SUELI APARECIDA LACERDA VIANNA Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na Promoção de Saúde no Conceito da Arteterapia SÃO PAULO MASTER SCHOOL UNIVERSIDADE SÃO MARCOS SÃO PAULO – 2010 SUELI APARECIDA LACERDA VIANNA Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na Promoção de Saúde no Conceito da Arteterapia Monografia entregue ao curso de Especialização Lato Sensu em Arteterapia da São Paulo Master School, certificada pela Universidade São Marcos, como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia, sob a orientação da Professora Dra. Cristina Dias Allessandrini. SÃO PAULO MASTER SCHOOL UNIVERSIDADE SÃO MARCOS SÃO PAULO – 2010 VIANNA, Sueli Aparecida Lacerda Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na Promoção de Saúde no Conceito da Arteterapia / Sueli Aparecida Lacerda Vianna – São Paulo: [s.n.], 2110. 53p Monografia: Especialização Lato Sensu em Arteterapia. São Marcos Master School / Universidade São Marcos. Orientador: Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini. 1.Arteterapia 2. Mosaico 3. Argila Dedico este trabalho aos meus pais, AMÈRICO RODRIGUES VIANNA DALVA AUGUSTA DE LACERDA VIANNA (in memorian) Às luzes que a luz me concedeu num lar onde a dignidade e o respeito à vida são valores extremos, além dos cuidados e do amor incondicional dispensados a mim e ao meu irmão, Jorge Lacerda Vianna. Foi assim que meus pais nos apresentaram a vida, um mundo em contato com a natureza e trabalho, para que aprendêssemos dela e com ela as coisas básicas da vida. “Plantar coisas boas, é colher bons frutos” Dalva A. L. Vianna AGRADECIMENTOS À energia superior que tudo harmoniza, pela vida e pelas possibilidades de trabalhar e criar. Aos meus filhos, Américo e Erick Vianna, que têm iluminado minha vida e me desafiado a cada dia a descobrir minhas capacidades de superação. Aos terapeutas e professores que fizeram parte desta minha jornada para conhecer a Arteterapia, pela sua capacidade e paciência, acompanhando-me, atentos e afetuosos, durante meu processo nesta especialização. Àqueles que tiveram confiança em se desvelarem, partilhando comigo alianças terapêuticas. À minha amiga Solemar por ter acreditado em mim, quando nem eu mesma me via capaz de cuidar de alguém, devido à minha própria história e por ouvir de várias pessoas o desencorajamento da minha capacidade como cuidadora ou profissional. Depois de muito tempo, decidi que era aquilo mesmo que devia fazer, ou, pelo menos tentar. E eu tentei. Sinto, agora, orgulho, de mim mesma e muito agradecida à minha amiga Solemar. Às colegas do curso de Arteterapia que, em diferentes casos, foram solidárias comigo, com seus talentos e criatividade. Ao Engº Manuel Rocha Cavalheiro, que me encorajou e me apoiou em todos os momentos se fazendo presente todos os dias e em todas as dificuldades durante este período. E, “in memoriam”, agradeço aos meus pais, Américo Rodrigues Vianna e Dalva A. de Lacerda Vianna, que me ensinaram o valor do trabalho e da persistência, mas também como era prazeroso desenvolver a arte como forma divina do prazer humano. VIANNA, Sueli Aparecida Lacerda - Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na Promoção de Saúde no Contexto da Arteterapia Monografia (Especialização Lato Sensu em Arteterapia) São Paulo Master School/Universidade São Marcos, São Paulo 2010/__ RESUMO O mosaico de argila é apontado como ferramenta terapêutica na intervenção para promoção de saúde dentro do contexto da Arteterapia. Esta técnica prima pelo uso da atividade no campo das artes aprimorando a comunicação de sentimentos e pensamentos através das linhas, formas e cores de pequenos fragmentos que vão se formando ao longo do processo da construção. Este fazer envolve, além do processo criativo, o próprio ser do indivíduo de maneira que os aspectos subjetivos sejam ressignificados por meio da criação artística realizada, sempre, com o acompanhamento do arteterapeuta. Propõe-se neste trabalho, o uso da Arteterapia como forma de instrumentalizar os indivíduos abrindo assim uma porta segura para a volta ou ingresso à sociedade. Durante o processo criativo, pode-se promover um ambiente estimulador do crescimento pessoal, valorizando a singularidade e particularidade de cada um. Foram realizados encontros de aproximadamente duas horas, por conta de toda a preparação do ambiente, da criação das peças de argila, a reconstrução com a criação da montagem do mosaico e da morosidade desta elaboração com a separação dos materiais, a espera da secagem tanto da colagem quanto do rejunte antes da limpeza do mesmo. O material coletado por meio da intervenção da Arteterapia é analisado a partir de um referencial de pesquisa qualitativa em Ciências Humanas e da Saúde, dando oportunidade de analisar não só o resultado final da criação artística dos indivíduos como também o acompanhamento de como se realiza o processo artístico; focalizam-se, deste modo, os aspectos emocional e comportamental, ou seja, de como e quanto o indivíduo está envolvido ou entregue à realização do seu trabalho artístico, de como sua entrega se revela naquele momento de maneira a ter compreendido e ressignificado o processo de criação com as observações dos descritos e comparados a literatura acerca da Arteterapia e o que estes apontam como ferramenta de intervenção na relação com o material, o processo e a arte final desta comunicação observada. A Arteterapia vem apresentando evoluções significativas na realidade dos nossos tempos, com avanços considerados que justifica a proposta desta pesquisa visando por meio desta intervenção a reciprocidade estabelecida entre o arteterapeuta e o seu cliente/paciente em relação ao vínculo terapêutico. Palavras-chave: arte, arteterapia, mosaico, argila. SUMÁRIO INTRODUÇÃO Foi assim................................................................................................... 09 CAPÍTULO 1 ARTETERAPIA.......................................................................................... 14 1.1 Setting terapêutico e o arteterapeuta........................................... 15 CAPÍTULO 2 OS ELEMENTOS ARTÍSTICOS: RECONHECIMENT0 E VALOR EM INTERVENÇÕES ARTETERAPÊUTICAS............................................... 18 2.1 Desenhos........................................................................................ 19 2.2 Pintura............................................................................................. 20 CAPÍTULO 3 O MOSAICO.............................................................................................. 22 3.1 Histórico.......................................................................................... 22 3.2 Argila 24 ....3.3 O Mosaico de Argila....................................................................... 26 METODOLOGIA DA PESQUISA.............................................................. 28 COLETA DE DADOS................................................................................ 29 5.1 Helena.............................................................................................. 29 5.2 Socorro............................................................................................ 38 5.4 Lua................................................................................................... 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 50 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 52 9 INTRODUÇÃO FOI ASSIM... ...04h30min de uma segunda-feira do mês de setembro dia 28 de 1966. Apesar da primavera, fazia muito frio e a garoa caia pesada. Estávamos em plena “ditadura”, e em frente à minha casa estava havendo um confronto entre os novos moradores que invadiram parte do terreno da frente; que hoje é uma escola do estado e os soldados, militantes da direita extrema. Homens, mulheres e crianças da classe trabalhadora são surrados e expulsos daquele local, deixando suas casas de tábuas e umas poucas de tijolos, que também foram demolidas com as forças dos cavalos por ordens do poder público daquela ocasião. Lembro-me que não se podia sair nas ruas descalças da vila verde depois das 22h00. Foi um dia triste e barulhento. Imperava um silêncio doído na alma de quem ficou vazio de esperanças. Meus pais acomodaram uma família inteira dentro de casa e foram punidos por isso. Eu vi a mulher chorando agarrada aos filhos. Olhares assustados e perdidos. O menino buscava o olhar da mãe para acalentar, a menina mais frágil e pequena, de olhar triste, desnutrida e doente; o pai – cabeça baixa, desolado, envergonhado, incapaz de reagir, completamente nu diante daquela imposição governamental. Uma família honesta sem o direito de moradia. Perguntava-me: “se o tal terreno invadido era do meu tio-avô, e ele não reclamou a invasão e ainda ajudou nas construções daqueles barracos; por que o governo se importaria?” No fundo ouvia “e por falar que eu não falei das flores” de Geraldo Vandré. Bem, naquele dia “nada” eu fui capaz de entender. Na manhã seguinte, diante dos entulhos espalhados ao longo daquele terreno, um pássaro sobrevoava e vasculhava algumas migalhas, assim como aquela família. Então eu o desenhei numa tela que havia ganhado de meu avô Lacerda e a devolvi pintada com o pássaro. Meu avô, sargento da FAB-Força Aérea Brasileira, chorou. Vi seus olhos encherem-se de lágrimas ao pegar aquela tela com um desenho simples, e com sua voz embargada pelo choro disse: “Também quero 10 ser livre, minha princesa”. Ali, eu com tão pouca idade compreendi a dor de um ser subordinado, violentado fisica, moral e psiquicamente por motivos simples e pessoais, e outro por motivos de ordem e poder público. Foi então que comecei a falar através da arte do desenho e da modelagem com o barro. A partir daí fui crescendo em contato com a argila, devido à olaria de meu pai no Vale do Paraíba/Guararema-SP. Poucos anos mais tarde, comecei a dirigir o caminhão para fazer as entregas de tijolos com meu irmão, e assim eu ganhei as estradas do sul deste país, conheci pessoas, cidades, culturas e costumes diferentes e aprendi no PHD da vida o que os bancos de uma universidade jamais poderiam me ensinar. Formei-me em Artes Plásticas e participei de algumas exposições na esperança de minha arte ser compreendida pela sociedade de ambas as classes na questão da violência de qualquer espécie e, principalmente, contra mulheres e crianças e todos os menos favorecidos e indefesos como os idosos. Mas ainda não sabia como ou por onde começar. Quando numa apresentação de um trabalho, durante a aula de orientação de estágio, a professora fez um comentário muito forte e me informou que na Pinacoteca do Estado aconteceria um curso que me daria suporte para chegar onde pretendia. Foi aí que tudo começou. Conheci a Arteterapia. Decidi definitivamente fazer a escolha por este caminho em prol de ajudar essas pessoas menos favorecidas. No meio deste trajeto de vida fui vítima de violência sexual e talvez este fato tenha me impulsionado ainda mais para esta temática. Seguido disto, outros aconteceimentos me entristeceram: minha mãe adoece e morre em 2006, em seguida meu filho sai de casa de uma maneira brutal, e sem muita demora meu pai também se despede deste mundo em 2009. Mas tudo isto me leva a continuar neste meu universo em preto e branco, e a descobrir que as cores estão dentro de mim e dentro de qualquer um; a beleza das formas, linhas e volumes têm muito mais a dizer do que as cores que eu não mais vejo como em meus dias de outrora. Ao rever minha própria história de vida, percebi o desenho que se forma com cada pedacinho dessas pequenas histórias, daí o mosaico contado, pedacinhos de vida que em seu todo sou eu e que pode ser você também, cada pedacinho estilhaçado que ela representa, e pensando nisto resolvi escrever sobre o “Mosaico de argila como instrumento de intervenção na promoção de saúde na Arteterapia”. Nas minhas dúvidas e aflições por encontrar um local do meu interesse 11 para estagiar naquilo que era meu objetivo, me percebia cada vez mais angustiada por apenas serem apresentados lugares que estavam muito distantes das minhas expectativas. Fui a asilos, abrigos, hospitais entre outros lugares em que as pessoas certamente teriam sérias necessidades de acolhimento e dedicação para terem uma qualidade de vida melhor e a possibilidade de regresso à sociedade, mas ainda não era o que eu buscava. Um dia escutei uma criança dizendo a outra a seguinte frase: “Os japoneses não são mais inteligentes que as outras raças, eles só são mais perseverantes nas coisas que decidem fazer, e se dedicam a fazer o melhor”. Se uma criança do ensino fundamental fez este tipo de observação, por que eu, uma adulta que já sabe, ou pensa, que quer não vai à luta? Naquele dia mesmo me prontifiquei e me dirigi à Delegacia de Defesa da Mulher em um bairri de São Paulo para marcar uma entrevista com a delegada titular, a respeito do cumprimento das horas de estágio. Na semana seguinte dei início às praticas de tudo aquilo que aprendi na teoria. Mas, hoje, devo, contudo, confessar que entrei naquela delegacia com muitos medos. Houve dias que saía da delegacia com a sensação de impotência, incapaz de estender a mão e oferecer ajuda; buscava nos livros alguma forma, uma resposta que fosse pra que eu pudesse ajudar; e tudo que eu descobri é que apenas ouvir, já era o bastante. O trabalho na delegacia foi muito rico e mostrou que em um lugar cheio de dores e destruição moral, ainda pode haver uma luz de esperança que nunca deve ser desprezada, e deve-se sim, ter sempre uma reserva de perseverança e fazer o que é certo. A presente pesquisa, portanto, se deu numa delegacia de mulheres e teve como objetivo recuperar a autoestima de mulheres que sofreram múltiplas violências. O medo e a vergonha moral, e o sentimento de incapacidade tomam conta das forças para o reencontro consigo mesma. O mosaico de argila foi introduzido na prática arteterapêutica como instrumento de intervenção na promoção à saúde, com o objetivo de evocar memórias e sentimentos que auxiliassem no processo de cura, e usando-o também como catalisador, como normalmente fazem os profissionais que trabalham na área de saúde mental. 12 A coleta de dados foi a observação direta, com registros fotográficos de trabalhos realizados durante os atendimentos e relatórios minuciosos dos encontros. Todos os procedimentos éticos para pesquisa com seres-humanos foram cuidadosamente realizados e de forma extremamente sigilosa devido à proteção de identidade feita pela própria instituição. A metodologia de pesquisa qualitativa foi escolhida por melhor se adequar à análise dos dados coletados. 13 ARTETERAPIA A arte da cura É a arte do encontro, do reencontro. A arte da troca de experiências e da troca de afeto. A arte de quem anda afoito. A arte do olhar, do ouvir, do refletir. A arte do reflexo. A arte do querer, do entender do ser. A arte de crescer. A arte da descoberta, da beleza interior das linhas da vida. A arte da revelação. A arte da análise, da catarse, da compreensão. A arte do sentimento. A arte do diálogo do dia após dia da terapia. A arte da argila, a arte do mosaico. A arte do mosaico de argila. A arte da arteterapia Paula Taitelbaum/ Sall 14 CAPÍTULO 1 ARTETERAPIA Arteterapia é o termo que designa a utilização de recurso artístico em contexto terapêutico. [...] pressupõe que o processo de cura quando cliente/paciente é acompanhado pelo arteterapeuta que com ele constrói uma relação que facilita a ampliação da consciência e do autoconhecimento, possibilitando mudanças. Percursos em arte terapia. (CIORNAI, 2003:8) Os caminhos da Arteterapia parecem como estar diante de um espelho: como um espelho que não só reflete mas cria possibilidades de ver-se por dentro. Sim, pois está tudo lá. Todas as respostas de que se precisa, todos os in settings vão caindo como fichas sem dar tempo para dizer “não”. Esta possibilidade é quase nula. Digo “quase”, pois algumas pessoas não permitem se verem mesmo através da Arteterapia. Há aquelas que se fecham totalmente, que não querem se conhecer, se ver, se tocar, elas estão dentro deste “quase”. Contudo, o mínimo desejo de melhorar que existe dentro do indivíduo gera uma grande oportunidade de ser feliz, alcançando a tranquilidade e o equilíbrio consigo mesmo. Segundo a AATA, A Arteterapia é vista como atividade terapêutica na relação da promoção de saúde em qualquer situação e/ou frustração humana conciliando a parte clínica ao potencial criativo da arte que oferecem seus recursos as diversas áreas profissionais, sociais e familiares oferecendo seus serviços individualmente e como parte de equipes. (apud CIORNAI, 2003:8) Ciornai explica a formação do profissional de Arteterapia: Considerando as diversas áreas de Especialização de Arteterapia e as diferentes capacitações acadêmicas dos profissionais que nos procuram tem sido nossa preocupação caracterizar a interface, que requer formação consistente em três áreas: a arte - que inclui tanto práticas de ateliê, como fundamentos da arte-educação, teorias de criatividades e historia da arte; a terapêutica - que inclui a fundamentação filosófica que dá base no trabalho do arteterapeuta, como o aprendizado da postura da conduta e do pensar terapêutico; e a da arteterapia - propriamente dita. Que diz respeito à sua história, a seu corpo teórico e metodológico e à prática supervisionada. Para isso, procuramos fornecer uma formação em dois patamares, uma base geral do que é necessário a todos e instrumentação e superação na área de atuação de cada um, que se especificar ainda mais na elaboração do trabalho final. (2003:12 e 13). 15 Pensando assim, fica fácil entender que os caminhos da Arteterapia tranquilizam o indivíduo, trazendo uma resposta aos seus desconfortos emocionais de maneira calma, com a compreensão de seus desencontros consigo mesmo e com a aceitação daquilo que ele próprio identifica em suas produções. A Arteterapia associa o brincar e o revelar, como o preto no branco é a escrita de um diário sem linhas, sem palavras. Como ferramentas de transformação nas criações artísticas são usados sonhos e lembranças numa mistura doce ou às vezes, nem tanto, revelando assim a autoidentidade. O autoconhecimento começa a surgir como pequenas descobertas a partir de sua imagem negativa, podendo ser ressignificada através do brincar com arte. Algumas pessoas sofrem de diversos tipos de patologias. Umas, mais amenas, outras mais complexas, e muitas outras apenas pequenos desajustes consigo mesmas, mas que mesmo assim podem causar sérios transtornos psíquicos. É possível a cura destes desajustes pela aceitação e compreensão de si, proporcionados pelos caminhos do processo arteterapêutico, onde as pessoas são capazes, muitas pela primeira vez na vida, de experimentar a própria beleza, a sensação do seu próprio potencial, de sua força, individual e singular. As pessoas descobrem que são o que acreditam ser. É isso que faz a arte da Arteterapia. E no “setting” arteterapêutico isto se dá naturalmente, funcionando como um local para a revelação de conteúdos que podem se apresentar a qualquer momento. 1.1 Setting terapêutico e o arteterapeuta Quanto ao “setting arteterapêutico”, baseando-se em Phillippini (2008:43,44,45), pode-se dizer que: O “setting arteterapêutico” deve ser um espaço de acolhimento à individualidade, deve contar com um ambiente e atmosfera descontraída e agradável, deve ser estimulador na experimentação expressiva da criatividade singular de cada ser. 16 O “setting” funciona como um local de criação, de resgate e expansão de potencialidades adormecidas, de desvelamento desentimentos, de compreensão de conteúdos inconscientes. Também o arteterapeuta acompanha todo o processo artístico das atividades propostas, observando o cliente quanto ao seu comportamento gestual e expressões emocionais. Jean Clark (1986), afirma que um arteterapeuta é um homem de fé, necessário e fundamental num trabalho terapêutico. Além da referência teórica, cada arteterapeuta descobre em si, suas singularidades, estabelecendo as diferenças e semelhanças ao praticar seu trabalho que também poderá ser alterado para cada paciente ou situação do momento. Porém, é importante delimitar seu universo teórico e prático que irá usar durante um atendimento. O arteterapeuta também deve ser capaz de conhecer as diversas modalidades expressivas, além de considerar suas próprias expressões faciais, corporais como um processo facilitador. O arteterapeuta faz o acompanhamento do cliente/paciente durante todo o processo artístico enquanto desenvolve suas atividades, observando como as realiza emocionalmente e comportamentalmente, ou seja, como está o envolvimento ao realizar seu trabalho, de que maneira pode ser compreendido e quais ressignificados do processo de criação são usadas, como ferramenta para intervenção neste tipo de comunicação (tratamento). Segundo Miranda e Miranda (1986) a relação terapeuta/cliente envolve primeiramente três posturas: empatia, aceitação e congruência, que propiciam o amadurecimento da postura e do comportamento do cliente, e assim ele próprio sente-se capaz e seguro para fazer suas escolhas e seguir seus caminhos. Depois, somam-se outras três posturas: confrontação, imediaticidade e concreticidade, conseguindo transformar o cliente nele mesmo, ou seja, o cliente se encontra com seus valores pessoais e mais flexível e hábil a desenhar o autoconhecimento, sendo cada vez mais próximo à sua própria experiência. Segundo os autores, alguns aspectos devem ser observados pelo terapeuta: para estabelecer a confiança do cliente em seu arteterapeuta, e desta forma, fazer com que se sinta totalmente pronto para se confidenciar com seu terapeuta durante o processo. 17 _ O primeiro contato deve ser feito no consultório do arteterapeuta; - O ambiente deve deixar o cliente totalmente confortável, seguro e confiante; - O acolhimento deve ser informal; - O cumprimento com o toque físico é muito importante para o cliente; - Individualizá-lo é essencial; - Nutri-lo fisicamente e emocionalmente é valorizá-lo. - Manter fisionomia receptiva e ter cuidados com essas expressões e estar de fato a disponibilidade ao atendê-lo. - Concentrar-se e não dividir qualquer ação com o cliente, olhar para ele e dispor-se diretamente o deixará mais seguro e a vontade. Caso contrário é se expor ao cliente com a verdade de não estar bem para atendê-lo. - Manter a mesma altura do cliente é mostrar sua conseqüência e disponibilidade. - Escutar com interesse é evitar o “caos” do outro. - Escutar a verdade do cliente e ajudá-lo a encontrar a sua verdade, ele mesmo. Assim, facilita-se o estabelecimento da confiança do cliente em seu arteterapeuta, e desta forma, oportuniza que o cliente se sinta totalmente pronto para se confidenciar com seu terapeuta durante o processo. A Arteterapia utiliza várias ferramentas com diferentes linguagens para a intervenção terapêutica. Uma destas linguagens terapêuticas ou artísticas é o mosaico. 18 CAPÍTULO 2 OS ELEMENTOS ARTÍSTICOS: RECONHECIMENT0 E VALOR EM INTERVENÇÕES ARTETERAPÊUTICAS Os materiais expressivos experimentados de acordo com os conceitos arteterapêuticos têm cada um a sua função, especificidade e potencialidade, que é fundamental em cada caso. Por isso há a necessidade de um pré-estudo destes materiais antes do contato com paciente / cliente, pois os materiais mobilizam sentimentos de maneiras diferentes em cada indivíduo. É necessário que o profissional de Arteterapia análise e conheça os valores terapêuticos da cada material a ser oferecido a cada paciente / cliente, pois poderá surgir um efeito mais rápido dos conflitos internos inconscientes do indivíduo. Os elementos da arte em questão dizem respeito às linhas, mesmo as inicialmente simples, que vão ganhando corpo, a forma que determina o volume, as sombras, as perspectivas somadas as técnicas apropriadas ao que se busca como arte final. Para cada material usado, submetem um grau de atenção do arteterapeuta ao seu cliente. Dado que cada material determina uma reação a 1cada individuo, pois eles oferecem subsídios para que o processo arteterapêutico seja eficaz durante o atendimento. Os cuidados nas escolhas destes materiais são feitas pelo arteterapeuta durante uma breve triagem que indicará o estado emocional do paciente, e deve ser cuidadosamente adequados e aplicados a realidade de cada individuo. Como por exemplo; os lápis grafite; de cor; de cera; giz pastel; canetinhas hidrográficas; nanquim e pena; carvão; usados em processos de desenhos, que são as representações gráficas emocionais daquele momento. 1 Disponível em: ,http://www.musicossonia.com.br/aulas/sinestesia_e_percepcao_digital.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2010. 19 Segundo Pain (2001:99), “o desenho é uma atividade analíticasinestésica. Basbaum (2003) explica o que é sinestesia: A palavra „sinestesia‟ é de origem grega: „syn‟ (simultaneas) mais „aesthesis‟ (sensação), significando "muitas sensações simultâneas" - ao contrário de "anestesia", ou "nenhuma sensação". Ao longo dos últimos dez anos, tenho partido do termo sinestesia para desenvolver algumas idéias que tratam das relações entre arte, tecnologia e percepção. [...] A primeira referência a este termo é normalmente atribuída a Pitágoras e sua Harmonia das esferas, que, entre outras coisas, implicava fusão sensorial. Seu uso mais comum nas artes remonta à poesia simbolista do século XIX - Baudelaire, Rimbaud etc. Entretanto, há uma verdadeira linhagem de trabalhos artísticos, cuja origem remonta ao século XVIII, que partilham aspirações sinestésicas em comum apesar de situados em contextos sócio-culturais e tecnológicos de épocas bastante diversas. [...] A sinestesia tem também uma curiosa e fascinante história no domínio das ciências - psicologia, fisiologia e neurologia. Desde o século XVIII há relatos descrevendo pessoas que, expostas a um estímulo relacionado a uma determinada modalidade sensorial, experimentam sensação em uma modalidade diversa. No século XIX, tais possibilidades de intercruzamento entre os sentidos foram objeto de um grande número de trabalhos, sobretudo após 1870. Devido à ascensão do behaviourismo, após a década de 1930 há uma significativa redução deste número. Nas últimas décadas, no entanto, o avanço das ciências neurocognitivas e das pesquisas sobre o cérebro e a consciência, amparadas em recursos tecnológicos, tornaram possível observar processos cerebrais antes inacessíveis, gerando uma nova onda de interesse pela sinestesia e por aquilo ela pode revelar sobre a cognição.¹ 2.1 Desenhos Em Desenhos podem ser utilizados diversos tipos de lápis de cor, giz de cera; pastel seco ou a óleo, canetas hidrocor, carvão, grafites... Todos semelhantes em seus significados terapêuticos. A importância se atém na coordenação motora fina que é bastante detalhada, e nesse caso, o controle é essencial e inteligente, pois exploram a atenção, a concentração e o contato com a realidade, nos casos dos desenhos de cópias que enfocam a atenção na realidade exterior. É indicado às pessoas que fantasiam, obrigando-as a perceber e a reproduzir a realidade tal como ela é. A dificuldade que essas pessoas encontram em reproduzir, não é só devido ao medo de errar, mas é a própria dificuldade de dar direção a sua vida. Este tipo de desenho é indicado às pessoas que se dispersam, sonhadoras, confusas no geral. No processo do desenho livre, as pessoas entram em contato com sua 20 realidade interna, deixando fluir conteúdos que estão para explodir. O desenho, dirigido por um condutor que escolhe os caminhos do processo, faz com que os indivíduos entrem em contato com sua realidade, mobilizando diversas emoções bloqueadas que vão encontrando o caminho da liberdade. Também é indicado àqueles que têm baixa autoestima. Os desenhos monocromáticos relacionam-se com as emoções superficiais, periféricas, quando utilizamos o colorido, lidamos com os conteúdos profundos. O desenho em si não é analisado pelo arteterapeuta, e sim interpretado pelo próprio indivíduo levando em consideração a sua relação com o processo, e a sua produção enquanto sua realização. O desenho requer controle motor e intelectual, propicionando atenção, concentração e o contato com a realidade. Indicado quando a intenção é melhorar a qualidade de vida social do individuo. Segundo Pereira (2008:25) “o desenho é uma das linguagens mais acessíveis recorrentes em diversas situações de registro”. Desenhar ou rabiscar pode ser uma representação de um sentimento explícito, ou oculto. Desenhar pode ser um momento que ao traçar as linhas, a pessoa expõe diversas necessidades. 2.2 Pintura A pintura é uma linguagem que tem como fundamento a utilização de massa de cor para construir a imagem. Na pintura, enquando ela flui, fluem também emoções e sentimentos mais abrangentes. Os materiais usados mais comuns são: guache, aquarela, anilina, óleo, acrílico e nanquim. A tinta guache exige maior controle de movimento, ela libera emoções e incentiva a imaginação. A aquarela devido a sua beleza, e o uso obrigatório da água, mobiliza com grande veemência a afetividade do indivíduo, principalmente nas dificuldades afetivas e por isso é contra indicada para pessoas deprimidas. A anilina é ótima para pessoas que têm medo de perder o controle das coisas, proporcionando a superação de limites. A tinta óleo é própria para quem tem depressão, pois dá a ela condições de equilíbrio da situação. O nanquim, quando puro, é de fácil controle, mas exige agilidade e sensibilidade. Quando usado com 21 água é mais fluida, exigindo muito mais habilidade, atenção e concentração. A pintura a dedo oferece o contato com as sensações; de um modo geral, quanto mais fluída a tinta, maior a mobilização dos afetos a emoções. A escrita e a pintura remetem eternamente um ao outro: um, o comentário escrito ou verbalizado; o outro, a ilustração daquilo que não se sabe dizer – há uma espécie de elo. Não se deve deixar levar pelo que há de estrito na continuidade da história, nem supor mais do que a própria história, mas a unidade desfaz o que é figurado pela fala e dito pela imagem. A arte tem o papel intermediário de interferência nos fatos a serem apurados pelas simbologias que surgem nos trabalhos e pelo acompanhamento do olhar do arteterapeuta. Os elementos da arte em questão dizem respeito às linhas, mesmo as inicialmente simples, que vão ganhando corpo, à forma que determina o volume, às sombras, às perspectivas somadas às técnicas apropriadas ao que se busca como arte final. Uma outra linguagem artística é o mosaico, uma arte milenar da época da civilização Mesopotâmia. 22 CAPÍTULO 3 O MOSAICO 3.1 Histórico O mosaico é uma técnica de arte muito antiga e sua historia é um pouco fragmentada, pois surgiu em certo período, desapareceu durante séculos, e depois tornou a surgir. Teve origem nas antigas civilizações como o Egito e a Mesopotâmia. O mosaico como forma de arte alcançou sua expressão mais elevada e independente, pela primeira vez, em Ravena, nos séculos V e VI. No século XX, aconteceu um período de agitação cultural que abriu a experimentação de técnicas artísticas novas e o poder expressivo do mosaico foi reconhecido. O interesse pela arte do mosaico foi resgatado no século XX, graças a grandes artistas como Antoni Gaudi(1852-1926), Gustav Klimt (1862-1966 e Gino Severini (883-1966). (PHILIPPINI, 2009: 93). Os Sumérios usavam pequenos fragmentos esmaltados de cerâmicas para decorar colunas e paredes. No Brasil, por volta de 1.800, foram criados pela Imperatriz Tereza Cristina, mulher de D. Pedro II, fortes e muros com conchas e cascos de louças de serviços da casa imperial. O maior mosaico do mundo está no México com 4.000m, construídos pelo arquiteto e pintor Juan O‟gorman.2 Figura 1 – Maior mosaico do mundo no México 2 Disponível em:< www.mgmosaico.com.br>. Acesso em: 19 fev. 2010. 23 Paciência é uma das virtudes de que um bom Mosaico precisa para ser belo e fazer bem n‟alma de quem sabe apreciá-lo com os olhos da alma reverenciando-o com o coração. Os elementos da arte em questão dizem respeito às linhas, mesmo as simples inicialmente que vão ganhando corpo a forma que determina o volume, sombras, perspectivas somadas as técnicas apropriadas ao que se busca como arte final. É esta talvez a busca final de cada um de nós que por um motivo ou outro nos perdemos pelos nossos próprios caminhos. Figura 2 - Mosaico Paciência é uma das virtudes de que um bom mosaico precisa para ser belo e fazer bem na alma de quem sabe apreciá-lo com os olhos da alma reverenciando-o com o coração. Segundo Philipini, (2009) o mosaico tem o poder reestruturador os processos arteterapêuticos e com sua técnica trabalhada de acordo ao público, independentemente das patologias, é possível a promoção de saúde e melhora na convivência social do indivíduo. A técnica do mosaico simbolicamente representa as passagens, como a construção, desconstrução e reconstrução, a busca do que será, do que se há de se formar representa a libertação do indivíduo de acordo com a sua própria capacidade expressiva de ser, se perceber e apropriar-se si mesmo. A introdução do cliente à experiencia da técnica do mosaico promove uma transformação da construção elaborada até então com figuras e textos, passa a sofrer um processo da desconstrução, dando espaço à total verbalização de suas queixas e angústias, sentimentos de frustrações e valores, de modo a ser reconstruída pelo processo do mosaico, propiciando o encontro consigo mesmo, o reelaborar da vida a partir daquele momento, num processo progressivo, do inconscientemente para o consciente. A reorganização dos pensamentos de como elaborar-se, organizar-se passa a ser um recomeço seguro e firme de como seguir em frente sem esmorecerse diante de coisas inteiramente solúveis. 24 O mosaico prima pela paciência, empenho e dedicação, tal qual a elaboração de uma vida, que se constrói de conhecimentos, emoções, descobertas, limitações, escolhas, enfim, uma infinidade de elementos que se prestarmos bem atenção, poderemos dizer que em cada vida há várias histórias, que se contada perceberemos pontos contraditórios; favoráveis; opcionais; obrigatórios; escolhas;, deveres e direitos; dores; alegrias; lágrimas; risos; todos estes itens e muitos outros são fragmentos de uma história de vida, que muitas vezes se misturam perdendo assim os seus valores, um mosaico literário que arteterapeuticamente tratado dentro dos processos artísticos adequados podem ser reorganizados no entendimento do individuo, sua historia sendo por ele compreendido e assim se colocando em ordem e aceitação consigo mesmo. O trabalho do arteterapeuta, neste sentido, é complexo, pois consiste em auxiliar e incentivar o indivíduo a criar; observando seu percurso, suas reações, expressões faciais e corporais, suas falas, e a partir da produção desenhar o diálogo que estabelecerá com sua produção simbólica. Semelhante ao processo do mosaico, a construção com a argila, o barro, traz ao indivíduo a sensação de início, retorna à origem do pensamento cristão: nascido do barro - do pó eu vim, ao pó retornarei, uma consciência humanitária. 3.2. Argila Como diz a Bíblia, Deus é o primeiro escultor modelador da figura humana feita com o barro. Uma simbologia cristã, muito forte em relação à vida; o início de toda a humanidade. A argila propõe um direcionamento ao individuo durante os primeiros momentos, levando-o ao início da história da humanidade e, portanto, de si mesmo. Traz o sujeito para mais próximo de seu íntimo, de modo que possa se redescobrir enquanto manuseia o barro, despertando nele próprio, desejos; sensações; emoções; descobertas e, a partir daí, deixa-se fluir sua própria historia. Segundo Allessandrini (2006), a argila preserva a memória artesã da humanidade em suas modalidades artísticas, expressivas e artesanais, usados como ferramentas usuais como panelas; vasos emoringas para armazenar água; e 25 conta a história que a primeira figura humana ou representação dela, foi há 40 mil anos antes das pinturas primitivas pelas mãos de um “deus” chamado Prometeu. Existem várias citações em que a criação do primeiro homem se dá a partir do barro, como a da Bíblia Cristã: “Então Deua modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente” (Gênesis, 2; 7). Afirma ainda que o homem foi feito (Gêneses 2; 2:): “à semelhança de Deus – O criador.” A argila propicia uma experiência viva e potente ao se criar qualquer forma que seja significativa para quem o faz. De modo a notar-se vivo e capaz de realizar sua história de vida sendo ele próprio capaz de resolver e tomar suas decisões finais. A argila torna satisfatoriamente possível a conquista pessoal a partir do princípio que o barro está nas mãos do sujeito que tem, então o total poder de fazer o que quiser com o barro, podendo decidir com total liberdade. Isso torna qualquer um, num “deus” sendo um convite a total liberdade de expressão. A argila, neste caso, oferece um universo rico de simbologias. A maleabilidade do material remete à importância da flexibilidade na vida. Há ainda a questão da temperatura do barro, sempre fria a principio, mas que aquece com o calor das mãos. A queima das peças ensina também a conviver com a expectativa do desconhecido e a aceitar fatos que independem de nossa vontade. Abaixo, trabalhos feitos em argila: Figura 3 Figura 4 26 Tanto o manuseio da argila e os seus resultados, como a construção do mosaico a partir dela, traz todo um contexto de um processo único em sua história. Uma história que é tão sua que as formas, linhas, profundidades, perspectivas, aos poucos nos desenham numa revelação única e transparente, e quando menos se espera, nos vemos nus como se ficássemos nus diante de nós mesmos, com a diferença do “sem” medo de sermos nós mesmos. É esta talvez a busca final de cada um de nós, que por um motivo ou outro, nos perdemos pelos nossos próprios caminhos. Há também aqueles que não conseguem se encontrar neste processo, mas ainda o mosaico oferece os mesmos caminhos ainda que não seja com a argila, mas com qualquer outro material semelhante as suas propriedades de manuseios que o próprio individuo escolhe, mais confortável para ele. Assim, ele não se sinta excluído do grupo ou incapaz de construir algo de si. 3.3 O Mosaico de Argila A dificuldade de clientes/pacientes em desconstruir é muitas vezes evidente. Parece difícil destruir, se desconectar daquilo tudo que foi construído pelas suas mãos, quebrar o vínculo que nasceu durante aquele processo de tão difícil início, que levou horas de concentração e de atividades elaboradas para sua construção e por isso muitos relutam para não fazê-lo. O semblante entristece, emudece junto com os olhos pesados observando o resultado da destruição de cada peça daquela história. À vezes o indivíduo perde-se no tempo diante daquela destruição, e resolve juntar os cacos do que sobrou e vai aos poucos reconstruindo. Com cuidado, com cada pedacinho que sobrou vai aos poucos refazendo sua história, remontando e desenhando sua nova vida, escrevendo sua nova história. Junta um pedacinho aqui, outro lá, e percebe que pode melhorar a cada pedacinho, dando um novo aspecto a sua reconstrução. Muitos se surpreendem no término do processo, percebe o seu valor, se reconhecem como únicos que são. Por este meio, acredita-se no poder da transformação humana e seu comportamento no processo do mosaico de argila que prioriza o olhar sobre o 27 indivíduo e não o olhar sobre a patologia do mesmo. A argila, neste caso, oferece um universo rico de simbologias. A maleabilidade do material remete à importância da flexibilidade na vida. Há ainda a questão da temperatura do barro, sempre fria a princípio, mas que aquece com o calor das mãos. A queima das peças ensina também a conviver com a expectativa do desconhecido e a aceitar fatos que independem de nossa vontade. Há também aqueles que não conseguem se encontrar neste processo, mas ainda o mosaico oferece os mesmos caminhos, ainda que não seja com a argila. Qualquer outro material semelhante às propriedades de manuseio, que o próprio indivíduo escolhe, é mais confortável e assim, ele não se sinte excluído de um grupo ou incapaz de construir algo de si. Portanto, nossas histórias, pintadas de cores diferentes a cada situação vivida, podem ser chamadas de um mosaico. 28 CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DA PESQUISA A pesquisa foi realizada em uma Delegacia da Defesa dos Direitos da Mulher e no CCM - Centro de Cidadania de Mulheres de Itaquera, na cidade de São Paulo. Foram observadas mulheres vítimas de violências múltiplas, com idades acima de 14 anos e com vida sexual ativa. Os atendimentos, realizados nas instituições, foram em grupos de (6) seis indivíduos. Foram atribuídas atividades relacionadas à argila. Aspectos específicos relacionados a alguns dos sujeitos também foram descritos, pois apresentavam síndromes e patologias como psicopatias e esquizofrenias durante os processos arteterapêuticos. Todos os procedimentos éticos para pesquisa com seres-humanos foram cuidadosamente realizados e os nomes das pessoas não são verdadeiros, resguardando a identidade e a segurança das participantes. Preparou-se, para cada atendimento, um relatório minucioso do processo vivido no ateliê terapêutico. Selecionou-se, do grupo original, fragmentos observados relevantes para apresentar aspectos que corroboram com a base teórica trabalhada nos capítulos anteriores. 29 CAPITULO 5 COLETA DE DADOS 5.1 Helena - 26/05/2010 Ao dar início ao trabalho de intervenção plástica na história de vida daquelas mulheres, achava que tudo aconteceria de modo tranquilo e que aquela possível história seria bastante comum no dia-a-dia do contexto de vida daquela população. Mas, de certa forma, não foi assim. Pelo menos não na vida de Helena. Ela entra na sala muito ansiosa e nervosa, querendo saber o que é Arteterapia. Expliquei a ela numa única frase: “é um carinho na alma”. Ela riu e sentou-se. Continuei: “aprende a descobrir os próprios caminhos para estar bem consigo mesma e com tudo ao seu redor”. Então ela disse que era muito triste e que queria mudar. Deixar de ser lerda. Foi sugerido que ela construísse um desenho de uma “mandala”, a partir de um pequeno desenho que nascesse no centro da folha. Ela começou, mas logo deu a forma de uma flor, criou outras flores menores e por último, depois de muito pensar e olhar para o seu desenho, resolveu proteger a sua flor e circulou-a por inteiro. 30 Figura 5 - ”Helena” De repente ela repete que é muito triste, mas que não há o que possa mudar ou fazê-la esquecer o fato que a deixou assim. E sem nenhuma indicação, depois de uma grande pausa, ela quebra o silêncio e diz: “eu não fiz um sexo normal...” Econtinua: “foi diferente... com 14 anos... não foi normal...”. Chora. Perguntei o porquê de não ter sido normal. “Porque não foi como todo mundo faz (um longo e pesado suspiro) fiz sexo com um cachorro.” Fiquei olhando pra ela, fazendo um enorme esforço para não mudar se quer uma ruga de minha expressão, respirei fundo com o cuidado de não mostrarlhe qualquer reação que a deixasse desconfortável. Toquei suas mãos e disse que ficasse tranquila, pois ela não era a única pessoa a fazer assim, que isso acontece com outras adolescentes. Ficando, então, mais à vontade, retomou sua fala: “...aí eu achei que estava grávida dele, pois minhas regras não vinham, minha mãe fez muitos chás e remédios de ervas, até que alguma dessas coisas deu certo e veio as regras e me limpou. Com isso perdi o sonho de me casar e tinha que dar um jeito de sair de casa. Então, um dia eu engravidei de um viúvo que apareceu e fui morar com ele. 31 Tenho uma filha de 15 anos e brigamos muito por tudo. Sei que preciso melhorar e quero, só preciso saber como. Lá na roça não se aprende nada, só a ter medo, medo do pai, da mãe e do padre. Assim como quem esquece tudo que passou na vida, eu quero começar de agora, mas é difícil eu não sou inteligente. Eu não trabalho e tenho muita mágoa.” Então foi pedido que ela desse uma forma a sua mágoa e também uma cor e um nome. Ela desenhou um quadrado, pintou de amarelo e deu o nome de amarelo também. Enquanto fazia isso, falava sobre a possibilidade de separação e logo mudou de ideia, que reconquistaria seu marido e filha, pois é a sua família. Figura 6 amarelo. Minha cor. - 02/06/2010 Foi sugerido um exercício de interferência, onde pudéssemos medir até aonde vai a indiferença com a questão “privacidade”, até onde permitimos que haja invasão em nossa vida pessoal íntima. “Helena” não contestava as invasões, ou interferências que sofria seu desenho, não sendo observada nenhuma reação. 32 Figura 7 Não me sinto só. Quando perguntado o que ela sentiu em relação a isso, ela responde da mesma forma, sem reação, e que não se importa, pois mostra a ela que não estaria sozinha. Já no segundo desenho, onde teria de fazê-lo sozinha; ela diz que não se sentiu bem, pois estava completamente só e acrescentou: “me acho muito sozinha, triste e burra.” Com a argila nas mãos, ela fez um coração murcho, ferido e morto: “esta sou eu.” Seu silêncio chega a ser cego e dolorido a ponto de todas as integrantes silenciarem também. - 09/06/2010 No trabalho com a argila aos poucos foram aparecendo diferentes formas até que chegou ao formato de um berço. 33 Figura 8 Fase feliz. Nasce minha filha. Para quem dizia que tinha uma vida triste e nenhum dia de alegria conseguiu encontrar em sua história um período de alegria: o nascimento de sua filha e o perído até os seus cinco anos de idade. Foi uma surpresa pra ela saber que tinha tido um período de cinco anos de alegria, para quem dizia não ter tido nada. Foi um grande presente saber disso. Ela pareceu voltar no tempo. O berço se transformou num armário que guarda uma espécie de santo, e ela justifica este armário: foi onde perdeu sua inocência com o cachorro, fato pelo qual sempre se culpa, mas que hoje não: “sou simples e não sei por que fiz o que fiz.” Figura 9 Um armário de culpas. 34 - 16/06/2010 O exercício hoje foi contar o que a trouxe a Arteterapia, e por meio da argila, construir o cenário de sua história. Então, Helena trouxe a verdadeira culpa de seu comportamento através de sua criação. Ela fez uma base fina de argila, e como se fosse um lápis desenhou um sítio onde havia um paiol (onde se guarda ferramentas, sementes e/ou colheitas); um casal, que se refere a seus avós. Sua avó de saia levantadinha, o paiol com grades largas e seu avô com a mão em sua genitália. Ao perceber o que fez, ficou ali olhando até que disse: “Foi ele é o culpado.” Figura 10 Ele foi o culpado. “Meu avô abraçava todas as netas, mas me abraçava diferente; passava as mãos em mim, me segurava com força pra eu não sair de perto dele. Agora eu lembro que eu ficava com receio de sair de perto dele e ele me xingar ou bater, 35 percebo agora que ele não gostava de mim,ele só queria me usar, era malicioso e eu não entendia isso; eu tinha uns seis ou sete anos, só agora que entendo que foi ele que fez eu chegar com o cachorro de algum jeito, ele é o culpado de eu não ser feliz. Foi assim que eu me senti sozinha e fui ficando sempre nervosa cada vez mais quando ele chegava. Meu Deus! Meu avô tinha que me proteger e não me usar safado!” As lágrimas começaram a cair sem parar, lágrimas de reprovação, angústia e desespero; as outras participantes se juntaram a ela sem saber do assunto do cachorro e a abraçaram. - 23/06/2010 Ao apresentar sua peça já queimada e seca, Helena fica ali, olhando ainda para seu avô. Sua face foi mudando, percebia desconforto por estar diante de sua história. Foi sugerido que pintasse sua argila, seu trabalho. Figura 11 Pintando sua vida futura. Totalmente muda, pintou seu trabalho sem demonstrar nenhum prazer naquilo. Ao ser solicitado a quebra daquele trabalho, mais do que depressa ela se prontificou a quebrar, sem cuidados ou culpa. 36 Figura 12 Quebrou com prazer. Perguntado o que sentira ao quebrar seu trabalho, imediatamente ela respondeu: “Prazer. Prazer e alívio.” Depois escreveu algumas linhas sem ser solicitado que o fizesse: “eu cheguei deprimida, angustiada, mas hoje eu estou melhor, estou descobrindo a pessoa que sou, e mais confiante em mim mesma”. - 29/06/2010 Olhando para os seus cacos amontoados Helena disse: “Esta imagem lembra que minha mãe não gostava de mim. Acho que por ela ser louca. Mas agora ela gosta, não é mais como era, mas agora vai ficar melhor. Eu não espero mais. Agora eu vou trabalhar, já fiz uma prova e tirei 10 em gastronomia no curso do D. Bosco (D. Bosco é uma instituição de apoio com cursos técnicos), e vou fazer o curso e serei contratada para trabalhar na copa de 2014, num hotel ou restaurante. Meu salário será dividido, 50% para a poupança que vai comprar uma casinha pra mim e a outra parte será pra me arrumar, por que sei que sou bonita só preciso me cuidar, se minha filha quiser vir comigo, muito bem, se não, ela fica com o pai dela; por que eu vou me separar.” Helena fez um mosaico de sua casa própria. 37 Figura 13 Minha casa. Minha nova conquista. 38 5.2 Socorro - 24/05/2010 Socorro é alegre, comunicativa, mas descobre em suas criações, que pode desejar sem culpas; chora ansiosa, fala muito, depois se acalma. Ela faz uma imagem como se fosse um armário que guarda algo precioso, segundo ela; então casualmente passei pelo seu trabalho, e pedi para que ela olhasse bem para sua criação. Ela então se prontificou e começou a rir e chorar e disse: “Eu fiz isso? Eu fiz.” Figura 14 Trabalho em argila de Socorro. Ficou ali, parada diante do trabalho observando o que fez sem acreditar no que estava mostrando para si mesma. Olhou para mim e riu meio sem jeito. 39 - 02/06/2010 Com a argila, fez uma sala larga e no cantinho colocou duas figuras, juntinhas vendo TV. Figura 15 Socorro e seu marido na sala. “Saudades do marido morto. Eu já mudei a sala duas vezes, mas todas as vezes que abro a porta vejo a sala antiga de que ele gostava, e aí ela volta a ser o que é. Fico triste, com saudades...” De repente, ela abre uma risada barulhenta e gostosa quebrando seu silêncio, como se ela mesma se afagasse. E nada mais falou ou fez. - 09/06/2010 Hoje ela parece mais confortada com a falta do marido e descobre que ele também tinha defeitos, os quais ela odiava, e que apagaram com sua morte. Ela diz: “Ele está deixando de ser um morto perfeito. Riu. Quero brilhar agora. Me senti 40 estranha no começo e depois confusa. Mas agora ficou tudo bem.” Depois de construir sua forma na argila ela assustou com o que viu e confessou sua dor, sua solidão. O medo do escuro desde a infância e as suas necessidades atuais. Pede para não registrar. Ela desenhou em ato sexual misturado a uma forma de pulmão, e descreve como o pulsar da vida, tanto no movimento de respirar, quanto no movimento do ato sexual; e diz: “Confesso que levei um susto. Achava que estava tudo bem comigo”. - 16/06/2010 Chegou animada como sempre. Mas quando foi colocada a argila na mesa ela demonstrou cuidado, e ficou mais atenta e séria como quem toma cuidado com o que faz. Observou os trabalhos das colegas e só então começou a amassar a argila sem nada dizer; olhava os trabalhos das colegas e o seu, mas ficou apenas torcendo sua argila sem nada produzir, e nesse movimento ela construía e desconstruía sem mesmo olhar para o que fazia. Fazia sempre uma espécie de bastão e desmanchava. Chamada pelo nome, voltou a si e viu o que estava fazendo. Olhou, riu e chorou sem nada dizer, foi acalmando e ficou só no choro silencioso e sem jeito. Depois de algum tempo disse que sentia falta do marido e que não gosta de ficar sozinha, mas que tem vergonha e medo das críticas do filho. Então ela desmanchou o que tinha feito. 41 - 23/06/2010 Sentou-se ansiosa sem saber o que fazer com a argila. Fez bolas, bolas, até que fez uma cabeça careca, nariz, orelhas e boca e de olhos fechados: “Meu marido” - disse - “mas parece um „Buda‟ rs...” Figura 16 Compara o marido ao Buda. Depois de alguns minutos, chora desesperadamente com saudade dele, mistura sua dor em risos e diz que vai ao baile procurar um novo namorado. Busca as respostas que o filho possivelmente vai dizer, ora aprovando, ora contestando, ela volta a rir de si mesma e diz: “Um dia eu vou surpreender todo mundo.” E chora de novo, com a colega também em prantos. Depois começa a rir espontaneamente como se nada houvesse. Então, se acalma e se concentra e faz a construção de sua história e, de novo, constrói a sala com seu marido. Disse que era para se despedir dele. 42 Figura 17 A sua sala e seu marido. - 28/06/2010 Com seu trabalho queimado a sua frente, olha-so e não há mais aquela reação de risos e choros. Começa a pintar e confessou estar bem. Figura 18 Pintando sua sala em silêncio. 43 “Estou tomando decisões agora” – disse. Ao chegar no processo de quebrar, ela relutou. “Não posso quebrar meu marido, meu sofá e minha sala, meu tapete, custei a fazer e ficou tão bonito e... Esta é a minha vida com ele, se eu quebrar o que acontece depois?” Ela demorou a tomar a decisão. Olhava para as colegas, cada uma com uma reação. Então ela foi quebrando, pedacinho em pedacinho como para não doer. Pede pra não registrar este momento dela. Foi respeitado. Depois, respirou fundo, quase aliviada, desenhou um sol. Repetiu o que disse no início deste trabalho: “Quero brilhar.” Figura 19 Desenhando um sol. Reconstruiu seu mosaico com a decisão de mudar e a disposição de colocar em prática o que decidiu fazer. 44 Figura 20 Como eu disse: “quero brilhar muito”. - 30/06/2010 Apareceu sem ser esperada. “Posso falar um pouquinho? Conversei com meu filho e disse que meu dinheiro e minha vida ele não leva mais. Que sou a dona dela, que eu decido como viver.Ele olhou feio pra mim e eu disse que cara feia é falta de trabalho. Que ele procurasse o que fazer e fui embora. Estou tão bem sozinha em casa, em minha casa. Mais ainda tenho medo do escuro, mas estou bem e vou arrumar um namorado sim, vou ao baile de 3ª idade sim.” Riu gostoso. Agradeceu e foi-se. 45 5.4. Lua - 08/06/2010 Lua se dispõe com franqueza e lava a alma cheia de dor e cobranças, sorri da saudade e tranquiliza-se calmamente. Descobre sua fragilidade, seus defeitos graves contra si, mas que até então, fechava-os para fingir estar tudo bem. Figuras 21 e 22 Lua e seus defeitos. Chora ao confirmar sua incapacidade com algumas questões que agora terão de ser resolvidas por ter deixado de serem segredos particulares e intocáveis que guardava só para si. “Eu busco chegar a minha meta, eu tenho o foco, mas não vejo o caminho.” 46 - 15/06/2010 Lua tem 35 anos, é professora de dança, esclarecida, guerreira, sonhadora, busca estar bem com tudo e todos sem deixar de correr atrás de seus sonhos, quer fazer teatro. Figura 23 Lua e suas emoções e sonhos. Ela coloca todas as suas emoções à mostra e sua culpa frágil diante da morte de seu pai, pois ela não estava presente quando o pai morreu. Deseja agora estar com a mãe já doente, mas precisa trabalhar para garantir seu futuro. Divide-se em várias situações durante seu dia e diz que precisa recarregar suas energias pois se sente fraca diante da vida que leva no momento. Ri de algumas passagens de sua infância com os irmãos, das broncas que recebia dos pais. Reclama por se ver, às vezes, egoísta, apegada às coisas materiais, e se culpa por isso, mas também se justifica em alguns casos. Representa em sua argila a sua escola de teatro na favela, sua escola no Brás, “Carlos de Campos”, quando descobre que quer ser atriz de verdade. Encontra uma escola que a fez ser mais crítica. Representa a favela que 47 morava durante uma infância feliz, sua família, onde era protegida, e hoje, distante, pensa ser protegida. Figura 24 História e trajeto de Lua. Ela quebra seu trabalho com muita tensão; segura seu trabalho como se preparando para uma nova etapa. Novas descobertas, novas decisões. Deixa cair das mãos, e o impacto espatifa toda a sua construção. Ela fica olhando seus cacos, e só depois de alguns minutos é que começa a recolhê-los e constrói seu desenho do futuro e começa sua reconstrução com o mosaico. 48 . Figura 25 Lua deixa cair seu trabalho. Figura 26 Lua reconstrói sua históia. - 29/06/2010 “Estava muito confusa, ainda indecisa, mas preparada e aberta para o que viesse. Durante a Arteterapia, com a conversa fui me acalmando e as coisas foram se esclarecendo, fui visualizando um caminho. Contei como foi o fim de semana com 49 minha mãe, nossas conversas, revelações, sobre ela, estou mais família, mais inclusa, próxima. Ao olhar meu cenário, caminhei pelo meu mundo e estou me desapegando de velhos padrões, estou passando por mudanças demolições, reconstruções, planejando o futuro. Pintar o cenário foi prazeroso, abusar das cores, ainda existe uma certa bagunça, mas é mais tranquilo, não existe o desespero e a ansiedade de antes, gosto da transformação, revirar, mexer, movimento interno e externo. Acho até que vou fazer psicologia e aplicar psicodrama. rs...” Figuras. 27 e 28 Seu mosaico, seus sonhos, suas novas metas( frente e perfil). 50 CONSIDERAÇÕES FINAIS A intenção deste trabalho arteterapêutico com mulheres vítimas de violência doméstica era criar um espaço onde essas mulheres pudessem ver e vencer sua dor e também seu autojulgamento para iniciar uma nova história, apenas sendo o que são, com o objetivo claro e convicto de resgatar sua autoestima, mostrando a realidade de quem são hoje, podendo viver sem a dor de seu passado, ressignificando-o. Espera-se que conquistem sua liberdade de ir e vir, de realizar e de ser o que quiserem, percebendo os próprios erros e acertos para se reencontrarem consigo mesmas. O poder da arte, usada sob a ótica da Arteterapia, acontece durante um insight, mágico em que acontece a mudança. Neste exato momento é o poder do milagre da arte. A Arteterapia aplicada tanto no contexto do autoconhecimento como no de resgate da saúde abre novas possibilidades para o trabalho terapêutico à medida que, segundo Ciornai (2004:37), a “visão existencial se manifestará na atitude do terapeuta, que vai estimular o movimento de criatividade e expressão artística do cliente, sugerindo experimentos, técnicas e facilitando elaborações e busca de significados”. Assim, o cliente/paciente é visto como ser ativo do processo arteterapêutico. Quanto mais estiver consciente de seu processo e funcionamento, maior é a possibilidade de reorganização interna e resignificação. Podemos concluir que a estimulação da criatividade é recurso essencial para que o indivíduo possa vislumbrar novas possibilidades na direção da saúde e qualidade de vida. O Mosaico de Argila mostrou-se um importante recurso no trabalho arteterapêutico para o trabalho com pessoas que necessitam inaugurar novas formas de convivência com o mundo ao redor e consigo mesmas. A manipulação da argila, o processo de construção e desconstrução do mosaico abre possibilidades de formular novas proposições e objetivos, dando um novo significado ao que já existia 51 de fato e que não desaparece, reordenando concretamente as peças para uma nova construção, o sujeito viabiliza em seu íntimo, os passos em um novo caminhar pelas suas várias histórias, pintadas de cores diferentes a cada situação vivida que formam o mosaico da vida. No final desta experiência, é importante destacar que os processos aqui descritos, somados às confidências dos participantes durante o fazer artístico e com o suporte de algumas linhas da Psicologia, troxeram um novo complemento a cada experiência vivida pelo arteterapeuta, sendo possível usá-los como ferramenta em outros possíveis casos semelhantes ou não. A criação de um espaço em que mulheres que passaram por algum tipo de violência pudessem ver e vencer a dor, e também o autojulgamento para iniciar uma nova história apenas sendo o que são, teve o objetivo claro e convicto de mostrar a elas que vissem a realidade de quem são hoje e conseguissem viver sem a dor, não sem seu passado. O esperado é que elas apenas conquistem sua liberdade de ir e vir, realizar e de ser o que quiserem; perceberem os próprios erros e se encontrarem consigo mesmas e a partir daí, descobrir que gostam muito do que veem, o que antes era errado passa a ser uma qualidade. O poder da arte na Arteterapia se atenta durante o insight, e é mágico quando acontece a mudança. Neste exato momento é o poder do milagre da arte. 52 REFERÊNCIAS ALLESSANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e Psicopedagogia. Psicologia e Educação (Coleção dirigida por Lino de Macedo). 4ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. BASBAUM, Sérgio Roclaw. SINESTESIA E PERCEPÇÃO DIGITAL - (Pontifícia Universidade Católica - SP) - Trabalho apresentado no Subtle Technologies Festival (Toronto, maio/2003). Disponível em: http://www.musicossonia.com.br/aulas/sinestesia_e_percepcao_digital.pdf. Acesso em: 19 fev. 2010. BASSO, Maria Angélica de Melo Rente et al. Arte como espelho. Experimentos em arte-terapia gestáltica, 1ª ed. São Paulo: Altana, 2006. BELLO, S. Pintando sua alma: método de desenvolvimento da personalidade criativa – 3ª ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007. CERQUEIRA, Maria Geni C. B. - Manual básico de Mosaico. 2008. PDF. Disponível em: <www.bubok.com.es>. Acesso em: 04 abr. 2009. CIORNAI, Selma (Org.). Percursos em Arteterapia. Coleção Novas Buscas em Psicoterapia. vs. 62/63 e 64. São Paulo: Summus, 2004. LIEBMANN, Marian. Exercícios de Arte para Grupo. 4ª ed. São Paulo: Summus, 2000. MIRANDA, Clara Feldman de; MIRANDA, Márcio Lúcio de Construindo a Relação de Ajuda. 3ª ed. Belo Horizonte/BH: Crescer, 1986. PAIN, Sara; JARREAU, Gladys. Teoria e Técnica de Arteterapia. Rio de Janeiro: Artes Médicas, 1996. PEREIRA, Kátia Helena. Como usar artes visuais na sala de aula. [s.l.]:Contexto, 2008. PHILIPPINI. Ângela. Cartografias da Coragem. 4ª ed. Coleção para Entender Arteterapia. Rio de Janeiro: Wak, 2008. 53 PHILIPPINI. Ângela. Arteterapia – Métodos, Projetos e Processos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak, 2009. Disponível em: <http://www.musicossonia.com.br/aulas/sinestesia_e_percepcao_digital.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2010.