciclo de escolaridade obrigatória, alvo de um processo de
encerramento que, em algumas áreas, se pode mesmo considerar como generalizado.
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Neste contexto, falar de condições de acesso a infra-estruturas, equipamentos,
serviços e competências, implica uma atenção particular a todas as iniciativas que
favoreçam o estabelecimento de redes individuais e institucionais, a mobilidade de
pessoas, bens e conhecimentos e o desenvolvimento de soluções locais multiuso. Só
assim a inexistência de limiares mínimos de funcionamento por escassez de recursos e
de procura poderá ser, senão superada, pelo menos minimizada.
O desenvolvimento de relações de proximidade mutuamente benéficas e de natureza
sinergética pressupõe a capacidade de conciliar uma articulação territorial (coesão) e
uma articulação funcional (integração) entre centros urbanos e áreas rurais envolventes.
Estas duas articulações, que se deverão reforçar reciprocamente, pressupõem a
capacidade de atuar aos seguintes níveis:
•
Adotar a perspectiva de “bioregião”, em que os espaços naturais asseguram
contínuos rural - urbano não apenas por razões estéticas e de fruição visual das
populações citadinas mas, fator mais importante, como garantia de funcionamento
de processos ecológicos básicos (ciclo hidrológico e respectivas redes de drenagem,
por exemplo), isto é, como medida cautelar de preservação de ecossistemas e de
sustentabilidade ambiental;
•
Estimular a construção de imagens mentais e representações sociais que considerem
os centros urbanos e as áreas rurais vizinhas como uma mesma região cognitiva,
evitando que se generalizem as concepções de “cidades fortaleza”, aglomerações
bem integradas em redes nacionais e mesmo internacionais mas isoladas das suas
envolventes imediatas, e, no pólo oposto, de áreas rurais intersticiais, de natureza
inevitavelmente residual e com escassa visibilidade própria;
•
Garantir a oferta pública de serviços especializados úteis às populações e
organizações das áreas rurais em condições de fácil acesso, tanto do ponto de vista
físico (acessibilidade) como social (mobilidade, “proximidade cultural”) e
econômico (custos de deslocação e de comunicação);
•
Estimular e facilitar a construção de parcerias de proximidade que constituam redes
de produção e disseminação de informação, aprendizagens e conhecimentos
estrategicamente relevantes para as populações e as organizações das áreas rurais;
•
Recorrer, de forma sistemática, às potencialidades das novas tecnologias de
informação e comunicação, tanto ao nível da prestação dos serviços públicos
universais (telemedicina, ensino pré-escolar, formação de adultos, etc.) como de
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iniciativas visando objetivos de coesão social (integração cívica dos jovens) ou de
competitividade econômica (telecentros rurais, comércio eletrônico de produtos
regionais, etc.), numa ótica que concilie o relacionamento à distância com o
contacto físico;
•
Garantir uma articulação eficiente entre políticas de ordenamento do território e
conservação da natureza, de desenvolvimento rural, de desenvolvimento regional e
de desenvolvimento urbano, nomeadamente em torno dos conceitos de cidade média
e de rede urbana complementar;
•
Conceber uma logística para o mundo rural capaz de articular, seletivamente,
aspectos dos pontos anteriores em função das prioridades e das potencialidades de
cada área.
Analisa-se o espaço rural e seu significado à luz da relação cidade-campo, pois,
conforme se verá a seguir, estes dois espaços não podem ser compreendidos
separadamente.
O espaço rural tem passado recentemente por um conjunto de mudanças com
significativo impacto sobre suas funções e conteúdo social, o que tem levado ao
surgimento de uma série de estudos e pesquisas sobre o tema em vários países,
sobretudo nos países desenvolvidos, onde esse processo apresenta maior importância.
No caso do Brasil, o despertar para esta problemática tem se dado principalmente
entre os estudiosos comprometidos com a discussão de uma nova estratégia de
desenvolvimento rural para o país, ou seja, a partir de uma perspectiva instrumentalista.
Para estes, a superação da extrema desigualdade social que marca a sociedade
brasileira passa obrigatoriamente pela definição de políticas de valorização do campo.
O projeto de desenvolvimento rural adotado ao longo de décadas no país tem como
principal objetivo à expansão e consolidação do agronegócio, tendo alcançado
resultados positivos sobretudo em relação ao aumento da produtividade e à geração de
divisas para o país via exportação. No entanto, esta opção tem implicado custos sociais
e ambientais crescentes.
O avanço dos movimentos sociais no campo e a intensificação de suas lutas, têm
tornado cada vez mais evidente a necessidade de se elaborar uma estratégia de
desenvolvimento para o campo que priorize as oportunidades de desenvolvimento social
e não se restrinja a uma perspectiva estritamente econômica e setorial.
Além disso, nos principais centros urbanos do país vive-se uma situação de crise,
marcada por um forte aumento da violência e do desemprego, além das péssimas
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condições de saúde, educação e habitação enfrentadas por grande parte de seus
moradores. O intenso processo de êxodo rural verificado na segunda metade do século
XX, responsável pelo alto grau de urbanização alcançado por nossa população,
encontra-se hoje em fase de desaceleração, tornando-se cada vez mais significativa à
migração entre pequenos municípios rurais e o movimento cidade-campo.
Apesar de o Brasil ser um país de população predominantemente urbana, com
apenas cerca de 20% de sua população residindo em áreas rurais, segundo dados do
Censo do IBGE de 2000, grande parte de nosso vasto território permanece rural e
apresenta forte potencial agrícola.
A pobreza é proporcionalmente muito maior no campo do que na cidade, atingindo
39% da população rural em 1990. É também neste espaço onde são identificados os
menores índices de escolaridade e as maiores taxas de analfabetismo do país. A
agricultura concentra hoje os mais baixos níveis de renda média. Porém, em contraste
com esta situação e demonstrando didaticamente a importância e pertinência de uma
distribuição de terras mais justa para se alcançar o desenvolvimento social e econômico
do campo, podemos citar o exemplo de alguns municípios do sul do país, onde a
produção camponesa tem peso significativo e são observados boa parte de nossos
maiores índices de desenvolvimento humano. Como é o caso dos municípios de: Feliz,
Paraí, Nova Prata e Salvador do Sul no Rio Grande do Sul e de Indaial, Gaspar, Videira
e Timbó em Santa Catarina.
A grande diversidade social de nosso campo se associa à sua diversidade natural, o
que se reflete na complexidade de sua problemática social e ambiental, ao mesmo tempo
em que representa um imenso potencial para o seu desenvolvimento. Para se poder
avaliar melhor a tal potencialidade, é preciso compreender o(s) significado(s) que
apresenta o espaço rural.
A nossa definição oficial de espaço urbano e rural: No Brasil adota-se o critério
político-administrativo e considera-se urbana toda sede de município (cidade) e de
distrito (vila). Segundo o IBGE, é considerada área urbanizada toda área de vila ou de
cidade, legalmente definida como urbana e caracterizada por construções, arruamentos e
intensa ocupação humana; as áreas afetadas por transformações decorrentes do
desenvolvimento urbano, e aquelas reservadas à expansão urbana. Não é feita qualquer
referência às funções peculiares dos diferentes aglomerados que constituem um fator
fundamental na diferenciação entre o espaço rural e o espaço urbano.
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Nessa classificação, o espaço rural corresponde a aquilo que não é urbano, sendo
definido a partir de carências e não de suas próprias características. Além disso, o rural,
assim como o urbano, é definido pelo arbítrio dos poderes municipais, o que, muitas
vezes, é influenciado por seus interesses fiscais.
Este critério leva a classificar como área urbana sedes de municípios muito
pequenas, algumas com população inferior a 2.000 habitantes, o que seria ainda pior no
caso de algumas sedes distritais. Tal distorção nos levaria a denominar de cidade o que
na realidade seriam aldeias, povoados e vilas, resultando numa superestimação de nosso
grau de urbanização. O autor ainda qualifica como “anacrônica e aberrante” a fronteira
inframunicipal entre o rural e o urbano estabelecida por esta classificação. Sugere o uso
combinado de três critérios para evitar a ilusão imposta pela atual norma legal, a saber:
o tamanho populacional do município, sua densidade demográfica e sua localização.
Segundo ele, “não há habitantes mais urbanos do que os residentes nas 12
aglomerações metropolitanas, nas 37 demais aglomerações e nos outros 77 centros
urbanos” identificados no estudo Caracterização e tendências de Rede Urbana do Brasil
de 1999. Nessa teia urbana estaria o Brasil “inequivocamente urbano”, que corresponde
a 57% de nossa população.
A densidade demográfica constitui um critério muito importante para permitir a
diferenciação entre urbano e rural do restante dos municípios que se encontram fora
dessa teia. Pois, é o indicador que melhor expressa a “pressão antrópica” e reflete as
modificações do meio natural ou o grau de artificializarão dos ecossistemas que
resultam de atividades humanas, sendo o que de fato indicaria o grau de urbanização
dos territórios.
Assim, com base na combinação da densidade demográfica e do tamanho
populacional
considera
de
pequeno
porte
os
municípios
que
apresentam
simultaneamente menos de 50 mil habitantes e menos de 80 hab/km² e conclui que 90%
do território brasileiro, 80% de seus municípios e 30% de sua população são
essencialmente rurais. Os 13% restantes da população caberiam numa categoria
intermediária, que pode ser denominada como “rurbana”.
O rural é necessariamente territorial e não setorial como costumam considerar
muitos programas governamentais. As relações urbano / rural não mais corresponderiam
à “antiquada dicotomia” entre cidade e campo, tendo esta sido substituída por uma
geometria variável na qual passaram a ser cada vez mais cruciais as aglomerações e as
microrregiões. Assim, é preciso considerar a relação entre espaços mais urbanizados e
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espaços onde os ecossistemas permanecem menos artificializados, ou seja, espaços
rurais, para a definição de uma estratégia realista de desenvolvimento baseada numa
articulação horizontal de intervenções.
Tornou-se claro para os analistas o fato de que as possibilidades de desenvolvimento
de qualquer comunidade rural dependem dos laços que ela mantém com centros
urbanos, particularmente com as cidades de sua própria região.
Esta constatação teria levado a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) a, considerando como unidade de base rural toda unidade
administrativa ou estatística elementar com densidade inferior a 150 hab. /km²,
classificar a partir de 1994 as regiões de seus países membros em três categorias. A
unidade de base rural pode apresentar um núcleo urbano com densidade demográfica
superior a 150 hab. /km², desde que o resultado geral, computando-se a área de entorno,
não ultrapasse este patamar.
As categorias definidas são as seguintes: essencialmente rurais: são aquelas em que
mais de 50% da população regional habitam em unidades de base rurais; relativamente
rurais: são aquelas em que entre 15% e 50% da população regional habitam em
unidades de base rurais; e essencialmente urbanizadas: são aquelas em que menos de
15% da população regional habitam em unidades de base rurais.
A divisão do território brasileiro em inequivocamente urbano, essencialmente rural
e em condições intermediárias.
As relações cidade-campo teriam mudado radicalmente na segunda metade do
século XX, sem contudo reduzir o contraste entre estes espaços. “O que está ocorrendo
hoje nos países do Primeiro Mundo é que o espaço rural tende a ser cada vez mais
valorizado por tudo o que ele opõe ao artificialismo das cidades: paisagens silvestres ou
cultivadas, água limpa, ar puro e silêncio. O desenvolvimento leva a uma forte
revalorização do ambiente natural, em vez de suprimir a diferença entre cidade e campo
por obra e graça da organização conjunta da agricultura e da indústria”.
Defender a viabilidade econômica do espaço rural e por isso busca superar a
concepção de espaço rural como sinônimo de atraso, enfatizando o dinamismo
encontrado hoje nestas áreas em países desenvolvidos. O principal trunfo econômico
destes espaços seria o seu patrimônio cultural e natural. Este último corresponde às
amenidades rurais, ou seja, ar puro, belas paisagens, contatos com animais, etc. A
capacidade de valorizar tais amenidades, atraindo investimentos da indústria do lazer,
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deslocaria a base da economia rural da exportação de produtos primários e
manufaturados para a oferta de serviços e importação de pessoas, dinheiro público e
renda de origem urbana.
Uma outra contribuição importante a essa discussão é feita em “O MST/ RJ, o rural,
o urbano e a pluriatividade”. O desenvolvimento do capitalismo e a “industrialização”
da agricultura desencadeiam a urbanização do campo. O que seria reforçado pela
proliferação de atividades não-agrícolas no campo, antes eminentemente urbanas como
o turismo, comércio e prestação de serviços. Contudo, embora tendo o seu significado
alterado, o rural permaneceria por ter uma natureza distinta do urbano. “Enquanto a
dinâmica urbana praticamente independe de relações com a terra, tanto do ponto de
vista econômico, como social e espacial, o rural está diretamente associado à terra,
embora as formas como estas relações se dão sejam diversas e complexas”.
Cada realidade rural ou urbana deve ser compreendida em sua particularidade, mas
também no que tem de geral, uma territorialidade mais ou menos intensa. É esta
intensidade quem distingue o rural do urbano. O urbano representaria relações mais
globais, mais descoladas do território, enquanto o rural refletiria uma vinculação local
mais intensa.
Sobre critérios e definições, em questão a perspectiva dicotômica Há muita
divergência quanto ao modo de definir o rural e isto se deve a uma série de fatores que
vão desde a forma diversificada em que esta realidade se apresenta no espaço e no
tempo até as influências de caráter político-ideológico e os objetivos a que visam
atender as diversas definições. Comumente o rural é definido juntamente com o urbano
com base em características a partir das quais eles se diferenciam.
Os Estados têm sempre estabelecido definições oficiais, classificando os espaços em
rural e urbano para fins estatísticos e administrativos. Os principais critérios
tradicionalmente empregados são: 1. Discriminação a partir de um determinado patamar
populacional; 2. A predominância da atividade agrícola; 3. Delimitação políticoadministrativa.
A literatura internacional atual converge no sentido de definir o significado da
ruralidade nas sociedades contemporâneas a partir de três aspectos básicos: a
importância das áreas não densamente povoadas, a relação com a natureza e a
dependência do sistema urbano.
De uma maneira geral, as definições elaboradas sobre o campo e a cidade podem ser
relacionadas a duas grandes abordagens: a dicotômica e a de continuum. Na primeira, o
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campo é pensado como meio social distinto que se opõe à cidade. Ou seja, a ênfase recai
sobre as diferenças existentes entre estes espaços. Na segunda, defende-se que o avanço
do processo de urbanização é responsável por mudanças significativas na sociedade em
geral, atingindo também o espaço rural e aproximando-o da realidade urbana.
Analisando atentamente as duas abordagens, vê-se que a idéia de continuum ruralurbano também se apóia numa concepção dual, pois considera o rural e o urbano como
pontos extremos numa escala de gradação. Na medida em que o rural e o urbano são
tratados como pólos de um contínuo, está, de certa forma, subentendida uma diferença
qualitativa.
Historicamente, tanto na geografia como na sociologia tem predominado a adoção
do enfoque dicotômico.
A ambigüidade acima referida se encontra na origem mesmo do conhecimento
sociológico e expressa a influência simultânea do conservadorismo e do cientificismo.
Segundo ele, a sociologia surge como uma modalidade de conhecimento contida no
bojo do pensamento conservador, constituindo-se a partir de idéias -elementos
conservadoras que respondem a idéias - elementos do pensamento burguês e liberal da
fase de formação da sociedade capitalista.
Daí o surgimento dos seguintes pares de idéias constitutivas opostas:
comunidade/sociedade,
autoridade/poder,
status/classe,
sagrado/profano
e
alienação/progresso. “A análise sociológica estaria, assim, projetando inevitavelmente a
sombra do tradicionalismo (no caso, o tradicionalismo medieval) sobre a sociedade
capitalista”.
Esta ambigüidade de origem tende a resolver-se no nível do conhecimento na
medida em que a sociologia envereda pela análise de dicotomias: tradicional/moderno,
rural/urbano, tradicional/racional, pré-capitalista/capitalista etc. A ambigüidade, e não a
contradição, é proposta como fundamento de diagnóstico das descontinuidades da vida
social, de modo que em cada termo da dicotomia não haja ambigüidade.
A sociologia rural nasce para explicar uma situação de crise que provoca a
necessidade de refletir sobre o mundo rural. Esta crise é marcada por um conjunto de
transformações sociais relacionadas à intensa migração do campo para a cidade e
conseqüente esvaziamento do campo, além da invasão deste pelas cidades. Assim, a
sociologia rural reproduz a ambigüidade fundamental da sociologia e surge como
conhecimento instrumental voltado para a superação do atraso do campo.
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A perspectiva dicotômica permite a oscilação entre os dois pólos, ora idealizando o
passado e valorizando o tradicional, ora baseando-se na idéia de progresso e valorizando
o moderno.
Desde fins dos anos 70, pode-se falar de uma retomada da abordagem dicotômica
relacionada a uma redefinição da relação cidade-campo resultante da “crise urbana” e da
degradação geral das condições de vida na cidade. Neste contexto, intelectuais franceses
têm criticado a idéia de que tudo é urbano, o que, repousaria sobre uma confusão entre
modo de vida e prática de consumo e um equívoco sobre o sentido do termo
urbanização. Para eles, recentemente tem aumentado o contraste entre estas duas
realidades na medida em que a imagem do rural como próximo à natureza passa a
desempenhar um papel cada vez mais importante nas representações da sociedade
moderna, opondo-se ao artificialismo da vida urbana.
Nas últimas décadas, tem-se observado nos Estados Unidos e na França, dentre
outros países, a revalorização de determinadas áreas rurais e o seu conseqüente
crescimento populacional. Além disso, muitas vezes este dinamismo está relacionado à
presença crescente de pessoas ligadas a atividades não-agrícolas residentes nestas áreas.
Tudo isto tem levado institutos de pesquisa destes países a conceberem novas formas de
apreender esta realidade, a partir da delimitação de espaços formados pela unidade
cidade-campo e da análise de sua dinâmica territorial como é o caso da classificação
adotada pela OCDE a partir de 1994 mencionada anteriormente.
Define o espaço rural de forma descritiva como um modo particular de utilização do
espaço e de vida social que apresenta como características: (a) uma densidade
relativamente fraca de habitantes e de construções, dando origem a paisagens com
preponderância de cobertura vegetal; (b) um uso econômico dominantemente agrosilvo-pastoril; (c) um modo de vida dos habitantes caracterizado pelo pertencimento a
coletividades de tamanho limitado e por sua relação particular com o espaço e (d) uma
identidade e uma representação específicas, fortemente relacionadas à cultura
camponesa (acredito que esta característica decorre da anterior). E observa ainda que se
trata de uma noção aplicável a uma certa escala, necessitando de um mínimo de
extensão e continuidade e também implicando um certo nível de organização
administrativa e controle pela coletividade territorial.
Dando seqüência procura-se ultrapassar a pura descrição e propõe uma análise da
ruralidade evitando compreender o rural de hoje a partir de seu passado ou em relação
ao urbano. Assim, o autor define o rural como uma forma específica de relação da
20
sociedade com o espaço que apresenta um caráter dominante: a sua inscrição local. Este
fato tem como uma de suas principais conseqüências tornar vazia a noção de sociedade
rural no singular e impedir que a população rural se pense como um conjunto social,
dificultando a construção de projetos coletivos entre unidades rurais situadas em torno
de uma pequena cidade. Apesar de estas unidades estarem inegavelmente abertas a
influências externas via uma diversidade de redes de comunicação que as ligam
diretamente às grandes cidades.
Analisa impactos do deslocamento de pessoas da cidade em direção ao campo
verificado na última década na França. Estas migram, em sua maioria, em busca de
melhor qualidade de vida e melhor educação para seus filhos. Segundo ele, estes novos
habitantes rurais não estão em comunicação direta com a natureza como os camponeses,
apresentando uma relação mais distante. Estas pessoas constituem uma nova categoria,
os “citadins au village”, e tendem a valorizar menos as visitas a parques, trilhas e
florestas do que os próprios habitantes das grandes cidades. Para eles, o importante é
sentir-se vivendo a “céu aberto”.
Neste sentido, fala-se em triunfo da urbanidade. O meio rural se encontraria hoje
completamente integrado ao conjunto social e espacial do país. “A urbanidade
submergiu o campo. Diferentes seguramente enquanto meios, enquanto ambiente, o
campo está povoado por “rurais” cuja especificidade foi apagada em favor da
homogeneização da sociedade inteira. Os agricultores perderam o seu lugar de destaque,
nós os veremos mais distantes, em favor de uma larga representação das classes médias,
dominantes na França”.
O sistema de valores encontrado na população rural de outrora, marcado por
solidariedades coletivas, é substituído pela “cultura do zapping” e pelo individualismo.
O povoado transforma-se numa coleção de indivíduos, de famílias, que rejeitam
assumir qualquer responsabilidade na vida coletiva.
O contraste de imagens entre o rural e o urbano é reforçado ainda mais com a
transformação da paisagem rural em objeto de consumo e a tendência crescente de
elaboração e/ou valorização de identidades rurais para atender a exigências
mercadológicas. Estas mudanças observadas de modo mais significativo em países
desenvolvidos como a França levam à passagem da imagem do campo ligada à
produção, à atividade agrícola, para a imagem-consumo. O olhar torna-se mais
importante que o fato econômico, o campo é hoje uma paisagem em primeiro lugar.
21
Mas é importante que não se confunda campo com natureza. O campo é obra secular
dos homens: ele é cultivado, artificializado. “O campo é um dos monumentos da
civilização urbana” é “um espaço construído onde a natureza assusta sempre um
pouco”.
Para compreender as imagens do campo e da cidade é preciso examinar os processos
sociais concretos de alienação, separação, exterioridade e abstração de modo crítico. É
preciso também recuperar a história do capitalismo rural e urbano, afirmando as
experiências de relações diretas, recíprocas e cooperativas que são descobertas e
redescobertas muitas vezes sob pressão. Nem a cidade irá salvar o campo, nem o
campo, a cidade.
A relação cidade-campo
Em meados do século XIX o marxismo escreveu: “A oposição entre a cidade e o
campo começa com a transição da barbárie à civilização, da organização tribal ao
Estado, da localidade à nação e persiste através de toda história da civilização até nossos
dias”.
Será que esta afirmação ainda se aplica à realidade de hoje? No início da segunda
metade do século XX tinha-se que: “Outrora a Razão teve na Cidade seu lugar de
nascimento, sua sede, sua casa. Face a ruralidade, à vida camponesa aprisionada na
natureza, à terra sacralizada e cheia de forças obscuras, a urbanidade afirmava-se como
razoável. Atualmente, a racionalidade passa (ou parece passar, ou pretende passar)
longe da cidade, acima dela, na escala do território nacional ou do continente”.
Buscar-se-á compreender o significado da ruralidade partindo-se da análise da
relação cidade-campo ao longo do tempo no ocidente. Onde se identifica três eras: a era
agrária, a era industrial e a era urbana.
Cada vez mais envolvido pelo tecido urbano que, além das cidades, é constituído
pelos espaços construídos para a circulação das mercadorias e das pessoas.
A cidade se estende desmesuradamente e a forma da cidade tradicional explode em
pedaços.
A explosão da cidade acompanha a extensão do tecido urbano.
Nos países “em vias de desenvolvimento” ocorre um grande impacto sobre a
estrutura agrária neste período, empurrando para as cidades massas de camponeses que
são acolhidos pelas favelas. Estas últimas desempenham o papel de mediador
22
(insuficiente) entre o campo e a cidade, oferecendo um sucedâneo miserável à vida
urbana para aqueles que abriga.
O movimento urbano relacionado ao processo de industrialização é responsável pelo
surgimento de novas atividades econômicas para estruturar a circulação das mercadorias
e para organizar e administrar todos os sistemas relacionados à atividade econômica. A
cidade torna-se a sede destas novas funções técnicas e administrativas e da atividade de
preparação de quadros para desempenhá-las por meio da difusão de cultura e de ensino.
A cidade torna-se o lugar onde se concebe a gestão do espaço ao mesmo tempo em
que perde o significado de centro político. A centralidade se espalha no espaço que ela
cria, nas relações de produção e em sua reprodução.
A sociedade em seu conjunto tende a constituir rede de cidades, interligando os
espaços / fragmentos, inclusive o campo, de acordo com as atividades/funções
desenvolvidas em cada lugar.
O Estado, enquanto poder centralizado, é fortalecido por este processo e passa a
atuar no interior de seu território a partir do controle de um determinado sistema urbano.
Concebida estrategicamente pelo Estado, a relação centro-periferia marca o espaço
social em suas contradições. O centro inclui e atrai os elementos que o constituem como
tal (as mercadorias, os capitais, as informações, etc.) mas estes cedo o saturam. De outro
lado, ele exclui os elementos que ele domina (os “governados”, “sujeitos” e “objetos”) e
que o ameaçam.
O Estado se erige como planificador e, cada vez mais associado a grandes empresas,
tende a se apoderar de funções, atributos e prerrogativas da sociedade urbana, retirando
dela poder político, desvalorizando-a. A cidade é transformada em meio, dispositivo
material a serviço da organização da produção, do controle da vida cotidiana e da
programação do consumo.
Há no espaço urbano em torno de cada ponto e de cada centro, grande ou pequeno,
durável ou provisório, uma ordem próxima, aquela da vizinhança, e de outro lado, numa
escala mais vasta, reina uma ordem distante, aquela da sociedade inteira (das relações
de produção e do Estado). A contradição se precisa quando a ordem distante, aquela das
relações (sociais) de produção a escala global, portanto aquela de sua reprodução,
invade brutalmente as relações próximas (a vizinhança, a natureza em torno da cidade, a
região, as comunidades locais, etc.).
A desumanização da cidade pelo tempo da mercadoria e do capital financeiro nega a
sua herança comunitária de lugar de encontro e de lutas. A cidade torna-se centro
23
privilegiado do consumo em detrimento de seu significado como lugar da política. O
conceito de “urbano” aparece com a transformação daquilo que ele permite conhecer.
Ele nasce com a explosão da cidade e os problemas de deterioração da vida urbana. O
urbano assim concebido corresponde à forma geral do encontro e da simultaneidade. O
campo transformado em “gueto dos lazeres” corresponde a um desvio do desejo de uma
vida plena, não alienada, desejo que também se manifesta com a afirmação do “urbano”
como lugar do uso e do encontro.
Além dos diferentes conteúdos assumidos pelos espaços urbano e rural no tempo a
contemporaneidade também comporta o diverso.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado nos remete a diferenças de ritmo e
intensidade com que as mudanças se processam no campo e na cidade e internamente a
estes espaços.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado se expressa numa dupla
complexidade de influências recíprocas, as complexidades horizontal e vertical, que se
manifestam no campo da seguinte maneira. A complexidade horizontal (ou espacial) é
constituída por formações e estruturas agrárias diferentes pertencentes a uma mesma
época histórica. A complexidade vertical (ou histórica) caracteriza-se pela coexistência
de formações e estruturas agrárias de épocas diferentes.
A permanência de arcaísmos tem sido maior no mundo rural, no entanto, ele
também tem sediado intensas e rápidas transformações, com impactos profundos em sua
paisagem e organização sócio-econômica. O espaço rural comporta mais facilmente
mudanças na composição orgânica do capital do que se verifica nas cidades a
substituição de sua composição técnica, pois é muito mais caro arrasar um quarteirão
para abrir uma nova avenida do que, por exemplo, substituir máquinas, sementes e
produtos químicos.
Dado o atual estágio em que se encontra o processo de mundialização do sistema
capitalista ou globalização, fica evidente a importância de diferentes formas de
interação entre os níveis local, regional, nacional e global. Daí adviria uma terceira
complexidade resultante da superposição de escalas geográficas, que pode ser
denominada de transversal por cruzar as duas complexidades anteriores.
Apesar de estar sob a influência dessas complexidades, o campo é um espaço
marcado por menos mediações do que o espaço urbano. A maior ou menor intensidade
dos laços e relações próximas verificados no primeiro depende sobretudo de como os
24
grupos sociais que sobre ele atuam se relacionam com a terra, podendo implicar
questões de territorialidade e sentimento de localidade.
O espaço rural corresponde a um meio específico, de características mais naturais do
que o urbano, que é produzido a partir de uma multiplicidade de usos nos quais a terra
ou o “espaço natural” aparecem como um fator primordial, o que tem resultado muitas
vezes na criação e recriação de formas sociais de forte inscrição local, ou seja, de
territorialidade intensa.
A necessidade de ações voltadas para o desenvolvimento e a inclusão social no
Brasil se põe para o campo da mesma forma que para a cidade, pois, tanto num espaço
como no outro, grande parte de nossas classes subalternas não alcança a plena
cidadania. Elas vivem numa condição de constante instabilidade, deslocando-se entre o
espaço rural e o urbano a procura de melhores condições de vida.
A divisão do trabalho entre o campo e a cidade não tem comumente gerado uma
nítida separação no interior das classes subalternas entre os trabalhadores rurais e os
urbanos. As classes subalternas são formadas da uma maneira geral por diferentes
segmentos da classe trabalhadora que desempenham atividades que exigem menor
qualificação técnica e se restringem na sua maioria ao que chamamos grosseiramente de
“trabalho braçal”.
Em sua trajetória errante, o trabalhador brasileiro experimenta uma diversidade de
condições de vida e vai tecendo entre o campo e a cidade uma teia de relações que
assegura a sua sobrevivência. Neste movimento, verifica-se tanto a recriação de práticas
e tradições rurais em espaços liminares nas periferias das cidades, quanto à adoção de
valores e padrões de consumo urbanos no campo.
A experiência de exclusão social vivida pelas classes subalternas em diferentes
situações tem servido para elevar as categorias e valores tradicionais a uma posição
central na visão de mundo destes sujeitos. Isso se deve à forma como eles organizam a
reprodução de sua existência e ao fato de estes valores se oporem ao domínio da visão
de mundo moderna que os coisifica e dá sustentação aos processos de exploração e
subordinação a que estão submetidos.
No Brasil, as diferentes formas de exploração impostas às classes subalternas do
campo têm a sua origem no quadro da propriedade privada e são agravadas pela
condição de subordinação sócio-cultural vivenciada por estas populações. Tal
subordinação decorre de múltiplos fatores, dentre eles se destaca o limitado acesso à
25
educação formal a que tem sido submetida historicamente a maior parte de nossa
população rural, e pode se manifestar por meio da forma impositiva como são inseridos
no campo tecnologias e saberes produzidos em contextos sociais externos.
Algumas propostas em discussão sobre as possibilidades de desenvolvimento para o
nosso rural têm se apoiado em experiências recentes encontradas em países como
França e Estados Unidos, onde tem se observado em alguns lugares o renascimento e a
revalorização do campo com a instalação de neo-rurais (novos agricultores de origem
urbana, profissionais liberais terceirizados, pessoas ligadas ao setor de serviços, etc.).
Temos que estar atentos a estas mudanças e aprender com elas. Porém, a nossa realidade
é muito diferente e não podemos perder de vista as suas particularidades. Pensar
políticas voltadas para assegurar a viabilidade econômica dos agricultores e outros
segmentos do campo é importante, mas não se alcança o objetivo perseguido pela idéia
de desenvolvimento social se estas não estão subordinadas a outras prioridades.
Neste sentido, o campo não pode ser concebido apenas como complementar à
cidade e paisagem a ser consumida. Ele pode e deve ser portador de novas experiências
que contribuam para a superação de problemas estruturais de nossa sociedade como o
apartheid social. Um projeto de desenvolvimento rural que vise a inclusão social a
partir da melhoria geral das condições de vida e da realização de novas atividades no
campo deve se basear no processo de descentralização política e de valorização de
saberes locais. Discutir alternativas para o campo apoiadas sobretudo em demandas da
cidade implica forte risco de manutenção da população rural em situação de
subordinação.
A discussão sobre a construção de um “novo” espaço rural é uma condição
fundamental para que se possa repensar o nosso urbano, na medida em que o significado
proposto para a ruralidade deve comportar uma crítica à sociedade que transformou o
homem e a terra em mercadorias e, portanto, ao processo de alienação que lhe é
subjacente.
O território é aqui entendido como um espaço socialmente construído por um
determinado grupo social na produção e reprodução de sua existência. Por isso, ele não
cabe dentro de uma divisão político-administrativa.
Muitas dessas experiências não passam desapercebidas pelo Estado nem pelas
agências multilaterais, que têm despertado para o valor e o poder das organizações
locais na gestão da sociedade. Esta questão, juntamente com uma série de outros fatores,
como por exemplo à pressão da sociedade civil nos países centrais, tem levado
26
entidades como o Banco Mundial e o Banco do Nordeste a exigir a existência de
organizações associativas em seus projetos.
A mobilização da base vem sendo estimulada pelo Estado em suas ações de
desenvolvimento. No entanto, o caráter regulador do Estado entra em conflito direto
com o potencial criativo que um real processo de descentralização poderia despertar,
retirando-lhe legitimidade e propondo formatos institucionais.
As relações de poder e o exercício da hegemonia têm se manifestado, em seus
aspectos econômicos, políticos, culturais e simbólicos. Cidade e campo, urbano e rural,
vêm sendo percebidos como polaridades, nas quais a assimetria de poder e hegemonia, e
as representações daí resultantes, nos últimos séculos na Europa, e, no Brasil,
principalmente depois da Revolução de 1930 (e da legislação daí resultante), têm
mantido a cidade (e o urbano) como dominante na polarização que exerce, acentuando
uma dicotomia que só, nas últimas décadas, vem sendo alterada pelas novas lógicas da
acumulação capitalista. O campo (e o rural) vem sendo percebido, já há algum tempo,
como mercadoria (terra-mercadoria), capaz de gerar, graças ao trabalho, outras
mercadorias, além das rendas obtidas pela especulação. Atualmente, a essas condições
já tradicionais, são incorporados novos papéis, integrados a um movimento de
ressignificação do rural, em que a natureza e as “atratividades” do campo, tornam-se
mercadorias valiosas. Não se trata apenas da terra ou do trabalho a ela incorporado.
Trata-se de novos atributos, muitas vezes imateriais, em que valores ligados à
natureza, à paisagem, à exploração do trabalho em áreas rurais, obrigam-nos a repensar
a própria teoria da renda da terra. O capitalismo recria um rural, capaz de participante
de lógicas complexas, integrar-se, desigualmente, às múltiplas escalas que marcam as
interações espaciais do mundo atual. Esse processo de integração afeta, sobremaneira, a
(re)construção ou a manutenção da identidade social do agricultor e os rebatimentos
territoriais desse processo. É às novas territorialidades, resultantes das interações urbano
- rural e às identidades que a elas se integram, que dedicaremos este ensaio.
O objetivo central é definir e analisar tais interações que denominaremos
“urbanidades no rural”. Com isso, procura-se compreender as intrincadas formas de
produção do espaço rural, manifestadas em territorialidades híbridas -urbanidades no
rural- integradas à lógica geral do desenvolvimento do capitalismo, tomando como base
empírica parte da região Serrana Fluminense que será apenas referida.
Mencionar a recriação do rural pelo capitalismo e as relações cidade-campo que daí
decorrem, é falar de um tempo histórico amplo em que a “derrota” dos antigos regimes
27
na Europa (feudalismo) e, mais recentemente, no Brasil (escravismo) permitiu o
processo de construção da hegemonia burguesa e deslocou o centro do poder do campo
para a cidade e da agricultura para a indústria.
Tal diversidade de discursos fica evidenciada, por exemplo, na política
governamental brasileira (mas não restrita a ela) ao instituir ministérios distintos para a
agricultura e para o desenvolvimento agrário. Não é necessário lembrar a importância
que tem sido atribuída, tão desigualmente, a esses ministérios. O primeiro sendo
politicamente e economicamente uma das sustentações do governo. O segundo mantémse relevante politicamente, graças aos movimentos sociais no campo mas,
economicamente, é apenas objeto de políticas compensatórias que podem atuar, até
mesmo, como retardadoras do projeto de reforma agrária, que, em princípio, justificaria
sua existência.
Assim, na política oficial brasileira o rural tem sido percebido como agrícola (ligado
apenas à produção); a agricultura de exportação tem sido privilegiada, enquanto a
agricultura de mercado interno foi chamada de “agricultura de subsistência” e
considerados os pequenos agricultores (proprietários ou não) como incapazes de
acompanhar o progresso técnico, econômico e social.
As benesses da política agrícola, como foi o caso do crédito agrícola altamente
subsidiado da Revolução Verde, foram dirigidas para as próprias elites do mundo rural,
transformando latifundiários em empresas capitalistas, implantando os setores
internacionalizados de produção de máquinas, equipamentos e insumos, e centralizando
e modernizando o aparato agroindustrial, em resumo, constituindo o moderno
agrobusiness brasileiro.
O Estado, ao viabilizar os complexos agroindustriais e favorecer o empresariado
rural em detrimento dos produtores familiares camponeses, tem mantido os velhos
pactos entre os setores do bloco hegemônico, contando sempre com a resistência,
algumas vezes manifestada com violência, desses camponeses que desenvolvem
estratégias de sobrevivência particulares ou coletivas, quando integrados a movimentos
sociais rurais (embora não exclusivamente com contingentes rurais) como o MST, o de
maior expressão até o momento.
As mudanças no modelo produtivo e organizacional no campo compõem
transformações mais amplas na sociedade brasileira (por sua vez integradas a alterações
sentidas em escala global) que marcam as últimas duas décadas. Define-se uma lógica
capitalista em que novas representações do espaço emergem e vão ser difundidas como
28
“um novo rural”. Na verdade são novas imagens, novos sentidos para o espaço rural que
mantêm a visão produtivista, até agora dominante, mas que se traduzem em novos
qualificativos para outras relações entre o espaço urbano e o rural e entre a cidade e o
campo. Estas novas relações remetem para uma outra conceituação de urbano e rural,
mas também de agrícola. Rural torna-se, cada vez mais, diferente de agrícola. Ao
mesmo tempo, distingue-se cidade e urbano explicitando a crescente complexidade que
marca tais relações. Rural e urbano fundem-se mas sem se tornarem a mesma coisa, já
que preservam suas especificidades.
Como evidência disso, atualmente, como, aliás, no início do processo de
industrialização, a indústria, muitas vezes, “ruraliza-se”, Hoje em dia, os serviços se
estendem ao campo reforçando aquilo que chamaremos de “urbanidades no rural”
aceleradas pela industrialização do (e no) campo e da própria agricultura. O modo de
produção capitalista recria o campo. Há um movimento de expansão física e de
expansão “ideológica” dos padrões urbanos que vão caracterizar o que alguns
denominam “novo rural” que, cada vez mais, se distancia do predominantemente
agrícola. Desaparece o tradicional corte rural/urbano; a pluriatividade, que mescla
atividades não-agrícolas (a maioria de “caráter” urbano) e agrícolas no espaço rural; a
diminuição do tempo necessário para o trabalho agrícola (mecanização etc), que podem
levar o agricultor à dedicação parcial à agricultura, podendo incorporar outras fontes de
renda ao orçamento familiar; políticas de redução das áreas cultivadas, onde tecnologias
são incorporadas - área menor com mais produtividade; novas atividades surgem no
campo, antes exclusivas da cidade; a localização de fábricas no campo: a difusão de
trabalho industrial no campo (trabalho a domicílio); a unidade familiar tornando-se cada
vez mais distinta da unidade de produção e marcando o momento presente do mercado
de trabalho rural. Procura-se cada vez mais trabalhar fora da unidade produtiva, quando
membros da família dedicam-se à prestação de serviços (tratorista, turmeiro, frentista,
comerciário, bancário, veterinário, piloto agrícola etc); estabelece-se uma estratégia de
não-fragmentação da terra, aceita por alguns membros da família, em troca de outras
vantagens (estudo, liberação para trabalhar na cidade, por exemplo). Essa caracterização
da chamada pluriatividade marca uma nova relação com a terra. Define, ainda, uma
estratégia de resistência para permitir à família nela permanecer. Graças a
pluriatividade, as funções familiares, ultrapassam em muito aquelas abarcadas pela
produção, permitindo alternativas à família para gerir um projeto coletivo de
29
incorporação de gerações. Para nós, a pluriatividade já se integra a uma série de
“urbanidades no rural”.
Alguns autores analisam a pluriatividade correspondendo a um processo gradual
cujo desfecho seria o abandono das atividades agrícolas - ou a perda relativa de sua
importância para a reprodução das famílias - e a passagem, também gradual, do meio
rural para o meio urbano.
Sintetiza bem esse processo de recriação do rural, com base na pluriatividade e na
perspectiva de uma multifuncionalidade do território (defesa dos patrimônios naturais e
culturais), referindo-se ao Brasil, quando escreve: Esse (novo mundo rural) passa a ser
compreendido não mais como espaço exclusivo das atividades, mas como lugar de uma
sociabilidade mais complexa que aciona novas redes sociais regionais, estaduais,
nacionais e mesmo transnacionais. Redes sociais as mais variadas que no processo de
revalorização do mundo rural, envolvem a reconversão produtiva (diversificação da
produção), a reconversão tecnológica (tecnologias alternativas de cunho agroecológico e
natural), a democratização da organização produtiva e agrária (reforma agrária e
fortalecimento da agricultura familiar), bem como o fortalecimento dos turismos rurais
(ecológico e cultural).
Ocorre uma valorização da cultura local e a dinamização de agroindústrias
associativas de agricultores familiares. Esses processos de revalorização do mundo
rural, ressignificando-o (quando se trata de signos herdados, ou produzindo novos
signos), consolidam atividades rurais e urbanas em áreas interioranas. Essas
ressignificações têm influído nas representações que marcam o rural, sendo, por elas,
também, afetadas provocando a necessária revisão conceitual de “rural” e “urbano”
procurando incorporar as lógicas atuais que marcam o espaço, como um todo. É
importante, desde já, deixar claro que não concordamos com o tom otimista que marca a
maioria dos discursos sobre o “novo rural”. A integração à lógica do mercado coloca
novos desafios aos agricultores (aos quais nem todos podem fazer face), fortalecendo
polarizações sociais e produzindo desigualdades cada vez mais marcantes.
Se há um movimento de unificação urbano-rural pela lógica capitalista, como
acreditamos, com um certo sentido de equalização do espaço, há, por outro lado, muitas
manifestações de resistência a essa equalização pretensamente homogeneizadora, que se
traduzem por estratégias de sobrevivência das famílias rurais, principalmente daquelas
mais pobres e/ou empobrecidas no movimento de integração acima referido, quando
buscam manter ou (re)construir suas identidades territoriais. Isto nos coloca frente a um
30
complexo processo de heterogeneização do espaço, integrada à lógica desigualizadora
do desenvolvimento do capitalismo, na qual interagem dimensões econômicas,
políticas, culturais e simbólicas. Tentar compreender este intrincado processo de
“criação de identidades territoriais”, não como um “novo rural”, mas como novas
territorialidades, híbridas, mistas de “urbano” e “rural”, em que novas geografias são
identificadas.
Deve-se propor um outro modo de ver a realidade, oposto àquele fundado em
dois pólos distintos - rural e urbano, retomando a idéia de um espaço híbrido, isto é, um
conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações (variando em cada
momento histórico), definição, para espaço. Essa idéia de híbrido, referindo-se às
relações sociedade-natureza, pode ser apropriada por nós quando se define o espaço
como um híbrido e escreve que “a sua existência geográfica (dos objetos) é dada pelas
relações sociais a que o objeto se subordina, e que determinam as relações técnicas ou
de vizinhança mantidas com outros objetos”. Ao lembrar que a noção de forma
conteúdo é, em geografia, o correlato dessa idéia de mistos ou híbridos, esse autor,
auxilia-nos a rever o rural (em sua multiplicidade) como uma variedade de híbridos, em
que a “pureza” da distinção com relação ao urbano, se algum dia existiu, não se percebe
atualmente.
A produção de um rural híbrido transcende as condições materiais e os processos
que lhes dão origem. Tal origem está também relacionada à produção de discursos sobre
o rural e de poderosas imagens e símbolos, através dos quais o rural é representado
como o “outro”, em relação ao urbano.
Sugerem-se duas “vertentes analíticas”:
A primeira parece trabalhar com a idéia de “urbanização do rural”, em que o
rural desaparecerá e se tornará urbano, isto num reducionismo muito simplificador. Essa
idéia tem permeado, com maior ou menor intensidade, as análises da maioria dos
autores da chamada teoria social crítica, numa abordagem mais “clássica”.
Tal visão do rural tem atravessado a maioria das análises até hoje efetuadas,
inclusive aquelas oriundas de Marx que, ao estudar as relações cidade-campo não
escapou da visão urbanocêntrica que dá primazia à cidade em sua luta contra o campo e
corroborou uma imagem retrógrada do campo constituindo-o como o “outro” da cidade
A “urbanização do rural” pode ser relacionada à idéia de continuum, em que haveria
graus distintos de urbanização do território. A visão desses autores é marcada por uma
31
certa teleologia em que, para alguns, o destino inexorável do rural é desaparecer,
tornando-se urbano.
Há uma escala da urbanização que abrange todo o território, mas também
existem outras escalas, em que acontecimentos locais, fruto de leituras particulares onde
as interações local/global, interno/externo, urbano/rural que incorpore território e escala.
Esta percepção da necessidade de uma abordagem multiescalar é que nos fez
recorrer a autores de uma segunda “vertente analítica”, com a qual mais nos
identificamos e à qual denominamos “urbanização no rural”, que pleiteia a manutenção
de especificidades no espaço rural, mesmo quando impactado pela força do urbano.
Admitir-se a possibilidade da convivência, num mesmo espaço, da cultura rural
com a cultura urbana, o que reforça a idéia da presença das “urbanidades no rural”,
como veremos.
Rural e urbano correspondem a representações sociais alteradas, re-elaboradas
ou ressignificadas, consoante o universo simbólico a que estejam referidas.
Ao estabelecerem o modelo da OCDE como parâmetro para se pensar o rural no Brasil
enfatizam demasiadamente a dimensão político-administrativa (normativa), em
detrimento de outras dimensões (simbólica, cultural, natural) exigidas para uma análise
mais integradora do território.
Um território representa uma trama de relações com raízes históricas,
configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco
conhecido no próprio desenvolvimento econômico. O modelo da OCDE que criou uma
nova delimitação das fronteiras entre o urbano e o rural com base em indicadores que
permitiriam compreender as disparidades entre diferentes situações territoriais.
Pensamos que utilizar modelos aplicados em países desenvolvidos para
realidades tão diversas como a brasileira, em geral, e a fluminense em particular pode
levar-nos a conclusões equivocadas. Afinal, em que país central, com as dimensões
territoriais do estado do Rio de Janeiro, existe tamanha macrocefalia metropolitana, com
um peso político, econômico, demográfico, cultural tão concentrado numa única cidade,
No estado do Rio de Janeiro observa-se uma verdadeira metropolização do espaço que
imprime ao território características antes exclusivas da região metropolitana, fazendo
com que não só as práticas sociais, mas, inclusive as identidades dos lugares, fiquem
sujeitas aos códigos da metrópole. Mais de 95% da população do estado do Rio de
Janeiro é considerada, estatisticamente, urbana e, destes, 76% residem na Área
Metropolitana (mesmo tendo reduzido ligeiramente essa participação), o que marca, em
32
nosso estado, forte imbricação do “urbano” e do “rural”, facilitada pela mais densa rede
rodoviária do país. A enorme macrocefalia exercida pela AMRJ, que dos dez
municípios mais populosos do estado do Rio de Janeiro, sete estão na Área
Metropolitana, já nos faria relativizar a aplicação dos indicadores da OCDE em nosso
estado. Falar em maior ou menor densidade demográfica para definir o rural e o urbano
parece insuficiente quando se está diante de tão intensa metropolização, que alcança
todo o estado, e o ultrapassa.
Aspecto mais importante ainda é o risco que se corre ao distinguir
estatisticamente urbano e rural, como se faz no Brasil, desde 1938, com a definição
oficial do que é urbano. Rural é tudo o que não é urbano. As prefeituras, em busca de
mais tributos arrecadados, têm todo o interesse em criar “espaços urbanos”. Ao IBGE
cabe acatar tais definições, mesmo que, de há muito, tente formular outras demarcações.
Ao enfatizar-se as definições estatísticas corre-se o risco de obscurecer o movimento
contraditório que marca as interações espaciais na atual fase de unificação
diferenciadora do espaço do capital. É necessário buscar formas de analisar o real e,
para isso, utilizar os instrumentos disponíveis, mas com muito cuidado.
As “urbanidades” decorrentes dessa interação, não serão apenas novas
ruralidades, e sim, o urbano presente no campo, sem que cada espacialidade perca suas
marcas.
Logo o espaço híbrido que resulta dessas interações, não é um urbano ruralizado
nem um rural urbanizado. É algo novo, ainda por definir e que desafia os pesquisadores,
tanto nos países da OCDE (onde muitos criticam os critérios atualmente adotados)
quanto em países como o Brasil, onde se luta para ultrapassar a concepção oficial de que
rural é tudo que não é urbano.
A ressignificação do rural, através da idéia de “urbanidades no rural” inclui uma
série de representações que re-apresentam este espaço como um “outro rural”. Este,
concebido, primordialmente, na cidade, como uma nova mercadoria, comporta a face
“natural” da natureza e porta uma virtualidade, que se torna real. Virtual e real se
confundem nas recriações que as novas representações do rural carregam.
Percebe-se que a ressignificação do rural não é fruto apenas de criações urbanas,
mas também das leituras particulares por parte dos habitantes das áreas rurais,
conformando um caráter híbrido ao território e às identidades criadas com componentes
“rurais” e “urbanos”, usados, estrategicamente, como discursos e reivindicações
predominantes, de acordo com o momento vivido pelos agentes sociais locais, em que
33
situações de inferiorização (frente aos urbanos) e de reivindicação de direitos convivem
nos relatos obtidos na pesquisa. Mais uma vez ficou evidente o caráter híbrido das
identidades
territoriais
construídas,
principalmente
naquelas
áreas
de
maior
adensamento de “urbanidades” como em algumas áreas da região Serrana Fluminense,
que estudamos mais detalhadamente como empiria desta análise.
Ao se considerar multiterritorialidade como a capacidade de usufruir uma
multiplicidade inédita de territórios, seja no sentido de sua sobreposição num mesmo
local, seja de sua conexão em rede por vários pontos do mundo, sendo, assim,
multiescalar. Isto para as classes mais privilegiadas.
As inúmeras territorialidades experimentadas por um usineiro do NorteFluminense, com casa, empresa e terras na região, mas com residências (secundárias ou
não) em Ipanema e em Paris, contrasta com a quase mono-territorialidade do cortador
de cana da baixada campista ou do meeiro da Região Serrana, em suas vivências
cotidianas limitadas. Nas localidades em que a presença de turistas (muitas vezes
estrangeiros) e/ou veranistas é mais significativa, esse contraste é ainda maior, por conta
do convívio social mais intenso entre esses atores. As alterações sofridas na
territorialidade cotidiana de um agricultor da região Serrana são marcantes ao mudar seu
calendário agrícola, por conta da época de turismo, ao alugar seu quintal para campistas
ou sua casa por temporada, como ocorre em Sana, São Pedro da Serra e Lumiar. É
preciso referir a vivência virtual das territorialidades “carregadas” pelos turistas, nos
relatos efetuados por eles, nos hábitos diversos, tão contrastantes com os dos “locais”. O
que se deseja reforçar é que o capitalismo tem encontrado novas forças de se
transfigurar em múltiplas novas mercadorias - rural e natureza, em nossa exemplificação
- e em criar outras formas de desigualização social e espacial, em que a possibilidade
(ou não) de experimentar as múltiplas territorialidades se coloca como centro dessa
desigualização.
Assim, enquanto uma elite globalizada tem a opção de escolher entre os
territórios que melhor lhe aprouver, vivenciando efetivamente uma multiterritorialidade,
outros, na base da pirâmide social, não têm sequer a opção do “primeiro” território, o
território como abrigo, fundamento mínimo de sua reprodução física cotidiana.Tem-se a
idéia de “urbanidades no rural” compreendendo que as especificidades do rural devem
ser preservadas, inclusive como base para ações políticas necessárias - uma reforma
agrária diversificada, capaz de contemplar a imensa diversidade de situações oriundas
34
da hibridez que marca as áreas rurais de hoje - e que essa idéia pode auxiliar na análise
das múltiplas territorialidades criadas por esse caráter híbrido que o espaço adquire.
Qualquer agente social procura desenvolver condições de controlar pessoas e
objetos localizados em seu território, para com isso, efetivar projetos políticos,
econômicos ou culturais. O território torna-se um importante instrumento da existência
e reprodução do agente social que o criou e/ou o controla manifestando nessas ações as
relações de poder e hegemonia que marcam as sociedades atuais.
Na escala mais ampla projeta-se aquilo que denominamos, urbanização
ideológica (difusa, comportamental...), com tudo de impreciso que essa terminologia
acarreta. Na escala local desenrola-se um movimento mais concreto, mensurável em
certos aspectos. É aí que se percebe o caráter híbrido do território. Um rural que
interage com o urbano, sem deixar de ser rural; transformado, não extinto. A hibridez
permanente evidencia a “criação local”, isto é, a capacidade dos atores locais de,
influenciados pelo externo, de escala mais ampla, desenvolverem leituras particulares
dessa influência e produzirem territorialidades particulares. Essas territorialidades,
diferenciadamente vividas, podem traduzir-se em múltiplas territorialidades para alguns,
e reduzida capacidade de experimentá-las, para a maioria, tornando-se, assim, mais um
elemento desigualizador.
A interação entre a escala mais restrita, do lugar, e a mais ampla, da sociedade
urbana, se dá, também, de maneira desigual e com caráter desigualizador. A
possibilidade de vivenciar diversas escalas e de “transitar” entre elas, desconhecendolhes os limites, é desfrutada por poucos. A maioria das pessoas de um dado local, vive e
experimenta escalas muito limitadas, em sua capacidade de ação, ao mesmo tempo em
que interage em territorialidades restritas.
Portanto, fica claro, que a análise balizada por recortes administrativos torna-se
bem menos significativa do que as abordagens normativas insistem em apresentar. A
escala da ação torna-se, cada vez mais, um elemento definidor das interações espaciais,
em nosso caso, das interações do rural com o urbano como tentamos demonstrar neste
artigo.
35
Apesar de a literatura internacional já tratar do tema da pluriatividade e do
crescente engajamento dos residentes rurais em atividades não agrícolas desde o final
dos anos 70, no Brasil essa discussão começou a ganhar corpo, dentro de uma linha de
pesquisa sistemática e de âmbito nacional, apenas no início dos anos 90.
Desde então, inúmeros estudos foram realizados, com grande destaque para
aqueles contidos no Projeto Rurbano1, com o intuito de mostrar que o rural brasileiro
não pode mais ser entendido como o espaço onde são desenvolvidas apenas as
tradicionais atividades agrícolas e pecuárias. A profunda transformação da estrutura de
ocupação da população rural, com o forte crescimento das atividades não agrícolas,
consolidou um quadro de grande heterogeneidade das famílias rurais, cujas estratégias
de sobrevivência e/ou acumulação cada vez mais incluem outras atividades econômicas
juntamente com a agricultura. Essas mudanças trazem consigo a necessidade de um
novo olhar para a realidade rural brasileira neste início de século e de novos
instrumentos para a elaboração das políticas de desenvolvimento rural.
Mudanças rurais e crescimento das ocupações nas atividades não-agrícolas.
Vários trabalhos que trataram do crescimento das ocupações não agrícolas da
população rural tenderam a explicar o motivo desse comportamento focalizando apenas
um dos pontos fundamentais relacionados com as profundas transformações pelas quais
vem passando o meio rural, qual seja, a clara e forte tendência de queda das ocupações
agrícolas. Essa tendência ocorreu, e continua ocorrendo, como conseqüência da
modernização e mecanização das principais operações de cultivo das grandes culturas e
também pela redução da área cultivada, motivada seja por crises de algumas culturas
(como no Brasil e vários países em desenvolvimento, cujas políticas agrícolas estão
sendo, ou já foram, desmontadas), seja por políticas específicas de controle de
excedentes (set aside nos EUA e Europa, por exemplo). Como resultado dessa
modernização, houve um grande aumento da produção física, com uma área cultivada
substancialmente menor e um contingente cada vez mais reduzido de trabalhadores no
processo produtivo.
No entanto, para melhor entender o grande crescimento das ocupações rurais não
agrícolas da população economicamente ativa (PEA) com domicílio rural,
principalmente nos anos 80 e 90, é necessária a inclusão de outros fatores explicativos:
36
a crise na agricultura e a queda dos preços das principais commodities e da renda dos
agricultores; as novas funções de turismo, lazer, moradia e local de investimentos
industriais e de serviços do meio rural e a emergência de novos atores rurais; as
mudanças nas famílias rurais, cujas estratégias crescentemente deixam de estar
nucleadas na agropecuária; as mudanças nas explorações agropecuárias, com a
externalização (terceirização) de atividades agrícolas antes feitas por membros
familiares; e as similaridades entre os mercados de trabalho urbano e rural, não somente
em termos de participação dos ramos de atividade na ocupação das pessoas como
também em relação ao próprio processo de trabalho. Esses pontos, conjuntamente com
o avanço tecnológico que reduz as ocupações agrícolas, ajudam a explicar, de forma
mais adequada, por que cada vez mais a PEA rural nos diferentes países, desenvolvidos
ou em desenvolvimento, ocupa-se fora das atividades agropecuárias.
Analisando-se a evolução das ocupações rurais não agrícolas em 18 países
latino-americanos, nas décadas de 70 e 80, observou que o número de pessoas ocupadas
na agricultura vem se reduzindo de forma acentuada e sistemática. Em 1950, 54% dos
trabalhadores latino-americanos estavam ocupados na agricultura. No início dos anos
90, essa participação caiu para 25%.
Na América Latina, ao redor de 70% dos ocupados com residência em áreas
rurais tinham sua ocupação principal na agricultura até o início dos anos 90. No entanto,
comparando-se os anos iniciais e terminais considerados na pesquisa, Klein observou
que a proporção de pessoas residentes no meio rural e dedicadas principalmente à
agricultura diminuiu em praticamente todos os 18 países pesquisados. Como
contrapartida, houve um crescimento das ocupações não-agrícolas, chegando a absorver
mais de 40% dos ocupados rurais na Venezuela, Panamá, Costa Rica e Cuba. Ou seja,
em alguns países latino-americanos, já no final da década de 80, quase a metade da
população economicamente ativa residente nas áreas rurais estava ocupada em
atividades não agrícola, desenvolvidas no meio rural ou urbano. No período
considerado, a PEA rural agrícola decresceu a uma taxa de -0,8% ao ano, ao passo que a
PEA não agrícola cresceu a taxas de 3,4 % ao ano, valor maior do que o crescimento
médio da PEA total na América Latina como um todo (2,6% ao ano).
No Brasil analisando-se os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) para os residentes rurais, o autor constatou um aumento de 6,0% ao
ano no número de ocupados em atividades não agrícolas, contra um ligeiro acréscimo de
37
0,7% nas ocupações agrícolas no período 1981-90. Com isso, em 1990, a participação
da PEA não agrícola já representava 31,6% do total da PEA rural ocupada (ou seja, de
cada três pessoas ocupadas e residentes nas áreas rurais brasileiras, uma estava
trabalhando em atividades não agrícolas). Segundo o autor, “esse é um indicador
extremamente expressivo das novas funções que assume o campo brasileiro, que além
de produzir produtos agrícolas representa hoje também local de moradia, de lazer, de
serviços e de emprego para pessoas ocupadas em atividades não agrícolas. Ou seja,
embora muita gente ainda acredite que quem mora na zona rural está ocupado (somente)
em atividades agropecuárias, isso há muito deixou de ser verdade”.
Para o estado de São Paulo: Esses estudos, a partir da constatação de que no
rural paulista as transformações acima já eram sentidas de forma muito acentuada,
também analisaram a evolução das ocupações agrícolas e não agrícolas dos residentes
rurais. A principal conclusão era que, analisando-se essas novas funções do meio rural,
já não se podia mais caracterizá-lo somente como agrário. Era fundamental incluir
outras variáveis, como as atividades rurais não agrícolas decorrentes da crescente
urbanização do meio rural (moradias de alto padrão, turismo rural, lazer e outros
serviços), as atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de
atividades agropecuárias intensivas (olericultura, floricultura, fruticultura de mesa,
piscicultura, criação de pequenos animais  rã, escargot, aves exóticas), que buscam
nichos de mercado para sua inserção econômica. Além disso, o comportamento do
emprego rural, principalmente dos movimentos da população residente nas zonas rurais,
não pode mais ser explicado apenas com base no calendário agrícola e na
expansão/retração das áreas e/ou produção agropecuárias. Esse conjunto de atividades,
assim como a ocupação da população economicamente ativa com domicílio rural nos
setores do comércio, da indústria e da prestação de serviços, públicos e privados,
responde cada vez mais pela nova dinâmica populacional do meio rural paulista.
Evolução das ocupações agrícolas e não agrícolas da PEA rural não
metropolitana paulista nos anos 90
O crescimento das ocupações não agrícolas da PEA rural na região não
metropolitana do Estado de São Paulo manifestou-se com grande magnitude nos anos
90. Esse crescimento foi tão intenso que, no período compreendido entre 1992 e 1997,
as ocupações não agrícolas dos residentes rurais (entendidos como as situações de
domicílio de distritos e povoados e rural agropecuário) superaram as agrícolas.
38
Pode-se notar que, desde 1997, o número de pessoas ocupadas em atividades não
agrícolas é superior ao de pessoas ocupadas na agricultura. Em 1999, as ocupações não
agrícolas superaram as agrícolas em 56 mil pessoas. Deve ser ressaltado, também, que
nesse ano, pela primeira vez as ocupações não agrícolas dos residentes no rural
agropecuário superaram as ocupações agrícolas (448 mil pessoas ocupadas, contra 432
mil em atividades agrícolas). Na área rural classificada como distritos e povoados, desde
o início dos anos 90, a PEA não agrícola já era bem superior à agrícola. Saliente-se que
cerca de 90% do total da PEA rural não metropolitana (agrícola e não agrícola)
encontrava-se no rural privado.
A partir dos dados do Sensor Rural, boletim quadrimestral da Fundação Seade, é
possível observar quais foram às culturas que mais influenciaram na queda das
ocupações agrícolas nos anos 90. Pelas informações do gráfico a seguir, pode-se notar
que a demanda de mão-de-obra vem apresentando queda ao longo dos anos 90,
reforçando os dados das PNADs. A incorporação das modernas tecnologias disponíveis
para os agricultores, principalmente para as operações de colheita e pós-colheita, e a
queda da área cultivada de importantes culturas provocou forte exclusão de
trabalhadores do processo produtivo na agropecuária paulista. As principais reduções
das ocupações agrícolas ocorreram nas culturas de cana-de-açúcar (após 1995, com a
crise do setor e a intensificação do uso de colhedoras mecânicas na colheita da cana
crua), café e grãos e oleaginosas. Os principais destaques, em termos de crescimento da
demanda de força de trabalho, foram à fruticultura e a olericultura, atividades muito
intensivas no uso de mão-de-obra e que responderam de forma muito positiva aos
estímulos da expansão de uma demanda diferenciada das classes urbanas de alta renda.
Os contratos de produção dos agricultores com as agroindústrias fabricantes de
compotas, doces e sucos, além do próprio aumento do consumo in natura de frutas
frescas, têm permitido a expansão da área cultivada com a fruticultura no estado de São
Paulo. No caso das olerícolas, cuja produção concentra-se no “cinturão verde”, seu
crescimento foi uma resposta à grande expansão e diferenciação do mercado
consumidor, puxado, em boa medida, pelas redes de fast-food, supermercados e por um
mercado consumidor de alta renda localizado nas regiões metropolitanas. Salienta-se
que a demanda de mão-de-obra na olericultura paulista cresceu 87,1% no período 19902000,
ao
passo
que
na
fruticultura
o
crescimento
foi
de
28,2%.
Os principais ramos de atividade da PEA rural não metropolitana paulista, em 1999,
39
foram os de prestação de serviços, indústria de transformação, comércio de mercadorias,
indústria da construção e serviços sociais, que responderam por cerca de 85% do total
das ocupações.
No estado de São Paulo, nota-se a presença de praticamente todas as dinâmicas
responsáveis pelo crescimento das ocupações não agrícolas da população residente no
meio rural. As dinâmicas referem-se: às atividades econômicas diretamente vinculadas à
agricultura, fornecendo bens e serviços que servem como insumos da produção e,
também, processando, comercializando e transportando os produtos agropecuários; às
ocupações geradas pelo consumo da população rural, incluindo tanto os bens e serviços
de consumo como os serviços auxiliares para o consumo de bens urbanos (transporte,
comércio etc.); ao “excedente” da mão-de-obra rural, que busca ocupações não
agrícolas no próprio meio rural, ou urbano, principalmente na prestação de serviços,
sem abandonar a unidade familiar; à demanda por bens e serviços não vinculados
diretamente à produção agropecuária, como o artesanato, o lazer e o turismo rural; à
expansão dos serviços públicos para as zonas rurais; à demanda por terras para uso não
agrícola por parte das (agro) indústrias e empresas prestadoras de serviços; à demanda
da população urbana de baixa renda por terrenos para autoconstrução de suas moradias
em áreas rurais situadas nas proximidades das cidades e que possuem infra-estrutura
mínima de transportes e de serviços públicos; à demanda da população urbana de alta
renda por áreas de segunda residência, bem como pelos serviços relacionados a elas; e
às novas atividades agropecuárias, voltadas para nichos de mercado.
Perspectivas e novas linhas de pesquisa
Os dados das PNADs mostraram que, nos anos 90, consolidou-se uma mudança
estrutural, que já estava em curso desde meados da década de 80, nas ocupações da
população economicamente ativa residente no meio rural paulista, principalmente
daquela com domicílio no rural não metropolitano.
A forte redução das ocupações agrícolas, motivada pela mecanização crescente
do processo produtivo na agropecuária e pela redução da área cultivada com
importantes culturas, juntamente com as marcantes transformações pelas quais vem
passando o meio rural no estado de São Paulo (crise de rentabilidade da agricultura,
novas funções de moradia, lazer e turismo no meio rural, mudanças nas famílias rurais,
alterações na estrutura das propriedades rurais, “homogeneização” dos mercados de
40
trabalho urbano e rural), produziu como resultado um significativo aumento da PEA
rural ocupada em atividades não-agrícolas.
Os resultados do IQE obtidos para os homens e as mulheres têm um
desdobramento interessante no que se refere à formulação de políticas de geração de
emprego e renda para a população residente no meio rural. Se, por um lado, o fomento
às atividades não agrícolas tem um efeito muito positivo em termos de melhoria da
qualidade do emprego e, por conseguinte, das condições de vida dos trabalhadores com
residência rural, por outro, ainda resta um grande desafio, que é definir políticas que
gerem mais empregos na agricultura e, ao mesmo tempo, melhorem as condições de
trabalho para as pessoas nela empregadas. Essa necessária integração das atividades
agrícolas e não-agrícolas, gerando empregos de melhor qualidade, em projetos de
desenvolvimento local/regional sustentáveis, ainda está por ser enfrentada pelas
políticas públicas.
Obviamente que, com esses resultados do IQE, não se está querendo dizer que as
atenções do governo, sociedade e entidades de representação dos trabalhadores devam
ser desviadas da busca por melhores condições de emprego na agricultura paulista,
principalmente para os trabalhadores agrícolas permanentes e temporários. Pelo
contrário, pois, em 1999, 456 mil pessoas residentes no meio rural não metropolitano
ainda estavam ocupadas em atividades agropecuárias. O resultado mais favorável (ou
menos desfavorável) para os grupos de ocupações não agrícolas não significa que tal
situação permanecerá imutável no futuro, nem que toda atenção deva ser dada somente
para as atividades não agrícolas. Pensar dessa forma seria reintroduzir outra dicotomia
(agrícola/não agrícola) em substituição à velha e desgastada separação rural/urbano.
Para finalizar, são colocadas algumas questões que apontam para novas linhas de
pesquisa, as quais mereceriam um aprofundamento teórico e empírico no futuro
próximo:
a) a necessidade de pesquisas sobre o emprego rural em outros estados, com o intuito de
reunir diferentes experiências e resultados que confirmem, ou não, o quadro menos
desfavorável para o emprego não agrícola dos residentes rurais. Também seria muito
interessante a realização de estudos para o outro grupo mais numeroso de residentes
rurais ocupados em atividades não agrícolas, os trabalhadores conta-própria;
41
b) pesquisas empíricas sobre as formas de pluriatividade das famílias rurais e o seu
desempenho nos anos 90 e o porquê do enorme crescimento das famílias não
agrícolas no rural não metropolitano paulista;
c) pesquisas de campo sobre turismo rural e sustentabilidade, regulação do uso do solo
rural, novos rurais e suas relações com as atividades não agrícolas. Essas pesquisas
são as que estão em estágio mais avançado na fase 3 do Projeto Rurbano;
d) aprofundamento teórico das relações urbano-rural e do papel dos grandes centros
urbanos na demanda por bens e serviços de qualidade no meio rural e na
dinamização das atividades não-agrícolas;
e) pesquisas que analisem as relações entre crise urbana e crise agrícola como “motor”
de expansão das ocupações dos residentes rurais em atividades não-agrícolas.
42
Conclusão:
Observa-se que a crise no espaço rural brasileiro centraliza-se no esvaziamento
econômico e populacional, e está diretamente relacionado com a redução dos postos de
trabalho na agricultura, que provêem de fatores os mais diversos tais como: baixa
produtividade; baixa tecnificação; ausência de políticas autônomas de desenvolvimento;
ineficiências gerenciais e organizacionais, propiciando aos atores sociais rurais, a busca
de alternativas como estratégia de reprodução social no meio rural.
Graziano da Silva (1996), afirma que a agricultura não é capaz de absorver um
contingente significativo dos membros das famílias de agricultores, e nem de gerar
renda suficiente para mantê-los no campo com uma vida digna. Diante desse quadro, a
criação de empregos não-agrícolas, no atual meio rural brasileiro é a única estratégia
possível para manter a população agrícola no campo e, ao mesmo tempo, aumentar o
seu nível de renda.
No entanto, sabe-se que na medida em que a sociedade cria novos mecanismos
de sobrevivência, procurando formas de sobrepor à presença do novo, gera também
problemas de emergentes desigualdades, tendendo para o declínio de atividades ou
ações até então tidas como prontas e acabadas.
È certo que o progresso econômico e político são autônomos, e procuram formas
de sobreporem, divergindo assim em suas ações e que os conflitos advindos desses
embates são uma forma de se consolidar os princípios norteadores do novo, que poderá
desencadear em progresso ou fracasso social. Certamente que nesse ponto cada
pesquisador vivenciará a sua realidade, embasado no conteúdo da sua grade curricular.
Embora sabendo que o novo sempre traumatiza as relações entre os
protagonistas, é digno ressaltar que a urbanização maciça ocorrida na década de 50 foi
de grande valia para o avanço na saúde e educação, aumentando a expectativa de vida
da população rural brasileira.
Considerando que as crises ou conflitos sempre oportunizam espaços para a
projeção de novas idéias o que consolidará em novos valores, seria oportuno nesse
momento um novo mergulho no meio rural do norte fluminense, investigando ações e
fatos que visualizarão um quadro mais completo da atual situação do meio rural,
procurando-se entender se as mudanças impostas pelo novo do pós 80 trouxeram
realmente progresso e bem estar - social para as comunidades rurais.
43
Achamos que o ponto de partida deve ser a agricultura familiar, sua
problemática e relações interdisciplinares, enfocando:
•
Urbano e rural
•
Desenvolvimento sustentável;
•
Estado, atores e políticas públicas;
•
Relações sociais, classes sociais e políticas públicas;
•
Aspectos agrários, econômicos, culturais, ideológicos etc.
RECOMENDAÇÕES:
Dentro dessa conjuntura, dever-se-á, concentrar esforços no aprofundamento do
saber científico das áreas de conhecimentos que evidenciam as problemáticas do urbano
e do rural.
É de todo interessante aprofundar, e procurar encontrar parâmetros definindo se
há (houve) ruptura ou transição, enfocando o rural e o urbano.
As indagações anteriores revestem-se de um caráter mais eloqüente na região da
Baixada Goitacá, onde verificou-se nos últimos anos a falência do parque sucro –
alcooleiro e em seguida a entrada do complexo petroquímico aprofundando ainda mais a
relação rural x urbano.
Sugere-se a elaboração de um projeto de pesquisa que atenda as necessidades da
região no sentido de elucidar a questão propiciando meios para uma abordagem
adequada nos Planos Diretores bem como nos projetos de investimentos da iniciativa
privada.
44
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Relatório do Projeto de Pesquisa sobre Desenvolvimento Urbano e