REFLEXÕES SOBRE INTERNETÊS – DIALETO DA LÍNGUA ESCRITA
Lucinéia Ramos1
PG/UEMS
Adriana Lúcia Escobar Chaves de Barros2
UEMS
Resumo
O presente artigo traz algumas reflexões sobre o dialeto da língua escrita conhecido entre os internautas e
por especialistas como internetês. A consolidação de abreviações, o desrespeito às regras gramaticais e a
invenção de novas palavras - e dessa nova grafia - são justificadas pela necessidade de, aproximar os
interlocutores do ciberespaço com uma linguagem coloquial, otimizar o tempo e valorizar o custo da
navegação no mundo virtual. Com intertítulos sobre questionamentos polêmicos, 20 anos, depois do advento
da internet no Brasil, o presente trabalho questiona e apresenta possíveis soluções para o impasse entre
especialistas que se posicionam contra ou a favor dessa variação da escrita padrão e suas normas,
previamente, estabelecidas.
Palavras-chave: internetês, norma padrão, variante, abreviações, variação, língua escrita.
Introdução
Analisar as questões atuais da variedade linguística usada por usuários da internet é a motivação
deste artigo. A conexão com pessoas do mundo inteiro, de forma rápida no ciberespaço fez com que surgisse
uma nova modalidade de uso da língua padrão – novidade questionada pelos linguistas, jornalistas e
professores de português. Com a globalização alguns especialistas afirmavam que o português culto, ou seja,
o idioma padrão poderia sofrer influências negativas da rede de conexão mundial. Com o tempo, percebeu-se
mudanças consideráveis nos aplicativos dos computadores que antes, ocultavam os acentos gráficos, e que
1
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul E-mail: [email protected],
Texto apresentado como requisito para a avaliação à disciplina Sociolinguística: a diversidade linguística no Português do Brasil
pela Profa. Dra. Adriana Chaves.
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agora, permitem essa grafologia para ser mais fiel ao idioma dos internautas, independente, da
região/estado/país onde se localizam. A pergunta que fica no ar é: até que ponto, no Brasil, essa nova
variante linguística é positiva ou negativa e como influência no domínio da língua padrão?
A internet chegou ao Brasil em 1995, em 20 anos aconteceram muitas transformações: softwares
mais acessíveis, aplicativos digitais e a evolução constante dos computadores (transportados na palma da
mão). Também houve a evolução do internetês que, usava a língua escrita para expressar sentimentos como
o choro (buáááááá), agora usa recursos como emoticons para revelar as emoções reais, entre os
interlocutores.
Internetês a a Língua Padrão
Uso e domínio da Língua Padrão por internautas
Nas escolas, uma das principais preocupações com o ensino da língua portuguesa é a aprendizagem
do idioma padrão, na modalidade escrita. Cagliari (1992) afirma que, “há mais preocupação com a
aparência escrita do que com o que ela realmente faz e representa.” No entanto, se a norma culta veio
consolidar a união das variantes linguísticas (ou regionalismo) para facilitar a comunicação entre os falantes
de uma mesma língua padrão, como considerar preconceito linguístico a exigência do uso correto desse
mesmo idioma por parte dos internautas?
É verdade que o mundo digital tem características próprias como rapidez, simultaneidade, tempo e
valor pago por minuto de conexão, aspectos que exigiram abreviações por parte dos internautas. A palavra
você foi substituída por vc, porque por pq, de por d, não por ñ, casa por kz, também por tbém, beijo por bj,...
e assim acontece com muitas outras palavras e preposições. Algumas dessas abreviações já foram e, em
alguns casos, ainda são muito usadas pelos jornalistas – a taquigrafia foi uma forma encontrada por esses
profissionais para fazer anotações sem perder dados e informações importantes para uma reportagem. No
entanto, vale lembrar que eles possuíam o domínio da língua padrão.
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Também houve o surgimento de novas palavras e verbos – deletar é um exemplo, no português
anterior ao advento dos computadores, as pessoas apagavam e/ou excluíam. Hoje usuários da rede deletam
informações e pessoas com as quais estão conectados.
É possível perceber que não só a língua falada passa por transformações. A escrita também é
dinâmica mas, as mudanças desta, são mais lentas e exigem estudo de especialistas. Isso aconteceu,
recentemente, com a nova gramática portuguesa, linguistas de vários países se reuniram para realizar as
modificações necessárias.
No mundo virtual, o internauta consolida as próprias modificações da língua escrita, para adequar as
suas necessidades, no instante em que navega pelo ciberespaço, sem preocupar-se com as regras gramaticais
da norma culta.
Internet - influência positiva e negativa na língua padrão
Segundo Gilmar Grespan, em sua dissertação de pós-graduação (O uso da língua portuguesa –
1998), a língua falada não exige, dos interlocutores, a preocupação com as regras gramaticais, uma vez que,
o texto falado é criado no momento da conversação. O mesmo não acontece com a língua escrita que precisa
de conhecimento e cuidado na elaboração. Com os internautas o que se pretende é aproximar a escrita da
conversação oral (como se a pessoa de fato, estivesse ao lado). A problemática surge quando crianças e
adolescentes, ainda em formação e sem conhecimento da norma culta, passam a usar as abreviações da
internet na hora de escrever uma redação ou um conteúdo que, exige o mínimo domínio da língua padrão.
Adultos que não dominam esse idioma estabelecido como oficial no país, também podem confundir
as abreviações com a grafia correta das palavras e, com isso, passar por experiências nada positivas. Numa
sala de redação, de um curso gratuito oferecido por uma profissional de comunicação na cidade de Campo
Grande, um senhor fez um texto com muitas abreviações usadas nas redes sociais e, só então, compreendeu
que isso o prejudicou num concurso, no qual tirou nota inferior a cinco no texto escrito, embora tenha se
saído foi muito bem nas matérias de ciências exatas.
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O uso indevido da variação estabelecida pelos internautas pode prejudicar o dia-a-dia de quem
precisa ter o mínimo domínio da língua padrão pois, ela vai determinar a capacidade de adequação a
comunidade de fala ou a determinada situação. Outro ponto em questão são os corretores automáticos
disponíveis nos aparelhos móveis. Ao mesmo tempo em que permite modifica, automaticamente, a palavra
errada, distrai o internauta uma vez que, este, pode não verificar a grafia corrigida pelos programas
instalados nos computadores.
A influência positiva da internet está na divulgação da norma culta para o maior número de pessoas.
Se por um lado, quem não domina a língua padrão tem dificuldade de ler e entender um texto com as
principais regras da norma culta, por outro, pode buscar nessa mesma ferramenta, informações sobre a grafia
correta das palavras, as conjugações verbais, o uso adequado dos pronomes e tirar outras dúvidas pertinentes
ao idioma em questão.
Outra vantagem de quem navega no ciberespaço é a possibilidade de acesso fácil e rápido aos
livros. A leitura de diversos títulos contribui e muito, para o aprendizado da norma padrão, uma vez que as
regras gramaticais são lidas e absorvidas pelo cérebro leitor, facilitando o reconhecimento da língua oficial
do país.
Livre acesso à internet e domínio da norma culta
Na sala de aula, os professores podem exigir dos alunos o uso correto do idioma oficial no discurso
oral, já que os estudantes utilizam, no dia-a-dia, o vernáculo que aprenderam em suas comunidades de fala,
onde a variante linguística é predominante. No Brasil, quem vai ao colégio, deveria sair do ensino
fundamental e médio dominando o idioma oficial brasileiro. No entanto, as notas das redações do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) realizadas pelo Ministério da Educação (MEC) em 2014 evidenciam o
desconhecimento da norma padrão, por parte dos estudantes que, nos textos escritos, mostraram falta de
habilidade em leitura e pouco ou nenhum domínio da língua portuguesa. Muitos não entenderam o tema
abordado, outros cometeram erros gramaticais gravíssimos. Fato que gerou polêmica entre linguistas,
professores, estudiosos, pais e a sociedade em geral.
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Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), sobre a edição 2014
do referido exame comprovou, numericamente, essa deficiência: 529.373 candidatos que tiraram a nota zero
na prova de redação, correspondente a 8,5% dos participantes. Dentre os que zeraram a redação 217.339
fugiram ao tema proposto; 13.039 copiaram textos motivadores da prova; 7.824 escreveram menos de sete
linhas e 4.444 não atenderam ao tipo textual solicitado. Na outra ponta, apenas 250 estudantes obtiveram a
nota máxima. Foram mais de seis milhões de inscritos, a maioria teve notas entre 300 e 600 na redação. Mais
de 1,1 milhão de candidatos tiveram notas entre 301 e 400. Outros 1,16 milhão obtiveram notas de 401 a
500. E 1,5 milhão de alunos conseguiram notas de 501 a 600 pontos.
Há ainda, o sistema que, para manter o valor definido de investimento por aluno, exige um
determinado índice de aprovação. Muitas escolas omitem dados reais e permitem a aprovação de alunos
despreparados às séries seguintes para garantir a manutenção da verba governamental. Como garantir o livre
acesso a internet e o domínio da norma culta? Ensinando as variantes linguísticas do país, discutindo o
internetês - dialeto da língua escrita - em sala de aula, mostrando as principais abreviações, ensinando as
regras gramaticais da língua culta e exigindo dos estudantes que façam o uso correto do idioma padrão no
ambiente escolar. Dessa forma, os estudantes aprenderão a adequar o uso da língua e da linguagem a
comunidade de fala.
Teresa Alves (2009), em sua pesquisa sobre o internetês e o ensino da Língua portuguesa, constatou
que não há problemas entre jovens internautas de 10 a 18 anos, na elaboração de textos que exigem o uso da
norma culta. Contudo, na pesquisa da sua monografia, ela ressaltou que, antes de pedir aos alunos da escola
municipal analisada, a elaboração de determinado gênero textual, reforçava a ideia de usar o português
ensinado na escola e não o dialeto usado na internet. Fato esse que, consolidou a importância da
conscientização dos estudantes quanto as variantes linguísticas da fala e da escrita, bem como, da adequação
ao meio. Contudo um questionamento sobre essa pesquisa pode colocar em cheque a influência do
pesquisador: se as informações sobre o internetês e a língua portuguesa tivessem sido ocultadas, na hora, de
elaborar o texto, o resultado seria o mesmo? Se em sala de aula, os professores já haviam conversado com os
alunos a respeito do uso correto da língua e da linguagem, porque repetir essas informações minutos antes da
comunicação escrita dos estudantes?
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O debate sobre o internetês é constante. Não há uma sistematização da língua usada pelos
internautas, a produção escrita é feita sem o cuidado exigido pelas normas estabelecidas. A criatividade da
comunicação impera. O importante para os navegantes do ciberespaço é a interação com o outro. Se a
preocupação é aproximar os interlocutores, vale afirmar que, existem variações regionais visíveis no mundo
virtual: no nordeste beijo é cheiro e o internauta desse lugar vai usar xeru. Já na região sudeste o beijo será bj
ou dependendo do estado, poderá ser Bjim, bjinhos, bjs. Assim como na comunicação oral, a comunicação
escrita é dinâmica e tem suas variantes também para os usuários da internet.
Mudanças No Dialeto Escrito
Gírias internetês
Assim como no mundo real, onde os jovens criam formas próprias para se comunicar, no mundo
virtual essa variação da língua pode ser percebida. Algumas palavras foram criadas para que adultos tenham
dificuldade de compreender a conversação estabelecida pela juventude. Um verbo criado e usado por jovens
adolescentes nas redes sociais é binganbar, que significa ato sexual, transar,... outra palavra comumente
usada pelos internautas é mexer; o mesmo que paquerar, namorar - esta palavra tem sinônimo no dialeto da
língua escrita do mundo virtual. Resenhar também significa paquerar, xavecar, ficar.
Sensualizar é entendido como fazer sucesso, chamar atenção. Milgrau significa exagerar. Shipo
quer dizer gostar muito, amar algo ou alguém. Sweg é o termo usado pra elogiar uma pessoa com estilo.
Esses neologismos da tecnologia são temporais e caem no desuso assim que, uma nova palavra surge pra
substituir a anterior, como acontece com a língua oral. Alguns termos se consolidam no dialeto escrito da
web como acontece no idioma oficial (língua escrita) – palavras usadas e consolidadas na comunidade de
fala podem ser agregadas ao dicionário.
No internetês, as mudanças na língua usada pelos navegadores do ciberespaço são mais rápidas, os
internautas tentam digitar com a mesma velocidade das tecnologias que se renovam diariamente. O
investimento em aplicativos e sites que, facilitam a vida dos internautas, é alto. Portanto, a necessidade de
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retorno é emergente e urgente. Dessa forma, o surgimento de elementos que reduzam a grafia usada no
mundo virtual, facilita o surgimento de variantes da língua escrita padronizada nas redes de computadores.
Variação linguística do internetês
Para tratar desse assunto é melhor exemplificar as mudanças na comunicação escrita dos
internautas, nos últimos 20 anos, desde o advento da internet no Brasil, em 1995.
1995
2005
2015
:-# beijo ou :-* beijo
smack
:'-( chorando
buáááááá
:-) feliz
flz
risos / gargallhadas
hihihihihi
TCDF ("tô chorando de
felicidade").
hahahahaha
naum (não)
ñ
ñ
cd (cadê)
kd
kd
Vixi (exclamação)
expressão de espanto
Vixi – mantém a grafia original
bjs
Kkkkkk ou rsrsrsr / shuauauua
ou ainda
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Putz (exclamação)
expressão de
indignação
putz! mantém a grafia original
Em alguns casos existem sinônimos internetês. A palavra choro é um exemplo, já foi escrita como
chuif, snif, buáááá e agora é usada com emoticons (carinhas com expressões demonstrando sentimentos dos
interlocutores). O advérbio de negação (Não) também sofreu variações, os internautas escreviam naum,
reduziram para ñ e ainda usam essa grafia. Algumas palavras sofreram poucas variações como cadê que há
mais de uma década é registrada pelas consoantes kd. No caso das exclamações, a intensidade é reforçada
pelo uso do ponto (!!!!!), nesse sentido os interlocutores entendem a profundidade do sentimento expressado.
A dinâmica da escrita na internet reforça a ideia de heterogeneidade também da língua escrita
consolidada pelos usuários da rede de computadores. Assim como a língua falada passa por transformações,
o internetês também muda – até porque se aproxima ao máximo da oralidade utilizando recursos da norma
padrão. Os internautas usam consoantes, suprimem vogais, criam verbos e neologismos, bem como recursos
visuais (emoticons) para dar veracidade a interlocução no ciberespaço.
Considerações Finais
A internet está consolidada como meio de comunicação mais utilizado no mundo. Dados da
Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que, atualmente, em todo o mundo, existem 3 bilhões e 200
milhões de pessoas com acesso a rede mundial de computadores. A maioria se conecta diariamente no
ciberespaço em busca de informações, notícias e pessoas. Esses números evidenciam que o internetês ou
netspeak (em inglês) é um dialeto usado em todos os idiomas. O fato é que em países desenvolvidos, onde a
maioria da população domina a norma culta não há prejuízos na escrita e, por consequência, na adequação da
língua a comunidade de fala. Cagliari (1992) afirma que no Reino Unido existem cinco idiomas oficiais e
inúmeros dialetos. Em seu texto diz:
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regionalmente as pessoas falam com sotaque local. Usando a variedade típica de sua região.
Contudo, quando não querem revelar suas origens, passam a usar o “sotaque da rainha”, ou
inglês padrão, sejam elas de que região forem ou pertençam elas a que classe social. Quando
um inglês ou escocês fala o inglês padrão, todos os seus valores de prestígio e desprestígio,
revelados pelo modo diferente de falar a língua, ficam de certo modo, neutralizados.
A afirmação de L.E. Cagliari sustenta a obrigatoriedade de ensinar a norma culta da língua padrão
para que o indivíduo possa adequar o uso do idioma oficial como lhe convier, de acordo com as suas
necessidades para que, num ambiente onde há a exigência da utilização das regras gramaticais estabelecidas,
não aconteça a exclusão social. No Brasil quem não entende a própria língua e suas variações têm
dificuldade de leitura e escrita, ficando a margem da sociedade esclarecida – considerada elitizada, burguesa
e dominante. Vale ressaltar que essa obrigatoriedade é de todos. A escola tem papel fundamental nesse
sentido, no entanto, cada cidadão pode contribuir para a diminuição dos analfabetos funcionais,
principalmente, se estiver engajado numa Organização Não Governamental ou, num projeto social de
liderança comunitária.
O importante é ter consciência que o internetês pode influenciar de forma negativa pessoas que
usam o dialeto da língua escrita constantemente, sem o domínio da norma padrão porque pode carregar
consigo as abreviações e neologismos usados na internet para textos que, obrigatoriamente, devem ser
produzidos com a norma culta, ou língua padrão.
Referências Bibliográficas
Cagliari, L.E., Alfabetização e linguística, São Paulo, Scipione, 1992 5.ed.
Alves, Teresa C., O internetês e o ensino de língua portuguesa: uma reflexão sociolinguística, João Pessoa –
PB, 2009.
Grespan, Gilmar, O uso da Língua Portuguesa escrita em tempo real na Internet , Pereira Barreto – SP, 1998.
Silva, Marcelo A., Língua portuguesa na Internet: o caso das abreviações em salas de bate papo, Rio de
Janeiro, 2000.
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Referências virtuais:
www.onu.org.br
www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Pages/publications/mis2014.
www.inep.gov.br
http://www.ebc.com.br/educacao/2015
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