Z 6 «T• S 2 — O ESTADO DE S. PAULO 0 governo não conhecia nem sua própria força reconhecida. Assegurar a derrota antecipada de uma facção é um priStevenson confessou uma vez meiro passo para derrotá-la, natusua certeza de que a opinião de um ralmente, embora seja apenas o grupo não passava, frequentemen-primeiro. As alusões â fraqueza e te, de afetação inspirada pelo dog- ao anacronismo de um homem, de matismo. O que para o escritor bri-um agrupamento ou de um sistema, lhante era evidente, para nós, sim- são formas de enfraquecê-los e torples mortais, dá margem a muitas ná-los anacrónicos ante as investiinterpretações, sobretudo na crise das que se seguirão. Isso funcionou moral, psicológica e económica emcontra o governo Sarney, por manique estamos mergulhados, onde to-pulação da parte do PMDB que dedo arrazoado e toda generalidade pois constou no noticiário como são possíveis, e parecem ter desdo- derrotada. O presidente da Repúbramentos infinitos. De repente, de-blica e seus ministros começaram a pois da votação do dia 22 a favor do dar-se conta da própria força nas presidencialismo, a Nação desco- horas que antecederam a votação bre que o governo tem sólida e tran-de 22 de março, mas até o Ultimo quila maioria na Assembleia Na- minuto não tinham certeza. As alecional Constituinte. Que a oposiçãogadas pressões militares como excontestasse toda essa força e o,s plicação, no dia seguinte, da vitó"históricos" do PMDB rissem mui-ria do presidencialismo, tornaramto dela, compreende-se. Estranho ése risíveis porque não somente foque o próprio governo estivesse á ram desmentidas por quem tinha beira do desespero, cético e angus- até interesse em confirmá-las, como tiado, quando foi surpreendido comporque apareceram desde logo à a revelação de sua pujança, que ele maneira de racionalização a postejamais chegou a alardear simples- riori, e desejo evidente de desmoramente porque ignorava por comple- lizar uma certa ala "progressista" to. Que fenómeno permitiu que o que deu seu apoio ao presidenciagoverno permanecesse cego a res- lismo. peito de seu potencial? Que presHá uma forma de controle da sões determinaram aquela votação opinião pública, da opinião polítiem plenário? ca e até da opinião militar; que se faz de modo sutil e persistente, e As caracterizações tardias de que já somou pontos, há muitos ameaças de golpe, como explicação anos, nos campos do nacionalismo do quórum máximo na Assembleia,xenófobo e em diferentes franjas são fascinantes e envolvem como dos quartéis. A Comissão de Sisteum bom romance policial os que matização da Assembleia Nacional acompanham a política, mas não Constituinte é o que se poderia chaconvencem de todo. Nem seria ne-mar de monumento à genialidade cessário o desmentido do presiden- das minorias atuantes, essas meste da Constituinte, Ulysses Guima-mas que criam vocábulos e emprerães, negando qualquer pressão mi-nham antigas palavras de sentidos litar contra o parlamentarismo e o novos, uns pejorativos, outros laumandato encurtado do presidente datórios. Os donos da linguagem Sarney. A Assembleia Constituinte são como os donos da estatística: entra agora num minirrecesso que fazem com que a verdade seja sua vai acabar após a Semana Santa, tributária, em vez do contrário. porque os representantes do povo "Em tempo de guerra, mentira coesgotaram sua criatividade nessas mo terra" — a grande crise nacioúltimas tardes, e o tempo desses nal é uma guerra devastadora, feipróximos dias folgados será mais ta de rótulos, palavras e definições que suficiente ao País para meditar curtas. No campo raso da Assemno grande tema brasileiro dos nos- bleia Constituinte vale quase tudo, sos costumes políticos. A extraordi- desde que a aparência legal seja nária presença de constituintes em salva. O tempo da luta armada já plenário, única na história do Con-passou, assim como o tempo da corgresso, e a colossal derrota do par- rupção direta ficou para trás. Hoje, lamentarismo seriam previsíveis e a guerrilha é contra a verdade obcalculadas com pequena margem jetiva, e a venalidade fala mais do de erro, se a fabricação da mentira, que nunca em nome dos interesses a falsa vox populi, a pressão e a do povo. Apesar disso, o homem copatrulha não tivessem minado a mum sabe que, em sua essência, narealidade e impedido o percebi- da mudou. mento dos fatos. Esse é, talvez, o A afetação inspirada pelo dogdesarranjo mais dramático da vida politica brasileira das últimas dé- matismo, de que falava Stevenson, cadas: o wlshíull thinking das mi- é a sólida opinião com os pés plannorias tenazes, o pensamento mági-tados no ar da maior parte do nosso co dos que repetem uma inverdade universo político. O ufanismo e a (como seu mestre Ooebbels reco- bazófia dos que iam écraser 1'infamendava) até que ela se transformeme eram tão infundados quanto a numa aparente verdade. A opinião vaidade governamental que vem pública, alguns meios de comunica- por aí em função da vitória inespeção, a Presidência da República, a rada. Oposição e governo precisam Nação inteira acreditaram que o de uma boa dose de modéstia, e ougoverno era minoritário na Consti-tro tanto de realismo. Vamos cortar tuinte, que era preciso um esforço um pouco do nosso iberismo, e desimenso e até métodos pouco reco- sa arrogância dos subdesenvolvimendáveis para vencer (no seu tem- dos que nos assola o espírito, volpo, adotados), e que certos meios tando os olhos para a humildade militares não tolerariam o parla- natural de povos que saíram de crises piores para a riqueza. Os consementarismo. lhos de mentira eficaz do dr. OoebEsse mar de mentiras de todo bels são, no fim da história, totaltamanho tinha muito de ocasional,mente ineficazes. Precisamos reler mas trazia em si também muito de os jornais dos dias que antecedeintencional e premeditado. Afinal, ram a votação de 22 deste mês, na o patrulhamento político é uma Assembleia Constituinte. E a partir aquisição relativamente nova dos deles, vamos fazer nossa mea culpa, meios políticos, mas sua eficácia é ou uma autocrítica completa. LUIZ CARLOS LISBOA