XX CONGRESSO DE CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO
INTERCOM 97
Chico Bento: um herói caipira
A comunicação mediatizada e a mudança do caipira
Pesquisadora
Cristina Schmidt Silva
São Paulo
junho/1997
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XX Congresso de Ciência da Comunicação (INTERCOM)
GT - Comunicação e Quadrinhos
Coordenação: Prof. Dr. Flávio Calazans
Chico Bento: um herói caipira
A cultura caipira sempre foi julgada como uma cultura exótica,
pitoresca e por isso inferior. Apesar das comprovações sociológicas e
antropológicas de sua condição explorada, o caipira sempre carregou uma
imagem estereotipada de “Jeca”. Com a regionalização dos meios de
comunicação, que teve início em meados de 1970 e se estende durante toda
a década de 80, os tipos “exóticos” da cultura popular e erudita, são alguns
dos personagens que ora são marginalizados, ora incorporados ao processo
de urbanização. O mercado de publicações nesse período também foi muito
expressivo e expansivo. Nessa época foram lançadas as revistas mensais da
turma da Mônica. E, criado em 1961, Chico Bento, o personagem mais
abrasileirado de Maurício de Souza, aparece nas tiras e histórias, num
universo limitado e ficcional com as características estereotipadas do
homem do campo.
Profª. Cristina Schmidt Silva
Universidade de Taubaté / Doutoranda da Universidade Católica de São
Paulo
Endereço: Rua Cláudio Cesar de Aguiar Mauriz, 508
11250-00 - Vila Itapanhaú - Bertioga - SP
Fone: (013) 317 3580
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1. O contexto
“Hoje creio que não se pode falar de
criatividade cultural no universo
caipira, porque ele quase acabou. O que
há é impulso adquirido, resto, repetição
- ou paródia - é imitação deformada,
mais ou menos parecida.”
(Antonio Cândido - Recortes)
A cultura caipira sempre foi julgada como uma cultura exótica, pitoresca e, por
isso, inferior. Apesar das comprovações sociológicas e antropológicas de sua condição
explorada, o caipira sempre carregou uma imagem “doentia” que foi registrada por
estudiosos como Saint-Hilaire, mais tarde, por positivistas, e na literatura, por Monteiro
Lobato. Com o processo de industrialização no Brasil, a partir de 1930, no campo e na
cidade, a cultura brasileira é direcionada por uma ideologia da urbanização, que provoca
um rompimento com os valores tradicionais eruditos e rústicos da elite e das classes
populares.
É na década de 30, inicialmente, que o capitalismo brasileiro incorpora uma
preocupação de desenvolvimento nacional, sustentada por uma política populista, e se
instala uma crescente valorização do “urbano” como modelo ideal, melhor e superior.
“Em primeiro lugar estão alguns aspectos propriamente culturais do
processo de desenvolvimento gestado em 1930. Dele nos interessa focalizar
não só a característica da proeminência da urbanização sobre o
desenvolvimento econômico, mas também o ethos urbano, resultado da
grande concentração demográfica. Este se manifesta por um estilo de vida
específico (conjunto de práticas e idéias) e por um clima mental distinto do
predominante em áreas não urbanas. Portanto, o desenvolvimento da
urbanização implica a assimilação desse clima por populações rurais que se
deslocam para a cidade.”i
Essa ideologia da urbanização reforça a imagem do trabalhador do campo como
uma massa de ignorantes e o caipira torna-se o símbolo dessa cultura inferior. As
migrações vêm em decorrência dessa política que força os trabalhadores a buscarem
“melhores condições de vida” nas cidades. A promessa de uma ascensão social na
cidade e o investimento efetivo na indústria fazem com que a produção industrial
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supere a agrícola já a partir de 1956, e provoque uma corrida ao “Eldorado urbano”.
Esse processo migratório afetará drasticamente a estrutura cultural caipira, pois
penetrará nos valores fundamentais do seu cotidiano, como a divisão do trabalho deixa
de ser centralizada no pai e automaticamente rompe com a referência da autoridade
paterna: sua religiosidade é transformada em fantasia e exotismo; a casa, as roupas, as
festas, a linguagem e a forma de falar são reelaboradas a partir de um novo quadro de
referência: o urbano.
Ecléa Bosi define o povo migrante como um povo arrancado de sua terra,
arrancado de suas raízes. Em suas palavras “a conquista colonial causa desenraizamento
e morte com a supressão brutal das tradições. A conquista militar também. Mas a
dominação econômica de uma região sobre outra no interior de um país causa a mesma
doença. Age como conquista colonial e militar ao mesmo tempo, destruindo raízes,
tornando os nativos estrangeiros em sua própria terra”.ii
Nesse
período,
a
política
nacional
de
desenvolvimento
busca
uma
homogeneização da população, concebendo o povo como uma massa na construção de
uma nação. A fim de que essa ideologia nacionalista fosse incorporada por todos, aos
meios de comunicação é atribuído um papel fundamental de difusor e socializador.
A indústria incorpora o imaginário e cria modelos que são veiculados pelos
meios de comunicação. O rádio - Rádio Nacional - entre as décadas de 1940 e 1950
atinge elevados índices de audiência com as radionovelas e, no final da década,
conquista o público com programas de auditório. O cinema brasileiro era balizado por
um lado pela política norte americana que, por sua vez, tinha interesses em investir na
América Latina, e, por outro lado, preocupava-se em atender aos grandes distribuidores
do mercado cinematográfico mundial. A Atlântida (1941) grande produtora das
chanchadas, e a Vera Cruz (1949) foram responsáveis pela produção de vinte e sete
filmes anuais em média, no período de 1951 a 1955. Os filmes eram distribuídos por
todo o país.
A expansão do mercado de publicações também foi muito expressiva nesse
período, principalmente em revistas direcionadas à leitura popular do tipo fotonovela
como: Grande Hotel (1951) e Capricho (1952), que tiveram sucesso em decorrência das
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radionovelas. Os jornais também ampliaram em número e tiragem, seguidos pelos livros
que aumentaram em 300% o volume editado durante 1938 e 1950.iii
“Porém, foram o rádio e o cinema os meios que nesse período mais
propiciaram às classes populares, seja as pessoas do interior, seja aos
migrantes nas cidades, as primeiras vivências cotidianas da nação,
difundindo a experiência cultural simultaneamente partilhada por
nordestinos, gaúchos, paulistas e cariocas...”iv
Essa possibilidade de acesso às informações e padrões de uma cultura urbana,
em função da expansão dos meios de comunicação, vão enfatizar cada vez mais a
superioridade do urbano sobre o rural e estimular o fortalecimento do mercado de bens
simbólicos. É a partir de 1956, com o Governo de Juscelino Kubitschek, que a ideologia
desenvolvimentista transnacionaliza a produção industrial. Com a entrada do capital
estrangeiro e a produção com vistas a um mercado internacional, o país passa a
estabelecer uma dependência econômica e cultural.
Com o golpe militar de 1964, há o crescimento do capitalismo e a necessidade,
conseqüente, de um mercado material interno. Segundo Renato Ortiz, é nesse momento
que se estabelece de fato a Indústria Cultural no Brasil e, com ela, o mercado de bens
simbólicos. Com o governo militar, houve uma “segunda revolução industrial” no país
- visto que a primeira foi provocada por Juscelino - que na verdade implantou de
maneira mais sólida o “capitalismo tardio”. v
A implantação do capitalismo num país subdesenvolvido como o Brasil deu-se
em decorrência do interesse de integração política dos militares e um acordo comercial
com os empresários que visavam uma ampliação de mercado, que se deu a base de um
autoritarismo centralizador, com repressões e censuras. Para que o controle atingisse
tanto o meio urbano quanto o meio rural, o governo militar investil na implantação de
tecnologia, criou o sistema de telecomunicações, as transmissões via satélite pela
Embratel e Telebrás. “O andamento dos meios de massa acerta o passo com a produção
e o mercado próprio de uma sociedade capitalista de feições internacionais”, analisa
Alfredo Bosi.
Essa forma social propõe uma cultura sempre nova embora nem sempre original,
pois a linha de montagem de bens simbólicos segue um ritmo industrial sem tempo e
sem espaço. São modelos criados a partir do desenraizamento dos grupos sociais, cada
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produto é sempre início de uma nova etapa de readaptação e mudanças. É o novo que
nasce do velho, do vendável, do supérfluo, da moda.vi
“Agente que vive na cidade procurou sempre adotar modos de ser, pensar
e agir que lhes pareciam os mais civilizados, os que permitem ver logo que
uma pessoa está acostumada com o que é prescrito de maneira tirânica
pelas modas. Moda na roupa, na etiqueta, na escolha dos objetos, na
comida, na dança, nos espetáculos, na gíria. A moda logo passa; por isso, a
gente da cidade deve e pode mudar, trocar de objetos e costumes, estar em
dia. Como conseqüência, se entra em contacto com um grupo ou uma
pessoa que não mudaram tanto assim; que usam roupas como há dez anos
atrás e respondem a um cumprimento com certa fórmula desusada; que
não sabem qual é o cantor da moda nem o novo jeito de namorar; quando
entra em contacto com gente assim, o citadino diz que ela é caipira,
querendo dizer que é atrasada e, portanto, meio ridículo. Diz, ou dizia,
porque hoje a mudança é tão rápida que o termo está saindo das expressões
de todo dia e serve mais para designar certas sobrevivências teimosas ou
alteradas do passado: música caipira, festas caipiras, danças caipiras por
exemplo. Que, aliás, na maioria das vezes conhecemos não praticados por
caipiras, mas por gente que se finge de caipira e usa a realidade do seu
mundo como um produto comercial pitoresco”.vii
Nessa fase os valores populares, regionais, são substituídos por valores
transnacionais. As emissoras de TV veiculam uma “visão de mundo” com referências
internacionais, os “enlatados” predominam na programação e criam um comportamento
global, de massa, sem raiz. Diferente do período anterior, de 1940 a 1960, quando a
maioria dos aparelhos de TV eram importados e poucas pessoas tinham acesso a ele, na
fase pós 64, a política transnacional possibilita a fabricação de bens materiais,
simultaneamente à criação de um operariado consumidor em potencial. Em nome do
mercado, do profissionalismo e do corporativismo, formam-se os oligopólios da
comunicação no eixo Rio-São Paulo.
“Forma-se, pela primeira vez um público massivo em função do porte
nacional alcançado pelo mercado da TV, da revista, do jornal e do rádio. A
expansão quantitativa e qualitativa do setor publicitário dos últimos anos é
bem representativa da dinâmica interna da indústria cultural brasileira e de
sua crescente autonomização”.viii
O governo definitivamente assume o mercado cultural e cria incentivos,
verdadeiras instituições que se tornaram o suporte das produções de livros (INL Instituto Nacional do Livro), de teatro (SNT - Sistema Nacional de Teatro), de cinema
(Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes), de turismo (Embratur - Empresa
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Brasileira de Turismo). E, também, cria mecanismos de controle como a Lei de
Imprensa, a Lei de Segurança Nacional e a Censura. É dessa maneira que os meios de
comunicação de massa tornam-se “modernos”, por terem como referência o modelo
estrangeiro, tornam-se o setor mais dinâmico e hegemônico de bens culturais e atuam
como uma forma de educação paralela.
Os tipos exóticos da cultura popular e erudita tornam-se estereótipos ora para
marginalizar, ora para incorporar esses grupos sociais ao contexto de urbanização. Na
verdade, de acordo com Karl Marx, esse processo é a transformação do valor de troca
da mercadoria cultural em valor de uso dentro do mercado de consumo de bens
simbólicos. A ritmo acelerado dos novos modelos culturais afetam a essência, a raiz, as
tradições. Para Benjamin, a reprodução técnica não contempla a origem e a importância
histórica das manifestações culturais. A reprodução isenta os homens de uma
participação, de uma cumplicidade, de uma responsabilidade tradicional enraizada. ixOs
meios de comunicação tira a responsabilidade dos grupos sociais da produção da cultura
e estabelecem uma relação de proximidade e distanciamento com as suas raízes.
“Foi então que o caipira se tornou cada vez mais espetáculo, assunto de
curiosidade e divertimento para o homem da cidade que, instalado na sua
civilização e querendo ressaltar este privilégio, usava aquele irmão
miserável para provar como ele havia prosperado, como era
triunfalmente diverso. A vida do caipira ficou sendo então, para ele
próprio, uma privação terrível, porque podia ser comparada a outras
situações, e para o citadino, um divertimento que lhe dava a confortável
sensação de haver mudado para algo melhor e mais alto.”x
A atemporariedade dos bens simbólicos constitui a cultura de massa que
transforma tanto o citadino como o caipira, sua visão de mundo e suas necessidades de
consumo são formadas por esses bens urbanos e internacionais. A indústria cultural
brasileira, que se efetiva nas duas últimas décadas, será a responsável pela incorporação
do homo-urbanus, por meio de um discurso de modernização; e, junto com a economia
industrial implantada no meio rural, é a co-autora do new-caipira.
2. Os exemplos
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Para Paul Zumthor, faz muito tempo que o meio acadêmico foi expulsando de
seu campo de interesse o que ele chama de “palavra viva”. Em seu artigo “Permanência
da voz”, ele faz um apontamento demonstrando a importância da voz em sua
corporeidade, que a voz vai além do que o simples pronunciar palavras ou sons, como
por exemplo, o que expusemos acima, o papel incontestável de conservação das
sociedades.
Inclusive, para situar a voz contextualmente, ele nos remete a compreensão de
tradição oral como “um conjunto de intercâmbios orais ligado a comportamentos mais
ou menos codificados, cuja finalidade básica é manter a continuidade de uma
determinada concepção de vida e de experiência coletiva sem as quais o indivíduo
estaria abandonado à sua solidão, talvez ao desespero”xi. Esses intercâmbios vão
estabelecer os contatos entre os indivíduos e desses com a natureza, com o mundo,
estabelecendo os espaços da cultura oral através de sinais, normas e rituais. E, na
medida em que se vai abstraindo esses espaços, racionalizando-o, burocratizando-o, vai
se estabelecendo o espaço da cultura escrita.
A partir daí, Zumthor apresenta uma tipologia geral das “situações de oralidade”
, compreendidas em quatro momentos: a oralidade primária, aquela onde não há
qualquer forma de escrita; a oralidade mista, que coexiste com a escrita num contexto
sociológico onde a influência desta é parcial, extrema e de efeito lento; a oralidade
secundária, que de fato se recompõe a partir da escrita; e a oralidade mediatizada, a que
conhecemos pelo rádio, discos, computador, e outros meios de massa. Com essa
referência podemos fazer a leitura de dois exemplos onde a oralidade mediatizada
reforça e altera uma concepção de mundo.
Os meios de comunicação de massa mediatizam o cotidiano criando um novo
caipira. Escolher dois exemplos de veículos/linguagens diferentes, como fizemos neste
estudo, objetivou estabelecer o novo universo caipira; até porque, essas linguagens são
formadoras de uma oralidade que define novos códigos de comportamento, mas
desvinculam da tradição oral.
2. 1. Mazzaropi, o Jeca esperto
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O tempo áureo do cinema foi marcado pelas histórias ingênuas e cômicas. Assim
podemos também considerar os trabalhos de Amacio Mazzaropi que, através da
incorporação do caipira - caboclo/italiano - conquistou imensas platéias nos cinemas de
todo o país, até meados de 1970.
Mazzaropi nasceu a nove de abril de 1919, em São Paulo, filho de pai imigrante,
o italiano Bernardo Mazzaropi, e de mãe brasileira , filha de portugueses, Clara Ferreira.
Desde criança se entretinha com circos que se instalavam nas proximidades de sua casa.
Como não se deu bem com os estudos, iniciou sua carreira muito cedo, com 14 anos, no
circo popular do faquir Ferris. Fugiu de casa e passou a acompanhar o referido circo.
Nesse período Mazzaropi inicia suas representações cômicas, durante os intervalos das
apresentações cômicas, durante os intervalos das apresentações e, como o caipira estava
em moda, começou a definir um papel que delineasse ao mesmo tempo a simplicidade
cabocla e a esperteza imigrante. Viajou por inúmeras cidades do estado de São Paulo e
do país, com o circo do Ferris, até que, em 1940, montou o Pavilhão Mazzaropi.
O pavilhão era feito de madeira e coberto com lona, desmontável, o que
facilitava suas apresentações em praças, nas cidades da região, onde permanecia em
média por dez dias. Seu grupo era formado por vinte artistas, que apresentavam shows
variados, como era costume na época, uma mistura de declamações com peças teatrais,
cantigas regionais e caipiras, e anedotas. O repertório, apesar da variedade, era fixo, por
encontrar uma grande aceitação do público. Porém, um momento de crise em 1945
impossibilita a continuidade do Pavilhão e sua Trupe, quando é desfeito o grupo.
Mazzaropi volta a permanecer na cidade de São Paulo onde atua no circo Oberdã. Seu
jeito patético, meio torto, caipira, jeca, torna-o conhecido. Daí, sai dos circos e passa
para o rádio e para a televisão.
Em 1946, a convite do diretor da Rádio Tupi, Demerval Costa Lima, estréia no
programa Rancho Alegre, que lhe proporciona tremenda popularidade e o impulsiona
decididamente para o cinema. O programa era produzido por Cassiano Gabus Mendes e
reuniu, ao longo das apresentações, cantores, humoristas e artistas; formou a “Brigada
da Alegria” que percorreu o Brasil (Linda Batista, Hebe Camargo, Henricão e Rosa
Maria, Michele Allard). Com o sucesso obtido com essa caravana e a rádio, Mazzaropi
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é convidado a trabalhar na TV Tupi (1950), recém inaugurada, apresentando o mesmo
programa Rancho Alegre, ao vivo, semanalmente.
No cinema, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com o teatrólogo e diretor
Abílio Pereira de Almeida, faz o primeiro teste para o ator em 1951. Mazzaropi faz o
personagem principal em “Sai da Frente”(1952), “Nadando em Dinheiro”(1953) e
“Candinho”(1954). Isso lhe rendeu uma imensa popularidade e um contrato milionário
frente aos demais atores da companhia. Já fora da Vera Cruz, realizou outros filmes de
sucesso, tais como: “A Carrocinha” (1955), “O Gato de Madame” (1956), “O Fuzileiro
do Amor”(1956), “O Noivo da Girafa”(1957), “Chico Fumaça”(1958), e como produtor
inicia com “Chofer de Praça”(1958).
Mas é em 1959, com o filme JECA TATU, que Mazzaropi definitivamente
modela seu personagem, unindo características do caipira-caboclo ao estereótipo criado
por Monteiro Lobato. Essa caricatura foi criada pelo escritor a partir de experiências
vividas na Fazenda Paraíso, onde Monteiro Lobato conheceu os caipiras que para ele
trabalhavam; acrescido das características do animal tatu, que lhe estragava a plantação
de milho, surge Jeca Tatu.
O Jeca Tatu era desnutrido, com lombrigas e preguiçoso, o que o tornou símbolo
da campanha publicitária do produto fortificante da Biotônico Fontoura, que o tornava
forte e esperto trabalhador. No filme Jeca Tatu, Mazzaropi faz uma adaptação desse
estereótipo acrescido de uma personalidade ingênua, porém astuta, e da comicidade que
já lhe era acentuada.
O filme JECA TATU é a história de um caboclo oprimido e perseguido pelo
administrador de uma grande fazenda , por ocupar um pedaço dessas terras e não querer
desocupá-la ou vendê-la a qualquer preço. O fazendeiro queima sua casa e Jeca e sua
família ficam sem ter onde morar. Mas, como Jeca era uma pessoa muito popular na
região, recebe o apoio de um político que o faz vencer o malfadado fazendeiro, e tudo
acaba bem.
Em 1961, Mazzaropi compra a fazenda da Santa, onde monta seus estúdios, com
equipamentos importados da melhor qualidade. Ali ele cria suas histórias, o argumento,
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o roteiro, dirigia e interpretava. Dentre os filmes de sucesso: Tristeza do Jeca, Casinha
Pequenina (1962), O Jeca e a Freira (1967), Uma pistola para Djeca (1969), O paraíso
das solteironas (1970), Bentão Ronca Ferro (1970), e uma super produção realizada no
exterior, Um caipira em Bariloche (1972), Jeca, o macumbeiro (1975), Jeca contra o
capeta, Jeca e seu filho preto, e tentos outros.
Seu último filme “O Jeca e a Égua Milagrosa”(1981) encerra uma carreira que
tenta fazer do caipira um personagem cômico aventureiro, a fim de atender ao público
popular que o acompanhou fielmente. Muito longe de retratar uma realidade social,
Mazzaropi mostrou traços de uma cultura estereotipada e que foi mudando, através do
seu personagem, em decorrência das mudanças culturais do período em que produziu.
Fazer cinema, para ele, era fazer o público rir, chorar e se envolver numa trama, ao que
a figura caricata do caipira atendia com sucesso.
2. 2. Chico Bento, um herói caipira.
Maurício de Souza pode ser considerado o único quadrinhista brasileiro a viver
de histórias em quadrinhos, e a conseguir montar um “império” que vai dos quadrinhos
à animação, merchandising, e parque de diversão. Sua história profissional começa na
redação do jornal Folha da Manhã - atual Folha de São Paulo - em 1954, quando,
exausto de procurar um emprego como desenhista, aceitou trabalhar como repórter
policial. Mesmo na redação, continuou a desenvolver seus desenhos e, algumas vezes,
quando a matéria não podia ser fotografada, ilustrava-a.
Nascido em 27 de outubro de 1935, na cidade de Santa Isabel, interior de São
Paulo, e criado em Mogi das Cruzes, de acordo com sua biografia, Maurício de Souza
sempre teve inclinação para o desenho, tanto que na adolescência criou seu primeiro
personagem, o Capitão Picolé. Entretanto, somente em julho de 1959 convence a
empresa Folha da Manhã a publicar uma tira do cachorrinho Bidú e seu dono Franjinha,
o primeiro trabalho que lhe abre definitivamente as portas para os quadrinhos. Outros
personagens surgiram em seguida como Cebolinha (1960), Piteco (1961), Cascão
(1961), Chico Bento (1961), Jotalhão (1962), Astronauta (1963) Horácio (1963), Magalí
(1963), Mônica (1963), Penadinho (1964), Tina (1964) que sofreu duas mudanças nas
duas décadas posteriores, Pelezinho (1976).
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Em 1960, durante seis meses, a Editora Continental publicou em forma de
revista: Bidú, Cebolinha e Piteco; as publicações foram interrompidas pelo fato de a
editora fechar pouco tempo depois. Em maio de 1970, a Editora Abril Cultural publica a
primeira revista mensal da Mônica, seguida por Cebolinha, lançada em 1973. Somadas
atingiam uma tiragem mensal de cerca de 500 mil exemplares. No final da década de
80, Maurício muda de editora e passa a trabalhar com a Globo, pois objetivava expandir
sua atuação ao cinema a à televisão e, inclusive, no mercado internacional. As
produções Maurício de Souza têm registrados mais de 100 personagens que aparecem
também em camisetas, adesivos, bonecos, roupas de cama e banho, etc.xii
As produções de Maurício de Souza conseguiram se impor tanto no mercado
interno quanto no externo: Europa, Japão e, com animação, os Estados Unidos. E para
que isso se tornasse possível, seguiu modelos e referências das produções
internacionais. Segundo Moacy Cirne em seu livro Ä linguagem dos quadrinhos”, o
artista deve manter um trabalho que seja questionador da indústria cultural e tenha
compromissos com a realidade onde atua. Ressalva a universalidade dos personagens e
suas características voltadas a uma preocupação consumista, e mesmo tendo um
interesse em divulgar a cultura brasileira, não forma uma cultura brasileira, repetindo
moldes veiculados no cinema e na televisão.
“Por que Maurício de Souza, nos últimos anos, não tem tentado uma
abrasileiração progressiva dos personagens que giram em torno da
Mônica? É verdade que existe o Chico Bento está ligado a um mundo
limitado dentro de seu universo ficcional (...)”.xiii
Chico Bento foi criado em 1961 a partir de uma referência particular, ou seja,
um tio-avô de Maurício de Souza que vivia em um sítio e apresentava todos os traços de
uma cultura rural simples e desprendida. Essas características foram tomadas como
suporte para o perfil inicial de Chico Bento. Além disso, naquele período era forte a
imagem do Jeca Tatu, criada por Monteiro Lobato, e o tipo caipira que fazia sucesso no
cinema e no rádio, com Mazzaropi e as histórias de Pedro Malazartes. Nesse contexto, o
personagem dos quadrinhos pendeu para o estereótipo de modo a apresentar-se como
uma preguiçosa e ingênua figura do campo.
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No decorrer dos anos, Chico Bento adquire “amiguinhos” que irão participar do
universo rural das suas histórias. Somente em agosto de 1982 foi lançada a primeira
revista exclusiva do personagem e sua turma. A Turma da Roça, como é denominada
pela produção, é composta por vários personagens caricaturados, a fim de compor um
clima pacato, harmonioso e cooperativo de um suposto mundo camponês. Os
personagens são: a namorada Rosinha, o primo e amigo Zé Lelé, o colega oriental Hiro,
o exemplar aluno Zé da Roça, o padre Lino, a dedicada professora Dona Marocas, o
Coronel, o dono da apetitosa goiabeira Nho Lau, o pai trabalhador Zé Bento, e a
incansável rainha do lar Mãe, entre outros como a galinha Gizerda, o primo da cidade, o
vendeiro, etc.
O universo ficcional a que se refere Moacy Cirne traz uma idéia de mundo ideal.
O campo se sobrepõe à cidade pois é colocado como solução para os problemas do
homem. A presença da natureza, como um pano de fundo para uma realidade
harmoniosa e segura, é a resposta para a felicidade. O respeito pelos rios, árvores,
animais e pela terra torna-se a bandeira dos temas. Principalmente nesses últimos três
anos, em que a ecologia virou moda, Chico bento se tornou um líder em defesa da
natureza. Suas histórias chegam a ser transformadas em verdadeiros discursos
ecológicos.
As crendices populares fazem parte do contexto, unem natureza com uma dose
de misticismo e apontam a necessidade de uma fé em deus. Para compor esse ambiente
religioso, os temas abordam símbolos como: a Mula sem Cabeça, o Saci Pererê, o Boto
Cor de Rosa, o Lobisomem. Atualmente, também influenciado pelo modismo místico,
suas histórias já contam com personagens como: Bruxas, Gnomos e Duendes. Todos
estes sempre reforçam as qualidades de Chico Bento de defensor da natureza e servo
dos mandamentos divinos. Em algumas histórias, ele é ajudado pelos anjos a estudar ou
a resolver problemas da sua comunidade. Deus conversa com ele, em alguns momentos,
e até o utiliza como referência para seus feitos. Chico Bento é símbolo de bondade,
amor, respeito e dedicação.
A educação é simbolizada por uma professora extremamente dedicada e vista
como uma autoridade na roça, respeitada tanto pelos alunos quanto pelos pais. Suas
aulas buscam o conhecimento geral e a participação dos pais na educação dos filhos.
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Estudar é a incumbência mais difícil de Chico Bento. Tem dificuldades de compreender
os assuntos abordados nas aulas, qualquer que seja a matéria, o que lhe acarreta uma
coleção de zeros como nota. Sempre atrasado e afobado com as provas, ele não mede
conseqüências quando troca as tarefas de casa por um banho no lago ou uma pescaria.
É muito comum nessas histórias a valorização do trabalho com a terra em
detrimento do trabalho intelectual. Não precisa se um conhecedor das “letras” se for um
honesto e dedicado trabalhador. Esse quadro ideológico também estimula formas mais
cotidianas de comportamento, conduta, que devem ser adotadas para o equilíbrio do
ambiente. A família é o núcleo fundamental de onde partem todos os acontecimentos
sociais. O respeito pela sabedoria prática do pai e pelos conselhos da mãe são a base
para a formação dos elos sociais entre os amigos e a namorada, reproduzindo-se aqui o
patriarcado rural.
Longe dos sofisticados aparelhos eletrodomésticos, a Mãe e o Pai realizam suas
atividades de maneiras simples, chegando em alguns momentos a serem primitivos, com
fogão a lenha e arado de tração animal. A sobrevivência, a base de uma agricultura de
subsistência, é obtida através do trabalho na própria terra, um pequeno sítio onde se tem
o necessário para uma vida modesta no campo.
A relação com os grandes proprietários se faz através de história onde há a
cooperação destes com o pai de Chico Bento e outros membros da comunidade, como o
padre, ajudando em festas na Igreja, por exemplo. Até roubar goiaba na fazenda vizinha,
prática de Chico e Zé Lelé, transforma-se na recuperação de gestos ingênuos de uma
sociedade idealizada, onde a punição máxima é ser atingido por um tiro de espingarda
de sal.
A cidade é enfocada com um meio agressivo, poluído, desestruturado, de valores
supérfluos e pessoas agressivas, cansadas e desiludidas. São comuns histórias onde
grandes empresários, em busca de um novo empreendimento, acabam trocando o campo
pela cidade, e, desistindo de desmatar e construir indústrias, compram terras para
viverem tranqüilos e próximos da aconchegante natureza.
Chico Bento não é uma publicação que procura discutir ou apresentar problemas
rurais, conflitos sociais e miséria humana. Não é uma revista ou um personagem
15
revolucionários mas são ideológicos, no sentido de veicular um estereótipo rearticulado
do homem do campo. Apesar de propor um mundo rural como algo sublime,
harmonioso, exemplar, cria um outro modelo de caipira, que não é Jeca, é um herói para
a natureza e os amigos, mas ainda um personagem ficcional.
i
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 2ª edição.
BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. (in) BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas e situações. São
Paulo: Editora Ática, 1987.
iii
CIRNE, Moacy. A lingagem dos quadrinhos. São Paulo: Editora Perspectiva 19__.
iv
CÂNDIDO, Antonio. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
v
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988.
vi
BOSI. Op.cit.
vii
CÂNDIDO. Op.cit.
viii
LOPES, Maria Immacolata. Pesquisa em comunicação. São Paulo: Ed. Loyola, 1990.
ix
BENJAMIN. Op.cit.
x
CÂNDIDO. Op.cit.
xi
ZUMTHOR, Paul. Permanência da Voz.
xii
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