O CONCEITO DE ASSASSINATO NA ÉTICA DA ALTERIDADE DE
EMANUEL LEVINAS
The Concept Of Murder In The Ethic Of Altherity ff Emanuel Levinas
1
Otávio Binato Júnior
Resumo
O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise, ainda que
breve, do conceito de assassinato na ética do filósofo franco-lituano Emanuel
Levinas. Levinas baseia todo o seu sistema filosófico tendo como premissa a
ética (da alteridade) como filosofia primeira, de modo que o assassinato é
utilizado como metáfora para representar a negação desta alteridade e, por
conseguinte, o assassinato do “outro” representa a morte do “mesmo”.
Palavras-chave: Assassinato, ética, alteridade, Levinas.
Abstract
The intend of this work is make an analysis of the concept of murder in
the ethyc of the frank-lithuanian philosopher Emanuel Levinas. The entire
philosophic system of Levinas is based on ethics as the first philosophy, in that
way, murder is used as an metaphoric way to represent the denial of this
alterithy and, therefore, the murder of the “other” represents the death of the
“self”.
Key-words: Murder, ethics, altherity, Levinas.
Introdução
Para Theodor Adorno é a necessidade de pensar o que nos faz pensar.
__________________________
1
Especialista em Ciências Penais pela PUCRS, Mestre em Direito Público pela UNISINOS.
Professor da Faculdade Católica Dom Orione (FACDO) e do Instituto Tocantinense Presidente
Antônio Carlos (ITPAC), ambos em Araguaína-TO.
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Não discordando do pensador alemão, mas buscando ir atrás do fundamento
do próprio fundamento, poderíamos dizer que é a diferença que nos obriga à
necessidade de pensar (SOUZA, 2000, p. 193). É somente devido ao fato da
existência do não-eu que nossas estruturas mentais obrigam-se a pensar
logicamente a questão da não-unidade, logo, “a diferença é a questão
propriamente dita do pensar” (SOUZA, 2000, p. 191). Em outras palavras,
poderíamos dizer que o fundamento do nosso próprio logos é a capacidade
inicial de ir além do eu, percebendo a diferença enquanto diferença, o que nos
possibilita a base para apreendermos o real na sua realidade (SOUZA, 2000, p.
192).
O objetivo de Emmanuel Levinas ao construir sua teoria da
subjetividade fundamentada na idéia de alteridade, foi desenvolver uma
alternativa teórica que confrontasse a busca de um fundamento último
baseado apenas na objetividade e na cientificidade, as quais têm por
legitimação filosófica a idéia da “consciência intencional do ego constituinte
absoluto e apodítico” (PELIZZOLI, 1993, p. 10) que sem dúvida obteve a sua
máxima formulação na idéia do cogito cartesiano (DESCARTES, 1999, p. 258),
formulado por Descartes nas suas meditações (MELO, 2003, p. 202). Desta
feita, para Levinas, não faz sentido pensar a relação do eu consigo mesmo,
como faz a ontologia clássica, sem pensar primeiro na relação eu-mundo,
relação esta que se mostra como uma relação de inevitabilidade de se estar no
mundo, de permanecer nele.
La identificación Del Mismo en el Yo no se produce como una
monótona tautología: “Yo es Yo”. La originalidad de la identificación
irreductible al formalismo de A es A, no sería así digna de atención. Es
necesario captarla sin reflexionar sobre la abstracta representación
de sí por sí. Es necesario partir de la relación concreta entre un yo y un
mundo. Este extraño y hostil debería, en buena lógica, alterar el yo.
Ahora bien, la verdadera y original relación entre ellos, y donde el Yo
se revela precisamente como el Mismo por excelencia, se produce
como estancia en el mundo. La modalidad de Yo contra lo “otro” del
mundo, consiste en morar; en identificarse existiendo allí en lo de si.
(LEVINAS, 1977, p. 61).
Desnecessário seria explicitar a importância de suas conclusões, uma
vez que na nossa sociedade atual vivemos exatamente em um período de
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2
transição paradigmática , período este em que a razão como fundamento
último (e único), está sendo seriamente questionada em praticamente todos os
3
4
campos do saber; da sociologia à matemática , e de uma ciência marcada por
certezas, estamos passando a uma ciência onde as probabilidades tornam-se a
regra.
A idéia de assassinato em Levinas, como veremos a seguir, trata
exatamente da anulação do outro, anulação esta que retira quaisquer
possibilidades de contato entre o eu e o outro, negação extrema da diferença,
que apenas consegue impor-se por meio de sua eliminação. Pensando este
conceito dentro de um sentido antropológico, seria interessante questionar até
que ponto todas as estratégias que foram utilizadas para neutralizar a diferença
entre o eu e o não-eu, estratégias estas que foram não somente utilizadas pelos
primeiros antropólogos ao pensarem teoricamente a diferença entre o
“civilizado” e o “selvagem” (LAPLANTINE, s.d. p. 37-55), utilizando-se para isto
de uma visão fortemente marcada pelo etnocentrismo (ROCHA, 1994, p. 7-23),
mas que continuam a sê-lo em tempos crescentes de xenofobia e racismo no
mundo “civilizado”, não são uma forma lenta e gradual de assassinato no
sentido de Levinas. Assassinando o não-eu, atribuindo-lhe um sentido “meu”,
impedindo-o de demonstrar a sua alteridade, englobando-lhe dentro da minha
_____________________________
2
Há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente
quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu. O desassossego resulta de uma experiência
paradoxal: a vivência simultânea de excessos de determinismo e de excessos de indeterminismo.
(SANTOS, 2000, p. 41.)
3
A crise da idéia modernista nasceu da recusa, lançada primeiramente por Nietzsche e Freud e
depois por atores sociais coletivos, a reduzir a vida social e a história das sociedades modernas ao
triunfo da razão, mesmo quando esta quer se associar ao individualismo. (TOURAINE, 1999, p.
204).
4
Em 1931, o matemático Kurt Gödel provou seu famoso teorema da incompletude sobre a
natureza da matemática. O teorema afirma que, dentro de qualquer sistema formal de axiomas,
como a matemática atual, sempre persistem questões que não podem ser provadas nem
refutadas com base nos axiomas que definem o sistema. Em outras palavras, Gödel mostrou que
certos problemas não podem ser solucionados por nenhum conjunto de regras ou
procedimentos. O teorema de Gödel fixou limites fundamentais para a matemática. Foi um
grande choque para a comunidade científica, pois derrubou a crença generalizada que a
matemática era um sistema coerente e completo baseado em um único fundamento lógico. O
teorema de Gödel, o princípio da incerteza de Heisenberg e a impossibilidade prática de seguir a
evolução até mesmo de um sistema determinista que se torna caótico formam um conjunto
fundamental de limitações ao conhecimento científico que só veio a ser reconhecido durante o
século XX. (HAWKING, 2002, p. 139.)
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totalidade existencial, utilizando-se das estratégias demonstradas por Claude
5
Lévi-Strauss ; a antropofágica, que insere o não-eu dentro da minha cultura,
atribuindo-lhe um sentido não-próprio, e a antropoêmica, que se limita a
expelir o não-eu para além das nossas possibilidades de contato. Desta feita,
temos que de um modo a negação da alteridade far-se-ia pela minimização das
diferenças entre o eu e o não-eu e de outro modo, esta alteridade seria negada
6
pela via inversa, ou seja, pela exclusão do não-eu .
O Rosto (visage)
Levinas ergue toda a sua teoria ética sobre o encontro do eu com o rosto
7
(visage) . Este rosto representa o limite da minha totalidade, abrindo as portas
para o infinito; pois a minha interpretação do real já não é mais soberana. O
8
rosto significa um abalo irrenunciável do meu próprio estatuto ontológico, uma
vez que toda a minha liberdade e vontade de poder percebem-se não mais
como absolutas, mas como relativas ao outro. O rosto, por meio do seu Olhar, se
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5
Zygmunt Bauman, partindo da análise de Lévi-Strauss, apresenta-nos os dois tipos de variáveis
de como o Estado e a sociedade podem lidar com os “estranhos”. A estratégia antropofágica,
própria do Estado Liberal, que buscava por diferentes métodos uma assimilação dos “estranhos”,
trazendo eles para dentro da cultura “oficial” de determinada sociedade. Já as estratégias
antropoêmicas, visavam uma exclusão dos “estranhos”, minimizando quaisquer possibilidade de
contato destes com os “normais” (quando não os expulsavam do país, ou visavam mesmo o seu
extermínio, como a história nos é pródiga em dar exemplos), foi sem sombra de dúvida, a
estratégia usada pelos Estados Racistas-Nacionalistas. Contudo, ambas as estratégias são, de
certo modo, idênticas nos fins, ainda que divirjam sensivelmente nos meios. Trata-se de viver em
uma sociedade de iguais, buscando assim, o que Bauman chama de “o sonho da pureza”.
(BAUMAN, 1998, p. 28-30).
6
Logicamente somos sabedores de todas as dificuldades teórico-metodológicas de inserir um
conceito pensado originalmente para o nível do “eu-outro” em um nível de “eu-nós-eles” que é o
estudado pela antropologia. Dada a natureza deste trabalho, limitar-nos-emos a meramente
levantar o problema, sem termos pretensão de responder, ficando deste modo as questões,
meramente como indagações/preocupações.
7
É como rosto que o ser humano escapa à generalidade, à espécie, à categorização e à queda na
totalidade; o rosto diz do ser como exterioridade, do sentido que o pensamento não aclara.
(PELIZZOLI, 1993, p.10.)
8
No abalo, não ocorre a “negação pura e simples do eu” por outrem, mas e efetivação da
transcendência, da saída da solidão egológico-ontológica em direção à revelação do Outro – o
que abre o próprio sentido do eu e da razão, por uma via interdiscursiva. (PELIZZOLI, 2000,
p.265.)
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mostra desde o princípio como não-objetivável, furtando-se à minha prática
totalizadora. Há, por parte do rosto, uma total e completa resistência à
apreensão por parte da minha totalidade ontológica (SOUZA, 2000, p. 30).
El rostro está presente en su negación a ser contenido. En este sentido
no podría ser comprendido, es decir, englobado. Ni visto, ni tocado,
porque en la sensación visual o táctil, la identidad del yo envuelve la
alteridad del objeto que precisamente llega a ser contenido.
(LEVINAS, 1977, p. 207)
Interessante notar também que o aparecimento do Outro marca o fim
do monólogo da totalidade estabelecida eu-mundo (MELO, 2003, p. 91). Este
aparecimento é o símbolo do rompimento da neutralidade, e o ato de
contemplar é abalado pela impossibilidade de contemplação do Outro
enquanto objeto (SOUZA, 1999, p. 108). Desta forma, principia a experiência
do estranhamento do olhar, pois, uma vez que estava acostumado à presença
das coisas, que sempre se revelam neutras, agora, pela presença do Outro,
mostram-se como inapreensíveis, dado o Olhar do Outro na sua eloqüência
não-material e não-apreensível (SOUZA, 1999, p. 109).
O Olhar do Outro apresenta aqui uma função central, pois é
exatamente por este ato, por esta possibilidade de olhar, que o outro
demonstra ser possuidor de uma alteridade, demonstra que não será
neutralizável pela minha totalidade significativa (SOUZA, 1999, p. 110). Por
meio do olhar, o rosto manifesta-se não nu, mas encerrando em si a nudez
9
mesma , estando exposto a mim em grau máximo, exprimindo uma
vulnerabilidade à violência que me impede de matar. É pelo rosto do Outro que
manifesta-se a significação da linguagem, da temporalidade e da
transcendência (MELO, 2003, p. 88).
Lo Otro metafísicamente deseado no es “otro” como el pan
_____________________________
9
A nudez não é nenhuma mediação para o conhecimento do sujeito, pois o rosto não é mediador
para esse fim. A nudez, além de sua imediata visibilidade temporal e factual, além de sua
proximidade vulnerável, é a abertura para a sua transcendência. Isto quer dizer que a nudez do
rosto tem a sua própria significação e que não se identifica com o identificável: ela é a própria
infinidade ou a glória do infinito. A nudez do rosto aponta para a sua própria ausência:
exterioridade da eleidade, refratária ao desvelamento e à manifestação fenomênica. (MELO,
2003, p.93.)
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que como, o como el país en que habito, como el paisaje que
contemplo, como a veces, yo mismo a mí mismo, este “yo”, este
“otro”. De estas realidades puedo “nutrirme” y, en gran medida,
satisfacerme, como si me hubiesen simplemente faltado. Por ello
mismo, su alteridad se reabsorbe en mi identidad de pensante o de
poseedor. El deseo metafísico tiende hacia lo totalmente otro, hacia lo
absolutamente otro. (LEVINAS, 1977, p. 57)
O Olhar que o rosto nos dirige, em um primeiro momento requer uma
10
conversão da nossa visão , da nossa consciência objetificadora do mundo a
uma procura do sentido do eu exterior a esse mesmo eu (PELIZZOLI, 2000, p.
266). Então, o que parecia em princípio ser um obstáculo à minha subjetividade
plena, transforma-se em elemento essencial da subjetividade mesma, pois é
motivador de um novo imperativo fundado na ética da alteridade, que se torna
um antídoto para a violência totalizadora e totalizante (PELIZZOLI, 2000, p.
266). Pois a partir do encontro, é nesse âmbito que a alteridade passa a se
exprimir, fundada agora no olhar-expressão do rosto.
El rostro abre el discurso original, cuya primera palabra es una
obligación que ninguna “interioridad” permite evitar. Discurso que
obliga a entrar en el discurso, comienzo del discurso por el que el
racionalismo hace votos, “fuerza” que convence aún “a la gente que
no quiere entender” y funda así la verdadera universalidad de la razón
(LEVINAS 1977, p. 214).
Diretamente decorrente da fragilidade do rosto diante do eu que
expusemos acima, apresenta-se um outro conceito central da ética da
alteridade de Levinas, conceito este que também é fundamental para
pensarmos a simbologia do assassinato, este conceito é o de responsabilidade
pelo rosto. Esta responsabilidade não possui apenas o sentido que lhe
emprestamos na linguagem corrente, de comportamento moral adequado ou
de uma tarefa que se assume, mas sim uma responsabilidade que é “o sentido
maior da subjetividade que aflora na relação ao outro” (PELIZZOLI, 2000, p.
_______________________________
10
O rosto enquanto vidente e visto é a epifania do Outro ao Mesmo, é significação. O olhar do
rosto é diverso da visão. O olhar se volta para o vestígio, aquilo que o rosto é para mim e a
impossibilidade da apreensão; a visão ao contrário é tentadoramente teleguiada pela intuição
sensível e voltada à adequação. (MELO, 2003, p. 95.)
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267). A partir daí surge a responsabilidade como fundante da relação ética
entre o eu e o Outro, ocorrendo um deslocamento do ser do nível do sentido
egológico ao nível do sentido aberto a exterioridade, relacional, pois “não há
mundo significativo se não houver outrem (...) Antes que outrem advenha, a
existência não é completamente advinda ao eu” (PELIZZOLI, 2000, p. 267).
O Assassinato do Outro e a (Re)Fundação da Subjetividade
O assassinato do outro para efetivar-se, necessita de algumas
condições prévias, ele precisa aproveitar-se da não-potência do outro para
poder efetivamente reduzi-lo a “nada”. Esta não-potência da alteridade,
exatamente este “nada poder fazer da volição” denomina-se por Alteridade
ética (SOUZA, 2000, p. 29). É esta resistência impotente que o outro me impõe,
que pretende anular meu ato último de acabar com a sua vida que funda a
alteridade ética. Desejo o assassinato exatamente pelo desafio do outro, ainda
que seja um desafio totalmente desprovido de ameaça, pois ele possui o poder
de desejar me ameaçar. Em outras palavras, o outro desafia o meu poder de
poder, conforme Levinas.
Matar no es dominar sino aniquilar, renunciar absolutamente a la
comprehensión. El homicidio ejerce un poder sobre aquello que se
escapa al poder. Todavía sigue siendo poder, porque el rostro
desgarra lo sensible. La alteridad que se expresa en el rostro provee la
única “materia” posible a la negación total. Yo sólo puedo querer a
matar un ente absolutamente independiente, a aquel que se
sobrepasa infinitamente mis poderes y que por ello no se opone a
ellos, sino que paraliza el poder mismo de poder. El Otro es el único al
que yo puedo querer matar (LEVINAS, 1977, p. 212).
O assassinato seria assim uma metáfora para a negação da diferença,
ou melhor, uma negação ao convite feito pela diferença que busca o
relacionamento(SOUZA, 2000, p. 30-31). O assassinato então principia por uma
renuncia da minha parte de desejar compreender o outro na sua alteridade
plena, decorrendo daí o poder e o desejo de matar (PELIZZOLI, 2000, p. 269).
Interessante ressaltar que perpassa a obra de Levinas apenas a capacidade que
o eu assassine o outro, jamais o contrário, e é nesta impossibilidade minha de
matar que Levinas traz o duplo questionamento da impossibilidade da
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possibilidade de matar, o que aparentemente é um paradoxo, pois a
impossibilidade apenas subsiste enquanto imperativo ético enquanto existe
uma possibilidade fática de ocorrer (MELO, 2003, p. 201), do mesmo modo que
a guerra supõe a paz para existir enquanto guerra. Mas, como ressalta Levinas
posteriormente, esta impossibilidade não deve ser vista apenas como um fato
negativo, uma vez que a mesma nos condiciona positivamente (LEVINAS, 1977,
p. 213). Segundo Timm de Souza, neste momento é subvertida uma milenar
tradição, advinda de Heráclito, que fundava na luta a origem da realidade
(SOUZA, 2000, p. 35). Neste exato momento, é fundado por Levinas o esboço
do ser humano na sua humanidade primeira, a ética, anterior à totalidade da
guerra, do conflito, que pode vir a ser definida como um futuro de paz, fundado
na impossibilidade de matar (SOUZA, 2000, p. 35).
La epifanía del rostro es ética. La lucha con que el rostro puede
amenazar presupone la trascendencia de la expresión. El rostro
amenaza de lucha como una eventualidad, sin que esta amenaza
agote la epifanía de lo infinito, sin que formule la primera palabra.
Laguerra supone la paz, la presencia previa y no-alérgica del Otro; no
marca el primer hecho del encuentro (LEVINAS, 1977, p. 213).
A impossibilidade de matar surge no exato momento que o outro lança
sobre mim seu olhar. É este olhar que, carregado de subjetividade, traz inerente
a si a mensagem do não me matarás, que nos conclama à alteridade ética. É
exatamente no momento em que surge este olhar, que carrega consigo toda a
transcendência do infinito, que nosso poder de exercer o poder de matar é
literalmente paralisado, por uma resistência infinita ao homicídio (LEVINAS,
1977, p. 212).
Así me opone no una fuerza mayor - una energía evaluable y que se
presenta a la conciencia como si fuese parte de un todo – sino la
trascendencia misma de su ser con relación a este todo; no un
superlativo del poder, sino precisamente lo infinito de su
trascendencia. Este infinito, más fuerte que el homicidio, ya nos
resiste en su rostro, y su rostro es la expresión original, es la primera
palabra; “no matarás”. Lo infinito paraliza el poder con su resistencia
infinita al homicidio, que, duro e insuperable, brilla en el rostro del
otro, en la desnudez total de sus ojos, sin defensa, en la desnudez de
la apertura absoluta de lo Trascendente (LEVINAS, 1977, p. 212).
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Esta vontade de apropriação da alteridade do outro é substancialmente
diferente da vontade de apropriação que exercemos sobre as coisas, pois
enquanto o desejo de apropriação das coisas reveste-se de um caráter utilitário
e positivo, uma vez que se destina a uma necessidade da minha pessoa, mas a
destruição da alteridade do outro se revela não utilitária e negativa, pois após a
sua execução nada sobra, senão o vazio, o nada, a não-relação (SOUZA, 2000, p.
30-31).
Esta apresentação da alteridade formulada por Levinas, ao contrário do
que possa parecer a primeira vista, não é estática e nem formal, mas sim se
apresenta como discurso original, fonte da linguagem mesma, fundando a
desneutralização do encontro (SOUZA, 2000, p. 36). Chegamos aqui em um
ponto nevrálgico do discurso de Levinas, pois o mesmo não fundará o discurso a
partir da existência do logos, mas sim o logos como decorrente deste discurso
original, como posterior a este. Assim, ao invés de sermos portadores de um
logos fundado no solipsismo do ser, na solidão do ser, na sua quietude e reflexão
(como é o logos cartesiano fundado no cogito ergo sum), temos um logos
fundado na alteridade, no discurso que advém deste encontro com a diferença
(SOUZA, 2000, p. 36).
A apresentação do Outro com a sua assistência como tal, a sua
epifania pelo olhar-palavra, coloca o eu em questão, e isto é
linguagem; ensino vindo da alteridade. O interlocutor no “face-aface”, ouvir e falar, obediência e resposta – é o princípio, “começo do
discurso” e mandamento, assim, a tendência da reciprocidade de
planos é revertida pela irreversibilidade da relação. Semelhante
relação é essencialmente assimétrica, interpelativa, invocativa, onde
um Vós mais que um Tu apela e demanda resposta (PELIZZOLI, 2000,
p. 279).
Importante também ressaltar, que para Levinas, a significação não é
precedida pela subjetividade, não é um retorno ao eu, mas sempre referencial,
como já destacamos, e esta sua nova visão do sentido ele denomina de
subjetividade encarnada (MELO, 2003, p. 62). Este discurso, fundado no
diálogo, apesar de ter a sua efetividade condicionada a uma relação espaçotemporal chega mesmo a transcender esta relação, inaugurando a
transcendência da exterioridade, esta transcendência irrompe no exato
momento em que surge o respeito pelo outro, na qual a imanência da história e
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da cultura não tem a primeira palavra (PELIZZOLI, 2000, p. 281).
De suma importância, é considerar que este discurso original, fundado
no diálogo, em última análise, acaba por realizar uma “desneutralização” dos
conceitos até então tidos por originais, e conseqüentemente como bons em si,
pois, uma vez que temos conceitos fundados em caráter relacional, e não mais
fruto de um logos solitário, eles perdem a sua aura de “imaculados”, passando a
serem vistos como fruto de uma desigualdade, o que por si só, já tem a função
de perpassar a ética do discurso pela pressuposição de desigualdade de seus
participantes (SOUZA, 2000, p. 36-37).
A linguagem original não é a das palavras. O “encontro original”
entre os diferentes transmuta assim uma outra crença como que
intocada da tradição: a de que os “bons” conceitos –ser, logos, etc. –
são neutros em sua origem, e, exatamente por isso, são bons. Não há
conceito neutro, pois todos advêm da situação não-neutra préoriginal que se estabelece quando dois diferentes se encontram e
podem – ou não – vir a estabelecer um “discurso” “decorrente” daí
intersubjetivo. O discurso original, como a verdade e como tudo o que
pertence à esfera do humano, não é solitário em sua origem. Ele não
se estabelece entre iguais, mas entre desiguais, porque ele deriva de
uma situação infinitamente complexa, um encontro entre posições
diversas e irredutíveis uma à outra (SOUZA, 2000, p. 36-37).
Chegamos então ao cerne da teoria da alteridade de Levinas, pois esta
necessidade ética que perpassa a nossa resposta à fragilidade do outro diante
de nós não decorre de nenhum imperativo de ordem metafísica, mas sim de
contexto inteiramente humano e que, de acordo com a nossa resposta que
daremos a este encontro, nos é dado a possibilidade de fundar a legitimação da
minha liberdade em uma ética de caráter relacional (SOUZA, 2000, p. 38). È
exatamente na relação com o outro que a exterioridade do próximo faz com que
surja a interioridade do eu, o que, dito de outra forma, significa que para existir
o eu, tem de necessariamente de existir o outro (MELO, 2003, p. 57). Levinas
não concebe a subjetividade sem que a mesma esteja fundada em uma relação
de proximidade, de contato (MELO, 2003, p. 62). Neste ponto, a conclusão de
Ricardo Timm não deixa margem a dúvidas:
A antiqüíssima questão da mútua exclusão entre liberdade e
necessidade toma aqui contornos novos – é necessário que a
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necessidade seja radical – uma questão de fome, de vida e de morte –
para que a liberdade seja radical: a resposta ética a esta questão
(SOUZA, 2000, p. 38).
Conclusão
Uma vez que já apreendemos o pensamento de Levinas sobre a
maneira pela qual a subjetividade é fundada na alteridade, originando um novo
logos e um novo discurso, ambos condicionados à existência do encontro com o
rosto do outro, podemos depreender daí o sentido último do assassinato na
teoria da alteridade ética de Levinas. Ora, se a subjetividade é fundada na
alteridade, e se o assassinato marca o fim da possibilidade de encontro do eu
com o outro, claro está que o assassinato é a clausura do eu na sua totalidade
em si mesmo, a morte do outro significaria, na ética da alteridade de Levinas,
uma espécie de suicídio da alteridade, ou na expressão de Ricardo Timm, o
“fracasso original” (SOUZA, 2000, p. 41).
O assassinato então não significaria somente tirar a vida de um corpo,
mas muito mais do que isto seria o fim de todo um mundo, um universo de
sentido que está a sua volta. O assassino age como se fosse possível retirar a
alteridade de outrem, mas é justamente esta alteridade o que ele não pode ter,
pois no exato momento que a morte é obtida, a alteridade se esvai, perde o seu
sentido mesmo de ser, como bem assevera Ricardo Timm: “O assassino quer a
vida do Outro, mas só conquista a Morte, um corpo morto; a vida do Outro – sua
alteridade – refugiou-se no pesadelo de toda ontologia: no Nada, Nada de Ser”
(SOUZA, 2000, p. 41).
Na realidade, o assassino encontra-se em uma dupla posição perante a
sua vítima. Deseja-a, ao mesmo tempo, enquanto objeto de seu ato e como
sujeito, como expectadora do assassinato que está para se consumar, a fim de
que assista impotente a consumação do fim de seu ser, por isso a síntese de Luiz
Susin (Apud SOUZA, 2000, p. 42) resume com propriedade esta condição:
“Seria necessário matá-lo vivo”.
Desta feita, o poder do assassino que a princípio parecia inconteste,
supremo, no momento exato em que se efetiva mostra a este toda a sua face
cruel, pois se transforma em um não-poder; a força transmuda-se em fraqueza,
em impotência, pois ele está só, inapelavelmente só, enclausurado na sua fria e
inóspita totalidade ontológica e assim o assassino descobre-se na verdade
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como um suicida, herdeiro, pois do seu “fracasso original” (SOUZA, 2000, p.
43), que ao terminar com a alteridade, não percebeu que estava na verdade
matando a sua própria subjetividade.
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. (tradução de Mauro
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Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008
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O CONCEITO DE ASSASSINATO NA ÉTICA DA ALTERIDADE DE