Universidade Veiga de Almeida
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade
Cintia da Silva Lobato Borges
O TRABALHADOR TRISTE: as depressões no mundo do trabalho
Rio de Janeiro
2013
CINTIA DA SILVA LOBATO BORGES
O TRABALHADOR TRISTE: as depressões no mundo do trabalho
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-graduação – Strict sensu – Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade, da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção
do
título
de
______________________.
Mestre
em
Área
de
concentração _____________________.
Orientadora: Maria Anita Carneiro Ribeiro
Rio de Janeiro
2013
CINTIA DA SILVA LOBATO BORGES
O TRABALHADOR TRISTE: as depressões no mundo do trabalho
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-graduação – Strict sensu – Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade, da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção
do
título
de
______________________.
Mestre
em
Área
de
concentração _____________________.
Aprovada em 04 de Outubro de 2013.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof.º Dra. Maria Anita Carneiro Ribeiro ‒ Orientadora
Universidade Veiga de Almeida
______________________________________________________
Prof.º Dra. Betty Fuks
Universidade Veiga de Almeida
______________________________________________________
Prof.º Dra. Nina Saroldi
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo e companheiro, Renato, pelas alegrias e desafios diários
vividos ao meu lado, pela presença sempre amorosa e compreensiva;
Aos meus filhos Tomás e Taís, tão amados e tão pequenos ainda para
entender as ausências da mamãe na conclusão desta empreitada;
Ao meu pai Antonio e minha mãe Maria, pela vida que me foi dada, pelo
incentivo constante, pelo patrocínio para este mestrado e, sobretudo, pelo
exemplo de amor pelo saber e pela cultura que me foi transmitido;
Às minhas irmãs, Vívian e Lícia, parceiras de vida e de estudo;
À minha orientadora, Maria Anita, presença-ausência sempre na medida
certa, incentivo e fortaleza;
Às professoras Sonia Borges e Nina Saroldi, que gentilmente participaram
da minha banca de quailificação, fazendo, as duas, contribuições importantíssimas
para a conclusão desse trabalho;
Aos meus colegas de trabalho que, cada um a seu modo, contribuíram para
a construção desse (não) saber sobre o trabalhador e seu sofrimento;
A todos os trabalhadores que, angustiados, me confiaram suas dores e
lutas, me lançando diariamente na necessidade de reflexão sobre o tema desta
dissertação.
Enfim, a todos os amigos, familiares e companheiros de caminhada, cujos
nomes não caberiam aqui, mas que certamente sabem da importância que têm
neste caminho que estou trilhando.
RESUMO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) assegura que a Depressão será, em
2020, a principal causa de incapacitação para o trabalho em todo o mundo. Urge,
dessa forma, pensar o modo como o homem contemporâneo se relaciona com
esse mesmo trabalho e por que, dessa relação, surge hoje, talvez mais do que em
qualquer outro momento da história, um profundo mal-estar, exatamente no
momento em que se propagam, como uma febre, os discursos de felicidade e
satisfação plena no trabalho. O desejo, como motor da vida e energia vital, parece
estar se distanciando cada vez mais do encontro do sujeito com seu trabalho, e a
depressão, como traição ao desejo (LACAN, 1974) ou covardia moral, aparenta
ser a única saída possível encontrada pelo homem hodierno.
Palavras-chave: Psicanalise. Trabalho. Depressão.
ABSTRACT
According to the World Health Organization (WHO), Depression will be, by 2020,
the leading cause of work disability worldwide. It is urgent, therefore, to think how
modern man relates to that very work and why, from this relationship, arises today,
perhaps more than at any other time in history, a deep malaise, exactly at the
same time speeches of happiness and satisfaction at work spread like a fever. The
desire, as the engine of life and vital energy, seems to be increasingly drifting away
from the subject's encounter with his/her work, and depression, as a betrayal of
desire (Lacan, 1974) or moral cowardice, appears to be the only possible solution
found by hodiern man.
Keywords: Psychoanalysis. Work. Labour. Depression.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
7
2. O TRABALHO E O TRABALHADOR
12
2.1. O Trabalho
12
2.2. O Trabalhador
17
3. AS DEPRESSÕES PARA A PSICANÁLISE ONTEM E HOJE
24
3.1. Um sujeito mais triste?
24
3.2. Depressão ontem e hoje
29
3.3. Por que tantos trabalhadores deprimidos?
34
4. UM OLHAR A MAIS
36
4.1. Desejo e contemporaneidade
36
4.2. Desejo e trabalho o trabalhador triste é um covarde?
43
5. (IN)CONCLUSÕES
49
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
52
7. ANEXOS
57
7
1 INTRODUÇÃO
Os sintomas possuem um estrondoso potencial de crítica social
(FUKS, 2011, p. 357)
Segundo dados da OMS1 (Organização Mundial de Saúde) a Depressão
será, em 2020, a principal causa de incapacitação para o trabalho em todo o
mundo. Mas se, como postulava Freud (1988) em O Mal-estar na Civilização, o
trabalho é uma das formas de encontrar o pouco do quinhão de felicidade que nos
cabe em vida, nos perguntamos então: por que o homem hoje encontra tristeza no
seu labor? São realmente deprimidos todos estes tantos trabalhadores? Esta
questão, que me interpela enquanto também trabalhadora e pensadora social,
será o assunto que tratarei ao longo desta dissertação, usando como referencial
teórico a psicanálise Freudo-lacaniana e também outros autores contemporâneos
que discutem a questão da saúde mental relacionada ao trabalho e o próprio
trabalho.
A Psicanálise fundada por Freud tem suas raízes fincadas na história do
homem moderno e seu espaço de atuação assegurado por uma prática ética e
pertinente nos dias atuais, pelo menos aquela que se refere ao campo lacaniano,
prática que se propõe a não fugir dos postulados freudianos, sem, contudo, deixar
de repensar seus conceitos a partir da experiência clínica. Nascida da própria
experiência do seu fundador, enquanto clínico, desde então, nunca se desvinculou
deste caráter de vivência pessoal, única e irrepetível acontecida no divã, embora
seja pensada também como base de entendimento para as diversas esferas da
sociedade contemporânea. Diferenciando-se da Psicologia, que sempre teve em
seus postulados uma preocupação com a cura, a saúde e a busca do Bem
(BADIOU, 1993), através da escuta do consciente e a sua compreensão, a
Psicanálise retira deste mesmo consciente o lugar de verdade do sujeito e coloca
sua
atenção
no
fenômeno
do
inconsciente,
este
sendo
o
lugar
do
desconhecimento, da ignorância, só acessível por meio de suas manifestações
tais como os sintomas, sonhos, atos falhos e chistes. Para a psicanálise homem
1
Dados extraídos do site da Previdência Social, em 2011.
8
não é mais o ser autônomo e auto-consciente que a Psicologia acredita poder
contar, mas dividido, contraditório e desconhecedor de ‘sua própria casa’. Sua
ética—a ética da Psicanálise— é a ética do desejo, e este desejo é sempre desejo
inconsciente. Pacheco Filho (2002) diz que a psicanálise se interessa sim por toda
a riqueza que as abordagens fenomenológicas fazem do homem, mas, como
campo de saber, busca ir para além do fenômeno, daquilo que é aparente, porque
muitas vezes a explicação destes mesmos fenômenos está lá onde não estamos,
ou seja, lá onde não está a consciência.
Fazendo uma breve reflexão sobre o Trabalho, podemos dizer que ele não
é algo natural na historia do homem, é um fenômeno construído historicamente e
ao mesmo tempo construtor da subjetividade dos sujeitos (CASTEL, 1994).
A chamada cultura ocidental moderna se organiza em torno do trabalho,
ou seja, da produção de objetos como mediador das trocas sociais, a
ponto de o trabalho se tornar um ideal, um gosto, uma vocação, uma
nobreza [...] ‘Ser trabalhador’ torna-se para nós uma marca, uma insígnia
(JARDIM, 2011, p. 106).
Estranhar este fenômeno e pensar as consequências que este trabalho
capitalista trouxe para a história do sujeito hipermoderno (LIPOVETSKY, 2004) é
um dever daqueles que lidam, no dia-a-dia, com as consequências das agruras do
labor na saúde mental dos sujeitos. Dejours (1983), psiquiatra e psicanalista
francês que estuda a relação do trabalho com o sofrimento mental diz que o
mesmo trabalho que é fonte de satisfação e prazer para os sujeitos, pode ser
também produtor de sofrimento e adoecimento mental. Na prática, não faltam
exemplos de situações onde o trabalho é produtor de mal-estar e até mesmo
desespero, quando encontra um sujeito já fragilizado pela frouxidão dos laços
sociais na atualidade e pela escassez de possibilidades identitárias - temas que
discutiremos mais adiante. Lena é um exemplo de trabalhador em sofrimento.
Apostou todas as sua fichas no que prega o discurso do capital vigente. Estudou
nas melhores escolas, foi aluna aplicada, escolheu uma formação superior “de
futuro”, com amplo mercado de trabalho, se fez “empregável” até onde é possível
ser. Entrou para uma empresa “dos sonhos”, com seleção concorrida e disputada
por muitos. Deixou cidade, família, laços sociais, deu o lance maior para a
9
felicidade prometida que o mundo trabalho acena aos bem sucedidos. E o que
encontrou foi decepção e sofrimento. A rotina burocrática, a competição acirrada,
o individualismo, as oportunidades dadas a poucos, o trabalho sem sentido, a
politicagem que privilegia imagem e aparência, tudo isso de algum modo
desencadeou em Lena um processo depressivo. Ela, em desespero, procura por
conta própria a profissional de saúde da empresa, mas não sabe bem o porquê.
Diz que gostaria de falar dessas decepções com alguém, porque a “empresa
precisa saber dessas coisas” . Vai à profissional para falar, mas fala muito pouco.
Diz que atualmente está em tratamento com psiquiatra - faz uso de medicação – e
faz psicoterapia, mas relata pouca melhora. Quer mudar de setor de trabalho, de
cidade talvez, na tentativa de reencontrar o que acredita existir para outros, não
para ela. Diz que perdeu completamente o gosto pelo trabalho e pela vida. Já
pensou algumas vezes em suicídio e atualmente está sempre na companhia de
um dos genitores, que se revezam na casa de Lena para cuidar de seu
adoecimento. De algum modo ela fracassou como mulher independente e bem
sucedida e os pais são testemunhas dessa derrota. Não quer se afastar do
trabalho, pois diz que lá é o lugar onde tenta se manter sã, de pé; mas é nesse
mesmo trabalho que experimenta, dia após dia, a dor de existir.
Na contemporaneidade podemos dizer, como Lacan (1992, p. 160, grifo
nosso), que “Jamais se honrou tanto o trabalho, desde que a humanidade existe.
E mesmo, está fora de cogitação que não se trabalhe”. Ora, numa sociedade que
mais do que nunca se centraliza em torno deste significante trabalho, é irônico
pensar que seja exatamente aí o lugar do sofrimento do sujeito hodierno.
Sabemos que a relação do sujeito com o seu trabalho é sempre única, singular. E
que o trabalho pode ocupar diversos lugares na vida deste sujeito: pode ser um
objeto de investimento libidinal e pode também estar incluído no sintoma deste
sujeito. A depressão relacionada ao trabalho pode aparecer aí como uma espécie
de desmentido ideológico frente ao discurso contemporâneo e suas promessas de
‘felicidade laborativa’.
No mundo do trabalho atual experienciamos uma espécie de imperativo
tirano à felicidade: todos temos que estar sempre de bem com a vida (ou pelo
menos parecer estar), ter boas relações pessoais (o tão propagado networking) e
10
estarmos sempre prontos para a batalha da competitividade. Neste espaço a
tristeza não tem lugar porque ela é contra a produtividade e serve como uma
espécie de denúncia daquelas coisas que, por algum motivo, não vão tão bem
assim como gostaríamos de acreditar que fossem. Os trabalhadores que se
apresentem tristes são logo encaminhados, então, para o setor de saúde da
empresa, se não pelo chefe, pelos próprios pares que não querem ser
‘contaminados’ com a dor alheia.
Assim, numa sociedade como a nossa e neste mundo laboral que vivemos,
os deprimidos são o inconveniente que não têm voz e nem vez, devem mesmo
recolherem-se, calarem seus ‘discursos’ silenciosos (os remédios até são ótimos
para isso) e não tentarem, com sua apatia e frustração, ‘afundar a nau dos bem
adaptados’ (KEHL, 2009).
Kehl (2009) sustenta que os deprimidos hoje constituem, em seu mutismo e
recolhimento, um grupo tão incomodo como eram as histéricas do século XIX. A
depressão seria, portanto, uma espécie de sintoma social porque desfaz, de modo
lento e mudo, a teia ideológica que ordena e sustenta a vida social (e laborativa)
da nossa contemporaneidade.
Sendo assim, com seu sofrimento o trabalhador triste ‘grita’ e denuncia que
algo de podre cheira mal na nossa vã ideologia do trabalho, algo impertinente e
indevido, essa espécie de mal-estar que não cessa de nos acossar, todos nós
trabalhadores.
O caminho metodológico que escolhi para essa dissertação, baseado na
teoria psicanalítica, é o estudo teórico, pontilhado pela fala dos sujeitos
trabalhadores, sob o viés de uma escuta que, embora não seja clínica strictu
sensu, é marcada pelos pressupostos analíticos.
No primeiro capítulo abordarei o conceito de Trabalho e suas mudanças ao
longo da história, com o objetivo de mapear o desenvolvimento do contexto atual
do mundo do trabalho, com todas as suas nuances e consequências. Ao longo
deste capítulo também falarei sobre o Trabalhador, usando textos freudianos e
autores contemporâneos que discutem o sujeito dentro da realidade laboral.
No segundo capítulo discutirei o fenômeno das depressões nos nossos
dias, o olhar da Psicanálise para tal fenômeno, usando como referencial balizador
11
o pensamento de Freud e Lacan e seus debatedores. Também neste capítulo
abordarei as questões que perpassam a “explosão” do numero de trabalhadores
deprimidos, problematizando tal afirmação.
No terceiro capitulo tratarei dos temas relativos ao Desejo e seus
desdobramentos na contemporaneidade e também a relação Desejo versus
Trabalho.
O quarto e último capítulo tratarei de algumas (in) conclusões encontradas
ao longo do percurso de estudo do tema, certa, claro, de que se tratou sempre de
bordejar
um
saber
que,
sabido,
não
quer
ser
encontrado,
assustadoramente Real, especialmente para nós, trabalhadores.
por
ser
12
2 O TRABALHO E O TRABALHADOR
“Se o trabalho não é nosso único valor, ocupa sem dúvida, certa
centralidade tanto em relação à subsistência, quanto à inserção social e à
constituição subjetiva, num mesmo laço” (JARDIM, 2011)
2.1 O Trabalho
O modo como o sujeito contemporâneo se relaciona com o trabalho e com
o próprio mundo do trabalho não é um dado da natureza, é algo que foi construído
historicamente, através dessa pouco harmoniosa relação homem versus natureza
e homem versus sociedade. Fazendo um breve passeio pela historia, podemos
voltar às sociedades antigas e vermos, de certo modo, ‘de onde viemos’ e até
onde chegamos.
Marx (1983) definiu o trabalho como a categoria maior da condição
humana, singularizando-o como espécie:
Pressupomos o trabalho em uma forma que o caracteriza como
exclusivamente humano. Uma aranha leva a cabo operações que
lembram as de um tecelão, e uma abelha deixa envergonhados muitos
arquitetos na construção de suas colmeias. Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor das abelhas é que o arquiteto ergue a construção em
sua mente antes de a erguer na realidade (MARX, 1983, p. 198).
Ele diz ainda que o trabalho é a propriedade fundamental do homem, e que
o homem é, em certa medida, criado pelo trabalho e não mais criado por Deus:
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um
processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a natureza [...]. Ao atuar por meio desse
movimento, sobre a natureza externa a ela e ao modificá-la, ele modifica,
ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potencias
adormecidas e sujeita o jogo de suas forças ao seu próprio domínio
(MARX, 1983, p.142).
Engels (apud BRAVERMAN, 1987) argumentava que a faculdade de
caminhar sob dois pés libertara as mãos do homem, tornando possível o
13
surgimento das tarefas mais complexas. E este ‘trabalho’ com as mãos de certo
modo conduziu os homens ao desenvolvimento da linguagem, transformando de
modo gradual os seres humanos em seres de trabalho. Os homens puderam
então executar operações mais complexas, fixar e atingir objetivos cada vez mais
elevados, de modo que o trabalho de cada geração, sustenta Engels, tornou-se
melhor e mais diversificado. Marx (1982) afirma, porém, que apesar da realidade
designada trabalho ser tão velha quanto o mundo e o homem, a denominação
abstrata ‘trabalho’ é, no fundo, uma categoria moderna, fruto das relações sociais
que originaram essa abstração. Falaremos mais sobre o trabalho na modernidade
adiante.
Hanna Arendt (1981) faz uma diferenciação entre três atividades humanas
fundamentais: trabalho, obra e ação. O trabalho seria a atividade que diz respeito
ao próprio processo biológico do corpo (labor), o trabalho para alimentar o
processo da vida, com a estrita finalidade de suprir as necessidades básicas. A
obra, por sua vez seria a atividade não ‘naturalizada’ da vida humana, não está
ligada ao ciclo vital, mas destinada a produzir objetos duráveis que seriam
utilizados para os mais diversos fins (essa distinção primordial poderia ser
exemplificada, na antiguidade, pelo trabalho do escravo e a obra-atividade do
artesão). A ação, por fim, seria a única atividade exercida diretamente entre os
homens, diria respeito à pluralidade da condição humana, o viver em sociedade,
política por si mesma, necessária ao homem para que o mesmo reflita, não se
isole e aja coletivamente. A ação é, segundo ela, a atividade humana por
excelência. Diferente de Marx, Hanna (1981) acredita que o trabalho não é só
trabalho produtivo e também não é intrínseco à condição humana, mas resultado
de um processo cultural, algo que o homem impôs a sua própria espécie.
Voltando um pouco no tempo, tentaremos compreender a construção
histórica do nosso modo contemporâneo de se relacionar com o trabalho.
Na sociedade grega, berço da civilização ocidental, o trabalho não era de
modo algum valorizado. Na verdade o trabalho, no sentido do que era feito com ‘o
suor do rosto’, era entendido como a atividade daqueles que tinham perdido a sua
liberdade (escravos). O próprio significado do trabalho se confundia com o de
infortúnio e sofrimento (WOLECK, 2000). Era como se o próprio exercício do
14
trabalho fosse um fardo, um penar. Havia, entretanto, duas palavras usadas pelos
gregos para designar ‘trabalho’: ponos, que faz referencia a esforço e penalidade,
e ergon, designando criação e obra de arte, este último tipo de trabalho mais
ligado à arte e ao pensamento. Tal diferença de palavras marca um cisão entre
trabalho no sentido de penar (ponein), e trabalho no sentido de criar (ergazomai)
(WOLECK, 2000). Mais tarde os romanos chamariam o trabalho de ‘tripalium’, que
era um instrumento de tortura da época. Para as sociedades antigas, trabalho era
tudo aquilo que estava ligado à necessidade (comer, vestir etc.) e, como tal, não
era sinônimo de grandeza ou de liberdade. A necessidade de produzir ou
comercializar, por exemplo, ficava a cargo dos escravos (ENRIQUEZ, 1999).
Na tradição judaico-cristã o trabalho estava associado à punição, maldição,
como fruto mesmo do pecado original, como bem diz o Antigo Testamento:
“Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn, 3,19 apud WOLECK, 2000). O
trabalho foi, para a citada fonte, uma espécie de maldição lançada pelo criador às
criaturas que decidiram ‘pecar’. A equiparação entre trabalho e sofrimento nos
contextos supracitados, representavam, além do próprio cansaço, uma condição
social.
Na idade média o trabalho era o penar dos servos e estava voltado para o
próprio sustento dos mesmos. Em tal contexto, o trabalho não era algo nobre
exatamente porque os nobres, os senhores, não trabalhavam. Lá não havia a
noção de emprego e a relação ‘trabalhista’ era de servo-senhor. Na servidão o
sujeito não era escravo, mas também não trabalhava para receber um salário ou
remuneração. Ele trabalhava para morar nas terras do seu senhor. Como a base
da economia na época era a agricultura era daí que a riqueza social era gerada.
Outras atividades também existiam – pecuária, mineração, artesanato, comercio –
mas de forma secundária. O que determinada a condição de servo era a relação
com a terra do senhor feudal (FRANCO JR., 1983).
A reforma protestante vai marcar uma mudança radical no modo como o
trabalho era concebido até então. O mesmo passa a ser encarado, por influência
dos pensadores protestantes (especialmente Calvino), de modo positivo, como
uma espécie de ação auto-criadora, o homem usando seu trabalho para se tornar
senhor de si e da natureza. O trabalho era agora o espaço da aplicação das
15
capacidades humanas, símbolo de liberdade e meio de aperfeiçoamento das
coisas e da própria sociedade (WOLECK, 2000). Pensadores modernos
expressivos como John Locke, Adam Smith
e Motesquieu
(iluministas)
reforçaram esse olhar positivo para o trabalho, plantando as sementes para o
advento da Modernidade, com as transformações gigantescas que o surgimento
do capitalismo traria para a relação do homem com o seu labor.
Eis que reluz a Modernidade, com as múltiplas transformações que vêm em
seu bojo – revolução agrícola, surgimento das cidades, revolução industrial – que
de certo modo ‘arrancam’ os homens dos antigos laços de subordinação à terra e
aos senhores e transformam os sujeitos em trabalhadores livres, livres, é claro,
para venderem a força de trabalho a quem possa lhes dar emprego (ENRIQUEZ,
1999). Era o florescer do capitalismo como modo de produção e de relação com o
trabalho: “Nessa era, o trabalho tornou-se uma atividade compulsiva e incessante:
a servidão tornou-se liberdade, e a liberdade, servidão” (KURZ, 1997, p. 3, grifo
nosso). Entramos na época da dominação capitalista e da exploração da mão-deobra, ou seja, a civilização do trabalho e dos trabalhadores (ENRIQUEZ, 1999).
Lacan (1992, p. 160, grifo nosso) sustentava em sua época (décadas de 50,
60, 70) que “Jamais se honrou tanto o trabalho, desde que a humanidade existe. E
mesmo, está fora de cogitação que não se trabalhe”. O trabalho, nesta nova
configuração capitalista, em vez de ser desvalorizado como nas sociedades
antigas, torna-se elemento eminentemente integrador da sociedade, formador de
cultura e de laços sociais, tendo no seu centro a figura do trabalhador assalariado.
E foi o próprio capitalismo industrial que deu origem à concepção moderna que
temos de trabalho. Ser sujeito de direito aqui, mais do que em qualquer outra
época da história humana, era ser produtivo, ser capaz de exercer algum trabalho,
sob pena de ser um excluído social, um anátema.
Chegamos nos dias atuais. O capitalismo, nas últimas décadas, sofre
importantes e profundas mudanças, com impacto direto no mercado de trabalho.
São expressões dessas mudanças a globalização das finanças (mercado de
capitais), precarização das relações trabalhistas, altas taxas de desemprego,
deslocamento geográfico dos organismos produtivos e de mão de obra, inovações
tecnológicas e eliminação de postos de trabalho (WOLECK, 2000). É o que alguns
16
autores
tem
nomeado
de
‘reestruturação
produtiva’, que
consistiria
na
flexibilização e seus derivados como as novas palavras de ordem. Aqui não só as
estratégias de produção e racionalização seriam flexibilizadas, mas também
tecnologias, políticas, processos de trabalho, estoques, produtos, padrões de
consumo, condições de trabalho, direitos e compromissos do Estado para com
seu povo (HARVEY, 1994).
Mattoso (1995) alerta para uma sensação generalizada de insegurança que
perpassa esse trabalho, que englobaria a insegurança no mercado de trabalho, no
emprego, na renda, na contratação, na representação do trabalho, na defesa do
trabalho
e
na
própria
organização
sindical.
Nessa
configuração,
o
desenvolvimento do capitalismo se volta bem mais para o consumo do que para a
produção. É o dinheiro que produz o dinheiro, e não mais a mercadoria. E para tal
intento, tendo como suporte a automação e as novas tecnologias, precisa-se cada
vez menos das pessoas. Entramos, agora, num momento histórico, sustenta Zizek
(2012, p. 3, grifo nosso) onde, conforme previu Marx, a circulação de dinheiro
como capital torna-se “um fim em si mesmo, pois a expansão do valor se realiza
apenas neste movimento constantemente renovado. A circulação do capital não
tem, portanto, limites”.
O trabalhador contemporâneo ideal, diriam, seria aquele capaz de adaptarse a essa nova configuração, flexível, capaz de fazer calar em si seus sofrimentos,
aquele que olha para os problemas com frieza (e ao mesmo tempo encara o
trabalho com paixão), o próprio guerreiro ou esportista, capaz de ultrapassar seus
limites, de saber se comunicar com assertividade, de ser obcecado pela
excelência, conformado à ideologia do ganhador, do lutador, da meritocracia, livre
de si, dos sonhos, do próprio passado e dos questionamentos (ENRIQUEZ, 2010).
As organizações (empresas), nesta nova configuração capitalista, assumem (ou
pelo menos tem a pretensão de) um papel central na vida dos sujeitos, fornecendo
até mesmo um senso de identidade pessoal, quando esta se confunde coma
identidade
sobrecarga,
profissional
pressão
(FREITAS,
e
exploração
2000).
são
Assim,
opressão,
justificados
pelos
excelência,
ideais
de
comprometimento, desafios e competitividade (ALVES, 2007). O sujeito do
trabalho atual corre o risco de, como bem diz Richard Sennet (2000), se
17
transformar em um cínico, que vive cotidianamente a farsa das relações de
trabalho, o mundo de aparências das corporações, mas que no fundo é descrente
e um automaton, experienciando cínica e conscientemente um trabalho sem
sentido e sem razão, um trabalho que corroi cotidianamente o seu caráter. Ou
então o oposto, o trabalhador que se engaja de modo tão radical ao trabalho que
vive uma espécie de ‘servidão voluntária’ (termo cunhado por Etienne de La Boetie
em 1563, usado atualmente para nomear uma horda de trabalhadores
completamente ‘entregues’ ao sistema).
Dejours (2008), psicanalista e psiquiatra francês que estuda atualmente a
relação do sujeito com o seu trabalho enfatiza que hoje, ao invés de solidariedade,
as organizações incentivam o que ele chama de ‘convivência estratégica’ , com
uma sociabilidade e convívio falsos, fictícios, feitos de símbolos vazios
(comemorações de final de ano, aniversariantes do mês etc.), mas que no fundo é
puro utilitarismo, servindo apenas para aproximar interesses competitivos entre os
indivíduos – ascensão na carreira, networking etc. E ele sustenta que a própria
destruição pelos gestores e pelas organizações dos elos sociais de outrora entre
os trabalhadores fragiliza-os perante a doença mental.
2.2 O Trabalhador
O operário ideal é aquele que, quando chega à fabrica, deixa o cérebro no
vestiário. Taylor, pai da Administração Científica
Freud (1988), ao fazer um breve definição de saúde mental ou normalidade,
afirmou: amar e trabalhar. E escreveu ainda que o objetivo do psicanalista, com
seu trabalho, seria o de ajudar o sujeito a atingir certo grau de capacidade de
trabalho e diversão.
Discorreremos um pouco, agora, sobre o texto freudiano que mais faz
referencias ao modo particular de Freud (1988) pensar a articulação do homem
com o seu trabalho, o Mal-estar na Civilização. Esse texto é um dos principais
escritos sociais ou culturais de Freud, assim como O Futuro de uma ilusão, que o
antecedeu. Basicamente Freud argumenta que a cultura (civilização) produz e
sempre produzirá um mal-estar no ser humano porque é fruto de pesadas
18
renúncias pulsionais. É um texto tido como pessimista de Freud , desiludido que
estava ele com o progresso da humanidade – e da cultura – até aquele momento.
Ele inicia o texto, datado de 1930, falando da relação dos homens com a religião,
vendo na mesma uma espécie de fuga da dura realidade da falta de um sentido
absoluto e norteador para a vida humana, que possa dar conta da nossa
existência. E faz, ao seu modo, uma certa apologia à lucidez, embora reconheça
que é difícil por demais suportá-la, já que são muitos os sofrimentos que
acometem o sujeito. Ele enumera então algumas medidas paliativas que nos
aliviam e nos permitem algum prazer, que seriam modos existentes na própria
vida em sociedade para buscar a dita felicidade e evitar o sofrimento: as drogas,
as fantasias, o amor, o trabalho, o delírio, a enfermidade neurótica e a sublimação.
A almejada felicidade encontraria, segundo Freud, uma barreira perpétua a sua
plena e contínua realização no próprio psiquismo humano, já que só pode ser
experimentada como satisfação momentânea. A realidade, ou o princípio da
realidade, acaba por ‘sufocar’ o princípio do prazer, restringindo bastante o projeto
de felicidade do homem. A sublimação das pulsões seria, segundo Freud, a
técnica mais importante no sentido de afugentar as ameaças de frustrações vindas
do mundo exterior. A alegria de um artista ao criar uma obra ou de um cientista ao
fazer uma descoberta seriam exemplos bem sucedidos de sublimação das
pulsões. Deve-se reconhecer, porém, que a intensidade do prazer obtido ainda é
tênue se comparada àquela proveniente da satisfação dos impulsos mais
primários (SAROLDI, 2011). Ainda no Mal-estar Freud (1988) diz que a civilização
tem como tarefa principal evitar o sofrimento e trazer segurança ao homem, o
prazer ficando para um segundo plano. E as satisfações pulsionais que o sujeito
terá serão sempre parciais e momentâneas, já que é esse o preço que a
‘civilização’ cobra aos homens. Sendo assim, as possibilidades do homem ser feliz
serão sempre restritas: “O programa de tornar-se feliz que o principio do prazer
nos impõe não pode ser realizado; contudo, não devemos – na verdade não
podemos – abandonar nossos esforços de aproximá-lo da consecução, de uma
maneira ou de outra” (FREUD, 1988, p. 102, grifo nosso). Ele diz também que o
sofrimento humano provém de três fontes: o próprio corpo, o mundo externo e os
relacionamentos, esta última como a mais significante.
19
Quando em seu texto aborda a questão da vida em sociedade, Freud
argumenta que o próprio desenvolvimento cultural exige que cada homem
contribua, a seu modo, com uma parcela de sacrifício pulsional, ou seja, abra mão
de determinados ‘prazeres’ em nome da proteção e da segurança que a vida em
sociedade supostamente oferece. Ele adverte, porém, que a cultura, ou a própria
vida social em si, não é sinônimo de ‘aperfeiçoamento humano’, já que não tornou
ou torna os homens mais felizes. O mal-estar inerente à condição humana seria
resultado das restrições na vida sexual que o processo civilizatório (e a cultura)
exige. É um mal-estar insolúvel, e, portanto, inerente à condição humana. A
agressividade e a crueldade, que insistem em fazer parte da história das
civilizações, são resultado deste resto de pulsões impossíveis de serem satisfeitas
dentro dos ditames civilizatórios: “A cultura é um processo a serviço de Eros, que
deseja reunir indivíduos humanos isolados, depois famílias, então tribos, povos e
nações em uma grande unidade, a humanidade” (FREUD, 1988, p. 141, grifo
nosso). Eros se depara, porém, com a pulsão de morte e sua força destrutiva. Tal
força seria, para Freud, um obstáculo contínuo à civilização. Ele conclui o supracitado texto com uma verdadeira questão sobre a capacidade da humanidade
civilizada de vencer as forças que, dentro de si mesma, a empurram para a
destruição.
Aqui podemos voltar então ao olhar freudiano sobre trabalho, como essa
possibilidade do homem satisfazer mesmo que parcialmente suas pulsões, seja
pela via do próprio trabalho como fonte de prazer ou pela via da sublimação, que
seria um caminho mais ‘refinado’ de encontro entre o homem e o trabalho, mas
este, segundo o próprio Freud, acessível para poucos – artistas, artesão,
cientistas e inventores entre outros. Freud (1988) argumentava que nenhuma
outra atividade prende tão firmemente o ser humano à realidade como o trabalho:
Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão
firmemente à realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este,
pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na
comunidade humana. A possibilidade que essa técnica oferece de
deslocar uma grande quantidade de componentes libidinais, sejam eles
narcísicos, agressivos ou mesmo eróticos, para o trabalho profissional, e
para os relacionamentos humanos a ele vinculados, empresta-lhe um
valor que de maneira alguma está em segundo plano quanto ao de que
20
goza algo indispensável à preservação e justificação da existência em
sociedade (FREUD, 1988, p. 109).
O trabalho seria, portanto, fonte de satisfação especial se fosse livremente
escolhido e tornasse possível o uso de inclinações existentes (sublimação),
trazendo assim prazer para as agruras da vida do sujeito e também um certo
ordenamento no campo da realidade. Ele sustentava ainda que o trabalho oferece
boas possibilidades de articulação das pulsões com a cultura, permitindo a
simbolização de elementos psíquicos inconscientes para a atividade Social
(PERRISÉ, 2011). Freud diz também que os homens parecem não se esforçar no
trabalho como via para a satisfação, como o fazem com outras vias, a grande
maioria das pessoas só trabalhando para suprir necessidades econômicas de
sobrevivência, o que ele considerava um problema. E ainda que tudo fosse bem,
na vida e no trabalho, o que restaria, sem dúvida, sempre, é o persistente malestar.
Dejours (1983) diz que o mesmo trabalho que é fonte de satisfação e prazer
para os sujeitos, pode ser também produtor de sofrimento e adoecimento psíquico,
sobretudo quando é um labor rígido, repetitivo e frustrante, não dando ao sujeito
possibilidade de transformação e aperfeiçoamento. Ele acredita, porém, baseado
em Freud, que o trabalho não cria doenças mentais específicas, podendo somente
favorecer as descompensações neuróticas ou psicóticas, descompansações que
vão refletir a estrutura psíquica de cada sujeito. O trabalho, postula Dejours, seria
um regulador social, fundamental para a subjetividade humana e, quando
possibilita ao trabalhador uma estruturação positiva de sua personalidade, pode
inclusive aumentar a resistência dos sujeitos aos desequilíbrios psíquicos e
corporais. “Há duas vias principais para o acabamento da identidade do ser
humano: de um lado, a conquista da identidade no campo erótico e do amor; do
outro a conquista da identidade no campo social” (DEJURS, 2008, p. 207, grifo
nosso). Ele assegura também que quem é reconhecido pela contribuição que traz
à organização por seu trabalho pode, eventualmente, voltar esse reconhecimento
para o registro da sua identidade. Graças a este reconhecimento, então, trabalhar
seria não apenas produzir bem ou serviços, mas também ‘se transformar em si
mesmo’. Sobre isso, Gernet (2010, p. 62) diz que
21
O reconhecimento do trabalho participa da realização do ser no campo
social. Essa dinâmica permite entender de forma particular como, graças
ao trabalho, alguns indivíduos conseguem consolidar a própria identidade
e afastar, por vezes durante a vida inteira, o risco de doença mental e
somática (GERNET, 2010, p. 62).
O trabalho pode ser para o sujeito o espaço privilegiado de sublimação,
atuando como uma espécie de ‘catalisador’ das pulsões que não podem ser
satisfeitas, canalizando estas para algo aceito socialmente – no caso, o próprio
trabalho (DEJOURS, 2008). E isto funcionaria não só para artistas ou cientistas
(apud FREUD, 1988), mas para todo trabalhador que é ligado, pelo seu labor, à
comunidade humana, e encontra no outro o olhar de reconhecimento pela
contribuição social que pode prestar com seu trabalho. Marcuse (1999) reconhece
que o trabalho é também caminho privilegiado de adequação do princípio do
prazer ao princípio da realidade, funcionando como aquele lugar que oferece ao
sujeito a possibilidade de viver a satisfação adiada em troca da satisfação
imediata, tendo como recompensa as gratificações no campo social. Mas ao
mesmo tempo que é estruturante psíquico, o trabalho pode desestruturar sujeitos
que não funcionam segundo o princípio da realidade, como é o caso dos
psicóticos, por exemplo (MENDES; ARAÚJO, 2011).
Para Gaulejac (2007), sociólogo que também estuda a relação dos sujeitos
com o trabalho, cada sujeito – sejam quais forem as condições de trabalho, seja
qual for o grau de instrumentalização de que é objeto – tem necessidade de dar
valor àquilo que produz, de coerência diante do caos, regulação diante da
desordem, racionalidade diante das contradições. Isso lhe permite realizar-se ao
realizar sua tarefa. O trabalho, diz o sociólogo, tem sentido visto que dá o
sentimento de contribuir para uma obra coletiva e que cada atividade teria um fim
fora de si mesma. Aqui Gaulejac (2007) concorda com Freud sobre o papel do
tabalho como caminho possível para a satisfação na vida. Mas, continua Gaulejac,
o trabalho, como está posto na sociedade atual, é sem sentido, sem ‘alma’,
valoriza a ação (em detrimento da reflexão) e é individualista (em detrimento do
coletivo). O trabalho contribui ainda para alienar o sujeito numa miragem de autorealização, sucesso e compensações financeiras. E a gestão (ou ‘gerencialismo’)
22
é pervertida quando favorece uma visão do mundo na qual o humano se torna um
recurso a serviço da empresa.
Dejours (2010) argumenta ainda que os trabalhadores contemporâneos não
sofrem mais do que os seus colegas de gerações passadas, ou seja, o trabalho do
modo como está posto na sociedade capitalista sempre foi fonte de sofrimento. A
diferença, segundo ele, é que agora os trabalhadores não contam mais com os
suportes sociais de outrora. As estratégias coletivas de defesa que ajudavam o
trabalhador a suportar o peso das agruras impostas pelo trabalho hoje não
funcionam mais, foram desfeitas. Um exemplo disso é o enorme enfraquecimento
dos sindicatos e associações de trabalhadores, além da própria cultura
competitiva e individualista, que faz cada um correr como louco atrás do próprio
quinhão, sem se importar com o outro. Assim, aquele que sofre hoje vive uma
dupla dor: a dor própria da situação de sofrimento no trabalho e a dor da solidão e
da exclusão.
Richard Sennet (2000) , sociólogo inglês, cunhou o termo ‘corrosão do
caráter’ para falar desse modo contemporâneo de relação do sujeito com o seu
trabalho. Nesta configuração, a ética do trabalho foi superada, junto com a rigidez
e a burocracia, dando lugar a uma flexibilização em todos os sentidos, inclusive
nas histórias individuais. Os sujeitos, ficariam, então, à deriva, sem um senso de
caráter e de narrativa pessoal. Para Sennett, esse modelo de capitalismo afeta o
caráter pessoal dos sujeitos, especialmente porque não oferece condições para
construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na experiência de cada
um. A flexibilidade do tempo requereria, como acompanhamento, uma
flexibilização também do caráter, a mesma podendo ser caracterizada pela
ausência de apego temporal a longo prazo e pela tolerância com a fragmentação.
A dita nova ordem concentra-se na capacidade imediata e não leva em conta que
acumulação dá sentido e direito às pessoas - daí a especial preferência deste
capitalismo pelos jovens, por serem mais adaptáveis às formas flexíveis de
trabalho. O risco da extrema flexibilização, além de colocar em questão o senso
de caráter, é que a mesma propicia aos sujeitos um sentimento de esvaziamento
completo em todos os sentidos (político, social, moral etc.). Outro grande dilema
que desafia o caráter neste novíssimo capitalismo: que lugar para o sujeito, em um
23
regime onde as relações entre as pessoas no trabalho são superficiais e
descartáveis e os laços de confiança e compromisso mútuo se afrouxam em
decorrência das experiências de curto prazo? O problema do caráter nesse tipo de
capitalismo é que há história sim, mas não existe narrativa compartilhada com os
outros e, assim, o caráter se corrói (SENNET, 2000).
24
3 AS DEPRESSÕES PARA A PSICANÁLISE ONTEM E
HOJE
“A tristeza cravada nos corpos dos indivíduos do século XXI são insígnias
da vida nua” (AGAMBEM, 2002).
3.1 Um sujeito mais triste?
A sociedade atual é marcada pela exacerbação de valores como
individualismo, competição, busca incessante pelo prazer, egocentrismo e,
sobretudo, um consumismo desmedido.
Fazer-se individualmente bem sucedido, pelo atingimento de metas de
riqueza material que possibilitem um consumo ilimitado e uma alocação
privilegiada no espectro da hierarquia social: é este o objetivo e o ideal
que quase todos perseguem! (PACHECO FILHO, 2002, p. 25).
Por outro lado vê-se aquilo que alguns autores chamam de ausência de
ideais coletivos (o esvaziamento das discussões sobre ética ou política entre os
mais jovens diz bastante sobre isso), o que pode ser refletido num cultivo do valor
individual como razão última da existência, e na perda de valores de profundidade
e interioridade, estes sendo substituídos por superficialidade e exterioridade
(FUKS, 2005). Bauman (2007) diz que nos nossos dias, a medida que se
intensifica a busca pelas sensações corporais – prazer, satisfação, alegria – o
corpo caminha para o centro da vida humana, sendo lançado ao papel de
protagonista.
Vivemos numa época de hipermodernidade, usando aqui a expressão
cunhada pelo sociólogo Gilles Lipovetsky (2004). Ele sustenta que as
características do conhecido sujeito moderno não foram superadas, como se
acreditava na pós-modernidade, mas acentuadas, ou hiperacentuadas. Entre as
principais características dessa hipermodernidade estão o consumo como
mediador da vida, em todos os seus aspectos, inclusive o emocional, e a
exarcerbada preocupação do sujeito com a sua própria saúde e segurança. O eixo
25
gravitacional do tempo se deslocou do futuro para o presente, o reino do ‘aqui e
agora’: “A primazia do presente se instalou menos pela ausência (de sentido, de
valor, de projeto histórico) que pelo excesso (de bens, de imagens, de solicitações
hedonistas)” (LIPOVETSKY, 2004, p. 61, grifo nosso). Mas, assegura Lipovetsky
(2004), a febre do consumo e satisfação imediatas estão, nestes tempos de
desestruturação do mercado de trabalho, envoltas em uma sombra de medo e
inquietação, porque o futuro, agora longe das promessas de progresso ou das
promessas religiosas, é incerto e angustiante.
O sujeito contemporâneo, ainda segundo o autor supracitado, se vê numa
sociedade caracterizada pela fluidez, pela indiferença aos ideais tradicionais, uma
época em que Narciso está mais senhor de si, mais hedonista e organizado,
época também do hiperconsumo, quando este absorve toda a vida do sujeito,
integrando partes cada vez mais profundas da vida social. Ao mesmo tempo em
que é mais informado, o sujeito hipermoderno é mais desestruturado, mais adulto
e mais instável, menos ideológico e mais tributário das modas, mais crítico e
cético e menos profundo:
Hoje, a obsessão consigo mesmo se manifesta menos no ardor do gozo
que no medo da doença e do envelhecimento, na medicalização da vida.
Narciso está menos enamorado de si mesmo que aterrorizado pelo
cotidiano, pelo próprio corpo e por um ambiente social que ele considera
agressivo (LIPOVETSKY, 2004, p. 28).
Narciso está inquieto e nenhum discurso ideológico consegue acalmá-lo.
A vida na contemporaneidade pode ser caracterizada também, postulam
alguns autores, por uma identificação com a imagem, como o parecer em vez do
ser. Encontra-se, então, aquilo que Debord (1967, p. 13, grifo nosso) chamou de
‘Sociedade do Espetáculo’, ou seja, as relações sociais entre as pessoas são
regidas e mediadas pela imagem: “Toda a vida das sociedades na quais reinam as
modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de
espetáculos [...] Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”.
E a eficiência do espetáculo não consiste em reprimir outras falas, a fala dos
dissonantes e excluídos, mas em torná-las indesejáveis, inconvenientes até,
26
diante das promessas de gozo que o espetáculo não cessa de produzir (KEHL,
2004). Todos querem os seus minutinhos de fama ou a vida não vale a pena.
Por outro lado, temos hoje na sociedade hodierna um dito mandado à
felicidade, um dever de ter saúde e bom humor sempre, somos a sociedade dos
‘alegrinhos’, como bem diz Rubem Alves (2012). Todos temos que estar sempre
‘pra cima’, bem dispostos para a vida e para o trabalho e, especialmente,
dispostos a consumir. A alegria, o prazer e a satisfação estão à venda, se não nos
bens de consumo e nos gadgets, nas pílulas milagrosas da felicidade que regulam
nossa serotonina.
No Brasil, os dados do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social)
colocam os transtornos mentais como segunda causa de afastamento e
incapacitação para o trabalho. A depressão aparece no topo desta lista das
doenças incapacitantes. Quinet (2006), ao discorrer sobre o tema depressão,
sustenta que sob este significante se coadunam hoje uma multidão de sujeitos que
se encontram tristes, desanimados, frustrados, enlutados, apáticos, desiludidos,
entediados e angustiados, de modo que poderíamos até dizer de uma sociedade
contemporânea de deprimidos (já que todos nós homens, em algum momento da
vida, nos sentiríamos assim). Ele diz ainda que talvez a dita multiplicação dos
deprimidos seja um ‘sinal dos tempos’, já que a falta de uma perspectiva mais
igualitária para a sociedade, a queda dos ideais revolucionários, o desemprego
crescente, a competitividade feroz do mercado de trabalho, isso tudo em paralelo
aos imperativos de gozo da nossa sociedade ‘produtora de gadgets’ - acenando
com promessas de satisfação do desejo -, tudo isso pode, segundo ele, contribuir
para um estado depressivo no sujeito contemporâneo, este desorientado em
relação ao seu desejo e seus ideais. Essa multiplicação dos deprimidos também é
corolário de uma eficiente e lucrativa indústria farmacêutica, que não só divulga o
medicamento como panacéia para a cura das dores da alma, como ela mesma
estabelece os critérios diagnósticos que os psiquiatras devem seguir na hora de
identificar os potenciais sujeitos depressivos e que, portanto, devem ser
medicados. Viveríamos, assim, uma espécie de patologização da vida subjetiva,
quando qualquer manifestação de dor ou tristeza se transformaria em
adoecimento psíquico. Dados publicados na revista Piauí (2011) na reportagem
27
intitulada ‘A epidemia de Doença Mental’ relatam faceta dessa crescente
medicalização da vida subjetiva. Hoje 10% dos americanos com mais de 6 anos
toma remédios ditos antidepressivos, um consumo que aumento 400% nos últimos
20 anos. Um estudo com adultos feito pelo Instituto Nacional de Saúde Mental
(EUA), realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual acachapante de
46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de
Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença
mental. Entre as crianças, dez por cento dos meninos com 10 anos de idade
tomam atualmente remédios estimulantes diários para o transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade. Dados da OMS dizem ainda de 350 milhões de pessoas
deprimidas no mundo inteiro – mais de 5% da população mundial. A OMS estima,
também, que em 2030 a depressão será a doença mais comum no mundo. Só no
Brasil foram vendidas 42, 3 milhões de caixas de remédios antidepressivos em
2012, num montante lucrativo de 1,85 bilhão de reais (ANVISA, 2012)
Soler (1997) argumenta que no discurso atual nada do que se atribuí à
depressão (ou tristeza, ou sofrimento) possui algum valor de positividade, ao
contrário de outras épocas – a idealização romântica, o spleen, a genialidade
renascentista, a mortificação cristã santificadora do sofrimento. A tristeza do
deprimido hoje é antes um déficit, uma falta ou defeito. E para consertar esse
defeito se oferece, portanto, as pílulas corretivas
No mundo do trabalho atual experienciamos os reflexos do já citado
mandado à beatitude: todos temos que estar sempre de bem com a vida, ter boas
relações pessoais, sermos assertivos com as emoções e estarmos sempre
prontos para a batalha da competitividade. Neste espaço o sofrer não tem lugar
porque ele é contra a produtividade e serve como uma espécie de denuncia
daquelas coisas que, por algum motivo, não vão tão bem assim. A indústria de
livros sobre gestão movimentou em 1997, só nos Estados Unidos, 750 milhões de
dólares. Nos perguntamos então, que visão do mundo do trabalho e dos próprios
trabalhadores
são
mais
vendáveis
e
rentáveis?
(MICKLETHWAIT;
WOOLDRIDGE, 1997). Deste modo, os trabalhadores que se apresentem tristes
são logo encaminhados, então, para o setor de saúde da empresa, se não pelos
gestores, pelos próprios colegas que não querem se envolver com a dor alheia.
28
Vladmir, mais um desses trabalhadores, foi encaminhado ao atendimento
no setor de saúde porque estava chorando bastante no seu local de trabalho e
isso acontecia várias vezes por dia, desde que ele retornara de uma licença
médica de 15 dias. O choro é motivado, segundo o chefe que o encaminhou, pela
morte do filho único de Vladmir, acontecida há 20 dias. Tanto o chefe como os
colegas de trabalho estão bastante incomodados com o choro de Vladmir e acham
que o mesmo precisa de cuidados médico s e de remédios pois deve estar ‘em
depressão’ por causa da morte do filho. As profissionais do serviço de saúde
(assistente social e psicóloga) escutam Vladmir e encontram um sujeito em
profundo processo de luto. O filho morreu de modo repentino e tinha apenas 15
anos. Vladmir sofria a dor da perda e essa era a motivação do seu choro, que
acontecia ao longo do dia, no trabalho, no ônibus, em casa, onde quer que ele
lembrasse do filho morto. A decisão de voltar ao trabalho depois de 15 dias de
licença médica tinha sido do próprio empregado pois, como ele mesmo relatou,
gostava de trabalhar e achava que era um modo de sair de casa, espairecer, ser
aliviado de algum modo das lembranças que a casa onde morava com o filho
trazia. O trabalho, para Vladmir, naquele momento, servia como suporte e alívio.
Mas o choro incomodava os colegas de escritório e o chefe. A dor que Vladmir
vivia de certo modo lembrava a cada um que o assistia a finitude, os limites da
condição humana, vulnerável e desamparada. No ambiente de trabalho, onde
todos são convidados a ser fortes, assertivos, comunicativos e bem dispostos,
trazer essa mensagem de relativização e dor é perigoso, desconserta. As
profissionais de saúde decidem então conversar com o chefe de Vladmir e explicar
um pouco sobre o processo de luto que ele está vivendo e sobre o papel salutar
que o trabalho pode ter na vida dele naquele momento. O chefe compreende os
argumentos das profissionais e decide conversar com os colegas de Vladmir para
que entendam e aceitem melhor o choro do colega no trabalho.
Fazendo um reflexão sobre a história do Vladmir, é interessante pensar, por
outro lado, na vontade de Vladmir de voltar ao trabalho ainda num momento tão
doloroso de sua vida, com a ferida do luto ainda tão aberta. Não estaria ele, talvez,
também imerso nessa crença difundida de que o trabalho é a ‘cura’ para todos os
males, é onde encontramos alegria, nossa nova comunidade? Não seria o
29
trabalho para ele um local para, de certo modo, fugir do real trabalho de luto – ou
tentar abreviá-lo precocemente?
Sandra Edler (2008) argumenta que a atual obrigatoriedade de todos
assumirmos a imagem do vencedor, que é insustentável e irreal, mas solicitada
como demanda social, só é possível com o uso de artifícios que possam
escamotear qualquer fragilidade. No local de trabalho, mas do que em qualquer
outro lugar, não há espaço para os derrotados, abatidos e acabrunhados pelas
dores da condição humana, nem mesmo da inexorável morte.
3.2 Depressão ontem e hoje
“[...] podemos dizer que a intenção de que o homem seja feliz não se acha no
plano da ‘Criação’” (FREUD, 1988).
A depressão, para muitos autores, sobretudo sociólogos e historiadores, é
uma das marcas do sujeito atual, uma das formas que ele toma e que até o
definem como contemporâneo. Soler (1997, p. 167) diz que
[...] os sintomas mudam, mudaram, eles são, com diz Lacan por
neologismo calculado, ‘hystoricos’. Históricos em suas manifestações
porque eles são função da língua e de discurso do tempo, mas
transhistoricos em sua estrutura. Este último fator por si só dispensa-nos
de refazer o vocabulário a cada virada de história, ao mesmo tempo que
nos impõe reconhecer a mesma estrutura sob quadros que mudam.
O olhar da Psicanálise para os fenômenos da sociedade atual leva em
conta não só os aspectos subjetivos de cada um—um olhar singularizado—mas
também aspectos macrossociais, ou seja, aqueles fenômenos que atingem a
sociedade como um todo em sua enorme gama de laços sociais. Assim postula
Pacheco Filho (1997, p. 37):
É possível que a contribuição mais importante que a psicanálise talvez
tenha a oferecer para a compreensão dos fenômenos sociais seja a
maneira pela qual articula, por meio do processo edípico, a construção da
subjetividade e do laço social, elucidando os modos pelos quais as
transformações em um desses polos refletem-se em mudanças
inevitáveis no outro aspecto.
30
Lacan (1998) dizia que a prática do analista exige que ele se esforce para
alcançar, em seu horizonte, a subjetividade da sua época. Deste modo, a
depressão, e sobretudo a depressão do trabalhador como fenômeno social
poderia ser vista como uma manifestação desse mal-estar contemporâneo, numa
atualização do mal-estar freudiano descrito em 1930, O Mal-estar na Civilização
(FREUD, 1988). Sandra Edler (2008) afirma que aqueles que procuram os
consultórios hoje se dizendo depressivos não parecem guardar relação nenhuma
com o luto ou a dor por uma perda, mas expressam antes um misto de
desinteresse pelo mundo e descrença em si mesmo. Se veem tomados por um
sentimento de insuficiência, diante de exigências que os ultrapassam, ou de um
saber que os esmaga, ou de uma perda cujo objeto parece indefinido. E até as
perdas naturais da vida que outrora eram suportadas e elaboradas, hoje, na
‘sociedade das promessas’ que vivemos, pode significar um confronto com o
limite, a castração e o reconhecimento (tão negado) do nosso desamparo
fundamental (SAROLDI, 2011). O sujeito hodierno que se diz deprimido não
possui, normalmente, uma questão, um dúvida (um enigma) a partir de onde se
possa começar um trabalho de elaboração psicanalítica. Há de partida um sujeito
que se sente paralisado diante de limitações que vê como impossíveis e, como
consequência, uma desistência em tentar mudar algo da ordem do que ele se
queixa (SAROLDI, 2011).
A palavra depressão é de origem latina, ‘depremere’, e suscita a ideia de
pressão para baixo, queda. Deprimir-se seria, então, ser pressionado para baixo,
cair sob um peso. Serge Andre (1998) sustenta que o termo deriva da economia
de mercado, oscilante de partida, com períodos de euforia e depressão. Já o
termo melancolia, por sua vez, é mais utilizado pelos teóricos da psicanalise. Ele é
de origem grega e estaria ligado à ideia de bile negra (melas: negro, chole: bile).
Tal substancia, circulando em excesso no corpo humano, seria a responsável pela
tristeza. O homem, na concepção da época, seria constituído por quatro humores
– o sangue, a linfa, a bile negra e a bile amarela – que seriam derivados das
quatro qualidades fundamentais (calor, frio, seco e úmido). O equilíbrio versus
desequilíbrio dessa substancias no organismo definiria as condições de saúde,
doença e personalidade. A melancolia, em tal contexto, seria a doença da tristeza
31
causada pelo desequilíbrio da bile negra no organismo, ‘escurecendo’ o humor do
sujeito (EDLER, 2008).
Freud, ao longo de sua obra, faz uso várias vezes do termo ‘depressão’ e
da expressão ‘estados depressivos’, colocando a melancolia como o mais grave
entre todos. A psicanálise, historicamente, faz uma distinção entre Depressão e
Melancolia. Enquanto o primeiro termo está mais ligado aos sintomas clínicos que
podem perpassar as estruturas clínicas utilizadas na psicanálise – neurose,
psicose e perversão – sendo, portanto, sintoma transestrutural, o segundo termo,
melancolia, diria respeito a uma psicose, uma condição extrema para o sujeito. A
obra freudiana Luto e Melancolia (FREUD, 1988a) é um texto clássico sobre o
tema. O pano de fundo desse texto foi a 1ª Guerra Mundial. E ele faz parte da
chamada ‘metapsicologia freudiana’, que foram ensaios originais expressando as
principais elaborações da teoria psicanalítica até então (EDLER, 2008). Mas o
interesse de Freud sobre o tema vem de muito antes, quando no Rascunho G, de
1895, faz as primeiras interrogações sobre a melancolia, buscando semelhanças
com outros quadros clínicos. Em Luto e Melancolia o quadro relatado por Freud
(1988a) quando fala de melancolia se encaixaria no que a psicanálise entende
hoje como sendo do campo das psicoses. De certo modo construir alguma
teorização sobre a melancolia parece ter sido uma preocupação constante de
Freud (1988a), talvez porque ele supusesse que ela representa uma espécie de
metáfora da dor matricial, que é o desamparo que marca a condição humana
(PERES, 2011).
A psiquiatria traz definições diferentes daquelas utilizadas pelos discípulos
freudianos. Ela utiliza como referência atualmente o DSM V, que é um manual
classificatório de doenças mentais produzido pela Associação Americana de
Psiquiatria, hoje na sua quinta versão. Para tal manual a depressão aparece
classificada entre os transtornos de humor, podendo receber os mais diversos
nomes, dependendo dos fenômenos sintomáticos apresentados. Os diagnósticos,
então, diferentemente da psicanálise, seriam feitos com base nos fenômenos
apresentados (sintomas relatados), sem levar em conta a estrutura do sujeito.
Uma depressão, assim, poderia receber diversas denominações: distimia,
32
ciclotimia, transtorno bipolar etc., tudo dependendo de como tal doença se
encaixaria dentro dos critérios classificatórios do manual.
Ainda em Luto e Melancolia, Freud (1988a) rompe com a tradição que
associava a melancolia à criação artística, ao brilhantismo, por um lado, e por
outro a sintomas sociais puramente, trazendo-a para o campo da investigação
clínica, que era seu ofício (KEHL, 2011). Ele caracteriza a melancolia como um
estado extremamente doloroso, cujo principal sintoma seria a perda de interesse
pelo mundo exterior. Todas as sensações e atividades se veem inibidas,
sobretudo as do campo afetivo. O sentimento de auto-estima é diminuído,
aparecendo as auto-acusações e auto-injúrias, chegando muitas vezes à
expectativa delirante de punição merecida. O sujeito com quadro de melancolia de
certo modo se desliga do mundo e se dirige completamente à dor da perda que
experimenta. O processo melancólico, segundo Freud, se aproximaria bastante de
um processo de luto normal, mas com características extremamente exacerbadas.
Enquanto no luto o sujeito vive a perda de um ente, objeto ou ideal, e passa, com
o correr do tempo, a elaborar a dor, de modo que aos poucos vá retornando às
atividades normais do seu cotidiano, na melancolia o sujeito também vive uma dor
de perda, mas não consegue elaborá-la. Ao contrário, o sujeito se identifica com o
objeto perdido, ou seja, é o próprio sujeito que se perde, se esvai. O que sobra é
um nada, um ‘rebotalho’, um resto; e é assim mesmo que o sujeito se vê. Lacan
(apud QUINET, 1997), vai definir essa dor como ‘dor de existir’. Freud faz ainda
uma diferenciação entre o luto e a melancolia. Enquanto no primeiro o sujeito, pelo
trabalho de luto, retira o investimento libidinal do objeto que se foi e o deposita em
outro, na melancolia isso não seria possível, já que o sujeito se identifica com o
objeto. E essa identificação foi feita inicialmente por uma escolha narcísica. O
melancólico, que escolhe seu objeto via narcisismo (portanto, por espelhamento,
como Narciso) ao perdê-lo voltaria a essa identificação imaginária com o que ‘se
foi’ não conseguindo investir em nenhum outro objeto. “A tortura que o melancólico
se inflige, que indubitavelmente lhe traz um gozo, representa a satisfação das
tendências sádicas e hostis que visam o objeto, que desta maneira retornam sobre
a própria pessoa” (FREUD apud QUINET, 1997, p. 139, grifo nosso). O
melancólico estaria, deste modo, excluído do simbólico, lá no lugar onde impera a
33
silenciosa pulsão de morte, onde a fala, a linguagem, Eros, não o podem alcançar.
Enquanto no luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia é o próprio
ego (FREUD apud QUINET, 1997, p. 139).
Freud ainda faz uma diferenciação entre o chamado luto patológico e a
melancolia. Para esta última ele sustenta que o mecanismo de identificação
narcisista faz com que o ódio contra si mesmo surja, e, ao mesmo tempo, uma
satisfação secundária (gozo), masoquista. Aqui uma parte do eu se contrapõe à
outra, tomando-a como objeto, julgando-a e condenando-a merecedora de castigo
(EDLER, 2008). No luto, argumenta Freud , o sujeito se depara de um modo ou de
outro com a castração, que é para ele um limite, uma impossibilidade. Na
melancolia, esta posta como uma psicose, o sujeito não se depara com a
castração (da qual está foracluído), mas com um furo de onde escapa, se esvai
toda a sua libido da vida.
A psicanálise, ao longo de sua história, usa pouco o termo ‘depressão’.
Lacan (1974), ao se referir à depressão, disse que a mesma seria uma espécie de
covardia moral, já que o deprimido estaria nessa situação por ter traído seu
desejo. O desejo, como motor e motivação para a vida, impulsiona o sujeito para a
ação, para ‘oprimir’ a vida, ao invés de deixar-se ‘deprimir’ por ela. A covardia
moral seria justamente a desistência, a traição do sujeito diante das exigências do
desejo, este mola propulsora de insatisfação contínua:
A definição de Lacan da tristeza como falta moral reúne o afeto triste com
a culpa. E o sentimento de culpa marca o retrocesso do sujeito diante do
desejo, recuo equivalente à confrontação com o impossível do real do
gozo. A tristeza como covardia moral, segundo a definição de Lacan,
situa esse afeto como uma relação frouxa do sujeito com a cadeia do seu
desejo [...]. Essa gama de afeto que faz o sujeito triste, covarde, sentir-se
frouxo e daí culpado, permite-nos inserir o afeto depressivo no âmbito da
ética (QUINET, 1997, p. 18).
Ainda segundo Lacan, um covarde não é aquele que tem medo dos perigos
da vida, mas aquele que faz da sua palavra (e do seu viver) uma repetição do
discurso do ‘Mestre de plantão’, longe de qualquer relação com o saber do seu
inconsciente. O depressivo assim, tem toda a razão de se sentir culpado, porque
traiu a via do seu desejo, a única via da qual não poderia abrir mão (KEHL, 2011).
Lacan, ao longo de sua obra, vai ligar essa via – do desejo - à obra que o sujeito
34
constrói com sua vida (KEHL, 2011). O deprimido seria aquele que, no jogo da
vida, desistiu de dar a sua tacada, antes mesmo de saber se a empreitada seria
bem sucedida, por covardia, por medo de perder, de arriscar, de desejar, e
portanto, de se ver como faltoso, castrado.
E o trabalhador deprimido, oprimido pelas exigências de um discurso
capitalista ideológico e feroz, é também um covarde?
3.3 Por que tantos trabalhadores deprimidos?
A questão acima nos leva a pensar no modo como cada sujeito se organiza
psiquicamente na relação com o seu trabalho. Como bem assegurou Freud, o
trabalho entra na economia libidinal de cada um de modo sempre particular. Para
uns o trabalho será fonte de satisfação e até mesmo sublimação. Para outros será
fonte de sofrimento – e de Gozo – funcionando até como um desencadeador de
adoecimento psíquico, como já nos disse Dejours (1983). A multiplicação dos
deprimidos no mundo do trabalho – que o digam as mais alarmantes previsões da
OMS, OIT, Previdência Social etc. – não diz muito sobre a ‘dor de existir’
experienciada pelo trabalhador singular, mas, ao mesmo tempo, nos interpela
como trabalhadores da área de saúde, se mostrando como um fenômeno que não
pode ser ignorado sob pena de perdermos ‘os sinais dos tempos’ e o que eles têm
para nos ensinar, todos nós pensadores sociais.
Max é mais um entre os tantos enumerados nas estatísticas dos deprimidos
no contexto do trabalho. Tem 30 anos e trabalha há 6 anos na empresa.
Apresentou o primeiro episódio depressivo há 3 anos, quando ainda trabalhava na
área operacional, depois da perda de um ente querido de forma violenta. Ficou
bastante impressionado com a violência da morte do familiar e ‘caiu’ em
depressão. Precisou se afastar do trabalho, começou tratamento psiquiátrico com
uso de medicação antidepressiva e também começou a fazer análise. Depois de
alguns meses, já se sentindo recuperado, retornou ao trabalho, mas pediu para
mudar de função e local de trabalho. Disse que não conseguiria mais trabalhar
convivendo diariamente com o perigo de vida, perigo que era inerente à função
que exercia e pela qual recebia adicional de periculosidade. Atualmente trabalha
35
em regime de escritório. Procura, depois de alguns anos, a equipe de saúde
porque sente que alguns sintomas depressivos novamente lhe acometem. Diz que
atualmente está desempenhando uma função com a qual não tem identidade, se
sente subaproveitado em suas capacidades profissionais e intelectuais. Diz que
não sabe fazer o jogo político corporativo, ‘não sei participar desse circo, não sei
ficar babando chefe, fazendo cara de bonzinho e feliz o tempo todo’. Quer mais
uma vez mudar de local de trabalho. O trabalho que ele desempenha hoje,
segundo relata, não tem sentido nenhum, o ‘empurra’ para a depressão. Max tem
inúmeras faltas no trabalho e está com dificuldade de cumprir a carga horária
diária. Diz não conseguir ficar ‘8 horas trancado num lugar fazendo de conta que
está trabalhando’. Atualmente continua o acompanhamento com psiquiatra e
fazendo análise. Pondera que a análise hoje é o centro da sua vida.
Max parece ser o retrato do trabalhador (e do próprio sujeito)
contemporâneo. Acachapado em vários momentos da vida pela força esmagadora
das exigências hodiernas de bem viver, status, felicidade completa, excelência
profissional e alegria corporativa. Ele de algum modo parece ter percebido o
engodo ao qual se vê participante e agora se nega, com sua tristeza e suas
críticas, a fazer parte do jogo. Mas ao mesmo tempo em que não quer jogar não
‘larga’ o tabuleiro. Max não quer assumir o papel do trabalhador feliz, realizado e
assertivo. A ‘força da grana que ergue e destrói coisas belas’ , como bem diz
Caetano Veloso, parece ter tirado de Max qualquer sentido para a vida laboral; e
aquela porção de felicidade pensada por Freud como possível de ser encontrada
no trabalho está muito distante do que Max vive hoje. Como diz Fuks (2011), uma
análise pode ser o lugar do testemunho daquilo que não cessa de não se
inscrever, mas que urge por ser inscrito.
O modo como Max cotidianamente sofre as agruras de um trabalho sem
sentido, ‘sem alma’ como diz Gaulejac tem a ver com suas escolhas – e seu gozo
– e com sua constituição psíquica tanto quanto com as imposições do ‘capital’. O
que talvez Max ainda não tenha percebido é que, lá onde ele só enxerga a força
capitalista da opressão, tem ele, tem um sujeito de desejo, tem um saber
inconsciente sobre si mesmo, uma falta primeva que o impele à vida, àquilo que
Max parece não querer ouvir - e por isso se deprime.
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4 UM OLHAR A MAIS
Sabe gente, é tanta coisa que eu fico sem jeito, sou eu sozinho e esse nó
no peito, já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder. Preciso aprender a
ser só (Gilberto GIL)
4.1 Desejo e contemporaneidade
Muitos autores têm discutido a questão do sujeito e o desejo na
contemporaneidade. Para a psicanalise o desejo é a propulsão à vida, aquilo que
move o sujeito em direção a algo valioso. Na época em que vivemos muito tem se
falado do desejo, do prazer, da busca sem limites pela autosatisfação.
Contraditório é pensar que é neste mesmo contexto que se multiplicam os
deprimidos, os que se dizem apáticos, sem prazer, sem desejo, sem vida. Neste
capítulo vamos discorrer um pouco sobre o que é o desejo para a psicanálise e as
implicações do mesmo (ou da sua falta) para a vida hodierna.
Lacan (apud KAES, 2001), diz que somos constituidos enquanto sujeitos no
e pelo desejo do outro, um outro que nos precede, de modo que podemos dizer
que “o sujeito é mais falado do que fala” (LACAN, 1998, p. 281, grifo nosso). Este
mesmo sujeito é inserido no mundo dos ‘humanos’ através de sua entrada no
simbólico (linguagem ou cultura) e a partir de então é perpassado pelo desejo que
é, sobretudo, desejo do outro, alteridade:
Para a psicanálise, portanto, o sujeito só pode se constituir em um ser
que, pertencente à espécie humana, tem a vicissitude obrigatória e não
eventual de entrar em uma ordem social a partir da família ou de seus
substitutos sociais e jurídicos […] Sem isso ele não só não se tornará
humano (a espécie humana, em ternos filogenéticos, não basta para
fazer de um ser nela produzido um ser humano, argumento que dá
sentido à palavra ‘humanização’) como tampouco se manterá vivo: sem a
ordem familiar e social o ser da espécie humana morrerá (Elia, 2010, p.
39).
Lacan (1986) diz ainda que a própria situação do sujeito, seu modo de ser,
seu lugar no mundo, será caracterizada pelo lugar que ele ocupa no mundo
simbólico, ou seja, no mundo das palavras: “Para o sujeito, serão certas palavras
37
às quais ele estará sujeito […] as palavras de sua história, aquelas que constituem
a carta de seu horizonte” (LEBRUN, 2008, p. 71, grifo nosso).
A entrada no simbólico se dá pela intervenção do outro no corpo do infante,
de modo que a necessidade (alimento, calor, higiene) é transformada em
demanda ao ser interpretada pelo cuidador:
O momento da necessidade não faz parte da história do sujeito, e, do
ponto de vista desta história, esse momento só pode ser mítico. Se
nascemos com necessidades, nunca a experimentamos pura ou
diretamente, ou seja, sem a mediação da linguagem. A vida biológica é,
como tal, excluída da experiencia do sujeito, que só se relacionará com
ela por intermédio da linguagem, o que evidentemente a modifica, a
pulveriza, a fragmenta (ELIA, 2010, p. 45).
A demanda introduz o outro como essa presença que é capaz de atender
às necessidades do infante, ou seja, no nível da demanda é em direção ao Outro
(que traz o objeto) e não ao objeto que o sujeito se move (ELIA, 2010). A
demanda é de presença e amor, mas ao mesmo tempo é uma força que impele
em direção a um objeto sem rosto, sem nome, faltoso. Lacan cunhou o termo
“objeto a” para designar esse objeto que é causa de desejo, exatamente por
aparecer como faltoso na experiência. Zizek (2010) ao discorrer sobre o objeto a
dirá que é uma entidade sem consistência alguma, que não é nada ‘senão
confusão’ e que só adquire forma definida quando olhada pelo sujeito, com seus
medos e desejos:
O que Lacan chama de objeto a é o agente desse encurvamento: o
insondável X que faz com que, quando nos confrontamos com o objeto
do nosso desejo, obtenhamos mais satisfação ao dançar em torno dele
que nos dirigindo diretamente a ele (ZIZEK, 2010, p. 97).
Desejo, porém, traz de volta a demanda de amor à categoria de objeto, lhe
dá uma “cara”, para que, deslizante, esse desejo esteja sempre furado,
incompleto: “O desejo é articulado no incosnciente, mas não é articulável” (ELIA,
2010, p. 56, grifo nosso).
E será a própria busca de uma satisfação primeva perdida que empurrará o
sujeito para novas experiências. Kehl (2004) sustenta que esta perda do momento
de gozo, quando o infante ainda não se percebe como separado da mãe, é que
38
marcará no inconsciente uma perene incompletude. O desejo então, será essa
falta fundamental, este empuxo ao objeto sempre faltante. Petri (2009) diz que
esta lacuna (falta) ao invés de ser uma falha, é o vazio fundamental que pode
permitir e promover os sucessivos deslizamentos que caracterizam uma busca,
busca essa que constitui o percurso da própria vida. Essa realidade de desejo
sempre insatisfeito será o motor para que o sujeito se insira na cultura, saindo do
berço da infância para a civilização (PERRISÉ, 2011).
O enigma do desejo, por sua vez, é que ele é alienado de partida, me vem
do outro, no dizer de Safatle (2009, p. 19, grifo nosso) “ter sua essência fora de si,
ter seu modo de desejar e pensar moldado por outro”, conclui-se pois que toda
socialização é no fundo alienação (PERRISÉ, 2011).
Freud (apud ENRIQUEZ, 1992), vai dizer que o que leva cada sujeito a ser
humano e social é a capacidade de abstinência, de renúncia, formulando sempre
a cada vez novos desejos (o já citado deslizamento), se deixando então levar por
uma imaginação criadora. O estabelecimento de laços sociais, ainda segundo
Enriquez, é a condição para que o sujeito recrie a realidade e a modifique, de
modo que o desejo não se extinga.
Na contemporaneidade o sujeito parece experimetar alguns apelos
ideológicos aos quais de bom grado sucumbe. Zizek (1996) vai falar de um
capitalismo tardio vivenciado pela sociedade atual, de modo global, capitalismo
esse onde as palavras já não importam, não são capazes de, como outrora, gerar
algum tipo de compromisso entre os sujeitos. As palavras hoje não têm mais
poder de execução e o que quer que se fale fica perdido na indiferença geral. Ou
seja, o rei está nu mas ninguém dá a minima, as pessoas agem como se isso não
fosse verdade:
O modo mais destacado dessa ‘mentira sob o disfarce da verdade’, nos
dias atuais, é o cinismo: com desconcertante franqueza, ‘admite-se tudo’,
mas esse pleno reconhecimento de nossos interesses não nos impede,
de maneira alguma, de persegui-los; a formula do cinismo já não é o
clássico enunciado marxista do ‘eles não sabem, mas é o que estão
fazendo’; agora é ‘eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas
fazem assim mesmo’ (ZIZEK, 1996, p. 14).
39
Nos nossos dias o mal-estar freudiano adquire facetas interessantes. A
ideia de renúncia pulsional que, segundo Freud, funda e sustenta o processo
civilizatório
mostra
novas
caracteristicas.
Na
hierarquia
de
valores
contemporâneos, nenhum é mais importante do que a liberdade individual. Em
nome dela todos os outros valores são medidos e ponderados, ou seja, tudo
precisa convergir para que o sujeito se sinta ‘bem’, ‘livre’ em sua condição de vida
(SAROLDI, 2011), livre das amarras que impedem o prazer e o gozo a qualquer
preço:
O que se espera é da ordem da quadratura do círculo: nada deve reprimir
a busca de prazer de cada um, da realização ‘pessoal’ no trabalho e nos
afetos, nem mesmo as leis coletivas que servem justamente para
proteger o individuo da violência que o outro pode querer descarregar
sobre ele. Além disso, nada deve impedir o individuo de expressar seus
anseios e desejos individuais; a coletividade deve ser sempre uma boa
plateia para a projeção, muitas vezes descuidada, de seu mundo interior
(SAROLDI, 2011, p. 131).
O sujeito contemporâneo não enxerga mais os limites entre o que é
permitido e o que não é, mas entre o que ele consegue ou não consegue fazer
(SAROLDI, 2011, p. 131). Há um apelo contínuo e cansativo por autenticidade,
com o sujeito tendo que, a cada instante, carregar o peso de ser ‘ele mesmo’, de
se ‘expressar’, desde o momento em que acorda e decide que creme vegetal vai
usar no seu pão (normal, light, Omega 3 etc.) até escolhas do campo afetivo, ou
seja, ‘com quem vou me casar, de modo que seja verdadeiro comigo mesmo?’.
O principio da realidade está em baixa nos dias atuais, precisando, segundo
Bauman (2005) constantemente estar se justificando. Qualquer renúncia que
precise ser feita em nome da cultura é imediatamente interpretada como uma
afronta à suprema liberdade individual do sujeito, numa espécie de entrega
absoluta ao principio do prazer freudiano (como se isso fosse possível). No Malestar na civilização Freud (1988) fala de concessões que o principio do prazer tem
que fazer ao principio da realidade em nome da vida ‘civilizada’, concessões essas
que, nos dias de hoje, parecem, em alguns casos, pecados mortais contra a busca
da dita felicidade a que cada um tem direito. Safatle (apud SAROLDI, 2011)
observa que o dito supereu atual, fruto da passagem da sociedade da produção
para a sociedade do consumo, expressa essa incoveniência da renúncia ao gozo
40
e a parcimônia dos prazeres, estes necessários ao constante movimento da roda
da economia. Somos convocados a não mais abrirmos mão do prazer imediato em
nome de um projeto futuro, ou seja, somos chamados a gozar agora e de todas as
maneiras que forem possíveis (SAROLDI, 2011).
Zizek (2010) diz de um hedonismo hodierno que seria uma espécie de
combinação entre prazer e costrangimento, de modo que em algumas áreas da
vida tudo é permitido, não há regulação (a vida sexual, por exemplo) e em outras
sobram restrições (saúde e alimentação, por exemplo). O homem de hoje se vê,
portanto, talvez mais do que em outras épocas, perdido em relação ao seu desejo,
confuso quanto aos limites do seu gozo, enredado pelos sedutores ditames da
sociedade do consumo, se sentindo livre para ‘ser’o que quiser, ‘fazer’o que quiser
desde que não fuja das veredas do mercado.
Para entender os meandros do desejo na contemporaneidade e sua
interface com a dita epidemia de depressão podemos pensar naquilo que parece
marcar a subjetividade da nossa época e que traz consequências para a
constituição psíquica de um momento histórico. Kehl (2009), ao discorrer sobre as
depressões como fenômeno contemporâneo vai dizer de um modo de subjetivar
dos dias atuais que ela chama de ‘condições sociais de transmissão da
depressão’ e que quer dizer respeito sobretudo ao modo com que o sujeito dos
nossos dias se posiciona frente ao seu desejo. Ela propõe que o aumento da
velocidade na regulação social do tempo, a predominancia dos imperativos de
gozo sobre as interdições tradicionais, a perda do valor da experiência, a
fragilidade das referências identificatórias, entre outros, são fatores que ajudam a
formatar um sujeito mais ‘propenso’ a deprimir-se, a se acorvadar frente ao
desejo:
O comportamento automático de rapidez e eficiência, caracteristico das
mães razoavelmente boas do terceiro milênio – mães excessivamente
preocupadas com seu desempenho e angustiadas com o pouco tempo
que poderão dedicar a seus bebês -, tende a abreviar o tempo vazio
necessário para instaurar o trabalho psiquico, trabalho de representação
do objeto de satisfação, em seus bebês. Não pensemos, portanto, no
futuro depressivo como um bebê abandonado ou mal-amado, mas como
uma criança poupada, em demasia, da necessidade de suportar o que
Freud chamou de ‘tensão de necessidade’ (KEHL, 2009, p. 274).
41
A mulher contemporânea vive a ansiedade de ter de inventar sozinha o que
é ser uma boa mãe, já que não conta mais com a rede familiar para tanto. Tal
ansiedade impede que a mãe tenha uma presença tranquila e desinteressada
junto ao bebê, se tornando excessivamente solícita e amorosa, o que é recebido
pelo bebê como excesso de demanda. Ao menor sinal de desconforto do infante
essa mãe responde prontamente, impedindo este bebê de encontrar saídas
criativas para a momentânea ausência de satisfação (KEHL, 2009). No futuro,
esse mesmo sujeito terá dificuldade de lidar com a castração e, diante dos
desafios de se manter desejante (incompleto, barrado), sucumbirá. Para Kehl
(2009) a fragilidade das referências identificatórias diz respeito sobretudo à perda
de prestígio do Nome do Pai como marco simbólico da cultura. O grande ideal
contemporâneo – a tal Felicidade- não dá muito espaço para a interdição paterna,
convidando o sujeito a não renunciar a nenhum tipo de prazer, ao contrário, o
‘obrigando’ a gozar sempre. O sujeito fragilizado em sua constituição psíquica se
vê como incapaz de alcançar a felicidade, diferente de todos os outros que, no seu
imaginário, conseguem fazê-lo. Aquilo que na época do mal-estar freudiano foi
entendido como impossível agora assume a pecha de incapacidade.
A depressão apareceria como um dos nomes mesmo do sujeito (DIAS;
FINGERMAN, 2005), exatamente no momento da explosão de diagnósticos e da
necessidade de uma segurança identitária que dispense as interrogações.
Ehrenberg (apud KEHL, 2011) levanta a hipotese de que o aumento das
depressões é corolário de uma ‘crise identitária’ vivida pela sociedade ocidental a
partir da segunda metade do século XX. Uma forma avançada de individualismo
contemporâneo produziu mudanças importantes na subjetividade dos sujeitos,
estes não lidando mais com a culpa diante das proibições de um supereu mas sim
com um novo mandato de emancipação e liberdade. Este homem hodierno já não
tem acima de si nenhuma referência que o oriente no processo identificatório, já
que em tese é o único dono de si mesmo, o detentor do seu próprio manual. O
imperativo é que ele seja autêntico e igual a si mesmo. A depressão, acredita
Ehrenberg, é o resultado do fracasso dessa empreitada, sinalizando um cansaço
do sujeito diante dessa necessidade de originalidade, autenticidade e ousadia do
capitalismo atual:
42
Se a neurose é uma doença da culpa, escreve Ehrenberg, a depressão
seria, como propõem os psiquiatras uma doença do déficit. Como o aval
da psiquiatria, o depressivo se apesenta como aquele a quem falta
alguma coisa para completar o ser (KEHL, 2011, p. 214).
O fenômeno da depressão revela a falência dessa estranha paixão por ser
identico a si mesmo, que é a marca desse novo individualismo. Nesse novo tempo
o déficit, a falta, substitui a culpa.
A hipótese Lacaniana relaciona a depressão com a posição mesma do
sujeito frente ao seu desejo. Lacan chamou de demissão subjetiva a manobra
daquele que se deprime porque cede em seu desejo, o trai. O deprimido se
acovarda, se deixa ‘cair’ para não ter que lidar com a muralha da castração:
O que chamo de ‘ceder de seu desejo’ acompanha-se sempre, no destino
do sujeito, […] de alguma traição. Ou o sujeito trai sua via, trai a si
mesmo […] ou, mais simplesmente, tolera que alguém com quem ele se
dedicou mais ou menos a alguma coisa tenha traído sua expectativa, não
tenha feito com respeito a ele o que o pacto comportava, qualquer que
seja o pacto […], pouco importa. Algo se desenrola em torno da traição,
quando se a tolera, quando, impelido pela ideia do bem – quero dizer, do
bem daquele que traiu -, se cede a ponto de diminuir suas próprias
pretensões e dizer-se – Pois bem, já que é assim, renunciemos a nossa
perspectiva […]. Aqui, vocês podem estar certos de que se reencontra a
estrutura que se chama ceder de seu desejo” (LACAN apud KEHL, 2009,
p. 197).
O deprimido não se sabe covarde, mas experimenta as consequências
dessa covardia originária e inconsciente na sua vida subjetiva. Ele abandona a via
do compromisso com o desejo – que para a psicanálise seria a única via não
alienada de produção de sentidos – e de certo modo desiste de ser (KEHL, 2011).
O desejo, que para a psicanálise é insconsciente e tem como objeto algo perdido,
é, no dizer de Lacan, a ‘metonímia do nosso ser’; e na impossibilidade de tê-lo
satisfeito naquele encontro que ‘nos completaria’, são as frações metonímicas que
impulsinam nossa existência para um caminho de ser. Desistir do desejo é, deste
modo, trair o próprio ser, trair a única via que representa o sujeito desejante
marcado pelo significante.
43
4.2 Desejo e trabalho o trabalhador triste é um covarde?
Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado a miséria
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar p'rá casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
Do pouco que não temos
Quem sabe esquecer um pouco
De tudo que não sabemos
Música de Trabalho, Legião Urbana
A pergunta acima parece intrigante exatamente porque vivemos nesta
época de “oba-oba” (MAIR, 2005) na relação do sujeito com o seu trabalho, época
que nos convida constantemente a ‘amar’ o que fazemos, a buscar nossa
verdadeira vocação, a trabalhar com prazer, a ‘se realizar’ enquanto ser humano
no trabalho etc. Autores, pensadores, matrizes de pensamento (inclusive – e
especialmente – dentro da própria Psicologia Organizacional) levantam a bandeira
da motivação para o trabalho e desenvolvem diversificadas teorias e exercícios
motivacionais. Todos querem a bradada Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e
parece heresia corporativa falar alguma coisa contra isso. Vamos trabalhar!
Vamos nos motivar! Vamos trabalhar com prazer! Esses são convites irrecusáveis
feitos ao sujeito contemporâneo desde muito cedo, lá quando o infante, ainda de
‘calças curtas’ tem que já perceber os ‘sinais’ da sua vocação, sua missão no
mundo. Mas o trabalhador triste, impertinente que é, resiste a esse apelo. Foi o
caso de Juliana. Jovem, bem sucedida na carreira, já ocupava cargo de liderança
e se sentia bem nessa posição. Até que, por algum motivo, foi ‘colhida’ pela
desilusão, se dando conta da falácia corporativa que lhe prometia felicidade em
troca de dedicação irrestrita e amor incondicional ao trabalho. Juliana se viu
completamente desapontada e desacreditada das práticas de gestão que era
44
convocada a exercer e a propagar como líder. De repente já não acreditava mais
no ideal, na missão da empresa, das suas lideranças superiores e se via presa
num espiral de excesso de trabalho sem fim. Juliana entristeceu profundamente, já
não conseguia mais dormir e pensava bastante na possibilidade do suicídio.
Procurou por conta própria ajuda psiquiátrica e estava tomando medicação. Sua
dor e angustia, porém, continuavam. Procurou a profissional de saúde da empresa
para pedir ajuda, fazendo o mesmo que tantos outros dos seus subordinados. A
líder estava enfraquecida e descrente, o que poderia ser pior do que isso para a
organização? Sua fala era carregada de desapontamento e desesperança. Os
pensamentos suicidas preocupam a profissional de saúde, que encaminha
imediatamente Juliana para análise. Juliana começa acompanhamento com
analista e em pouco tempo comete o ‘pecado’ de tirar férias! Se mostrou humana
e cansada do jogo corporativo. Quando retornou ao trabalho foi destituída do seu
cargo, fato que naquele momento lhe caiu como um alívio. Agora ela poderia,
como uma trabalhadora descrente qualquer, questionar o sentido do seu trabalho
e procurar, como tantos outros, modos de estabelecer uma relação mais
satisfatória com o seu labor.
Pensadores contemporâneos têm discutido a questão sujeito versus
trabalho na atualidade partindo de uma mudança estrutural no discurso do capital,
que é passagem de uma sociedade de produtores para uma sociedade de
consumidores. O trabalho é encarado, a partir deste momento, não mais dentro de
uma ética produtivista, de construção social, contribuição coletiva ou mesmo
esforço a ser compensado no contexto de um projeto de vida. O trabalho, nesta
nova configuração é um trabalho-para-o-consumo, ou seja, o trabalhador usa sua
mão-de-obra para receber o salário e poder desfrutar daquilo que o consumo de
bens pode lhe oferecer. Alguns podem consumir muito, alguns muito pouco, não
importa, todos querem estar na mesma roda que gira e garante lugar ao sol
àqueles que podem comprar. É interessante pensar o caso do Brasil nos últimos
anos, onde uma classe social – a chamada classe C - tem crescido
vertiginosamente, tendo como principal característica a capacidade de consumo! É
uma classe formada por trabalhadores em sua grande maioria pouquíssimo
qualificados, em sub-empregos, mas que são aclamados como bem-aventurados
45
porque agora podem consumir o que antes era privilégio de poucos: iogurtes,
biscoitos recheados, tênis de marca famosa etc. O grau de desenvolvimento de
um pais se mede agora pela capacidade que sua população tem de consumir.
Bauman (2007) vai falar de uma sociedade de consumidores, que não é
somente a soma total de seus membros, mas uma totalidade onde o todo é maior
que a soma das partes. Essa sociedade interpela seus cidadãos como
consumidores basicamente. Ela julga e avalia cada sujeito pela sua capacidade de
consumo:
Dizer sociedade de consumidores é dizer mais, muito mais do que
apenas verbalizar a observação trivial de que, tendo considerado
agradável o consumo, seus membros gastam a maior parte do seu tempo
e de esforços tentando ampliar tais prazeres. É dizer, alem disso, que a
percepção e o tratamento de praticamente todas as partes do ambiente
social e das ações que evocam e estruturam tendem a ser orientados
pela ‘síndrome consumista’ de predisposições cognitivas e avaliativas
(BAUMAN, 2007, p.109).
A premissa básica dessa sociedade de consumo, ainda segundo Bauman,
é a promessa de satisfação dos desejos humanos de um modo que nenhum outro
momento histórico pode sequer sonhar. E essa promessa de satisfação do desejo
terá que continuar como irrealizável como forma de sustentar a sedução:
A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora
enquanto o desejo continuar irrealizado; o que é mais importante,
enquanto houver uma suspeita de que o desejo não foi plena e
totalmente satisfeito. Estabelecer alvos fáceis, garantir a facilidade de
acesso a bens adequados aos alvos, assim como a crença na existência
de limites objetivos aos desejos ‘legítimos’ e ‘realistas’ – isso seria a
morte anunciada da sociedade de consumo, da industria de consumo e
dos mercados de consumo (Bauman, 2007, p. 106).
O desejo insatisfeito (e a promessa de que há algo comprável capaz de
satisfazê-lo) é o motor de nossa vida e economia na atualidade.
Zizek (2012) argumenta que no capitalismo atual o indivíduo é interpelado
como consumidor, como sujeito de desejos. E esse capitalismo suscita nele
sempre novos, perversos e excessivos desejos, para os quais oferece, claro, os
produtos satisfatórios:
46
[...] ademais, ele obviamente também manipula o ‘desejo de desejar’,
celebrando o desejo de desejar sempre novos objetos e modos de
prazer. Contudo, ainda que ele manipule o desejo de maneira que leve
em conta o fato de que o desejo mais elementar é o desejo de reproduzir
a si mesmo como desejo (e não encontrar satisfação), neste nível, nós
ainda não alcançamos a pulsão. A pulsão é inerente ao capitalismo em
um nível mais fundamental, sistêmico: a pulsão impulsiona toda a
maquinaria capitalista; é a compulsão impessoal de se engajar no
movimento circular interminável da auto-reprodução expandida (ZIZEK,
2012, p. 82).
Zizek vai dizer ainda que a pulsão capitalista não pertence ao indivíduo
particularmente, mas aos ‘capitalistas’ (empresários e alto executivos) que a
colocam em prática.
O trabalhador-consumidor se vê tragado por esse imperativo de ter-quecomprar-para-ser e os valores que antes, na sociedade produtivista, davam
sentido ao seu trabalho e o sustentavam ante o sofrimento que o trabalho
produzia, agora se esvaíram, deixando o trabalhador desnorteado, tendo em mãos
um compromisso diário que não é valioso em si, mas por aquilo que permite
comprar. A ética do trabalho de outrora desapareceu, o trabalhador tem que, no
caso a caso, inventar modos de validar sua vida laboral.
Freitas (2006) discorre, em concordância com alguns autores já citados,
sobre uma espécie de crise identitária do sujeito contemporâneo. As principais
características dessa crise, segundo ela, seriam um novo e exarcerbado
individualismo, de caráter narcisista e auto-referente, que de algum modo
dispensa o vínculo social ou o enfraquece, relativizando valores como alteridade;
perda da ancoragem no passado, ou seja, perda das identificações sustentadas
no passado, na tradição familiar – que traz como consequência a provável perda
de um núcleo de identidade estável e coeso; e por fim o enfraquecimento da
mediação entre o campo afetivo e social, que era feita pela família, esta
renunciando a sua ‘missão’ em prol de mais ‘liberdade’ para os filhos serem o que
quiser. Esse sujeito em permanente crise de identidade é, segundo Freitas (2006),
presa fácil para as organizações que, para sobreviver no acirrado mercado
capitalista atual, contam com estratégias de ‘guerra psicológica’ a fim de mobilizar
a mente e o coração de seus trabalhadores:
47
As empresas acabam se configurando como uma caixa de ressonância
de desejos, capaz de absorver e estimular processos de transferência de
afetos que antes ligavam o indivíduo ao pai e à mãe, aos amigosvizinhança, à comunidade-nação-pátria. Quanto mais as empresas se
pretendem como lugar que dá sentido e significado à vida, mas elas se
tornam objetos dessas relações transferenciais. Mesmo quando o
indivíduo é preso no jogo das gratificações, mesmo quando questiona ou
contesta a empresa conscientemente, ela ainda está defendendo uma
associação positiva desejada (FREITAS, 2006, p. 89).
As organizações são agora o novo ícone, a fonte de referência, prometendo
estar ao lado do sujeito na sua solidão e no seu sucesso, suprindo sua carência
de identidade e lhe dando um status, oferecendo a ele uma possibilidade cômoda
de identificação, um lugar para expressar seu narcisismo:
[…] a diferença essencial é que hoje as organizações (e não apenas as
empresas) tentam consciente e deliberadamente construir tais sistemas
para moldar os pensamentos, para penetrar no mais ítimo do espaço
psíquico, para induzir comportamentos indispensáveis a sua dinâmica.
Se assim procedem é porque tentam se tornar verdadeiras
microssociedades que sejam ao mesmo tempo comunidades. Em suma,
visam substituir a identificação com a nação e com o Estado por uma
identificação com a organização, tornando-se esta o único sagrado
transcedente no qual é possível crer (ENRIQUEZ, 1992, p. 39).
O que as organizações conseguem, no máximo, porém, são respostas
idealizadas dos sujeitos, sobretudo porque nelas há pouquíssimo espaço para a
contradição e a diferença, marcas indeléveis da condição humana. Melman (2009)
sustenta que o interesse das organizações é centrado nos indivíduos e nas
estatísticas - e em números de produtividade - esquecendo do sujeito,
propositalmente, porque os sujeitos são sujeitos de desejo e o desejo, a seu
modo, sempre desorganiza as coisas.
Lena e Juliana, para lembrar um pouco dos casos já citados, são
trabalhadoras que apostaram alto nas promessas do discurso organizacional e
caíram num logro. O que encontraram lá onde chegaram, no topo onde moravam
seus desejos, foi desilusão e decepção. E se deprimiram, se deixaram ‘abaixar’
pelo peso de uma realidade tão cruel quanto verdadeira: não há espaço para o
sujeito contraditório e falho num mundo do trabalho que se pretende produtor de
felicidade e locus de excelência. Para estas e tantos outros trabalhadores, chega
de ‘oba-oba’! Heloani e Capitão (2003) vão lembrar que as próprias exigências do
48
mercado de trabalho nos nossos dias rotinizam e amortecem o sentido da vida,
deixando no corpo do trabalhador as marcas do sofrimento, sobretudo o
sofrimento mental.
Voltando então à questão inicial deste tópico, ‘o trabalhador triste é um
covarde?’, podemos fazer uma análogia ao que Soler (2004, p. 84, grifo nosso)
falou sobre trauma, quando diz que o que traumatiza o sujeito será sempre
“relativo tanto ao discurso que rasga quanto àquele que lhe responde”.
Acreditamos, portanto, que não há uma causalidade absoluta entre o discurso
contemporâneo do trabalho e os trabalhadores entristecidos, pois há que se
contabilizar sempre os recursos do sujeito. O trabalhador vítima do capital não é,
então, caro à Psicanálise porque sua implicação subjetiva precisa ser levada em
conta, se se quer pensar no sujeito da Psicanálise. Mesmo levando em conta que
o homem contemporâneo está “Embrulhado em palavras e imagens fora da
sintaxe, privado da gramática das concepções de mundo que asseguravam o
passado […] traumatizável como nunca” (SOLER, 2004, p. 81, nosso grifo), não se
pode deixar as escolhas do sujeito de lado, mesmo lá onde esssas escolhas
parecem não existir. Parafraseando Soler (2004, p. 87, grifo nosso), quando afirma
que “o trauma, em seu impacto, é real; as sequelas são do sujeito”, podemos dizer
que as agruras experimentadas pelos trabalhadores dos nossos dias são reais e
acachapantes, perversas até, minando as resistências até dos mais bravos,
entristecendo-os e até deprimindo-os. Mas as sequelas desta nova configuração,
o modo como ela perpassa a história de cada um é sempre do lado do sujeito.
Toda organização do trabalho tende a excluir o sujeito, porque ele é incômodo.
Cabe então a cada um inventar um lugar para si. O que é inconcebível é não
existir nenhuma possibilidade de lugar para o sujeito da criação, do trabalho vivo e
do desejo (MELMAN, 2009).
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5 (IN)CONCLUSÕES
A psicanálise prossegue, depositária que é da singularidade da dor da
existência de cada um, pois as palavras faltam na sua impossiblidade de
tudo significar, e o sentido da vida necessita permanentemente ser
reconstruído (PERES, 2011)
Ao longo deste trabalho trouxemos algumas reflexões que são do campo
social e que dizem respeito a uma espécie de “subjetividade coletiva”, fazendo o
esforço de entrelaçá-las com o que é da ordem do singular de cada sujeito
implicado no discurso do seu tempo. Esta é um tensão que fizemos questão de
manter por entendermos que faz parte mesmo do fenômeno da depressões no
mundo do trabalho, fenômeno tão complexo quanto impossível de ser apreendido
completamente.
Para além das depressões como sintomas neuróticos e psicóticos, a
depressão como vivência transestrutural, acreditamos, é uma marca do sujeito
contemporâneo. Este se vê abatido por exigências que não param de crescer e
confundir este já frágil e desnorteado homem hodierno, por todas as questões que
discutimos ao longo dos capítulos deste trabalho. Quinet (1997) vai falar que a
depressão é resultado de um fracasso do discurso progressista-ideológico que nos
fez acreditar que estávamos programados para sermos autênticos e felizes,
iluminados até, bastava para isso que nos livrassemos dos grilhões do passado
tradicionalista e antiquado. Os depressivos que pululam em todos os lugares e,
especialmente como objeto desse estudo, no mundo trabalho, são, como já dito,
uma denúncia, um desmentido. Mesmo entre aqueles que chegam ao topo, que
conseguem tudo o que a maioria sonha, mesmo entre estes sobra tristeza e
decepção.
Pensando na história pessoal de cada sujeito citado neste trabalho,
percebe-se o modo singular como cada um se implicou nessa relação com o
trabalho, como cada um a seu modo traiu seu desejo por acreditar, talvez, que ele
estava lá onde disseram que era para estar, mas não estava. Para estes a
Psicanálise tem a oferecer o espaço da fala, lugar onde o sujeito pode fazer uma
retificação subjetiva e retornar à via do seu desejo.
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Lacan (1992), ao falar do Discurso Capitalista, vai dizer que o mesmo é
uma corruptela do do Discurso do Mestre, manobra realizada a partir do
desenvolvimento da Ciência Moderna como discurso dominante na nossa
sociedade e cultura atuais. O Discurso Capitalista alimenta nos sujeitos a
esperança de que o sonho ‘perverso’ do neurótico (viver sem a falta, gozar
sempre) é possível, ou seja, que sua realização está ali ao alcance da mão, pronta
para ser trocada por algumas moedas. Deste modo, enquanto no Discurso do
Mestre esse sonho é marcado como impossível, posto que há uma dupla barra
entre o sujeito ($) e o objeto (a), no Discurso do Capitalista se inventam formas de
tornar esse impossível possível, tentando transformar o objeto mais-de-gozar em
objeto de gozo e a fantasia ($ ◊ a) em realizável (a → $), ofertando, assim, um
semblante de pleno gozo (RIBEIRO, 2008). Assim, enquanto o Discurso do Mestre
ainda está pautado na lógica fálica, o Discurso do Capitalista traz em seu bojo
uma ruptura, uma subversão desta lógica, numa tentativa de burlar o fato de que o
objeto ‘adequado’ ao desejo é marcado radicalmente por uma falta, por uma
impossibilidade (RIBEIRO, 2008). Quinet (apud CASTRO, 2002) vai dizer que o
discurso capitalista produz objetos-mercadorias que visam completar o sujeito,
escamoteando sua falta radical com ‘gadgets’ que são apresentados como objetos
de gozo pleno, anulando, assim, toda e qualquer questão sobre o desejo. E este
modo de laço social faz o sujeito acreditar que é possível encontrar a satisfação
tão almejada em um objeto.
A fragilidade dos laços sociais produzida pelo reinante Discurso Capitalista
contemporâneo deixa o sujeito à mercê dos sofrimentos experienciados no mundo
do trabalho, dessa vez sem poder contar com os suportes dos laços de
camaradagem entre os trabalhadores, e também sem um lastro sócio-familiar que
o ajude a significar o logro ao qual se vê submetido, tão logo o encontre.
Enganado, se dá conta de que enquanto seu comprometimento e entrega ao
trabalho passa pela via do amor, do outro lado o compromisso é instável e
baseado na capacidade produtiva somente, podendo o lado mais fraco ser
descartado a qualquer momento, quando não apresentar mais interesse. Quando
o sujeito procura no trabalho o local para realizar seu desejo por reconhecimento,
gratificações e aplausos, as organizações contemporâneas podem se apresentar
51
como como o locus ideal para a realização desse projeto de vida, se oferecendo
não só como o lugar do ganha-pão, mas como fornecedora de significações e até
mesmo identidade (FREITAS, 2006). E isso pode ser perigoso – pois é falácia –
para o sujeito.
Não podemos negar que o trabalho é importante espaço de referência para
o sujeito, Freud mesmo reconheceu isso. A relação de cada um com seu trabalho
vai muito além da mera troca econômica. O trabalho pode ser aquele lugar que
permite ao sujeito ter o sentimento de uma construção coletiva, de um sentido
para sua existência, um lugar seu no mundo. O trabalho pode contribuir para a
saúde psíquica e o crescimento/fortalecimento dos laços sociais. A tarefa que
cabe a cada sujeito, como bem diz Heloani (2003), é decifrar o segredo da esfinge
(do seu desejo), de modo que possa sair da tristeza no trabalho para a alegria de
viver (QUINET, 1999), alegria que não pode ser confundida com risos frouxos e
gargalhadas constantes de prazer, mas que faz parte de uma vida pautada no
saltitante desejo, força que nos move ao que nos é precioso.
Assim, para o trabalhador triste e deprimido a Psicanálise oferece a
possibilidade de uma implicação no seu sofrer e um convite a uma mudança de
rota, um convite para trilhar o caminho do querer saber sobre si e de ir, nessa
empreitada, tão longe quanto (im)possível.
Concluindo, ficamos com as inconclusões a respeito do tema, que é vasto e
bastante trabalhado por autores atuais, mas que, para o propósito dessa
dissertação esbarrou naquele momento dito por Lacan (1998) como “o momento
de concluir”, momento que requer um ato, uma certeza antecipada. A certeza
oferecida aqui é a de que este trabalho seria interminável se não parasse por um
ato neste instante. Longe de encerrar as questões referentes ao tema priposto por
essa dissertação, meu estudo quis levantar questões que permaneceram abertas
e que serão fonte de maior aprofundamento, na certeza sempre de que a verdade
não tem como ser dita toda, porque é sempre cortada, interminável e impossível.
(LACAN, 1974).
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ANEXOS
Projeto Livro
Como resultado-produto deste Mestrado Profissional apresento a proposta de um livro
com o título “O trabalhador triste: as depressões no mundo do trabalho”, a ser impresso por
editora que demonstrar interesse. O público-alvo do livro seria de profissionais de saúde
que trabalham em organizações, profissionais de Recursos Humanos, psicólogos
organizacionais, psicanalistas, trabalhadores e, por fim, quem tiver curiosidade sobre o
tema. A adaptação da dissertação para o livro seria feita do seguinte modo:
-
Prefácio
-
Breve introdução sobre o tema
-
Capítulo 1: discussão sobre o Trabalho e o Trabalhador, com pequeno passeio
histórico
-
Capítulo 2: discutir “as depressões” ontem e hoje, e o modo da Psicanálise pensá-las
-
Capítulo 3: discutir a questão do Desejo na contemporaneidade
-
Capítulo 4: possibilidades de saúde para o sujeito que sofre no trabalho.
A bibliografia utilizada será basicamente a mesma trabalhada na dissertação, com as
atualizações que se fizerem necessárias.
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O Trabalhador triste: as depressões no mundo do trabalho