Brasília-DF, 2010. Direito Reservado ao PosEAD. Pós-Graduação a Distância Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem 3 Elaboração: Mônica Souza Neves-Pereira Produção: Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração 4 Apresentação........................................................................................................................................ 4 Organização do Caderno de Estudo e Pesquisa ................................................................................. 5 Organização da Disciplina ................................................................................................................... 6 Introdução ............................................................................................................................................ 7 Unidade I – A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem ............................... 9 Capítulo 1 – Articulação da História do Fracasso Escolar com o Surgimento das Dificuldades de Aprendizagem: uma Breve Análise Histórica ............................. 9 Capítulo 2 – Análise dos Fatores que Impedem a Aprendizagem a partir de um Enfoque Psicopedagógico .............................................................................. 16 Unidade II – Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem ........................................................ 23 Capítulo 3 – Taxonomia e Características das Dificuldades de Aprendizagem: Uma Abordagem Psicopedagógica ............................................... 23 Unidade III – O Sucesso Escolar ......................................................................................................... 35 Capítulo 4 – A Intervenção Psicopedagógica como Estratégia de Promoção do Sucesso ............... 35 Referências .......................................................................................................................................... 39 Textos Complementares ..................................................................................................................... 40 Pós-Graduação a Distância Sumário 5 Apresentação Caro aluno, Bem-vindo ao estudo da disciplina Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem. Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos. Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade. A carga horária desta disciplina é de 60 (sessenta) horas, cabendo a você administrar o tempo conforme a sua disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma data-limite para a conclusão do curso, incluindo a apresentação ao seu tutor das atividades avaliativas indicadas. Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades avaliativas do curso; serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de distantes, podemos estar muito próximos. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem A Coordenação do PosEAD 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Apresentação: Mensagem da Coordenação do PosEAD. Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e carga horária das unidades. Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido pelo aluno na disciplina, indicando a importância desta para a sua formação acadêmica. Ícones utilizados no material didático Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina. Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina, para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre aqui a sua visão, sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com a sua contribuição pessoal. Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões. Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir na reflexão. Referências: Bibliografia consultada na elaboração da disciplina. Pós-Graduação a Distância Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. 7 Organização da Disciplina Ementa: Dificuldades de aprendizagem: histórico, etiologia, toxonomia e características. As dificuldades no contexto escolar. Sucesso e fracasso escolar. Objetivos: • Investigar o contexto das dificuldades de aprendizagem com ênfase em sua conceituação e construção histórica. • Identificar as principais dificuldades de aprendizagem e compreender suas estruturas constitutivas. • Compreender o fracasso escolar como fenômeno histórico e social, gerador de atrasos desenvolvimentais, tanto individuais como coletivos. • Analisar o papel da psicopedagogia na construção do sucesso. Unidade I – A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Carga horária: 25 horas Conteúdo Articulação da História do Fracasso Escolar com o Surgimento das Dificuldades de Aprendizagem: Uma Breve Análise Histórica Análise dos Fatores que Impedem a Aprendizagem a partir de um Enfoque Psicopedagógico Capítulo 1 2 Unidade II – Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Carga horária: 25 horas 8 Conteúdo Taxonomia e Características das Dificuldades de Aprendizagem: Uma Abordagem Psicopedagógica Capítulo 3 Unidade III – O Sucesso Escolar Carga horária: 10 horas Conteúdo A Intervenção Psicopedagógica como Estratégia de Promoção do Sucesso Escolar Capítulo 4 Introdução O objetivo desta disciplina é compreender as dificuldades de aprendizagem (DAs) como fenômeno situado em um contexto histórico e cultural. A identificação dos problemas impeditivos à aprendizagem surgiu em decorrência das múltiplas transformações vivenciadas pela humanidade nas últimas décadas e que alteraram significativamente o papel da escola e da aprendizagem no contexto das sociedades modernas. O mundo nunca experimentou tamanha transformação em seus tecidos social, econômico e cultural como vem ocorrendo nas últimas décadas. O avanço indescritível do conhecimento e a proliferação das tecnologias têm modificado profundamente a experiência humana de modo a exigir do sujeito frequentes condutas adaptativas. Essas transformações trazem, a reboque, significativas mudanças nas crenças, valores e práticas sociais que são transmitidas culturalmente pelas agências educacionais, com destaque para a família e a escola. Diante de um cenário sociocultural tão mutável e com características tão complexas surgem enormes dificuldades por parte das famílias e instituições escolares em prover processos educacionais adequados e de qualidade, que acompanhem tantas mudanças. Desse descompasso, dessa fissura, emergem as dificuldades de aprendizagem. Elas surgem como sintomas que deflagram a dificuldade em articular educação e vida e apontam para a necessidade de revisão das práticas educacionais diante de uma nova sociedade, que se transforma cotidianamente. Compreender as dificuldades de aprendizagem como um fenômeno multideterminado é indispensável na atualidade, especialmente para o educador. Investigá-la para além de seus conceitos e/ou taxonomias também consiste em tarefa indispensável para os profissionais que trabalham com ensino e aprendizagem, em especial os psicopedagogos. É necessário compreender as dificuldades de aprendizagem como fenômeno cultural, que atinge uma pessoa de modo particular, mas que se constitui nas relações entre o sujeito da aprendizagem e seu contexto social e cultural. Uma criança deixa de aprender não somente por ser portadora de alguma restrição cognitiva ou fisiológica, mas especialmente porque em sua trajetória de vida algumas rotas desenvolvimentais encontraram obstáculos intransponíveis que se expressaram no impedimento à aquisição do conhecimento. Além das dificuldades de aprendizagem, este Caderno pretende também investigar o fracasso e o sucesso escolares como ocorrências típicas das sociedades industrializadas, ou seja, como fenômenos deste momento histórico e social. Fracasso escolar e dificuldades de aprendizagem são conceitos que se esbarram continuamente e necessitam ser compreendidos em suas particularidades. Uma criança fracassa na escola porque apresenta dificuldades para aprender ou começa a apresentar dificuldades de aprendizagem em decorrência de frequentes experiências de fracasso escolar? A princípio, as duas proposições procedem, ou não. Compreender o fracasso escolar e suas inter-relações com as dificuldades de aprendizagem é tarefa que exige aprofundamento teórico e conceitual em distintas áreas do conhecimento, com destaque para a educação, a psicologia e, em especial, a psicopedagogia. Pretende-se, também, neste Caderno, apresentar uma discussão mais elaborada sobre esse tema. Dessa forma, a abordagem psicopedagógica às dificuldades de aprendizagem busca o desafio de analisar essa temática em íntima relação com o fracasso escolar, a partir de uma perspectiva ampla e complexa, porém sem desconsiderar a relevância de uma leitura pontual acerca dessas dificuldades. Da mesma forma que é indispensável compreender o fenômeno do não aprender em uma perspectiva sistêmica e abrangente é necessário apropriar-se das especificidades contidas em cada situação de dificuldade de aprendizagem apresentada por diferentes crianças, em distintos contextos Pós-Graduação a Distância Aprender é ato revestido de concepções e ideologias típicas de cada cultura. Uma criança que deixa de aprender não o faz por incompetência individual, mas provavelmente porque, em algum momento, deixou de atender às exigências postas por essa cultura com relação aos conteúdos que devem ser aprendidos e de que forma isso deve ocorrer. Apresentar dificuldades para aprender pode ser uma reação saudável do sujeito, especialmente quando essa carga vem carregada de valores e atitudes sem sentido ou significado para ele. A escola é uma instituição feita “para todos” e esquece que seres humanos são únicos, em suas características personológicas assim como em seus anseios e desejos. Se os conteúdos que a escola empurra “goela abaixo” a uma criança não interessam ou não fazem sentido para a sua existência é muito provável que surja a recusa em aprender. Parece uma atitude correta, que vai privar o indivíduo de profundos dissabores. É sob essa perspectiva que investigaremos as dificuldades de aprendizagem: a partir de uma leitura complexa que não se reduz aos conceitos, tipos de DA´s e estratégias de intervenções pontuais. 9 Introdução Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem sociais. Nossa proposta é olhar o todo sem perder as especificidades das partes. Essa abordagem prioriza uma perspectiva dialética do fenômeno das dificuldades de aprendizagem, aqui compreendido como situação construída nas relações sociais macrossistêmicas e interações microssistêmicas que dão origem e destino aos processos de ensino e aprendizagem. 10 Unidade I A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Capítulo 1 – Articulação da História do Fracasso Escolar com o Surgimento das Dificuldades de Aprendizagem: uma Breve Análise Histórica João da Silva tem 12 anos e ainda está na 3ª série do Ensino Fundamental. Por mais que a professora se esforce, João não consegue aprender. Seus pais dizem que ele é imaturo e não tem jeito “para a escola”. Sua professora também não acredita mais que João possa melhorar. Ela está certa de que ele tem alguma coisa de errado que não permite que ele aprenda. “João não tem jeito”, costuma dizer sua professora. “Ele já é atrasado demais, impossível recuperar!”. Você acha que João é um caso perdido? O fracasso escolar é, sem dúvida, um dos mais graves problemas sociais e econômicos com o qual nos deparamos. Ele se espalha por todos os níveis educacionais, penalizando desde crianças da Educação Infantil até adultos que sofrem em programas de alfabetização, em busca de um mínimo de condições para o exercício de sua cidadania. Apesar de incidir em quase todas as etapas de escolarização, é nas primeiras séries do Ensino Fundamental que o fracasso escolar faz o grande “estrago”. Há décadas lidamos com dados que indicam a manutenção dos altos índices de retenção, evasão e exclusão escolar. Ao longo das últimas décadas, as crianças brasileiras não conseguiram se libertar desse vaticínio que as impele para uma vida escolar repleta de situações de frustração e insucesso. Afinal, por que essas crianças fracassam tanto e por tanto tempo? No Brasil, o número de sujeitos que não consegue aprender aumenta a cada ano. Diante de um quadro caracterizado por crescente retenção em séries escolares, exclusão do aluno do sistema educacional ou encaminhamento para serviços psicológicos, psicopedagógicos ou médicos, a escola sente-se perdida e repete, continuamente, o comportamento de responsabilizar o sujeito e sua família pelo fracasso na aprendizagem. Surgem os rótulos, que atribuem ao aluno deficiências de toda ordem e que em nada colaboram para a solução do problema. Em geral, esses rótulos legitimam uma suposta “incompetência individual ou orgânica para a aprendizagem”, excluindo o aluno não só da vida escolar como do mundo social e do trabalho. Pós-Graduação a Distância João da Silva engrossa as estatísticas do fracasso escolar no Brasil. Como ele, milhares de brasileiros são rotulados, diariamente, como incapazes de aprender por questões que rondam a esfera das competências individuais dos sujeitos. Quando contestada sobre outras possíveis causas para que um aluno não aprenda, a escola amplia a causa do fracasso escolar à família e à situação econômica do país. Raramente a instituição escolar se inclui no rol dos elementos causais da aprendizagem fracassada de milhares de crianças. 11 A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Se a culpa pelo fracasso escolar é do aluno, as outras instâncias pertencentes ao sistema escolar não assumem responsabilidade diante desse cenário. Sociedade, políticas públicas e sociais, ideologias educacionais, escola, educadores e professores não são diretamente responsáveis por essa tragédia e, portanto, muito pouco têm a fazer. O fracasso escolar tem origem complexa e multideterminada. Analisar suas causas partindo apenas de aspectos diretamente relacionados ao sujeito que fracassa consiste em visão reduzida do processo. Para compreender como se constitui um quadro de fracasso escolar é necessária uma análise minuciosa de suas origens sem desconsiderar a participação ativa de distintas instâncias na estruturação desse processo. Por ser um fenômeno de alta complexidade, sua construção vai espelhar essa natureza intrincada e vai exigir uma avaliação de todos os aspectos que contribuem para o surgimento dessa situação, tanto no contexto escolar como também no do trabalho. Hoje encontramos, com frequência, adultos que apresentam situações de fracasso no exercício laboral em decorrência de contextos educacionais pregressos que não foram adequados o suficiente para promover nesses sujeitos as competências exigidas pelo mercado de trabalho da atualidade, caracterizado por sua competitividade e alto grau de exigência. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Ao pensarmos sobre o papel social da educação e, concomitantemente, buscarmos respostas para os altos índices de fracasso escolar nas escolas públicas brasileiras fica difícil não considerar a existência de uma dimensão perversa no sistema escolar que parece excluir essas crianças quase que “de propósito”, como garantia de um projeto ideológico que se beneficia dessa exclusão. Sociólogos franceses, investigaram exaustivamente as dimensões simbólicas presentes nas propostas educacionais e que traduzem a ideologia dominante de um dado sistema de poder. Não há dúvida de que a escola, em certa instância, atende ao poder dominante e reproduz, por meio de suas práticas, um contexto sociocultural que garanta a manutenção das condições ideológicas desejáveis. Porém, também somos sabedores de que o espaço escolar, apesar de sua função reprodutivista, é, ainda, um dos poucos contextos que favorecem o surgimento de uma reação popular ao sistema ideológico dominante. Renomados educadores brasileiros, como Saviani e Libâneo, vêm discutindo a possibilidade concreta de construção de uma pedagogia crítica, capaz de restituir ao sujeito sua condição de cidadão, uma pedagogia a serviço do povo brasileiro e não das elites política e ideológica. 12 O fracasso escolar deve ser compreendido a partir dessa instância macrossistêmica, que delata um projeto ideológico que exclui a população pobre não apenas da escola, mas, principalmente, da possibilidade de construção do seu conhecimento, assim como do acesso ao mercado de trabalho em iguais condições de competição com os raros cidadãos formados nas elites. Não é por acaso que uma criança fracassa na escola. O fracasso escolar tem uma missão, infelizmente mais perversa do que imaginamos. Ele legitima a exclusão escolar e social, de modo sutil e quase imperceptível, ao culpabilizar o aluno pelo seu insucesso. Uma vez que ainda se discute a não aprendizagem como oriunda de aspectos orgânicos, fisiológicos e individuais não há porque duvidar das intenções democráticas do sistema educacional que provê a todos os sujeitos as mesmas condições de ensino. Se o aluno não aprende, não é o sistema que tem “culpa”, nem o aluno, necessariamente. Esse aluno não aprende porque, “infelizmente”, pertence a um contexto social e econômico desprivilegiado que termina por minar suas possibilidades desenvolvimentais e suas condições de vida. Diante desse cenário tão precário é quase impossível para o aluno passar pela escola sem apresentar uma quantidade enorme de dificuldades de aprendizagem que vão legitimar o seu fracasso, ou seja, a sua participação ativa no seu insucesso escolar. Para revigorar a perversidade do sistema, surge o discurso de que a solução para esse problema ultrapassa os muros da escola e deve ser objeto de discussão de instâncias superiores. O sistema educacional deixa claro que a solução para esse intrincado problema diz respeito a essas instâncias superiores, como se elas não pertencessem, também, ao sistema político dominante. A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Ao que parece, a solução para esse problema também ultrapassa o desejo político das elites governantes. Se assim não fosse, a realidade seria outra. O sistema escolar ainda se solidariza com o aluno que fracassa ao inventar múltiplas formas de auxiliá-lo em sua “recuperação”. Neste ínterim surgem ações como a implantação da progressão automática nas distintas etapas do Ensino Básico, programas de aceleração da aprendizagem, entre outros artifícios que apenas prorrogam o veredicto final, que sempre é a exclusão. Enquanto o poder político se digladia em busca de soluções para a sofrível situação da educação brasileira, nas salas de aula a construção do fracasso escolar toma corpo a cada dia, expresso pelos obstáculos criados pela própria escola e que impedem o aluno de aprender. A burocratização do trabalho pedagógico, a obediência cega a uma carga curricular excessiva e pouco formadora, a prioridade dada aos conteúdos quantitativos em detrimento da experiência qualitativa do aluno, a má formação dos professores, as precárias condições físicas e materiais da escola, entre tantas outras mazelas constituem barreiras presentes que os alunos das camadas pobres enfrentam e que, muito dificilmente, conseguirão sobrepujar. Diante de constatações tão sérias, a necessidade de investigar com maior profundidade esse fenômeno dissimulado que é o fracasso escolar torna-se imperativa. Neste ponto partimos para a escola, com o propósito de compreender o que ocorre em seus espaços, na tentativa de lançar luz sobre essa questão obscura. Ao chegarmos à escola nos deparamos com o inevitável: a total apropriação do discurso dominante por parte dos educadores, de modo pouco explícito, demonstrando em sua dimensão microssistêmica a existência das mesmas propostas evidenciadas na instância macrossistêmica já discutida neste Caderno. Escutamos de educadores e professores que as causas do fracasso escolar têm origem no aluno e em suas precárias condições de vida. Mais uma vez as outras dimensões são salvas “do julgamento” e permanecem omissas em relação ao quadro do insucesso na escola. O ciclo se fecha e a escola legitima a ideologia dominante ao assumir que o aluno e seu precário contexto socioeconômico são os elementos responsáveis pelo seu fracasso porque dão origem às suas deficiências de aprendizagem. Na maioria das vezes o aluno não é responsável pelo seu fracasso na escola. Em algumas circunstâncias, ele tem pouco sucesso na escola por vivenciar situações que trazem, em seu bojo, algum tipo de impedimento ou dificuldade para aprender. Nesses casos, evidenciamos a possibilidade de identificação das dificuldades de aprendizagem. Antes de conceituar dificuldade de aprendizagem é de extrema relevância estabelecer alguns parâmetros que permitam a articulação desse conceito com o de fracasso escolar. Esse cuidado é necessário, pois esses fenômenos não mantêm, necessariamente, uma relação causal ou mesmo uma correlação. Eles refletem faces distintas de um grave problema, que é a não aprendizagem, mas nem sempre estão juntos em sua construção. Pós-Graduação a Distância O fracasso escolar é fenômeno complexo, multideterminado e condicionado por ideologias, políticas educacionais, sistemas sociais e econômicos. É um fato concreto que preocupa pais, educadores e toda uma nação. Seus efeitos são nocivos e geram exclusão escolar, social, econômica e cultural. Suas causas são, geralmente, imputadas às características do sujeito que fracassa, seu contexto familiar, social e econômico. Ao situar a origem do problema no sujeito exime-se a escola e todo o sistema restante da partilha da responsabilidade pelo insucesso escolar. 13 A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Vamos aos parâmetros: 1) O fracasso escolar costuma ser compreendido como um fenômeno social que afeta, especialmente, a população de baixo poder aquisitivo e que frequenta o sistema público de ensino. 2) O fracasso escolar também acomete a população privilegiada socialmente e financeiramente, mas, em geral, nessas condições, não é compreendido como fenômeno social e de impacto no desenvolvimento da nação. Esse tipo de fracasso escolar não gera estatísticas educacionais. 3) O fracasso escolar tem origem na relação do sujeito de aprendizagem com seu contexto social e cultural. O que observamos é que, em geral, esse contexto não é construído para promover o sucesso escolar do aluno e ele não tem outra opção senão falhar. Esse é o fracasso legitimado e cantado em verso e prosa na literatura da área. 4) O fracasso na escola pode gerar dificuldades de aprendizagem, que caracterizam impedimentos à construção do conhecimento e que são compreendidas como fenômenos oriundos “no sujeito”, a partir de suas interações sociais e características orgânicas e individuais. 5) O conceito de dificuldades de aprendizagem tem evoluído e se distanciado de uma perspectiva médica assim como do enfoque “da causa no indivíduo”, inserindo o sistema ecológico do sujeito como elemento significativo em sua construção. 6) A criança que fracassa na escola não necessariamente tem dificuldades de aprendizagem. 7) Uma criança pode apresentar dificuldades de aprendizagem e não fracassar na escola. Tudo depende do grau de ajuda que ela recebe. 8) Os conceitos de dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar se aproximam o tempo todo, mas não mantêm uma relação de causalidade ou reciprocidade. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem 9) Para compreender o fenômeno da não aprendizagem é indispensável conhecer as origens e trajetórias do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem, em suas múltiplas interações e distanciamentos. 14 Conceituar dificuldade de aprendizagem é tarefa complexa que assume tons distintos conforme o contexto cultural onde ocorre essa análise. Nos EUA, surgem as primeiras considerações teóricas sobre o fenômeno das dificuldades de aprendizagem. No início do século XX, os americanos debruçaram-se sobre esse conceito de modo a investigá-lo com os aportes do método científico, alçando-o à categoria de objeto de estudo tanto da psicologia como da medicina. A leitura americana acerca das dificuldades de aprendizagem é pioneira e reflete a visão prática dessa cultura ao buscar formas de solucionar o não aprender por meio de estratégias prioritariamente médicas e psicológicas. Na Europa, o enfoque se diferencia e surge uma leitura das dificuldades de aprendizagem matizada por uma ótica psicopedagógica. A perspectiva psicopedagógica considera que há múltiplos fatores intervenientes na construção desse fenômeno e destaca a necessidade de uma abordagem de intervenção que não exclua as contribuições da medicina e da psicologia, mas que coloque a escola como espaço privilegiado no processo de busca de soluções para situações de não aprendizagem. No Brasil ainda não elaboramos uma visão própria sobre as dificuldades de aprendizagem que auxilie no enfrentamento dos graves problemas educacionais e de fracasso escolar existentes. Essa “não elaboração” de uma leitura brasileira acerca dos principais problemas de aprendizagem que assolam a nossa população em fase de escolarização relacionase com a precária produção científica do país e com o pouco investimento do setor público nessa área. No Brasil, pesquisa-se muito pouco ou quase nada. Na ausência de estudos que reflitam a nossa realidade o que resta é exportar modelos teóricos na tentativa de compreender o fracasso escolar e intervir, de algum modo, no sentido de minimizar o problema. A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I O corpo de conhecimento elaborado acerca das dificuldades de aprendizagem, suas origens, características e modos de intervenção ainda vêm de fora, de outras culturas, de outros contextos sociais e escolares. Entretanto, esse saber muito tem a colaborar no sentido de construirmos um quadro de compreensão desse fenômeno e adequar esses achados, na medida do possível, à nossa realidade. A Psicopedagogia, como área de investigação da aprendizagem e seus impedimentos, busca colaborar para que as situações de não aprendizagem e o surgimento dos impedimentos à aquisição do conhecimento sejam compreendidos em sua complexidade, permitindo ações preventivas ou mesmo curativas, em consonância com o nosso contexto sociocultural. O conceito de dificuldades de aprendizagem ainda apresenta ambiguidade e falta de consenso. Entre os conceitos existentes, destacamos: Dificuldades de aprendizagem (DA) é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas na autorregulação do comportamento, na percepção social e na interação social podem existir com as DAs. Apesar das DAs ocorrerem com outras deficiências (por exemplo, deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbios socioemocionais) ou com influências extrínsecas (por exemplo, diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada instrução etc...), elas não são o resultado dessas condições (National Joint Committee of Learning Disabilities, em Fonseca, 1995, p.71). Dificuldades de aprendizagem (learning disabilities) é uma desordem em um ou mais dos processos psicológicos envolvidos na compreensão ou uso da linguagem, falada ou escrita, que pode manifestarse como uma habilidade imperfeita para ouvir, pensar, falar, ler e escrever ou realizar cálculos matemáticos (Learning Disabilities: A Guide for Parents and Teacher, em Zorzi, 1994, pp.15-16). Distúrbios (de aprendizagem) são perturbações de origem biológica, neurológica, intelectual, psicológica, socioeconômica ou educacional, encontradas em escolares, que podem tornar-se problemas para a aprendizagem dessas crianças (Tarnopol, em Drouet, 1995, p.91). (Reservamos o termo “dificuldades de aprendizagem) apenas para aqueles casos de crianças com dificuldades de aprendizagem de causas desconhecidas, uma vez que essas crianças não apresentam defeitos físicos, sensoriais, emocionais ou intelectuais de espécie alguma” (Kirk & Bateman, em Drouet, 1995, p.92). Atualmente, um enfoque multidimensional e histórico está substituindo o posicionamento unívoco (sobre a origem dos distúrbios de aprendizagem). Este tipo de pensamento dialético, oposto ao pensamento causal, faz com que já não se procure a explicação dos distúrbios de aprendizagem neste ou naquele déficit particular, mas em uma constelação de fenômenos sociais, psicológicos, neurológicos, pedagógicos e familiares, que só adquirem o seu pleno sentido quando referidos à história de cada criança ou adolescente, considerando-se as múltiplas interações e os conflitos que marcam essa história (Fichtner, 1990, p.56). Dificuldade de aprendizagem (...) é um atraso, desordem ou imaturidade em um ou mais processos: da linguagem falada, da leitura, da ortografia, da caligrafia ou da aritmética; resultantes de uma possível disfunção cerebral e/ou distúrbios de comportamento, e não dependentes de uma deficiência mental, de uma privação sensorial (visual ou auditiva), de uma privação cultural ou de um conjunto de fatores pedagógicos (Kirk, 1973, p.194, em Fonseca, 1995a). Pós-Graduação a Distância Um problema de aprendizagem é considerado como um sintoma que expressa algo e possui uma mensagem. Assim o não aprender tem uma função tão integradora quanto o aprender (Parente & Ranña, 1990, p.51). 15 A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I As crianças que têm dificuldades de aprendizagem são as que manifestam discrepâncias educacionalmente significativas. Discrepância entre o seu potencial intelectual estimado e o atual nível de realização escolar, relacionada essencialmente com desordens básicas do processo de aprendizagem, que pode ser ou não acompanhada por disfunções do sistema nervoso central. As discrepâncias de qualquer maneira não são causadas por um distúrbio geral de desenvolvimento ou provocadas por privação sensorial. (Bateman, 1965, p.194, em Fonseca, 1995). A criança com dificuldade de aprendizagem é uma criança com problemas em seu desenvolvimento que revelam uma disparidade no processo psicológico relacionado com a educação, disparidade tal (muitas vezes de 2, 4 ou mais anos escolares) que requer programas adequados de evolução acadêmica, de forma a adaptá-los à natureza e ao nível do desvio do seu processo de desenvolvimento (Gallagher, 1966, p.195, em Fonseca, 1995). A dificuldade de aprendizagem é uma desarmonia do desenvolvimento normalmente caracterizada por uma imaturidade psicomotora, que inclui perturbações nos processos receptivos, integrativos e expressivos da atividade simbólica. Traduz uma irregularidade biopsicossocial do desenvolvimento global da criança, que normalmente envolve, na maioria dos casos: problemas de lateralização e de praxia motora, deficiente estruturação perceptivo-motora, dificuldades de orientação espacial e sucessão temporal e outros tantos fatores inerentes a uma desorganização da constelação psicomotora, que impede a ligação entre os elementos constituintes da linguagem e as formas concretas de expressão que os simbolizam (Fonseca, 1974, pp.195-196, em Fonseca, 1995). Ao analisarmos tantos conceitos sobre as DAs identificamos pontos de convergência e de divergência entre eles, além de uma significativa confusão em relação ao que é, especificamente, uma dificuldade de aprendizagem. Vamos pensar com um pouco mais de profundidade sobre essa questão. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Reflita sobre as frases abaixo: 16 Uma criança que apresenta dificuldades de aprendizagem é uma criança com necessidades educativas especiais? Uma criança que apresenta dificuldades de aprendizagem apresenta déficits socioambientais? Uma criança que apresenta dificuldades de aprendizagem fracassa na escola? A criança vivencia situações nas quais apresenta dificuldades para aprender ou essas dificuldades fazem parte do seu repertório intrapsicológico? Uma criança tem ou está com dificuldades de aprendizagem? Quais são as suas respostas para as questões elaboradas? O que de fato significa “apresentar dificuldades de aprendizagem”? Apesar de tantas definições ainda é difícil apontar para um conceito único de dificuldades de aprendizagem. O fenômeno é muito mais complexo e necessita ser abordado por essa via. Por isso, optamos por discutir as dificuldades de aprendizagem em íntima relação com o fracasso escolar, embora um fenômeno não ocasione o outro. Eles estão inter-relacionados, mas não necessariamente por uma cadeia causal. A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Pós-Graduação a Distância É indispensável que o professor compreenda que uma criança, a despeito de suas condições individuais, familiares, sociais e econômicas, pode apresentar dificuldades de aprendizagem e fracassar na escola e, mesmo assim, ser uma criança absolutamente normal. O professor deve entender também que crianças que não têm dificuldades de aprendizagem podem fracassar na escola, por diferentes motivos. Ao se apropriar dos conhecimentos psicopedagógicos e educacionais o professor tem maiores chances de construir saberes que permitam o enfrentamento de situações de não aprendizagem, sejam elas derivadas da presença de dificuldades de aprendizagem ou outros fatores também geradores do fracasso escolar. 17 A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Capítulo 2 – Análise dos Fatores que Impedem a Aprendizagem a partir de um Enfoque Psicopedagógico Neste capítulo vamos explorar os diferentes fatores que podem impedir a aprendizagem. Ao longo dessa discussão esbarraremos, novamente, nos conceitos de fracasso escolar e de dificuldades de aprendizagem, pois os fatores impeditivos da aprendizagem são múltiplos e se relacionam intimamente tanto com o insucesso escolar como com as dificuldades para aprender. Por que algumas crianças, absolutamente normais, não aprendem? Essa é uma pergunta intrigante. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Dizer que uma criança não aprende porque possui um distúrbio orgânico, fisiológico, cerebral ou semelhante é menos complicado do que atribuir o seu fracasso escolar a outros fatores difíceis de serem mensurados ou mesmo diagnosticados mediante exames. Por essa razão, há uma enorme tendência em medicalizar o fracasso escolar e tratá-lo como um distúrbio passível de cura por uma terapêutica adequada ou medicação suficiente. Porém, mesmo quando cedemos a essa tendência, somos cientes de que há outros aspectos presentes na construção das dificuldades de aprendizagem que extrapolam as nomenclaturas médicas e psicológicas. 18 Há também situações nas quais a criança ingressa na escola em condições perfeitas para aprender e sai dela apresentando limitações sérias à aquisição do conhecimento. Como explicamos tal fenômeno? Antes da escola a criança aprendia perfeitamente. Depois da escola essa competência torna-se comprometida? A escola pode impedir a aprendizagem? Quando evidenciamos quadros dessa natureza é impossível relacionar as causas da não aprendizagem somente a fatores individuais, orgânicos ou fisiológicos. O sistema escolar é competente para gerar dificuldade de aprendizagem, por incrível que pareça. Muitas vezes é isto o que a escola faz: “impede o sujeito de aprender”. O foco de investigação das causas da não aprendizagem também pode mudar de rumo e apontar para a família, as condições sociais e econômicas do aluno, as crenças e concepções do seu contexto social, os valores culturais, entre tantos outros fatores. Compreender o fracasso escolar e o surgimento das dificuldades de aprendizagem em um sujeito exige investigação minuciosa, detalhada, aprofundada. Diz respeito a um processo de pesquisa da história desse sujeito, considerando suas inserções familiares, sociais e culturais. Os impedimentos à aprendizagem são múltiplos, derivam de distintas fontes e demandam muita atenção e discernimento em sua identificação. Uma investigação psicopedagógica dos fatores que impedem a aprendizagem vai lançar luz sobre as distintas instâncias que operam na construção das dificuldades de aprendizagem e que também são geradoras do fracasso escolar. A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Essa leitura abrangente se recusa a compreender a não aprendizagem como oriunda de uma única fonte e considera que só é possível identificar o que impede a aquisição do conhecimento ao considerarmos os pontos de partida dessa situação, que são muitos. O ser humano pertence a uma espécie e partilha com ela características desenvolvimentais comuns. Isso é fato biológico, genético, fisiológico. Entretanto, sabemos que o homem não se torna “humano” por legado biológico ou genético. Uma criança só se torna “humana” quando faz parte de uma cultura e conta com mediadores aptos a transmitir a ela os significados dessa cultura. É por meio da mediação que a criança se torna “uma pessoa”, desenvolve suas funções psicológicas, cresce, matura, aprende, passa a pertencer à humanidade. A construção do ser humano se dá no palco cultural, no qual a família, a escola e diversas instituições atuam como poderosos mediadores nesse processo. Considerando que hoje prevalece no planeta o modelo das sociedades industrializadas e que nesse modelo as crianças passam um longo tempo na escola para “adquirirem conhecimentos”, imaginem o impacto da instituição escolar na construção da personalidade do homem. Ele é imenso, incomensurável, definitivo, tanto para o sucesso dessa criança como para o seu fracasso. O processo de socialização do homem assim como sua experiência em instituições de ensino constituem vivências repletas de desafios, situações-problema, escolhas e opções. Nem sempre esse sistema se apresenta para o sujeito em concordância com seus desejos e aspirações. Muitas vezes, socializar-se e educar-se são experiências difíceis, que demandam auxílio constante dos pares sociais mais experientes e nem sempre a escola ou a família estão prontas para ofertar esse auxílio. Em situações desse gênero é muito provável o surgimento de dificuldades que podem se expressar tanto no processo de desenvolvimento do sujeito como em sua aprendizagem. No Quadro 1 identificamos as dimensões por meio das quais um ser humano se constitui como sujeito e que podem originar distintos fatores impeditivos à aprendizagem, a saber: (a) biológicas/genéticas; (b) físicas/orgânicas; (c) psicológicas; (d) escolares/institucionais; (e) socioeconômicas; (f) ideológicas; (g) ecológicas, (h) culturais/históricas. Uma breve investigação de cada uma dessas dimensões é necessária para clarear o processo de construção desses fatores impeditivos da aprendizagem e suas interações com todo o sistema que cerca o sujeito. 1) Dimensões biológica e genética: dizem respeito à herança genética que cada ser humano recebe no momento da concepção e que dá origem a um ser biológico, pertencente a uma espécie com a qual ele partilha inúmeras regularidades, tanto desenvolvimentais como de aprendizagem. O homem é único, porém atende a regularidades desenvolvimentais típicas de sua espécie. Seu processo de desenvolvimento tem aspectos definidos pelo seu código genético e sua biologia, entretanto essas dimensões também são afetadas por contextos ambientais, sociais e culturais, promovendo mudanças e transformações. Pós-Graduação a Distância QUADRO 1 – DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO HOMEM 19 A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Diversos estudos mostram que transtornos biológicos ou mesmo genéticos podem gerar dificuldades de aprendizagem, com destaque especial para os déficits neurológicos. Situações dessa natureza ocasionam comprometimentos no processo desenvolvimental do sujeito, especialmente em sua cognição, promovendo alterações biológicas, comportamentais e emocionais que podem impedir a aprendizagem. Entre os transtornos relacionados às alterações biológicas identificamos: (a) lesões cerebrais; (b) paralisia cerebral; (c) epilepsia: (d) deficiência mental; (e) deficiência sensorial e (f) deficiência visual, auditiva ou de fala. Os fatores genéticos podem originar os seguintes quadros: (a) fibrose cística; (b) síndrome de Down; (c) hemofilia; (d) neurofibromatose; (e) fenilcetonúria; (f) anemia falciforme; (g) síndrome de Turner, entre tantos outros. É importante que o psicopedagogo saiba que necessita de auxílio especializado para elaborar um diagnóstico no qual os fatores impeditivos à aprendizagem são, primariamente, de origem biológica ou genética. O trabalho interdisciplinar é indispensável no momento da elaboração de um diagnóstico, seja ele no âmbito clínico ou no institucional. 2) Dimensões física e orgânica: relacionam-se ao desenvolvimento físico e orgânico do sujeito, incluindo os processos de crescimento e maturação. Ao nascer, um bebê já traz registros genéticos que vão orientar seu processo de desenvolvimento. Entretanto, o ambiente que o cerca vai dar cartas em pé de igualdade com suas determinações genéticas e biológicas, tecendo uma trama complexa que engendrará a construção de suas rotas desenvolvimentais. O bebê vai crescer, vai vivenciar processos de maturação e desenvolver-se a partir da interação dos seus fatores genéticos e ambientais. Portanto, suas dimensões físicas e orgânicas podem ter suas trajetórias de desenvolvimento alteradas por fatores de outra ordem, originando situações potencialmente capazes de impedir os seus processos de aprendizagem. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Entre os possíveis fatores físicos e orgânicos com potencial para impedir ou prejudicar os processos de aprendizagem, destacamos: (a) desnutrição; (b) exposição a agentes teratogênicos, como drogas, infecções; (c) incompatibilidade de Rh; (d) exposição à irradiação e/ou poluição; (d) déficits psicomotores; (e) déficit no crescimento e (f) baixo peso. 20 3) Dimensão psicológica: corresponde aos fatores psicológicos e seu desenvolvimento durante a vida do sujeito. Fatores psicológicos incluem os seguintes processos: emoções, afeto, cognição, inteligência, memória, percepção, linguagem, pensamento, criatividade, imaginação etc. As funções psicológicas determinam o surgimento do sujeito humano. A nossa espécie se diferencia do reino animal por possuir funções psicológicas superiores e mediadas, que permitem a construção da consciência e, consequentemente, a noção de “eu”. Somente os homens têm identidade, personalidade ou subjetividade. Esta vida psíquica rica, complexa e subjetiva é construída ao longo do nosso desenvolvimento e depende de todas as dimensões que cercam o ser humano. Necessitamos de condições físicas, biológicas, genéticas, ambientais, sociais e históricas favoráveis para desenvolvermos uma personalidade saudável. Quando essas condições são abaladas por qualquer circunstância, o desenvolvimento psicológico do sujeito pode apresentar comprometimentos, entre os quais destacamos aqueles que vão impedir, especificamente, a aprendizagem. Os fatores psicológicos impeditivos da aprendizagem são numerosos e atuam de modo conjunto. Uma criança com baixa autoestima, por exemplo, pode apresentar dificuldades de aprendizagem que, por sua vez, vão gerar déficits na aquisição da linguagem, que, também, por sua vez, se transformam em um outro fator psicológico originário do problema de aprendizagem. Esse ciclo demonstra a relação sistêmica existente entre sintoma e situação, mostrando que muitas vezes a dificuldade de aprendizagem tem poder de gerar um novo sintoma de não aprendizagem. Há necessidade de análise minuciosa dos fatores psicológicos na composição dos quadros de não aprendizagem. O psicopedagogo deve se apropriar de saberes da psicologia, da psicanálise e de outras linhas teóricas no sentido de ampliar seus conhecimentos sobre a dinâmica e estrutura do funcionamento psicológico. Só assim será possível elaborar diagnósticos ou avaliações precisas. Também é importante destacar, novamente, a necessidade do trabalho interdisciplinar. Em alguns momentos, a melhor opção é contar com a participação de um psicólogo clínico experiente no momento de fechar um processo de avaliação psicopedagógica. Entre os fatores psicológicos intervenientes na aprendizagem destacamos: (a) baixa autoestima e autoconceito; (b) distúrbios afetivos e emocionais; (c) distúrbios comportamentais; (d) neuroses e psicoses; (e) transtornos psicomotores etc. A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I 4) Dimensões Escolar e Institucional: representam a influência e capacidade de intervenção da escola e das instituições que a cercam no processo de aprendizagem do aluno. A instituição escolar é apenas uma das instâncias sociais que participam ativamente no desenvolvimento e na aprendizagem dos seres humanos. A família, a comunidade, a igreja e tantos outros espaços de socialização também assumem papel relevante na constituição da personalidade de um indivíduo. Essas instituições, em conjunto, estabelecem padrões, crenças, valores e expectativas com relação ao sujeito e sua trajetória de vida. Em geral, esse sujeito tentará atender a esses padrões e nessa trajetória pode vivenciar situações conflitantes que refletem em sua personalidade, em seu desenvolvimento e em seu aprendizado. Nas sociedades industrializadas, a escola é a instituição onde as crianças passam a maior parte do seu tempo. Ela também é o local, por excelência, de transmissão do legado cultural da humanidade. Na escola, a criança constrói seu conhecimento sobre o mundo e sobre si mesma. Ela também aprende a ser uma pessoa, por meio das diversas interações com os pares, no espaço escolar. A sala de aula é muito mais do que um espaço de aprendizagem; ela é um espaço privilegiado de desenvolvimento humano, onde crianças “tornam-se seres humanos” e aprendem a viver em coletividade. Portanto, a escola assume papel de extrema importância na construção de bom ou mau processo de aprendizagem. A intenção contida no processo educativo formal, em geral, é boa; os resultados nem sempre. A escola impede a aprendizagem quando: (a) estrutura o mesmo tipo de ensino para diferentes crianças; (b) não prepara seus professores de modo adequado; (c) não oferta metodologias de ensino modernas, sofisticadas e de qualidade; (d) enfatiza a aquisição de conteúdos em detrimento da produção do conhecimento; (e) utiliza a avaliação como sistema punitivo, ao invés de caracterizá-la como momento especial de aprendizagem; (f) elimina a dimensão lúdica da sala de aula; (g) distancia conteúdos curriculares da vida do aluno; (h) constrói ambientes de aprendizagem opressivos, sem destaque para a criatividade. As instituições familiares também não cooperam com o sucesso escolar quando: (a) não valorizam a aprendizagem e o estudo; (b) não participam da vida escolar dos seus filhos; (c) não incentivam ou valorizam a leitura; (d) não estimulam adequadamente as crianças; (e) negligenciam a educação de valores; (f) associam alto nível de ansiedade ao processo escolar; (g) nutrem relações interfamiliares pouco ajustadas. 5) Dimensões Socioeconômicas: dizem respeito ao contexto social e econômico das crianças e suas famílias em etapa de escolarização e refletem, diretamente, no desempenho dos alunos em sala de aula. Uma das causas mais representativas do fracasso escolar é o baixo padrão social e econômico da maioria das crianças brasileiras. Desprovidos de moradia, condições sanitárias, cuidados médicos, nutrição adequada, conforto familiar e emocional e recursos financeiros, as crianças das classes sociais desfavorecidas encontram obstáculos instransponíveis quando chegam à escola. É impossível aprender com qualidade quando não há cadernos, lápis, computadores, alimentação adequada, falta de apoio familiar, trabalho precoce, descanso e lazer, todos os ingredientes que favorecem a aquisição do conhecimento com certo grau de tranquilidade e prazer. Diante de tantos impedimentos torna-se quase impossível para uma criança pobre alcançar sucesso na escola. Se somarmos esse aspecto aos outros já relacionados veremos o fracasso escolar se constituindo, tornando-se um fenômeno muito mais social do que pedagógico, urdido na perversidade da má distribuição de renda, fato ainda tão presente em nosso país. Mesmo quando consegue ultrapassar todas as barreiras impostas pelo macrossistema, a criança pobre sai da escola em condições precárias para competir em um mercado de trabalho delimitado pela alta especialização e pela busca de excelência. Nesse contexto, parece que não há saída para essas crianças. 6) Dimensão Ideológica: toda sociedade ou grupo cultural constrói ideologias que sustentam suas crenças e valores. Por ideologia compreendemos “um conjunto articulado de ideias, valores, opiniões, crenças que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo social, seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus Pós-Graduação a Distância As crianças pertencentes às classes socioeconômicas desprivilegiadas apresentam, em geral: (a) condições habitacionais, sanitárias, de higiene e nutrição deficientes; (b) pouca estimulação cognitiva; (c) fraca interação sociolinguística; (d) privações lúdicas, simbólicas e culturais; (e) baixo desempenho na expressão linguística e no desenvolvimento do vocabulário; (f) conhecimentos gerais inadequados; (g) pouca habilidade no uso de tecnologias; (h) acesso restrito aos recursos físicos necessários à aprendizagem (livros, revistas, jornais, cadernos); (i) ausência de uma rede de apoio com relação às etapas de aprendizagem por parte da família e mesmo dos professores. 21 A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I portadores”. As ideologias surgem a partir de ideias disseminadas como dominantes e representativas do desejo de uma sociedade. Ela é incutida mediante distintas práticas, entre as quais se destaca a escolar. A escola é uma das instâncias transmissoras da ideologia de um povo. Ela dissemina, de modo subentendido, sistemas de ideias dogmaticamente organizadas e as transforma em instrumento de manipulação, domínio ou, até mesmo, de luta de classes. Não percebemos o processo de apropriação da ideologia que domina o nosso contexto social, histórico e cultural. Quando percebemos já somos portadores desses valores e, muitas vezes, lutamos para preservá-los. De que modo uma ideologia pode gerar dificuldades de aprendizagem ou mesmo fracasso escolar? Quando ela, por exemplo, dissemina para os membros de uma sociedade que o ingresso no trabalho se dará por meio do preparo do sujeito, no ambiente escolar, para o exercício de uma profissão e, ao mesmo tempo, não oferta condições democráticas de acesso a uma escolarização de qualidade. Ao partilhar esse ideário, o sujeito considera que o fracasso escolar e profissional de muitos dos seus pares se justifica por esse conjunto de valores, ou seja, não há lugar para todos, portanto nada mais natural do que o fracasso de uma boa parcela. A escola faz isso com muita competência e, como boa reprodutora da ideologia dominante, lança a responsabilidade do fracasso nas mãos do aluno, eximindo o contexto social de sua enorme parcela de culpa. O aluno apresenta dificuldades para aprender porque “já espera” esse quadro. Afinal, ele é pobre, não tem condições financeiras nem culturais de alcançar o topo da pirâmide social, já disseram a ele que nem todos chegarão lá e que o melhor a fazer é aceitar sua condição subalterna sem reclamar. A família também legitima o problema ao assumir que seu filho “não dá para os estudos”, “não é muito inteligente”, “deve ter a mesma profissão do pai”, entre outras crenças semelhantes que só fortalecem o sistema ideológico vigente. O psicopedagogo tem a obrigação de investigar essa dimensão que sempre surge como componente em quadros de dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem 7) Dimensão Ecológica: esta dimensão compreende a criança inserida em distintos contextos que são formados pelos vários ambiente em que ela habita no seu cotidiano. Esses microssistemas se relacionam uns com os outros de distintas maneiras, formando mesossistemas que, por sua vez, interagem com ambientes e espaços institucionais (exossistemas) em que a criança não necessariamente está presente, mas que influenciam seus processos de desenvolvimento e aprendizagem de modo significativo. Todos esses sistemas encontram ressonância no macrossistema que representa as crenças, ideologias e padrões culturais de cada criança. 22 A abordagem ecológica é de extrema relevância na análise dos processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança, pois desnuda as intricadas relações entres os diferentes sistemas e suas interferências positivas ou negativas nos resultados desenvolvimentais. Quando compreendemos a criança como sujeito inserido em uma teia de relações que se amplia progressivamente, passamos a percebê-la de modo mais complexo e ampliamos as possibilidades de identificar possíveis pontos nodais de situações problemas, o que permite a intervenção. Para a Psicopedagogia é fundamental a adoção de uma visão ecológica do desenvolvimento e da aprendizagem. Ela nos permite identificar, por exemplo, quando uma dificuldade de aprendizagem é originária de: (a) relações familiares nucleares (pai, mãe e filhos); (b) relações familiares ampliadas (avós, primos, tias); (c) conflitos ideológicos entre membros da mesma família; (d) discrepância de valores entre família nuclear e família ampliada; (e) expectativas disfuncionais com relação à criança; (f) expectativas disfuncionais com relação à escola, entre outros fatores. 8) Dimensões históricas e culturais: para finalizar, vamos analisar o contexto histórico e cultural e suas interferências no contexto da aprendizagem e seus impedimentos. Já discutimos bastante sobre a natureza dos processos de desenvolvimento humano e aprendizagem. Somos sabedores de que o filhote do homem só se torna “humano” pela mediação da cultura, ou seja, de significados simbólicos que damos às coisas e ao mundo e que são transmitidos aos nossos descendentes mediante os processos educacionais. O homem se torna homem por meio de outros homens. Esse processo depende da cultura e de seu contexto histórico. A escola é a instituição responsável pela transmissão do legado cultural da humanidade. A ela cabe a tarefa de ensinar aos mais novos os significados construídos pela cultura que representa. Por isso, a escola necessita de tempo longo e contínuo para formar um habitus no aluno, ou seja, para incutir-lhe os valores, crenças e saberes escolhidos pela dimensão A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I Pós-Graduação a Distância histórica e cultural. Espera-se que esse aluno seja o guardião e também reprodutor dos padrões históricos e culturais herdados. Deseja-se que ele, como futuro da sociedade, garanta a sobrevivência dela. A escola treina o aluno para manter o status quo, para garantir a continuidade do grupo social, para reproduzir crenças e valores. Ao se estruturar para tal tarefa, a escola termina por eliminar de suas práticas a produção de novos valores culturais, a renovação do legado histórico, a transformação do tecido social tão imprescindível para nossa subsistência. Portanto, é nesse aspecto que as dimensões históricas e culturais podem atuar no sentido de gerarem dificuldades de aprendizagem, ao ceifarem no aluno o seu ímpeto criativo e inovador. Parece um contrassenso, mas tal fato ocorre com uma infeliz frequência. 23 Unidade II Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Capítulo 3 – Taxonomia e Características das Dificuldades de Aprendizagem: Uma Abordagem Psicopedagógica Neste capítulo, vamos abordar, especificamente, as dificuldades de aprendizagem em seus aspectos de classificação e identificação. É importante ressaltar que a leitura aqui adotada é de natureza psicopedagógica, o que significa uma opção por analisar esses impedimentos à aprendizagem com ênfase em suas dimensões pedagógicas e escolares. Não vamos estudar as dificuldades de aprendizagem com olhos médicos ou mesmo estritamente psicológicos. Nosso foco será, prioritariamente, a compreensão das DA´s inseridas em um cenário educacional, o que não impede uma investigação precisa, complexa e com maior grau de profundidade de cada uma delas. A importância de uma taxonomia das dificuldades de aprendizagem se expressa no conhecimento de como um fenômeno de natureza difusa pode individualizar-se em um conjunto de sintomas e/ou características a ponto de comprometer o processo de aprendizagem de um sujeito. Estudar o sistema de classificação das DA´s também orienta sobre suas etiologias diferenciadas, provenientes de distintas dimensões, como já evidenciado em capítulo anterior. Nessa perspectiva, é importante compreender de que forma se constrói um quadro de impedimentos ao ato de aprender e como este evolui até alcançar os processos gerais de aprendizagem, prejudicando-os. QUADRO COMPARATIVO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Baseado em Fonseca, 1995 (pp.199-200) Dificuldades de Aprendizagem Primárias – DA I Dificuldades de Aprendizagem Secundárias – DA II (1) DAs primárias são aquelas em que não se identifica uma causa (1) DAs secundárias resultam de condições, desordens, limitações ou orgânica específica. deficiências devidamente diagnosticadas em: deficiência visual, auditiva, mental, motora, emocional ou privação cultural. (2) Compreendem perturbações nas seguintes aquisições: práxicas e simbólicas, como: a linguagem falada (receptiva e expressiva), (2) As DAs são a consequência secundária de deficiências nervosas, a linguagem escrita (receptiva e expressiva) e a linguagem sensoriais, psíquicas ou ambientais. quantitativa. (3) O potencial sensorial, intelectual, motor e social é atípico e (3) O potencial sensorial, intelectual, motor e social está intacto e é, desviante. portanto, normal. Pós-Graduação a Distância Retomando Fonseca (1995), identificamos uma classificação das dificuldades de aprendizagem em dois níveis, a saber: a) as dificuldades de aprendizagem primárias e b) as dificuldades de aprendizagem secundárias. O quadro comparativo a seguir apresentará as principais diferenças entre os dois tipos: 25 Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II (4) Se há perturbações, elas dependem de alterações mínimas, (4) Se há perturbações, elas dependem secundariamente de deficiências tão mínimas que não são detectadas pelos exames médicos sensoriais, neurológicas, psíquicas ou ambientais como, por pediátricos, neurológicos, psiquiátricos, psicológicos porque exemplo: privação cultural, desvantagem socioeconômica, má são insuficientes para identificar distúrbios e problemas no nutrição, envolvimento afetivo, facilidades de estimulação precoce, processamento da informação. expectativas etc. (5) As aquisições da linguagem falada, da linguagem escrita e da (5) As aquisições da linguagem falada, da linguagem escrita e da linguagem quantitativa estão primariamente perturbadas. linguagem quantitativa estão secundariamente perturbadas. CATEGORIAS DE DAs PRIMÁRIAS 1. Disfunções 1. Afecções biológicas 1.1. Da linguagem falada • Disnomia • Disfasia • Disartria • Deficiência Mental 1.1. Do sistema nervoso central • Lesões cerebrais • Paralisia cerebral • Epilepsia 1.2. Da linguagem escrita • Dislexia (auditiva e visual) • Disgrafia • Disortografia 1.3. Da linguagem quantitativa • Discalculia 2. Problemas Perceptivos Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem 2.1. Do processo auditivo • Discriminação • Síntese • Memória de curto termo 26 CATEGORIAS DE DAs SECUNDÁRIAS 2.2. Do processo visual • Discriminação • Figura-fundo • Complemento • Constância da forma • Posição e relação espacial • Visualização 1.2. Dos sistemas sensoriais • Deficiência auditiva • Hipoacusia (diminuição da audição) • Deficiência visual • Ambliopia (diminuição da visão) 2. Problemas de comportamento • Reativo • Neurótico • Psicótico 3. Fatores ecológicos e socioeconômicos • Envolvimento afetivo • Má Nutrição • Privação cultural • Dispedagogia (problemas de ensino) 3. Problemas Psicomotores, controle vestibular e proprioceptivo • Lateralização • Imagem do corpo • Estruturação espaço-temporal • Praxia global • Praxia fina (visuomotricidade) Na taxonomia de Fonseca (1995), as dificuldades de aprendizagem se dividem em primárias e secundárias, considerandose os motivos expostos na primeira parte da tabela. As dificuldades de aprendizagem primárias são aquelas de maior evidência e não caracterizam dano orgânico específico. Elas têm origem em múltiplas causas, mas não apresentam, especificamente, um déficit no organismo do sujeito nem em suas funções cognitivas. A criança que apresenta uma DA primária é considerada uma criança de desenvolvimento normal, entretanto, situações endógenas ou exógenas favoreceram o surgimento de impedimentos à aprendizagem que assumem caráter transitório, ou seja, podem ser eliminadas sem deixar rastro na história do sujeito. Em geral, as DAs primárias se expressam por irregularidades transitórias no comportamento psicomotor, no raciocínio lógico e na expressão simbólica. Surgindo modificações no funcionamento dessas instâncias emergem perturbações que podem se expressar na linguagem falada, escrita e quantitativa o que, consequentemente, vai promover déficits na aquisição da leitura, da escrita, do conhecimento matemático, entre outros. Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II Por motivos que são plurais, uma criança normal começa a apresentar dificuldades para ler, escrever e raciocinar matematicamente. Compreender a origem dessas irregularidades é uma das funções do psicopedagogo, que já sabe que tais DA´s são multideterminadas e que exigirão investigação interdisciplinar minuciosa e criteriosa. No caso das DA´s primárias é muito comum a criança manter um padrão intelectual, motor e social aproximado do normal. O desvio da conduta normal é pouco evidenciado nas DA´s primárias, mas em caso de persistências das irregularidades na aprendizagem é possível que o quadro evolua a ponto de incluir problemas de comportamento. Em sua maioria, as DA´s representam respostas que as crianças normais dão quando se encontram em situações adversas de ensino. É muito comum, no atendimento clínico e mesmo institucional, verificar o surgimento de impedimentos à aprendizagem quando os alunos são expostos a metodologias de ensino pouco criativas e conteudistas, a professores com dificuldades de interação em sala de aula ou mesmo situações de constrangimento ou violência vividas com os colegas. Nem sempre as delicadezas presentes nas relações em sala de aula são percebidas pelo professor ou por outros educadores, mas elas podem atuam fortemente no sentido de promover sentimentos negativos no aluno a ponto dele optar por não aprender, como uma forma de se defender de uma possível ameaça emocional. Infelizmente tal realidade é muito mais comum nas escolas do que imaginamos. Hoje em dia é comum observar a escola rotulando alunos como portadores de hiperatividade, déficit de atenção ou mesmo deficiência mental por desconhecer a etiologia e desenvolvimento desses transtornos e por desejar medicalizar a dificuldade para aprender, medida que a exime de sua responsabilidade diante do problema. A escola não percebe que ela é a construtora da maioria dos quadros de não aprendizagem e, assim como se recusa a perceber o seu papel, também se omite na reconstrução do vínculo da aprendizagem, deixando o aluno nas mãos de médicos e psicólogos que nem sempre conseguem ajudar. Para piorar o quadro, a rotulação de uma pessoa como portadora de um déficit ou transtorno em nada auxilia em sua recuperação, muito pelo contrário. Essa medida gera discriminação e agrega valores negativos ao sujeito, implicando em baixa autoestima e percepção de si mesmo como incompetente. A escola deve se preparar para lidar com as dificuldades de aprendizagem e com o fracasso escolar e o psicopedagogo é um profissional apto a auxiliar a instituição escolar nesse sentido. É importante que o trabalho psicopedagógico institucional atue no sentido de evitar a rotulação precoce de crianças com problemas de aprendizagem, mas também não negligencie aquela pequena parcela de alunos que podem, de fato, apresentar transtornos que vão demandar ajuda especializada. Atuar nos extremos, em se tratando de avaliação psicopedagógica, não é medida segura. 1. Irregularidades da Linguagem Falada: • Disnomia: é a incapacidade para recordar nomes próprios. Consiste em uma anomalia que é mais presente em quadros neurológicos. Uma criança com disnomia apresenta dificuldade para recordar substantivos e nomes próprios podendo chegar a uma alteração grave da fluidez da fala. Para diagnosticar precisamente um quadro de disnomia é recomendável o auxílio de fonoaudiólogos e neurologistas. • Disfasia: consiste em transtornos evidenciados na evolução da linguagem, em especial na recepção e análise do material auditivo e verbal. Crianças com disfasia apresentam dificuldade na integração da linguagem e na construção do discurso, com presença de insuficiência sensorial. Elas se comunicam verbalmente, porém Pós-Graduação a Distância Ampliando a taxonomia proposta por Fonseca (1995) e assumindo uma leitura psicopedagógica das dificuldades de aprendizagem, apontamos as principais irregularidades que caracterizam as DA´s primárias: 27 Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II apresentam dificuldades na construção da fala. O nível mental das crianças com disfasia é considerado normal. A disfasia, em geral, se associa à dislalia (gagueira). Um exemplo de disfasia: a criança escuta um comando simples da professora e não consegue interpretar o que deve ser feito, assim como não consegue reproduzir a fala da professora. • Disartria: caracteriza-se pela articulação defeituosa dos sons da fala sem comprometer, entretanto, o processo linguístico. Em geral, essa dificuldade tem origem em distúrbios motores dos órgãos da fonação (língua e lábios) e necessita de apoio fonoaudiológico para ser diagnosticada. Um exemplo de disartria: troca fonética dos sons “f” e “v”, “p” e “b” como faz o personagem Cebolinha, dos quadrinhos do Maurício de Souza. • Dislalia: é a famosa gagueira. Consiste em uma irregularidade no desenvolvimento da fala caracterizada por hesitação repetitiva e demora na emissão das palavras. Muitas vezes inclui o prolongamento atípico dos sons. Surge na infância, mas pode prolongar-se na vida adulta, se não for tratada adequadamente. O psicopedagogo também deve incluir, em sua avaliação psicopedagógica, os seguintes aspectos da linguagem falada: (a) fluência e riqueza do vocabulário; (b) pronúncia dos fonemas, sílabas e palavras; (c) sequência lógica na construção das frases, entre outros aspectos relacionados. 2. Irregularidades da Linguagem Escrita: • Disgrafia: é uma irregularidade da linguagem escrita conhecida comumente como “letra feia”. A criança com disgrafia apresenta uma escrita inferior ao esperado para sua etapa desenvolvimental e série escolar. É comum também evidenciar a inversão de sílabas, a omissão de letras, a escrita em espelho e a escrita contínua. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem • Disortografia: caracteriza-se pela presença de aglutinações, omissões, contaminações, alterações nas palavras, gerando desorganização na estrutura das frases e sentenças. Não é fruto da falta de coordenação motora e reflete distorções nos processos cognitivos responsáveis pela linguagem escrita. A criança com disortografia apresenta muitos erros de ortografia que não são oriundos do desconhecimento do código gramatical e ortográfico. Processos de letramento de pouca qualidade geram disortografia com frequência. 28 3. Irregularidades da Linguagem Quantitativa: • Discalculia: é uma irregularidade que impede a criança de compreender adequadamente os processos de raciocínio matemático, gerando múltiplas dificuldades na aquisição dos conteúdos dessa área. O aluno com discalculia não consegue solucionar problemas verbais, tem dificuldade em construir raciocínios quantitativos e estabelecer relações entre as categorias de números e numerais. Garcia (1998) estabeleceu seis subtipos de discalculia, podendo todos eles combinarem entre si e com outros tipos de DA´s: a) Discalculia Verbal – dificuldade para nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações. b) Discalculia Practognóstica – dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou em imagens matematicamente. c) Discalculia Léxica – Dificuldades na leitura de símbolos matemáticos. d) Discalculia Gráfica – Dificuldades na escrita de símbolos matemáticos. e) Discalculia Ideognóstica – Dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos. Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II f) Discalculia Operacional – Dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos. A criança com discalculia tem dificuldades para: • Visualizar conjuntos de objetos inseridos em um conjunto maior. • Conservar a noção de quantidade, ou seja, ela não compreende que 1 quilo corresponde a quatro pacotes de 250 gramas. • Sequenciar números, estabelecendo relações entre antecessor e sucessor, como, por exemplo: qual é o número que vem antes do 9 e depois do 19? • Classificar números. • Compreender os sinais matemáticos de soma, subtração, multiplicação, divisão, inclusão, pertença etc. • Estruturar operações matemáticas. • Compreender as conservações de medida, peso, altura, tempo. • Estruturar as sequências lógicas no momento de solucionar operações matemáticas. • Contar utilizando os cardinais e ordinais. 4. Irregularidades da Linguagem em Geral: • Dislexia: de acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (http://www.dislexia.org.br/), a dislexia é: (...) um distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração (...) sendo um dos transtornos de maior incidência nas salas de aula. Pesquisas realizadas em vários países mostram que entre 05% e 17% da população mundial é disléxica. Ao contrário do que muitos pensam, a dislexia não é o resultado de má alfabetização, desatenção, desmotivação, condição socioeconômica ou baixa inteligência. Ela é uma condição hereditária com alterações genéticas, apresentando ainda alterações no padrão neurológico. Dislexia traz em sua grafia a sua definição. O prefixo “dis”, que tem origem no termo grego “dys”, significa “estado imperfeito ou disfunção”. O radical “lexia”, também originado do grego “léxikos”, representa o termo “palavra, léxico, linguagem” em sua expressão mais ampla. Dislexia, portanto, é um estado imperfeito da linguagem, uma disfunção no funcionamento do sistema léxico e que atinge a linguagem escrita como a linguagem falada. Essa dificuldade de aprendizagem prejudica o funcionamento da leitura, soletração, escrita, linguagem expressiva, linguagem receptiva e também o raciocínio matemático. Fatores endógenos e exógenos estão na origem da dislexia e por se tratar de uma disfunção complexa, ela também necessita de abordagem multidisciplinar, tanto no diagnóstico como no tratamento. A identificação de uma criança disléxica consiste em um processo minucioso que demanda avaliação cuidadosa. É muito comum encontrar em crianças com dislexia uma nítida dificuldade na linguagem falada, na linguagem Pós-Graduação a Distância Por esses múltiplos fatores é que a dislexia deve ser diagnosticada por uma equipe multidisciplinar. Esse tipo de avaliação dá condições de um acompanhamento mais efetivo das dificuldades após o diagnóstico, direcionando-o às particularidades de cada indivíduo, levando a resultados mais concretos (http://www.dislexia.org.br/, acesso em 2/05/07) 29 Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II escrita, na ortografia, além da evidência de lentidão na aprendizagem da leitura. Também são notados episódios de disgrafia, discalculia, déficits de memória, dificuldade em aprender uma segunda língua, percepção espacial comprometida e confusão na orientação espacial. Em decorrência desses sintomas, a criança costuma apresentar dispersão, baixa atenção, dificuldades motoras e falta de interesse generalizado. Entretanto, para a finalização de um diagnóstico preciso é importante uma avaliação completa e composta por vários profissionais. 5. Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade: De Acordo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção o TDAH é: ( ) um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. (http://www.tdah.org.br/oque01.php, acesso em 02/05/07) Uma criança que apresenta quadro de TDAH tem enorme dificuldade em selecionar estímulos e manter o seu foco de atenção. A desatenção, inquietude e impulsividade demandam auxílio constante de outra pessoa, pois o TDAH impede a criança de agir sozinha para controlar o próprio comportamento. Em várias situações, essa criança é vista como mal-educada ou sem limites, quando na verdade ela não tem condições de impedir o fluxo de hiperatividade que a acomete. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem São várias as causas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Entre o elenco de aspectos que podem gerar esse problema destacamos: (a) a dimensão biológica, que inclui a predisposição genética; (b) a dimensão psicológica, que compreende o desenvolvimento das funções psicológicas e do repertório comportamental e (c) a dimensão social, expressa nos problemas de ensino e aprendizagem assim como nas crenças e valores que permeiam a educação. O TDAH surge do entrelaçamento desses fatores e a eles está condicionado. Qualquer tentativa de identificação do TDAH e de possíveis intervenções deve considerar sua natureza biopsicossocial. 30 A escola e seus profissionais, especialmente o psicopedagogo, devem conhecer com propriedade esse transtorno para não consolidarem a prática de rotular a criança ativa e bagunceira ou mesmo a criança dispersa e pouco interessada nas aulas como hiperativa ou portadora de déficit de atenção. Na atualidade, essa disfunção caiu no gosto popular e, junto com a dislexia, tem sido vítima de diagnósticos equivocados, o que maximiza o problema enfrentado pelo aluno e, mais uma vez, medicaliza a dificuldade de aprendizagem, eximindo a escola por sua parcela de responsabilidade no processo de ensinar corretamente para que o aluno aprenda adequadamente. O TDAH é caracterizado pela presença marcante de duas disfunções, que são: a desatenção e a hiperatividade/ impulsividade. Esses dois fatores se combinam e atuam de modo a potencializar um ao outro, formando um sistema disfuncional complexo e comprometedor das funções psicológicas e sociais do sujeito. Essa composição de sintomas resulta em uma criança “avoada”, “ligada em um motor”, “que não para nunca”, “estabanada”, “inquieta”, entre tantos outros adjetivos pouco interessantes. Os meninos apresentam sintomas de hiperatividade em maior grau quando comparados às meninas. Estas costumam expressar a falta de atenção com maior vigor. Apesar das diferenças de gênero ainda é comum encontrar, tanto em meninos como em meninas, uma composição desses dois fatores. A literatura destaca que há uma tendência de manutenção do TDAH na adolescência e na idade adulta. Se a criança que possui essa disfunção recebe tratamento adequado na infância, a possibilidade de minimizar os efeitos da hiperatividade e do déficit de atenção na vida adulta é bem menor. Caso não haja intervenção na infância, a probabilidade de manutenção do transtorno na vida adulta aumenta, gerando dificuldades no trabalho, impulsividade, excesso de energia e tendência ao uso de drogas e álcool, assim como predisposição a quadros de ansiedade e depressão. 6. Irregularidades Perceptivas • Discriminação auditiva: caracteriza-se pela dificuldade ou mesmo incapacidade de discriminação de sons, fonemas, sílabas e palavras acusticamente parecidas. Desenvolver um processamento auditivo eficiente é de Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II extrema relevância para a criança, uma vez que as deficiências que podem ocorrer no desenvolvimento do processamento frequentemente levam a problemas na aprendizagem da leitura. • Discriminação visual: diz respeito à habilidade em utilizar o sentido da visão para perceber e comparar as características de itens diferentes e para distinguir um do outro. A criança com dificuldade em discriminar visualmente objetos, figuras ou coisas pode ter seu processo de aprendizagem prejudicado. • Figura-fundo: este tipo de discriminação relaciona-se à habilidade em separar uma forma impressa no seu fundo. Todos os cenários visuais contêm objetos que compõe o fundo e outros que constituem elementos sobrepostos ao fundo. Essa percepção, quando prejudicada, impede o andamento regular do processo de aprendizagem. Existe também a discriminação auditiva de figura-fundo, que representa a habilidade em distinguir sons relevantes em um contexto de ruídos de fundo. Exemplo: uma criança pode apresentar dificuldade para perceber figuras definidas sob um fundo indefinido e ambíguo, confundindo-se do ponto de vista perceptivo. Essa não discriminação pode gerar dificuldades na aquisição da linguagem, pois tudo o que está escrito sobrepõe-se a um fundo. • Constância da forma: os objetos mudam de forma conforme o ângulo de observação. Entretanto, permanecemos percebendo o objeto como regularmente posto no espaço, apesar de visualmente sua forma ser alterada. Nosso sistema perceptivo é o estruturador desse fenômeno. Um exemplo ilustra bem o conceito de constância de forma: ao olhar para qualquer batente de porta, uma pessoa notará que ele é retangular. Mas, ao fazer um esboço do contorno do batente do ângulo em observação é possível verificar uma forma trapezóide. A percepção ajusta a forma da porta para que ela seja percebida como um retângulo de qualquer ângulo observado. • Posição e relação espacial: diz respeito à posição que os objetos ocupam no espaço e as relações existentes entre eles: quem está à direita, quem está à esquerda, quem está acima, quem está abaixo etc. A criança precisa construir sólidas percepções de posição e relação espacial. Seu aprendizado depende muito desta competência. Até para escrever é necessário discriminar a ordem da escrita, das palavras e das letras. 7. Irregularidades Psicomotoras, Controle Vestibular e Proprioceptivo. • Lateralidade: diz respeito à percepção das relações espaciais que orientam as distintas direções, como esquerda/direita, frente/atrás, em cima/embaixo, entre outras. O domínio da lateralidade muda quando consideramos o ponto de vista de quem observa e também a existência de determinada referência. O domínio da lateralidade marca o início da construção das relações espaciais. • Estruturação espaço-temporal: é uma conservação que permite à criança construir a sua realidade em uma dimensão espacial e temporal. Ocorre depois dos 7 anos, quando a criança começa a operar mentalmente e domina os conceitos de tempo e espaço. • Praxia fina (visuomotricidade): é a habilidade em usar de forma eficiente os pequenos músculos, produzindo movimentos delicados e específicos. Este tipo de coordenação permite dominar o ambiente, pois especializa o movimento da pinça (ato de pegar com os dedos) propiciando o manuseio de diferentes objetos, a saber: recortar, rasgar, escrever, acertar em um alvo, costurar, incluindo todos os movimentos que necessitam de precisão. Pós-Graduação a Distância A criança começa a construir noções de lateralidade usando como ponto de partida o próprio corpo. Mais tarde, em um processo gradativo de descentralização, considera a posição do corpo das pessoas à sua frente (a esquerda e a direita do outro) para, finalmente, considerar o posicionamento dos objetos em relação uns aos outros, a ela própria ou a outras pessoas. A definição da lateralidade também depende da dominância dos distintos hemisférios cerebrais. O hemisfério direito do cérebro comanda o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo do cérebro comanda o lado direito. Em geral, verifica-se a dominância lateral do olho, mãos e pés. 31 Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II As dificuldades de aprendizagem consideradas secundárias, em geral, resultam de condições atípicas, desordens ou limitações passíveis de diagnóstico nos campos visual, auditivo, mental, motor, emocional ou de privação sociocultural. Elas são consideradas secundárias porque derivam de múltiplas deficiências que surgem, à posteriori, como transtornos nervosos, sensoriais, psíquicos ou mesmo socioculturais. Observa-se que as competências sensórias, intelectuais, motoras, sociais e emocionais da criança que apresenta uma DA secundária têm caráter desviante, ou seja, distanciam-se dos padrões desenvolvimentais regulares. Ao surgirem, as DA’s secundárias costumam comprometer as aquisição da linguagem falada, escrita e quantitativa. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem As dificuldades de aprendizagem de ordem secundária apresentam alterações biológicas e orgânicas específicas, assim como transtornos comportamentais e emocionais evidentes. No rol das alterações biológicas e orgânicas podem surgir lesões cerebrais, paralisia cerebral, epilepsia e deficiência mental em distintos graus. O sistema sensorial também pode ser afetado gerando deficiência auditiva, hipoacusia, deficiência visual e ambliopia. Como consequência das causas biológicas, há também as DA’s que afetam a habilidade de discriminação, a síntese mental e verbal e as competências de memória. 32 Com relação às alterações de comportamento, há evidências de comportamentos disruptivos ou transtornos de conduta em parte da população com dificuldades de aprendizagem de ordem secundária, especialmente após os 13 anos, ou seja, no início da adolescência. Esse quadro caracteriza-se por padrões de comportamento que se repetem e onde são violados os direitos de terceiros, as normas e regras sociais importantes e apropriadas à idade do sujeito. Evidencia-se (a) conduta agressiva, que pode ocasionar ameaça ou dano físico a terceiros; (b) conduta não agressiva, porém geradora de danos a propriedades ou bens; (c) roubo, acompanhado ou não de sérias violações de regras; (d) comportamento provocativo, de ameaça ou intimidação, podendo incluir intimidação, luta ou uso de armas; (e) atos fisicamente cruéis com pessoas ou animais e (f) violência física e sexual. Os padrões emocionais das crianças com DA’s secundárias também sofrem alterações e refletem condições intrínsecas que originam os impedimentos à aprendizagem, como, por exemplo, os quadros ansiosos da personalidade, transtornos obsessivo-compulsivos, neuroses e psicoses, como a esquizofrenia, o autismo infantil, entre outras. Pode ocorrer, também, a depressão infantil ou da adolescência, patologias que demandam um diagnóstico preciso e intervenção terapêutica. As crianças estão sujeitas a disfunções emocionais tanto quanto os adultos, mas em geral alimenta-se a crença de que na infância não existe “quadro nervoso” e os comportamentos atípicos que surgem tendem a ser compreendidos muito mais como falhas no sistema educacional parental do que um possível distúrbio emocional. A falta de informação, tanto da família quanto da escola, acerca dos problemas emocionais que podem acometer uma criança termina por favorecer uma situação de diagnóstico pobre e baixa incidência de intervenção terapêutica e médica. Em decorrência desse tipo de conduta, abre-se campo fértil para a proliferação das dificuldades de aprendizagem de ordem secundária e também para o surgimento de problemas de relacionamento e interação escolar e social de um grande número de crianças. A sala de aula é um espaço de interações sociais bastante propício ao surgimento de situações psíquicas significativas que podem ser trabalhadas adequadamente, ou não, pelo professor. Se houver preparo docente de qualidade há chances de o professor minimizar conflitos e buscar ajuda especializada para auxiliar seus alunos que emitem comportamentos Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II desviantes. Se não há preparo docente para lidar com situações do gênero certamente haverá agravamento significativo das condições emocionais problemáticas dos indivíduos. Esse cenário pode potencializar o quadro de dificuldades emocionais, intrínsecas ou extrínsecas, ocasionando consequências que podem perdurar na vivência familiar e social do aluno. O psicopedagogo tem grandes contribuições a prestar em contextos desse tipo, mas também necessita estar apto e deter conhecimento consistente sobre o desenvolvimento emocional da criança para poder auxiliar. Quando falamos de dificuldades de aprendizagem secundárias é interessante trocar o termo irregularidades de condutas por padrões de comportamentos desviantes. Esse cuidado é importante, pois os quadros que evidenciamos nas DA´s secundárias é, em geral, bem mais comprometedor da saúde emocional e mental da criança do que nas DA´s primárias. Sendo assim, as principais categorias de comportamentos desviantes que caracterizam as DA´s secundárias são: 1. Condutas desviantes causadas por afecções biológicas: incluem patologias do sistema nervoso central, como as lesões cerebrais, a paralisia cerebral e a epilepsia. Também incluem deficiências sensoriais, como a auditiva, visual, hipoacusia etc. Esses padrões de comportamentos desviantes são originados por danos biológicos de natureza difusa e que comprometem gravemente o desempenho do sujeito nos processos de ensino e aprendizagem. 2. Problemas de comportamento: caracterizam-se por uma série de transtornos de conduta que têm sua origem em conflitos relacionais e interativos, além da presença de componentes genéticos e biológicos. Com relação aos problemas de comportamento destacamos: • Comportamento Reativo: corresponde a padrões de comportamentos atípico e desviante que surgem como reação a situações diversas, como stress, vivência de um trauma, quadro médico, forte impacto emocional, entre outros. O sujeito desenvolve comportamento reativo como forma de se proteger ou mesmo lidar com a carga emocional vivenciada, podendo retornar ao estado anterior ou não. • Neuroses: consiste em um distúrbio psicológico em que os sintomas expressam, simbolicamente, um conflito psíquico comprometendo a relação entre o desejo e a defesa psíquica. Os quadros neuróticos não caracterizam dissociação da realidade por parte do sujeito. Entre as neuroses mais comuns encontramos: (a) histerias e afins; (b) ansiedades; (c) fobias; (d) obsessões; (e) depressão; (f) transtorno obsessivo-compulsivo (TOC); (g) síndrome do pânico e (h) transtornos alimentares (bulimia, anorexia). O CID-10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão – Volume I, 2000 (http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/cid10.htm acesso em 05/05/07) apresenta uma classificação mais complexa para os transtornos de aprendizagem e considera que suas etiologias não são exclusivamente psiconeurológicas e sim fruto de dimensões multifatoriais. No capítulo V – Transtornos Mentais e Comportamentais há um tópico (F 81) que classifica e descreve os “Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares”. Esse documento considera que: ( ) os transtornos (específicos do desenvolvimento das habilidades escolares) são aqueles nos quais as modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras etapas do desenvolvimento. O comprometimento não é somente a consequência da falta de oportunidade de aprendizagem ou de um retardo mental, e ele não é devido a um traumatismo ou doença cerebral (p. 365). Pós-Graduação a Distância • Psicoses: transtorno psicológico cujo aspecto central é a perda do contato com a realidade, dependendo da intensidade da psicose. Quando não estão em crise, os psicóticos conseguem estabelecer padrões de interações regulares com o mundo real. Quando essa característica é alterada, o sujeito começa a relacionar-se com objetos e coisas inexistentes no “mundo real”, criando sua realidade paralela. Em geral, surgem os quadros de delírio, considerado pelos especialistas como um dos principais sintomas das psicoses. Um delírio psicótico consiste em uma convicção inabalável, incompreensível e absurda da realidade que o sujeito adota para si. Também estão presentes em quadros psicóticos as alucinações, o discurso desorganizado e comportamento catatônico. Entre as psicoses encontramos quadros de: (a) paranoia; (b) esquizofrenia; (c) autismo e (d) psicoses reativas. 33 Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II Fazem parte da categoria “Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares (F81)”, de acordo com o CID, as seguintes subcategorias: F81.0 – Transtorno específico da leitura: comprometimento específico e significativo do desenvolvimento das habilidades de leitura, não atribuível à idade mental, a transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada (p. 365). F81.1 – Transtorno específico da soletração: alteração específica e significativa do desenvolvimento da habilidade para soletrar, na ausência de antecedentes de um transtorno específico de leitura, e não atribuível à baixa idade mental, transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada (p. 366). F81.2. – Transtorno específico de habilidades em aritmética: alteração específica da habilidade em aritmética, não atribuível a retardo mental global ou a escolarização inadequada. O déficit concerne mais ao domínio de habilidades computacionais básicas de adição, subtração, multiplicação e divisão (p. 366). F81.3 – Transtorno misto das habilidades escolares: alteração significativa tanto do cálculo quando da leitura ou da ortografia, não atribuíveis a retardo mental global ou a escolarização inadequada (p.366). F81.8 – Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares: são incapacidades que surgem na aquisição da linguagem escrita e falada (p.366). F81.9 – Transtornos não especificados do desenvolvimento das habilidades escolares não especificado: incapacidades de aprendizagem sem origem específica, aquisição de conhecimentos sem origem específica e transtorno de aprendizagem sem origem específica (p.366). Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Já o DSM.IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) define a dificuldade de aprendizagem como “transtornos da aprendizagem que são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização e nível de inteligência” (http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php, acesso em 05/05/07). 34 Os Transtornos da Aprendizagem podem persistir até a idade adulta quando não são tratados adequadamente. Eles incluem componentes como: baixa autoestima e déficits nas habilidades sociais. De acordo com o DSM IV, há evidência de que as taxas de evasão escolar de crianças e adolescentes com Transtornos da Aprendizagem são de, aproximadamente, 40%. Já os adultos com Transtornos da Aprendizagem podem ter dificuldades significativas no emprego ou no ajustamento social. Os Transtornos de Aprendizagem não podem ser considerados como variações normais na vida acadêmica do sujeito, em que encontramos quadros transitórios de dificuldades escolares. Fatores exógenos, como a baixa qualidade de ensino, situação de privação social e econômica, ausência de oportunidades de ensino e trabalho podem gerar dificuldades no processo de aprendizagem; entretanto, esses impedimentos não são considerados “transtornos de aprendizagem”, segundo o DSM IV. Estes últimos são sempre originários de déficits sensoriais, funcionamento intelectual comprometido e patologias diversas. De acordo com o DSM IV, os Transtornos de Aprendizagem (F81) incluem as seguintes subcategorias: F81.0-315.00 – Transtorno de Leitura: A característica essencial do Transtorno de Leitura consiste em um rendimento da leitura (correção, velocidade ou compreensão da leitura, medidas por testes padronizados administrados Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II individualmente) substancialmente inferior ao esperado para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo (Critério A). A perturbação da leitura interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida cotidiana que exigem habilidades de leitura (Critério B). Na presença de um déficit sensorial, as dificuldades de leitura excedem aquelas habitualmente associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou outro déficit sensorial, estes devem ser codificados. Em indivíduos com Transtorno da Leitura (também chamado dislexia), a leitura oral caracteriza-se por distorções, substituições ou omissões. [...] F81.2 – 315.1 Transtorno da Matemática: A característica essencial do Transtorno da Matemática consiste em uma capacidade para a realização de operações aritméticas (medida por testes padronizados, individualmente administrados, de cálculo e raciocínio matemático) acentuadamente abaixo da esperada para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo (Critério A). A perturbação na matemática interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas (Critério B). Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades na capacidade matemática excedem aquelas geralmente a este associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou déficit sensorial, isto deve ser codificado. Diferentes habilidades podem estar prejudicadas no Transtorno da Matemática, incluindo habilidades “linguísticas” (por ex., compreender ou nomear termos, operações ou conceitos matemáticos e transpor problemas escritos em símbolos matemáticos), habilidades “perceptuais” (por ex,. reconhecer ou ler símbolos numéricos ou aritméticos e agrupar objetos em conjuntos), habilidades de “atenção” (por ex., copiar corretamente números ou cifras, lembrar de somar os números “levados” e observar sinais de operações) e habilidades “matemáticas” (por ex., seguir sequências de etapas matemáticas, contar objetos e aprender tabuadas de multiplicação). F81.8 – 315.2 – Transtorno da Expressão Escrita: A característica diagnóstica essencial do Transtorno da Expressão Escrita consiste de habilidades de escrita (medidas por um teste padronizado individualmente administrado ou avaliação funcional das habilidades de escrita) acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo (Critério A). A perturbação na expressão escrita interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades de escrita (Critério B). Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades nas habilidades de escrita excedem aquelas geralmente a este associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou déficit sensorial, isto deve ser codificado. Geralmente existe uma combinação de dificuldades na capacidade do indivíduo de compor textos escritos, evidenciada por erros de gramática e pontuação dentro das frases, má organização dos parágrafos, múltiplos erros ortográficos e caligrafia excessivamente ruim. Este diagnóstico em geral não é dado quando existem apenas erros ortográficos ou fraca caligrafia, na ausência de outros prejuízos na expressão escrita. Em comparação com outros Transtornos da Aprendizagem, sabe-se relativamente menos acerca dos Transtornos da Expressão Escrita e sobre seu tratamento, particularmente quando ocorrem na ausência de Transtorno da Leitura. À exceção da ortografia, os testes padronizados nesta área são menos acuradamente desenvolvidos do que os testes de leitura ou capacidade matemática, podendo a avaliação do prejuízo nas habilidades escritas exigir uma comparação entre amostras amplas do trabalho escolar escrito do indivíduo e o desempenho esperado para sua idade e QI. Este é especialmente o caso de crianças pequenas, das séries escolares iniciais. Tarefas nas quais a criança é solicitada a copiar, escrever um ditado e escrever espontaneamente podem ser necessárias para o estabelecimento da presença e extensão deste transtorno. [...] F81.9 – 315.9 – Transtorno da Aprendizagem Sem Outra Especificação: Esta categoria envolve os transtornos da aprendizagem que não satisfazem os critérios para qualquer Transtorno da Aprendizagem específico, podendo incluir problemas em todas as três áreas (leitura, matemática, expressão escrita) que, juntos, interferem significativamente no rendimento escolar, embora o desempenho nos testes que medem cada habilidade isoladamente não esteja acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo (http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php, acesso em 05/05/07). Pós-Graduação a Distância [...] 35 Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Para finalizar este capítulo é importante sinalizar a opção aqui feita por compreender as dificuldades de aprendizagem sob a ótica psicopedagógica, ou seja, enfatizando os aspectos escolares como eixos de entendimento dos impedimentos à aprendizagem. Entretanto, o psicopedagogo que pretende atuar em instituições escolares, além de uma forte e consistente visão psicopedagógica das DA´s, deve possuir também conhecimentos abrangentes sobre esse tema, o que inclui a perspectiva psicológica e médica destacada pelas classificações do CID e do DSM IV. 36 Unidade III O Sucesso Escolar Capítulo 4 – A Intervenção Psicopedagógica como Estratégia de Promoção do Sucesso Escolar Neste capítulo vamos abordar o trabalho psicopedagógico como ferramenta de promoção do sucesso escolar. Ao longo deste Caderno de Estudos discutimos com propriedade sobre o fracasso escolar e seus efeitos danosos, tanto para o indivíduo quanto para o tecido social e econômico de um país. Esmiuçamos as dificuldades de aprendizagem em suas dimensões taxonômicas e componenciais com o propósito de compreender a dinâmica e a estrutura de seu funcionamento. Todos esses saberes são indispensáveis para uma prática psicopedagógica de qualidade e capaz de promover transformações no cenário escolar e de aprendizagem. Entretanto, prevenir ou tratar dificuldades de aprendizagem não representam as preocupações centrais de um profissional de psicopedagogia. Este profissional não só pode como deve se comprometer, especialmente, com o cultivo do sucesso escolar, aspecto fundamental da experiência educacional de todo sujeito e tão pouco abordado na literatura. Para conduzir ações no sentido de promover o sucesso escolar é indispensável que o psicopedagogo compreenda o que ele deve fazer e o que necessita ser evitado em todas as instâncias escolares. Uma instituição de ensino, ao alcançar médias elevadas em sistemas de avaliação, tende a construir uma reputação bastante favorável. Muitas vezes, em nome da manutenção dessa reputação, essas instituições estabelecem padrões de exigência tão altos que terminam por expulsar de seus quadros os alunos que apresentam dificuldades relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem. O sucesso, neste caso, surge pela exclusão do aluno necessitado de auxílio e pela valorização do aluno que se adaptou ao sistema didático e pedagógico do estabelecimento de ensino. Podemos caracterizar esse contexto como favorável ao sucesso escolar? Parece que não. A tendência em compensar grandes índices de reprovação e evasão com a supervalorização de bons desempenhos acadêmicos individuais também é medida adotada por muitas escolas e que mascaram um legítimo processo de promoção do sucesso escolar. É muito comum ver em outdoors, espalhados pelas cidades, propagandas que destacam os primeiros colocados em vestibulares e processos de seleção e ingresso em universidades ou mesmo cargos profissionais como um indicativo de que aquela instituição tem qualidade de ensino e seus alunos obtêm sucesso em suas trajetórias escolares. Pós-Graduação a Distância Segundo Perrenoud (2003), a medida do sucesso escolar ainda é vista como a composição de dois fatores, a saber: (a) o grau de desempenho acadêmico do aluno, ou seja, suas notas e índices de aprovação e (b) a classificação das instituições de ensino por meio de diferentes sistemas de avaliação dos cursos. Este sistema tem seus méritos e estabelece relações diretas entre desempenho dos alunos e desempenho das instituições de ensino nos sistemas de avaliação, mas há problemas que necessitam de esclarecimentos, pois mascaram as possibilidades de promoção do sucesso escolar, que não pode ser confundido com alto desempenho acadêmico apenas. 37 O Sucesso Escolar Unidade III E os alunos que não obtiveram os primeiros lugares ou mesmo não foram classificados em vestibulares ou processos seletivos? O que fazer com eles? Esquecê-los? Deixá-los à margem do sucesso, com a sensação de que quase chegaram lá? Esse enfrentamento deve ser feito por todas as instituições de ensino que pretendem promover o sucesso escolar para todos os alunos, não somente para uma elite que obtêm desempenho favorável. Há aspectos relacionados ao sucesso escolar que fogem do domínio da escola, mas que podem e devem ser considerados por ela como parte de um programa que objetive o sucesso escolar de todos os alunos. As condições socioeconômicas do aluno, possíveis privações vivenciada por ele, contextos familiares disfuncionais, presença de doenças físicas ou psicológicas, enfim, distintos fatores impeditivos do sucesso na escola vão surgir no espaço escolar e não podem ser ignorados por ele. Uma boa escola, portanto, não é aquela que tem os melhores alunos. Uma boa escola é aquela que promove sucesso escolar para todos os seus alunos. Há muita coisa a ser trabalhada na escola no sentido da promoção do sucesso e da realização escolar. Perrenoud (2003) comenta: Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem A escola deve, sob o risco de ser fortemente questionada, assegurar o sucesso do maior número de alunos, não importa em que classe e em que tipo de estabelecimento: a sociedade não pode hoje tolerar que três quartos dos alunos repitam de ano. A avaliação, inscrita no funcionamento “normal” do sistema escolar é, pois, modulada em função dos contextos locais e dos contratos didáticos, de modo que se mantenha psicologicamente sustentável e socialmente aceitável. Mas as avaliações de sistema, que permitem comparar dados, não possuem tais restrições e podem “levar a sério os objetivos de formação”, o que supõe não somente construir um outro quadro das desigualdades em razão da padronização das provas, como também estimar de modo menos favorável a eficácia do sistema (p. 3). 38 Mas, afinal, o que é o sucesso escolar? É ter boas notas? É passar de ano? É não ser reprovado? Será que é isso? Passar de ano, ter boas notas e não sofrer reprovações definem o sucesso escolar de uma pessoa? Esses critérios são suficientes para que ela tenha sucesso ao longo de sua vida? Esta é uma questão que não permite respostas simplistas. O conceito de sucesso encerra uma dimensão subjetiva relevante. Ter sucesso é algo que se relaciona aos valores e às crenças de uma sociedade. Além desse condicionante sociocultural, “ter sucesso” é algo que se transforma com o tempo, com a evolução do conhecimento, das tecnologias, dos costumes. Entretanto, quando falamos de sucesso escolar parece que o grande elemento definidor é o desempenho acadêmico, o histórico escolar com notas altas, a ausência de reprovações. O sucesso, assim como o fracasso escolar, é definido pela escola, a ela está submetido e, muitas vezes, exclui a dimensão subjetiva contida no conceito de êxito. Não interessa o que o aluno pensa acerca do sucesso. Para que ele obtenha sucesso “na escola” deve atender aos critérios definidos pela instituição escolar. Perrenoud (2003) posiciona-se, de modo muito interessante, sobre esse tema: Esse processo de “fabricação” da excelência escolar é um processo de avaliação socialmente situado, que passa por transações complexas e está de acordo com as formas e as normas de excelência escolar, ancoradas no currículo vigente e na visão da cultura da qual a avaliação faz parte. É por isso que não se pode confundir os conhecimentos e as competências “efetivas” de uma criança e o julgamento de excelência escolar do qual ela é objeto. Isso não significa que o julgamento da escola é sem fundamento, mas sim que entre a realidade e o julgamento se interpõe uma série de mecanismos que podem banalizar ou dramatizar as diferenças reais. Em resumo, seria de bom senso considerar que o sucesso ou fracasso não são características intrínsecas dos alunos, mas o resultado de um julgamento feito pelos agentes do sistema educacional sobre a distância desses alunos em relação às normas de excelência escolar em vigor (p.15). O Sucesso Escolar Unidade III Observamos dois aspectos relacionados ao sucesso escolar e que não podem ser considerados isoladamente. O primeiro diz respeito ao que o sujeito compreende como obter sucesso na escola. Muitas vezes, o aluno se dá por satisfeito e se sente vitorioso com um desempenho bom, porém não excelente. Seu conceito de sucesso é permeado por seus valores, desejos e aspirações. O segundo aspecto diz respeito às concepções da escola sobre o que é o sucesso escolar. Em geral, a instituição de ensino condiciona uma trajetória escolar bem sucedida à aquisição de excelentes notas e evitação de situações de fracasso. O aluno pode, apesar do rígido padrão institucional, sentir-se realizado academicamente. Pode contar com o apoio de sua família nesse sentido, mas de nada adiantará porque o rótulo de bem ou mal sucedido será, em última instância, atribuído pela escola. Essa predominância dos valores escolares sobre os valores individuais é, por si só, fator de promoção de fracasso escolar, não de sucesso. A escola conhece a complexidade que permeia o processo de ensino e aprendizagem, sabe (pelo menos teoricamente) que os sujeitos têm estilos cognitivos diferenciados, expectativas particulares com relação ao seu desempenho, desejos singulares de aprender determinados conteúdos em detrimento de outros. A instituição escolar também reconhece que o ato de ensinar e aprender é sensível a inúmeras variáveis, a saber: o aluno, o professor, as crenças e valores de ambos, a organização curricular, as metodologias de ensino, as estratégias pedagógicas, os recursos disponíveis, os processos interativos e relacionais, entre tantas outras. Ensinar não é via de mão única, assim como aprender. São processos dialeticamente relacionados e que dependem da mediação adequada e dos processos interativos em sala de aula. Ensinar e aprender dependem, acima de tudo, das relações entre as pessoas, além de inúmeras outras competências docentes. A promoção do sucesso escolar permeia todos esses aspectos e só acontecerá quando houver ciência de que múltiplos fatores participam dessa empreitada e necessitam ser considerados em conjunto no momento de elaboração das estratégias de construção de um ensino que favoreça o sucesso na aprendizagem, na vida escolar e na vida pessoal. Algumas sugestões favorecedoras do sucesso escolar podem ser deduzidas dessa discussão. Vamos tratá-las como pontos de reflexão que podem desencadear políticas de sucesso escolar. O psicopedagogo que atua no âmbito institucional necessita dominar essa discussão com profundidade. Um dos seus papéis na escola é lutar por um ensino de qualidade e ser promotor de sucesso e realização para o aluno; portanto, ele deve prestar muita atenção aos argumentos elencados a seguir: • Sucesso escolar não significa, somente, boas notas e ausência de reprovação. • Todas as dimensões que estruturam o ato de ensinar e aprender devem ser consideradas como ferramentas promotoras de sucesso na escola. Portanto, muita atenção para com valores, crenças, métodos, estratégias pedagógicas, relação professor-aluno, interações em sala de aula e tantos outros aspectos que precisam se adequar às demandas do aluno, da sua família, da comunidade e do contexto social na busca do sucesso escolar. • As pesquisas mostram que alunos estimulados e que contam com apoio familiar apresentam melhor desempenho escolar. Trabalhar com a família do aluno é fator decisivo na busca do sucesso na escola. Criar ambientes culturais e educacionais ricos e desafiadores, que se estendam para além do momento didático da sala de aula, também é medida aconselhável. Pós-Graduação a Distância • Uma escola que pretende promover sucesso no processo de ensino e aprendizagem deve abrir mão de padrões e valores quantitativos que consideram apenas o bom desempenho como indicador de realização do aluno. 39 O Sucesso Escolar Unidade III • Não esquecer que uma escola promotora de sucesso escolar não é aquela que recebe o bom aluno e agrega aos seus conhecimentos certa quantidade de saberes a mais. A boa escola é aquela que recebe todo tipo de aluno e que trabalha no sentido de promover ensino de qualidade, favorecendo o sucesso de todos. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem E, finalmente, a escola promotora de sucesso escolar é aquela que entende que as pessoas aprendem de modos diferentes, em ritmos distintos. Ela respeita as individualidades, potencializa os talentos de seus alunos, polindo as arestas das dificuldades, apostando no sucesso de cada criança e sabendo que esse sucesso não atende apenas ao padrão da boa nota, mas, especialmente, às crenças e desejos de cada aluno de se sentir pleno e realizado. Se a escola faz diferença na vida do aluno para o bem, então ela é capaz de promover o sucesso escolar. 40 Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA, <http://www.dislexia.org.br/>, acesso em 2/5/2007. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE, <http://www. tdah.org.br/oque01.php>, acesso em 2/5/2007. CATARINO, Maria Cristina. Ferramentas estatísticas básicas para o gerenciamento de processos. Belo Horizonte: Fundação Cristiano Otoni, Escola de Engenharia da UFMG, 1995. (série Ferramentas da qualidade) CID-10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Décima Revisão – Volume I, 2000, <http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/cid10.htm>, acesso em 5/5/2007. DROUET, R. C. R. Distúrbios da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1995. DSM. IV, DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS, <http://virtualpsy.locaweb.com. br/dsm.php>, acesso em 5/5/2007. FICHTNER, N. Distúrbios de aprendizagem – aspectos psicodinâmicos e familiares. Em B. J. L. Scoz, E. Rubinstein, E. M. M. Rossa & L. M. C. Barone (Orgs.). Psipedagogia. O caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional (pp.56-65). Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. FONSECA, V. Dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GARCÍA, J. N. Manual de Dificuldades de Aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1998. PARENTE, S. M. B. A; RANNÃ, W. Dificuldades de aprendizagem: Discussão crítica de um modelo de atendimento. Em B. J. L. Scoz, E. Rubinstein, E. M. M. Rossa & L. M. C. Barone (Orgs.). Psicopedagogia. O caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional (pp.48-55). Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. PERRENOUD, P. Sucesso na escola: só o currículo, nada mais que o currículo! Cadernos de Pesquisa, 2003, n.119, pp. 9-27. ZORZI, J. L. Dificuldades na leitura e escrita. Contribuições da fonoaudiologia. Psicopedagogia, 13 (29), 15-23, 1994. WERNECK, Hamilton. Como encantar alunos da matrícula ao diploma. 3.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. XAVIER, Antonio C. da R.; AMARAL SOBRINHO, José. Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola: aumentando o desempenho da escola por meio do planejamento eficaz. 2.ed. Brasília: Programa FUNDESCOLA, 2006. <http://www.eps.ufsc.br/disserta98/lessa/cap2.htm>, acesso em: 8/2/2007. Pós-Graduação a Distância XAVIER, Antônio Carlos Ressurreição et al. Gestão escolar: desafios e tendências. Brasília: IPEA, 1994. 41 Textos Complementares Texto 01 – Crianças com Dificuldade de Aprendizagem: um Estudo de Seguimento Referência: Santos, L. C.; Marturano, E. M. (1999). Crianças com dificuldade de aprendizagem: um estudo de seguimento. Psicologia Reflexão e Crítica, vol. 12, 2, pp. 377-394. Luciana Carla dos Santo Edna Maria Marturano Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto Resumo Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Considerando que dificuldades de aprendizagem são fator de vulnerabilidade no desenvolvimento, intensificadas quando presentes outras condições adversas, buscou-se verificar a associação entre condições antecedentes e ajustamento atual, em adolescentes que, quando crianças, foram atendidos em um ambulatório de psicologia por dificuldades de aprendizagem. Os adolescentes e suas mães foram entrevistados. Dados referentes às condições de vida na época do atendimento foram obtidos em prontuários. Avaliados 41 adolescentes de ambos os sexos, com idade média de 13 anos e nove meses, foram constituídos dois grupos: G1, com nove adolescentes encaminhados a serviços de Saúde Mental por apresentarem atualmente dificuldades severas de ajustamento; G2, com dez adolescentes apresentando dificuldades mínimas de ajustamento. Comparando os grupos, observou-se maior acúmulo de fatores negativos antecedentes, familiares e pessoais, no grupo de adolescentes com pior ajustamento atual. Torna-se clara a necessidade de acompanhamento psicológico das crianças com dificuldade de aprendizagem associada a outras condições de vulnerabilidade. 42 Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem; ajustamento socioemocional. Children with learning problems: a follow-up study Abstract Considering that learning problems are a vulnerability factor throughout child development, mainly when other adversities are present, this research investigated the association between past conditions and present adjustment in adolescents who have attended a child guidance clinic because of their learning difficulties. The adolescents and their mothers were interviewed and data related to past life conditions were taken from their files. We assessed 41 adolescents of both sexes, with an age mean of 13,8 years. Of those, two groups were constituted. The first had nine adolescents referred to mental health services because of severe adjustment problems. The second, ten adolescents with minimal adjustment difficulties. The comparison between groups showed more personal and familiar negative past conditions among adolescents with poorer present adjustment. These results point to the need for psychological follow-up of children presenting learning problems associated with other vulnerability conditions. Keywords: Learning disability; socio-emotional adjustment. Consideram-se dificuldades de aprendizagem aquelas apresentadas ou só percebidas no momento de ingresso da criança no ensino formal. O conceito é abrangente e inclui problemas decorrentes do sistema educacional, de características próprias do indivíduo e de influências ambientais (PAÍN, 1985). Textos Complementares Dificuldades de aprendizagem são vistas como uma condição de vulnerabilidade psicossocial (RUTTER, 1987). A criança com dificuldade na aprendizagem pode desenvolver sentimentos de baixa autoestima e inferioridade (ERIKSON, 1971). Dificuldades na aprendizagem escolar frequentemente são acompanhadas de déficits em habilidades sociais e problemas emocionais ou de comportamento; essas associações se verificam, tanto quando se empregam critérios mais restritivos de identificação das dificuldades de aprendizagem (KAVALE & FORNESS, 1996), como em abordagens genéricas do insucesso escolar (HINSHAW, 1992). Assim, essa condição, quando persistente e associada a fatores de risco presentes no ambiente familiar e social mais amplo, podem afetar negativamente o desenvolvimento do indivíduo e seu ajustamento em etapas subsequentes. Na adolescência, o fracasso escolar persistente traz o risco de desadaptação psicossocial associado à evasão. O abandono da escola pode levar ao subemprego, à probabilidade aumentada de afiliar-se a grupos marginalizados e a outras circunstâncias que restringem o acesso a oportunidades favoráveis e aumentam a probabilidade de desadaptação (MAUGHAN, GRAY & RUTTER, 1985). Estudos de seguimento confirmam a condição de vulnerabilidade de adolescentes que apresentaram e/ou apresentam dificuldades de aprendizagem. A maior parte dos estudos disponíveis trata de dificuldades de aprendizagem diagnosticadas. Os adolescentes afetados mostram mais sinais de mau ajustamento pessoal e mais comportamentos antissociais (SPREEN, 1982), e apenas uma minoria se relaciona satisfatoriamente com seus companheiros (MCKINNEY,1989). Um estudo de seguimento, realizado em nosso meio, indicou que uma em cada cinco crianças referidas para atendimento psicológico em virtude de baixo rendimento escolar apresentou problemas sérios de adaptação na adolescência, como envolvimento com drogas, incidentes criminais e conflitos intensos nos relacionamentos (MARTURANO, 1997). Pesquisas de seguimento realizadas entre a meninice e a adolescência apontam que crianças que apresentaram comportamentos agressivos, mesmo que controlados, naquela fase, continuavam a apresentar tais comportamentos na adolescência, sendo estes comportamentos mais intensos quando comparados com adolescentes que não haviam apresentado tais características na meninice. Parece existir ainda alta correlação entre a estabilidade de comportamentos agressivos, no período que vai da meninice à adolescência, por um lado, e, por outro, maiores adversidades familiares e práticas educativas autoritárias. Indivíduos que apresentavam maior estabilidade da agressividade entre a meninice e a adolescência pertenciam a famílias que haviam passado por maiores adversidades ambientais e/ou famílias que aplicavam práticas educativas mais autoritárias, não promovendo o autocontrole em seus filhos (FELDMAN & WEINBERGER, 1994; TREMBLAY & HAAPASALO, 1994). Adolescentes que vêm de ambientes familiares inadequados, com práticas inafetivas, aparecem como menos populares, menos aceitos pelos pares e com maior probabilidade de dificuldades no ajustamento socioemocional e acadêmico (HART e COLS., 1990). Acresce que, com o passar dos anos de escolaridade dos filhos, os pais passam a monitorá-los menos. O envolvimento adequado dos pais com a escolaridade dos filhos promove não só o envolvimento dos filhos com esta, como também um melhor rendimento escolar e bom nível de autoestima (DEBARYSHE, PATTERSON & CAPALDI, 1993). A valorização, o engajamento e o encorajamento dos pais com relação à escolaridade dos filhos promovem nos filhos a motivação intrínseca para o aprendizado, e parecem associados ao maior grau de iniciativa dos filhos em sala de aula. Em contrapartida, pais que não se envolvem, não se engajam com a escolaridade dos filhos, ou cobram de maneira excessiva, geram um baixo nível de motivação intrínseca e um alto nível de motivação extrínseca, sendo que estes adolescentes têm baixa iniciativa em sala de aula (GINSBURG & BRONSTEIN, 1993). Pós-Graduação a Distância A dificuldade de relacionamento é uma variável que aumenta a vulnerabilidade do adolescente com problemas na aprendizagem, dada a importância dos relacionamentos com os pares nessa fase do desenvolvimento. Por outro lado, a família e as relações parentais também afetam a vida dos adolescentes, pois os sentimentos de apego, nesta fase, devem estar seguros para promover a competência social com os pares, ajustamento emocional, autoestima e menor dependência do suporte externo. A forma como os pais encaram a paternidade e as práticas educativas que utilizam fazem parte deste processo, que sofre a influência de diversas variáveis como características dos próprios pais, características dos filhos, contexto social, expectativas de pais e filhos, história prévia dos pais enquanto filhos, entre outras. A interação destes fatores leva a práticas parentais que agem, direta ou indiretamente, nos comportamentos, sentimentos e habilidades dos filhos (HART, LADD & BULERSON, 1990). 43 Textos Complementares O ambiente familiar sofre influências de diferentes variáveis, advindas de contextos com os quais pais e filhos interagem. A influência dessas variáveis sobre os pais parece associada a alterações em suas práticas educativas e, consequentemente, ao seu envolvimento com a escolaridade dos filhos. Entre as variáveis que parecem interferir diretamente nas práticas educativas temos: dificuldades econômicas, dificuldades conjugais, psicopatologias parentais, estressores do dia a dia, entre outras. Estas variáveis, que agem como pressões na vida familiar, influenciam de diferentes maneiras em cada fase do desenvolvimento dos filhos (DODGE, 1990; FAUBER, FOREHAND, MCTHOMAS & WIERSON, 1990; GRYCH & FINCHAM, 1990). Diferentes variáveis influenciam no risco de desajuste socioemocional e acadêmico dos adolescentes. Parece difícil uma relação direta entre uma dada variável e um problema de desajuste específico. No entanto, tem-se de forma bastante clara que, quanto maior o número de variáveis que agem de forma negativa sobre o ambiente familiar, práticas educativas e filhos, maior a vulnerabilidade dos filhos e probabilidade de apresentarem problemas de ajustamento e desempenho (FERGUSSON, HORWOOD & LAWTON, 1990; SAMEROFF, SEIFER, BALDWIN & BALDWIN, 1993). Assim, ao se pensar no ajustamento atual de adolescentes que, quando crianças, apresentaram dificuldades de aprendizagem, temos que considerar as variáveis ligadas à família e ao adolescente, além das novas características deste período do desenvolvimento. Diante desse contexto, o presente trabalho teve como objetivo verificar como se encontram, quanto a condições adaptativas, ex-clientes de uma clínica-escola de Psicologia, que foram atendidos em razão de dificuldades de aprendizagem e receberam alta clínica. Buscou-se verificar a situação atual desses clientes, atualmente adolescentes, quanto à escolaridade e aos relacionamentos familiares e sociais mais amplos. Procurou-se alcançar esse objetivo através de um estudo de seguimento, em que a situação pessoal atual do adolescente foi associada com variáveis presentes em dois momentos de seu percurso de vida: a) características pessoais (recursos e dificuldades) e ambientais (recursos e adversidades) relatadas por ocasião do atendimento; b) características do ambiente atual, relatadas no seguimento. Esse delineamento se baseou em dois pressupostos: o primeiro era que adolescentes com melhor adaptação atual teriam contado com condições mais favoráveis, quer pessoais, quer familiares, em seu percurso da meninice à adolescência; o segundo, que tais condições se refletiriam nas medidas obtidas em dois momentos desse percurso. Método Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Participantes 44 A amostra deste estudo foi composta de 41 adolescentes (26 meninos), com média de idade de treze anos e nove meses, e suas respectivas mães ou responsáveis. Esses adolescentes, quando crianças, haviam passado por avaliação e atendimento psicopedagógico de no mínimo seis meses, em uma clínica-escola de Psicologia, por dificuldade na aprendizagem escolar, e haviam recebido alta clínica há pelo menos dois anos (média três anos). Instrumentos e Procedimentos Primeira Fase: Início do Atendimento Para a identificação dos recursos e adversidades na família e recursos e dificuldades da criança no início do atendimento, foram consultados os registros referentes às entrevistas de anamnese, realizadas durante o processo diagnóstico, de acordo com um roteiro padronizado que inclui os seguintes tópicos: queixa, história escolar, trajetória de desenvolvimento, ambiente de desenvolvimento e aprendizagem, dinâmica familiar e relacionamentos sociais. As informações foram classificadas quanto a recursos e adversidades apresentados pela família e recursos e dificuldades apresentados pela criança no início do atendimento, utilizando-se o Guia para Classificação de Recursos e Adversidades, previamente elaborado e testado por Marturano, Alves e Santa Maria (1996). Esse guia inclui as seguintes classes de recursos e adversidades na família: condições pré-natais, condições duradouras, eventos desestabilizadores, relacionamento pais-criança, sentimentos e crenças dos pais sobre a criança, práticas educativas, condições incidindo sobre a mãe, aspectos ligados ao desenvolvimento e aprendizagem, ambiente social mais amplo. Quanto às classes relacionadas aos recursos e dificuldades da criança são incluídas as seguintes áreas: funcionamento cognitivo, área escolar, humor e afetos, sociabilidade, habilidades da vida diária, comportamento Textos Complementares funcional. Esta classificação, como as demais que utilizaram o mesmo guia, foi feita por uma auxiliar de pesquisa, psicóloga, que não participou das entrevistas e desconhecia as informações sobre os adolescentes. Segunda Fase: Seguimento Os instrumentos utilizados nessa fase foram um Roteiro de Entrevista de Seguimento, a Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter e o Questionário de Monitoramento Parental. O Roteiro de Entrevista de Seguimento, aplicado às mães, incluía itens referentes a evolução clínica, história escolar, novas queixas, dinâmica familiar e relacionamentos sociais. Foi testado quanto à estabilidade em duas aplicações, com vinte dias de intervalo, realizadas com duas mães. Após as entrevistas, os relatos foram classificados quanto aos recursos e adversidades em diferentes áreas da vida e funcionamento da família e do adolescente. Verificada a equivalência das duas classificações, item por item, os índices de estabilidade obtidos foram de 84% e 68%. A Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter, traduzida e adaptada por Graminha (1994), inclui 36 itens, fornecendo um escore global, assim como escores relativos a problemas de saúde, hábitos e de comportamento. O Questionário de Monitoramento Parental focaliza a supervisão fornecida pelos pais aos filhos, relatada pelos filhos. Foi elaborado para esta investigação, a partir dos estudos de Goodyer, Wright e Altham (1990) e McNally, Einsenberg e Harris (1991). O questionário é composto de 32 questões fechadas. Dessas, 14 são dirigidas ao tipo de monitoramento fornecido pelo pai, 14 são dirigidas ao tipo de monitoramento fornecido pela mãe e quatro dirigidas ao tipo de monitoramento fornecido pelos pais em conjunto. O índice médio de estabilidade, alcançado em duas aplicações, com duas semanas de intervalo, feitas com três adolescentes, foi de 95%. Foram enviadas cartas e/ou feitos telefonemas convidando os ex-clientes para uma entrevista de seguimento. Todas as famílias solicitadas concordaram, com exceção de um adolescente, tendo sido realizada a entrevista, neste caso, somente com sua mãe. Para investigar a associação entre a situação atual do adolescente e as condições pessoais/ambientais atuais, bem como entre sua situação atual e as condições pessoais e ambientais anteriores, foram constituídos dois grupos, a partir dos dados obtidos no seguimento com as mães/responsáveis e adolescentes: Grupo 1, formado pelos onze adolescentes que, por apresentarem problemas adaptativos sérios, haviam sido encaminhados a serviços de psicologia/psiquiatria; Grupo 2, composto pelos onze sujeitos que, na avaliação da entrevistadora, apresentavam os melhores indicadores de adaptação escolar e social. Para verificar a adequação desse procedimento de composição dos grupos, pediu-se a uma psicóloga com formação em Psicopedagogia Clínica que classificasse os 41 sujeitos, a partir das transcrições das entrevistas de seguimento com a mãe/responsável e com o adolescente, em três grupos, de acordo com o grau de adaptação escolar e social, forçando a classificação para que cada grupo tivesse no mínimo dez sujeitos. Comparados os dois grupos extremos resultantes dessa segunda classificação com aqueles resultantes da classificação da entrevistadora, houve três desacordos, sendo dois no grupo dos adolescentes mais prejudicados e um no grupo considerado mais bem adaptado. Excluídos esses casos, o Grupo 1 (G1) ficou com nove sujeitos e o Grupo 2 (G2), com dez. A Tabela 1 apresenta uma caracterização dos dois grupos e da amostra total quanto a idade, escolaridade, atraso escolar dos adolescentes, escolaridade dos pais, pais e adolescentes que trabalham, tempo decorrido entre a alta clínica e seguimento e composição familiar. Pós-Graduação a Distância As entrevistas de seguimento foram conduzidas pela primeira autora, psicóloga com treinamento clínico, e prosseguiram da seguinte forma: inicialmente entravam na sala mãe ou responsável e adolescente; os objetivos da pesquisa eram explicados e, caso concordassem, a mãe assinava o Termo de Consentimento Informado. Os instrumentos eram aplicados em entrevistas individuais, separadamente, com o adolescente e sua mãe. Em seguida, era feita uma devolução conjunta, propondo-se, quando julgado necessário, os encaminhamentos cabíveis. Em virtude de dificuldades adaptativas detectadas durante as entrevistas de seguimento, onze adolescentes foram encaminhados para serviços de psiquiatria ou psicologia da comunidade. 45 Textos Complementares Tabela 1 – Caracterização de Amostra Variável Masculino Sexo Idade em anos escolaridade Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Q.I. 46 G1 6 G2 4 Amostra Total 26 Feminino 3 6 15 11-12 3 4 10 13-14 2 2 17 15-17 4 4 14 3ª – 4ª 2 2 9 5ª 3 4 16 6ª 2 3 10 7ª 1 1 3 Classe especial 0 0 1 não estuda 1 0 2 <70 2 2 10 70 – 79 2 4 12 80 5 5 19 atraso escolar 0 1 2 3 em anos 1 – 2 4 4 20 3 – 4 3 2 7 5 – 8 1 2 7 escolaridade analfabeto 1 1 3 da mãe 1 a 4 anos 3 6 18 5 a 8 anos 2 1 11 9 anos ou mais 3 2 9 não consta 1 1 4 analfabeto 1 0 1 1 a 4 anos 3 5 14 5 a 8 anos 2 2 16 9 anos ou mais 2 2 6 escolaridade do pai Os resultados obtidos nos dois grupos foram comparados através do Teste U de Mann-Whitney (p£ 0,05). Resultados Primeiramente serão apresentados os resultados referentes às características das crianças e das famílias no início do atendimento, obtidos pela classificação dos registros das entrevistas de anamnese. A Tabela 2 apresenta os resultados da análise estatística. Nesta tabela, como nas demais, foram incluídas médias e valores de p£ 0,10 a fim de permitir não apenas a identificação das diferenças significativas entre os grupos, mas também a visualização de tendências nos dados. Textos Complementares Observa-se na Tabela 2 que, nas variáveis onde se detectou diferença significativa, os escores referentes às adversidades das famílias e dificuldades das crianças no início são sempre maiores em G1, o grupo mais prejudicado no seguimento. Tabela 2. Diferenças entre o Grupo G1 e o Grupo G2, no Início do Atendimento, nos Itens Recursos e Adversidades da Família e Recursos e Dificuldades da Criança Duas variáveis mostraram resultados próximos ao nível de significância considerado no trabalho (0,05). Essas variáveis foram: dificuldade da criança quanto ao comportamento funcional, na qual G1 apresentou média maior que G2, e recursos da criança quanto à sociabilidade, na qual G1 apresentou média menor que G2. Pós-Graduação a Distância Tabela 2 – Diferenças entre o Grupo G1 e o Grupo G2, no ínicio do atendimento, nos itens Recursos e Adversidades da Família e Recursos e Dificuldades da Criança. Variável Médias G1 G2 p Adversidades da Família Condições pré-natais 1,2 1,0 n. s. Adversidades crônicas 1,1 0,7 0,021 Eventos desestabilizadores 0,9 0,6 n. s. Relacionamentos pais-criança 2,1 0,5 0,029 Sentimentos e crenças dos pais 0,3 0,0 n. s. Sobre os filhos Condições adversas incidindo sobre a mãe 0,9 0,0 0,008 Práticas educativas 1,2 0,8 n. s. Falha apoio desenvolvimento e aprendizagem 1,0 0,7 n. s. Outras dificuldades 0,4 0,3 n. s. Ambiente social mais amplo 0,3 0,0 n. s. Total de adversidades no ambiente 10,0 4,0 0,004 Recursos da família Condições estáveis 0,7 0,7 n. s. Relacionamentos pais-criança 1,4 1,9 n. s. Práticas educativas 1,1 1,1 n. s. Apoio para desenvolvimento e aprendizagem 4,1 2,5 0,090 Outros recursos 0,1 0,2 n. s. Total de recursos no ambiente 7,4 6,3 n. s. Dificuldades de criança Funcionamento cognitivo 0,8 1,2 n. s. Área escolar 3,9 2,8 n. s. Humor e afetos 2,6 1,5 0,098 Sociabilidade 3,8 1,7 0,042 Habilidades de vida diária 1,2 0,5 n. s. Comportamento funcional 2,4 1,3 0,052 Outras dificuldades 1,0 1,4 n. s. Total de dificuldades da criança 15,7 10,4 0,012 Recursos da criança Funcionamento cognitivo 0,6 0,3 0,071 Área escolar 1,7 0,8 n. s. Humor e afetos 1,1 1,0 n. s. Sociabilidade 1,7 2,7 0,052 Habilidades de vida diária 2,2 2,5 n. s. Total de recursos da criança 8,3 7,3 n. s. 47 Textos Complementares Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem As Tabelas 3 a 5 apresentam os resultados referentes às condições dos adolescentes e das famílias no seguimento. Esses dados foram obtidos do Roteiro de Entrevista de Seguimento com mãe/responsável, da ECI e do Questionário de Monitoramento Parental. Observa-se na Tabela 3 que G1 apresenta um número significativamente maior de adversidades relacionadas à família e dificuldades relacionadas ao adolescente. Essas adversidades e dificuldades estão ligadas a aprendizagem, sociabilidade e relacionamentos. Quanto aos recursos dos adolescentes no seguimento, os adolescentes de G2 apresentam mais recursos relacionados à escolaridade e um maior número total de recursos. 48 Tabela 3 – Diferenças dos itens Recursos e Adversidades da Família e Recursos e Dificuldades da criança entre G1 e G2, no Seguimento Variável Médias G1 G2 p Adversidades da Família Adversidades crônicas 1,4 0,5 0,037 Eventos desestabilizadores 0,8 0,4 n. s. Relacionamentos pais-adolescentes 1,7 0,5 0,031 Sentimentos e crenças dos pais sobre os filhos 0,6 0,0 0,022 Práticas educativas 1,7 0,7 0,088 Condições adversas incidindo sobre a mãe 1,0 0,3 0,058 Falha apoio desenvolvimento e aprendizagem 1,9 0,2 0,002 Outras dificuldades 0,3 0,1 n. s. Ambiente social mais amplo 0,6 0,0 0,022 Total de adversidades no ambiente 9,9 2,9 0,001 Recursos da família Condições estáveis 0,4 0,9 0,091 Relacionamentos pais-filho 2,2 2,3 n. s. Sent. e crenças dos pais sobre os filhos 0,1 0,0 n. s. Práticas educativas 2,0 1,4 n. s. Apoio para desenvolvimento e aprendizagem 2,6 2,6 n. s. Outros recursos 0,1 0,1 n. s. Total de recursos no ambiente 7,0 7,3 n. s. Dificuldades do adolescente Funcionamento cognitivo 0,9 0,3 n. s. Área escolar 3,3 0,6 0,000 Humor e afetos 2,4 0,5 0,007 Sociabilidade 3,6 0,8 0,002 Habilidades de vida diária 1,0 0,3 0,058 Comportamento funcional 1,1 0,6 n. s. Outras dificuldades 0,9 0,4 0,079 Total de dificuldades da criança 13,1 3,5 0,001 Recursos do adolescente Funcionamento cognitivo 0,1 0,0 n. s. Área escolar 1,5 2,9 0,012 Humor e afetos 1,3 0,7 n. s. Sociabilidade 1,9 2,9 0,091 Habilidades de vida diária 2,8 3,2 n. s. Total de recursos da criança 7,7 9,7 0,039 Novamente duas variáveis atingiram um nível de significância próximo ao aceito pelo trabalho; estas variáveis foram: condições adversas incidindo sobre a mãe e dificuldades da criança nas habilidades de vida diária. Em ambas, G1 apresentou média maior que G2. Textos Complementares Tabela 4 – Diferenças entre os grupos G1 e G2, no seguimento, em itens Relativos a problemas de Comportamento da ECI Variável Médias G1 G2 p Saúde: Tem dores de cabeça 1,1 0,9 n. s. Tem dor de estômago e vômito 0,4 0,3 n. s. Asma ou crises respiratórias 0,3 0,1 n. s. Faz xixi na cama ou nas calças 0,0 0,3 n. s. Faz cocô na roupa 0,3 0,0 n. s. Fica mal humorado e nervoso 1,2 0,8 n. s. Dá trabalho ao chegar/entrar na escola 0,2 0,0 n. s. Escore total relativo à saúde 3,7 2,2 n. s. Hábitos: Gagueja 0,2 0,2 n. s. Dificuldade com a fala 0,1 0,3 n. s. Rouba/pega coisas dos outros escondido 0,3 0,0 n. s. Dificuldade na alimentação 0,2 0,1 n. s. Dificuldade com o sono 0,7 0,4 n. s. Medo de alguma coisa 1,1 0,4 0,080 Movimento repetitivo no corpo ou tique 0,2 0,0 n. s. Escore total relativo a hábitos 2,9 1,4 0,066 Comportamentos: Agitado 1,1 0,9 n. s. Impaciente e irrequieto 1,6 0,6 0,009 Destrói suas próprias coisas/dos outros 0,8 0,2 0,011 Briga frequentemente 1,1 0,4 0,080 Não é querido pelas outras crianças 0,2 0,1 n. s. Fica facilmente preocupado 1,6 1,3 n. s. Tende a ser fechado e solitário 1,1 0,8 n. s. Irritável 1,1 0,9 n. s. Frequentemente parece tristonho 0,8 0,5 n. s. Chupa frequentemente os dedos 0,2 0,0 n. s. Rói frequentemente as unhas 1,1 0,6 n. s. Muitas vezes desobediente 1,0 0,2 0,027 Fica pouco tempo em uma atividade 1,0 0,4 n. s. Tem medo de situações/coisas novas 1,4 0,5 0,025 É uma criança difícil, complicada 0,4 0,0 n. s. Muitas vezes fala mentira 1,4 0,4 0,016 Maltrata outras crianças 0,4 0,2 n. s. Fala Palavrões 0,4 0,3 n. s. Muito agarrado à mãe 1,2 1,1 n. s. Acanhado com pouco conhecidos 1,3 0,9 n. s. Inseguro, não tem autoconfiança 1,8 0,7 0,013 Escore total relativo a comportamento 21,3 11,0 0,006 Escore Global na ECI 27,9 14,6 0,009 A Tabela 5 mostra os dados referentes ao monitoramento que os pais individualmente ou em conjunto prestam aos filhos, na percepção dos adolescentes. Observa-se que pais e mães de G2 aparecem como incentivando mais seus filhos a serem Pós-Graduação a Distância A Tabela 4 mostra as diferenças entre os grupos, no seguimento, em itens relativos a problemas de comportamentos da ECI. Pode-se constatar que todas diferenças significativas dão vantagem a G2, inclusive no escore global. Segundo a padronização de Graminha (1994), quando o escore global na ECI é maior que 16, isto sinaliza necessidade de atendimento psicológico ou psiquiátrico na percepção dos pais. Uma inspeção dos dados mostrou que, dos nove sujeitos de G1, oito ultrapassaram o escore 16, enquanto apenas três dos dez sujeitos de G2 ultrapassaram este escore. 49 Textos Complementares Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem independentes, além de conjuntamente conversarem mais com eles. Uma variável que apareceu como tendo índice de significância próximo ao considerado pelo trabalho foi o total de monitoramento das mães, no qual G2 apresenta média maior que G1. 50 Tabela 5 – Diferenças entre os Grupos G1 e G2, no Seguimento, em itens do Questionário de Monitoramento Parental Variável Médias G1 G2 p Monitoramento pelo pai Quando tem problema fora conta para o pai 0,3 0,7 n. s. Pode contar com o pai quando tem problema 0,9 1,5 n. s. Pai incentiva a fazer sempre o melhor 0,9 1,7 0,075 Pai incentiva a ser independente 0,0 1,6 0,0001 Pai ajuda nos trabalhos escolares 0,7 0,8 n. s. Pai fica sabendo de notas boas 1,1 1,6 n. s. Pai fala algo quanto tira nota boa 0,9 1,1 n. s. Pai fica sabendo de notas ruins 0,9 1,3 n. s. Pai fala algo quando tira nota ruim 0,9 1,2 n. s. Quando quer que faça algo o pai explica o porquê 0,7 1,2 n. s. Pai conhece os amigos do filho 0,8 1,4 n. s. Pai sabe onde o filho está quando não está em casa 1,1 1,1 n. s. Total de monitoramento do pai 9,1 15,4 n. s. Monitoramento pela mãe Quando tem problema fora conta para o mãe 1,3 1,5 n. s. Pode contar com o mãe quando tem problema 1,4 2,7 n. s. Mãe incentiva a fazer sempre o melhor 1,7 2,0 n. s. Mãe incentiva a ser independente 0,7 1,9 0,006 Mãe ajuda nos trabalhos escolares 1,2 1,3 n. s. Mãe fica sabendo de notas boas 1,8 1,9 n. s. Mãe fala algo quanto tira nota boa 1,8 1,7 n. s. Mãe fica sabendo de notas ruins 1,1 1,4 n. s. Mãe fala algo quando tira nota ruim 1,9 1,6 n. s. Quando quer que faça algo o mãe explica o porquê 1,1 1,9 0,063 Mãe conhece os amigos do filho 1,2 1,8 0,086 Mãe sabe onde o filho está quando não está em casa 1,6 1,8 n. s. Total de monitoramento do mãe 16 20,5 0,027 Monitoramento dos pais em conjunto Tem hora para chegar em casa durante a semana 1,4 1,1 n. s. Tem hora para chegar nos finais de semana 1,3 0,9 n. s. Família costuma fazer atividade junta 1,1 1,7 n. s. Pais costumam conversar com o filho 0,6 1,8 0,005 Total de monitoramento dos pais 4,6 5,5 n. s. Tabela 3. Diferenças dos Itens Recursos e Adversidades da Família e Recursos e Dificuldades da criança entre G1 e G2, no Seguimento Tabela 4. Diferenças entre os grupos G1 e G2, no seguimento, em Itens Relativos a Problemas de Comportamento da ECI Tabela 5. Diferenças entre os Grupos G1 e G2, no Seguimento, em Itens do Questionário de Monitoramento Parental Textos Complementares Discussão O presente trabalho teve como objetivo verificar como se encontram, quanto a condições adaptativas, ex-clientes de uma clínica-escola de Psicologia que foram atendidos por dificuldades de aprendizagem e receberam alta clínica. Procurou-se alcançar esse objetivo de um estudo de seguimento, em que a situação pessoal do adolescente é relacionada com variáveis ambientais e características pessoais, relatadas na ocasião do atendimento e no seguimento. A avaliação clínica dos adolescentes, no seguimento, mostrou que pelo menos um em cada cinco apresentava problemas adaptativos sérios, requerendo ajuda especializada. Esse resultado coincide com o do estudo de seguimento relatado por Marturano (1997). Comparando-se o grupo que apresentava maiores dificuldades adaptativas no seguimento, necessitando de encaminhamentos a serviços de saúde mental, ao grupo com melhores condições adaptativas no seguimento, os resultados encontrados confirmaram dados da literatura, indicando a persistência da associação entre dificuldades de aprendizagem e de sociabilidade entre a meninice e a adolescência (KAVALE, 1988; MCKINNEY, 1989). Somando-se à condição antecedente de maior vulnerabilidade pessoal na meninice, os adolescentes mais prejudicados parecem ter sofrido maior acúmulo de adversidade familiar naquela fase. Algumas condições se repetem nos dois momentos, sugerindo estabilidade em fatores negativos como adversidade crônica e problemas de relacionamento pais-criança. Sendo o contexto familiar a principal fonte externa de recursos de que a criança dispõe para lidar com a adversidade, pode-se supor que a sobrecarga de situações adversas tenha tornado menos potente o suporte oferecido pela família. Uma variável que merece atenção especial no seguimento é a relacionada às dificuldades de relacionamento pais-filhos, que neste período da adolescência tem uma implicação ainda maior no ajustamento do adolescente. As dificuldades de relacionamento pais-filhos reforçam nos filhos a busca de companheiros que nem sempre são adequados. Existe ainda a tendência dos filhos a repetir com os pares os modelos de relacionamento que aprendem com os pais, passando muitas vezes a serem discriminados, visto que não apresentam condutas esperadas pelo grupo de pares (HART e COLS., 1990). Os resultados fornecidos pela ECI mostram que os adolescentes mais prejudicados efetivamente apresentaram escore bem acima do ponto de corte estabelecido por Graminha (1994) como sendo indicador de problemas de comportamento. Esse grupo também apresentou maiores escores em itens como: impaciência, medo ou receio de situações novas, mentira e insegurança, que de certa forma estão relacionados a dificuldades de autocontrole e baixa autoestima. As diferentes formas de os pais educarem e interagirem com seus filhos influem no desenvolvimento do autocontrole e de uma boa autoestima (BROWN, MOUNTS, LAMBORN & STEINBERG, 1993; FELDMAN & WEINBERGER, 1994; FULIGNI & ECCLES, 1993; STEINBERG, LAMBORN, DORNBUSH & DARLIN, 1992; TREMBLAY & HAAPASALO, 1994; VUCHINICH, BANK & PATTERSON, 1992). Este fato parece claro ao observarmos os resultados do grupo mais vulnerável, em que a família, tanto no início como no seguimento, apresentou maiores dificuldades ligadas ao relacionamento pais-filhos, ficando difícil proporcionar o desenvolvimento destes sentimentos nos filhos. Esses dados parecem ainda diretamente ligados ao fato de as famílias deste grupo, desde o início, apresentarem um maior número de adversidades. Diferentes situações de stress interferem sobre as práticas educativas dos pais, fazendo com que estas se tornem menos efetivas, parecendo ter efeitos diretos no ajustamento dos filhos (FERGUSSON e COLS., 1990). Quanto aos itens relativos ao monitoramento dos pais aos filhos, relatado pelos adolescentes, pode-se observar que os itens com diferenças significativas entre os grupos foram o incentivo da mãe para o filho ser independente, incentivo do Pós-Graduação a Distância Enquanto as características pessoais e familiares vinculadas às relações interpessoais parecem estáveis, diferenciando os grupos desde a meninice, as diferenças na esfera da escolaridade só aparecem no seguimento, afetando tanto os adolescentes como suas famílias. No momento atual, em relação à escolaridade, não só as dificuldades familiares e pessoais do grupo mais vulnerável são maiores, como também seus recursos são mais reduzidos. Por outro lado, o grupo mais adaptado apresenta maior diversidade de recursos, que podem estar atuando como agentes protetores. Pode-se supor que, ao longo do tempo, efeitos interacionais cumulativos entre características pessoais e ambientais tenham conduzido as crianças dos dois grupos a diferentes trajetórias escolares. As crianças com menos dificuldades pessoais/ familiares puderam superar a dificuldade escolar precoce, ao passo que, naquelas com maiores dificuldades, os problemas escolares persistiram. 51 Textos Complementares pai para o filho ser independente e a prática de os pais conversarem conjuntamente com seus filhos. Estes itens parecem também diretamente ligados a formas de práticas educativas. Práticas educativas assertivas são aquelas que respeitam as novas necessidades do adolescente, colocam limites claros, deixam que os filhos participem das decisões da família e comunicam a estes o porquê de suas atitudes, ou seja, uma prática com autoridade e não autoritária ou permissiva. Pais que usam de práticas mais assertivas costumam ter filhos melhor ajustados socioemocionalmente (BROWN e COLS., 1993; FULIGNI & ECCLES, 1993; STEINBERG e COLS., 1992; VUCHINICH e COLS., 1992). Observou-se que os resultados encontrados estão coerentes com a literatura, enfatizando a necessidade de seguimento dos ex-clientes e suas famílias, pois uma parte deles apresentou dificuldades posteriores de adaptação, sinalizando vivenciar adversidades familiares e problemas pessoais. Nota-se, dos resultados obtidos, que as inter-relações existentes entre o indivíduo e sua família afetam o nível de ajustamento psicossocial. A família deveria constituir a principal fonte de suporte aos filhos, já que quanto mais íntimas forem as relações, maior a probabilidade de o suporte ser efetivo. No entanto, sabe-se que muitas vezes a família torna-se a principal fonte de stress do filho (HOBFOLL, FREEDY, LANE & GELLER, 1990). Tem-se, assim, que indivíduos que contam com mais condições favoráveis ao longo de seu desenvolvimento tornam-se melhor adaptados. Em consonância com um dos pressupostos adotados neste trabalho, verificou-se que adolescentes com melhor adaptação atual contaram efetivamente com condições mais favoráveis, pessoais e familiares, na meninice e na adolescência. Referências Brown, B. B.; Mounts, N.; Lamborn, L. D.; Steinberg, L. (1993). Parenting practices and peer group affiliation in adolescence. Child Development, 64, 467-482. Debarsyshe, B. D.; Patterson, G. R.; Capaldi, D. M. (1993). A performance model for academic achievement in early adolescent boys. Developmental Psychology, 29, 795-804. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Dodge, K. A. (1990). Development psychopathology in children of depressed mothers. Developmental Psychology, 31, 425-427. 52 Erikson, E. H. (1971). Infância e sociedade. (Gildásio Amado, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. 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Crianças com dificuldades escolares: Recursos e adversidades na família [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXVI Reunião Anual de Psicologia (p.117). Ribeirão Preto: SP. Maughan, B.; Gray, G.; Rutter, M. (1985). Reading retardation and antisocial behaviour: A follow-up into employment. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 26, 741-758. McKinney, J. D. (1989). Longitudinal research on the behavioral characteristics of children with learning disabilities. Journal of Learning Disabilities, 3, 141-150. McNally, S.; Eisenberg, N.; Harris, J. D. (1991). Consistency and change in maternal child-rearing practices and values: A longitudinal study. Child Development, 62, 190-198. Paín, S. (1985). Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas. Rutter, M. (1987). Psychosocial resilience and protective mechanisms. American Journal of Orthopsychiatry, 57, 316-331. Sameroff, A. 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Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Edna Maria Marturano é Psicóloga, Professora Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP e Docente nos Cursos de Pós-Graduação em Ciências Médicas (área de Saúde Mental) e Psicologia, na Universidade de São Paulo/ Ribeirão Preto. Coordena o Ambulatório de Psicologia Infantil do Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto, onde mantém atividades de pesquisa, formação de recursos humanos e desenvolvimento de intervenções preventivas, focalizando crianças que vivem em situação de risco psicossocial e suas famílias. 54 Textos Complementares Texto 02 – Facilitar a Aprendizagem: Ajudar aos Alunos a Aprender e a Pensar Referência: ALMEIDA, Leandro S. Facilitar a aprendizagem: ajudar aos alunos a aprender e a pensar. Psicologia escolar e educacional, dez. 2002, vol. 6, n. 2, p. 155-165. Leandro S. Almeida Universidade do Minho – Portugal Resumo Teorias recentes da aprendizagem salientam o papel ativo do aluno e, logicamente, a sua capacitação prévia para assumir essa responsabilidade. Assumindo aprender como construir conhecimento estável e com significado pessoal, importa, então, que a escola e o professor estejam capazes de desenvolver nos alunos capacidades, atitudes e comportamentos de maior autonomia na regulação dos seus comportamentos escolares. Tal regulação, por um lado, pressupõe o autoconhecimento dos alunos em termos das suas características e capacidades, e por outro, uma análise atenta das especificidades de cada tarefa escolar a realizar. Os programas de treino cognitivo e de desenvolvimento de estratégias de estudo ou de aprendizagem, na sua grande maioria fundamentados nos autores da psicologia educacional, são hoje assumidos como ferramentas de ação tendo em vista aqueles objetivos. A formação dos professores e a entrada mais sistemática dos psicólogos nas escolas emergem, então, como requisitos para uma escola de sucesso para todos ou a generalidade dos alunos. Palavras-chave: Aprendizagem, Cognição, Sucesso escolar, Treino cognitivo. Abstract Key words: Learning, Cognition, School success, Cognitive training. Introdução Várias funções sociais são usualmente atribuídas à escola. Embora tais funções não assumam estatuto de exclusividade, certo que a presença e a importância de cada uma delas varia no tempo e no espaço, sobretudo em função do modelo educativo de cada país. Tais funções, por exemplo, podem apresentar-se claramente contrastadas, indo desde as mais genuinamente ligadas ao desenvolvimento psicossocial dos indivíduos até as mais ligadas à sua seriação social (Spady, 1974). Assim, podemos falar em funções instrucionais, precisamente a imagem mais frequente da escola por parte da Pós-Graduação a Distância Recent learning theories point out active student’s role and, logically, his previous training for assuming this responsability. Assuming learning as stable and personal meaning knowledge, it is important that school and teachers develop capacities, attitudes and behaviours of higher autonomy and self-regulation in the students. Such regulation presupposes, on one side, students’ self-knowledge in terms of personal characteristics and capacities, and in the other side an attentive analysis of the specificities of each school task. Cognitive training and learning strategies development programs, most of them based in Educational Psychology theories, are assumed today as instruments to attend these objectives. In order to have a successful school to all or for the generality of students, the teachers’ training and the existence of psychologists in the schools are the most important requirements. 55 Textos Complementares sociedade e das famílias (incremento da informação dos sujeitos, aquisição de conhecimentos curriculares), funções de desenvolvimento e de socialização (desenvolvimento de atitudes e competências, integração social), funções de custódia (suporte a uma família de número reduzido de elementos na qual ambos os pais trabalham, controle social), funções de certificação (empresas e outras instituições tomam os créditos, diplomas e certificados escolares na seleção dos seus quadros) e funções de estratificação social (toda a escolaridade, por níveis sucessivos de exigência e de seleção, é também uma forma de se estratificar uma sociedade). A valorização excessiva da função instrucional da escola, ou da sua dimensão curricular, tem dado origem a discursos clamando por uma escola que proporcione aos alunos os conhecimentos científicos e técnicos necessários à sua integração profissional. Para Patrício (1989), a perspectiva tecnocrática da nossa sociedade, ao sobrevalorizar tais saberes e fazeres técnicos no homem, e ao colocá-los “a governar, em última instância, o seu ser” (p. 115), incentiva uma escola a serviço da produção e não a serviço do homem e da cultura. Essa perspectiva tem sido responsável por um ensino centrado na transmissão de saberes ou por uma aprendizagem reduzida à sua apreensão e memorização. Logicamente que, num ensino tão despersonalizado, grupos numericamente expressivos de alunos vão sentindo a escola como compulsiva (mais que um direito), e vão diminuindo a sua frequência e a sua motivação face às dificuldades acumuladas de aprendizagem. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Mudanças e inovações são esperadas da escola. Mais e melhores espaços, melhores instalações, atualizações de conteúdos, programas e manuais, melhores equipamentos, laboratórios e material didático ou maiores verbas e melhor gestão, exemplificam mudanças num sistema já mais preocupado com a qualidade do que com a quantidade. A gestão flexível do currículo é uma aposta recente dos vários sistemas educativos. Uma escola e um currículo que tomem em conta as características e projetos dos alunos não são preocupações de hoje. A sua prossecução pressupõe a capacidade de iniciativa da escola e a necessária formação dos professores. Como espaço de crescimento e de vida, a escola tem de saber ser, sobretudo, uma instituição pedagogicamente organizada e isso não se compadece com qualquer postura “massificante”. O seu objetivo central deve ter em vista a transformação e o desenvolvimento pessoal dos intervenientes. Isso dificilmente é conseguido numa “escola de massas” sem espaços de individualização, de diferenciação, de respeito e de cooperação. Nessa altura, a escola estará, sobretudo, ao serviço dos educandos e, nesse sentido, proporcionar-lhes-á tempos e espaços para o seu desenvolvimento psicossocial e realização pessoal. 56 Neste texto analisamos uma das transformações que nos parece de urgente prossecução nas escolas: ajudar os alunos a pensar e a estudar. Valorizando o papel do aluno na aprendizagem, importa proporcionar-lhe os meios para o sucesso nessa sua responsabilidade. Nem todas as dificuldades de aprendizagem se confinam a essa perspectiva explicativa. Mesmo assim, um número significativo de alunos – com classificações positivas ou negativas – sairia beneficiado se a escola assumisse de forma mais deliberada, nos seus objetivos e práticas, a capacitação dos alunos para a aprendizagem. Ensinar a Aprender e a Pensar As leituras mais recentes de aprendizagem, por parte da Psicologia e das ciências da Educação, definem essa como um processo contínuo e pessoal de construção de conhecimento por parte do aluno (Ausubel, 1962). Nesse sentido, o aluno joga um papel fundamental na aprendizagem, valorizando-se a sua capacidade de iniciativa e envolvimento na aprendizagem. É face a essa maior responsabilização do aluno que nós devemos questionar quanto à sua adequada preparação. A nosso ver, a escola tem sabido mais exigir as destrezas de atenção, de raciocínio e de estudo do que, comparativamente, criar oportunidades para a sua aquisição e treino (Almeida, 1993). Afirmam os teóricos mais recentes do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem que nada aprendemos por “colagem” e tudo o que é retido por mera justaposição, substituição ou memorização mais tarde ou mais cedo acabará por desaparecer, sem nunca ter sido devidamente integrado na estrutura do conhecimento do indivíduo (Elkind, 1982). Colocando em paralelo um ensino estritamente instrucional e um ensino mobilizador do sentido de descoberta, da atividade, dos conhecimentos anteriores e das capacidades dos alunos, esse segundo apresenta claras vantagens na profundidade com que a informação é apreendida. Essas condições, no entanto, pressupõem alunos motivados e habilitados para um trabalho mais ativo na sua aprendizagem. Textos Complementares Entre tais habilidades ou competências importa destacar o ser capaz de pensar e o ser capaz de aprender. São habilidades fundamentais ao trabalho e sucesso escolar dos alunos. Por esse fato, defende-se que deve haver um maior investimento, e para isso os professores teriam de estar preparados no treino dos alunos no aprender, pensar, conhecer e resolver problemas. Socialmente existe a consciência que a escola deve, cada vez mais, favorecer a aquisição e a destreza de tais competências cognitivas. Elas são requeridas para as próprias aprendizagens e são, ainda, o que pode restar de mais perdurável em face da curta validade temporal dos conteúdos curriculares. Mais ainda, se o insucesso na escolaridade básica desapareceu administrativamente sob o lema de uma “escola de sucesso para todos”, importa que os alunos saiam da escola sabendo pensar e ler a realidade que os cerca, capazes de assumir com alguma autonomia os seus direitos e deveres de cidadania, dominando as novas tecnologias de informação e comunicação. Em consonância com essas preocupações, tem-se apontado à escola a tarefa de ensinar o aluno a aprender e a pensar. Numa lógica da sua autonomia, da sua necessidade de formação contínua, do melhor exercício da cidadania, da sua reconversão profissional futura. A aprendizagem mais básica e essencial a realizar na escola confunde- se com a motivação e as ferramentas cognitivas para aprender (Almeida, 1993). Quando a escola não é capaz de estimular essas duas componentes básicas da aprendizagem (motivação e cognição), dizemos que ela exige do aluno aquilo que não lhe dá. O aluno que não aprende a aprender na escola vê-se impossibilitado de nela obter sucesso. A sua aprendizagem, em consonância, é na maioria das vezes bastante debilitada, acentuando- se as suas dificuldades com o evoluir na escolaridade: o aluno vai funcionando de forma menos correta, estruturando tais deficiências nos seus hábitos de estudo e de aprendizagem. No Quadro 1 listamos algumas pistas ou áreas de atuação dos professores tendo em vista esses objetivos educativos mais latos. QUADRO 1 – PISTAS PARA A ATUAÇÃO DOS PROFESSORES Treino das funções cognitivas básicas Facilitação da integração dos conhecimentos Métodos ativos de ensino-aprendizagem Treino das competências de estudo Adequação dos padrões de atribuição e expectativas Treino das Funções Cognitivas Básicas Nesse sentido importa ajudar o aluno a atender, a perceber e a organizar a informação. Alguma ajuda deve ser prestada nessa área quando o aluno apresenta deficiências: salta palavras num texto, não atende a um gráfico, tem dificuldade em perceber os elementos singulares numa gravura ou não aplica uma regra conhecida num cálculo. Se o fracasso está na recepção, então o treino deve começar pela atenção seletiva (por exemplo, tentar contrariar as inferências ou suposições baseadas na informação já possuída ou em algumas particularidades da informação, controlar a ansiedade ou o desinteresse do sujeito face à informação em que se sente pior realizador, incentivar a que não tome a parte pelo todo ou que aprenda a atender ao essencial). Uma deficiente recepção da informação conduz a um entendimento deficiente e a dificuldades acrescidas na sua compreensão e organização, com implicações na sua retenção e evocação posterior. Por seu turno, se o problema está na retenção e na disponibilidade da informação, então deve sugerir-se o treino em estratégias de memorização. Tais estratégias cobrem quer a fase de retenção quer a fase de evocação, sugerindo uma interdependência entre ambas. Algumas pistas podem ser trabalhadas com os alunos a esse propósito (por exemplo, Pós-Graduação a Distância Podemos aceitar facilmente que, para aprender, o aluno precisa entender, organizar, armazenar e evocar a informação. São processos cognitivos básicos a qualquer aprendizagem e realização cognitiva. Um aluno com dificuldades de atenção, de permanência na tarefa, de visualização dos pormenores numa gravura ou de comparação de diferenças e semelhanças entre duas situações verbais ou escritas, certamente apresentará grandes dificuldades na captação da informação que lhe é apresentada e na sua apreensão. Assumindo-se aprendizagem não como mero registro de informação, mas como construção de conhecimento, certo que sem esse registro não se avança no conhecimento. 57 Textos Complementares recorrer a pistas de reconhecimento, ordenar a informação, sequencializar os eventos ou os elementos num esquema, criar mnemônicas, organizar a informação de acordo com os seus pormenores, fazer esquemas organizadores da informação). Finalmente, se o problema se situa na ativação e manuseio da informação possuída, então, o treino pode incidir no desenvolvimento de estratégias condizentes à sua representação, à sua organização superior e à integração da nova informação nas redes conceptuais e de conhecimento possuídas (por exemplo, identificar semelhanças estruturais ou mais profundas entre segmentos ou unidades de informação, não ficar pelos conhecimentos soltos ou superficiais, buscar uma representação sempre mais abstrata, generalizar a informação para diferentes contextos, ensaiar a aplicação dessa informação em áreas diversas, formar sistemas holísticos, cruzar informação de diferentes disciplinas sobre um mesmo assunto). As referências a esse terceiro nível, e à sua importância, podem buscar-se em alguns estudos a propósito da organização do conhecimento na memória a longo prazo, por exemplo quando se fala em “representação do conhecimento”. Referimo-nos aos processos de superordenação, subordenação ou inter-relacionamento da informação em estruturas de conhecimento. Numa tarefa simples, por exemplo, pedir aos professores que em três minutos escrevam o nome de capitais de países, podemos observar que o número e a diversidade de cidades evocadas seguem de perto uma dada estratégia de reconhecimento que, sendo diferente de indivíduo para indivíduo, traduzirá, de algum modo, a forma como essa informação se encontra organizada na sua memória a longo prazo e a estratégia seguida na sua evocação/reconhecimento. Facilitação da Integração dos Conhecimentos A “verdadeira” aprendizagem ocorre quando o sujeito consegue integrar a informação que lhe chega no quadro mais lato da informação que já possui. Só nessa altura podemos falar em aprendizagem como construção de conhecimento. Sem isso, podemos estar acumulando, em paralelo, informações, pormenores ou respostas corretas. É uma aprendizagem assentada na justaposição e na correção da informação (Elkind, 1982), mas porque feita em paralelo e não de forma integrada, deixa, algumas vezes, o aluno perplexo e respondendo ora de uma forma mais completa e correta ora de uma forma mais incipiente e incorreta. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem De acordo com a teoria de processamento da informação, a aprendizagem envolve que o sujeito integre a nova informação nos conhecimentos já possuídos, ou seja, na sua memória a longo prazo (Borkowski & Muthukrishna, 1992). Nessa altura estamos face a uma aprendizagem significativa e de tipo construtivista, na qual o conhecimento anterior, mesmo quando esse conhecimento prévio se apresenta como “menos” científico, joga um papel importante. 58 Esse conhecimento anterior pode ser de ordem diversa (Alexander & Judy, 1988). Nele se inclui o conhecimento declarativo ou factual, formado pelos fatos, princípios ou pormenores, o conhecimento procedimental ou estratégico, formado pelas estratégias e destrezas no lidar e resolver de situações com alguma especificidade, e o conhecimento condicional ou a aplicabilidade dos conhecimentos anteriores de acordo com a natureza dos problemas e circunstâncias. Por exemplo, analisando o desempenho de bons e fracos alunos na disciplina de Física, Chi, Glaser e Rees (1982) observaram que enquanto os bons alunos planificam a tarefa ou o problema globalmente e autorregulam a sua prestação, distribuindo as suas capacidades de atenção de acordo com as exigências da situação ou definindo uma estratégia prévia de resolução a seguir, os alunos mais fracos ficam “presos” a aspectos superficiais do problema e, de uma forma mais rápida, avançam para a “testagem de fórmulas” esperando, no fim, obter um valor que lhes pareça plausível para o problema em questão. O sistema educativo português, como provavelmente o sistema educativo em vários outros países, tem a esse propósito particulares responsabilidades. Nem sempre se assume que a aprendizagem prévia é decisiva para as novas aprendizagens, o que não deixa de ser grave, por um lado, e caricato, por outro, face ao contexto em que emerge. Não podemos esquecer que o conhecimento que o sujeito possui, e o grau com que o pode ativar nas novas aprendizagens, determina a qualidade das suas novas aquisições (Siegler, 1983). O processamento da informação e a construção do conhecimento não se podem dar no vazio. Contudo, e infelizmente, em Portugal os alunos vão transitando de ano, por vezes sem os conhecimentos curriculares mínimos adquiridos em determinadas matérias escolares. Essa transição “automática” nos deixa mais perplexos, ainda, quando no ano letivo seguinte esse aluno é confrontado com manuais e conhecimentos do ano escolar para que transitou. Essa situação é seguramente corresponsável pela carência de alunos nas áreas da Matemática e das ciências nos ensinos secundário e superior na generalidade dos países. Textos Complementares Métodos Ativos de Ensino-Aprendizagem Algumas crenças generalizadas apostam na maior eficácia da aprendizagem a partir do interesse e iniciativa do aluno do que de tais atributos por parte do professor. Evidentemente que os processos de aprendizagem não estão desligados dos processos de ensino implementados pelos professores. Por isso mesmo, podemos antecipar que aprendizagens mais profundas ou significativas se conseguem por meio de métodos de ensino-aprendizagem que possibilitem e reforcem a iniciativa do aluno, o seu sentido de descoberta e uma construção de conhecimento a partir da análise e resolução de problemas concretos. Uma progressiva atenção vem sendo dada às leituras construtivistas de caráter social na explicação do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem. Fala-se, então, em processos de coconstrução social, muito ausentes na dinâmica e no impacto das relações interindividuais. Tais processos podem passar, por exemplo, pela “aprendizagem cooperativa” e pelo “conflito sociocognitivo”. Nesse último caso, fala-se em confronto ou discussão entre companheiros com diferentes pontos de vista na resolução de uma tarefa, discussão essa susceptível de gerar confronto de centrações pessoais diferentes a propósito da resolução da tarefa e reestruturação intelectual e progresso cognitivo a nível de capa participante. No fundo, falamos em “conflito sociocognitivo” quando existe o confronto – não mera imitação – dos sistemas individuais de organização da realidade com os dos seus pares (Mugny & Doise, 1978). Alguns outros conceitos encontram-se associados ao conflito sociocognitivo. Referimo-nos, por exemplo, aos conceitos de Vygotsky (1962) de “zona de desenvolvimento próximo ou potencial” e ao conceito de “mediadores de aprendizagem”. Este último conceito descreve a natureza da interação da criança com o “outro”, particularmente quando adulto, enquanto o primeiro se reporta à interiorização progressiva e estável de novas aquisições e estruturas cognitivas por parte da criança. Rogoff (1986) descreve essa interação como “participação guiada” comportando cinco princípios gerais: (i) o adulto serve de ponte entre a informação familiar (conhecida) e a nova informação que a criança necessita para resolver um novo problema, por exemplo, ajuda a criança a encontrar ligações entre o que conhece e o que é necessário para lidar com uma nova situação; (ii) o adulto estrutura a tarefa em subtarefas ajustando o ensino às necessidades do aprendiz; (iii) o adulto vai transferindo gradualmente a responsabilidade para o aluno para que esse vá assumindo maior autonomia; (iv) o aluno joga um papel ativo na sua aprendizagem; (v) o adulto vai guiando tacitamente, ajustando as tarefas e os materiais às competências e necessidades do aluno. A aposta em métodos ativos de aprendizagem cooperativa vai também nesse sentido, aproveitando-se as interações entre alunos ou díades de alunos (Coll, 1984; Webb, 1984). A discussão em grupo (Novack, 1985) ajuda os alunos a identificarem lacunas nos seus conhecimentos e a entenderem como a nova informação se relaciona com conceitos mais amplos e inclusivos. Por sua vez, Bruner (1986) fala na participação guiada, na qual mestre e aluno participam numa negociação de significado compartido, ou sequência de respostas mútuas contingentes. Partindo-se da atividade do aluno, não mero espectador ou receptor, os adultos podem ter uma atitude de continuar os segmentos de conduta realizados pela criança (que essa não pode realizar ou finalizar só): o adulto assume e regula a ação, aproveitando e organizando as competências não específicas da criança. Poderíamos falar aqui numa aprendizagem tutelar, seja feita com a ajuda do adulto ou de colegas mais experientes. Pós-Graduação a Distância A respeito da “zona de desenvolvimento próximo”, Palacios (1987) menciona a “zona de desenvolvimento próximo percebido”, ou seja, a distância que existe entre as capacidades da criança percebidas pelos adultos num dado momento e as expectativas de capacidades que percepcionam na criança a curto prazo. Em sua opinião, quanto mais otimistas forem as expectativas dos pais e dos professores em torno das capacidades de realização a curto prazo da criança, tanto mais frequentes são as interações voltadas para esse objetivo. As possibilidades de desenvolvimento da criança requerem, para serem efetivas, que o adulto as perceba e atue com apoios eficazes. 59 Textos Complementares Treino das competências de estudo Várias competências, para além das mencionadas noutros pontos atrás, podem incluir-se em programas deliberadamente concebidos tendo em vista a capacitação dos alunos para o estudo: comportamentos habituais de busca de informação complementar ou de aprofundamento (consulta de outros livros, registros ou materiais), organização da informação (esquematização, sequencialização, definição dos termos e ideias-chave), retenção de registros (visualização repetida de anotações, listagens, códigos ou fórmulas), estruturação dos ambientes de trabalho (arranjo dos espaços e dos horários, eliminação ou controle de distratores, definição de intervalos), comportamentos de busca de apoio e de esclarecimento nos outros (professores, pais ou colegas), hábitos de revisão de notas e de sistematização das matérias na preparação dos testes (produção e consulta de pequenos textos, de notas curtas). O objetivo é dotar o aluno de um leque diversificado de procedimentos que implementará de acordo com as características das situações e as exigências das tarefas, ou seja, comportamentos autorregulados de estudo (Rosário, 1999). Por exemplo, eles conhecem o que sabem e não sabem, predizem o resultado da própria realização, planejam antecipadamente, geram tempo e recursos, monitoram e adaptam os seus esforços. Importa que tais competências sejam usadas em todas as áreas e disciplinas, o que nem sempre acontece (problema da generalização). Algumas estratégias de aprendizagem autorregulada podem ser ensinadas e exigidas aos alunos: comportamentos de estruturação do ambiente de trabalho e dos materiais requeridos, atitudes de autoavaliação dos procedimentos, esforço e rendimento, incluindo por exemplo esquemas de autoatribuição de prêmios e penalizações, competências de organização e transformação da informação. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Por vezes, integram-se no treino das competências de estudo algumas estratégias de realização dos testes/ exames, sobretudo para alunos que exibem comportamentos pouco adequados à situação de avaliação. O acompanhamento atempado das matérias por alternativa ao seu estudo nas vésperas do teste, a atenção às instruções dadas pelo professor antes do teste, a leitura atenta do enunciado do teste e das questões, a sistematização prévia dos tópicos a dar na resposta, a revisão no fim do teste, o aspecto gráfico e a apresentação são apenas algumas das áreas trabalhadas nesse treino. Aliás, interessa referir que, algumas vezes, se procura que o aluno desenvolva competências metacognitivas rentabilizando as situações de avaliação escolar, por exemplo, confronto entre os resultados obtidos e o tempo e esforço colocados na preparação da avaliação, análise das observações que o professor redigiu no teste, ou procura de justificação para as baixas pontuações recebidas em alguns exercícios. 60 Finalmente, uma atenção progressiva vem sendo dada, nos estudos cognitivistas da aprendizagem e da inteligência, às componentes metacognitivas, também chamadas metacomponentes, do pensamento (Flavell, 1979; Almeida, 1996). Duas ideias essenciais na definição desses comportamentos: (i) o recurso a estratégias ditas superiores de planificação e decisão das demais componentes cognitivas de resolução dos problemas; (ii) o recurso a um pensamento de ordem superior ou uma espécie de monitorização do próprio pensamento. Entendidas como estratégias superiores de controle ou como monitorização do pensamento, os componentes metacognitivos são decisivos para uma aprendizagem como construção de conhecimento. Não são frequentes essas competências na aprendizagem e no pensamento dos alunos. Alguns programas ilustram a possibilidade do seu treino, por exemplo, por meio da discussão dos processos cognitivos requeridos na atenção, percepção e codificação de informação, na planificação e avaliação monitorizada do desempenho (fixar objetivos e passos nas aprendizagens, inventar estratégias e definir critérios de sucesso). Esse treino pode ocorrer, ainda, por meio do confronto de pontos de vista diferentes e alternativos na resolução dos problemas (Almeida & Morais, 2001). Se uma criança pensa que memória é informação memorizada, e que para memorizar deve ir repetindo a informação, então, tenderá a seguir esse comportamento nas suas aprendizagens. Essa concepção e conduta são diferentes quando o adulto relaciona a memória e a memorização com os processos de organização e retenção de informação compreendida. Uma segunda via para desenvolver nos alunos estratégias metacognitivas de aprendizagem e de pensamento passa pela construção e desenvolvimento de um discurso interno e reflexivo, assente nas heurísticas de resolução dos problemas. Nessa altura, os alunos aprendem a sequencializar e a gerir as atividades, os momentos, os espaços, os materiais e os apoios mais adequados à sua aprendizagem, o que em termos de literatura descrevem uma “aprendizagem autorregulada” por parte dos alunos (Rosário, 1999). Textos Complementares A concluir esse ponto, importa destacar que o treino de competências de estudo não pode ser entendido como mero exercício técnico de instrução ou ensino, muito menos um receituário aplicado a todo e qualquer tipo de alunos. Diz-nos, a experiência de contatos com alunos, que estes diferem substancialmente nos métodos de estudo usados. Por exemplo, alguns alunos precisam ter alguns distratores (objetos pessoais) no seu quarto enquanto estudam para se sentirem bem e concentrados, enquanto outros apenas conseguem se concentrar no estudo estando “isolados”. Por tudo isso, a questão principal nesse treino é habilitar o aluno a escolher, entre várias estratégias disponíveis, aquelas que melhor se adequam às suas características pessoais e às exigências das tarefas escolares. Muitos programas de treino, quando aplicados, surtem pouco efeito, pois fica-se mais no “adestramento”, do que em uma real capacitação dos alunos. Essa última implica do aluno um maior autoconhecimento, o reforço da sua autonomia, a apropriação de um leque de estratégias disponíveis e de um discurso interno sobre a sua funcionalidade, uma capacidade de análise e de escolha do seu repertório de estratégias de acordo com as exigências de cada situação. Adequação dos Padrões de Atribuição e Expectativas Se o investimento a nível cognitivo ou dos conhecimentos deve se situar, cada vez mais, no ensinar o aluno a saber, e a saber como fazer, ao nível da sua personalidade, dos seus afetos e dos seus sentimentos, o professor deve abandonar práticas que deixam os alunos negativamente marcados em termos de autoestima e de autoconceito, ou desmotivados por tudo o que possa significar “aprender”. Vários estudos referem o efeito negativo na aprendizagem e no sucesso de crenças pessoais pautadas pela incapacidade e baixa autoestima. Muitas vezes, tais imagens e percepções pessoais são veiculadas, consciente ou inconscientemente, pelos professores. Ao longo dos anos, e face a situações de insucesso repetido, o aluno irá integrar forçosamente na sua personalidade tais imagens veiculadas externamente. Trata-se, por isso, de uma área que deve merecer maior atenção por parte dos professores nas atitudes e comportamentos que assumem. Também os professores respondem pelas dificuldades escolares de alguns alunos. A investigação tem mostrado que sentimentos de fracasso ou atitudes de falta de investimento na realização podem ser induzidos por práticas frequentes, mesmo que não intencionais, dos professores na sala de aula (Faria, 1995). Um feedback negativo ou situações de aprendizagem marcadas por emoções desagradáveis podem eliminar toda a curiosidade ou entusiasmo subjacente a qualquer nova aprendizagem. O aluno de quem se espera mais consegue resultados mais elevados, e vice-versa (Good & Brophy, 1983). Por tudo isso, os professores devem contribuir para a mudança das motivações extrínsecas em intrínsecas, substituir atribuições externas de sucesso por internas ou fazer diminuir a incidência do medo de fracasso em alguns alunos. Segundo Bandura (1982), as percepções de autoeficácia influenciam o confronto do sujeito com as situações aversivas e a sua persistência nas situações de dificuldade. Esses julgamentos podem afetar a escolha de determinadas tarefas ou atividades, o esforço e a persistência na realização de tarefas, os padrões de pensamento e as reações afetivas dos sujeitos (Barros, 1992). A esse propósito, um dos fenômenos mais estudados pelo seu impacto negativo designa-se pelo “desânimo aprendido”, associado à percepção de incapacidade pelo sujeito em controlar os acontecimentos desagradáveis do meio e à consequente instituição de uma atitude de fuga face a tais dificuldades (a partir daí reforçada pelo evitamento do desprazer). Nas situações escolares em que se salienta mais o desempenho (níveis, graus, classificações) do que a aprendizagem (saber, aprender, conhecer, partilhar), o aluno com percepções de baixa capacidade tende a reagir aos Pós-Graduação a Distância A investigação sobre o contributo dessas variáveis sociocognitivo-motivacionais para a aprendizagem e cognição salienta o seu peso efetivo nos níveis de rendimento e de desempenho (Barros & Almeida, 1991). Uma preocupação clara por parte dos professores e demais técnicos de educação deve existir, tendo em vista a eliminação de situações pautadas pela insegurança de sentimentos, medo do fracasso, cristalização de percepções pessoais negativas ou colocação em ridículo de comportamentos e dificuldades. Climas de aprendizagem pautados por aceitação social, autoestima e consideração positiva por parte dos outros (sejam os pares, sejam os adultos) podem potencializar positivamente os ambientes escolares, tornando-os condicionantes positivos da aprendizagem e da realização. A carga afetiva e motivacional desses dois polos opostos pode explicar a existência de alunos com padrões de realização orientados para a mestria ou para o fracasso, claramente diferenciados em termos de persistência e envolvimento nas tarefas de aprendizagem (Faria, 1995). 61 Textos Complementares obstáculos por meio de um discurso de falta de capacidade, por meio de reações afetivas negativas, e por meio de condutas de evitamento das situações em que antecipa dificuldades. Programas Para Treinar a Pensar A promoção da autonomia do aluno nas suas aprendizagens carece da sua capacitação prévia em termos cognitivos. A escola e os professores pressupõem, na forma como ensina, essas aquisições realizadas por parte dos alunos. Infelizmente muitos deles não as possuem (Riviere, 1983). No entanto, com alguma (re)orientação das suas práticas, os professores podem utilizar as suas aulas para o desenvolvimento simultâneo das destrezas curriculares e das destrezas cognitivas dos alunos (Valente, 1989). Uma aula de Português pode servir para apresentar os tipos e as regras de pontuação de um texto e, ao mesmo tempo, treinar os alunos nos processos cognitivos associados com a categorização da informação (assente nos conceitos e atributos de cada sinal de pontuação, por exemplo) ou com a criatividade (imaginar sentidos diferentes que um texto sem pontuação pode ganhar em função das opções de pontuação que se queiram tomar). Como especialistas numa dada disciplina curricular, os professores ao ensinarem os conteúdos – seu principal enfoque habitual – aplicam diversos métodos resolutivos que não partilham com os seus alunos. Nessa altura o seu ensino não os considera como material próprio e necessário à instrução, ficando os alunos privados do conhecimento dessas várias formas resolutivas e da sua experimentação e apropriação. Vários programas encontram-se hoje difundidos em alguns países, tendo em vista o treino cognitivo dos alunos. As análises componenciais da inteligência (Sternberg, 1986), os estudos sobre os mediadores na aprendizagem e desenvolvimento intelectual (Vygotsky, 1962) ou sobre o papel do conflito sociocognitivo no desencadear de novas e mais evoluídas equilibrações cognitivas (Mugny & Doise, 1978) são as principais fontes de fundamentação de tais programas. De uma maneira geral, tais programas centram-se no treino das funções cognitivas (atenção, percepção, codificação, memória, raciocínio, criatividade). Igualmente, de forma implícita, eles procuram trabalhar as percepções e imagens pessoais dos alunos (motivação, controle da impulsividade, perseverança no comportamento, autoconfiança – Sternberg & Wagner, 1986). No Quadro 2, listamos alguns dos programas de treino cognitivo elaborados com alguma fundamentação da Psicologia educacional. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem QUADRO 02 – ALGUNS PROGRAMAS DE TREINO COGNITIVO DISPONÍVEIS 62 Enriquecimento Intrumental Projeto Inteligência Desenvolvimento do Pensamento Produtivo Compreensão e Solução de Problemas Inteligência Aplicada Filosofia para Crianças Estratégias de Pensamento e Aprendizagem Padrões de Resolução de Problemas CoRT (Cognitive Research Trust) Promoção Cognitiva Feuerstein & cosl... 1980 Harvard Univ., 1983 Covington & cols., 1974 Whimbey & Lochhead, 1979 Stemberg, 1986 Lipman & cols., 1980 Ehrenberg & Sydelle, 1980 Rubenstein, 1975 De Bono, 1981 Almeida & Morais, 2001 A nossa participação nesse “movimento” tem sido feita por meio da (re)formulação sucessiva do programa “Promoção Cognitiva”, integrando sugestões de psicólogos e professores. No Quadro 3, descrevemos a estrutura atual do programa “Promoção Cognitiva” ( Almeida & Morais, 2001), sendo possível antecipar por meio dos temas das sessões as áreas em que incidem as atividades de treino. Acrescente-se que o programa é formado por 15 sessões, cada uma com a duração aproximada de 90 minutos. A generalidade das 15 sessões repartem-se pelos três momentos do processamento da informação: (i) recepção e organização da informação; (ii) relacionamento da informação e (ii) elaboração das respostas. Importa referir que apenas as duas primeiras sessões e a última, por razões óbvias, não se enquadram nesses três módulos. Textos Complementares Quadro 03 – Estrutura Sequencial da “Promoção Cognitiva” Envolvimento pessoal e metacognitivo na resolução de problemas (módulo 1) Constituição e funcionamento do grupo (1ª sessão) Monitorização do pensamento na resolução de problemas (2ª sessão) Recepção e organização da informação (módulo 2) (Des)codificaçã da informação (3ª sessão) Comparação da informação (4ª sessão) Organização da informação (5ª e 6ª sessões) Registro e evocação de informação (7ª sessão) Relacionamento da informação (modulo 3) Categorização de informação (8ª sessão) Inferência de relações (9ª sessão) Estabelecimento de correspondências (10ª sessão) Dedução de implicações (11ª e 12ª sessão) Elaboração de respostas (módulo 4) Produção convergente de respostas (13ª sessão) Produção divergente de respostas (14ª sessão) Resolução de problemas: síntese e avaliação (15ª sessão) A nossa experiência nessa área não tem ultrapassado, antes confirmado, essas dificuldades. O treino das habilidades cognitivas não é tarefa fácil, pior ainda quando não suficientemente contextualizado e generalizado às diferentes situações de aprendizagem e de realização escolar dos alunos. Alguns ganhos observados em termos de motivação pela aprendizagem e pela resolução de tarefas não refletem alterações substanciais nos desempenhos em testes de inteligência, quando esses são usados como critério externo de apreciação da eficácia do treino. Por outro lado, os efeitos positivos do programa em termos motivacionais não parecem generalizar-se à realização escolar e às classificações dos alunos. Este último aspecto tem, aliás, justificado uma certa discussão a propósito das vantagens e desvantagens da infusão desse tipo de programa nas atividades letivas das diversas matérias escolares ou da salvaguarda de alguma autonomia e especificidade para o programa, mesmo aproveitando tarefas curriculares. Mais investigação em torno dos processos de mudança cognitiva, a par de melhorias substanciais na metodologia de investigação usada nesses estudos, aparece hoje reclamada para uma melhor clarificação da controvérsia em que o assunto se encontra. Por exemplo, num estudo nosso diferenciando os resultados na avaliação de pós-teste, segundo subgrupos de alunos em função da sua assiduidade e envolvimento nas atividades do programa, os valores obtidos foram bastante animadores e sugerem que a avaliação da eficácia desses programas terá de ultrapassar a genérica consideração de um grupo experimental e de um grupo de controle (Almeida & Balão, 1996). Considerações Finais A concluir, as leituras construtivistas do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem enfatizam o papel ativo do aluno. Retomamos, assim, que a aprendizagem está mais do lado do aluno do que do lado do professor. No entanto, como Pós-Graduação a Distância O treino da inteligência por meio de programas próprios parece surtir alguns efeitos positivos, sugerindo uma “modificabilidade cognitiva” (Feuerstein, Rand, Hoffman & Miller, 1980; Nickerson, Perkins & Smith,, 1985; Arias, Alonso Pardo, Aguilera, Berruguete, Gorrosari, Pico & Ditano, 1989). Mesmo assim, os resultados até o presente momento suscintam muitas reservas em termos de interpretação e, de uma maneira geral, temos que reconhecer que os efeitos ou produtos finais ficam aquém das expectativas (Rios, Callazo & Bocelo, 1991; Morais, 1994). Não é terreno de fácil investigação, e só isso explica que apareçam estudos sugerindo ganhos claros, a par de outros apontando ganhos insignificantes da aplicação de tais programas (Sternberg & Bhana, 1986). 63 Textos Complementares instrutores e mediadores, podemos e devemos reconhecer que os professores “marcam” bastante o processo e o produto desse desenvolvimento e aprendizagem. Não podemos substituir o aluno, mas isso não nos retira a responsabilidade social de sermos promotores da sua aprendizagem e do seu desenvolvimento. Aliás, acabamos sempre por influenciar esse dever, por mais conscientes ou inconscientes que estivermos. Logicamente que o aluno acaba por assumir um papel relevante no processo de ensino-aprendizagem, não surtindo grande efeito quando se pretende ensinar alunos “à força”. À medida que avançamos na escolaridade diminui o nosso peso direto naquilo que os alunos aprendem. O importante será descobrir e ensaiar formas de, com os alunos, construirmos contextos de facilitação da aprendizagem. Nessa altura, o aluno aprecia a ajuda e encontra-se em condições de fazer a primeira e mais importante aprendizagem: “aprender a aprender”. Com esse objetivo, importa que os professores conheçam formas concretas de ajudar os alunos a pensar e a aprender. Os programas de treino cognitivo e de facilitação dos métodos de estudo nunca entendidos como receitas” têm, assim, toda a pertinência. Eles permitem referenciais e modos de agir na sala de aula, assegurando- se, aos alunos, oportunidades de conhecimento de várias estratégias de aprendizagem e de estudo que coexistem em alternativa. Esse conhecimento inclui, obviamente, uma apreciação do quando e como podem ser usadas, ou porque são úteis e diferenciadas na sua eficácia nas diferentes situações. Essa aprendizagem, mais ainda quando centrada no aprender e no pensar, é, sobretudo, uma construção do próprio aluno. Na linha quer do conhecimento procedimental quer do conhecimento condicional a que já fizemos referência, o melhor treino nas estratégias de aprender e de pensar passa por favorecer a autonomia do aluno no uso seletivo das estratégias, de acordo com as suas características pessoais e as exigências das situações. Talvez esteja aqui uma das causas do relativo insucesso com a aplicação “massiva” dos programas de competências de estudo e de competências cognitivas nos contextos escolares. Exige-se maior individualização e maior diversidade nas respostas aos problemas por parte da escola. Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem À diversidade de alunos e de situações, a escola tende a responder por meio de atitudes e práticas uniformes. Se é verdade que a autonomia do aluno se enquadra hoje num conceito mais abrangente e atual de educação, não é menos verdade que isso está mais presente nos discursos do que nas práticas. Temos, ainda, uma escola com poucas capacidades de intervir e de ajudar os alunos a estudar, a aprender e a pensar. Acreditamos, no entanto, que a crença atual na modificabilidade cognitiva e a consciência reinante de que a escola se deve preocupar com o ensinar a aprender e a pensar acabarão por introduzir mudanças significativas na lógica funcional e nas práticas escolares. 64 A escola não pode encerrar nas suas atividades tipicamente letivas nem essas se reduzirem a métodos passivos de ensino-aprendizagem. Sem uma alteração substancial dessa postura torna-se difícil entender o sentido educacional e desenvolvimental da escola no presente. Tudo isso, no entanto, carece de professores preparados e munidos de algumas ferramentas nesse sentido. Da mesma forma, importa que a escola diversifique os seus profissionais, passando a incluir mais sistematicamente os psicólogos escolares. Não teremos escola sem professores, mas ela estará empobrecida e comprometida se o seu quadro profissional for composto apenas por professores. Referências Alexander, P. A.; Judy, J. E. (1988). 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