Ter427.qxd 03.10.2008 23:18 Page 1 www.terramerica.com.br MEIO AMBIENTE E CIDADANIA Edição 427 - 6 de outubro de 2008 Pedalar contra a poluição CIDADÃOS DE TODAS AS PARTES ESTÃO REDESCOBRINDO A BICICLETA, UMA FORMA EFICIENTE, BARATA E LIMPA DE TRANSPORTE URBANO. om a poluição e o preço elevado dos combustíveis, pedalar entrou na moda em muitas cidades do mundo rico. Na América Latina, alguns países também começam a implantar programas de incentivo a este meio de transporte. No Chile, serviços públicos de bicicletas, ciclovias e estacionamentos especiais são algumas iniciativas em desenvolvimento. “O meio de transporte mais eficiente, cômodo e benéfico em cidades poluídas, congestionadas e estressadas é a bicicleta”, resumiu Amarílis Horta, presidente do não-governamental Centro de Bicicultura do Chile. A preocupação das pessoas com a mudança climática e a poluição, a alta dos preços dos combustíveis e a necessidade de atividade física para combater a obesidade explicam o crescente auge deste veiculo no Chile. Também influiu o mau funcionamento do Transantiago, sistema de transporte público da capital, inaugurado em 10 de fevereiro de 2007. A bicicleta, “originalmente, era vista como o pior castigo. Quem não tinha outra alternativa carregava o carma de ter de se movimentar utilizando-a. Também era vista com um brinquedo que se dava às crianças no Natal”, disse Horta. Atualmente, cerca de 20 países têm sistemas de transporte público de bicicletas, entre eles Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Holanda, Itália, Nova Zelândia e Suécia. A administração, cobrança e tecnologia associadas a estes serviços variam. Tende-se a permitir aos usuários de bicicletas que seus traslados diários não passem de uma hora. Elas são recolhidas em um ponto, ou estação, e devolvidas em outro. O sistema Bicing, impulsionado pela prefeitura de Barcelona, tem mais de 150 mil usuários registrados e dispõe de 400 estações com seis mil bicicletas, localizadas perto das estações do metrô e FOTO: DOMÍNIO PÚBLICO C POR DANIELA ESTRADA A cidade de Lyon, na França, foi pioneira na criação de transporte público de bicicletas. pontos de ônibus. Em 2007, a União Européia aprovou uma norma que obriga a adequação das instalações nos trens para permitir aos ciclistas transportarem suas bicicletas. Além disso, a Federação Européia de ciclis- REPORTAGEM Garifunas enfrentam sua própria queda “ A CULTURA GARIFUNA, OBRA-PRIMA DA HUMANIDADE SEGUNDO A UNESCO, PODE DESAPARECER, AFETADA PELA PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS CENTRO-AMERICANAS. POR MICHEAL DEIBERT lingüística única dos garifunas começou a ser vista como merecedora de proteção. Uma figura importante no desenvolvimento da consciência garifuna foi o jornalista hondurenho Thomas Vincent Ramos, muito influenciado pelo líder nacionalista jamaicano negro Marcus Garvey e seu Universal Negro Improvement Association (Associação Universal para a Melhoria do Negro). Ramos se mudou para Belize no começo do século XX e fundou The Carib Development and Sick Aid Society (Sociedade Caribe de Desenvolvimento e Ajuda aos Doentes), e estabeleceu o Dia de Celebração do Assentamento Garifuna em 1941, que comemora a chegada dessa comunidade às costas deste país. Mais tarde chegaram outros perigos aos quais os garifunas tentaram fazer frente. Até 1965, não se podia viajar por estrada até Toledo, o distrito mais ao sul de Belize, e agora os motoristas podem optar entre duas estradas. Aldeias como a hondurenha Miami, situada em uma faixa idílica de mar e areia onde os garifunas estabeleceram suas casas, são invadidas por construtores e interesses comerciais e turísticos que buscam cooptar os garifunas e privá-los de seu tradicional estilo de vida. No momento, a aldeia só tem em comum com FOTO: ORGANIZAÇÃO FRATERNAL NEGRA HONDURENHA Os garifunas eram os melhores navegadores do mundo”, disse Jermonino Barrios, descalço sobre a areia de uma estreita faixa de praia hondurenha entre a Laguna de los Micos e o Mar do Caribe. Barrios, ex-soldado de 67 anos, fala com orgulho de sua etnia, espalhada por Belize, Costa Rica, Guatemala, Honduras e Nicarágua. “Antes, tínhamos 200 ou 300 garifunas vivendo aqui, agora há apenas uns poucos”, explica. “Foram para os Estados Unidos e outros lugares trabalhar”, lamenta, lançando um olhar para as cabanas com teto de palha que se erguem, tranqüilas, sob as palmeiras que vêem o quebrar das ondas. Na tumultuada história da incursão européia no que hoje é a América e o trafico de escravos africanos para estas costas, há poucas peripécias tão comovedoras como a dos garifunas. A gênese deste povo remonta ao ano de 1635, com o afundamento de dois galeões espanhóis carregados de escravos em águas da ilha caribenha de San Vicente. Os africanos que sobreviveram uniram-se a membros da etnia caribe, na época a população dominante em San Vicente. Adotando como língua um idioma ameríndio da grande família arahuaca, a língua dos afrodescendentes acabou gerando a língua que hoje é reconhecida como garifuna. Embora contenha alguns elementos do francês, bastante diferentes do crioulo falado em ex-enclaves franceses como Haiti e Martinica, e de outras línguas como o espanhol, o garifuna é único, e continua sendo principalmente ameríndio. Por mesclar-se com as etnias locais, freqüentemente os próprios garifunas foram chamados de “caribes negros”. Em 1797, em meio às disputas de franceses e britânicos por San Vicente, os garifunas foram desterrados para a Ilha de Roatan, hoje parte de Honduras, o que causou uma grande mortandade. Quase três mil deles e seus descendentes se deslocaram para território continental e dali se espalharam pelas costas centro-americanas do Caribe, da Nicarágua até Belize. O primeiro registro de sua existência em Belize é uma carta datada de 1802, contendo uma queixa a um magistrado britânico local sobre a presença de aproximadamente 150 garifunas em um assentamento localizado ao longo do Rio Belize. “A impressão geral entre os magistrados era a de que estas pessoas eram perigosas”, disse E. Roy Cayetano, membro fundador do Conselho Nacional Garifuna de Belize, em sua casa de Dangriga, um povoado do sul que é centro da cultura desta etnia. Com o passar do tempo, a herança étnica e a enorme cidade turística norte-americana o nome e o Mar do Caribe. Próximo a Miami, um cartaz afirma que a terra é propriedade do Instituto Hondurenho de Turismo e que ali será construído um centro turístico com praias e campo de golfe. Os moradores do lugar dizem que o governo de Manuel Zelaya há pouco vendeu a terra para empresas construtoras. Nos últimos anos, uma das vozes mais comovedoras em defesa do modo de vida garifuna foi a do músico Andy Palacio, de Belize, falecido este ano. Palacio descreveu a aldeia em uma canção de 2007: “Viajei ao rio perto de Miami/Quando olhei estava cercado por soldados/ Eles pediam meus documentos”. “Havia muita erosão cultural e idiomática”, conta Cayetano, falando das forças que afastam os garifunas jovens da tradição do modo de vida e da busca pelo sustento na pesca e na agricultura. “Os mais jovens já não aprendem a língua, e os que a falam estão cada vez mais idosos. Temos que lidar com uma economia salarial e suas dificuldades. Parece promissor, porque vemos que as pessoas que têm dinheiro têm poder”, acrescenta. Alguns passos foram dados para frear esta queda. O Conselho Nacional Garifuna de Belize, por exemplo, foi formado no começo da década de 80 para promover e preservar a cultura garifuna nesse país, e há pouco tempo foi essencial para ajudar a construir a Escola Primária Gulisi. Batizada com o nome de uma heroína que sobreviveu à deportação para Roatan, a escola oferece aulas de língua e cultura garifunas em um programa de estudos mais amplo. Em 2001, a dança, a música e a língua garifunas foram declaradas Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Observar a praia de Miami e refletir sobre o futuro dos garifunas faz pensar em um hino local, Baba (pai), cuja mensagem parece feita sob medida para os tempos difíceis que este povo enfrenta. Anihein baba wama, furíeigiwamá lun Wabúngiute Íderalámugawa lídangien sianti Anihei baba wama, furíeigiwamá lun Wabúngiute Dúsuma lámuga wachara ya ubóuogu... O Pai está conosco. Rezemos ao nosso Deus. Que ele pode nos ajudar além do impossível. O Pai está conosco. Rezemos ao nosso Deus. Que nossos males possam ser menores aqui na Terra... Mulheres da comunidade de Tocamacho comemorando os 210 anos da chegada dos garifunas a Honduras. tas trabalha no projeto EuroVelo, uma rede de 66 mil quilômetros de 12 ciclovias regionais que inclui todo o continente. Na América Latina também há experiências. Em Bogotá, existem 344 quilômetros de ciclovias usadas por 285 mil pessoas, e em Buenos Aires foi aprovada, em dezembro de 2007, a Lei do Sistema de Transporte Público de Bicicleta, em processo de implantação. No Chile, o governo da Região Metropolitana de Santiago iniciou, no ano passado, um plano para construir 690 quilômetros de ciclovias até 2010 –550 urbanas e 140 rurais– no valor de US$ 38 milhões. Paralelamente, será implementada uma rede de 200 estacionamentos. Além disso, este ano a intendência apresentou outros dois projetos de ciclovias para a capital, a serem desenvolvidos entre 2009 e 2012, particularmente em comunidades com ar muito poluído no inverno. O metrô de Santiago instalou, em quatro estações, locais com capacidade para guardar 22 bicicletas. O custo diário é de 300 pesos (meio dólar). Por outro lado, no dia 17 de julho, foi formada, no Ministério dos Transportes, a Mesa de Trabalho Cidadania-Governo, de fomento à bicicleta, com representantes do setor público, privado e da sociedade civil. As pesquisas sobre origem e destino do trânsito urbano realizadas em Santiago indicam que apenas 2% de todas as viagens da capital são feitas em bicicleta, afirmou Cirstián Navas, da Subsecretaria de Transportes. Os estudos concluem que em um “cenário ideal”, com ciclovias atravessando toda a cidade, estacionamento e respeito aos ciclistas, a demanda cresceria pelo menos 8%. Essa é uma das metas fixadas pelo governo, afirmou Navas. Em Santiago, as autoridades estão definindo os lugares estratégicos para instalar os estacionamentos e analisando modelos de negócios associados a eles, ressaltou. Em outras regiões também se avança. Além de realizar uma “campanha de promoção” na cidade de Concepción, na central região de Bío Bío, para potencializar as ciclovias já construídas, a Subsecretaria planeja um “projeto-piloto de infra-estrutura e estímulo ao uso da bicicleta em cidades de tamanho médio”, que possa ser imitado em todo o país, segundo Navas. Foram excluídas as cidades de Copiapó, Quilloota, Rancágua e Valdívia, para as quais já há ciclovias projetadas, e as da central região do Maule, onde 10% das viagens são feitas em bicicletas. Paralelamente, a organização Ciclistas Unidos do Chile, da qual faz parte o Centro de Bicicultura, redigiu junto com deputados da coalizão governante um projeto de lei sobre uso, fomento e integração da bicicleta, apresentado ao parlamento no dia 9 de setembro. Entre 9 e 16 de novembro acontecerá o 3º Festival de Bicicultura do Chile, organizado pelo centro dirigido por Horta. Também em novembro, o município de Providência vai inaugurar o primeiro serviço de bicicletas públicas do país, disponíveis para quem se inscrever para usá-las por uma hora diária dentro dos limites do município. Licitado a uma empresa privada, o serviço custará cerca de US$ 2 mensais ou US$ 14,5 ao ano. Serão cem bicicletas distribuídas em dez estações. A cidade francesa de Lyon abriu o jogo com seu serviço Vélo’v em 2005. Hoje tem mais de três mil unidades disponíveis em 350 estações. A meta é uma estação a 300 metros de qualquer ponto da cidade. * O autor é colaborador da IPS. * O autor é correspondente da IPS. Editor: Adalberto Wodianer Marcondes - realizado pela IPS, sob os auspícios do Pnuma e do Pnud. No Brasil é produzido pela Agência Envolverde – Rua Simpatia, 179 – Vila Madalena – São Paulo – SP – CEP 05436-020 – Tel/Fax: (11) 3034.4887 – [email protected]