SUELI APARECIDA LACERDA VIANNA
Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na
Promoção de Saúde no Conceito da Arteterapia
SÃO PAULO MASTER SCHOOL
UNIVERSIDADE SÃO MARCOS
SÃO PAULO – 2010
SUELI APARECIDA LACERDA VIANNA
Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na
Promoção de Saúde no Conceito da Arteterapia
Monografia
entregue
ao
curso
de
Especialização Lato Sensu em Arteterapia da
São Paulo Master School, certificada pela
Universidade São Marcos, como exigência
parcial para a obtenção do título de
Especialista em Arteterapia, sob a orientação
da
Professora
Dra.
Cristina
Dias
Allessandrini.
SÃO PAULO MASTER SCHOOL
UNIVERSIDADE SÃO MARCOS
SÃO PAULO – 2010
VIANNA, Sueli Aparecida Lacerda
Mosaico de Argila como Instrumento de Intervenção na
Promoção de Saúde no Conceito da Arteterapia / Sueli
Aparecida Lacerda Vianna – São Paulo: [s.n.], 2110.
53p
Monografia: Especialização Lato Sensu em Arteterapia.
São Marcos Master School / Universidade São Marcos.
Orientador: Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini.
1.Arteterapia 2. Mosaico 3. Argila
Dedico este trabalho aos meus pais,
AMÈRICO RODRIGUES VIANNA
DALVA AUGUSTA DE LACERDA VIANNA
(in memorian)
Às luzes que a luz me concedeu num lar onde a dignidade e o respeito à
vida são valores extremos, além dos cuidados e do amor incondicional
dispensados a mim e ao meu irmão, Jorge Lacerda Vianna.
Foi assim que meus pais nos apresentaram a vida, um mundo em contato
com a natureza e trabalho, para que aprendêssemos dela e com ela as
coisas básicas da vida.
“Plantar coisas boas,
é colher bons frutos”
Dalva A. L. Vianna
AGRADECIMENTOS
À energia superior que tudo harmoniza, pela vida e pelas possibilidades
de trabalhar e criar.
Aos meus filhos, Américo e Erick Vianna, que têm iluminado minha vida e
me desafiado a cada dia a descobrir minhas capacidades de superação.
Aos terapeutas e professores que fizeram parte desta minha jornada para
conhecer a Arteterapia, pela sua capacidade e paciência, acompanhando-me,
atentos e afetuosos, durante meu processo nesta especialização.
Àqueles que tiveram confiança em se desvelarem, partilhando comigo
alianças terapêuticas.
À minha amiga Solemar por ter acreditado em mim, quando nem eu
mesma me via capaz de cuidar de alguém, devido à minha própria história e por
ouvir de várias pessoas o desencorajamento da minha capacidade como cuidadora
ou profissional. Depois de muito tempo, decidi que era aquilo mesmo que devia
fazer, ou, pelo menos tentar. E eu tentei. Sinto, agora, orgulho, de mim mesma e
muito agradecida à minha amiga Solemar.
Às colegas do curso de Arteterapia que, em diferentes casos, foram
solidárias comigo, com seus talentos e criatividade.
Ao Engº Manuel Rocha Cavalheiro, que me encorajou e me apoiou em
todos os momentos se fazendo presente todos os dias e em todas as dificuldades
durante este período.
E, “in memoriam”, agradeço aos meus pais, Américo Rodrigues Vianna e
Dalva A. de Lacerda Vianna, que me ensinaram o valor do trabalho e da
persistência, mas também como era prazeroso desenvolver a arte como forma divina
do prazer humano.
VIANNA, Sueli Aparecida Lacerda - Mosaico de Argila como Instrumento de
Intervenção na Promoção de Saúde no Contexto da Arteterapia Monografia
(Especialização Lato Sensu em Arteterapia) São Paulo Master School/Universidade
São Marcos, São Paulo 2010/__
RESUMO
O mosaico de argila é apontado como ferramenta terapêutica na intervenção para
promoção de saúde dentro do contexto da Arteterapia. Esta técnica prima pelo uso
da atividade no campo das artes aprimorando a comunicação de sentimentos e
pensamentos através das linhas, formas e cores de pequenos fragmentos que vão
se formando ao longo do processo da construção. Este fazer envolve, além do
processo criativo, o próprio ser do indivíduo de maneira que os aspectos subjetivos
sejam ressignificados por meio da criação artística realizada, sempre, com o
acompanhamento do arteterapeuta. Propõe-se neste trabalho, o uso da Arteterapia
como forma de instrumentalizar os indivíduos abrindo assim uma porta segura para
a volta ou ingresso à sociedade. Durante o processo criativo, pode-se promover um
ambiente estimulador do crescimento pessoal, valorizando a singularidade e
particularidade de cada um. Foram realizados encontros de aproximadamente duas
horas, por conta de toda a preparação do ambiente, da criação das peças de argila,
a reconstrução com a criação da montagem do mosaico e da morosidade desta
elaboração com a separação dos materiais, a espera da secagem tanto da colagem
quanto do rejunte antes da limpeza do mesmo. O material coletado por meio da
intervenção da Arteterapia é analisado a partir de um referencial de pesquisa
qualitativa em Ciências Humanas e da Saúde, dando oportunidade de analisar não
só o resultado final da criação artística dos indivíduos como também o
acompanhamento de como se realiza o processo artístico; focalizam-se, deste
modo, os aspectos emocional e comportamental, ou seja, de como e quanto o
indivíduo está envolvido ou entregue à realização do seu trabalho artístico, de como
sua entrega se revela naquele momento de maneira a ter compreendido e
ressignificado o processo de criação com as observações dos descritos e
comparados a literatura acerca da Arteterapia e o que estes apontam como
ferramenta de intervenção na relação com o material, o processo e a arte final desta
comunicação observada. A Arteterapia vem apresentando evoluções significativas
na realidade dos nossos tempos, com avanços considerados que justifica a proposta
desta pesquisa visando por meio desta intervenção a reciprocidade estabelecida
entre o arteterapeuta e o seu cliente/paciente em relação ao vínculo terapêutico.
Palavras-chave: arte, arteterapia, mosaico, argila.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Foi assim................................................................................................... 09
CAPÍTULO 1
ARTETERAPIA.......................................................................................... 14
1.1 Setting terapêutico e o arteterapeuta........................................... 15
CAPÍTULO 2
OS ELEMENTOS ARTÍSTICOS: RECONHECIMENT0 E VALOR EM
INTERVENÇÕES ARTETERAPÊUTICAS...............................................
18
2.1 Desenhos........................................................................................
19
2.2 Pintura.............................................................................................
20
CAPÍTULO 3
O MOSAICO..............................................................................................
22
3.1 Histórico.......................................................................................... 22
3.2 Argila
24
....3.3 O Mosaico de Argila....................................................................... 26
METODOLOGIA DA PESQUISA..............................................................
28
COLETA DE DADOS................................................................................
29
5.1 Helena.............................................................................................. 29
5.2 Socorro............................................................................................ 38
5.4 Lua...................................................................................................
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 50
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 52
9
INTRODUÇÃO
FOI ASSIM...
...04h30min de uma segunda-feira do mês de setembro dia 28 de 1966.
Apesar da primavera, fazia muito frio e a garoa caia pesada. Estávamos em plena
“ditadura”, e em frente à minha casa estava havendo um confronto entre os novos
moradores que invadiram parte do terreno da frente; que hoje é uma escola do
estado e os soldados, militantes da direita extrema. Homens, mulheres e crianças da
classe trabalhadora são surrados e expulsos daquele local, deixando suas casas de
tábuas e umas poucas de tijolos, que também foram demolidas com as forças dos
cavalos por ordens do poder público daquela ocasião. Lembro-me que não se podia
sair nas ruas descalças da vila verde depois das 22h00.
Foi um dia triste e barulhento. Imperava um silêncio doído na alma de
quem ficou vazio de esperanças. Meus pais acomodaram uma família inteira dentro
de casa e foram punidos por isso. Eu vi a mulher chorando agarrada aos filhos.
Olhares assustados e perdidos. O menino buscava o olhar da mãe para acalentar, a
menina mais frágil e pequena, de olhar triste, desnutrida e doente; o pai – cabeça
baixa, desolado, envergonhado, incapaz de reagir, completamente nu diante
daquela imposição governamental. Uma família honesta sem o direito de moradia.
Perguntava-me: “se o tal terreno invadido era do meu tio-avô, e ele não reclamou a
invasão e ainda ajudou nas construções daqueles barracos; por que o governo se
importaria?”
No fundo ouvia “e por falar que eu não falei das flores” de Geraldo
Vandré. Bem, naquele dia “nada” eu fui capaz de entender.
Na manhã seguinte, diante dos entulhos espalhados ao longo daquele
terreno, um pássaro sobrevoava e vasculhava algumas migalhas, assim como
aquela família. Então eu o desenhei numa tela que havia ganhado de meu avô
Lacerda e a devolvi pintada com o pássaro. Meu avô, sargento da FAB-Força Aérea
Brasileira, chorou. Vi seus olhos encherem-se de lágrimas ao pegar aquela tela com
um desenho simples, e com sua voz embargada pelo choro disse: “Também quero
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ser livre, minha princesa”.
Ali, eu com tão pouca idade compreendi a dor de um ser subordinado,
violentado fisica, moral e psiquicamente por motivos simples e pessoais, e outro por
motivos de ordem e poder público. Foi então que comecei a falar através da arte do
desenho e da modelagem com o barro. A partir daí fui crescendo em contato com a
argila, devido à olaria de meu pai no Vale do Paraíba/Guararema-SP.
Poucos anos mais tarde, comecei a dirigir o caminhão para fazer as
entregas de tijolos com meu irmão, e assim eu ganhei as estradas do sul deste país,
conheci pessoas, cidades, culturas e costumes diferentes e aprendi no PHD da vida
o que os bancos de uma universidade jamais poderiam me ensinar. Formei-me em
Artes Plásticas e participei de algumas exposições na esperança de minha arte ser
compreendida pela sociedade de ambas as classes na questão da violência de
qualquer espécie e, principalmente, contra mulheres e crianças e todos os menos
favorecidos e indefesos como os idosos. Mas ainda não sabia como ou por onde
começar.
Quando numa apresentação de um trabalho, durante a aula de orientação
de estágio, a professora fez um comentário muito forte e me informou que na
Pinacoteca do Estado aconteceria um curso que me daria suporte para chegar onde
pretendia. Foi aí que tudo começou. Conheci a Arteterapia. Decidi definitivamente
fazer a escolha por este caminho em prol de ajudar essas pessoas menos
favorecidas. No meio deste trajeto de vida fui vítima de violência sexual e talvez este
fato tenha me impulsionado ainda mais para esta temática. Seguido disto, outros
aconteceimentos me entristeceram: minha mãe adoece e morre em 2006, em
seguida meu filho sai de casa de uma maneira brutal, e sem muita demora meu pai
também se despede deste mundo em 2009. Mas tudo isto me leva a continuar neste
meu universo em preto e branco, e a descobrir que as cores estão dentro de mim e
dentro de qualquer um; a beleza das formas, linhas e volumes têm muito mais a
dizer do que as cores que eu não mais vejo como em meus dias de outrora.
Ao rever minha própria história de vida, percebi o desenho que se forma
com cada pedacinho dessas pequenas histórias, daí o mosaico contado, pedacinhos
de vida que em seu todo sou eu e que pode ser você também, cada pedacinho
estilhaçado que ela representa, e pensando nisto resolvi escrever sobre o “Mosaico
de argila como instrumento de intervenção na promoção de saúde na Arteterapia”.
Nas minhas dúvidas e aflições por encontrar um local do meu interesse
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para estagiar naquilo que era meu objetivo, me percebia cada vez mais angustiada
por apenas serem apresentados lugares que estavam muito distantes das minhas
expectativas.
Fui a asilos, abrigos, hospitais entre outros lugares em que as pessoas
certamente teriam sérias necessidades de acolhimento e dedicação para terem uma
qualidade de vida melhor e a possibilidade de regresso à sociedade, mas ainda não
era o que eu buscava.
Um dia escutei uma criança dizendo a outra a seguinte frase: “Os
japoneses não são mais inteligentes que as outras raças, eles só são mais
perseverantes nas coisas que decidem fazer, e se dedicam a fazer o melhor”.
Se uma criança do ensino fundamental fez este tipo de observação, por
que eu, uma adulta que já sabe, ou pensa, que quer não vai à luta?
Naquele dia mesmo me prontifiquei e me dirigi à Delegacia de Defesa da
Mulher em um bairri de São Paulo para marcar uma entrevista com a delegada
titular, a respeito do cumprimento das horas de estágio.
Na semana seguinte dei início às praticas de tudo aquilo que aprendi na
teoria. Mas, hoje, devo, contudo, confessar que entrei naquela delegacia com muitos
medos. Houve dias que saía da delegacia com a sensação de impotência, incapaz
de estender a mão e oferecer ajuda; buscava nos livros alguma forma, uma resposta
que fosse pra que eu pudesse ajudar; e tudo que eu descobri é que apenas ouvir, já
era o bastante.
O trabalho na delegacia foi muito rico e mostrou que em um lugar cheio
de dores e destruição moral, ainda pode haver uma luz de esperança que nunca
deve ser desprezada, e deve-se sim, ter sempre uma reserva de perseverança e
fazer o que é certo.
A presente pesquisa, portanto, se deu numa delegacia de mulheres e teve
como objetivo recuperar a autoestima de mulheres que sofreram múltiplas
violências. O medo e a vergonha moral, e o sentimento de incapacidade tomam
conta das forças para o reencontro consigo mesma.
O mosaico de argila foi introduzido na prática arteterapêutica como
instrumento de intervenção na promoção à saúde, com o objetivo de evocar
memórias e sentimentos que auxiliassem no processo de cura, e usando-o também
como catalisador, como normalmente fazem os profissionais que trabalham na área
de saúde mental.
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A coleta de dados foi a observação direta, com registros fotográficos de
trabalhos realizados durante os atendimentos e relatórios minuciosos dos encontros.
Todos os procedimentos éticos para pesquisa com seres-humanos foram
cuidadosamente realizados e de forma extremamente sigilosa devido à proteção de
identidade feita pela própria instituição. A metodologia de pesquisa qualitativa foi
escolhida por melhor se adequar à análise dos dados coletados.
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ARTETERAPIA
A arte da cura
É a arte do encontro, do reencontro.
A arte da troca de experiências e da troca de afeto.
A arte de quem anda afoito.
A arte do olhar, do ouvir, do refletir.
A arte do reflexo.
A arte do querer, do entender do ser.
A arte de crescer.
A arte da descoberta, da beleza interior das linhas da vida.
A arte da revelação.
A arte da análise, da catarse, da compreensão.
A arte do sentimento.
A arte do diálogo do dia após dia da terapia.
A arte da argila, a arte do mosaico.
A arte do mosaico de argila.
A arte da arteterapia
Paula Taitelbaum/ Sall
14
CAPÍTULO 1
ARTETERAPIA
Arteterapia é o termo que designa a utilização de recurso artístico em
contexto terapêutico. [...] pressupõe que o processo de cura quando
cliente/paciente é acompanhado pelo arteterapeuta que com ele constrói
uma relação que facilita a ampliação da consciência e do autoconhecimento, possibilitando mudanças. Percursos em arte terapia.
(CIORNAI, 2003:8)
Os caminhos da Arteterapia parecem como estar diante de um espelho:
como um espelho que não só reflete mas cria possibilidades de ver-se por dentro.
Sim, pois está tudo lá. Todas as respostas de que se precisa, todos os in settings
vão caindo como fichas sem dar tempo para dizer “não”. Esta possibilidade é quase
nula. Digo “quase”, pois algumas pessoas não permitem se verem mesmo através
da Arteterapia. Há aquelas que se fecham totalmente, que não querem se conhecer,
se ver, se tocar, elas estão dentro deste “quase”. Contudo, o mínimo desejo de
melhorar que existe dentro do indivíduo gera uma grande oportunidade de ser feliz,
alcançando a tranquilidade e o equilíbrio consigo mesmo.
Segundo a AATA,
A Arteterapia é vista como atividade terapêutica na relação da promoção de
saúde em qualquer situação e/ou frustração humana conciliando a parte
clínica ao potencial criativo da arte que oferecem seus recursos as diversas
áreas profissionais, sociais e familiares oferecendo seus serviços
individualmente e como parte de equipes. (apud CIORNAI, 2003:8)
Ciornai explica a formação do profissional de Arteterapia:
Considerando as diversas áreas de Especialização de Arteterapia e as
diferentes capacitações acadêmicas dos profissionais que nos procuram
tem sido nossa preocupação caracterizar a interface, que requer formação
consistente em três áreas: a arte - que inclui tanto práticas de ateliê, como
fundamentos da arte-educação, teorias de criatividades e historia da arte; a
terapêutica - que inclui a fundamentação filosófica que dá base no trabalho
do arteterapeuta, como o aprendizado da postura da conduta e do pensar
terapêutico; e a da arteterapia - propriamente dita. Que diz respeito à sua
história, a seu corpo teórico e metodológico e à prática supervisionada. Para
isso, procuramos fornecer uma formação em dois patamares, uma base
geral do que é necessário a todos e instrumentação e superação na área de
atuação de cada um, que se especificar ainda mais na elaboração do
trabalho final. (2003:12 e 13).
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Pensando assim, fica fácil entender que os caminhos da Arteterapia
tranquilizam o indivíduo, trazendo uma resposta aos seus desconfortos emocionais
de maneira calma, com a compreensão de seus desencontros consigo mesmo e
com a aceitação daquilo que ele próprio identifica em suas produções.
A Arteterapia associa o brincar e o revelar, como o preto no branco é a
escrita de um diário sem linhas, sem palavras. Como ferramentas de transformação
nas criações artísticas são usados sonhos e lembranças numa mistura doce ou às
vezes, nem tanto, revelando assim a autoidentidade. O autoconhecimento começa a
surgir como pequenas descobertas a partir de sua imagem negativa, podendo ser
ressignificada através do brincar com arte.
Algumas pessoas sofrem de diversos tipos de patologias. Umas, mais
amenas, outras mais complexas, e muitas outras apenas pequenos desajustes
consigo mesmas, mas que mesmo assim podem causar sérios transtornos
psíquicos. É possível a cura destes desajustes pela aceitação e compreensão de si,
proporcionados pelos caminhos do processo arteterapêutico, onde as pessoas são
capazes, muitas pela primeira vez na vida, de experimentar a própria beleza, a
sensação do seu próprio potencial, de sua força, individual e singular. As pessoas
descobrem que são o que acreditam ser. É isso que faz a arte da Arteterapia.
E no “setting” arteterapêutico isto se dá naturalmente, funcionando como
um local para a revelação de conteúdos que podem se apresentar a qualquer
momento.
1.1 Setting terapêutico e o arteterapeuta
Quanto
ao
“setting
arteterapêutico”,
baseando-se
em
Phillippini
(2008:43,44,45), pode-se dizer que:
O “setting arteterapêutico” deve ser um espaço de acolhimento à
individualidade, deve contar com um ambiente e atmosfera descontraída e
agradável, deve ser estimulador na experimentação expressiva da criatividade
singular de cada ser.
16
O “setting” funciona como um local de criação, de resgate e expansão de
potencialidades adormecidas, de desvelamento desentimentos, de compreensão de
conteúdos inconscientes.
Também o arteterapeuta acompanha todo o processo artístico das
atividades propostas, observando o cliente quanto ao seu comportamento gestual e
expressões emocionais.
Jean Clark (1986), afirma que um arteterapeuta é um homem de fé,
necessário e fundamental num trabalho terapêutico.
Além da referência teórica, cada arteterapeuta descobre em si, suas
singularidades, estabelecendo as diferenças e semelhanças ao praticar seu trabalho
que também poderá ser alterado para cada paciente ou situação do momento.
Porém, é importante delimitar seu universo teórico e prático que irá usar durante um
atendimento.
O arteterapeuta também deve ser capaz de conhecer as diversas
modalidades expressivas, além de considerar suas próprias expressões faciais,
corporais como um processo facilitador.
O arteterapeuta faz o acompanhamento do cliente/paciente durante todo
o processo artístico enquanto desenvolve suas atividades, observando como as
realiza emocionalmente e comportamentalmente, ou seja, como está o envolvimento
ao realizar seu trabalho, de que maneira pode ser compreendido e quais
ressignificados do processo de criação são usadas, como ferramenta para
intervenção neste tipo de comunicação (tratamento).
Segundo Miranda e Miranda (1986) a relação terapeuta/cliente envolve
primeiramente três posturas: empatia, aceitação e congruência, que propiciam o
amadurecimento da postura e do comportamento do cliente, e assim ele próprio
sente-se capaz e seguro para fazer suas escolhas e seguir seus caminhos.
Depois, somam-se outras três posturas: confrontação, imediaticidade e
concreticidade, conseguindo transformar o cliente nele mesmo, ou seja, o cliente se
encontra com seus valores pessoais e mais flexível e hábil a desenhar o
autoconhecimento, sendo cada vez mais próximo à sua própria experiência.
Segundo os autores, alguns aspectos devem ser observados pelo
terapeuta: para estabelecer a confiança do cliente em seu arteterapeuta, e desta
forma, fazer com que se sinta totalmente pronto para se confidenciar com seu
terapeuta durante o processo.
17
_ O primeiro contato deve ser feito no consultório do arteterapeuta;
- O ambiente deve deixar o cliente totalmente confortável, seguro e
confiante;
- O acolhimento deve ser informal;
- O cumprimento com o toque físico é muito importante para o cliente;
- Individualizá-lo é essencial;
- Nutri-lo fisicamente e emocionalmente é valorizá-lo.
- Manter fisionomia receptiva e ter cuidados com essas expressões e
estar de fato a disponibilidade ao atendê-lo.
- Concentrar-se e não dividir qualquer ação com o cliente, olhar para ele e
dispor-se diretamente o deixará mais seguro e a vontade. Caso contrário é se expor
ao cliente com a verdade de não estar bem para atendê-lo.
- Manter a mesma altura do cliente é mostrar sua conseqüência e
disponibilidade.
- Escutar com interesse é evitar o “caos” do outro.
- Escutar a verdade do cliente e ajudá-lo a encontrar a sua verdade, ele
mesmo.
Assim, facilita-se o estabelecimento da confiança do cliente em seu
arteterapeuta, e desta forma, oportuniza que o cliente se sinta totalmente pronto
para se confidenciar com seu terapeuta durante o processo.
A Arteterapia utiliza várias ferramentas com diferentes linguagens para a
intervenção terapêutica.
Uma destas linguagens terapêuticas ou artísticas é o mosaico.
18
CAPÍTULO 2
OS ELEMENTOS ARTÍSTICOS: RECONHECIMENT0 E VALOR EM
INTERVENÇÕES ARTETERAPÊUTICAS
Os materiais expressivos experimentados de acordo com os conceitos
arteterapêuticos têm cada um a sua função, especificidade e potencialidade, que é
fundamental em cada caso. Por isso há a necessidade de um pré-estudo destes
materiais antes do contato com paciente / cliente, pois os materiais mobilizam
sentimentos de maneiras diferentes em cada indivíduo. É necessário que o
profissional de Arteterapia análise e conheça os valores terapêuticos da cada
material a ser oferecido a cada paciente / cliente, pois poderá surgir um efeito mais
rápido dos conflitos internos inconscientes do indivíduo.
Os elementos da arte em questão dizem respeito às linhas, mesmo as
inicialmente simples, que vão ganhando corpo, a forma que determina o volume, as
sombras, as perspectivas somadas as técnicas apropriadas ao que se busca como
arte final.
Para cada material usado, submetem um grau de atenção do
arteterapeuta ao seu cliente. Dado que cada material determina uma reação a 1cada
individuo, pois eles oferecem subsídios para que o processo arteterapêutico seja
eficaz durante o atendimento.
Os cuidados nas escolhas destes materiais são feitas pelo arteterapeuta
durante uma breve triagem que indicará o estado emocional do paciente, e deve ser
cuidadosamente adequados e aplicados a realidade de cada individuo.
Como por exemplo; os lápis grafite; de cor; de cera; giz pastel; canetinhas
hidrográficas; nanquim e pena; carvão; usados em processos de desenhos, que são
as representações gráficas emocionais daquele momento.
1
Disponível em: ,http://www.musicossonia.com.br/aulas/sinestesia_e_percepcao_digital.pdf>. Acesso em: 19
fev. 2010.
19
Segundo Pain (2001:99), “o desenho é uma atividade analíticasinestésica.
Basbaum (2003) explica o que é sinestesia:
A palavra „sinestesia‟ é de origem grega: „syn‟ (simultaneas) mais „aesthesis‟
(sensação), significando "muitas sensações simultâneas" - ao contrário de
"anestesia", ou "nenhuma sensação". Ao longo dos últimos dez anos, tenho
partido do termo sinestesia para desenvolver algumas idéias que tratam das
relações entre arte, tecnologia e percepção. [...] A primeira referência a este
termo é normalmente atribuída a Pitágoras e sua Harmonia das esferas,
que, entre outras coisas, implicava fusão sensorial. Seu uso mais comum
nas artes remonta à poesia simbolista do século XIX - Baudelaire, Rimbaud
etc. Entretanto, há uma verdadeira linhagem de trabalhos artísticos, cuja
origem remonta ao século XVIII, que partilham aspirações sinestésicas em
comum apesar de situados em contextos sócio-culturais e tecnológicos de
épocas bastante diversas. [...] A sinestesia tem também uma curiosa e
fascinante história no domínio das ciências - psicologia, fisiologia e
neurologia. Desde o século XVIII há relatos descrevendo pessoas que,
expostas a um estímulo relacionado a uma determinada modalidade
sensorial, experimentam sensação em uma modalidade diversa. No século
XIX, tais possibilidades de intercruzamento entre os sentidos foram objeto
de um grande número de trabalhos, sobretudo após 1870. Devido à
ascensão do behaviourismo, após a década de 1930 há uma significativa
redução deste número. Nas últimas décadas, no entanto, o avanço das
ciências neurocognitivas e das pesquisas sobre o cérebro e a consciência,
amparadas em recursos tecnológicos, tornaram possível
observar
processos cerebrais antes inacessíveis, gerando uma nova onda de
interesse pela sinestesia e por aquilo ela pode revelar sobre a cognição.¹
2.1 Desenhos
Em Desenhos podem ser utilizados diversos tipos de lápis de cor, giz de
cera; pastel seco ou a óleo, canetas hidrocor, carvão, grafites... Todos semelhantes
em seus significados terapêuticos. A importância se atém na coordenação motora
fina que é bastante detalhada, e nesse caso, o controle é essencial e inteligente,
pois exploram a atenção, a concentração e o contato com a realidade, nos casos
dos desenhos de cópias que enfocam a atenção na realidade exterior. É indicado às
pessoas que fantasiam, obrigando-as a perceber e a reproduzir a realidade tal como
ela é. A dificuldade que essas pessoas encontram em reproduzir, não é só devido ao
medo de errar, mas é a própria dificuldade de dar direção a sua vida. Este tipo de
desenho é indicado às pessoas que se dispersam, sonhadoras, confusas no geral.
No processo do desenho livre, as pessoas entram em contato com sua
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realidade interna, deixando fluir conteúdos que estão para explodir.
O desenho, dirigido por um condutor que escolhe os caminhos do
processo, faz com que os indivíduos entrem em contato com sua realidade,
mobilizando diversas emoções bloqueadas que vão encontrando o caminho da
liberdade. Também é indicado àqueles que têm baixa autoestima.
Os
desenhos
monocromáticos
relacionam-se
com
as
emoções
superficiais, periféricas, quando utilizamos o colorido, lidamos com os conteúdos
profundos.
O desenho em si não é analisado pelo arteterapeuta, e sim interpretado
pelo próprio indivíduo levando em consideração a sua relação com o processo, e a
sua produção enquanto sua realização.
O desenho requer controle motor e intelectual, propicionando atenção,
concentração e o contato com a realidade. Indicado quando a intenção é melhorar a
qualidade de vida social do individuo. Segundo Pereira (2008:25) “o desenho é uma
das linguagens mais acessíveis recorrentes em diversas situações de registro”.
Desenhar ou rabiscar pode ser uma representação de um sentimento
explícito, ou oculto. Desenhar pode ser um momento que ao traçar as linhas, a
pessoa expõe diversas necessidades.
2.2 Pintura
A pintura é uma linguagem que tem como fundamento a utilização de
massa de cor para construir a imagem.
Na pintura, enquando ela flui, fluem também emoções e sentimentos mais
abrangentes. Os materiais usados mais comuns são: guache, aquarela, anilina, óleo,
acrílico e nanquim. A tinta guache exige maior controle de movimento, ela libera
emoções e incentiva a imaginação. A aquarela devido a sua beleza, e o uso
obrigatório da água, mobiliza com grande veemência a afetividade do indivíduo,
principalmente nas dificuldades afetivas e por isso é contra indicada para pessoas
deprimidas. A anilina é ótima para pessoas que têm medo de perder o controle das
coisas, proporcionando a superação de limites. A tinta óleo é própria para quem tem
depressão, pois dá a ela condições de equilíbrio da situação. O nanquim, quando
puro, é de fácil controle, mas exige agilidade e sensibilidade. Quando usado com
21
água é mais fluida, exigindo muito mais habilidade, atenção e concentração.
A pintura a dedo oferece o contato com as sensações; de um modo geral,
quanto mais fluída a tinta, maior a mobilização dos afetos a emoções.
A escrita e a pintura remetem eternamente um ao outro: um, o comentário
escrito ou verbalizado; o outro, a ilustração daquilo que não se sabe dizer – há uma
espécie de elo. Não se deve deixar levar pelo que há de estrito na continuidade da
história, nem supor mais do que a própria história, mas a unidade desfaz o que é
figurado pela fala e dito pela imagem.
A arte tem o papel intermediário de interferência nos fatos a serem
apurados pelas simbologias que surgem nos trabalhos e pelo acompanhamento do
olhar do arteterapeuta. Os elementos da arte em questão dizem respeito às linhas,
mesmo as inicialmente simples, que vão ganhando corpo, à forma que determina o
volume, às sombras, às perspectivas somadas às técnicas apropriadas ao que se
busca como arte final.
Uma outra linguagem artística é o mosaico, uma arte milenar da época da
civilização Mesopotâmia.
22
CAPÍTULO 3
O MOSAICO
3.1 Histórico
O mosaico é uma técnica de arte muito antiga e sua historia é um pouco
fragmentada, pois surgiu em certo período, desapareceu durante séculos, e
depois tornou a surgir. Teve origem nas antigas civilizações como o Egito e
a Mesopotâmia. O mosaico como forma de arte alcançou sua expressão
mais elevada e independente, pela primeira vez, em Ravena, nos séculos V
e VI. No século XX, aconteceu um período de agitação cultural que abriu a
experimentação de técnicas artísticas novas e o poder expressivo do
mosaico foi reconhecido. O interesse pela arte do mosaico foi resgatado no
século XX, graças a grandes artistas como Antoni Gaudi(1852-1926),
Gustav Klimt (1862-1966 e Gino Severini (883-1966). (PHILIPPINI, 2009:
93).
Os Sumérios usavam pequenos fragmentos esmaltados de cerâmicas
para decorar colunas e paredes. No Brasil, por volta de 1.800, foram criados pela
Imperatriz Tereza Cristina, mulher de D. Pedro II, fortes e muros com conchas e
cascos de louças de serviços da casa imperial. O maior mosaico do mundo está no
México com 4.000m, construídos pelo arquiteto e pintor Juan O‟gorman.2
Figura 1 – Maior mosaico do mundo no México
2
Disponível em:< www.mgmosaico.com.br>. Acesso em: 19 fev. 2010.
23
Paciência é uma das virtudes de que um bom Mosaico precisa para ser
belo e fazer bem n‟alma de quem sabe apreciá-lo com os olhos da alma
reverenciando-o com o coração.
Os elementos da arte em questão dizem respeito às linhas, mesmo as
simples inicialmente que vão ganhando corpo a forma que determina o volume,
sombras, perspectivas somadas as técnicas apropriadas ao que se busca como arte
final.
É esta talvez a busca final de cada um de nós que por um motivo ou outro
nos perdemos pelos nossos próprios caminhos.
Figura 2 - Mosaico
Paciência é uma das virtudes de que um bom mosaico precisa para ser
belo e fazer bem na alma de quem sabe apreciá-lo com os olhos da alma
reverenciando-o com o coração.
Segundo Philipini, (2009) o mosaico tem o poder reestruturador os
processos arteterapêuticos e com sua técnica trabalhada de acordo ao público,
independentemente das patologias, é possível a promoção de saúde e melhora na
convivência social do indivíduo. A técnica do mosaico simbolicamente representa as
passagens, como a construção, desconstrução e reconstrução, a busca do que será,
do que se há de se formar representa a libertação do indivíduo de acordo com a sua
própria capacidade expressiva de ser, se perceber e apropriar-se si mesmo.
A introdução do cliente à experiencia da técnica do mosaico promove uma
transformação da construção elaborada até então com figuras e textos, passa a
sofrer um processo da desconstrução, dando espaço à total verbalização de suas
queixas e angústias, sentimentos de frustrações e valores, de modo a ser
reconstruída pelo processo do mosaico, propiciando o encontro consigo mesmo, o
reelaborar da vida a partir daquele momento, num processo progressivo, do
inconscientemente para o consciente.
A reorganização dos pensamentos de como elaborar-se, organizar-se
passa a ser um recomeço seguro e firme de como seguir em frente sem esmorecerse diante de coisas inteiramente solúveis.
24
O mosaico prima pela paciência, empenho e dedicação, tal qual a
elaboração de uma vida, que se constrói de conhecimentos, emoções, descobertas,
limitações, escolhas, enfim, uma infinidade de elementos que se prestarmos bem
atenção, poderemos dizer que em cada vida há várias histórias, que se contada
perceberemos pontos contraditórios; favoráveis; opcionais; obrigatórios; escolhas;,
deveres e direitos; dores; alegrias; lágrimas; risos; todos estes itens e muitos outros
são fragmentos de uma história de vida, que muitas vezes se misturam perdendo
assim os seus valores, um mosaico literário que arteterapeuticamente tratado dentro
dos processos artísticos adequados podem ser reorganizados no entendimento do
individuo, sua historia sendo por ele compreendido e assim se colocando em ordem
e aceitação consigo mesmo.
O trabalho do arteterapeuta, neste sentido, é complexo, pois consiste em
auxiliar e incentivar o indivíduo a criar; observando seu percurso, suas reações,
expressões faciais e corporais, suas falas, e a partir da produção desenhar o diálogo
que estabelecerá com sua produção simbólica.
Semelhante ao processo do mosaico, a construção com a argila, o barro,
traz ao indivíduo a sensação de início, retorna à origem do pensamento cristão:
nascido do barro - do pó eu vim, ao pó retornarei, uma consciência humanitária.
3.2. Argila
Como diz a Bíblia, Deus é o primeiro escultor modelador da figura
humana feita com o barro. Uma simbologia cristã, muito forte em relação à vida; o
início de toda a humanidade.
A argila propõe um direcionamento ao individuo durante os primeiros
momentos, levando-o ao início da história da humanidade e, portanto, de si mesmo.
Traz o sujeito para mais próximo de seu íntimo, de modo que possa se redescobrir
enquanto manuseia o barro, despertando nele próprio, desejos; sensações;
emoções; descobertas e, a partir daí, deixa-se fluir sua própria historia.
Segundo Allessandrini (2006), a argila preserva a memória artesã da
humanidade em suas modalidades artísticas, expressivas e artesanais, usados
como ferramentas usuais como panelas; vasos emoringas para armazenar água; e
25
conta a história que a primeira figura humana ou representação dela, foi há 40 mil
anos antes das pinturas primitivas pelas mãos de um “deus” chamado Prometeu.
Existem várias citações em que a criação do primeiro homem se dá a
partir do barro, como a da Bíblia Cristã: “Então Deua modelou o homem com a argila
do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser
vivente” (Gênesis, 2; 7). Afirma ainda que o homem foi feito (Gêneses 2; 2:): “à
semelhança de Deus – O criador.”
A argila propicia uma experiência viva e potente ao se criar qualquer
forma que seja significativa para quem o faz. De modo a notar-se vivo e capaz de
realizar sua história de vida sendo ele próprio capaz de resolver e tomar suas
decisões finais. A argila torna satisfatoriamente possível a conquista pessoal a partir
do princípio que o barro está nas mãos do sujeito que tem, então o total poder de
fazer o que quiser com o barro, podendo decidir com total liberdade. Isso torna
qualquer um, num “deus” sendo um convite a total liberdade de expressão.
A argila, neste caso, oferece um universo rico de simbologias. A
maleabilidade do material remete à importância da flexibilidade na vida. Há ainda a
questão da temperatura do barro, sempre fria a principio, mas que aquece com o
calor das mãos. A queima das peças ensina também a conviver com a expectativa
do desconhecido e a aceitar fatos que independem de nossa vontade.
Abaixo, trabalhos feitos em argila:
Figura 3
Figura 4
26
Tanto o manuseio da argila e os seus resultados, como a construção do
mosaico a partir dela, traz todo um contexto de um processo único em sua história.
Uma história que é tão sua que as formas, linhas, profundidades, perspectivas, aos
poucos nos desenham numa revelação única e transparente, e quando menos se
espera, nos vemos nus como se ficássemos nus diante de nós mesmos, com a
diferença do “sem” medo de sermos nós mesmos. É esta talvez a busca final de
cada um de nós, que por um motivo ou outro, nos perdemos pelos nossos próprios
caminhos.
Há também aqueles que não conseguem se encontrar neste processo,
mas ainda o mosaico oferece os mesmos caminhos ainda que não seja com a argila,
mas com qualquer outro material semelhante as suas propriedades de manuseios
que o próprio individuo escolhe, mais confortável para ele. Assim, ele não se sinta
excluído do grupo ou incapaz de construir algo de si.
3.3 O Mosaico de Argila
A dificuldade de clientes/pacientes em desconstruir é muitas vezes
evidente. Parece difícil destruir, se desconectar daquilo tudo que foi construído pelas
suas mãos, quebrar o vínculo que nasceu durante aquele processo de tão difícil
início, que levou horas de concentração e de atividades elaboradas para sua
construção e por isso muitos relutam para não fazê-lo.
O semblante entristece, emudece junto com os olhos pesados
observando o resultado da destruição de cada peça daquela história. À vezes o
indivíduo perde-se no tempo diante daquela destruição, e resolve juntar os cacos do
que sobrou e vai aos poucos reconstruindo. Com cuidado, com cada pedacinho que
sobrou vai aos poucos refazendo sua história, remontando e desenhando sua nova
vida, escrevendo sua nova história. Junta um pedacinho aqui, outro lá, e percebe
que pode melhorar a cada pedacinho, dando um novo aspecto a sua reconstrução.
Muitos se surpreendem no término do processo, percebe o seu valor, se
reconhecem como únicos que são.
Por este meio, acredita-se no poder da transformação humana e seu
comportamento no processo do mosaico de argila que prioriza o olhar sobre o
27
indivíduo e não o olhar sobre a patologia do mesmo.
A argila, neste caso, oferece um universo rico de simbologias. A
maleabilidade do material remete à importância da flexibilidade na vida. Há ainda a
questão da temperatura do barro, sempre fria a princípio, mas que aquece com o
calor das mãos. A queima das peças ensina também a conviver com a expectativa
do desconhecido e a aceitar fatos que independem de nossa vontade.
Há também aqueles que não conseguem se encontrar neste processo,
mas ainda o mosaico oferece os mesmos caminhos, ainda que não seja com a
argila. Qualquer outro material semelhante às propriedades de manuseio, que o
próprio indivíduo escolhe, é mais confortável e assim, ele não se sinte excluído de
um grupo ou incapaz de construir algo de si.
Portanto, nossas histórias, pintadas de cores diferentes a cada situação
vivida, podem ser chamadas de um mosaico.
28
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada em uma Delegacia da Defesa dos Direitos da
Mulher e no CCM - Centro de Cidadania de Mulheres de Itaquera, na cidade de São
Paulo. Foram observadas mulheres vítimas de violências múltiplas, com idades
acima de 14 anos e com vida sexual ativa.
Os atendimentos, realizados nas instituições, foram em grupos de (6) seis
indivíduos. Foram atribuídas atividades relacionadas à argila.
Aspectos específicos relacionados a alguns dos sujeitos também foram
descritos, pois apresentavam síndromes e patologias como psicopatias e
esquizofrenias durante os processos arteterapêuticos. Todos os procedimentos
éticos para pesquisa com seres-humanos foram cuidadosamente realizados e os
nomes das pessoas não são verdadeiros, resguardando a identidade e a segurança
das participantes. Preparou-se, para cada atendimento, um relatório minucioso do
processo vivido no ateliê terapêutico.
Selecionou-se, do grupo original, fragmentos observados relevantes para
apresentar aspectos que corroboram com a base teórica trabalhada nos capítulos
anteriores.
29
CAPITULO 5
COLETA DE DADOS
5.1 Helena
- 26/05/2010
Ao dar início ao trabalho de intervenção plástica na história de vida
daquelas mulheres, achava que tudo aconteceria de modo tranquilo e que aquela
possível história seria bastante comum no dia-a-dia do contexto de vida daquela
população.
Mas, de certa forma, não foi assim. Pelo menos não na vida de Helena.
Ela entra na sala muito ansiosa e nervosa, querendo saber o que é
Arteterapia.
Expliquei a ela numa única frase: “é um carinho na alma”.
Ela riu e sentou-se. Continuei: “aprende a descobrir os próprios caminhos
para estar bem consigo mesma e com tudo ao seu redor”.
Então ela disse que era muito triste e que queria mudar. Deixar de ser
lerda.
Foi sugerido que ela construísse um desenho de uma “mandala”, a partir
de um pequeno desenho que nascesse no centro da folha.
Ela começou, mas logo deu a forma de uma flor, criou outras flores
menores e por último, depois de muito pensar e olhar para o seu desenho, resolveu
proteger a sua flor e circulou-a por inteiro.
30
Figura 5 - ”Helena”
De repente ela repete que é muito triste, mas que não há o que possa
mudar ou fazê-la esquecer o fato que a deixou assim. E sem nenhuma indicação,
depois de uma grande pausa, ela quebra o silêncio e diz: “eu não fiz um sexo
normal...”
Econtinua: “foi diferente... com 14 anos... não foi normal...”. Chora.
Perguntei o porquê de não ter sido normal.
“Porque não foi como todo mundo faz (um longo e pesado suspiro) fiz
sexo com um cachorro.”
Fiquei olhando pra ela, fazendo um enorme esforço para não mudar se
quer uma ruga de minha expressão, respirei fundo com o cuidado de não mostrarlhe qualquer reação que a deixasse desconfortável. Toquei suas mãos e disse que
ficasse tranquila, pois ela não era a única pessoa a fazer assim, que isso acontece
com outras adolescentes.
Ficando, então, mais à vontade, retomou sua fala: “...aí eu achei que
estava grávida dele, pois minhas regras não vinham, minha mãe fez muitos chás e
remédios de ervas, até que alguma dessas coisas deu certo e veio as regras e me
limpou. Com isso perdi o sonho de me casar e tinha que dar um jeito de sair de
casa. Então, um dia eu engravidei de um viúvo que apareceu e fui morar com ele.
31
Tenho uma filha de 15 anos e brigamos muito por tudo. Sei que preciso melhorar e
quero, só preciso saber como. Lá na roça não se aprende nada, só a ter medo,
medo do pai, da mãe e do padre. Assim como quem esquece tudo que passou na
vida, eu quero começar de agora, mas é difícil eu não sou inteligente. Eu não
trabalho e tenho muita mágoa.”
Então foi pedido que ela desse uma forma a sua mágoa e também uma
cor e um nome. Ela desenhou um quadrado, pintou de amarelo e deu o nome de
amarelo também. Enquanto fazia isso, falava sobre a possibilidade de separação e
logo mudou de ideia, que reconquistaria seu marido e filha, pois é a sua família.
Figura 6 amarelo. Minha cor.
- 02/06/2010
Foi sugerido um exercício de interferência, onde pudéssemos medir até
aonde vai a indiferença com a questão “privacidade”, até onde permitimos que haja
invasão em nossa vida pessoal íntima. “Helena” não contestava as invasões, ou
interferências que sofria seu desenho, não sendo observada nenhuma reação.
32
Figura 7 Não me sinto só.
Quando perguntado o que ela sentiu em relação a isso, ela responde da
mesma forma, sem reação, e que não se importa, pois mostra a ela que não estaria
sozinha.
Já no segundo desenho, onde teria de fazê-lo sozinha; ela diz que não se
sentiu bem, pois estava completamente só e acrescentou: “me acho muito sozinha,
triste e burra.”
Com a argila nas mãos, ela fez um coração murcho, ferido e morto: “esta
sou eu.”
Seu silêncio chega a ser cego e dolorido a ponto de todas as integrantes
silenciarem também.
- 09/06/2010
No trabalho com a argila aos poucos foram aparecendo diferentes formas
até que chegou ao formato de um berço.
33
Figura 8 Fase feliz. Nasce minha filha.
Para quem dizia que tinha uma vida triste e nenhum dia de alegria
conseguiu encontrar em sua história um período de alegria: o nascimento de sua
filha e o perído até os seus cinco anos de idade. Foi uma surpresa pra ela saber que
tinha tido um período de cinco anos de alegria, para quem dizia não ter tido nada.
Foi um grande presente saber disso.
Ela pareceu voltar no tempo.
O berço se transformou num armário que guarda uma espécie de santo, e
ela justifica este armário: foi onde perdeu sua inocência com o cachorro, fato pelo
qual sempre se culpa, mas que hoje não: “sou simples e não sei por que fiz o que
fiz.”
Figura 9 Um armário de culpas.
34
- 16/06/2010
O exercício hoje foi contar o que a trouxe a Arteterapia, e por meio da
argila, construir o cenário de sua história.
Então, Helena trouxe a verdadeira culpa de seu comportamento através
de sua criação.
Ela fez uma base fina de argila, e como se fosse um lápis desenhou um
sítio onde havia um paiol (onde se guarda ferramentas, sementes e/ou colheitas);
um casal, que se refere a seus avós. Sua avó de saia levantadinha, o paiol com
grades largas e seu avô com a mão em sua genitália. Ao perceber o que fez, ficou
ali olhando até que disse: “Foi ele é o culpado.”
Figura 10 Ele foi o culpado.
“Meu avô abraçava todas as netas, mas me abraçava diferente; passava
as mãos em mim, me segurava com força pra eu não sair de perto dele. Agora eu
lembro que eu ficava com receio de sair de perto dele e ele me xingar ou bater,
35
percebo agora que ele não gostava de mim,ele só queria me usar, era malicioso e eu
não entendia isso; eu tinha uns seis ou sete anos, só agora que entendo que foi ele
que fez eu chegar com o cachorro de algum jeito, ele é o culpado de eu não ser feliz.
Foi assim que eu me senti sozinha e fui ficando sempre nervosa cada vez mais
quando ele chegava. Meu Deus! Meu avô tinha que me proteger e não me usar safado!”
As lágrimas começaram a cair sem parar, lágrimas de reprovação,
angústia e desespero; as outras participantes se juntaram a ela sem saber do
assunto do cachorro e a abraçaram.
- 23/06/2010
Ao apresentar sua peça já queimada e seca, Helena fica ali, olhando ainda
para seu avô. Sua face foi mudando, percebia desconforto por estar diante de sua
história.
Foi sugerido que pintasse sua argila, seu trabalho.
Figura 11 Pintando sua vida futura.
Totalmente muda, pintou seu trabalho sem demonstrar nenhum prazer
naquilo. Ao ser solicitado a quebra daquele trabalho, mais do que depressa ela se
prontificou a quebrar, sem cuidados ou culpa.
36
Figura 12 Quebrou com prazer.
Perguntado o que sentira ao quebrar seu trabalho, imediatamente ela
respondeu: “Prazer. Prazer e alívio.”
Depois escreveu algumas linhas sem ser solicitado que o fizesse: “eu
cheguei deprimida, angustiada, mas hoje eu estou melhor, estou descobrindo a
pessoa que sou, e mais confiante em mim mesma”.
- 29/06/2010
Olhando para os seus cacos amontoados Helena disse: “Esta imagem
lembra que minha mãe não gostava de mim. Acho que por ela ser louca. Mas agora
ela gosta, não é mais como era, mas agora vai ficar melhor.
Eu não espero mais. Agora eu vou trabalhar, já fiz uma prova e tirei 10 em
gastronomia no curso do D. Bosco (D. Bosco é uma instituição de apoio com cursos
técnicos), e vou fazer o curso e serei contratada para trabalhar na copa de 2014,
num hotel ou restaurante. Meu salário será dividido, 50% para a poupança que vai
comprar uma casinha pra mim e a outra parte será pra me arrumar, por que sei que
sou bonita só preciso me cuidar, se minha filha quiser vir comigo, muito bem, se não,
ela fica com o pai dela; por que eu vou me separar.”
Helena fez um mosaico de sua casa própria.
37
Figura 13 Minha casa. Minha nova conquista.
38
5.2 Socorro
- 24/05/2010
Socorro é alegre, comunicativa, mas descobre em suas criações, que
pode desejar sem culpas; chora ansiosa, fala muito, depois se acalma.
Ela faz uma imagem como se fosse um armário que guarda algo precioso,
segundo ela; então casualmente passei pelo seu trabalho, e pedi para que ela
olhasse bem para sua criação. Ela então se prontificou e começou a rir e chorar e
disse: “Eu fiz isso? Eu fiz.”
Figura 14 Trabalho em argila de Socorro.
Ficou ali, parada diante do trabalho observando o que fez sem acreditar no
que estava mostrando para si mesma. Olhou para mim e riu meio sem jeito.
39
- 02/06/2010
Com a argila, fez uma sala larga e no cantinho colocou duas figuras,
juntinhas vendo TV.
Figura 15 Socorro e seu marido na sala.
“Saudades do marido morto. Eu já mudei a sala duas vezes, mas todas as
vezes que abro a porta vejo a sala antiga de que ele gostava, e aí ela volta a ser o
que é. Fico triste, com saudades...”
De repente, ela abre uma risada barulhenta e gostosa quebrando seu
silêncio, como se ela mesma se afagasse.
E nada mais falou ou fez.
- 09/06/2010
Hoje ela parece mais confortada com a falta do marido e descobre que ele
também tinha defeitos, os quais ela odiava, e que apagaram com sua morte. Ela diz:
“Ele está deixando de ser um morto perfeito. Riu. Quero brilhar agora. Me senti
40
estranha no começo e depois confusa. Mas agora ficou tudo bem.”
Depois de construir sua forma na argila ela assustou com o que viu e
confessou sua dor, sua solidão. O medo do escuro desde a infância e as suas
necessidades atuais. Pede para não registrar.
Ela desenhou em ato sexual misturado a uma forma de pulmão, e
descreve como o pulsar da vida, tanto no movimento de respirar, quanto no
movimento do ato sexual; e diz: “Confesso que levei um susto. Achava que estava
tudo bem comigo”.
- 16/06/2010
Chegou animada como sempre. Mas quando foi colocada a argila na
mesa ela demonstrou cuidado, e ficou mais atenta e séria como quem toma cuidado
com o que faz.
Observou os trabalhos das colegas e só então começou a amassar a
argila sem nada dizer; olhava os trabalhos das colegas e o seu, mas ficou apenas
torcendo sua argila sem nada produzir, e nesse movimento ela construía e
desconstruía sem mesmo olhar para o que fazia. Fazia sempre uma espécie de
bastão e desmanchava. Chamada pelo nome, voltou a si e viu o que estava fazendo.
Olhou, riu e chorou sem nada dizer, foi acalmando e ficou só no choro silencioso e
sem jeito.
Depois de algum tempo disse que sentia falta do marido e que não gosta
de ficar sozinha, mas que tem vergonha e medo das críticas do filho.
Então ela desmanchou o que tinha feito.
41
- 23/06/2010
Sentou-se ansiosa sem saber o que fazer com a argila. Fez bolas, bolas,
até que fez uma cabeça careca, nariz, orelhas e boca e de olhos fechados: “Meu
marido” - disse - “mas parece um „Buda‟ rs...”
Figura 16 Compara o marido ao Buda.
Depois de alguns minutos, chora desesperadamente com saudade dele,
mistura sua dor em risos e diz que vai ao baile procurar um novo namorado.
Busca as respostas que o filho possivelmente vai dizer, ora aprovando, ora
contestando, ela volta a rir de si mesma e diz: “Um dia eu vou surpreender todo
mundo.”
E chora de novo, com a colega também em prantos. Depois começa a rir
espontaneamente como se nada houvesse.
Então, se acalma e se concentra e faz a construção de sua história e, de
novo, constrói a sala com seu marido. Disse que era para se despedir dele.
42
Figura 17 A sua sala e seu marido.
- 28/06/2010
Com seu trabalho queimado a sua frente, olha-so e não há mais aquela
reação de risos e choros. Começa a pintar e confessou estar bem.
Figura 18 Pintando sua sala em silêncio.
43
“Estou tomando decisões agora” – disse.
Ao chegar no processo de quebrar, ela relutou.
“Não posso quebrar meu marido, meu sofá e minha sala, meu tapete,
custei a fazer e ficou tão bonito e... Esta é a minha vida com ele, se eu quebrar o
que acontece depois?”
Ela demorou a tomar a decisão. Olhava para as colegas, cada uma com
uma reação. Então ela foi quebrando, pedacinho em pedacinho como para não doer.
Pede pra não registrar este momento dela. Foi respeitado.
Depois, respirou fundo, quase aliviada, desenhou um sol. Repetiu o que
disse no início deste trabalho: “Quero brilhar.”
Figura 19 Desenhando um sol.
Reconstruiu seu mosaico com a decisão de mudar e a disposição de
colocar em prática o que decidiu fazer.
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Figura 20 Como eu disse: “quero brilhar muito”.
- 30/06/2010
Apareceu sem ser esperada.
“Posso falar um pouquinho? Conversei com meu filho e disse que meu
dinheiro e minha vida ele não leva mais. Que sou a dona dela, que eu decido como
viver.Ele olhou feio pra mim e eu disse que cara feia é falta de trabalho. Que ele
procurasse o que fazer e fui embora.
Estou tão bem sozinha em casa, em minha casa. Mais ainda tenho medo
do escuro, mas estou bem e vou arrumar um namorado sim, vou ao baile de 3ª
idade sim.”
Riu gostoso. Agradeceu e foi-se.
45
5.4. Lua
- 08/06/2010
Lua se dispõe com franqueza e lava a alma cheia de dor e cobranças,
sorri da saudade e tranquiliza-se calmamente.
Descobre sua fragilidade, seus defeitos graves contra si, mas que até
então, fechava-os para fingir estar tudo bem.
Figuras 21 e 22 Lua e seus defeitos.
Chora ao confirmar sua incapacidade com algumas questões que agora
terão de ser resolvidas por ter deixado de serem segredos particulares e intocáveis
que guardava só para si.
“Eu busco chegar a minha meta, eu tenho o foco, mas não vejo o
caminho.”
46
- 15/06/2010
Lua tem 35 anos, é professora de dança, esclarecida, guerreira,
sonhadora, busca estar bem com tudo e todos sem deixar de correr atrás de seus
sonhos, quer fazer teatro.
Figura 23 Lua e suas emoções e sonhos.
Ela coloca todas as suas emoções à mostra e sua culpa frágil diante da
morte de seu pai, pois ela não estava presente quando o pai morreu. Deseja agora
estar com a mãe já doente, mas precisa trabalhar para garantir seu futuro.
Divide-se em várias situações durante seu dia e diz que precisa recarregar
suas energias pois se sente fraca diante da vida que leva no momento.
Ri de algumas passagens de sua infância com os irmãos, das broncas que
recebia dos pais.
Reclama por se ver, às vezes, egoísta, apegada às coisas materiais, e se
culpa por isso, mas também se justifica em alguns casos.
Representa em sua argila a sua escola de teatro na favela, sua escola no
Brás, “Carlos de Campos”, quando descobre que quer ser atriz de verdade.
Encontra uma escola que a fez ser mais crítica. Representa a favela que
47
morava durante uma infância feliz, sua família, onde era protegida, e hoje, distante,
pensa ser protegida.
Figura 24 História e trajeto de Lua.
Ela quebra seu trabalho com muita tensão; segura seu trabalho como se
preparando para uma nova etapa. Novas descobertas, novas decisões.
Deixa cair das mãos, e o impacto espatifa toda a sua construção. Ela fica
olhando seus cacos, e só depois de alguns minutos é que começa a recolhê-los e
constrói seu desenho do futuro e começa sua reconstrução com o mosaico.
48
.
Figura 25 Lua deixa cair seu trabalho.
Figura 26 Lua reconstrói sua históia.
- 29/06/2010
“Estava muito confusa, ainda indecisa, mas preparada e aberta para o que
viesse. Durante a Arteterapia, com a conversa fui me acalmando e as coisas foram
se esclarecendo, fui visualizando um caminho. Contei como foi o fim de semana com
49
minha mãe, nossas conversas, revelações, sobre ela, estou mais família, mais
inclusa, próxima. Ao olhar meu cenário, caminhei pelo meu mundo e estou me
desapegando de velhos padrões, estou passando por mudanças demolições,
reconstruções, planejando o futuro. Pintar o cenário foi prazeroso, abusar das cores,
ainda existe uma certa bagunça, mas é mais tranquilo, não existe o desespero e a
ansiedade de antes, gosto da transformação, revirar, mexer, movimento interno e
externo. Acho até que vou fazer psicologia e aplicar psicodrama. rs...”
Figuras. 27 e 28 Seu mosaico, seus sonhos, suas novas metas( frente e perfil).
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intenção deste trabalho arteterapêutico com mulheres vítimas de
violência doméstica era criar um espaço onde essas mulheres pudessem ver e
vencer sua dor e também seu autojulgamento para iniciar uma nova história, apenas
sendo o que são, com o objetivo claro e convicto de resgatar sua autoestima,
mostrando a realidade de quem são hoje, podendo viver sem a dor de seu passado,
ressignificando-o. Espera-se que conquistem sua liberdade de ir e vir, de realizar e
de ser o que quiserem, percebendo os próprios erros e acertos para se
reencontrarem consigo mesmas.
O poder da arte, usada sob a ótica da Arteterapia, acontece durante um
insight, mágico em que acontece a mudança. Neste exato momento é o poder do
milagre da arte.
A Arteterapia aplicada tanto no contexto do autoconhecimento como no de
resgate da saúde abre novas possibilidades para o trabalho terapêutico à medida
que, segundo Ciornai (2004:37), a “visão existencial se manifestará na atitude do
terapeuta, que vai estimular o movimento de criatividade e expressão artística do
cliente, sugerindo experimentos, técnicas e facilitando elaborações e busca de
significados”.
Assim,
o
cliente/paciente
é
visto
como
ser
ativo
do
processo
arteterapêutico. Quanto mais estiver consciente de seu processo e funcionamento,
maior é a possibilidade de reorganização interna e resignificação. Podemos concluir
que a estimulação da criatividade é recurso essencial para que o indivíduo possa
vislumbrar novas possibilidades na direção da saúde e qualidade de vida.
O Mosaico de Argila mostrou-se um importante recurso no trabalho
arteterapêutico para o trabalho com pessoas que necessitam inaugurar novas
formas de convivência com o mundo ao redor e consigo mesmas. A manipulação da
argila, o processo de construção e desconstrução do mosaico abre possibilidades de
formular novas proposições e objetivos, dando um novo significado ao que já existia
51
de fato e que não desaparece, reordenando concretamente as peças para uma nova
construção, o sujeito viabiliza em seu íntimo, os passos em um novo caminhar pelas
suas várias histórias, pintadas de cores diferentes a cada situação vivida que
formam o mosaico da vida.
No final desta experiência, é importante destacar que os processos aqui
descritos, somados às confidências dos participantes durante o fazer artístico e com
o suporte de algumas linhas da Psicologia, troxeram um novo complemento a cada
experiência vivida pelo arteterapeuta, sendo possível usá-los como ferramenta em
outros possíveis casos semelhantes ou não.
A criação de um espaço em que mulheres que passaram por algum tipo
de violência pudessem ver e vencer a dor, e também o autojulgamento para iniciar
uma nova história apenas sendo o que são, teve o objetivo claro e convicto de
mostrar a elas que vissem a realidade de quem são hoje e conseguissem viver sem
a dor, não sem seu passado.
O esperado é que elas apenas conquistem sua liberdade de ir e vir,
realizar e de ser o que quiserem; perceberem os próprios erros e se encontrarem
consigo mesmas e a partir daí, descobrir que gostam muito do que veem, o que
antes era errado passa a ser uma qualidade.
O poder da arte na Arteterapia se atenta durante o insight, e é mágico
quando acontece a mudança.
Neste exato momento é o poder do milagre da arte.
52
REFERÊNCIAS
ALLESSANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e Psicopedagogia. Psicologia e
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