O CONCEITO DE ASSASSINATO NA ÉTICA DA ALTERIDADE DE EMANUEL LEVINAS The Concept Of Murder In The Ethic Of Altherity ff Emanuel Levinas 1 Otávio Binato Júnior Resumo O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise, ainda que breve, do conceito de assassinato na ética do filósofo franco-lituano Emanuel Levinas. Levinas baseia todo o seu sistema filosófico tendo como premissa a ética (da alteridade) como filosofia primeira, de modo que o assassinato é utilizado como metáfora para representar a negação desta alteridade e, por conseguinte, o assassinato do “outro” representa a morte do “mesmo”. Palavras-chave: Assassinato, ética, alteridade, Levinas. Abstract The intend of this work is make an analysis of the concept of murder in the ethyc of the frank-lithuanian philosopher Emanuel Levinas. The entire philosophic system of Levinas is based on ethics as the first philosophy, in that way, murder is used as an metaphoric way to represent the denial of this alterithy and, therefore, the murder of the “other” represents the death of the “self”. Key-words: Murder, ethics, altherity, Levinas. Introdução Para Theodor Adorno é a necessidade de pensar o que nos faz pensar. __________________________ 1 Especialista em Ciências Penais pela PUCRS, Mestre em Direito Público pela UNISINOS. Professor da Faculdade Católica Dom Orione (FACDO) e do Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC), ambos em Araguaína-TO. Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - jan./dez. 2008 135 Otávio Binato Júnior Não discordando do pensador alemão, mas buscando ir atrás do fundamento do próprio fundamento, poderíamos dizer que é a diferença que nos obriga à necessidade de pensar (SOUZA, 2000, p. 193). É somente devido ao fato da existência do não-eu que nossas estruturas mentais obrigam-se a pensar logicamente a questão da não-unidade, logo, “a diferença é a questão propriamente dita do pensar” (SOUZA, 2000, p. 191). Em outras palavras, poderíamos dizer que o fundamento do nosso próprio logos é a capacidade inicial de ir além do eu, percebendo a diferença enquanto diferença, o que nos possibilita a base para apreendermos o real na sua realidade (SOUZA, 2000, p. 192). O objetivo de Emmanuel Levinas ao construir sua teoria da subjetividade fundamentada na idéia de alteridade, foi desenvolver uma alternativa teórica que confrontasse a busca de um fundamento último baseado apenas na objetividade e na cientificidade, as quais têm por legitimação filosófica a idéia da “consciência intencional do ego constituinte absoluto e apodítico” (PELIZZOLI, 1993, p. 10) que sem dúvida obteve a sua máxima formulação na idéia do cogito cartesiano (DESCARTES, 1999, p. 258), formulado por Descartes nas suas meditações (MELO, 2003, p. 202). Desta feita, para Levinas, não faz sentido pensar a relação do eu consigo mesmo, como faz a ontologia clássica, sem pensar primeiro na relação eu-mundo, relação esta que se mostra como uma relação de inevitabilidade de se estar no mundo, de permanecer nele. La identificación Del Mismo en el Yo no se produce como una monótona tautología: “Yo es Yo”. La originalidad de la identificación irreductible al formalismo de A es A, no sería así digna de atención. Es necesario captarla sin reflexionar sobre la abstracta representación de sí por sí. Es necesario partir de la relación concreta entre un yo y un mundo. Este extraño y hostil debería, en buena lógica, alterar el yo. Ahora bien, la verdadera y original relación entre ellos, y donde el Yo se revela precisamente como el Mismo por excelencia, se produce como estancia en el mundo. La modalidad de Yo contra lo “otro” del mundo, consiste en morar; en identificarse existiendo allí en lo de si. (LEVINAS, 1977, p. 61). Desnecessário seria explicitar a importância de suas conclusões, uma vez que na nossa sociedade atual vivemos exatamente em um período de 136 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 O Conceito de Assassinato na Ética da Alteridade de Emanuel Levinas 2 transição paradigmática , período este em que a razão como fundamento último (e único), está sendo seriamente questionada em praticamente todos os 3 4 campos do saber; da sociologia à matemática , e de uma ciência marcada por certezas, estamos passando a uma ciência onde as probabilidades tornam-se a regra. A idéia de assassinato em Levinas, como veremos a seguir, trata exatamente da anulação do outro, anulação esta que retira quaisquer possibilidades de contato entre o eu e o outro, negação extrema da diferença, que apenas consegue impor-se por meio de sua eliminação. Pensando este conceito dentro de um sentido antropológico, seria interessante questionar até que ponto todas as estratégias que foram utilizadas para neutralizar a diferença entre o eu e o não-eu, estratégias estas que foram não somente utilizadas pelos primeiros antropólogos ao pensarem teoricamente a diferença entre o “civilizado” e o “selvagem” (LAPLANTINE, s.d. p. 37-55), utilizando-se para isto de uma visão fortemente marcada pelo etnocentrismo (ROCHA, 1994, p. 7-23), mas que continuam a sê-lo em tempos crescentes de xenofobia e racismo no mundo “civilizado”, não são uma forma lenta e gradual de assassinato no sentido de Levinas. Assassinando o não-eu, atribuindo-lhe um sentido “meu”, impedindo-o de demonstrar a sua alteridade, englobando-lhe dentro da minha _____________________________ 2 Há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu. O desassossego resulta de uma experiência paradoxal: a vivência simultânea de excessos de determinismo e de excessos de indeterminismo. (SANTOS, 2000, p. 41.) 3 A crise da idéia modernista nasceu da recusa, lançada primeiramente por Nietzsche e Freud e depois por atores sociais coletivos, a reduzir a vida social e a história das sociedades modernas ao triunfo da razão, mesmo quando esta quer se associar ao individualismo. (TOURAINE, 1999, p. 204). 4 Em 1931, o matemático Kurt Gödel provou seu famoso teorema da incompletude sobre a natureza da matemática. O teorema afirma que, dentro de qualquer sistema formal de axiomas, como a matemática atual, sempre persistem questões que não podem ser provadas nem refutadas com base nos axiomas que definem o sistema. Em outras palavras, Gödel mostrou que certos problemas não podem ser solucionados por nenhum conjunto de regras ou procedimentos. O teorema de Gödel fixou limites fundamentais para a matemática. Foi um grande choque para a comunidade científica, pois derrubou a crença generalizada que a matemática era um sistema coerente e completo baseado em um único fundamento lógico. O teorema de Gödel, o princípio da incerteza de Heisenberg e a impossibilidade prática de seguir a evolução até mesmo de um sistema determinista que se torna caótico formam um conjunto fundamental de limitações ao conhecimento científico que só veio a ser reconhecido durante o século XX. (HAWKING, 2002, p. 139.) Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 137 Otávio Binato Júnior totalidade existencial, utilizando-se das estratégias demonstradas por Claude 5 Lévi-Strauss ; a antropofágica, que insere o não-eu dentro da minha cultura, atribuindo-lhe um sentido não-próprio, e a antropoêmica, que se limita a expelir o não-eu para além das nossas possibilidades de contato. Desta feita, temos que de um modo a negação da alteridade far-se-ia pela minimização das diferenças entre o eu e o não-eu e de outro modo, esta alteridade seria negada 6 pela via inversa, ou seja, pela exclusão do não-eu . O Rosto (visage) Levinas ergue toda a sua teoria ética sobre o encontro do eu com o rosto 7 (visage) . Este rosto representa o limite da minha totalidade, abrindo as portas para o infinito; pois a minha interpretação do real já não é mais soberana. O 8 rosto significa um abalo irrenunciável do meu próprio estatuto ontológico, uma vez que toda a minha liberdade e vontade de poder percebem-se não mais como absolutas, mas como relativas ao outro. O rosto, por meio do seu Olhar, se ________________________ 5 Zygmunt Bauman, partindo da análise de Lévi-Strauss, apresenta-nos os dois tipos de variáveis de como o Estado e a sociedade podem lidar com os “estranhos”. A estratégia antropofágica, própria do Estado Liberal, que buscava por diferentes métodos uma assimilação dos “estranhos”, trazendo eles para dentro da cultura “oficial” de determinada sociedade. Já as estratégias antropoêmicas, visavam uma exclusão dos “estranhos”, minimizando quaisquer possibilidade de contato destes com os “normais” (quando não os expulsavam do país, ou visavam mesmo o seu extermínio, como a história nos é pródiga em dar exemplos), foi sem sombra de dúvida, a estratégia usada pelos Estados Racistas-Nacionalistas. Contudo, ambas as estratégias são, de certo modo, idênticas nos fins, ainda que divirjam sensivelmente nos meios. Trata-se de viver em uma sociedade de iguais, buscando assim, o que Bauman chama de “o sonho da pureza”. (BAUMAN, 1998, p. 28-30). 6 Logicamente somos sabedores de todas as dificuldades teórico-metodológicas de inserir um conceito pensado originalmente para o nível do “eu-outro” em um nível de “eu-nós-eles” que é o estudado pela antropologia. Dada a natureza deste trabalho, limitar-nos-emos a meramente levantar o problema, sem termos pretensão de responder, ficando deste modo as questões, meramente como indagações/preocupações. 7 É como rosto que o ser humano escapa à generalidade, à espécie, à categorização e à queda na totalidade; o rosto diz do ser como exterioridade, do sentido que o pensamento não aclara. (PELIZZOLI, 1993, p.10.) 8 No abalo, não ocorre a “negação pura e simples do eu” por outrem, mas e efetivação da transcendência, da saída da solidão egológico-ontológica em direção à revelação do Outro – o que abre o próprio sentido do eu e da razão, por uma via interdiscursiva. (PELIZZOLI, 2000, p.265.) 138 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 O Conceito de Assassinato na Ética da Alteridade de Emanuel Levinas mostra desde o princípio como não-objetivável, furtando-se à minha prática totalizadora. Há, por parte do rosto, uma total e completa resistência à apreensão por parte da minha totalidade ontológica (SOUZA, 2000, p. 30). El rostro está presente en su negación a ser contenido. En este sentido no podría ser comprendido, es decir, englobado. Ni visto, ni tocado, porque en la sensación visual o táctil, la identidad del yo envuelve la alteridad del objeto que precisamente llega a ser contenido. (LEVINAS, 1977, p. 207) Interessante notar também que o aparecimento do Outro marca o fim do monólogo da totalidade estabelecida eu-mundo (MELO, 2003, p. 91). Este aparecimento é o símbolo do rompimento da neutralidade, e o ato de contemplar é abalado pela impossibilidade de contemplação do Outro enquanto objeto (SOUZA, 1999, p. 108). Desta forma, principia a experiência do estranhamento do olhar, pois, uma vez que estava acostumado à presença das coisas, que sempre se revelam neutras, agora, pela presença do Outro, mostram-se como inapreensíveis, dado o Olhar do Outro na sua eloqüência não-material e não-apreensível (SOUZA, 1999, p. 109). O Olhar do Outro apresenta aqui uma função central, pois é exatamente por este ato, por esta possibilidade de olhar, que o outro demonstra ser possuidor de uma alteridade, demonstra que não será neutralizável pela minha totalidade significativa (SOUZA, 1999, p. 110). Por meio do olhar, o rosto manifesta-se não nu, mas encerrando em si a nudez 9 mesma , estando exposto a mim em grau máximo, exprimindo uma vulnerabilidade à violência que me impede de matar. É pelo rosto do Outro que manifesta-se a significação da linguagem, da temporalidade e da transcendência (MELO, 2003, p. 88). Lo Otro metafísicamente deseado no es “otro” como el pan _____________________________ 9 A nudez não é nenhuma mediação para o conhecimento do sujeito, pois o rosto não é mediador para esse fim. A nudez, além de sua imediata visibilidade temporal e factual, além de sua proximidade vulnerável, é a abertura para a sua transcendência. Isto quer dizer que a nudez do rosto tem a sua própria significação e que não se identifica com o identificável: ela é a própria infinidade ou a glória do infinito. A nudez do rosto aponta para a sua própria ausência: exterioridade da eleidade, refratária ao desvelamento e à manifestação fenomênica. (MELO, 2003, p.93.) Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 139 Otávio Binato Júnior que como, o como el país en que habito, como el paisaje que contemplo, como a veces, yo mismo a mí mismo, este “yo”, este “otro”. De estas realidades puedo “nutrirme” y, en gran medida, satisfacerme, como si me hubiesen simplemente faltado. Por ello mismo, su alteridad se reabsorbe en mi identidad de pensante o de poseedor. El deseo metafísico tiende hacia lo totalmente otro, hacia lo absolutamente otro. (LEVINAS, 1977, p. 57) O Olhar que o rosto nos dirige, em um primeiro momento requer uma 10 conversão da nossa visão , da nossa consciência objetificadora do mundo a uma procura do sentido do eu exterior a esse mesmo eu (PELIZZOLI, 2000, p. 266). Então, o que parecia em princípio ser um obstáculo à minha subjetividade plena, transforma-se em elemento essencial da subjetividade mesma, pois é motivador de um novo imperativo fundado na ética da alteridade, que se torna um antídoto para a violência totalizadora e totalizante (PELIZZOLI, 2000, p. 266). Pois a partir do encontro, é nesse âmbito que a alteridade passa a se exprimir, fundada agora no olhar-expressão do rosto. El rostro abre el discurso original, cuya primera palabra es una obligación que ninguna “interioridad” permite evitar. Discurso que obliga a entrar en el discurso, comienzo del discurso por el que el racionalismo hace votos, “fuerza” que convence aún “a la gente que no quiere entender” y funda así la verdadera universalidad de la razón (LEVINAS 1977, p. 214). Diretamente decorrente da fragilidade do rosto diante do eu que expusemos acima, apresenta-se um outro conceito central da ética da alteridade de Levinas, conceito este que também é fundamental para pensarmos a simbologia do assassinato, este conceito é o de responsabilidade pelo rosto. Esta responsabilidade não possui apenas o sentido que lhe emprestamos na linguagem corrente, de comportamento moral adequado ou de uma tarefa que se assume, mas sim uma responsabilidade que é “o sentido maior da subjetividade que aflora na relação ao outro” (PELIZZOLI, 2000, p. _______________________________ 10 O rosto enquanto vidente e visto é a epifania do Outro ao Mesmo, é significação. O olhar do rosto é diverso da visão. O olhar se volta para o vestígio, aquilo que o rosto é para mim e a impossibilidade da apreensão; a visão ao contrário é tentadoramente teleguiada pela intuição sensível e voltada à adequação. (MELO, 2003, p. 95.) 140 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 O Conceito de Assassinato na Ética da Alteridade de Emanuel Levinas 267). A partir daí surge a responsabilidade como fundante da relação ética entre o eu e o Outro, ocorrendo um deslocamento do ser do nível do sentido egológico ao nível do sentido aberto a exterioridade, relacional, pois “não há mundo significativo se não houver outrem (...) Antes que outrem advenha, a existência não é completamente advinda ao eu” (PELIZZOLI, 2000, p. 267). O Assassinato do Outro e a (Re)Fundação da Subjetividade O assassinato do outro para efetivar-se, necessita de algumas condições prévias, ele precisa aproveitar-se da não-potência do outro para poder efetivamente reduzi-lo a “nada”. Esta não-potência da alteridade, exatamente este “nada poder fazer da volição” denomina-se por Alteridade ética (SOUZA, 2000, p. 29). É esta resistência impotente que o outro me impõe, que pretende anular meu ato último de acabar com a sua vida que funda a alteridade ética. Desejo o assassinato exatamente pelo desafio do outro, ainda que seja um desafio totalmente desprovido de ameaça, pois ele possui o poder de desejar me ameaçar. Em outras palavras, o outro desafia o meu poder de poder, conforme Levinas. Matar no es dominar sino aniquilar, renunciar absolutamente a la comprehensión. El homicidio ejerce un poder sobre aquello que se escapa al poder. Todavía sigue siendo poder, porque el rostro desgarra lo sensible. La alteridad que se expresa en el rostro provee la única “materia” posible a la negación total. Yo sólo puedo querer a matar un ente absolutamente independiente, a aquel que se sobrepasa infinitamente mis poderes y que por ello no se opone a ellos, sino que paraliza el poder mismo de poder. El Otro es el único al que yo puedo querer matar (LEVINAS, 1977, p. 212). O assassinato seria assim uma metáfora para a negação da diferença, ou melhor, uma negação ao convite feito pela diferença que busca o relacionamento(SOUZA, 2000, p. 30-31). O assassinato então principia por uma renuncia da minha parte de desejar compreender o outro na sua alteridade plena, decorrendo daí o poder e o desejo de matar (PELIZZOLI, 2000, p. 269). Interessante ressaltar que perpassa a obra de Levinas apenas a capacidade que o eu assassine o outro, jamais o contrário, e é nesta impossibilidade minha de matar que Levinas traz o duplo questionamento da impossibilidade da Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 141 Otávio Binato Júnior possibilidade de matar, o que aparentemente é um paradoxo, pois a impossibilidade apenas subsiste enquanto imperativo ético enquanto existe uma possibilidade fática de ocorrer (MELO, 2003, p. 201), do mesmo modo que a guerra supõe a paz para existir enquanto guerra. Mas, como ressalta Levinas posteriormente, esta impossibilidade não deve ser vista apenas como um fato negativo, uma vez que a mesma nos condiciona positivamente (LEVINAS, 1977, p. 213). Segundo Timm de Souza, neste momento é subvertida uma milenar tradição, advinda de Heráclito, que fundava na luta a origem da realidade (SOUZA, 2000, p. 35). Neste exato momento, é fundado por Levinas o esboço do ser humano na sua humanidade primeira, a ética, anterior à totalidade da guerra, do conflito, que pode vir a ser definida como um futuro de paz, fundado na impossibilidade de matar (SOUZA, 2000, p. 35). La epifanía del rostro es ética. La lucha con que el rostro puede amenazar presupone la trascendencia de la expresión. El rostro amenaza de lucha como una eventualidad, sin que esta amenaza agote la epifanía de lo infinito, sin que formule la primera palabra. Laguerra supone la paz, la presencia previa y no-alérgica del Otro; no marca el primer hecho del encuentro (LEVINAS, 1977, p. 213). A impossibilidade de matar surge no exato momento que o outro lança sobre mim seu olhar. É este olhar que, carregado de subjetividade, traz inerente a si a mensagem do não me matarás, que nos conclama à alteridade ética. É exatamente no momento em que surge este olhar, que carrega consigo toda a transcendência do infinito, que nosso poder de exercer o poder de matar é literalmente paralisado, por uma resistência infinita ao homicídio (LEVINAS, 1977, p. 212). Así me opone no una fuerza mayor - una energía evaluable y que se presenta a la conciencia como si fuese parte de un todo – sino la trascendencia misma de su ser con relación a este todo; no un superlativo del poder, sino precisamente lo infinito de su trascendencia. Este infinito, más fuerte que el homicidio, ya nos resiste en su rostro, y su rostro es la expresión original, es la primera palabra; “no matarás”. Lo infinito paraliza el poder con su resistencia infinita al homicidio, que, duro e insuperable, brilla en el rostro del otro, en la desnudez total de sus ojos, sin defensa, en la desnudez de la apertura absoluta de lo Trascendente (LEVINAS, 1977, p. 212). 142 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 O Conceito de Assassinato na Ética da Alteridade de Emanuel Levinas Esta vontade de apropriação da alteridade do outro é substancialmente diferente da vontade de apropriação que exercemos sobre as coisas, pois enquanto o desejo de apropriação das coisas reveste-se de um caráter utilitário e positivo, uma vez que se destina a uma necessidade da minha pessoa, mas a destruição da alteridade do outro se revela não utilitária e negativa, pois após a sua execução nada sobra, senão o vazio, o nada, a não-relação (SOUZA, 2000, p. 30-31). Esta apresentação da alteridade formulada por Levinas, ao contrário do que possa parecer a primeira vista, não é estática e nem formal, mas sim se apresenta como discurso original, fonte da linguagem mesma, fundando a desneutralização do encontro (SOUZA, 2000, p. 36). Chegamos aqui em um ponto nevrálgico do discurso de Levinas, pois o mesmo não fundará o discurso a partir da existência do logos, mas sim o logos como decorrente deste discurso original, como posterior a este. Assim, ao invés de sermos portadores de um logos fundado no solipsismo do ser, na solidão do ser, na sua quietude e reflexão (como é o logos cartesiano fundado no cogito ergo sum), temos um logos fundado na alteridade, no discurso que advém deste encontro com a diferença (SOUZA, 2000, p. 36). A apresentação do Outro com a sua assistência como tal, a sua epifania pelo olhar-palavra, coloca o eu em questão, e isto é linguagem; ensino vindo da alteridade. O interlocutor no “face-aface”, ouvir e falar, obediência e resposta – é o princípio, “começo do discurso” e mandamento, assim, a tendência da reciprocidade de planos é revertida pela irreversibilidade da relação. Semelhante relação é essencialmente assimétrica, interpelativa, invocativa, onde um Vós mais que um Tu apela e demanda resposta (PELIZZOLI, 2000, p. 279). Importante também ressaltar, que para Levinas, a significação não é precedida pela subjetividade, não é um retorno ao eu, mas sempre referencial, como já destacamos, e esta sua nova visão do sentido ele denomina de subjetividade encarnada (MELO, 2003, p. 62). Este discurso, fundado no diálogo, apesar de ter a sua efetividade condicionada a uma relação espaçotemporal chega mesmo a transcender esta relação, inaugurando a transcendência da exterioridade, esta transcendência irrompe no exato momento em que surge o respeito pelo outro, na qual a imanência da história e Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 143 Otávio Binato Júnior da cultura não tem a primeira palavra (PELIZZOLI, 2000, p. 281). De suma importância, é considerar que este discurso original, fundado no diálogo, em última análise, acaba por realizar uma “desneutralização” dos conceitos até então tidos por originais, e conseqüentemente como bons em si, pois, uma vez que temos conceitos fundados em caráter relacional, e não mais fruto de um logos solitário, eles perdem a sua aura de “imaculados”, passando a serem vistos como fruto de uma desigualdade, o que por si só, já tem a função de perpassar a ética do discurso pela pressuposição de desigualdade de seus participantes (SOUZA, 2000, p. 36-37). A linguagem original não é a das palavras. O “encontro original” entre os diferentes transmuta assim uma outra crença como que intocada da tradição: a de que os “bons” conceitos –ser, logos, etc. – são neutros em sua origem, e, exatamente por isso, são bons. Não há conceito neutro, pois todos advêm da situação não-neutra préoriginal que se estabelece quando dois diferentes se encontram e podem – ou não – vir a estabelecer um “discurso” “decorrente” daí intersubjetivo. O discurso original, como a verdade e como tudo o que pertence à esfera do humano, não é solitário em sua origem. Ele não se estabelece entre iguais, mas entre desiguais, porque ele deriva de uma situação infinitamente complexa, um encontro entre posições diversas e irredutíveis uma à outra (SOUZA, 2000, p. 36-37). Chegamos então ao cerne da teoria da alteridade de Levinas, pois esta necessidade ética que perpassa a nossa resposta à fragilidade do outro diante de nós não decorre de nenhum imperativo de ordem metafísica, mas sim de contexto inteiramente humano e que, de acordo com a nossa resposta que daremos a este encontro, nos é dado a possibilidade de fundar a legitimação da minha liberdade em uma ética de caráter relacional (SOUZA, 2000, p. 38). È exatamente na relação com o outro que a exterioridade do próximo faz com que surja a interioridade do eu, o que, dito de outra forma, significa que para existir o eu, tem de necessariamente de existir o outro (MELO, 2003, p. 57). Levinas não concebe a subjetividade sem que a mesma esteja fundada em uma relação de proximidade, de contato (MELO, 2003, p. 62). Neste ponto, a conclusão de Ricardo Timm não deixa margem a dúvidas: A antiqüíssima questão da mútua exclusão entre liberdade e necessidade toma aqui contornos novos – é necessário que a 144 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 O Conceito de Assassinato na Ética da Alteridade de Emanuel Levinas necessidade seja radical – uma questão de fome, de vida e de morte – para que a liberdade seja radical: a resposta ética a esta questão (SOUZA, 2000, p. 38). Conclusão Uma vez que já apreendemos o pensamento de Levinas sobre a maneira pela qual a subjetividade é fundada na alteridade, originando um novo logos e um novo discurso, ambos condicionados à existência do encontro com o rosto do outro, podemos depreender daí o sentido último do assassinato na teoria da alteridade ética de Levinas. Ora, se a subjetividade é fundada na alteridade, e se o assassinato marca o fim da possibilidade de encontro do eu com o outro, claro está que o assassinato é a clausura do eu na sua totalidade em si mesmo, a morte do outro significaria, na ética da alteridade de Levinas, uma espécie de suicídio da alteridade, ou na expressão de Ricardo Timm, o “fracasso original” (SOUZA, 2000, p. 41). O assassinato então não significaria somente tirar a vida de um corpo, mas muito mais do que isto seria o fim de todo um mundo, um universo de sentido que está a sua volta. O assassino age como se fosse possível retirar a alteridade de outrem, mas é justamente esta alteridade o que ele não pode ter, pois no exato momento que a morte é obtida, a alteridade se esvai, perde o seu sentido mesmo de ser, como bem assevera Ricardo Timm: “O assassino quer a vida do Outro, mas só conquista a Morte, um corpo morto; a vida do Outro – sua alteridade – refugiou-se no pesadelo de toda ontologia: no Nada, Nada de Ser” (SOUZA, 2000, p. 41). Na realidade, o assassino encontra-se em uma dupla posição perante a sua vítima. Deseja-a, ao mesmo tempo, enquanto objeto de seu ato e como sujeito, como expectadora do assassinato que está para se consumar, a fim de que assista impotente a consumação do fim de seu ser, por isso a síntese de Luiz Susin (Apud SOUZA, 2000, p. 42) resume com propriedade esta condição: “Seria necessário matá-lo vivo”. Desta feita, o poder do assassino que a princípio parecia inconteste, supremo, no momento exato em que se efetiva mostra a este toda a sua face cruel, pois se transforma em um não-poder; a força transmuda-se em fraqueza, em impotência, pois ele está só, inapelavelmente só, enclausurado na sua fria e inóspita totalidade ontológica e assim o assassino descobre-se na verdade Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 2 - p. 135-146 - jan./dez. 2008 145 Otávio Binato Júnior como um suicida, herdeiro, pois do seu “fracasso original” (SOUZA, 2000, p. 43), que ao terminar com a alteridade, não percebeu que estava na verdade matando a sua própria subjetividade. Referências Bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. (tradução de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1998. DESCARTES, René. Meditações. (tradução: Enrico Corvisieri) coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. HAWKING, Stephen. O universo numa casca de nós. 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