A ARTE DE RESOLVER PROBLEMAS Jerônimo Lima, Diretor-Superintendente do Instituto Amanhã [email protected] Em 1632, o filósofo Renè Descartes estava particularmente interessado no estudo de uma parte do que hoje chamamos de História Antiga denominada Guerras Púnicas. Estas guerras foram travadas entre Roma e Cartago pela hegemonia comercial do Mediterrâneo. Na I Guerra Púnica, de 264 a.C. a 241 a.C., Roma é derrotada pelo general Amílcar Barca, o “Leão das Areias”, que tomou durante nove anos a ilha da Sicília. Na II Guerra Púnica, de 218 a.C. a 201 a.C., sob o comando de Cipião, Roma derrota Aníbal em terra e no mar. Na III Guerra Púnica, de 149 a.C. a 146 a.C., Roma finalmente destrói Cartago, vencendo o general Asdrúbal e vendendo os cinqüenta mil sobreviventes como escravos. Nada restou da cidade e o local em que fora localizada foi condenado, em cerimônia solene com lançamento de sal à terra, à desolação perpétua. Quero aproveitar esse fato histórico para fazer uma analogia da conquista de Cartago com o que entendo ser “a arte de resolver problemas”. A palavra problema vem do grego problematis, que significa “obstáculo”. No mundo dos negócios, é qualquer diferença entre uma situação desejada e a situação real, ou, no caso de um projeto, entre o que foi previsto e o efetivamente realizado. Naquela época, Roma tinha uma situação indesejável claramente definida: não conseguia destruir Cartago. Na II Guerra Púnica, depois de 47 anos tentando confirmar sua supremacia na África, Roma tinha esse sério obstáculo a transpor. Pressionada pelo senador Catão, que encerrava seus discursos com o bordão “Delenda Cartago!” (Destruam Cartago!), Roma resolveu procurar um especialista (um consultor?) para aportar conhecimentos que qualificassem seu exército para a solução desse problema (não é isso que um consultor faz?). O escolhido foi Publius Cornelius Spicius Africanus, de alcunha Cipião, O Africano, pelo fato de ter sido general e, portanto, estar familiarizado com o “tema” da questão, bem como por ter nascido na região da Púnia, exatamente onde se localizava Cartago. Negociados os termos do acordo (um contrato?), Cipião reuniu seu exército e viajou até a Púnia e, lá chegando, colocou em ação seu famoso método de solução de problemas: COMO RESOLVER PROBLEMAS 1. Definir claramente o problema. 2. Coletar informações para descobrir as possíveis causas do problema. 3. Analisar as causas levantadas para verificar sobre quais delas se poderia agir. 4. Montar um plano de ação para as causas selecionadas como passíveis de eliminação. 5. Executar o plano de ação e medir seu progresso. 6. Verificar a eficácia do plano de ação. 7. Padronizar a solução, se o plano foi eficaz, ou tomar ações corretivas, em caso contrário. 8. Concluir o processo, aprendendo com uma reflexão sobre a sua execução. Ao chegar a Cartago, Cipião passou a inteirar-se dos fatos ocorridos. Chamou os generais das divisões do exército e alguns soldados (formadores de opinião?) para tentar resolver com eles (de modo participativo?), o problema. Inquiridos, um a um os generais começaram a arrolar as possíveis causas da forte resistência inimiga: a situação privilegiada de Cartago, localizada sobre um penhasco; uniformes inadequados (na época, saiotes, sandálias e armaduras peitorais); catapultas sem força e arcos sem tensão suficientes; escudos muito grandes e pesados; ferraduras impróprias para o tipo de terreno; falta de treinamento e desmotivação da tropa. Em seguida, Cipião e o grupo separaram das causas arroladas aquelas sobre as quais não poderiam agir (a questão geográfica e as catapultas, inúteis contra a força da gravidade) e, para as demais, desenvolveram um plano de ação. Combinaram substituir os uniformes por calções e botas; lubrificar as cordas dos arcos com resina vegetal para devolver-lhes a tensão necessária; cortar os escudos, tornando-os menores e mais leves; fundir o ferro dos escudos restantes para fazer novas ferraduras. E ele mesmo, Cipião, treinaria pessoalmente sua tropa, aumentando assim sua capacitação e motivação. Como todo bom profissional, o general também lia muito, para aprender sempre. Ele já havia lido dois livros muito importantes da mitologia antiga: a Ilíada, de Homero, que narra a Guerra de Tróia, e a Eneida, de Virgílio, que conta a história de Enéas, o único sobrevivente dos troianos. A Ilíada o inspirou na estratégia a ser adotada: afastar seu exército até uma distância em que não pudesse mais ser avistado, e então, na noite do solstício do inverno, realizar o ataque derradeiro, tal qual os gregos fizeram com Tróia. A Eneida serviu de alerta a Cipião: depois de executado o plano, ele deveria verificar o cenário para garantir que não houvesse nenhum sobrevivente. Definida a estratégia e o plano de ataque, meses depois, em Zama, Cipião aniquilou as tropas de Aníbal e ordenou a invasão da cidade, na calada da noite: “Cartago delenda est!”. Finda a guerra, retornou a Roma como herói, escreveu um livro de memórias para padronizar o seu método de solução de problemas e viveu rico e feliz até o fim dos seus dias. Bem, essa história toda era para falar de... Descartes, lembra? Pois é, ele entendeu o lema “dividir para conquistar” citado por Maquiavel em “O Príncipe”, de 1511, parodiou o sábio florentino, inspirando-se no método de Cipião, e escreveu, em 1637, o “Discurso do Método”, que definiu os pilares da metodologia científica moderna. A contribuição de Descartes à Administração veio por meio do “método cartesiano”, que se fundamenta em quatro pontos: 1. Regra da Evidência: Não aceitar por verdadeiro senão aquilo que é evidente, ou seja, o que não se saiba clara e distintamente, evitando-se assim a prevenção e a precipitação, não acreditando em nada que possa ser colocado em dúvida. 2. Regra da Análise: Dividir e a decompor cada dificuldade em tantas partes quanto possível e quanto necessário, reduzindo o desconhecido para o conhecido, a fim de melhor resolvê-las. 3. Regra da Síntese: Conduzir os pensamentos ordenadamente, a começar pelos mais simples e fáceis de serem conhecidos, evoluindo para os mais difíceis e complexos, inclusive pressupondo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. 4. Regra da Enumeração: Analisar detalhadamente cada parte, visando à verificação e à revisão geral, para que se tenha certeza de que nada foi omitido. Descartes definiu não só o modelo de raciocínio ocidental como criou, na minha opinião, o estado da arte na solução de problemas a partir do raciocínio analítico: definir as questões levantadas pela observação de alguns fenômenos; elaborar hipóteses que expliquem a ocorrência do fenômeno; conduzir experimentos para verificar as hipóteses; formular um modelo explicativo com base nas hipóteses e resultados da evidência experimental; validar e criticar as conclusões e resultados. E assim nasceu o método. A sistemática passou a caracterizar um novo tempo, com o espírito crítico consolidando o valor do empiriológico – isto é, o científico, e assim libertando o espírito humano dos estreitos limites da subjetividade. O cogito cartesiano, baseado no método de Cipião, ensinou-nos a compreender o mundo partindo da consciência como dado evidente... e assim aprendemos a resolver problemas. EM BUSCA DO SABER PROFUNDO Para aprofundar seus conceitos nos temas abordados nesse artigo, sugiro uma pesquisa às seguintes fontes de referência: O Discurso do Método, de Renè Descartes, ed. UnB. O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, ed. Prestígio. A Trilogia de Cartago, de Patrick Girard, ed. Estação Liberdade. Guerreiros Políticos, de Robert Kaplan, ed. Futura. Métodos Estatísticos para Melhoria da Qualidade, de Hitoshi Kume, ed. Gente. De Onde Vêm os Problemas, de Antonio Loriggio, ed. Negócio. Solução Rápida de Problemas com Post-It Recados Adesivos, de David Straker, ed. Nobel. O Novo Administrador Racional, de Charles Kepner e Benjamin Tregoe, ed. Makron Books.