A ponte e a porta: reflexões sobre a violência sexual infanto-juvenil, a articulação da rede de proteção à infância e o papel do Ministério Público Priscila da Mata Cavalcante1 Área de atuação: Política Institucional e Administrativa 1. Introdução Porque o homem é o ser de ligação que deve sempre separar, e que não pode religar sem ter antes separado - precisamos primeiro conceber em espírito como uma separação a existência indiferente de duas margens, para ligá-las por meio de uma ponte. E o homem é de tal maneira um ser-fronteira, que não tem fronteira.2 O Plano Estratégico do Ministério Público do Paraná, GEMPAR 2018, estabeleceu no eixo estratégico, Ordem Jurídica e Cidadania, o objetivo de “assegurar a proteção integral da criança e do adolescente”, promover e fiscalizar a observância de políticas e práticas, por parte da família, da sociedade e do Estado, que garantam à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, a efetivação de seus direitos. Reflete-se, desta forma, acerca da intervenção do Ministério Público com vistas a promover o efetivo respeito, por parte do Poder Público, à implementação da rede de proteção às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e à efetivação do Sistema de Garantias dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (SGDHCA). Na esteira da reflexão de Simmel, vislumbra-se a existência de portas da violência e de pontes para o seu enfrentamento. A violência contra a criança e o adolescente, especialmente o abuso e a exploração sexual, deixam marcas físicas, psicológicas, emocionais, psíquicas e espirituais. Firma-se um muro de silêncio, única forma de proteger à intimidade, à privacidade do lar e às experiências sofridas. Estima-se, no Brasil, que, a cada ano, sejam vítimas de agressões sexuais em torno de 6 milhões de meninas e 3,1 milhões de meninos.3 No seio das instituições de enfrentamento da violência sexual, o Ministério Público age como articulador e fiscalizador das ações de diversos órgãos, com escopo de prevenir a violência, proteger às vítimas e punir os agressores. Neste sentido, deve-se observar o cumprimento do princípio da proteção integral em todas as fases da investigação e da persecução penal, ou seja, em todo o ciclo de vida dos casos de violência sexual4: (i) pré-investigação5, em que as vítimas devem decidir se e como buscar visibilidade e responsabilização 1 Promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná, Comarca de Laranjeiras do Sul. Mestrado em Direito Público (UFBA). SIMMEL. Georg. A Ponte e a Porta. Traduzido pela professora Simone Carneiro Maldonado (DCS-UFPB). Política e Trabalho. João Pessoa. Volume 12. Setembro de 1996, p. 10-14. Mauro Guilherme Pinheiro Koury (Editor). Disponível em: http://www.oocities.org/collegepark/library/8429/12-simmel-1.html. Acesso em: 25.11.2012. 3 SILVA, Adriana Nunan do Nascimento. Abuso Sexual de Crianças. Departamento de Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientador: Junia de Vilhena. 1998, p. 1. 4 Cada uma destas fases apresenta peculiaridades e desafios. Na primeira fase, verifica-se a dificuldade das vítimas em denunciar os crimes, por insegurança, vergonha, pressão familiar e comunitária, ausência de informação e medo do tratamento fornecido pela polícia e pelo sistema judicial. Por isso, importante a articulação entre o sistema de saúde e judicial, fortalecendo-se as notificações obrigatórias (arts. 13 e 56, inciso I, da Lei nº 8.069/90). A Organização Mundial da Saúde propõe a adoção do modelo integrado (integrated model) dos serviços médicos e legais, para que sejam simultaneamente providenciados, no mesmo local, por intermédio de centros de referência (one-stop shops), em hospitais ou unidades de saúde, e o treinamento da examinadora-enfermeira (Sexual Assault Nurse Examiner - SANE), uma profissional capacitada para o acompanhamento da perícia das vítimas, o fornecimento de orientações sobre gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e serviços sanitários, o encaminhamento para reportar a violência e o ingresso no sistema jurídico. Em países como Quênia, Congo e Índia, existem, também, clínicas legais, em locais pequenos, rurais e remotos, em que profissionais da área jurídica oferecem assistência probono às vítimas e até mesmo varas móveis, permitindo maior capilaridade do Poder Judiciário e acesso à justiça. Acrescentese ainda o aumento do número de policiais femininas e delegacias ou unidades especializadas (gender desks), com infraestrutura adequada para o atendimento das vítimas. Por fim, a promoção de campanhas de conscientização e denúncia, junto à sociedade civil. Na segunda fase, importante a adequada colheita da prova, junto à vítima e à cena do crime (sangue, sêmen, saliva), a efetuação do exame de DNA e de testes sanguíneos (sedação e envenenamento), o conhecimento da experiência da vítima, de seu contexto familiar e comunitário, a averiguação da identidade do perpetrador e a oitiva das testemunhas (credibilidade), proporcionando-se a capacitação, técnica e cultural, da equipe policial e 2 dos crimes, (ii) investigação dos fatos, em que se elabora uma estratégia coerente e sensível para apurar as condutas, considerando-se a intimidade da vítima, (iii) o processo criminal, em que as provas colhidas são examinadas à luz do contraditório, respeitando-se a condição peculiar da vítima e (iv) o pós-julgamento, em que a sentença é prolatada, os recursos interpostos, a jurisprudência formada6 e as vítimas encaminhadas para o devido acompanhamento psicossocial. Em todos os estágios, o Ministério Público atua, direta ou indiretamente, e, para isso, precisa de dados estatísticos, equipe técnica e constante capacitação teórica, especialmente conhecendo outras experiências nacionais7 e internacionais, por intermédio de intercâmbios e acesso a bancos de dados organizados pela instituição, conferindo coesão à atuação institucional e cumprindo os princípios da proteção integral e prioridade absoluta na proteção às vítimas de violência sexual. 2. Exposição O retrato da vítima de abuso sexual pode ser visualizado a partir dos dois lados da margem de um rio, em que fluem as lembranças e as imagens da infância que se esvai na precocidade da violação sexual. Estado, comunidade, sociedade e família precisam juntos se mobilizar para a construção de uma verdadeira ponte de direitos, que se materialize em iniciativas reais e exequíveis para a efetivação dos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta. A violência sexual contra crianças e adolescentes constitui-se como uma forma de violação dos seus direitos fundamentais e relaciona-se com conflitos de autoridade, busca de domínio e aniquilamento do outro, em um contexto de fracasso do diálogo8. Pode ser entendida como gênero, no qual se inserem o abuso sexual9 intrafamiliar ou extrafamiliar e a exploração sexual10, fenômenos que podem ser de intérpretes, para que forneçam segurança a vítima e fidelidade ao seu relato, bem como a formulação de protocolos e diretrizes padronizadas e a utilização de um kit para colheita de provas e exames, preferencialmente no prazo de 72 (setenta e duas) horas, após a agressão, evitando-se a revitimização das crianças e adolescentes. Na terceira fase, no seio do processo criminal, imprescindível a utilização de medidas protetivas pelas varas criminais, como confidencialidade da investigação e do processo, privacidade da vítima, evitando-se questionamentos irrelevantes, dolorosos e abordagens inadequadas da defesa, observando-se a frequência e duração das oitivas e permitindose a participação de um ente familiar ou responsável, sem prejuízo de técnicas como a perícia psíquica, o relatório multidisciplinar e o depoimento especial, e medidas de apoio a vítima, em razão de sua vulnerabilidade, bem como orientação e preparação para sua escuta, se for o caso, em audiência judicial (witness trial preparation e witness proofing). Na quarta fase, pós-julgamento, surgem alguns desafios como a prolação de uma sentença justa ao infrator, que considere as funções da pena e os danos causados à vítima e a formação da jurisprudência, a partir dos recursos, que proporcione coerência e segurança ao sistema jurídico. (SEELINGER, Kim Thuym SILVERBERG, Helene e MEJIA, Robin. The investigation and prosecution of sexual violence. Sexual Violence & Accountability Project. A Working Paper of the Sexual Violence & Accountability Project. Human Rights Center. University of California, Berkeley. May, 2011. Disponível em: http://www.law.berkeley.edu/HRCweb/pdfs/SVA_IandP.pdf. Acesso em: 19.08.2013). 5 Um estudo da OMS, em dez países, descobriu que 55% das mulheres que experimentam abusos relacionados ao gênero nunca reportam às autoridades, sendo essa porcentagem de 15% nos EUA. (WHO’s Guidelines for Medico-Legal Care for Victims of Sexual Violence. Guidelines for Medico-Legal Care for Victims of Domestic Violence - Geneva: World Health Organization, 2003. South Africa National Prosecuting Authority. Thuthuzela Care Centres: Turning Victims Into Survivors, available at http://www.info.gov.za/events/2009/TCC_2009.pdf. O HEAL Africa Hospital, na República Democrática do Congo (DRC) oferece um local para assistência jurídica às vítimas, com uma clínica dirigida pela American Bar Association’s (ABA) Rule of Law Initiative. (SEELINGER, Kim Thuym SILVERBERG, Helene e MEJIA, Robin. The investigation and prosecution of sexual violence. Sexual Violence & Accountability Project. A Working Paper of the Sexual Violence & Accountability Project. Human Rights Center. University of California, Berkeley. May, 2011. Disponível em: http://www.law.berkeley.edu/HRCweb/pdfs/SVA_IandP.pdf. Acesso em: 19.08.2013). 6 STF - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 845908 RS e STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1164940 RS 2009/0209707-1 (depoimento especial). STJ - HABEAS CORPUS: HC 240227 DF 2012/0081742-5 (produção antecipada de prova). 7 Prêmio Innovare. Projeto Depoimento Sem Dano. III edição, 2006 (TJ RS) e Depoimento Único de Crianças e Adolescentes Vítimas de Crimes Sexuais. VI edição, 2009 (MP RS). Disponível em: http://www.premioinnovare.com.br/busca/?csrfmiddlewaretoken=GjfHLKdvz5kzuG6SmioFXQbUPdBW2r92&edicao=todas&categoria=tod as&estado=todas&situacao=todas&keyword=Depoimento+. Acesso em: 19.08.213. 8 ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectivas, 1999, p. 116-117 e 123. WIESEL, Eli. Prefácio, in A INTOLERÂNCIA – Academia Universal das Culturas – Foro Internacional sobre a Intolerância – UNESCO, 27 de Março de 1997 e La Sorbonne, 28 de Março de 1997. Publicação sob a direção de Françoise Barret-Ducrocq, Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2000, p. 7. RICOEUR, Paul. “Tolerância, Intolerância, Intolerável”, in Leituras 1 – Em torno ao político. São Paulo: Edições Loyola, 1995, p. 68. 9 O abuso sexual “(...) consiste em todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para atribuídos à posição de vulnerabilidade da criança e do adolescente na sociedade e à dificuldade das famílias no desempenho de sua função protetiva.11 Pode ser, portanto, extra ou intrafamiliar (incesto) e ocorrer de quatro formas:12 (i) sem contato físico (abuso verbal, exibicionismo, voyeurismo, assédio sexual), (ii) com contato físico (carícias, coito, tentativa de coito, manipulação de genitais, sexo anal, oral), (iii) envolvendo violência (coito com brutalização, estupro, homicídio, mutilação genital) e (iv) outras formas, como casamento e gravidez forçados, tráfico ou escravidão sexual, podendo envolver, inclusive, milhares de vítimas, com perpetradores operando em forma organizada, como exército estatal, grupos paramilitares, unidades de polícia local, ou grupos de jovens. Um dos maiores desafios é o véu de silêncio13, que se coloca em torno do episódio, em razão dos tabus culturais, do medo, da vergonha e da estigmatização. Por conta disso, muitos casos não chegam à justiça, pois se revela a contradição entre os deveres familiares de proteção e a quebra de confiança inerente à violência. Os danos decorrentes da violência sexual são profundos. O sofrimento físico, de um corpo maculado pela violência; o sofrimento mental, da insegurança que subjaz a posição de vítima e que pode afetar, inclusive, seus relacionamentos e o sofrimento espiritual, referente ao temor, à amargura e à desesperança, pois cada vítima é singular, em um tempo único, cuja alteridade deve ser respeitada, especialmente em um mundo de amor líquido e de fragilidade das relações humanas.14 Por conseguinte, indubitável a necessidade crescente de pesquisas acerca da adequada intervenção psicológica e psiquiátrica, nas vítimas expostas à violência, em especial considerando a miríade de fatores que influenciam a reação das crianças e adolescentes aos episódios de violência. No sistema judicial, deve-se ainda empreender esforços no sentido de promover a escuta das vítimas de forma a mitigar os danos secundários (vitimização secundária)15, produzindo, se obter satisfação sexual. Apresenta-se sobre a forma de práticas eróticas e sexuais impostas à criança ou ao adolescente pela violência física, ameaças ou indução de sua vontade. Esse fenômeno violento pode variar desde atos em que não se produz o contato sexual (voyerismo, exibicionismo, produção de fotos), até diferentes tipos de ações que incluem contato sexual sem ou com penetração.” (BRASIL. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: um passo a mais na cidadania em saúde. Brasília: Ministério da Saúde/ Secretaria de Assistência à Saúde. 2002, p. 13). (4ª. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude. Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil. A Atuação do SGDCA na Política de Proteção. Campanha “Quem Cala Consente”. MPRJ). 10 A exploração sexual “(...) caracteriza-se pela utilização sexual de crianças e adolescentes com intenção do lucro ou troca, seja financeiro ou de qualquer espécie. Em geral são usados meios de coação ou persuasão, podendo haver um intermediário como aliciador. É uma forma de violência sexual que afeta todas as classes sociais, etnias e ambos os sexos, entretanto é mais comum entre adolescentes mulheres provenientes de classes populares de baixa renda. Esse tipo de violência ocorre de quatro formas: em rede de prostituição, de pornografia, especialmente na internet, de tráfico para fins sexuais e em viagens, e no turismo”. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Declaração do Rio de Janeiro e chamada para ação para prevenir e eliminar a exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Justiça, 2008). (4ª. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude. Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil. A Atuação do SGDCA na Política de Proteção. Campanha “Quem Cala Consente”. MPRJ). 11 4ª. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude. Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil. A Atuação do SGDCA na Política de Proteção. Campanha “Quem Cala Consente”. MPRJ. 12 SILVA, Adriana Nunan do Nascimento. Abuso Sexual de Crianças. Departamento de Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientador: Junia de Vilhena. 1998, p. 3. 13 “Pelo exposto, é possível compreender que infelizmente o silêncio que se perpetua, se constrói na forma de pacto, na relação vítimaagressor. Através de um sentimento de culpa pela concretização dos atos e pelo elo de amor mal interpretado pela vítima e imposto pelo adulto através da sedução, faz com que a criança abusada sexualmente, confusa e com medo, esconda e mantenha a clandestinidade dos atos por longo e indeterminado tempo. Embora seja essa uma cruel realidade, nós psicólogos juntamente aos familiares devemos garantir proteção e apoio psicológico à criança vitimizada no momento em que a verdade vir à tona.” (GUERRA, M. E. e ELOY,C.B. Abuso Sexual Infantil Intrafamiliar – Síndrome do Silêncio: da culpa ao amor transferencial. Curso de Psicologia- Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO/FEMM. Disponível em: http://fio.edu.br/cic/anais/2010_ix_cic/pdf/11PSI/16PSI.pdf. Acesso em: 28.11.2012). 14 “As relações do sujeito adolescente com seu entorno, então, ganham novos matizes, cujo enfrentamento depende, em muito, da maneira como o sujeito foi estruturado. A intervenção nesta seara para ser ética (do desejo) demanda o reconhecimento da singularidade e da procura individual de atribuição de sentido” (ROSA, Alexandre Morais da. Ato Infracional e saúde mental: a questão do sujeito. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 76 | p. 7 | Jan / 2009DTR\2009\10, p. 02/03) (grifou-se). 15 BITTENCOURT, Luciane Potter. A vitimização secundária de crianças e adolescente e a violência sexual intrafamiliar. Dissertação de Mestardo. PUC/RS. Porto Alegre, 2007. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1035. Acesso em: 19.08.2013. necessário, antecipadamente, a prova para instrução das investigações dos crimes contra a dignidade sexual, preservando a intimidade e a integridade da vítima e utilizando-se de equipe técnica interdisciplinar para a colheita da prova pericial. No que tange especificamente ao enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil16, a deficitária articulação entre os diferentes órgãos responsáveis pela promoção, prevenção, proteção e responsabilização prejudica as vítimas, e exige que o Ministério Público tenha um papel primordial como articulador entre os diversos agentes da sociedade e do Estado, conferindo, inclusive, visibilidade aos problemas, às iniciativas positivas e à extensa normatização nacional e internacional.17 A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente albergaram a doutrina da proteção integral, conferindo à família, à sociedade e ao Estado o dever legal de efetivar os direitos infanto-juvenis, consagrados no sistema jurídico nacional e internacional, que impõe ao Ministério Público o papel de agente de transformação social e a pactuação de um comprometimento de todos os agentes do sistema de direitos, de forma que toda a rede de proteção à infância deve ser dotada da mínima estrutura indispensável para o exercício de sua importante atribuição, contando com profissionais treinados e recursos adequados ao desempenho de seu mister, como um banco de dados organizado com informações dos inquéritos policiais, processos criminais e de um catálogo de toda a rede de proteção, em sua unidade jurisdicional. Além disso, deve o Ministério Público orientar a colheita de provas, nas investigações de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, no sentido de proporcionar um depoimento menos danoso, preferencialmente dotado de uma estrutura adequada e acompanhamento de equipe multidisciplinar. Ao Ministério Público cabe ainda instaurar procedimentos administrativos, podendo expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos, requisitar informações, exames, perícias, dentre outros, com o objetivo de ampliar a proteção estatal às vítimas. O artigo 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente permite ao juiz, inclusive de ofício, ouvido o Ministério Público, adequar o procedimento às peculiaridades do caso, ordenando as providências necessárias para assegurar a proteção integral da criança e do adolescente, de forma que se possa pesquisar e adotar novos métodos de oitiva que mitiguem os danos secundários às vítimas, pois a quebra das portas do silêncio é de suma importância, mas deve ser realizada com responsabilidade. 16 O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil oferece uma síntese metodológica e diretrizes para a organização de programas e serviços voltados para o enfrentamento da violência, nos termos da Resolução nº 113 de 2006 do CONANDA, que estabelece que os órgãos públicos e as organizações da sociedade civil, que integram esse sistema, deverão exercer suas funções, em rede, a partir de três eixos estratégicos de ação: (i) defesa dos direitos humanos, (ii) promoção dos direitos humanos e (iii) controle da efetivação dos direitos humanos. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) no ano de 2000. Resolução nº 113/2006 do CONANDA 17 A Lei nº 9.455/1997 (Lei da Tortura). A Resolução SES nº 1.354/1999. A Lei nº 9.970/2000. “Declaração e Agenda para Ação” aprovadas no I Congresso Mundial Contra Exploração Sexual Comercial de Crianças (Estocolmo, 1996). Portarias do Ministério da Saúde – Portaria GM/MS nº 737, Portaria nº 1.968, Portaria nº 936 e Portaria nº 104. Lei nº 4.158/2003. Resolução CNAS nº 145. Norma Técnica: Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, um Manual do Ministério da Saúde que trata da estrutura necessária ao atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC). Portaria Nº 687 MS/GM - Política Nacional de Promoção da Saúde. SGDCA – Resolução CONANDA Nº 113 e o Relatório do Monitoramento da Implementação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil - “Uma Política em Movimento” e a Nota Técnica nº 22 do Ministério da Saúde/SVS/CGDANT/DASIS. Decreto nº 6.286. Decreto nº 6.347. CONANDA - “Carta de Natal”, com recomendação dos aspectos a serem observados na revisão do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Resolução nº 109 do CNAS. Decreto nº 7.037, atualizado pelo Decreto nº 7.177 - PNDH-3. Resolução do CONANDA nº 139. Recomendação CNJ nº 33, que recomenda aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Recentemente, promulgou-se a lei nº 12.845/2013, acerca do atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, em hospitais da rede pública de saúde, determinando, (i) amparo médico, psicológico e social, (ii) o encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas, com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual e (iii) o fornecimento de informações às vítimas sobre seus direitos. O Ministério Público pode ainda desenvolver ou estimular a implementação de projetos que busquem conscientizar a sociedade, a família e a infância a denunciar a violência e dotar os serviços públicos da estrutura adequada para escuta, colheita da prova e tratamento das vítimas, com vistas a quebrar o silêncio e parar a violência. Neste diapasão, algumas estratégias têm sido implementadas, em âmbito nacional e internacional, com o objetivo de colher a prova de forma eficaz, com menor dano à vítima, articulando-se o sistema de saúde e da justiça, como, por exemplo, o depoimento especial18, a perícia psíquica19, e a perícia técnica interdisciplinar, coadunando-se os artigos 156, I, 212 e 217 do Código de Processo Penal, com os artigos 227 da Constituição Federal, 4º e 100, parágrafo único, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e respeitando-se a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (e do Adolescente), de 1989 (prioridade absoluta e proteção integral). As ações de proteção integral desse grupo devem ser articuladas de forma a promover o depoimento especial, inclusive como produção antecipada de prova e evitar a revitimização (oitiva da vítima, por várias pessoas, diversas vezes, sem qualificação e preparo técnico adequado), o constrangimento e a impunidade, com fluxos de atendimento baseados no diálogo entre os diversos participantes da rede de proteção e nas especificidades de cada caso (art. 86, do ECA). Porém, a constituição da prova testemunhal, por meio da inquirição da criança nem sempre acontece, seja em decorrência do silêncio, ou do impacto da violência sofrida, assim como da demora dos processos até que seja designada sua oitiva, o que pode acarretar um sofrimento acumulativo diante das tramitações jurídicas. Mistura-se a dor do trauma, o medo de represálias e o temor da responsabilização, além da dificuldade de verbalização de tamanha atrocidade, o que pode comprometer a precisão no que concerne à descrição das circunstâncias do crime. Por conta destas dificuldades, alguns países modificaram sua legislação, com o objetivo de maior proteção à criança durante a constituição da prova, como a Argentina e a Espanha, que proíbem a escuta direta da criança pelos juízes de direito e pelas partes. A África do Sul estabeleceu um sistema de intermediação por profissionais da área da saúde, que buscam reduzir o trauma e o abuso secundário durante a coleta do depoimento. A França tornou preferencial esse tipo de escuta.20 18 Uma das formas da realização do depoimento especial é separar duas salas, a primeira onde se localiza a criança, na presença de uma psicóloga ou assistente social, vinculados ao Poder Judiciário, e a segunda, onde se encontra o Juiz, Ministério Público, Defensor e o acusado, conectados por um sistema fechado de áudio e vídeo, por meio do qual se pode, ouvir e ver a criança respondendo aos questionamentos formulados pela assistente social ou psicóloga. Os quesitos podem ser disponibilizados com antecedência ao técnico. Todo o depoimento é filmado e a mídia se mantém no processo, evitando-se a revitimização da vítima e a exposição à presença do acusado ou às perguntas das partes. Uma outra forma é a separação, como narrado acima, mas permitindo-se perguntas realizadas apenas pelo juiz, que receberia as perguntas das partes, ou até mesmo as perguntas realizadas diretamente pelas partes, com a criança, acompanhada da técnica, em outra sala. Assim, a vítima deporia em juízo, diretamente, apenas em casos excepcionais e indispensáveis. No Estado do Paraná, a 12ª. Vara Criminal – Crimes contra a Criança e o Adolescente - por intermédio da Portaria nº 13/2012 regulamentou o trabalhou da equipe interprofissional para o acompanhamento de crianças e adolescentes, vítimas de violência sexual. O depoimento especial é incentivado pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na Recomendação 33. Questionando a participação do seus profissionais no depoimento especial, ver Resolução 10/2010, do CFP e 554/09, do CFESS. 19 As perícias psíquicas são divididas em dois momentos: (i) no primeiro, a escuta da vítima, por intermédio da entrevista investigativa, gravada em mídia e acompanha o processo administrativo e judicial e (ii) no segundo, a avaliação psíquica da vítima, com indicação de eventual atendimento futuro, com elaboração de laudo escrito, e consequente encaminhamento à rede de proteção da infância. O próprio perito pode ainda ser ouvido em juízo, para esclarecimento de dúvidas às partes ou responder aos quesitos por elas formulados. (VILLELA, Denise Casanova. MPRS. Depoimento Especial e Perícia Psíquica - Acabando com os preconceitos de sua utilização frente ao Princípio da Proteção Integral à Infância. Texto cedido pela autora). 20 “Ao tornar a sua palavra pública, a criança expõe todo o seu íntimo, de um total silêncio e segredo, ela passa a ser vulnerável, para cumprir com procedimentos jurídicos.” (FRONER, Janaina Petry e RAMIRES, Vera Regina Röhnelt. Escuta de crianças vítimas de abuso sexual no âmbito jurídico: uma revisão crítica da literatura. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS. Paidéia, 2008, 18(40), 267-278. Disponível em www.scielo.br/paideia. Acesso em: 25.11.2012). No Brasil21, o Projeto de Lei nº. 7.524, de 2006, propõe como preferencial a inquirição em local apropriado para o acolhimento da criança, intermediada por profissional designado pela autoridade judiciária e registrada por meio audiovisual (parte integrante do processo), para salvaguardar a integridade física, psíquica e emocional da vítima depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e para evitar a sua revitimização, com sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, nos âmbitos criminal, cível e administrativo, permitindo-se, inclusive, a produção antecipada de provas, em ações cíveis e criminais (ação cautelar de produção antecipada de prova).22 O sistema judicial tem buscado alternativas, visando um depoimento com redução de danos ou depoimento especial, estratégia implementada em algumas Varas Criminais especializadas no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência, em diversas regiões do País e do mundo, que desenvolveram salas especiais, onde as declarações são colhidas por intermédio de um ou mais técnicos, que servem como interlocutores para as perguntas que as autoridades e partes formulam as vítimas, em audiência especialmente designada para este fim. A técnica do depoimento especial encontra respaldo legal23, mas ainda precisa ser melhor aprimorada e adequada às especificidades de cada caso. Além disso, tamanha é a complexidade da matéria, que raros são os profissionais de psicologia e serviço social capacitados para atuar em tais casos. Pondera-se, neste contexto, a necessária celeridade na apuração do delito, evitandose a coação de testemunhas e a fuga do abusador, e o respeito ao tempo da criança para desvelar seu silêncio e sua intimidade. A perícia psíquica/psiquiátrica realiza-se por perito oficial do Estado, no próprio Instituto Médico Legal ou em Centros de Referência,24 organizados em Hospitais, para o célere e adequado atendimento às vítimas, evitando-se expor a vítima à rede de atendimento e conferindo-se um tratamento digno. A literatura ainda apresenta alternativas a esta abordagem, sugerindo-se a coleta das informações sobre a violência sexual de forma a mitigar os efeitos traumáticos sobre a criança, com a realização não de uma oitiva ou audiência, mas de um verdadeiro acompanhamento e análise do caso, fora da Delegacia de Polícia, do Fórum ou de outros espaços como CRAS, CREAS e CAPs, utilizando-se ambientes neutros, 21 Em Porto Alegre, o Juizado da Infância e da Juventude, desde o ano de 2003, vem realizando o Projeto Depoimento Sem Dano, adotando uma nova forma de inquirição, de vítimas ou informantes, que são retiradas do ambiente formal da sala de audiências, transferindo-as para sala especialmente projetada para tal fim, com interlocução através de sistema de vídeo e áudio, ao local onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da justiça, os quais também podem interagir durante o depoimento. Após o depoimento, que é gravado, em sua íntegra, além de ser degravado e juntada aos autos, é copiada em um disco e juntado à contracapa do processo, viabilizando-se às partes o contato com a prova. 22 A possibilidade da realização de diligências desta natureza a título de produção antecipada de prova encontra respaldo na jurisprudência: CORREIÇÃO PARCIAL. PLEITO MINISTERIAL DE COLETA ANTECIPADA DO DEPOIMENTO DE PRÉ-ADOLESCENTE TIDA COMO VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL, MEDIANTE O PROJETO "DEPOIMENTO SEM DANO". ACOLHIMENTO. Relevância da postulação, de induvidosa urgência, inclusive para evitar a diluição ou alteração da prova por via do alongamento de tempo entre a data do fato e a de inquirição da vítima. Priorização objetiva de medida judiciária institucionalizada no denominado "Projeto Depoimento sem Dano - DSD", que objetiva a proteção psicológica de crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais e outras infrações penais que deixam graves sequelas no âmbito da estrutura da personalidade, ainda permitindo a realização de instrução criminal tecnicamente mais apurada, viabilizando uma coleta de prova oral rente ao princípio da veracidade dos fatos havidos. Precedentes no direito comparado. Medida concedida para que a vítima seja inquirida em antecipação de prova e sob a tecnicalidade do "Projeto Depoimento sem Dano". CORREIÇÃO PARCIAL PROCEDENTE. (TJRS. 6ª C. Crim. Correição Parcial nº 70039896659 Rel. Des. Aymoré Roque Pottes de Mello. J. em 16/12/2010). 23 Arts. 5º, 15 a 18, e 100, parágrafo único, incisos I, V, XI e XII, da Lei nº 8.069/90, art. 1º, III e 227, da CF, arts. 12, 19, 34 e 39, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989 e na Resolução nº 33/2010, do Conselho Nacional de Justiça, e objeto do Projeto de Lei nº 4.126/04. 24 Em Porto Alegre/RS, organizou-se o Centro de Referência ao atendimento Infanto-Juvenil, que conta com atendimentos de saúde e reúne, no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, o Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente e o Departamento Médico Legal. Em Curitiba/PR, a Secretaria Municipal da Saúde, em conjunto com a Secretaria de Estado da Saúde e Secretaria de Estado da Segurança e o IML, firmou, em 2002, parceria com diversos hospitais para o atendimento de vítimas de violência sexual, se a violência ocorreu em até 72 horas. Hospital Pequeno Príncipe, Hospital das Clínicas e Hospital Evangélico. Decorridos mais de 72 horas da violência sexual, ou em casos crônicos, as vítimas são atendidas nas Unidades Municipais de Saúde, cuja atendimento deve seguir a norma técnica do Ministério da Saúde “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes de 2005.” familiares à vítima, que não sejam previamente identificados como locais destinados à apuração de crimes contra crianças e adolescentes, onde a vítima possa se sentir confortável e estabelecer um vínculo de confiança com o profissional, preservando-se sua intimidade, privacidade e imagem.25 Pode-se, inclusive, aprimorar a perícia técnica interprofissional, determinada para preservar a vítima e permitir a realização de um acompanhamento destinado à superação do trauma sofrido, como produção antecipada de prova (art. 156, I, do CPP), substituindo-se a tradicional audiência, destinada a colher as declarações da vítima, por uma perícia técnica interdisciplinar, a partir da formulação de quesitos pela autoridade policial, Ministério Público, Juiz e as partes, que serão respondidos pela equipe interprofissional responsável pelo atendimento do caso. A equipe, por seu turno, apresentará suas conclusões e apontará as alternativas existentes para sua efetiva solução, no que tange à proteção da vítima e à responsabilização criminal do agente. A equipe técnica além de responder aos quesitos apresentados pelas partes e autoridades, pode prestar os esclarecimentos necessários, em audiência especialmente designada, sem prejuízo do atendimento protetivo da vítima. A atuação da equipe técnica fornece subsídios necessários à tomada das medidas administrativas e judiciais cabíveis, como, por exemplo, na esfera criminal, indiciamento de investigados, pedidos de afastamento de agressores, prisão temporária ou preventiva e, na esfera cível, pedidos de destituição de guarda ou tutela, suspensão ou destituição do poder familiar e aplicação das medidas de proteção. Dessa forma, com a articulação de toda a equipe, colhe-se a prova e evita-se que a vítima seja reiteradamente ouvida, sem o cuidado e a técnica necessária, o que provocaria ainda maiores danos psíquicos, além dos já sofridos com a violência. 3. Conclusões acerca do papel do Ministério Público 1. Uma ação coordenada das diversas instituições que integram a rede de proteção à infância implementará um ambiente profissional de confiança, possibilitando a quebra do silêncio, a denúncia e o tratamento adequado das vítimas. 2. O atendimento de crianças e adolescentes, vítimas de violência sexual, demanda a articulação de instituições, profissionais e recursos, e a instauração de medidas essenciais à efetivação dos seus direitos fundamentais como: (i) o fomento à implementação de políticas públicas municipais, visando à defesa dos seus direitos, em especial através da criação/adequação de serviço de saúde especializado no acompanhamento psicológico das vítimas e (ii) a construção e fortalecimento de fluxos locais que garantam o adequado atendimento às crianças e adolescentes vítimas, com enfoque na articulação e integração dos serviços de assistência social e de saúde.26 3. A eficiência do Sistema de Garantias dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (SGDHCA) está ligada à incorporação de ações do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR), no processo de implementação de políticas e fluxos de atendimento, de forma que, a partir do diagnóstico da realidade do Município, possa se proceder à construção coletiva do Plano Operativo Local.27 25 DIACOMO, Murilo José. Depoimento especial ou perícia por equipe técnica interdisciplinar: na busca da melhor alternativa para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência. Disponível em: www.mp.pr.gov.br. Acesso em 25.11.2012. 26 O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro elaborou um fluxo, no seio do Projeto “Quem Cala Consente”, com o escopo de lidar com crianças e adolescentes que sofreram alguma espécie de violência sexual, com articulação de toda a rede de atendimento. (4ª. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude. Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil. A Atuação do SGDCA na Política de Proteção. Campanha “Quem Cala Consente”. MPRJ). 27 4ª. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude. Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil. A Atuação do SGDCA na Política de Proteção. Campanha “Quem Cala Consente”. MPRJ 4. Neste contexto, o Ministério Público28 se fortalece como instituição vocacionada para a promoção da cidadania de pessoas vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes, por intermédio da fiscalização das ações governamentais, e pelo acompanhamento das famílias e das vítimas, visando sua reinserção social, atuando em todos os estágios do ciclo de vida dos casos de violência. 5. Além disso, considerando a existência de diversas iniciativas nacionais e internacionais, seria interessante a formatação, no seio da instituição, de um banco de dados organizado, com dados geográficos e estatísticos acerca dos projetos e resultados existentes nessa área, com a consequente capacitação dos membros, servidores e da equipe técnica. 6. Na seara preventiva, são necessárias orientações e conscientização, nas escolas e no ambiente familiar, acerca do delito, com informações acerca da proteção à dignidade sexual e os seus efeitos sobre as vítimas e suas famílias e um espaço adequado para organização e funcionamento da rede de proteção, sem prejuízo das medidas necessárias à persecução penal. 7. Enfrentar o problema exige inclusive instrumentos estatísticos de avaliação, a partir das demandas que chegam aos Conselhos Tutelares, às Delegacias, ao Ministério Público, às escolas, ao sistema de saúde e de assistência social e um sistema de registro e comunicação célere, organizado e eficiente, entre os diversos agentes. Neste contexto, o Sistema de Informação para a Infância e a Adolescência (SIPIA) é importante aliado para o enfrentamento da violência sexual, por registrar e sistematizar as informações e orientar o governo na formulação de políticas públicas, mas os dados devem ser corretamente alimentados. 8. Por isso, importante a formatação de um banco de dados que contenha a relação dos locais, profissionais e equipes técnicas de saúde (Secretaria de Saúde, Postos, Hospitais, CAPs, USF), assistência social (Secretaria de Assistência Social, CRAS, CREAS, entidades de acolhimento), educação (Secretaria de Educação, Núcleo Regional de Educação, creches e escolas) e jurídico (Conselho Tutelar, Conselho de Municipal de Direitos, Poder Judiciário, Delegacia de Polícia, Comando da Polícia Militar e Ministério Público), a elaboração de relatório estatístico mensal com o número de registros de ocorrência referentes a crimes contra a dignidade sexual, nos quais crianças e adolescentes figuram como vítimas, a compilação de dados sobre o atendimento das crianças e adolescentes junto ao CRAS/CREAS, verificando-se a forma, local e horário de atendimento, o mapeamento dos principais pontos no Município onde se concentra a atividade de exploração sexual infanto-juvenil e a celebração de um protocolo de atuação interinstitucional, com a elaboração de um catálogo de todos os participantes da rede e suas respectivas responsabilidades. 9. Neste mister, com vistas à obtenção dos dados, a necessária articulação dos bancos de dados da Secretaria de Segurança Pública, Poder Judiciário, Ministério Público (PROMP), Conselho Tutelar e Municípios. 10. A priorização dos inquéritos de crimes contra criança e adolescente, com a criação de uma rotina de centralização das investigações e garantia da celeridade e a realização de diligências de investigação, por parte da Polícia Civil, com a pactuação junto à rede de saúde e assistência social, acerca de eventual elaboração de laudo/escuta psicológica de crianças e adolescentes. 28 Grupo Especial de Apoio à Atuação dos Promotores de Justiça na apuração dos crimes envolvendo violência sexual contra crianças e adolescentes (GPCA, do MPRJ). 4ª. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude. Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil. A Atuação do SGDCA na Política de Proteção. Campanha “Quem Cala Consente”. MPRJ. 11. O envolvimento do meio acadêmico, fomentando a pesquisa e a investigação acerca da violência sexual infanto-juvenil,29 bem como a promoção de campanhas para a informação dos cidadãos.30 12. A realização de escuta de vítimas de violência sexual, por uma metodologia adequada, seja por intermédio do depoimento especial, da utilização da perícia psíquica ou técnica interdisciplinar, bem como a possibilidade de produção antecipada de prova, vistas como medidas necessárias à produzir o lastro probatório indispensável às investigações criminais, como também à proteger à integridade das vítimas, o que vem sendo aprimorado pelos profissionais que atuam na proteção à infância e encontrado, inclusive, respaldo na jurisprudência. 4. Conclusão objetiva com os fundamentos jurídicos que a embasam Em suma, a atuação do Ministério Público tem por escopo contribuir para (i) a garantia do respeito aos direitos da criança e do adolescente, a partir da conscientização das crianças, adolescentes, seus pais e responsáveis, (ii) a capacitação dos principais agentes do Sistema de Garantia de Direitos Humanos da Criança e do Adolescentes (SGDHCA), tais como gestores da assistência social, saúde e educação, conselhos tutelares, conselhos de direitos de crianças e adolescentes, organizações da sociedade civil, polícia militar, polícia civil, peritos criminais e outros, que atuam na defesa dos interesses infanto-juvenis, com o desenvolvimento de um fluxo de trabalho, (iii) a visibilidade do tema da violência sexual (abuso sexual e exploração sexual) contra crianças e adolescentes, informando a sociedade acerca do tema, (iv) a divulgação dos principais canais de denúncia dos casos de violência, (v) o desenvolvimento de políticas públicas, e (vi) a promoção da adequada responsabilização dos perpetradores de violência contra criança e adolescente, com a articulação das Promotorias Criminais e da Infância, e compatibilizar as medidas protetivas e as sanções penais aplicadas aos agentes, tomando as medidas necessárias para a realização de uma forma de escuta menos danosa à vítima, criança ou adolescente, de crimes contra a dignidade sexual, atuando em todas as fases pré-investigação, investigação, processo criminal e o pós-julgamento, com o protagonismo que lhe foi deferido na Constituição. A tese tem fundamento nos seguintes dispositivos legais: art. 129, II, da Constituição da República, artigo 27, I e II, da Lei 8.625/93, artigo 1º, da Lei Complementar Estadual nº 85/1999, artigos 4º, 100, parágrafo único, II e 153 e 201, V, VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, 156, I e 217, do Código de Processo Penal, o artigo 19, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 e artigo 3º, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989. Concluindo-se, assim como o homem é um ser-fronteira, a rede de proteção à infância apresenta uma série de limitações de recursos técnicos, humanos e financeiros. O que não pode ter fronteira, contudo, é a sensibilidade da equipe para detectar as necessidades socialmente sentidas e trabalhar incessantemente para o aprimoramento de todo o sistema jurídico internacional e nacional de proteção à infância. 29 O Ambulatório da Criança Vítima de Violência no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) há um ano atende vítimas de agressão e seus familiares com o intuito de discutir o problema e encontrar soluções. Semanalmente, passam pelo ambulatório entre 40 e 60 pessoas. Em mais de 90% dos casos, os agressores são os pais ou responsáveis. Para ampliar o atendimento foi criada pela universidade a jornada “Marcas da Violência na Infância e Adolescência” cujo objetivo é reciclar profissionais para aprimorar o tratamento e discutir possíveis reflexos futuros da violência nas crianças e adolescentes. 30 Projeto Cavas – Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual, da Universidade Federal de Minas Gerais oferece acompanhamento clínico a este público. Porém, o serviço não é divulgado, porque a instituição não tem como atender à demanda. Disponível em: 5. Referências Bibliográficas ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectivas, 1999. BITTENCOURT, Luciane Potter. A vitimização secundária de crianças e adolescente e a violência sexual intrafamiliar. Dissertação de Mestardo. PUC/RS. Porto Alegre, 2007. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1035. Acesso em: 19.08.2013. 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