A EDUCAÇÃO DO FUTURO COM PERSPECTIVAS PARA SOLUCIONAR A CRISE DO ENSINO JURÍDICO Rosana Nascimento Silva1 RESUMO O presente artigo se propõe a fazer um estudo sobre a educação do futuro voltada para a solução da crise do ensino jurídico. Várias são as causas que tentam explicar a crise. Tem-se, como exemplo, o ensino bancário que é uma simples transmissão de conhecimentos. Nesse contexto, foi feita uma abordagem sobre o surgimento dos cursos de Direito no Brasil e o ensino jurídico advindo de tais cursos. Após, tem-se a crise do ensino jurídico e as metodologias ativas no Direito. E, por último, também foi feito um estudo sobre como a educação do futuro pode solucionar a crise do ensino jurídico e a relação desta, com os direitos humanos. PALAVRAS-CHAVE: Educação; Crise e Ensino Jurídico. ABSTRACT: This present article intends to do a study about the education in the future toward the legal education crisis. There are many causes that attempt to explain the crisis. It has, for example, the teaching bank that is a simple knowledge’ transmission. In this context, was made an approach to the development of courses in law and legal education in Brazil arising from such courses. After, there is the crisis of legal education and active methods in law. And, finally, was also done a study on how the future´s education can solve the crisis of legal education and its relation with human rights. KEY-WORDS: Education, Crisis and Legal Education. 1 Graduada em Direito, pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais [email protected] – AGES. E-mail: INTRODUÇÃO O presente artigo vem tecer um estudo que foi feito, baseado nas obras “Os sete saberes necessários à Educação do Futuro” e “A Cabeça bem-feita”, ambos de Edgar Morin, relacionando-os com o ensino jurídico e sua crise. É inegável que estamos em uma sociedade complexa, a qual se aperfeiçoa a cada dia e exige que os indivíduos tenham respostas para os diversos anseios sociais. É com a finalidade de compreender como o ensino jurídico entrou em crise, através das obras “Direito e Holismo” de Paulo Roney Ávila Fagúndez e “Pensando o ensino do direito no século XXI” de Horácio Wanderlei Rodrigues, bem como com a finalidade de tecer possíveis soluções para a crise, baseadas nas obras de Edgar Morin, citadas anteriormente, que o artigo foi produzido. Pretende-se discutir a revolução do ensino jurídico, a qual o Brasil está passando. Precisa-se conseguir estabelecer que o ensino jurídico vem mudando e não pode mais ser visto como objeto, o qual era manipulado somente pelas classes dominantes do poder. No momento do seu surgimento, o ensino jurídico era caracterizado pelas condições inerentes aquela época. E diante da influencia de fatores sociais, econômicos, históricos, culturais, entre outros, esse ensino foi se modificando, até chegar à crise que temos hoje. Essa crise não afeta somente na formação dos acadêmicos das diversas faculdades de Direito do Brasil. Afeta principalmente a sociedade. Isso porque é na sociedade que o Direito é desenvolvido e aperfeiçoado. O Direito e a sociedade se influenciam de forma mútua. E em meio a essa situação, analisa-se a educação do futuro, suas finalidades, a sua forma de atuação, para compreender, de forma teórica, se essa educação conseguiria solucionar a crise que nos envolve. E como a maior parte da discussão se desenvolve no assunto da educação, a última abordagem do artigo é justamente esta, a relação existente entre a educação e os direitos humanos, através dos artigos “Educação em Direitos Humanos: de que se trata?”, de Maria Victoria Benevides, “Contexto histórico e educação em direitos humanos no Brasil: da ditadura à atualidade”, de Emir Sader, entre outros. 1 O SURGIMENTO DOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL E O ENSINO JURÍDICO ADVINDO DESSES CURSOS Em conformidade com o entender teórico de Silvana Taques2 compreendemos que os primeiros cursos de Direito no Brasil, foram implantados em Recife e São Paulo. Eles surgiram logo após a Independência do Brasil, através de debates que eram realizados na Assembleia Constituinte e na Assembleia Legislativa. Tinha a finalidade de manter no poder, as famílias que já detinham o mesmo. A preocupação era apenas a de preparar os jovens da elite, para que assumissem cargos públicos do Estado brasileiro, sendo de pouca importância, ou melhor, nenhuma importância com a realidade social, ou seja, com as necessidades dos indivíduos. Dessa forma, os interesses do Estado continuavam a ser atendidos e a sociedade permanecia sem qualquer expectativa judicial. É de fácil entendimento que as escolas de Direito abrangiam apenas a elite. As classes mais populares eram menos favorecidas e não tinham possibilidades de ingressar em uma escola do curso supracitado. As duas primeiras escolas de Direito, situadas em Recife e em São Paulo, apesar de terem o mesmo objetivo, podemos dizer que seguiram caminhos diferentes. A de Recife seguiu uma linha de pensamento baseada no monismo e no evolucionismo. Buscava a pluralidade temática nos fenômenos jurídicos e em seu currículo incluía leituras das diversas áreas do saber. Tentava adaptar o Direito a algumas teorias, bem como aplicá-lo na sociedade. Já a escola de Direito localizada em São Paulo seguiu uma linha de reflexão, jornalismos, militância política, entre outros. Era composta por pessoas da oligarquia agrária política. Dessa forma, tornou-se o centro privilegiado na formação de intelectuais e a escola de Recife entrou em decadência, isso porque seguiu uma linha diferente da escola de São Paulo. Ao fazer um estudo sobre as escolas de Recife e São Paulo compreendemos que a escola de Recife possuía relações com a “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen por privilegiar o positivismo na sua esfera jurídica, ou seja, um sistema de normas fixadas 2 TAQUES, Silvana. A crise do Ensino Jurídico: uma abordagem crítico-reflexiva perante a necessidade de transformação da realidade sócio-jurídica. Disponível em < http://www.jurisite.com.br/textosjuridicos/texto08.htm>. Acesso em 14 maio 2011. pelo Estado. Além da esfera jurídica, tem-se também o positivismo como corrente filosófica que coloca a ideia de ciência como algo objetivo, neutro e previsível. Até o fim do Império, o Brasil continuava tendo somente duas escolas de Direito. Em 1990 as escolas expandiram-se. Os cursos de Direito espalharam-se pelo Rio de Janeiro e por todo o país. Atualmente, estima-se que o Brasil possui 1.240 cursos de Direito, localizados nas mais diversas regiões do país. Isso traz bastante preocupação. A expansão do curso tem aspecto positivo por proporcionar que mais pessoas tenham acesso a essa área do saber. Porém, possui aspecto negativo no que concerne a qualidade do ensino que está sendo utilizado pelo corpo docente nas diversas instituições. Acredita-se que foi por causa dessa ampliação dos cursos de Direito no Brasil que o ensino jurídico entrou em crise. Esse ensino desde a implantação do curso, no Brasil, era caracterizado pela mera transmissão de conhecimentos, ou seja, um ensino reprodutor. Isso porque o operador do Direito precisava estar “preso” ao mundo do deverser, ao mundo da norma. Tudo isso por influencia da obra “Teoria Pura do Direito”, de Hans Kelsen que, no início do século XX e em meio ao paradigma positivista daquela época, apresentou sua obra supracitada, na qual pretendia alcançar no Direito, a objetividade e a exatidão, para torná-lo uma ciência jurídica e o objeto dessa ciência seria a norma pura, sem qualquer juízo de valor. Assim, Kelsen conseguiu alcançar autonomia disciplinar para a ciência jurídica. Apesar do pensamento positivista teórico de Hans Kelsen não ser a linha de frente nos dias atuais, não se pode esquecer a importância de sua obra e a contribuição que foi dada para o conhecimento jurídico-científico. Posteriormente, surgiu a “Teoria Tridimensional do Direito”, de Miguel Reale, na qual o objeto da ciência jurídica não era apenas a norma e sim a tridimensionalidade: fato, valor e norma. Vejamos: “Entre a norma e o fato surge assim o valor, como intermediário, como mediador do conflito, elemento de composição da realidade em suas dimensões fundamentais.” (NETO, 2005). Existe uma relação entre os três elementos. Um está em dependência ou implicação recíproca com o outro. Fato, valor e norma encontram-se correlacionados na vida jurídica e seu estudo não pode ser feito de forma isolada. Hoje, temos como objeto da ciência jurídica o fato, valor, a norma e demais elementos que tenham relações com o direito. Podemos então, perceber uma mudança no objeto da ciência jurídica e que reflete no ensino jurídico. Esse, caracterizado pelo ensino bancário e com a separação de uma área do saber das demais, passa a não conseguir oferecer respostas aos anseios sociais. Isso porque a sociedade é complexa e se transforma a todo instante. E é fácil vislumbrar o porquê do ensino jurídico ter sido instituído assim, como um ensino bancário. É só analisar a finalidade do surgimento do curso de Direito no Brasil. Por isso que o ensino tinha que ser fechado, sem interferência do aluno, sem fazer com que esse pensasse de forma crítica, para que assim eles continuassem submissos as classes dominantes daquela época. No seu surgimento, o ensino jurídico caracterizou-se por ter condições peculiares. Ao sofrer influencia dos fatores socioeconômicos e histórico-culturais, o ensino jurídico transformou-se, chegando a sua crise. 2 A CRISE DO ENSINO JURÍDICO E AS METODOLOGIAS ATIVAS NO DIREITO A crise do ensino jurídico surgiu porque o ensino bancário (mera transmissão de conhecimentos), utilizado nos cursos de Direito, passaram a não oferecer respostas aos anseios sociais. Percebe-se a necessidade de que os estudantes de Direito deixem de ser meros espectadores de uma realidade jurídica e passem a participar de forma ativa do processo de pesquisa, de produção de ciência, bem como que passem a manifestar-se sobre os fatos que ocorrem em nosso país. Essa crise se intensifica porque o Direito não está mais “preso” aos textos normativistas. Surge à necessidade de expandir os horizontes, ultrapassar seus limites e reunir o conhecimento que foi separado, para que assim, o Direito possa trazer mais efetividade em sua aplicação. E isso só será possível se o profissional do Direito aprender a pensar criticamente e passar a formular possíveis soluções aos conflitos que lhes são apresentados. Para que houvesse uma mudança no ensino jurídico, acreditava-se na obrigatoriedade de pesquisa e que esta estivesse relacionada com a realidade, para que assim, o Direito ficasse mais próximo da sociedade. Porém, a pesquisa obrigatória não traz benefícios. Cabe a universidade incentivar o aluno a pesquisar e não obrigá-lo. A universidade deve promover ambiente e eventos favoráveis a pesquisa, estimulando o aluno a pensar de forma crítica e comprometida com as transformações sociais. Como se observa nos saberes de Silvana Taques: Desta forma, percebe-se que a pesquisa nas universidades brasileiras também sofre uma crise, pois vem sendo desvirtuada de sua principal função, que no caso dos cursos de direito, é aproximar o direito a realidade social e compreendê-lo de diferentes formas (TAQUES, 2005). A crise do ensino jurídico perdura até os dias atuais. Apesar de o ensino ter avançado, ainda são encontradas dificuldades em solidificar o pensamento jurídico. Foram introduzidas no ensino, diversas áreas do saber, o que é fundamental para que os operadores do Direito tenham uma mentalidade crítica. No entanto, o Direito ainda é considerado carente em apreciar suas falhas para buscar a melhora necessária. É necessário romper com o ensino jurídico antigo e aderir às novas teorias. Uma das formas de solucionar essa crise é aderir às metodologias ativas no direito, que são propostas inovadoras com uma importante repercussão e que possuem duas técnicas que são mais utilizadas: metodologia da problematização e aprendizagem baseada em problemas. A metodologia da problematização se desenvolve em cinco etapas, que são: observação da realidade (observação feita pelos alunos, através da qual eles registram o que perceberam); pontos-chaves (os alunos refletem sobre as causas que deram existência ao problema que foi observado da realidade e que está sendo objeto de estudo); teorização (os alunos buscam informações que necessitam sobre o problema); hipóteses de solução (através do estudo que foi realizado, o aluno tem que elaborar possíveis soluções para o problema); e aplicação à realidade (corresponde a um compromisso do aluno com o seu meio social, pois através do problema que foi observado, eles levarão uma resposta adquirida através dos estudos). No entender de Neusi Aparecida Navas Bebel (1998, p. 144): Em síntese, a Metodologia da Problematização tem uma orientação geral como todo método, caminhando por etapas distintas e encadeadas a partir de um problema detectado na realidade. Constitui-se uma verdadeira metodologia, entendida como um conjunto de métodos, técnicas, procedimentos ou atividades intencionalmente selecionadas e organizadas em cada etapa, de acordo com a natureza do problema em estudo e as condições gerais dos participantes. Volta-se para a realização do propósito maior que é preparar o estudante/ser humano para tomar consciência de seu mundo e atuar intencionalmente para transformá-lo, sempre para melhor, para um mundo e uma sociedade que permitam uma vida mais digna para o próprio homem. Já a aprendizagem baseada em problemas caracteriza-se por ser um estudo de problemas propostos com a finalidade de direcionar o aluno para o estudo de determinados conteúdos. Essa metodologia ativa possui sete etapas, que são: leitura do problema (momento de identificar e esclarecer termos); identificação dos problemas propostos pelos enunciados; formulação de hipóteses explicativas; resumo das hipóteses; formulação dos objetivos de aprendizado; estudo individual dos assuntos; e retorno ao grupo para rediscussão do problema, com base nos novos conhecimentos que foram adquiridos através das etapas anteriores. Apesar de serem técnicas de metodologias ativas, a princípio, parecidas, as propostas metodológicas possuem dimensões distintas, como por exemplo, na metodologia da problematização, os problemas são identificados pelos alunos, através da observação da realidade e na aprendizagem baseada em problemas, os problemas são propostos e elaborados por uma Comissão designada com essa finalidade. Outra importante distinção é feita por Neusi Aparecida Navas Berbel (1998, p. 148), vejamos: (...) A primeira, como uma metodologia que pode ser utilizada para o ensino de determinados temas de uma disciplina, nem sempre apropriada para todos os conteúdos; a segunda, como uma metodologia que passa a direcionar toda uma organização curricular. Ambas as técnicas são importantes. Elas incluem hipóteses elaboradas pelos alunos, bem como o trabalho em grupo. Apesar de serem caminhos diferentes de ensino, como também de formação profissional, tanto a metodologia da problematização, quanto a aprendizagem baseada em problemas, através das suas etapas, conseguem alcançar seus objetivos e estão demonstrando importância no ensino e na formação por conseguir colocar o sujeito no centro do processo ensino-aprendizagem, por inverter os papéis dos personagens (professor e aluno), por trabalhar com o problema, por esse problema ser complexo, por trazer os conhecimentos juntos, e não fragmentados e/ou separados, trabalhando com a incerteza e com a complexidade, dando espaço para a atuação da educação do futuro. As técnicas de metodologia ativa são capazes de desenvolver um espaço interativo, de debates, questionamentos, argumentações, bem como são capazes de desenvolver a crítica dos alunos, o poder de argumentação, de indagação e tomada de posição. Elas são fundamentadas em princípios científicos, contra a memorização. Esta, pode até ser um método mais fácil de ensino. No entanto, a memorização apenas avalia a capacidade dos sujeitos armazenarem informações como fazem os computadores, sem o desenvolvimento da competência profissional e humana. Esse método da memorização é considerado como desumano, uma vez que não permite ao indivíduo uma relação com a vida e com o mundo dinâmico, ou seja, com o mundo no qual estamos inseridos. Através da memorização, o indivíduo não vai conseguir desenvolver habilidades e competências, seja para resolver problemas profissionais ou, até mesmo, os problemas corriqueiros da vida. Já a metodologia ativa é capaz de desenvolver um sujeito criativo, proativo, empreendedor, humano, ético e, acima de tudo, pensante. 3 A EDUCAÇÃO DO FUTURO Diante da crise do ensino jurídico e da separação das diversas áreas do conhecimento, surge a educação do futuro, com perspectivas para solucionar tais problemas, permitindo reunir as ciências e humanidades, assim como também romper com a oposição existente entre a natureza e a cultura. Dessa forma deve ser vista como um ponto de partida que irá ajudar a repensar na educação dos próximos milênios. Em conformidade com as obras de Edgar Morin “Os sete saberes necessários à Educação do Futuro” e “A cabeça bem-feita”, pode-se ter um melhor entendimento sobre o que é a educação do futuro. A educação do futuro é vista como uma educação que vai repensar a reforma e reformar o pensamento. De forma geral, ela vem abordar as cegueiras do conhecimento, isso porque o conhecimento não reflete o mundo. Ele é uma construção e/ou reconstrução do homem. Sendo assim, não pode ser tido como absoluto e nem inquestionável. Cabe a educação mostrar que não existe conhecimento que não esteja sujeito ao erro e a ilusão. Edgar Morin (2007) assevera que o conhecimento é construído através da percepção que o homem tem do mundo e é formada com base nos seus estímulos ou sinais que são captados e codificados através dos seus sentidos por meio da linguagem e do pensamento. Com isso, tem-se o erro de percepção, resultante da visão e o erro intelectual, por comportar a interpretação do conhecedor. Assim, todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão, porque a subjetividade do conhecedor consegue alterar a percepção e a interpretação da verdade. A intersubjetividade (importante fator de compreensão) faz parte da construção do conhecimento. Ela inclui índices de comunicação, através dos quais, a subjetividade consegue ser expressa de um sujeito para outro (demonstrando afeto), bem como consegue gerar um conhecimento sobre a realidade. Ela se constitui na relação do ser humano consigo mesmo, com o outro e a com a natureza. Vejamos o ensinamento de Edgar Morin (2007, p. 20): “Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento.” Cristiano Carvalho (2005) apresenta que o agir humano pressupõe a comunicação entre o homem e o seu ambiente. Isso acontece por meio da razão, ou seja, um processamento lógico, segundo o qual, o indivíduo consegue captar e organizar os dados do ambiente, através da linguagem e dos sentidos. Os erros e as ilusões que constituem as cegueiras do conhecimento são permanentes e oriundas do exterior, bem como do interior. Para isso, faz-se necessário estudar os erros que se dividem em quatro grupos: erros mentais; erros intelectuais; erros da razão; e as cegueiras paradigmáticas. Os erros mentais são os erros próprios da nossa mente; os erros intelectuais são os erros que encontramos nas doutrinas, as que se julgam detentoras do saber; os erros da razão se constituem na atividade racional da mente e as cegueiras paradigmáticas chamam nossa atenção para os erros dos paradigmas. Além disso, a educação do futuro também deve abordar os princípios do conhecimento pertinente. São quatro os elementos essenciais para a pertinência do conhecimento: o contexto (o resgate temporal das relações estabelecidas), o global (mostra as relações do todo com as partes), o multidimensional (que traz as várias dimensões as quais o homem faz parte) e o complexo (que é a junção dos elementos anteriores). De acordo com o entender teórico de Edgar Morin (2004, p. 15), na obra “Cabeça bem-feita”: “Ora, o conhecimento pertinente é o que é capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita.” E isso é possível através dos seus elementos. É através do conhecimento pertinente que o indivíduo consegue formar uma inteligência geral e assim dar conta dos saberes específicos. Por isso: “Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar de problemas especiais” (MORIN, 2007, p. 39). Vejamos: De fato, a hiperespecialização impede de ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui). Ora, os problemas essenciais nunca são parceláveis, e os problemas globais são cada vez mais essenciais (MORIN, 2004, p. 13-14). Tem que ser desenvolvida nos indivíduos a inteligência geral, ou seja, tem que desenvolver as aptidões gerais da mente, as quais permitem também o desenvolvimento das competências específicas. Edgar Morin (2004), ainda nos traz que os saberes separados e/ou fragmentados impedem de ver o global (tornam-se insuficientes, pois os problemas essenciais não são parceláveis) e levam a uma inteligência parcelada. Inteligência essa que fraciona os problemas e separa o que estava unido, acarretando em uma incapacidade de pensar os problemas na sua multidimensionalidade ou real dimensão. Separa o humano das ciências, ou seja, o ser humano é separado das suas dimensões psíquica, social, religiosa e econômica. Ainda em conformidade com o entendimento de Edgar Morin (2007, p. 45): ”O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem de apreender o que está tecido junto.” Dessa forma, o parcelamento impede que seja alcançado o conhecimento complexo. Essa complexidade refere-se às partes que constitui um todo. Para analisar o todo, precisa-se estudar as partes e para analisar as partes precisa-se saber das suas relações com o todo. Com isso, não basta apenas ter acesso as informações, mas sim saber organizá-las. O aluno precisa formar uma visão global, uma vez que surgem desafios, os quais exigem que o indivíduo saiba lidar e/ou resolver uma situação que é polidisciplinar e que, se for analisada com os saberes fragmentados, não será possível a sua solução. Necessita-se de que a educação aborde e/ou trabalhe os saberes de forma conjunta e não separados ou fragmentados. A análise dos saberes de forma conjunta proporcionará ao aluno ter uma cabeça bem-feita (é aquela em que se desenvolve uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas e possui princípios organizadores que permitem ligar os saberes para que eles passem a ter sentido). Dessa forma, percebe-se que o indivíduo consegue aprender a pensar, não através da memorização, mas sim, fazendo e refazendo, criticando, desconstruindo e levantando hipóteses, as quais se encontram presentes na capacidade de questionar, sentir o mundo e as pessoas e isso tem relação com o ensinar à compreensão humana que significa ensinar o indivíduo a compreender as outras pessoas, em busca de uma boa convivência, baseada na solidariedade mútua. A crise do Direito da modernidade, tão bem ensinada por Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz e Jean Clam (2005) se origina justamente da fragmentação do saber, ou seja, da não integração do Direito com a sociedade e a política e as relações do mesmo com a moralidade e a força. Dessa forma, não é mais possível manter o Direito como imutável e indiferente às transformações sociais. E, assim, necessita-se de uma epistemologia construtivista, a qual privilegie a complexidade. Além do que já foi elencado, a educação do futuro deve preocupar-se também com a condição humana e a identidade terrena. O ser humano tem que reconhecer sua identidade terrena, física e biológica, para que assim ele possa se encontrar possa saber quem é e a que mundo pertence. É necessário situar a condição humana no mundo, analisar a unidade da espécie humana sem, contudo esquecer-se da diversidade humana. Isso porque o ser humano é singular e múltiplo, ao mesmo tempo. E cabe a educação do futuro mostrar esse princípio: universidade/diversidade, em todas as esferas humanas. Acredita-se na educação do futuro para solucionar a crise do ensino jurídico. Isso porque, os estudiosos e operadores do Direito precisam aprender, bem como compreender a complexidade das relações jurídicas. É através dessa educação que será possível a libertação do ensino jurídico dos modelos que lhes foram impostos. Para Lauro Teixeira Cotrim (2008), o aluno do curso de Direito deve ter oportunidade de vivenciar o Direito em sua historicidade, enquanto um produto de uma realidade social e econômica e que possibilita a sua transformação. É o pensamento complexo que permite ao indivíduo o entendimento das mudanças da realidade, com uma visão diferenciada de mundo, como também o prepara para enfrentar as incertezas. O Direito, visto como um curso de graduação de formação crítica necessita aderir à teoria da complexidade, uma vez que os mais diversos casos que são apresentados a aqueles que seguem as carreiras jurídicas são originados da convivência dos indivíduos em sociedade, sendo casos amplos e que, na maioria das vezes, englobam vários saberes. Os estudiosos e futuro profissional do Direito precisam construir conhecimentos que não separe, por exemplo, o Direito Constitucional do Direito Penal, o Direito de Família da Sociologia, o Direito Ambiental da Economia e interações sociais, pelo fato de que as situações corriqueiras englobam as mais diversas legislações. Precisa-se de sujeitos ativos, críticos, habilidosos para o trabalho em equipe (que desenvolva um relacionamento humanizado, ético e interpessoal). Com isso, é preciso abandonar a visão holística de mundo, a qual afetou as diversas áreas do conhecimento, através da redução, bem como não deixando espaços para valores e princípios éticos e morais. Nessa visão mecanicista, as pessoas não poderiam pensar e nem criar. Isso ocasiona uma fragmentação do saber. Precisa-se, também, trabalhar o pensamento complexo, pois este permanece aberto e flexível diante das mais variadas mudanças sociais, sem, contudo, negar a multiplicidade e a incerteza de tais mudanças. Necessita-se de uma educação que prepare o indivíduo para que este possa contribuir para a transformação social. É claro que o ensino tradicional é bem mais simples que a educação do futuro. Ele corresponde à simples aceitação de ser verdadeiro, tudo aquilo que nos é transmitido. No entanto o ser humano precisa aprender a questionar, a ter uma análise crítica, a duvidar dos conhecimentos e aceitar as incertezas e tudo isso só é possível através da educação do futuro. É essa educação que vai permitir um ensino jurídico voltado para a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, precisamos refletir sobre todas as questões abordadas, a começar pelo ensino jurídico, que é o ponto inicial para os demais assuntos. Precisa, urgentemente, modificar esse ensino. O ensino jurídico ainda traz uma visão separada dos conhecimentos, o que torna o aprendizado uma atividade mais difícil. É necessário desapegar do ensino antigo, ou seja, da educação bancária e aderir às metodologias ativas, as quais conseguem envolver o aluno com a realidade social, desenvolver sua consciência crítica, estimular a pesquisa, entre outros. Tudo isso é possível ao unir as metodologias ativas com a educação do futuro. Acredita-se nisso para solucionar a crise do ensino jurídico. É através da educação do futuro que será possível formar indivíduos com cabeça bem-feita, onde os saberes não são acumulados. É com uma cabeça bem-feita que os indivíduos conseguem desenvolver uma aptidão geral (inteligência geral), para colocar e tratar os problemas, bem como consegue dispor de princípios organizadores os quais permitem não somente ligar os saberes, como também lhes dar sentido. A educação é capaz de dar autonomia aos alunos, bem como é capaz de inverter os papéis e formar uma relação na qual não é só o aluno que aprende com o professor, esse também pode aprender com o aluno e juntos construir um conhecimento. E é através da educação do futuro, juntamente com as metodologias ativas e a educação em direitos humanos, que se conseguirá formar profissionais capazes de promover a aplicação do conhecimento à realidade, com o desenvolvimento de uma consciência crítica e com capacidade de compreensão do outro como humano e digno de direitos. Em fim, este trabalhou demonstrou, de forma bibliográfica, a importância da educação do futuro e como ela pode contribuir para a melhoria no ensino jurídico, o qual, consequentemente, trará benefícios para os alunos do curso de Direito. No entanto, considere-se que ainda há muito a discutir neste tema. E o que foi exposto, trata-se não de certezas, mas de alguns dos olhares percebidos pela pesquisadora. 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