A ALTERIDADE COMO FUNDAMENTO DA ÉTICA LEVINASIANA
Lucas Soldera1
Samuel Moreira2
Eloi Piovesan Scapin3
Daniel Uberti4
Ricardo Antonio Rodrigues5
Resumo:
Esse trabalho pretende apresentar a categoria alteridade, presente no pensamento de
Emmanuel Levinas, como fundamento da ética. A intenção é discutir o sentido da ética como
Filosofia Primeira, apresentando o que isso representa dentro da evolução do pensamento do
autor, bem como qual é a possível contribuição que essa discussão pode agregar ao pensamento ético e filosófico ocidental. O autor apresenta um sentido novo de um tema permanente
na Filosofia. Pois enquanto para o mapa conceitual do ocidente pensar a alteridade é um
grande desafio para Levinas a Alteridade é ponto de partida para a edificação da ética. A
subjetividade precisa acolher a diferença como pressuposto da elaboração de um discurso e de
uma efetivação ética. Em suma, a ética não é um conceito e nem um modelo mesmificante,
mas abertura e promoção da relação com o Outro e com o Outrem.
Palavras-chave: Filosofia, Ética. Alteridade.
No período de 1961 a 1973, se dá o surgimento da ética como tema central das
reflexões levinasiana, por uma explícita e textual defesa da tese que sustenta a anterioridade
da ética com relação à ontologia fundamental e a toda e qualquer filosofia possível.
O primeiro argumento em favor da ética é aquele que identifica ontologia com
dogmatismo e demonstra a anterioridade da crítica em relação a este último. A ética é crítica e
por isso antecede a ontologia, que é dogmática.
Levinas concede a ética como interpelação justificante, como linguagem que transita
na interpelação voltada para o outro enquanto tal. Mas essa linguagem não se apresenta
apenas em seu caráter dialogal, pois no seu seio pode surgir o caráter totalizante do discurso
coerente. A violência desse discurso totalizante se enraíza na história, se reporta à ética, pois
1
Graduando em Filosofia pela FAPAS, Santa Maria, RS- [email protected]
Graduando em Filosofia pela FAPAS, Santa Maria, RS- [email protected]
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Graduando em Filosofia pela FAPAS, Santa Maria, RS- [email protected]
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Acadêmico do curso de Filosofia da FAPAS, Santa Maria, RS.
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Professor da FAPAS/UNIFRA e Colégio Franciscano Sant’Anna, Santa Maria, RS - [email protected]
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se ela se apresenta como um modo de ser na relação para com o outro, que consiste em negálo na sua identidade e, conseqüentemente na sua diferença para comigo.
Levinas também se interessa pela violência, mas uma violência ética e não o seu
aspecto exterior, histórico-social, em que ela se mostra. Se a violência é a colocação em ação
de uma atitude determinada, que é à vontade de poder, que está inserida no ser do homem,
com isso, o que Levinas propõe, é a ultrapassagem da ontologia, ou, da diferença ontológica
de Heidegger, pela ética como filosofia primeira. Para ele, a ontologia surge como necessária
para a distinção entre o Ser e o ente, porém, ela é posterior a filosofia primeira.
O poder da ética vai se expressar na lei, a qual impõe a proibição, podendo, mesmo
assim, ainda ser infligida. A possibilidade da ética é inseparável da possibilidade de suas
proibições, como as da violência, da guerra, da injustiça. A ética da lei não é capaz de
eliminar a possibilidade de imortalidade e do mal. Embora sendo real, o mal não tem a sua
justificativa pela possibilidade ética, mas sim pela “vontade de poder” sobre o Outro.
A verdadeira relação ética para Levinas não é a da união, mas sim da relação “face a
face”. Ele se expressa assim: “na relação interpessoal, não se trata de pensar conjuntamente o
Eu e o Outro, mas de estar diante. A verdadeira união ou junção não é uma função de síntese,
mas uma junção de frente a frente” (Levinas, 2000a, p.69). Levinas fala na obra “Totalidade e
Infinito” de uma relação “que consiste na responsabilidade por outrem” (Levinas, 2000a, p.
73), na relação mútua da alteridade ou do face a face, a responsabilidade pelo Outro é
estrutura fundamental da subjetividade.
Levinas ao falar desta relação de responsabilidade pelo Outrem, o estar frente a frente,
é dado pelo fundamento do reunir-se em sociedade, que se expressa no seu conceito de
“rosto”. Nesse sentido, o autor nos diz que esse “estar frente a frente ou face a face”, é um
acesso ao rosto, que em um primeiro momento, é ético. A partir daí, acabo me tornando
responsável pelo Outro.
O rosto e o discurso (a fala) estão ligados essencialmente ao sujeito e a relação
interpessoal. Na obra “Ética e Infinito”, lemos que: “ o rosto fala. Fala porque é ele que torna
possível e começa o discurso” (Levinas, 2000b, p.79). Temos que entender que esta
linguagem do rosto não nos dá o conhecimento do Outro, mas sim como escreve Levinas, do
tipo de linguagem onde “o discurso e, mais exatamente, a resposta ou a responsabilidade é
que é esta relação autêntica” (Levinas, 2000b, p.79).
O que Levinas buscou em seus escritos, foi uma ética fundamental. A linguagem que
aparece nesta relação, de estar face a face é um chamado a bondade e a justiça. Nesse caso, a
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ética se joga como nos jogos da linguagem, e com isso, ela pode ser mal entendida e até nem
ser ouvida.
Em Levinas, essa relação que ocorre, o face a face, é uma relação de responsabilidade,
pois ao momento que estou de frente para o Outro eu sou responsável por ele. Esta é uma
relação desinteressada. Não me relaciono com o Outro porque quero algo em troca, mas sim
pelo simples fato de estar com ele. É essa relação de desinteresse que permite a presença do
outro ser. É um ser para o Outro.
A relação proposta por Levinas para alcançar a Alteridade é dada pela exterioridade,
sendo, não uma preocupação para comigo, mas sim para com o Outro. Já, Martin Buber nos
fala de uma relação através da reciprocidade, onde me relaciono sempre com uma segunda
intenção.
Levinas refere-se a dois grandes modelos de referência a ética: a ética da natureza, e a
ética do projeto. O primeiro encontra o seu traço característico numa compreensão da ética
como conformidade das leis profundas da realidade, reconhecidas pelo uso da racionalidade
reflexiva, a ética encontra o seu espaço fundando-se na “metafísica”, que Levinas chamaria de
ontologia, que desenha antecipadamente as estruturas e características, isto é, a natureza do
sujeito e da realidade. Através da conformidade a tal ordem, a vida humana realiza o próprio
sentido no mundo. o segundo modelo, a ética do projeto, baseia-se na liberdade do homem,
compreendida como negação da submissão e sinônimo da emancipação e “autonomia”. A
realidade é interpretada como material a ser transformado conforme as próprias intenções. O
homem secularizado, que vive a liberdade libertária, tendente para o arbítrio, torna-se um
homem desprovido de projetividade. O seu estilo de vida torna-se fragmentário e incerto, um
“homem sem qualidades”, marcado por uma identidade frágil.
Levinas reafirma a legitimidade de uma filosofia primeira, mas situa o lugar prioritário
do sentido do ser na relação ética, relação com o Outro. Podemos falar, a partir disso, de uma
ética francamente heterônoma que, portanto, coloca no centro uma concepção própria da
subjetividade.
A ética enquanto relação com Alteridade é igual à religião, e esta coloca o Outro no
centro, a ética da alteridade vem a ser a religião do Outro. A ética é relação com a alteridade
e tem o outro no centro, mas não como referencia teológica, é uma relação assimétrica, ou
seja, não resta a resposta do Outro.
A metafísica, a transcendência, o acolhimento do Outro pelo Mesmo,
de outrem por mim produz-se concretamente como impugnação do
Mesmo pelo Outro, isto é, como ética que cumpre a essência critica do
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saber. E tal como critica precede o dogmatismo, a metafísica precede
a ontologia. A filosofia ocidental foi, na maioria das vezes, uma
ontologia: uma redução do Outro ao Mesmo, pela intervenção de um
termo médio e neutro que assegura a inteligência do ser (Levinas,
2000, p.30-31)
Portanto, a própria filosofia levinasiana é fundada nos horizontes da responsabilidade
e não do enquadramento da alteridade nos horizontes da subjetividade. O foco da ética
levinasiana é, sem duvida, a subjetividade, no entanto, como um movimento de acolhida e não
de tentativa de posse, domínio ou eliminação da alteridade. Esta, por sua vez, vai balizar,
assinar e garantir o cumprimento da proposta ética em Levinas.
Segundo Costa, a ética está constituída num duplo movimento, subjetivo (Eu) e
objetivo (Exterioridade). No caso de Levinas ela deve ser entendida como "subjetividade que
é sensível à exterioridade, à alteridade e ao infinito que excede a qüididade do outro aprendida
e representada em mim" (Costa, p.26). Ou seja, para melhor entendermos o pensamento
levinasiano no que tange a ética é preciso considerar que:
A ética julga porque ela é anterior à visão, à intelecção, ao saber, à
representação, a dogmatização, à cura, à liberdade dogmáticoontológica do eu que se move nos modos do encontrar-se, do
compreender, da fala, da consciência de si e da consciência de objetos.
A ética é primeira e anterior porque é relação entre entes-humanos
concretos e não relação entre um ente-inteligente e o ser (qüididade)
de um outro ente-inteligível. A relação de ente-humano a ente-humano
é anterior, mais antiga e mais grave que a compreensão, a intelecção, a
representação, especulação e sistematização de um ente-inteligente
sobre o ser (qüididade) de um outro ente-inteligível à do ser em geral
(Costa, 2000, p.27).
Levinas, em suas reflexões, esforça-se para ir às origens do que foi assinalado pela
Filosofia. A ética, que é colocada em termos pré-originários, é materializada nas escrituras.
Para o nosso autor deveria ser o pressuposto para a (re) construção da razão ocidental, sempre
fundada na racionalidade, mas que esta pressuponha a existência e o valor da Alteridade. Não
é a negação da racionalidade, mas a proposição de uma nova forma de abordagem da mesma.
É nesse sentido que o autor apresenta a tese da ética como Filosofia Primeira.
A ética é a filosofia primeira, anterior a toda filosofia possível. É
anterior a aventura do saber e às truculências da tematização [...] A
subjetividade não é razão temática, é sensibilidade. A
intersubjetividade não é estratégia arrazoada, é recebimento. Assim
como a sensibilidade e o recebimento são anteriores a razão temática e
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à estratégia arrazoada, assim também a ética é anterior a
fenomenologia transcendental, à ontologia fundamental existencial e a
toda filosofia possível (Costa, 2000, p.29).
Para Levinas, a ética se configura como uma relação Eu-Outro, onde o elemento que
constitui a definição do sujeito ético é constituído pelo Outro e não pelo Eu. Com isso
entendemos que o Eu é implicado pelo Outro e que a subjetividade tem sua origem fora do
Eu, pois o Outro me constitui como sujeito. O que Levinas pressupõe exige um
desdobramento e compreensão dos dois elementos implicados, do Eu e do Outro, no interior
da relação ética.
Para o autor em questão o Outro sempre precisa ser considerado Rosto. Este é outro
ponto que o autor enfoca, pois no momento que o Eu percebe o Rosto do Outro no seu
mundo, desde o momento que ele o olha, passa a ser responsável por ele. Esse exercício de
responsabilidade que proporcionará a proximidade entre o Eu e o Outro não é sobreposição.
Para ele, o Outro é Rosto; este é caracterizado como uma voz que se escuta da outra margem,
ele se mostra, revela-se sem se deixar aprender. O Rosto fala por si e é única identidade
reconhecida pelo Outro como realidade que se revela sem ser dominado. Lembra ainda que o
Rosto é mais que uma centelha do infinito, é o infinito nele mesmo, é a expressão que
significa e dá significado à ética da Alteridade pensada por Levinas.
A ética fundamentada na Alteridade pretende atingir o sentido e o infinito no Rosto do
Outro. Pois quando conseguimos que o produto da ação pedagógica, por exemplo, seja o
respeito, estamos ensinando a ver e perceber não apenas o rosto, ou à parte do Outro que
vemos, mas instaurando uma proposição de entendimento do que isso representa. É necessário
para isso, ver, sentir e perceber o rosto do Outro com outro olhar. Não só no sentido de
comiseração, ou empirismo, mas também no sentido de instaurar um movimento éticopedagógico fundado na justiça.
A responsabilidade pelo Outro é tratada como fundamental por Levinas, tendo em
vista a questão da Alteridade, que coloca o Outro no centro, mas no sentido relacional, não
como referência última. Nesse sentido, a relação ética torna-se a religião do Outro, que é
fundada na responsabilidade originária do Mesmo pelo Outro. A ética, enquanto sendo o
testemunho da revelação, espera uma resposta do homem. E a resposta que Deus espera do
homem é o amor dele pelo seu próximo. Nesse modo de amar, encontra-se a via que conduz o
homem para a eternidade. O amor do homem pelo seu próximo é uma tarefa que o redime, é o
efeito da sua própria redenção.
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A ética da Alteridade implica num comportamento de imparcialidade, justiça,
humildade e interpelação do Outro, do acolhimento. A diferença presente no diferente ao ser
reconhecido, acaba tendo a incidência como uma atitude, pois ética é um embasamento que se
manifesta em ações que não visa subtrair nada de ninguém, mas edificar nas pessoas uma
intenção de agir de forma justa, pois o objetivo maior da ética é o Bem que inclui a todos.
Ao falarmos da ética da Alteridade, em Levinas, queremos contribuir reflexivamente
com a sociedade em que vivemos, pois segundo o que postula o nosso autor, a fundamentação
ética a partir da Alteridade busca tratar, em primeiro lugar, da valorização do humano. Isso a
partir do reconhecimento e da valorização do Outro.
O Outro, o seu Rosto, revela uma transcendência infinitamente além do ser e revela o
ser do Eu como relação originária do Desejo da Alteridade. É sobre estas bases que Levinas
busca e fundamenta o sentido da consciência ética, como filosofia primeira. O escândalo e
provocação do Rosto do Outro mostra que o Eu, subjetivamente falando, tem sentido e deixa
de ser conceito universal na responsabilidade pelo Outro. Na relação face-a-face do Rosto,
realiza-se a acolhida do Outro como realização subjetiva, não como enquadramento
ontológico.
A relação ética, oposta à filosofia primeira da identificação da
liberdade e do poder, não é contra a verdade, dirige-se ao ser na sua
exterioridade absoluta e cumpre a própria intenção que anima a
caminhada para a verdade (Levinas, 2000a, p. 34).
Em conclusão, podemos dizer que para Levinas sua ética é filosofia primeira e desde o
inicio orientada para o Outro que é absolutamente Alteridade. Tratando da ética como
filosofia primeira, exige que o encontro ou a comunhão aconteça no respeito à Alteridade do
Outro, pois o existir requer que o outro mantenha-se si mesmo, identidade de si-mesmo.
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_____. Humanismo do outro homem. Traduzido por Pergentino Stefano Pivatto. Petrópolis:
RJ, Vozes, 1988.
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