SOBRE O DESEJO CONSTANTE
Acredito que a constância seja a qualidade mais difícil de se
encontrar no homem, e a mais fácil a instabilidade. Montaigne.
No Livro dos Médiuns, no capítulo que fala das evocações, lemos o seguinte:
Pergunta: “As evocações em dias e horas fixos são preferíveis?”
Resposta: “Sim, e se for possível no mesmo lugar: os Espíritos aí vêm de bom
grado; é o desejo constante que tendes que ajuda os Espíritos a vir colocar-se em
comunicação convosco.” 1
Refletindo sobre a condição que de nossa parte predispõe os Espíritos a virem se
comunicar conosco, buscamos compreender melhor o que significa um desejo constante.
Kardec usa as palavras com muita precisão, então elas devem ser, de nossa parte, bem
compreendidas.
Consultamos alguns dicionários e enciclopédias franceses do século XIX, e
encontramos vários significados para a palavra constant, escrita por Kardec na resposta
acima citada. Descobrimos nas fontes consultadas que essa palavra, com pequenas
variações, significa: dar prova de firmeza de alma; ser corajoso, inabalável, assíduo,
firme; ser constante em suas afeições, na busca de um objetivo, etc.
A palavra constância, que é a característica do que é constante, significa força
moral pela qual se tem o império sobre si mesmo. Um homem constante na adversidade é
aquele que a adversidade não altera e que a suporta sem se deixar perturbar.” 2
São contrários à constância: a inconstância, a instabilidade, a variabilidade.
Se termos um desejo constante significa tudo isso, não é de admirar que muitas
vezes os bons Espíritos não atendam ao nosso chamado.
Na Introdução ao estudo da Doutrina Espírita, Kardec diz o seguinte:
“Quem quer adquirir uma ciência tem que fazer dela um estudo metódico, começar
pelo princípio e seguir o encadeamento e o desenvolvimento das ideias. Estará mais
avançado aquele que, ao acaso, dirigir a um cientista perguntas acerca de uma ciência
cujas primeiras palavras ignore? Poderá o próprio cientista, por maior que seja a sua boavontade, dar-lhe resposta satisfatória? Essa resposta isolada será forçosamente
incompleta, e quase sempre, por isso mesmo, ininteligível, ou parecerá absurda e
contraditória. É exatamente o que ocorre nas relações que estabelecemos com os
Espíritos. Se quisermos com eles nos instruir, com eles precisamos fazer um curso; mas,
como entre nós, é preciso escolher seus professores e trabalhar com assiduidade.”
(...) “Se quereis respostas sérias, sede sérios na mais ampla acepção do termo, e
colocai-vos em todas as condições reclamadas: só então obtereis grandes coisas; sede,
além do mais, laboriosos e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os Espíritos
superiores vos abandonam, como faz um professor com seus alunos negligentes.” 3
Aqui Kardec aponta a necessidade de mais algumas condições a serem atendidas
por aquele que deseje se instruir com os Espíritos superiores: ser laborioso, isto é,
trabalhador, ativo, esforçado; contrário de fácil, inativo, ocioso, preguiçoso. Ser
perseverante; embora a perseverança seja considerada sinônimo de constância, parece
que há uma diferença. Pelas definições de constância que vimos, essa virtude consiste na
superação de todas as dificuldades, inclusive a de dominar-se a si mesmo, enquanto a
perseverança consiste em superar as dificuldades provenientes de um prolongamento no
tempo, como percebemos nesta observação de Kardec:
1
Livro dos Médiuns, item 282, 16a.
Dicionários e enciclopédias franceses consultados: Littré, Le Pertit Robert, Nouveau Dictionnaire
Universel. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
3
Livro dos Espíritos, Introdução, VIII.
2
“Por isso é que dizemos que estes estudos requerem atenção demorada,
observação profunda e, sobretudo, como aliás o exigem todas as ciências humanas,
continuidade e perseverança. Anos são precisos para formar-se um médico medíocre e
três quartas partes da vida para chegar-se a ser um cientista. Como pretender-se em
algumas horas adquirir a ciência do infinito? Ninguém, pois, se iluda: o estudo do
Espiritismo é imenso; interessa a todas as questões da metafísica e da ordem social; é
todo um mundo que se abre diante de nós. Será de admirar que o efetuá-lo demande
tempo, muito tempo mesmo?” 4
Comunicações instrutivas segundo Allan Kardec
“As comunicações instrutivas são as comunicações sérias que têm por objeto
principal um ensinamento qualquer, dado pelos Espíritos, sobre as ciências, a moral, a
filosofia, etc. São mais ou menos profundas, conforme o grau de elevação e de
desmaterialização do Espírito. Para retirar dessas comunicações um fruto real, é preciso
que elas sejam regulares, e continuadas com perseverança. Os Espíritos sérios se ligam
aos que querem se instruir e lhes secundam os esforços, enquanto deixam aos Espíritos
levianos o cuidado de divertirem os que em tais manifestações só veem uma distração
passageira. Unicamente pela regularidade e frequência dessas comunicações se pode
apreciar o valor moral e intelectual dos Espíritos que as dão e a confiança que eles
merecem. Se é preciso experiência para julgar os homens, talvez ela seja ainda mais
necessária para julgar os Espíritos.
Qualificando de instrutivas as comunicações, supomo-las verdadeiras, pois o que
não for verdadeiro não pode ser instrutivo, ainda que dito na mais imponente linguagem.
Nessa categoria, não podemos, conseguintemente, incluir certos ensinos que de sério
apenas têm a forma, muitas vezes empolada e enfática, com que os Espíritos que os
ditam, mais presunçosos do que instruídos, esperam iludir. Mas, não podendo suprir o
fundo que lhes falta, são incapazes de sustentar por muito tempo seu papel; cedo eles se
traem, pondo a nu seu lado fraco, por pouco que suas comunicações tenham sequência,
ou que se saiba levá-los aos seus últimos redutos.” 5
Vendo o Espiritismo como ciência prestaremos mais atenção nas leis que regem as
comunicações entre Espíritos e homens, e não esperaremos nenhuma parcialidade,
nenhum protecionismo por parte dos bons Espíritos; se não atendermos as condições que
essas mesmas leis estabelecem, não seremos favorecidos por nenhum milagre, ou por
uma violação do nosso livre-arbítrio.
O primeiro movimento para obter boas instruções deve ser empreendido por
aquele que deseja sinceramente se instruir; só então os bons Espíritos, a quem não se
engana com falsas desculpas, virão secundar os nossos esforços. Não esperemos, pois,
que os bons Espíritos tragam um guincho ou um guindaste para nos retirar da nossa
acomodação, se esta ainda nos apraz.
O Barão Du Potet, estudioso e praticante da ciência do Magnetismo no século XIX,
fez o seguinte comentário em um de seus livros:
“Quanto é grande a inconstância dos mortais e sua temeridade, em matéria de
experiências novas! Pois, se o efeito não logra êxito conforme seu desejo, eles
abandonam imediatamente o empreendimento iniciado e voltam rapidamente a seus
primeiros costumes, reconciliando-se com eles.” 6
Antes dele, o filósofo francês Michel de Montaigne observou em seus Ensaios:
4
Livro dos Espíritos, Introdução, VIII.
O Livro dos Médiuns, item 137.
6
M. Le Baron Du Potet, Traité complet de Magnétisme Animal, cours en douze leçons. Troisième
édition. Paris, 1856.
5
“Nossa maneira habitual de agir está em seguir os nossos impulsos instintivos para
a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo, segundo as circunstâncias. Só
pensamos no que queremos no próprio instante em que o queremos, e mudamos de
vontade como muda de cor o camaleão. O que nos propomos em dado momento,
mudamos em seguida e voltamos atrás, e tudo não passa de oscilação e inconstância.”7
Aproveitamento dos conselhos dados pelos Espíritos
No Livro dos Médiuns, item 268, 20ª, lemos que “Os bons Espíritos se interessam
pelos que usam criteriosamente da faculdade de discernir e trabalham seriamente por
melhorar-se. Dão a esses suas preferências e os secundam; pouco, porém, se
incomodam com aqueles junto dos quais perdem o tempo em belas palavras."
A esse propósito encontramos na Revista Espírita uma chamada de atenção:
“Aproveitais os nossos conselhos e o que vos dizemos diariamente? Não. Muito
pouco. Saindo de uma de vossas reuniões, conversais sobre a curiosidade do fato;
discutis o maior ou menor interesse que despertou nos assistentes. Mas haverá um só
dentre vós que se pergunte se pode adotar a moral, os conselhos que acabamos de
prescrever, e se tem intenção de fazê-lo? Ele pediu, ele solicitou uma citação e a obteve.
Isto lhe basta. Retorna às suas ocupações diárias, prometendo voltar para rever um
espetáculo tão interessante. Conta os fatos aos seus amigos, a fim de excitar sua
curiosidade e somente para provar que os doutos podem ser confundidos. Bem poucos o
fazem visando ensinar a moral; bem poucos, mesmo, procuram melhorar-se.
Minha lição é severa. Contudo, não vos quero desencorajar. Trazei sempre a boa
vontade; apenas um pouco mais de bons sentimentos para com Deus, e menos desejo de
aniquilar os que não querem crer. Estes pertencem ao tempo e a Deus. Marie (Espírito
Familiar) 8
Ainda sobre essa questão, Lamennais escreveu o seguinte:
“O homem é, ao mesmo tempo, um ser muito singular e muito fraco. É singular no
sentido de que, mesmo em meio aos fenômenos que o cercam, não deixa de seguir a sua
rotina, espiritualmente falando. É fraco porque, depois de ter visto e ter-se convencido, ri
porque seu vizinho riu e não pensa mais naquilo. E notai que aqui falo, não de seres
vulgares, sem reflexão e sem experiência. Não. Falo de gente inteligente e, na maioria,
esclarecida. (…) 9
“Atribui-se a Demóstenes a seguinte máxima: a virtude, qualquer que seja, consiste
inicialmente em recolhimento e deliberação; a constância, a seguir, comprova-lhe a
perfeição. Refletindo, seguimos sempre o melhor caminho; mas, geralmente não
pensamos antes de agir. No dizer de Horário, somos conduzidos como marionetes que
um fio manobra. Não vamos, somos levados como os objetos que flutuam, ora devagar,
ora com violência, segundo o vento; cada dia nova fantasia, e movem-se as nossas
paixões de acordo com o tempo.” 10
Vamos, homens, coragem!
Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos,
este o segundo. O Espírito de Verdade.
7
8
9
Ensaios, vol. II, cap. I – Sobre a inconstância de nossas ações.
Revista Espírita, novembro de 1860 - Dissertações espíritas - Proveito dos conselhos.
Revista Espírita, agosto de 1860 - Ditados espontâneos e dissertações espíritas - A
eletricidade espiritual.
10
Montainge, op. citado.
Encerramos estas breves reflexões com um encorajamento feito por São Luís e
Santo Agostinho:
“Pensai no futuro; buscai avançar nesta vida, vossas provas serão mais curtas,
vossas existências mais felizes. Vamos, homens, coragem! De uma vez por todas, lançai
para longe de vós preconceitos e segundas intenções; entrai na nova via que se abre
diante de vós; caminhai! Caminhai! Tendes guias, segui-os: o objetivo não pode vos faltar,
pois esse objetivo é o próprio Deus.
"Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se
submetam a tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que nós influenciamos
vossas almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós: o espaço, para
nós, nada é, e mesmo vivendo em um outro mundo, os nossos Espíritos conservam suas
ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai
certos de que Deus não nos impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos
deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo guardião tem o seu
protegido, pelo qual vela, como o pai pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho;
lamenta, quando seus conselhos são desprezados.
"Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar
sempre em relação conosco: sereis mais fortes e mais felizes. (...)" São Luís, Santo
Agostinho.11
11
Livro dos Espíritos, item 495.
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