1 AMPLIAÇÃO DA CAPACIDADE DE CULPABILIDADE PELA REDUÇÃO DA IDADE PENAL Gracielle Karine Michel1 RESUMO O artigo 227 da Constituição Federal prevê os direitos fundamentais da criança e do adolescente como assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, cultura, lazer, profissionalizante, respeito, dignidade, convivência familiar e entre outros direitos fundamentais, sendo sua realização obrigatória e prioritária. Com a Constituição de 1988 e a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de direitos e deveres, com isso o adolescente infrator passa a responder pelos seus atos através de medidas sócio-educativas com caráter punitivo e retributivo, com prioridades de reeducar e ressocializar este adolescente, por meio de instituições de atendimento a criança e ao adolescente, podemos observar posicionamentos favoráveis e contrários a essa medida, e exemplos positivos e eficazes quanto a aplicação das medidas sócio-educativas. PALAVRAS-CHAVE: Ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal; Estatuto da Criança e do Adolescente; Adolescente infrator. INTRODUÇÃO Atualmente, a maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 anos, disciplinados pelas seguintes normas, Constituição Federal de 1988 em seu artigo 228, no mesmo sentido o Código Penal em seu art. 27 e pelo art 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90). Com efeito, diz o art. 228 da Magna Carta: “art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Por sua vez, o Código Penal em seu art. 27 dispõe nesse mesmo sentido que: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando 1 Acadêmica do curso de Direito, Escola de Direito e Relações Internacionais do Complexo de Ensino Superior do Brasil - UniBrasil. 2 sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”, igualmente, o art. 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ratifica os dispositivos legais anteriores ao afirmar: “art. 104 - São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”. O envolvimento de adolescentes com atos infracionais tem gerado enorme discussão acerca da solução punitiva: redução da menoridade penal. Mas a questão é muito mais ampla e complexa do que simplesmente clamar pela redução da maioridade penal, é imprescindível um debate sobre o assunto de forma democrática, buscando-se investigar quais medidas pode(ria)m ser tomadas para efetivamente trabalhar o problema dos adolescentes infratores, apresentando-se como bem-sucedida experiência a Justiça Restaurativa. Com a necessidade de Lei especifica surge o Estatuto da Criança e do adolescente, com isso o adolescente deixa de ser sujeito passível ao direito penal, se tornando sujeito de direito e deveres. Pois, além da proteção dos direitos, também regula sobre o adolescente que cometeu algum ato infracional impondo a ele o dever de responder por esse ato através de medidas sócio-educativas, que pretendem ser medidas de reintegração, inclusão de natureza educativa, ressocialização ou para aqueles que nunca a tiveram a socialização. Pela falta de eficácia de aplicação das medidas por alguns institutos de atendimento ao adolescente infrator é que se questionam estas medidas se estão realmente sendo eficaz, se existem uma recuperação ou ressocialização do adolescente infrator, pois o que tem se presenciado é o aumento da criminalização, reacendendo a discussão da ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal. Portanto, abordaremos os pontos positivos e negativos dessa possibilidade e destacaremos os posicionamentos a favor e contrários. Dentro desse contesto podemos encontrar algumas medidas que demonstraram resultados positivos, instituições que aplicam o Estatuto da Criança e do Adolescente com responsabilidade e dever de ressocializar o adolescente infrator, buscando através a justiça restaurativa, sobretudo ao retributivo formas diferenciadas de alcançar um acertamento entre o adolescente infrator e a vítima, e a diminuição da criminalização 3 juvenil. Além da contribuição da psicologia chamando atenção para a importância de um tratamento psicológico aos adolescentes em conflito com a lei. 1 DISCUSÃO ACERCA DA REDUÇÃO DA IDADE PENAL Diante do envolvimento de crianças e adolescentes em infrações leves como também naqueles casos mais graves, reascende a discussão sobre a ampliação da capacidade de culpabilidade reduzido-a para 16 anos como sendo a solução do problema. Vem sendo debatida pela sociedade brasileira há pelo menos uma década, discussão essa que já esta polarizada, existe opiniões favoráveis e contraria à essas mudanças, com fundamentando seus argumentos tento em problemas de ordem pública quanto em problemas de classe social2. Contudo essa discussão não se resumiu em uma oposição que tem coração e outra que não tem, no fundo ela é uma discussão “filosófica acerca da natureza humana e da punição a ser dada aos criminosos”. Juristas, autoridades, sociólogos e especialistas em comportamento humano dividem-se sobre a eficácia de tal providência. Todos, no entanto, concordam que, no cerne desse debate, está o dever do Estado. Tanto o de proteger os cidadãos, oferecendo-lhes condições de segurança, como o de prover o direito de crianças e adolescentes – também assegurado por lei – à saúde, educação, moradia, lazer e a todas as condições de desenvolvimento digno no seio da sociedade3. Maioridade Penal é a idade a partir da qual o indivíduo pode ser penalmente responsabilizado por seus atos. O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define “maioridade” como “a idade em que o indivíduo entra no pleno gozo de seus direitos civis”, e “maioridade penal” como “condição de maioridade para efeitos criminais”. Considera-se que o individuo tenha a capacidade mental completa de entender e 2 CAMPOS. Marcelo da. S; SOUZA. Luis. A. de. Redução da Maioridade Penal: Uma Análise dos Projetos que tramitam na Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 239. 3 OLIVEIRA, Antonio Cláudio Mariz de. O limite da imputabilidade penal. Disponível em: <http://www2.oabsp.org.br/asp/jornal/materias.asp?edicao=55&pagina=1163&tds=7&sub=0&sub2=0 &pgNovo=67>. Acesso em: 12 jan. 2009. 4 determinar as conseqüências de seus atos, podendo assim responder criminalmente pelo Código Penal4. A mídia expõe de forma equivocada a redução da maioridade através de crimes que tiveram repercussão nacional, influenciando a opinião publica, fazendo com que a população clame pela ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal desprovida de conhecimentos criteriosos sobre o sistema jurídico, acreditando ser a melhor solução, sem pensar nas conseqüências futuras que essa medida pode acarretar ou em outras soluções mais adequadas à problemática. Porém, as posições que contrariam a redução da maioridade penal, justificam que o problema é sim social e não legal5. A população tende considerar o que é justo e estabelece como padrão a ser seguido, justiças esta, muitas vezes impostas explicitamente pela mídia, grande responsável pela formação da opinião pública. "O exame do sentimento de justiça abrange necessariamente o das normas existentes, sua adequação, ou não, ao que é tido como justo, a aprovação social das sanções que o direito estabelece e garantidora da validez e eficácia das normas. Também abarca a maneira como a opinião do público se manifesta sobre o comportamento ilícito, ou a distância entre a desaprovação da norma jurídica a certa conduta, e a desaprovação que o consenso éticosocial impõe à mesma forma de comportamento"6. Todo esse clamor social apoiada no chamado sentimento de justiça em relação ao adolescente infrator surge de uma sensação equivocada de que nada lhe acontece quando ao adolescente autor de infrações penais. Criando-se uma idéia de que é necessário reduzir a capacidade de culpa para responsabilizá-los. Estudo do Governo federal intitulado “Adolescentes em conflito com a lei – reflexões para uma prática qualificada” de 1997, coloca que as medidas sócio-educativas não estão sendo cumpridas conforme a norma legal, visto que, a medida de internação vem sendo aplicadas na maioria dos casos em relação às medidas alternativas que privilegiam o atendimento em sistema aberto como a prestação de serviços à comunidade, a obrigação de reparar o dano, a liberdade assistida. Os dados oficiais revelam que a medida de internação (privativa de liberdade) aplicada aos que cometem ações graves é a única das quatros medidas executadas em todas unidades da federação (100%), enquanto as outras são: internação provisória 4 ALCÂNTARA, Jesseir Coelho de. Maioridade penal: cada adolescente bitelo!. Disponível em: <http://www.dm.com.br/materias/show/t/maioridade_penal_cada_adolescente_bitelo>. Acesso em: 10 jan. 2009. 5 .Idem. 6 ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como fato social. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 204. 5 (78%), semiliberdade e a liberdade assistida (74%), e prestação de serviços à comunidade (52%) nas unidades da federação. Quanto à competência de quem aplica as medidas – O Poder Judiciário – (76,9%) dos encaminhamentos são feitos pela atividade judiciária, ministério público (16%), Polícia Civil (3,3%), e Conselho Tutelar (0,5%). Já no total de instituições que executam o projeto pedagógico de atendimento: 39% afirmam possuir projeto em execução; 28,5% disseram não possuir qualquer projeto e 31,5% não responderam7 Setores que criticam o Estatuto da Criança e do Adolescente não compreendem que o estatuto depende de uma efetivação concreta, tem por objetivo a proteção integral da criança e do adolescente. Ainda a noção errônea de impunidade tem-se revelado no maior obstáculo à plena efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente, esta noção de impunidade parte da superada doutrina que sustentava o “velho Código de Menores, que não reconhecia a criança e o adolescente como sujeitos e sim como meros objetos do processo”8. É insensatez criticar uma lei que no mínimo trouxe avanços em termos de direitos e dever da criança e do adolescente. 2 CORRENTE FAVORÁVEL E SEUS ARGUMENTOS São inúmeros os argumentos daqueles que defendem a redução da maioridade penal. Dentre os doutrinadores que defendem a redução da maioridade, alguns sustentam a imputabilidade a partir dos 16 anos, já outros, sustenta a imputabilidade a partir dos 14 anos. Sustenta a redução da maioridade penal como forma, inclusive, de aumentar a responsabilidade do jovem frente à ordem sócio-penal imposta, como previsto na Exposição de Motivos de nosso Código Penal Vicente SABINO JUNIOR. Para aqueles que defendem a redução os adolescentes infratores não recebem a punição devida. Acreditam que o Estatuto da Criança e do Adolescente é tolerante em relação aos infratores o que acaba não os intimidando9. O Deputado Benedito DOMINGOS, autor do Projeto de Emenda Constitucional n. 171/93, defende os argumentos dos doutrinadores referidos quais PEREIRA, Irandi. “Redução da idade de responsabilidade penal de adolescentes”. Adolescentes em Conflito com a Lei, Revista do ILANUD, [S.I.], n. 14, p. 33-35. 2001. p.34. 8 SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. p. 98. 9 SABINO JÚNIOR, Vicente. A Imputabilidade Criminal. Revista Trimestral de Jurisprudência, [S.I.], v. 61, p. 19-21. [2000?]. p. 20. 7 6 sejam: na capacidade de discernimento dos menores; em função das contradições legais; como fator de diminuição de criminalidade infanto-juvenil; em decorrência da ineficácia das medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente e como meio de conscientização do cumprimento do ordenamento jurídico pelos jovens na sociedade10. Tem-se a presunção de que com a evolução da sociedade, da educação, dos meios de comunicação e informação, o maior de 16 anos já não pode mais ser visto como inocente falta de entendimento pleno da conduta criminosa, que, talvez, no passado podia ser tida como verossímil na atualidade já não é mais. Entende-se que se já possui maturidade suficiente para votar, escolhendo seus representantes desde o Presidente da República ao Vereador do seu Município, se já pode constituir economia própria, se já pode casar, se já pode ter filhos, e não são raros os casos de pais adolescentes, por que será que ainda se acredita que ditos indivíduos não têm consciência que matar, estuprar, roubar, seqüestrar é errado?11 O deputado Marcelo Itagiba Afirma que: pessoalmente, acha razoável a tese segundo a qual o jovem de 16 anos deve ser responsabilizado criminalmente por seus atos, desde que, se condenados, cumpram suas penas em estabelecimentos distintos dos presídios até que completem 21 anos, quando deveriam então ser transferidos. Os jovens de 2007 não são iguais aos de 1940, quando foi sancionado o Código Penal que está em vigor. Será que o adolescente de 16 anos de hoje, com a facilidade de acesso aos meios de comunicação, pensa da mesma forma que o daquela época? E, se eles têm mais discernimento, não precisam ser punidos com mais rigor? pergunta o deputado”12. O adolescente do século XXI é mais informado e amadurece mais cedo. A televisão, a internet e outros meios de comunicação “invadem lares com suas informações e desinformações trazendo formação e deformação”. Os defensores da ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal, alegam que os meios de comunicação faz muito mais do que informar ditam e conduzem as 10 MILANEZ, Márcia Maria. A redução da Menoridade penal na Legislação Brasileira (ou maioridade penal). A Redução da Maioridade Penal - Revista do Conselho de Criminologia e Política Criminal – 1997. 11 SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. p.103. 12 DAMASCENO, Natanael; BERTA, Ruben; ARAÚJO, Vera. Relator dará parecer favorável à redução da maioridade penal. Disponível em: <http://www.abin.gov.br/modules/articles/article.php?id=1517>. Acesso em 10 fev. 2009. 7 condutas, influenciam nas crenças de uma criança sobre o mundo, dessa forma o adolescente tem informação e exemplos das condutas consideradas certas e erradas pela sociedade. Consideram que pelo desenvolvimento intelectual com acesso a informações, fica evidente que adolescentes de 16, 14 ou 12 anos de idade são capazes de compreender a natureza ilícita de determinados atos. Afirmam que até mesmo uma criança tem a capacidade de compreende que não pode matar13. Nesta mesma linha de pensamento entende o juiz de direito e prof. de pós-graduação Jesseir Coelho de ALCÂNTARA que: Hoje o jovem nessa faixa etária tem muito mais acesso a informação do que um adolescente de vinte ou trinta anos atrás. Um mancebo adentra a uma faculdade hoje bem mais novo. Freqüenta academias e possui um corpo atlético, sendo muita vezes bem mais forte fisicamente que um homem mais maduro. É cada bitelo! Nos dias atuais por todos esses fatores e muitas outras circunstâncias o jovem tem sua cabeça mais amadurecida. Com certeza, sabe o que faz. Precisa ser responsabilizado pela prática nefasta de atos considerados delituosos. E esse adolescente nos dias atuais pratica muitas atrocidades e atos infracionais, e por ser menor de 18 anos de idade não pode ser responsabilizado criminalmente. É um verdadeiro absurdo14. Outro argumento é de que o crime organizado se vale dessa inimputabilidade recrutando adolescentes para cometerem crimes, por saberem que as chances de punição são mínimas. Portanto reduzindo a maioridade para 16 anos reduziria o numero de adolescentes no crime organizado15. A linha principal do argumento é que cada vez mais adultos se servem de adolescente como longa manus de suas ações criminosas, e que isso impede a efetiva e eficaz ação policial. Outros retomam o argumento do discernimento, que o jovem pode votar aos 16 anos e que hoje tem acesso a um sem-números de informações que precipitam seus precoce amadurecimento, etc16. Os que defendem a ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal acreditam que o adolescente de 16 anos do ano de 2009 tem capacidade de discernimento, tem capacidade de entender e determinar-se diante deu um ato ilícito, portanto devem ser condenados caso cometam algum crime. Acreditam 13 Ibidem, p. 104. ALCÂNTARA, Jesseir Coelho de. Op. Cit. 15 JORGE, Éder. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3374>. Acesso em: 24 nov. 2008. 16 CAMPOS. Marcelo da. S; SOUZA. Luis. Op. Cit. p.239. 14 8 que os adolescentes infratores não recebem a punição devida, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito tolerante e não os intimida. Outro argumento é que se a legislação eleitoral considera o adolescente de 16 anos com discernimento para votar, esse mesmo adolescente tem idade suficiente para responder diante da Justiça comum por seus crimes17. Tal redução não seria considerada sinônimo de vingança, mas sim pelo aspecto contributivo e preventivo, pois se insere de forma positiva essa medida pelo combate à violência e a insegurança social, acreditam que inibiria o adolescente infrator de cometer crimes, pois seria punido com a pena correspondente ao delito cometido, proporcionando uma punição justa. 3 CORRENTE CONTRARIA E SEUS ARGUMENTOS Dos 48 deputados que integram a Comissão Especial de Políticas para a juventude a maioria é contraria a ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal, o parlamento afirma que as estatísticas mostram que os índices de criminalidade entre os jovens são baixos. A OAB, por meio da Comissão de Direitos Humanos, defende que a redução da maioridade penal não reduzirá a onda de violência que assola o País. Se refletir um pouco, chegará à seguinte opinião, que ao reduzir a capacidade de culpabilidade, os maiores que se aproveitam dessa capacidade de culpabilidade para usar menores de 18 anos em crimes, simplesmente iram reduzir a faixa etária também, passando assim a usar adolescentes mais jovens. Cezar BRITTO (presidente nacional da OAB), por exemplo, são contra: “Reduzir a idade penal é fugir do problema social da violência e da desorganização do Estado. Esse triste episódio nos mostrou o despreparo do Estado com relação à questão da segurança pública. O momento não é de acomodação, mas de ação”18. 17 SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. p.103. BRITO, Cezar. Redução da maioridade penal não reduzirá crime: diz presidente da OAB. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131625.shtml> Acesso em: 29 de ago. 200 18 9 Segundo Edgard Magalhães NORONHA, que foi Curador de Menores na Capital paulista e Diretor Geral do Departamento de Presídios “predomina hoje, entre os países, como regra, que o menor deve ficar fora do direito penal e que as leis que o tiverem por objeto, sejam de caráter tutelar”19. Ainda, Heleno Cláudio FRAGOSO nos ensina que: “a questão não é de imputabilidade, ou seja, de capacidade de culpa. Os menores estão fora do direito penal e não podem ser autores de fatos puníveis”20. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como proposta a melhoria da qualidade de vida, sobretudo desses pequenos cidadãos, que muitas vezes são vítimas quanto à sociedade em geral. Assim considera Saulo de Castro BEZERRA: Quando se fixou em 18 anos a maioridade, não se fez aleatoriamente, mas considerando o conjunto biopsíquico que integra o indivíduo. Na tentativa de satisfazer os anseios populares, nossos parlamentares, acabam por passar à Nação a falsa idéia de que reduzindo a idade penal haverá a diminuição dos índices de violência. Não consideram as reais causas que levam à delinqüência e elegem a medida como a única capaz de solucionar este enorme problema social que, direta ou indiretamente, a todos atingem. Ignoram também, que menos de 10% do total de crimes cometidos no Brasil são praticados por crianças e adolescentes, destes, mais de 90% dos casos referem-se a pequenos delitos contra o patrimônio, certamente empurrados pela miséria e pela exclusão social21. O que se esquece é que se o desenvolvimento humano não for harmônico e proporcional em todos os sentidos, ter-se-á o lado negativo desenvolvido em maior proporção ou intensidade. A violência e a criminalidade existem, e por que não garantir de uma vez por todas o fim da violência contra as crianças e adolescentes, acabando de vez com o alarmante índice de uma morte por homicídio, de menores de 18 anos, a cada 6 minutos em nosso país, ou mesmo o fim dos abusos sexuais e maustratos contra eles praticados, cujas notificações crescem exorbitantemente nos últimos anos, com inacreditáveis níveis de impunidade dos agressores. 19 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, parte geral, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965. pág. 171. 20 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Op. Cit. p. 204. BEZERRA, Saulo de Castro. Exclusão social e inimputabilidade penal. Disponível em:<http://www.drmaycon.hpg.ig.com.br/Doutrina/direito_da_crianca_e_do_adolescente/Exclusao_S ocial_e_a_Imputabilidade_Penal.htm>. Acesso em 12 set. 2006. 21 10 Pela falta de coragem de muitos em enfrentar o problema na sua raiz, é que propõem a ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal, pois busca encobrir as falhas dos poderes, das Instituições, da família e da sociedade, o que é lamentável, pois preferem atingir os mais fracos, crianças e adolescentes, que muitas vezes não têm, para socorrê-los, sequer o auxílio da família. Em uma sociedade que não se consegue controlar nem mesmo aqueles que já são perfeitamente imputáveis, reduzir a capacidade de culpabilidade penal é um desastre completo, um afronto ao direito e uma ofensa aos princípios constitucionais fundamentais e penais de garantia. São propostas refletidas nas reações emocionais e imediatas, decorrentes pela crise da segurança publica e com o aumento da criminalização.22 ao tratamento dado à criança e ao adolescente, o legislador constitucional foi enfático que as pessoas em desenvolvimento estão amparadas pelos direitos fundamentais atribuídos a qualquer nacional e, além destes, por aqueles expressamente arrolados nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal, superando qualquer dúvida sobre a proteção especial conferida aos futuros cidadãos brasileiros23. Um dos argumentos utilizados pela corrente favorável é o voto, afirmam que se o adolescente pode votar ele pode também ser responsabilizado penalmente e ir para a cadeia, porém os que argumentam esta meia verdade não levaram em consideração o fato de que o voto aos 16 anos é facultativo, enquanto que a imputabilidade é compulsória. A fixação de idade para exercer determinados atos da cidadania decorrem de decisão política não guardando relações entre si, tanto é que para exercer o direito eleitoral fixou-se os 16 anos com facultativos e fixou os 21 anos de idade para a maioridade civil, para praticar atos da vida civil24. O problema seria completamente diferente se nosso sistema carcerário fosse realmente recuperador e reintegrador do adolescente infrator a sociedade. Porém o que constatamos é que jovens que entram primários nos reformatórios e em cárceres saem 22 SANTOS, José Heitor dos. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Disponível em:.< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3580> Acesso em: 12 abr. 2009. 23 KIST KIST, Dario José, MOLIN, Angela. A Inconstitucionalidade da Redução da Maioridade Penal Ciência e Conhecimento. Revista eletrônica da ulbra são jerônimo. v. 02, a.5, p. 10-18. 2007. p. 11. 24 SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. 103. 11 dali e após algum tempo voltam com mais crimes em suas costas. Contudo, compreende-se que a redução da capacidade de culpabilidade penal apenas empurrará adolescentes já com seu psíquico e equilíbrio emocional fragilizado ao um caminho sem volta. Ainda a redução apenas tratara dos efeitos, sem atacar as reais causas que levaram adolescentes a praticarem infrações ou crimes mais graves, como a falta de oportunidade à educação, o desemprego e a falta de estrutura familiar25. Reduzir a idade da maioridade penal com a finalidade de redução da criminalidade é, no mínimo, não se aprofundar nesta questão com a seriedade que ela apresenta. Ao contrário do que muitos defendem, a Lei nº 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – é rígida e impõe ao menor infrator penas duras, como a internação de até três anos. Alguns falarão que é pouco. Com certeza, essas pessoas não conhecem ou nunca entraram em uma carceragem. Não tem a menor noção do que é a privação da liberdade, mesmo que por alguns minutos26. Conclui que se aplicado corretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma meio eficaz de combater a criminalização da criança e do adolescente, se as verbas destinadas às instituições de atendimento ao adolescente infrator forem corretamente aplicadas, com treinamento de pessoas qualificando-as para o atendimento apropriado, os adolescentes terão maiores condições de reintegração à sociedade. Ampliando a capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal não ira inibir a pratica de crimes, pois se isso já ficou evidente em relação aos adultos, ninguém deixa de cometer crime por existir a possibilidade de ser preso. Podemos ainda citar como exemplo a lei de crimes hediondos que não a baixou a criminalidade. “O que diminuirá a criminalidade não é a edição de leis severas, mas, sim, a certeza da punição. Por esses motivos, somos contrários à redução da maioridade penal”27. Ainda a subsecretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente Carmem Oliveira alfineta: O endurecimento das medidas não reduz a criminalidade juvenil. A experiência americana de redução da maioridade só fez aumentar a população carcerária. É algo que favorece a carreira 25 Idem, passim. LIMA, José Luis Oliveira; DIAS, Marina. Proposta eleitoreira e inócua. Disponível em: <http://www2.oabsp.org.br/asp/jornal/materias.asp?edicao=55&pagina=1163&tds=7&sub=0&sub2=0 &pgNovo=67>. Acesso em 12 jan. 2009. 27 Idem. 26 12 criminosa e aumenta a reincidência. Gostaria que alguém me fizesse rever a tese que defendo, de manutenção da idade penal em 18 anos, mas não há dados que comprovem que o contrário funciona. Lanço esse desafio28. É inocência acreditar que a ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal seria a solução do problema. Alguns dos defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente e oposicionistas a redução da maioridade acreditam que se respeitado, aplicado e seguido com rigor as suas sanções o Estatuto da Criança e do Adolescente seria capaz de coibir a marginalidade juvenil. É preciso busca formas de ressocializar o adolescente infrator, tratá-los com dignidade e havendo um reforma etária penal, estaremos condenando nossos adolescentes jogando-os em penitenciarias e saindo dela piores do que entraram, pois a prisão no Brasil não promove ressocialização do preso. “Só o tratamento, a educação, a prevenção são capazes de diminuir a delinqüência juvenil. Para combater a que já existe, o que se pode afirmar é que a segregação não recupera, ao contrário, degenera. Rigor não gera eficácia, mas desespero, revolta e reincidência. E isso é justamente o que não se espera para os nossos jovens”29, o problemas da educação são complexos pois não existem resultados imediatos ou soluções rápidas, justificando assim a necessidade de estudos, formulações de projetos sociais e educacionais para crianças e adolescentes excluídos e marginalizados. 4 POSSIBILIDADES DE UMA JUSTIÇA RESTAURATIVA A alteração da legislação, ampliando a capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal não atenderá ao problema da criminalização juvenil, pois ela apenas daria uma sensação de solução. "Se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles só teria um significado: iríamos mais cedo prepará-los para integrarem o crime organizado"30. 28 DAMASCENO, Natanael; BERTA, Ruben; ARAÚJO, Vera. Op. Cit. OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. Op. Cit. 30 GOMES, Luiz Flávio. "Preservar o ECA, mas com razoabilidade". Folha de São Paulo, São Paulo, 15 nov. 2003. p.16. 29 13 É pensando exatamente ao contrario que muito se valem do Estatuto Criança e do Adolescente para implementar suas normas e buscar uma justiça restaurativa e retributiva. Visando ao cumprimento do art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente particularmente no que dispõem sobre o tratamento “psicológico” de adolescentes, “alcoólatras e toxicômanos”, “em regime hospitalar ou ambulatorial”, a Vara da Infância e da Juventude do 2º Oficio, da comarca DE Curitiba no Paraná determinada pelo Juiz de Menores encaminha os adolescentes para tratamentos psicológicos. Eram atendidos no CET, Centro de Estudos Toxicomanias em regime ambulatorial e no CRENVI, Casa de recuperação Nova Vida/Curitiba, instituição conveniada com a UFPR/CET especializada no tratamento de dependentes químicos em regime de internação. Realizados os seguintes tratamentos: “psicoterapia de grupo de adolescentes de inspiração analítica no CET e no CRENVI; atendimentos individuais de adolescente para orientação profissional no CET; e grupo de orientação a pais dos adolescentes atendidos no CET”31. Observou-se que mesmo adolescentes que reclamavam da obrigatoriedade por determinação judicial ao tratamento, reagiam de forma positiva diante da proposta, ou seja, os adolescentes eram assíduos, estabeleciam um vínculo com seu terapeuta e apresentavam melhoras referentes a sua reintegração social, relacionando com seus pais e evidente progresso no estudo e no trabalho. O paciente chega com o propósito de cumprir uma medida legal sem a concepção de “cura”, e o juiz fica informado de eventuais faltas o que acarreta uma intervenção legal, para que continue com o tratamento, impõem limites reais mesmo com adolescente que cometem atos infracionais, porém seria um tratamento adequado ao perfil psicológico do adolescente em conflito com a lei32. Vê-se que a literatura confirma que a demanda de tratamento, no caso do adolescente em conflito com a Lei, seja um infrator, ou um usuário de droga, existe enquanto demanda de uma lei real. Foi possível reencontrar esta mesma idéia também na clinica realizada no CET, 31 GOMES, Maira Marchi; GUIMARÃES, Maria Augusta de Mendonça; BENTO; Victor Eduardo. Da Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente a uma Psicanálise do Adolescente em Conflito com a Lei. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre, a. 7, n. 24, p. 81-104, jan/mar. 2007. p. 82. 32 Ibidem, p. 84. 14 quando, por exemplo, um adolescente, que faltava às sessões iniciais, sempre ligando pouco tempo antes do horário das mesmas, apresentando as mais diversas justificativas (...) passou a nunca mais faltar nas sessões quando, em um destes telefonemas que fazia para justificar sua falta, foram-lhe retomadas todas as suas justificativas, com o intuito de demonstrar-lhe que nenhuma delas justificava realmente suas ausências e, então, que haveria um outro motivo para não estar comparecendo às sessões. Ele respondia que não havia motivo algum. Foi-lhe então lembrado que suas presenças e ausências no tratamento eram informadas ao juiz, o que o fez passar a freqüentar as sessões. Parecia assim estar buscando este limite, esta lei real. Meses depois ele confirmou literalmente esta hipótese, pois afirmou nos seus atendimentos que havia passado a vir às sessões após o mencionado telefonema. Interessante que, além do impecável comparecimento às sessões grupais que começou a ter, foi a partir deste “ato analítico” que ele passou também a comparecer às sessões individuais, onde apresentava um progresso admirável33. Portanto pode-se pensar na obrigatoriedade de um tratamento psicológico para os adolescentes em conflito com a lei, pois essa imposição fornece limites que muitas vezes deveriam ser dados pela função paterna, porém são indiretamente impostas pelos terapeutas, alcançando resultados significativos. Pois inconscientemente seus atos muitas vezes se apresentam como um pedido por lei real34. A justiça restaurativa apresenta-se como um modelo de justiça alternativo passa, portanto por uma discussão entre o individuo e a sociedade. É uma nova forma de abordar a justiça penal, enfocando a reparação do dano causado, países que adotaram o modo institucional a justiça restaurativa apontaram eficácia no trato com os adolescentes infratores. Assim colocam-se os princípios e práticas da justiça restaurativa como estratégia eficaz de envolvimento participativo das crianças, adolescentes, bem como suas famílias e comunidades, na resolução de situações de conflito, bem como de promoção de direitos35. Para Pedro SCURO NETO. A Justiça Restaurativa introduz uma nova forma de encarar conflitos, violência e criminalidade, não como desgraças, mas como oportunidades de mudanças positivas em benefício de todos. A JR é um modo de transformação que requer mecanismos de reparação de danos e reconstrução de relações humanas. Esse mecanismos são próprios para lidar, ao mesmo tempo, com as regras impessoais do sistema legal e os sentimentos elementares que afloram na interação dos indivíduos, nos quais se baseiam as percepções do senso comum acerca de justiça36. 33 Ibidem, p. 86. Ibidem, p. 89. 35 Idem. 36 SCURO NETO, Pedro. Modelo de Justiça para o Século XXI. Disponível em: < http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/PEDRO+SCURO+JUSTI%C7A+XXI.PDF>. Acesso em: 10 jan. 2009. 34 15 A justiça restaurativa busca promover a mediação da vítima e infrator como a inclusão do adolescente infrator à comunidade, buscando responsabilizar o autor do ato infracional, oferecendo apoio necessário a sua recuperação, resgata-se a importância de valores que foram perdidos na pratica do ato infracional ou aqueles que nunca foram impostos aquele infrator por não ter tido uma família estruturada com exemplo de condutas como a participação, respeito, honestidade, humildade, responsabilidade, esperança dentre outros. Para Damásio de JESUS a justiça restaurativa é “processo colaborativo que envolve aqueles afetados mais diretamente por um crime, chamados de „partes interessadas principais‟, para determinar qual a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão”37. A Justiça Restaurativa define uma nova abordagem para a questão do crime e das transgressões que possibilita um referencial paradigmático na humanização e pacificação das relações sociais envolvidas num conflito. Como a questão da violência e da criminalidade está, em regra, associada a relações conflitivas que evoluem de forma descontrolada, as denominadas práticas restaurativas – soluções de composição informal de conflitos inspiradas nos princípios da Justiça Restaurativa – tem passado a representar uma poderosa ferramenta de implementação da cultura de paz em termos concretos38. O Estatuto da Criança e do Adolescente influenciadas pelas modernas concepções de Direitos Humanos é o melhor exemplo para implantação da justiça restaurativa, pois as melhores experiências deste modelo surgiram nas Varas de menores expandindo para justiça comum. Pois o Estatuto da Criança e do Adolescente possui caráter sancionatório ou retributivo, ou seja, com a quebra a regra de convivência seja por ação ou por omissão pelo adolescente infrator tem cunho sancionatório, já ela pode ser considerada medida de natureza retributiva na situação em que é uma resposta do Estado ao ato infracional39. 37 JESUS, Damásio E. de. Justiça Restaurativa no Brasil. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7359>. Acesso em: 21 abr. 2009. 38 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça restaurativa: a cultura de paz na prática da justiça. Disponível em <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/VIS%C3O+GERAL+JR_0.HTM>. Acesso em: 10 jan. 2009. 39 RUDNCK, Dani; BUARQUE, Wanessa. Restrição de liberdade no sistema penal e o “tratamento” de adolescentes. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre, a. 7, n. 24, p. 137-151, jan/mar. 2007. p. 145. 16 Abordagem como o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator o CIAADI, tem sido significativa com resultados positivos na promoção e defesa dos direitos individuais fundamentais dos adolescentes em conflito com a lei. Com o intuito de contemplar de forma ampla assegurando os direitos e interesses do adolescente em conflito com a lei. Podemos encontrar neste Centro “além de Juízo de Direito da Vara de Adolescentes Infratores como também Ministério Público do estado do Paraná, a Polícia Civil e a militar, Equipes técnicas multidisciplinares do Juízo de Direito e o Serviço Estadual de Assistência Social, composto uma equipe técnica, educadores e outros servidores”40. Podemos encontrar também programa não governamental, empresas, igrejas, centros comunitários e prefeituras que vêm realizando um trabalho incansável, que ajudam a amenizar o problema dos adolescentes dentre eles esta: o Projeto Axé considerado modelo em todo o mundo, tem sua sede em Salvado Bahia, em oito anos retiraram das ruas mais de 4 mil, esse programa oferece atividades como alfabetização, dança, música, moda, atividades circenses e cursos, além das ações nas ruas o projeto reintegra criança e o adolescente às sua famílias. “O Projeto Axé foi pensado como um espaço educativo para os filhos e as filhas da exclusão, sobretudo aqueles já em condição existencial de rua. Por isso o Axé, através da figura do educador de rua, estimula permanentemente os jovens a construírem um projeto de vida novo e renovador, onde estes passam a si reconhecer não apenas como Sujeitos de Direto, mas também, Sujeitos de Desejo” 41. Exemplo como esse pode se considerar uma fórmula de assistência social bem sucedida, pois envolvem a criança e o adolescente, a família, a sociedade e o Governo. Diante disso a justiça restaurativa nos desafia a dar novo significado aos valores fundamentais que condicionam ao enfrentamento da violência e da criminalidade com praticas atuais de justiça. O paradigma de justiça restaurativa nos leva ao conceito de democracia com o intuito de pacificação mediando conflitos, com 40 RAMIDOFF, Mário. Vara de Adolescentes Infratores. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre, a. 4, n. 20, p. 137-143, 2005. p. 137. 41 PROJETO AXÉ. Quem somos. Disponível em: <http://www.projetoaxe.org.br/quemsomos.php>. acesso em: 19 mar. 2009. 17 resultado significantes na aplicação efetiva e concreta do Estatuto da Criança e do Adolescente. CONCLUSÃO A discussão acerca da ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal vem sendo debatida à décadas, porém o assunto aflora toda vez que a mídia expõem o envolvimento de adolescentes em crimes hediondos, com locomoção nacional, formando opinião equivocada sem baseamento jurídico muito pertinente a posição da Ministra Ellen Gracie neste momento: “essa discussão sempre retorna cada vez que acontece um crime como esse terrível. Não sei se é a solução. A solução certamente vem também com essa agilização dos procedimentos, com uma justiça penal mais ágil, mais rápida, com a aplicação de penalidades adequadas, inclusive para os menores infratores. A redução da idade penal não é solução para a criminalidade no Brasil”42. Não basta a Constituição federal ou lei especifica como o Estatuto da Criança e do Adolescente regular direitos e políticas sociais as crianças e aos adolescentes se não são aplicadas com o devido respeito. Talvez se as políticas públicas de prevenção fossem implementadas e o problema fosse resolvido na sua origem, possivelmente teríamos uma grande diminuição na criminalização. A delinqüência juvenil sempre teve ligação com a marginalidade social, embora existam outros fatores que determinam a criminalização. Contudo a injusta distribuição de renda, a não implementação de políticas públicas básicas que decorrem a miséria e a desagregação da família são as principais causa da delinqüência juvenil. Lindomar Wessler BONETI entende que: A violência no Brasil, em especial a violência urbana, se constitui de um processo social originando nos meandros do caráter das políticas sociais instituídas historicamente. (...) a formação do Estado brasileiro se deu, e ainda continua sendo, de forma a atender os interesses das classes dominantes. Neste sentido o “modelo” de políticas sociais 42 BRÍGIDO, Carolina. Ellen Gracie é contra a diminuição da maioridade penal. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/02/09/294518163.asp>. Acesso em: 20 fev. 2009. 18 implementado pelo Estado brasileiro, vinculado ã legislação trabalhista, ao emprego formal, privilegiou mais o caráter de preparação e formação do mercado de trabalho que o próprio controle social. Isto significa dizer que, no caso brasileiro, o Estado instituiu um mecanismo de controle social utilizando-se como meio o vinculo produtivo formal. Com o aumento da informalidade, proporcionado pela soma de certos fatores, como o aumento vegetativo da população na utilização de mão-de-obra, o Estado foi perdendo o controle do social dando origem a um processo de desajustes sociais, expondo a população à vulnerabilidade. Isto explica a ausência do Estado, em termos de políticas sociais e de ações repressivas, nas áreas de maior incidência de violência urbana, onde a maioria da população não dispõe de qualquer vínculo institucional43. Dessa forma a responsabilidade de oferecer melhores condições de vida a criança e ao adolescente nasce do dever estatal, juntamente com o dever dos pais e da sociedade. A simples ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal apenas resolverá o problema paliativamente, estaríamos encaminhando milhares de adolescentes infratores à penitenciarias superlotadas, sem nenhuma expectativa de reeducação, ressocialização e muito mesmo de restauração, estaríamos sim condenando-os a saírem muito pior do que entraram. Reformar a Constituição Federal para reduzir a idade de imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso, um desserviço, um verdadeiro atentado. A criminalidade juvenil crescente há de ser combatida em sua origem - a miséria e a deseducação. Não será jogando jovens de 16 anos no falido sistema penitenciário que se poderá recuperá-los. Mesmo aqueles de difícil prognóstico recuperatório a sociedade tem o dever de investir, máxime porque a porcentagem daqueles que se emendam - dentro de uma correta execução da medida que foi aplicada - faz-se muito maior e justifica plenamente o esforço. Não for pensado assim, amanhã estar-se-á questionando a redução da idade de imputabilidade penal para doze anos, e depois para menos...44. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem caráter sócio-educador e sancionador além de fornecer uma justiça restaurativa, pois estabelece ao adolescente infrator medidas sócio-educativas e o cumprimento delas possibilitam o resgate da cidadania determinando a inclusão do adolescente no convívio social. Deve ser aplicado o Estatuto regulamente a fim de respeitar direitos básicos da criança e do adolescente. “Os programas de Execução de medidas sócio-educativas deveriam ter propostas de atuação claras, registradas, no sentido garantista e, se houver demanda, da 43 RODRIGUES, Marcela Marinho. Desafios para a realização da avaliação fidedigna dos programas sociais. Revista Igualdade, Curitiba, v. ii, n. xliii, a. xiv, p.50-69. 2008. p. 63. 44 SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. p. 106. 19 autonomia. Mas acabam funcionando conforme a compreensão dos dirigentes ou dos profissionais envolvidos na sua execução, na mais ampla discricionariedade, intolerável democraticamente”45. O que se evidência é que a proposta de ampliação da capacidade de culpabilidade pela redução da maioridade penal é uma alternativa de isenção do Estado do compromisso com a construção das políticas públicas educacionais e de atenção e proteção dos direitos da criança e do adolescente. Aires Britto afirma que “nós estaríamos como que renunciando a uma política estrutural de assistência aos adolescentes, resolvendo o problema de maneira mais fácil possível, mecânica e cômoda, pela simples redução da idade penal. Não é por ai”46. 45 46 ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit. p. 229. Idem. 20 REFERENCIAS ALCÂNTARA, Jesseir Coelho de. Maioridade penal: cada adolescente bitelo!. Disponível em: <http://www.dm.com.br/materias/show/t/maioridade_penal_cada_adolescente_bitelo>. Acesso em: 10 jan. 2009. BEZERRA, Saulo de Castro. Exclusão social e inimputabilidade penal. Disponível em:<http://www.drmaycon.hpg.ig.com.br/Doutrina/direito_da_crianca_e_do_adolesce nte/Exclusao_Social_e_a_Imputabilidade_Penal.htm>. Acesso em 12 set. 2006. BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça restaurativa: a cultura de paz na prática da justiça. Disponível em <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/VIS%C3O+GERAL+JR_0.HTM >. Acesso em: 10 jan. 2009. BRÍGIDO, Carolina. Ellen Gracie é contra a diminuição da maioridade penal. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/02/09/294518163.asp>. Acesso em: 20 fev. 2009. BRITO, Cezar. Redução da maioridade penal não reduzirá crime: diz presidente da OAB. 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