ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 2, 167-173, 2002. ISSN 0102-6380 EFEITO DA HIDRÓLISE COM NaOH SOBRE A DIGESTIBILIDADE IN VITRO DA MATÉRIA SECA DA CANA-DE-AÇÚCAR (Saccharum officinarum L.) (EFFECT OF SODIUM HIDROXIDE TREATMENT ON IN VITRO DIGESTIBILITY OF DRY MATTER OF SUGARCANE) M. D. S. OLIVEIRA1, M. A. A. QUEIROZ2, E. CALDEIRÃO3, V. BETT4, G. M. RIBEIRO2 RESUMO O objetivo do trabalho foi avaliar o efeito de diferentes níveis de NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca ( DIVMS) da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.). Utilizou-se cana-soca (2O corte), submetida a picagem e a hidrólise (fermentação durante 24 horas) com os níveis de zero; 1,0; 1,5 e 2,0% de NaOH. Utilizou-se o delineamento inteiramente casualizado com quatro tratamentos e dez repetições. A DIVMS foi obtida por meio de fermentador ruminal ANKOM®. Houve diferença significativa entre os coeficientes de digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) da cana-de-açúcar, sendo obtidas as médias de 60,03; 60,63; 64,31 e 63,07%, respectivamente, nos níveis de zero; 1,0; 1,5 e 2,0% de NaOH (p<0,01). Observou-se aumento na DIVMS (p<0,01) quando a cana-de-açúcar foi hidrolisada com os níveis de 1,5 e 2,0% de NaOH, respectivamente, de 6,07 e 4,02% em relação ao nível zero de NaOH (p<0,01). PALAVRAS-CHAVE: Bovino. Nutrição animal. Tratamento químico. Volumoso. SUMMARY The purpose of this study was to evaluate sugarcane (Saccharum officinarum L.) based on in vitro digestibility of dry matter (IVDDM). The sugarcane treated with zero; 1.0; 1.5 and 2.0% of sodium hidroxide levels corresponding respectively N0; N1,0; N1,5 and N2,0 treatments. The IVDDM were obtained through “in vitro” digestion assay (ANKOM® ruminal fermentation). The research was carried in completely randomized design, with four treatments and ten replications. The results showed high coefficients of IVDDM of the different treatments and there were significant differences among NaOH levels (p<0.01). The means for IVDDM were: 60.03; 60.63; 64.31 and 63.07% for the zero; 1.0; 1.5 and 2.0% of the sodium hidroxide, respectively. It was observed a superiority of 6.07 and 4.02% in IVDDM for the N1,5 and N2,0 treatments respectively compared to N0 treatment (p<0.01). KEY-WORDS: Animal nutrition. Bovine. Chemical treatment. Roughage 1 Zootecnista Doutor do Departamento de Zootecnia da FCAV/Unesp Campus Jaboticabal. Via de Acesso Prof. Paulo D.Castellane, s/n, CEP 14884-900. Jaboticabal, SP. E-mail: [email protected]. Pesquisador do CNPq. 2 Estudante do Curso de Zootecnia. FCAVJ/ Unesp. Bolsista da PAE 3 Técnico da Hidrocana – Faz. Santa Cruz. 4 Estudante do Curso de Pós-graduação em Produção Animal, FCAVJ/ Unesp. 167 OLIVEIRA, M. D. S., QUEIROZ, M. A. A., CALDEIRÃO, E., BETT, V., RIBEIRO, G. M. Efeito da hidrólise com NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.)./ Effect of sodium hidroxide treatment on in vitro digestibility of dry matter of sugarcane. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 2, 167-173, 2002. INTRODUÇÃO A cana-de-açúcar, entre as forrageiras mais comumente utilizadas na alimentação de ruminantes, caracteriza-se por apresentar baixo teor de proteína, grandes quantidades de carboidratos solúveis (sacarose) e carboidrato estrutural. As utilizações desses nutrientes são bastante diferentes, isto é, o açúcar é rapidamente fermentado no rúmen, enquanto os carboidratos estruturais (fibras) são utilizados lentamente (Preston & Leng, 1980, citados por RODRIGUES et al., 1992). Nesse sentido, VALDEZ & LENG (1976) e BOBADILLA & ROWE (1979) demonstraram que a digestibilidade da fração fibrosa em bovinos é bastante baixa. Outro aspecto relacionado com a fibra, em especial, com os volumosos que constituem a maior proporção na dieta de bovinos, é a ingestão voluntária da matéria seca e a digestibilidade. Face à variabilidade existente na ingestão e na digestibilidade, o desempenho animal poderá ser afetado, porque o consumo de matéria seca pelo ruminante está relacionado com o teor de fibra em detergente neutro (FDN) da dieta. A utilização de volumosos, como a cana-de-açúcar, com alto teor de FDN ou baixa digestibilidade da fibra pode resultar em elevado tempo de retenção da digesta no rúmen, afetando o consumo. Portanto, a digestibilidade, sendo parte do valor nutritivo dos alimentos, assume destaque, pois demonstra a capacidade de permitir que o animal absorva em maior ou menor escala seus nutrientes (SILVA & LEÃO, 1979). É preciso salientar que a cana-de-açúcar assume destaque por ser uma forrageira que apresenta produtividade elevada (acima de 134 toneladas/ha, conforme CARVALHO, 1992), tornando-se bastante competitiva, uma vez que o custo/ha do quilograma de matéria seca é baixo (OLIVEIRA, 1999). Apesar da cana-de-açúcar ser caracterizada por apresentar dois nutrientes em maior proporção, ou seja, açúcares e material fibroso, a utilização desses é bastante diferente pelos bovinos. A forma de utilização pode alterar o seu valor nutritivo e conseqüentemente o desempenho dos animais. Neste sentido, OLIVEIRA et al. (1996), COSTA & FRANCO (1998) e FARIA et al. (2000) destacaram o efeito do tratamento físico (armazenamento póscorte) e químico (utilização de NaOH) sobre o valor nutritivo da cana-de-açúcar. Observaram alterações significativas possibilitando e viabilizando o tratamento da canade-açúcar do ponto de vista nutricional. A influência da digestibilidade dos nutrientes da cana-de-açúcar limitando a utilização deste volumoso quanto à alimentação de ruminantes foi estudada por PATE & COLEMAN (1975), PATE (1977), ORSKOV & DEB HOVELL (1978), BOBADILLA & ROWE (1979), PATE (1980) e PEIXOTO (1986). Todavia, os estudos foram realizados visando avaliações de variedades específicas e não do ponto de vista da melhoria da qualidade em termos de digestão dos nutrientes. A utilização do tratamento químico em volumosos é bastante antiga; no entanto, houve intensificação nos estudos a partir da década de 70, principalmente no tratamento de palhadas. Nesse sentido, observou-se aumento significativo na digestibilidade da matéria seca e da FDN de diferentes tipos de palhadas (JAVED & DONEFER, 1970; CARMONA & GREENHALGH, 1972; ANDERSON & RALSTON, 1973, OLOLADE et al., 1973). OLOLADE et al. (1973) observaram que o tratamento de palha de cevada com NaOH melhorou significativamente a digestibilidade da matéria seca, da matéria orgânica, da fibra em detergente ácido, da FDN, da celulose e da energia bruta. Segundo JACKSON (1977) e KLOPFENSTEIN (1978), os produtos alcalinos solubilizam a hemicelulose e aumentam a digestibilidade da celulose e da hemicelulose pela expansão da fração fibrosa. Com relação à cana-de-açúcar, são escassos os trabalhos envolvendo o uso do NaOH para aumentar a digestibilidade. A aplicação do NaOH sobre o alimento pode ser feita por vários métodos, entre eles o da imersão, da peletização, da ensilagem e da pulverização. O método da pulverização foi sugerido por WILSON & PIGDEN (1964), ou seja, o NaOH é dissolvido em água e pulverizado sobre o alimento. Esses autores, utilizando o método da pulverização, verificaram aumento na digestibilidade da matéria seca do sabugo de milho tratado com NaOH (10g/100g de sabugo). ALVAREZ et al. (1977) e Castrillõn et al. (1978), citados por ANDRADE et al. (1999), notaram, em ruminantes, aumento no consumo de silagem de cana-de-açúcar tratada com 4% de NaOH na matéria seca. COSTA & FRANCO (1998) relataram que a hidrólise, além de aumentar a digestibilidade da cana-deaçúcar, melhora seu consumo pelos animais. Observaram que os bovinos ingeriram 50% a mais de cana-de-açúcar hidrolisada em relação à silagem de milho. Outro aspecto interessante, segundo os mesmos autores, é que o equipamento acoplado à picadeira móvel, proporcionando a hidrólise da cana no próprio canavial, consegue uma economia superior a 25% em relação à silagem de milho, mesmo fornecendo quase um quilo de concentrado a mais/ dia/cabeça. O fato da cana hidrolisada ser mais digestível e portanto melhor consumida pelos bovinos proporciona uma economia na quantidade de concentrado na ração. Comparando-se com uma dieta à base de silagem de milho, pode ocorrer economia de 10 a 20% na dieta total por 168 OLIVEIRA, M. D. S., QUEIROZ, M. A. A., CALDEIRÃO, E., BETT, V., RIBEIRO, G. M. Efeito da hidrólise com NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.)./ Effect of sodium hidroxide treatment on in vitro digestibility of dry matter of sugarcane. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 2, 167-173, 2002. meio do uso da cana hidrolisada. Os autores destacaram que a hidrólise da cana com a solução de 50% de NaOH (dose de 2% = 20 kg de NaOH/tonelada de cana) aumenta a digestibilidade devido ao rompimento da lignina aderida à parede celular, tornando a celulose disponível aos microrganismos do rúmen. Esse material é transformado pelas bactérias do rúmen em ácidos graxos voláteis que são fontes primárias de energia para o animal. Outro aspecto da hidrólise é o de aumentar o pH do rúmen, o que previne a acidose (cana hidrolisada após 24h apresenta pH próximo a 8,0). Para um bom desempenho dos bovinos alimentados com rações à base de cana hidrolisada (único volumoso), os mesmos devem receber diariamente 60 a 80 g de KCl (concentração de 60% de K), a fim de compensar a relação Na:K na corrente sangüínea (MANUAL HIDROCANA, s/d). Resende et al. (1994), citados por ANDRADE et al. (1999), relataram que o consumo máximo de matéria seca pode não ser atingido pelo ruminante, tanto pelo enchimento do espaço do trato gastrintestinal como pelo baixo teor de proteína bruta da dieta. Nesse contexto, ANDRADE et al. (1999) observaram limitação do consumo de matéria seca por borregas devida ao baixo teor de proteína bruta da cana-de-açúcar, mesmo sendo tratada com 1% de NaOH. Encontraram médias de digestibilidade aparente da matéria seca e da fibra em detergente neutro, respectivamente, de 66,62 e 40,70%. Ao adicionarem rolão de milho à cana tratada com NaOH, ou seja, 40; 80 e 120 kg/tonelada de cana, observaram queda na digestibilidade aparente da matéria seca, cujas médias foram, respectivamente, de 64,50; 62,38 e 60,25%. Procurou-se, no presente trabalho, determinar o efeito da hidrólise com diferentes níveis de NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca da cana-de-açúcar. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido no Setor de Bovinocultura de Leite e no Laboratório de Ruminantes, pertencentes ao Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Campus de Jaboticabal (FCAV)/Universidade Estadual Paulista (Unesp). As plantas de cana-de-açúcar utilizadas no experimento foram obtidas de canavial pertencente à FCAV/ Unesp. Utilizou-se cana-soca (2O corte), sendo obtidas amostras de 300 gramas constituídas de 10 amontoados de cana picada (picadeira estacionária) e tratada (equipamento denominado hidrocana, o qual pulveriza uma solução de 50% de NaOH sobre a cana picada, ou seja, zero; 1,0; 1,5 e 2,0 kg de solução/100 kg de cana, 169 correspondendo aos níveis de zero; 1,0; 1,5 e 2,0% de NaOH). Nessa ordem, estabeleceram-se respectivamente os tratamentos N0; N1,0; N1,5 e N2,0. Após a fermentação de 24 horas, foram realizadas leituras de pH (fita graduada em contato com a cana tratada), a fim de monitorar o valor próximo a 8,0. Na Tabela 1 é apresentada a composição bromatológica da cana-de-açúcar submetida aos diferentes tratamentos. Os teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), fibra bruta (FB), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA) e matéria mineral (MM) foram obtidos conforme SILVA (1990). Os teores de nutrientes digestíveis totais foram obtidos conforme McDOWELL et al. (1974). Para a digestão no fermentador ruminal Ankom®, foi utilizado como doador do conteúdo ruminal um bovino da raça Holandesa, com cânula ruminal permanente. O animal permaneceu numa baia contendo cocho de alimentação, bebedouro e cocho para mistura mineral. A fim de adaptar o animal à ração, o mesmo permaneceu 15 dias (primeira adaptação) recebendo cana-de-açúcar picada à vontade e concentrado (2,0 kg/ dia) à base de milho, farelo de soja, farelo de trigo, farelo de algodão e mistura mineral. Posteriormente, recebeu durante seis dias (segunda adaptação) cana-de-açúcar hidrolisada com 1,5% de NaOH (sempre com 24 horas de fermentação), além do concentrado utilizado durante a primeira adaptação. Em ambas as adaptações o bovino recebeu 60 g de cloreto de potássio por dia. A colheita do conteúdo ruminal foi realizada no período da manhã por meio de bomba de vácuo, sendo o mesmo mantido em garrafas térmicas a 39ºC. Posteriormente, levou-se o conteúdo ruminal ao Laboratório de Ruminantes, onde filtrou-se o mesmo em tecido de algodão, por pressão manual. O líquido obtido foi utilizado para inoculação nos jarros de digestão do fermentador ruminal, contendo os sacos de digestão com as amostras (0,5 gramas/saco) e as soluções-tampões (composições são apresentadas na Tabela 2). O material foi incubado por 48 horas à temperatura de 39º C ± 0,5º C. Ao final da incubação, os jarros foram abertos e drenados. Os sacos foram retirados e colocados em estufa a 60º C para posterior determinação dos coeficientes de digestibilidade in vitro da matéria seca. Foi utilizado o delineamento inteiramente casualizado com quatro tratamentos e dez repetições (BANZATTO & KRONKA, 1995). Efetuou-se a análise da variância pelo procedimento GLM, e quando o valor de F foi significativo, procedeu-se à comparação das médias pelo teste de Tukey, com auxílio do programa SAS® (1990). OLIVEIRA, M. D. S., QUEIROZ, M. A. A., CALDEIRÃO, E., BETT, V., RIBEIRO, G. M. Efeito da hidrólise com NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.)./ Effect of sodium hidroxide treatment on in vitro digestibility of dry matter of sugarcane. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 2, 167-173, 2002. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 3 estão expressos os valores dos coeficientes de digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) da cana-de-açúcar submetida à hidrólise com os níveis de zero; 1,0; 1,5 e 2,0% de NaOH. Analisando os valores dos coeficientes da DIVMS da cana-de-açúcar, de acordo com a Tabela 3, pode ser observado que houve diferença significativa (p < 0,01) em função dos tratamentos. Notou-se que a DIVMS da cana-de-açúcar nos níveis de zero e 1,0% de NaOH foi de 60,03 e 60,63% (p>0,05), respectivamente, demonstrando que o nível de 1,0% foi pouco eficiente em melhorar a DIVMS da cana hidrolisada. Por outro lado, os níveis de 1,5 e 2,0% foram eficientes em aumentar a DIVMS; embora estatisticamente tenham sido semelhantes, houve superioridade de 6,07 e 4,02 % , respectivamente, em relação ao nível zero de NaOH (p<0,01). Na Tabela 4 são apresentados os resultados da hidrólise da cana com 1% de NaOH obtidos por ANDRADE et al. (1999) e no presente trabalho. Verificou-se que houve uma diferença de 5,99 unidades porcentuais, o que representou uma superioridade na digestibilidade da matéria seca de 9,88% em favor da hidrólise obtida por ANDRADE et al. (1999). Tal superioridade pode ter sido devida a diversos fatores, entre eles: variedade, maturação, duração do período de fermentação e pH. Apesar do nível de NaOH ter sido o mesmo, notou-se diferença na composição bromatológica (Tabela 4). Convém destacar que o valor da digestibilidade aparente obtido pelo método in vivo em ruminantes é correlacionado com a digestibilidade in vitro (TILLEY & TERRY, 1963). OLIVEIRA et al. (1997) encontraram Tabela 1 - Composição bromatológica da cana-de-açúcar submetida aos diferentes tratamentos. T rat am ent os % MS _____________________________________________________________________ M S,% PB EE FB FDN FDA HC EN N MM MO NDT N0 33,95 2,10 0,42 20,61 47,99 29,07 18,92 75,49 1,38 98,62 40,98 N 1,0 31,59 2,53 0,91 23,32 57,56 33,55 24,01 69,02 4,22 95,78 46,03 N 1,5 33,12 2,45 0,78 23,53 55,66 33,79 21,87 67,72 5,52 94,48 44,88 N 2,0 31,79 2,49 0,56 22,64 55,00 33,83 21,17 68,56 5,75 94,25 43,17 N0; N1,0; N1,5 e N2,0 correspondem, respectivamente, aos níveis de zero; 1,0; 1,5 e 2,0% de NaOH. MS = Matéria seca , PB = Proteína bruta, EE = Extrato etéreo, FB = Fibra bruta, FDN = Fibra em detergente neutro, FDA = Fibra em detergente ácido, HC = Hemicelulose, MM = Matéria mineral, MO = Matéria orgânica, ENN = Extrativos não nitrogenados, NDT = Nutrientes digestíveis totais. Tabela 2 - Composição das soluções-tampões* utilizadas na digestão in vitro. Componentes KH2 PO4 Tipo de solução tampão (g/litro) ____________________________ A B 10,0 MgSO4 7H2 O 0,5 NaCl 0,5 CaCl2 .2H2 O 0,1 Uréia 0,5 Na2 CO3 Na2 S.9H2 O 15,0 1,0 valores maiores para a digestibilidade in vitro da matéria seca, da proteína bruta e da energia bruta da silagem de milho em relação às médias obtidas para a digestibilidade in vivo com bovino. De qualquer maneira, mesmo no nível menor de NaOH, COSTA & FRANCO (1998) ressaltaram que a hidrólise da cana é mais interessante comparativamente à auto-hidrólise (pressão por vapor e temperatura elevada) do bagaço, justamente pelo fato da cana apresentar teores elevados de sacarose. Além dos fatores mencionados que podem afetar a eficiência da hidrólise, outros são relacionados no MANUAL HIDROCANA (s/ d), como, por exemplo, a temperatura no local da hidrólise, a regulagem do equipamento dosador da solução de NaOH, a quantidade de cana picada em relação à pulverização da solução de NaOH e a própria mão-de-obra, entre outros. *Ankom®. 170 OLIVEIRA, M. D. S., QUEIROZ, M. A. A., CALDEIRÃO, E., BETT, V., RIBEIRO, G. M. Efeito da hidrólise com NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.)./ Effect of sodium hidroxide treatment on in vitro digestibility of dry matter of sugarcane. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 2, 167-173, 2002. Tabela 3 - Efeito da hidrólise com NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.). T ra t a m e n t o s ___________________________________________ N 1 ,0 N 1 ,5 N 2 ,0 N0 D IV M S , % 6 0 ,0 3 a 6 0 ,6 3 a 6 4 ,3 1 b 6 3 ,0 7 b EPM CV % 0 ,4 7 2 ,3 4 Médias seguidas de letras iguais não diferem entre si pelo teste de Tukey (p > 0,05). N0; N1,0; N1,5 e N2,0 correspondem, respectivamente, aos níveis de zero; 1,0; 1,5 e 2,0% de NaOH. EPM = Erro padrão de média. CV = Coeficiente de variação. Tabela 4 - Comparação dos resultados obtidos com a hidrólise da cana-de-açúcar. N ível de N aO H % MS _____________________________________ M S,% PB EE FB FDN EN N C D M S, % N 1,0 a 24,87 3,39 0,37 22,65 46,09 64,97 66,62 N 1,0 b 31,59 2,53 0,91 23,32 57,56 69,02 60,63 a ANDRADE et al. (1999), digestibilidade aparente da matéria seca da cana hidrolisada com 1% de NaOH, em ovinos. Digestibilidade in vitro da matéria seca da cana hidrolisada com 1% de NaOH, em bovino. MS = Matéria seca, PB = Proteína bruta, EE = Extrato etéreo, FB = Fibra bruta, FDN = Fibra em detergente neutro, ENN = Extrativos não nitrogenados. b A cana-de-açúcar pode ser utilizada como volumoso único em rações para bovinos, e geralmente tem proporcionado bom valor nutritivo, haja vista os coeficientes elevados de digestibilidade tanto da matéria seca como das fibras em detergente ácido e neutro (PASTORI et al., 1986; LOVADINI, 1971; RODRIGUES et al., 1992; AROEIRA, 1993). Convém salientar que a opção pela utilização da cana-de-açúcar, como volumoso, para uso na alimentação de bovinos deve levar em consideração a composição química e tecnológica (teor de FDN; relação FDN/Brix e % de colmos), a digestibilidade da matéria seca, das fibras em detergente ácido e neutro, além dos fatores mencionados por PUPO (1981), PEIXOTO (1986), BOIN et al. (1987), TORRES & COSTA (1993) e SILVA (1993), envolvendo as características agronômicas (produtividade e doenças, entre outras). Finalmente, deve-se atentar para as formas alternativas de utilização, ou seja, aspectos relacionados, por exemplo, ao tratamento físico e/ou químico da cana-de-açúcar (RODRIGUES et al., 1992; OLIVEIRA et al., 1996; RODRIGUES & BARBOSA, 1998; ANDRADE et al., 1999; FARIA et al., 2000), sempre visando aumento do valor nutritivo e conseqüentemente melhor desempenho animal. 171 CONCLUSÕES 1. Os níveis de 1,5 e 2,0% de NaOH aumentaram a DIVMS da cana-de-açúcar. 2. Devido ao fato da cana-de-açúcar ser bastante utilizada pelos produtores, caso seja feita a opção pelo uso da cana hidrolisada, aparentemente bastante promissora, recomenda-se a realização de novas pesquisas visando o desempenho animal (produção de leite e de carne), sobretudo uma análise econômica dos benefícios da hidrólise. AGRADECIMENTOS À Fazenda Santa Cruz, na pessoa do Dr. Eduardo Caldeirão, por ter viabilizado a aquisição da picadeira contendo o equipamento hidrocana para a hidrólise da cana-de-açúcar. ARTIGO RECEBIDO: OUTUBRO/2001 REFERÊNCIAS ALVAREZ, F.J., PRIEGO, A., PRESTON, T.R. Animal performance on ensiled sugarcane. Tropical Animal Production, v.2, p.27-33, 1977. OLIVEIRA, M. D. S., QUEIROZ, M. A. A., CALDEIRÃO, E., BETT, V., RIBEIRO, G. M. Efeito da hidrólise com NaOH sobre a digestibilidade in vitro da matéria seca da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.)./ Effect of sodium hidroxide treatment on in vitro digestibility of dry matter of sugarcane. 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