UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ARLENE DE PAULA LOPES AMARAL
PROFESSORES DE CRECHES CONVENIADAS NO MUNÍCIPIO DE
NITERÓI: IDENTIDADES EM CONSTRUÇÃO
RIO DE JANEIRO
2014
ARLENE DE PAULA LOPES AMARAL
PROFESSORES DE CRECHES CONVENIADAS NO MUNÍCIPIO DE
NITERÓI: IDENTIDADES EM CONSTRUÇÃO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Prof. Dra Libânia Nacif
Xavier
RIO DE JANEIRO
2014
ARLENE DE PAULA LOPES AMARAL
PROFESSORES DE CRECHES CONVENIADAS NO MUNÍCIPIO DE
NITERÓI: IDENTIDADES EM CONSTRUÇÃO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Aprovado em __________________
_______________________________________________________________
Orientadora: Profª. Drª. Libania Nacif Xavier
_______________________________________________________________
Profª. Drª. Giseli Barreto da Cruz
_______________________________________________________________
Profª. Drª. Sonia de Oliveira Camara Rangel
RIO DE JANEIRO
2014
Dedico este trabalho ao meu amado
esposo Marcos Vinícius, companheiro
de todos os momentos e a nossa filha
Alice meu presente e meu futuro, luz que
ilumina meu caminho e ternura que me
preenche de afeto, esperança e força para
seguir em frente.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelas bênçãos recebidas em minha vida, em especial no tempo do
mestrado.
Ao meu esposo, Marcos Vinícius, meu grande amor, incentivador, amigo e
companheiro. Obrigada pelo apoio e por me presentear com sua presença.
A minha família: começo, meio e fim de tudo o que eu fiz. Especialmente aos meus
pais, Maria das Graças e Vicente, pelo exemplo de vida, incentivo e carinho.
As minhas irmãs, Ana Paula e Aline pelo companheirismo e pela torcida, em
especial pelos meus sobrinhos José Antonio Junior, Camila, Julia, Thalita, Luisa e João
Lucas que me fazem, a cada dia que passa acreditar no sorriso, na alegria e no brilho do
olhar!
Agradeço à minha orientadora, professora Libânia Xavier, por toda caminhada
desde o tempo de graduação, me incentivando e confiando no meu potencial. Agradeço
também sua dedicação, seu compromisso e principalmente suas orientações, sem as quais
não seria possível esta dissertação.
Ao amigo e companheiro de grupo de pesquisa, Armando Arosa, pelo olhar teórico
em minha pesquisa desde a banca de qualificação. Obrigada pela significativa contribuição
dada a este trabalho.
Aos meus colegas do mestrado, que foram grandes incentivadores e companheiros
de todos os momentos, em especial, aos amigos do grupo de pesquisa Amanda Moreira,
Antônio Viveiros, Bruno Bahia, Christiane Pançardes, Evanilda Negreiros, Fábio Garcez,
Janete Trajano, Nathalie Ramos.
Agradeço às professoras Patricia Corsino e Gisele Cruz pelas valiosas
contribuições que deram no processo de qualificação para o enriquecimento deste trabalho.
Aos professores do PPGE, que me proporcionaram acesso ao arcabouço teórico
necessário à minha jornada de pesquisadora.
As professoras Gisele Barreto da Cruz e Sonia de Oliveira Camara Rangel por
aceitarem participar da banca e pelas contribuições de grande relevância para o
enriquecimento deste trabalho.
Aos funcionários do Programa PPGE sempre atenciosos e atentos às nossas
necessidades.
A Rafaela, minha querida amiga, que esteve comigo em todos os momentos do
mestrado e por partilharmos juntas dos desafios da produção de uma pesquisa acadêmica.
A Gil, uma amiga especial, pela escuta paciente, pelas trocas e verdadeira amizade.
Ao grupo do PNAIC Campos/ Itaperuna pela torcida, e em especial a turma Marina
Colasanti. Pessoas tão comprometidas com a educação de crianças e que me ajudaram a
entender melhor nosso papel de educador e a educação como um todo.
Aos funcionários das Creches Comunitárias conveniadas, sobretudo às professoras
pelo apoio e entrevistas cedidas.
As funcionárias da Fundação Municipal de Educação de Niterói Marcia Nico,
Romana e Cilene que sempre me ajudaram se mostrando solícitas e colaborando com tudo
o que estava ao alcance delas, bem como todos os profissionais da FME de Niterói que
contribuíram com a pesquisa.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que fosse possível
chegar até aqui, o meu sincero muito obrigada.
RESUMO
AMARAL, Arlene de Paula Lopes. Professores das creches conveniadas no munícipio
de Niterói: identidades em construção. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
A dissertação analisa os processos de construção das identidades de professoras de
creches conveniadas de Niterói (RJ), atentando para os sentidos atribuídos por eles(as)
ao seu trabalho, ao longo de suas trajetórias profissionais. Considerou-se que a
identidade não é um produto, mas uma construção decorrente do processo de
socialização, sendo constantemente construída e desconstruída pelos indivíduos em
interação com seus pares. Conflitos e tensões fazem parte das trajetórias biográficas e
relacionais dos(as) profissionais, levando-os(as) a mobilizações e à busca de valorização
profissional nos seus contextos de trabalho. O estudo procurou, também, conhecer as
políticas de expansão da oferta escolar na educação infantil por meio das práticas de
conveniamento com instituições privadas comunitárias de serviço à infância. Nesse
sentido, a dissertação retrata duas dimensões da pesquisa: 1) a construção do histórico
da educação infantil no município de Niterói e 2) a relação dessa história e das ações
públicas atuais com a construção das identidades dos profissionais que atuam em
creches comunitárias conveniadas. A pesquisa se apoiou na análise documental e na
história oral, cruzando as políticas - atuais e passadas - com as trajetórias profissionais
desses professores. Para a compreensão do objeto e de nossas questões de estudo, foi
importante trabalhar com a concepção de negociações identitárias, proposta por Claude
Dubar (1997). Constatou-se que a constituição da identidade dos(as) profissionais não é
feita independente das interações com o contexto institucional, com as políticas
vigentes e, sobretudo, com a sua história e experiência pessoal. Por fim, o estudo
procurou demonstrar que ação e estrutura se constroem mutuamente e os sujeitos
participam
desse
processo
de
forma
dinâmica
e
interativa.
Palavras-chave: História da profissão docente; Identidade profissional; Creches
Conveniadas.
ABSTRACT
AMARAL, Arlene de Paula Lopes. Teachers of the accredited daycare centers in the
municipality of Niterói: identities under construction. Rio de Janeiro, 2014. Dissertation
(Masters in education) – Program of Post-Graduation in Education, Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
The dissertation analyzes the processes of construction of the identities of teachers of
the accredited daycares Niterói ( RJ ), attending to the meanings attributed by them to
their work, throughout their professional careers. It was considered that the identity is
not a product but a construction due to the socialization process, constantly being
constructed and deconstructed by the individuals in interaction with their peers.
Conflicts and tensions are part of the biographical and relational trajectories of
professionals, leading them to mobilizations and the pursuit of professional
development in their work contexts. The study also sought to know the policies of
expansion of school provision in early childhood education through the practice of the
government partnerships with community daycares private. In this sense, the
dissertation research portrays two dimensions: 1 ) the construction of history of early
childhood education in Niterói and 2 ) the relationship of that history and current public
actions with the construction of identities of professionals working in community
nurseries conveniadas. The research was based on documentary analysis and oral
history, overlapping policies - past and present - with trajectories professional of these
teachers. For the understanding of the subject and issues of our study, it was important
working with the conception of negotiating identities, proposed by Claude Dubar (1997
). It was found that the formation of professional identity is not made independent of
interactions with the institutional context, with the prevailing policies, and especially,
with his history and personal experience. Finally, the study sought to demonstrate that
action and structure are constructed mutually and the subjects participating of this
process in a dynamic and interactive way.
Key-words: Teaching profession, Professional identity; Accreditedchildcare centers.
SUMÁRIO
_Toc383271004
BUSCANDO NA MEMÓRIA AS ESCOLHAS E CAMINHOS PESSOAIS E
PROFISSIONAIS QUE CONSTITUÍRAM O TRABALHO. ......................................... 1
I.2 As instituições e os sujeitos da pesquisa.......................................................... 12
I.3 História oral e memória ................................................................................... 16
CAPÍTULO I – PERCURSOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL ................ 20
I.1 Tecendo com a História: primeiras creches ..................................................... 20
I.2 Políticas atuais para o atendimento a creche: como tem sido o atendimento no
sistema municipal de ensino? ................................................................................ 31
I.3 Um breve histórico sobre a formação e profissionalização docente no Brasil 41
I.4 Professores de educação infantil: Como o campo profissional vem se
constituindo? ......................................................................................................... 44
CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO INFANTIL EM NITERÓI: CAMINHOS DA
IDENTIDADE E DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE ..................................... 49
II.1 Contextualizando a educação no município de Niterói .................................. 49
II.2 O processo que deu origem às primeiras creches em Niterói uma história a ser
contada .................................................................................................................. 52
II.3 Tecendo histórias: os professores das creches conveniadas de Niterói .......... 58
II.4 Caminhos da pesquisa: um retrato das instituições ........................................ 64
CAPÍTULO III – OS SENTIDO DOS DIZERES .......................................................... 69
III.1 A construção da identidade dos professores em seus percursos de vida
pessoal, social e profissional ................................................................................. 69
III.1.1 A escolha da carreira e a necessidade de trabalhar .................................... 71
III.1.2 Negociações identitárias no contexto da profissão: A formação básica e
universitária ........................................................................................................... 74
III.2 O processo de socialização como uma iniciação à cultura profissional........ 78
III.3 Especificidades dos professores de creches na visão dos sujeitos
entrevistados .......................................................................................................... 82
III.4 A relação da identidade profissional e a identidade da instituição que o
sujeito está inserido ............................................................................................... 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 98
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AEPE – Acessória de Estudo e Pesquisa Educacionais
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEAPEs – Centros de Educação e Alimentação do Pré-escolar
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CME – Conselhos Municipais de Educação
COEDI – Coordenação Geral de Educação Infantil
COESE- Coordenadoria Especial de Supervisão Educacional
COEPRE – Coordenadoria de Educação Pré-Escolar
Coneds – Congressos Nacionais de Educação
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FME – Fundação Municipal de Educação
FSDE – Superintendência de Desenvolvimento do Ensino
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização dos Profissionais da Educação
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP– Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LDBN– Lei de Diretrizes e Bases Nacional
MEC– Ministério da Educação
MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
OMEP – Organização Mundial de Educação e Pré-Escolar
ONU – Organização das Nações Unidas
PCC – Programa Criança na Creche
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PROAPEs -–Programa de Atendimento ao Pré-escola
ProInfância– Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar
Pública de Educação Infantil
Proinfantil – Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação
Infantil
RCNEI – Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil
RFP – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
SAM – Serviço de Assistência aos Menores
SEPRE - Serviço de Educação Pré-Escolar
SESC – Serviço Social do Comércio
SESI - Serviço Social de Indústria
SETAS – Secretaria de Trabalho e Ação Social
SME – Secretaria Municipal de Educação
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UMEIS –Unidades Municipais de Educação Infantil do município de Niterói
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO –- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1- Perfil dos interlocutores da pesquisa .............................................................28
Figura 1 – Localização e divisão administrativa dos bairros do município de Niterói,
Rio de Janeiro, Brasil .................................................................................................. 503;
Figura 2 – Evolução histórica da rede física escolar de Niterói .................................. 504;
Figura 3 – Quantidade de alunos atendidos das unidades de educação infantil e do
município de Niterói (RJ) no mês de abril de 2013 ....................................................... 70;
Figura 4 – Nível de formação, em porcentagem, dos professors das crèches conveniadas
do município de Niterói (RJ) em 2013 .......................................................................... 75;
Figura 5 – Localização, no município de Niterói, Brasil, das instituições de educação
infantil pesquisadas ....................................................................................................... 80.
LISTA DE ANEXOS
Anexo 01 – Roteiro de entrevista semi-estruturada...................................................... 117
Anexo 02 – Modelo do termo de consentimento.......................................................... 118
Anexo 03 – Distribuição das escolas por polo ............................................................. 119
1
BUSCANDO NA MEMÓRIA AS ESCOLHAS E CAMINHOS PESSOAIS
E PROFISSIONAIS QUE CONSTITUÍRAM O TRABALHO.
Meus olhos estarão sobre espelhos buscando
os caminhos que existem dentro das coisas
transparentes (MEIRELES, 1974, p.65).
Diferentemente de algumas pesquisas que são impulsionadas pelo envolvimento
com a prática docente de seus autores, meus questionamentos partem da oportunidade
que tive em participações e vivências no grupo de pesquisa1 que estuda a profissão
docente. Nesse grupo pude realizar algumas leituras e discussões sobre a profissão e as
políticas educacionais para Educação Básica (NÓVOA, 1992, 1999; DUBAR, 1997a;
1997b; LAW, 2001) que me aproximaram das primeiras delimitações do tema proposto
para este trabalho.
De certo modo, o presente estudo pretendia dar continuidade ao trabalho de
monografia intitulada Ação coletiva: um estudo sobre o Fórum Permanente de
Educação Infantil do Rio de Janeiro, cujo objetivo central foi realizar um estudo sobre
esse espaço, refletindo sobre sua importância para a educação infantil e para a profissão
docente. Porém, o processo de construção do objeto de pesquisa no âmbito do mestrado
em educação foi se desenvolvendo com o aparecimento de outras questões relevantes
que contribuíram para o desenvolvimento dessa pesquisa.
É pertinente afirmar que foi ali, ao elaborar e construir a escrita da monografia,
que comecei a sistematizar o exercício de um novo lugar, amparado e qualificado por
novas problematizações. Foram as minhas observações no Fórum Permanente de
Educação Infantil do Rio de Janeiro que trouxeram questionamentos sobre a construção
das identidades docentes. Frequentando as assembléias do Fórum, foi possível observar
por tras dos atores sociais que participavam daqueles encontros havia uma trajetória
pessoal/profissional e que eles estão sempre construindo suas identidades, nos diversos
espaços em que estão inseridos, buscando alcançar as identidades visadas, que conforme
explicado por Dubar (1997a), são aquelas que os indivíduos almejam e, em geral,
1
Para a história da profissão do docente: estratégias associativas e legitimação profissional. Coordenado
pela professora Doutora Libânia Nacif Xaveir vinculado ao PPGE-UFRJ e ao Programa de Estudos e
Documentação e Sociedade (PROEDES).
2
dependem da melhoria das condições de trabalho e da ampliação da autonomia
profissional do grupo.
Ao desenvolver este trabalho, o meu interesse foi compreender a construção dos
processos identitários dos/das professoras de creche de instituições conveniadas do
município de Niterói (RJ), a partir de sua trajetória profissional, bem como os sentidos e
significados atribuídos por eles/elas ao trabalho naquele nível de ensino e no seu
processo de profissionalização. Acredito que, ao pesquisarmos a identidade docente,
entendemos como esses atores sociais estão se reconhecendo como professores de
creche. Podemos entender, também, quais são suas expectativas em relação ao seu
trabalho.
Deste modo, busco compreender os percursos formativos das professoras das
creches conveniadas do município de Niterói. Professoras que começaram seu trabalho
como auxliar e passaram a ser professoras regentes após a política de formação exigida
em ambito nacional, a partir da qual o município de Niterói elaborou estratégias para a
formação desses professores. Como pano de fundo desta pesquisa, busquei elucidar
como se deram e se dão as políticas de conveniamento com instituições privadas
comunitárias de serviço à infância neste município. Entendemos que a constituição
destas instituições, bem como as transformações político-institucionais que tem passado
o município repercutem na construção das identidades destes profissionais.
Em estudo sobre identidades sociais e profissionais construídas na França ao
final dos anos 1980, Dubar (1997a) conceitua identidade profissional como sendo
construções sociais que implicam a interação entre as trajetórias individuais e os
sistemas de emprego, de trabalho e de formação. Para o autor, a construção das
identidades profissionais é inseparável da existência de espaços de emprego, de
formação e dos tipos de relações profissionais que estruturam as diversas formas
específicas de mercados de trabalho. As configurações identitárias típicas poderiam ser
abstratamente associadas a “momentos” privilegiados de uma biografia profissional
ideal: momento da construção da identidade (formação profissional inicial), momento
da consolidação da identidade (inserção e aquisição progressiva da qualificação nas
carreiras do ofício), momento do envelhecimento da identidade e da passagem
progressiva à aposentadoria.
3
Em análise sobre as formas de “se sentir e ser professor” em Portugal, Nóvoa
(1992, p.15) revela que a identidade não é um dado, não é uma propriedade nem sequer
um produto, mas “é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de
maneiras de ser e de estar na profissão” e nessa construção, o profissional atravessaria
uma tripla trajetória: de adesão – a um conjunto de princípios e valores; de ação – ao
selecionar formas de agir, com decisões de foro pessoal e profissional; de
autoconsciência – na reflexão sobre a própria ação, base de todas as decisões.
No que diz respeito à identidade profissional, Dubar (1997a) e Nóvoa (1992)
entendem a identidade como sendo dinâmica, que se processa em um tempo e espaço
próprio em um ciclo de vida profissional e se produz entre a imagem interna – a
identidade para si – e a imagem externa – a identidade para os outros – ou seja; a forma
como a sociedade vê e trata a profissão.
É pertinente ressaltar que as pesquisas sobre identidade docente podem
comportar várias abordagens teóricas, a partir de diversas possibilidades de
comparação: entre modalidades de ensino, gênero, relacionada à prática pedagógica e
tantos outros tipos de investigação. Aqui, optou-se por fazer uma pesquisa sobre a
construção da identidade profissional tendo como enfoque a trajetória profissional e o
seu processo de profissionalização.
A escolha por enfocar a pesquisa especificamente em professores de creche,
quando há tantos outros sujeitos envolvidos nessa dinâmica se deve, primeiro, à
especificidade que esses profissionais apresentam, como resultado de sua própria
origem histórica, no qual é associada de um lado a assistência social e ao modelo de
substituição materna e, por outro, a preparação para o ensino obrigatório. Em um
segundo momento se deve, pelas questões contraditórias que muitos desses
profissionais têm vivido como: carreira, salário, formação e condições de trabalho que
ainda são conflituosas em diversos municípios brasileiros. Como observa Kramer
(2005), as atividades do magistério infantil têm sido associadas à condição feminina, ao
cuidado e socialização da criança. Com ênfase na dimensão afetiva, é considerado um
trabalho que requer menor qualificação e remuneração. No entanto, a partir das novas
diretrizes legais que situam a educação infantil como primeira etapa da Educação
Básica, a legislação enfatiza a dimensão educativa e define que o profissional para atuar
nesse nível de ensino é o professor com formação específica (BRASIL, 1996, art 62).
4
Estamos, portanto, nos defrontando com a construção de um novo grupo
profissional, num processo que mobiliza a constituição de novos significados pelos
diferentes grupos sociais envolvidos na educação da criança. Entendemos que é
relevante, neste momento, investigar e buscar compreender esse processo.
Esse estudo também se torna relevante para a pesquisa em educação, pois cada
vez mais têm surgido estudos e pesquisas sobre as mudanças estruturais do sistema e do
trabalho docente, com foco na formação docente, precarização do trabalho, carreira e
salários, assim como no status social e na identidade dos educadores/professores.
Porém, essas pesquisas ainda abordam de forma insuficiente os profissionais da
educação infantil, carecemos de estudos abrangentes sobre a identidade profissional dos
educadores/professores das creches e pré-escolas no Brasil.
Em revisão bibliográfica foi possível perceber que atualmente existem muitos
estudos sobre a educação infantil, sendo um tema bastante explorado, não somente na
área de educação, como também na área de saúde, serviço social, história, sociologia;
basta verificar as temáticas das últimas produções científicas. Para realizar um primeiro
levantamento bibliográfico, nós nos reportamos a um levantamento de dissertações e
teses sobre a educação infantil junto ao banco de teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que se constitui atualmente no
maior banco de dados referente à produção dos programas de pós-graduação no Brasil.
O recorte temporal da pesquisa foi de 2005 a 2011.
Para chegar ao levantamento foi necessário utilizarmos diversos descritores na
localização das dissertações e teses que procurávamos, pois esta produção encontra-se
muito difusa e muitas vezes em programas de pós-graduação que não pertencem à área
de educação. O primeiro descritor utilizado foi “profissionais das creches e pré-escola”
tendo um total de cinquenta e três teses e dissertações, percebendo que o descritor
estava muito amplo foi necessário especificar mais, buscando um localizador mais
específico aos objetivos do presente estudo, sendo assim o segundo descritor foi
“identidades de profissionais de creches,” encontrando dezessete teses e dissertações.
Sendo ainda um número muito grande de trabalhos, buscamos através do título das
dissertações selecionar as que se entrelaçavam com o tema do projeto de pesquisa,
sendo assim foram selecionados quatorze dissertações e teses para realizarmos as
leituras dos resumos e parte dos trabalhos.
5
Após leitura supracitada, foi possível concluir que, embora tenham sido
selecionadas pelo critério de busca citado anteriormente, poucas, aproximam-se da
discussão a que nos propomos fazer. Em sua maioria, discutem a construção das
identidades relacionadas à práxis, a gênero, etnia, a representação social, cotidiano e
trajetória de vida.
As dissertações e teses que mais dialogam com a temática desse estudo são as
que indicaremos a seguir. A dissertação de Francisco (2005) aproxima-se do trabalho na
perspectiva de analisar como ocorre a construção identitária de professoras leigas
atuantes em creches comunitárias conveniadas com a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre/RS. Buscou-se identificar a partir da fala das professoras, protagonistas deste
processo, bem como das coordenadoras pedagógicas das creches comunitárias como
acontece à passagem de educadora leiga à professora e se estas imprimem
ressignificações na prática pedagógica cotidiana com crianças na creche. Caso parecido
com a dissertação de Santos (2005) que analisa comparativamente, os programas de
formação continuada dos professores de educação infantil da Rede Municipal de São
Paulo, porém no período de 1989 a 1996, sendo o período que antecede a Lei de
Diretrizes e Bases.
Toniato (2008) pesquisou a identidade profissional de docentes da educação
infantil, especificamente dos professores que atuam com crianças pequenas de zero a
três anos de idade em instituições de cuidado e educação. Investigou e discutiu as
concepções que os professores têm sobre a criança pequena, o trabalho docente e a
instituição de educação infantil. Entretanto, esta dissertação focou mais a análise da
prática pedagógica e do cotidiano dos professores de educação infantil.
Ramadan (2010) em sua dissertação teve como finalidade compreender como se
constituíram as identidades de um grupo de monitoras de educação infantil que atuam
nas creches municipais de Campinas, compreendendo também como vêm se
construindo para este grupo a profissão de educadoras de crianças pequenas. A pesquisa
teve como referencial teórico-metodológico a História Oral, fazendo uso da memória
como suporte para reavivar as histórias do cotidiano, bem como algumas categorias de
análise como estudos sobre identidade, gênero e especificidades da educação infantil, a
fim de que a pesquisa pudesse dialogar com a teoria e nesse processo fosse possível
6
conhecer as concepções (saberes) e as práticas educativas (fazeres) construídas ao longo
de suas trajetórias profissionais.
O trabalho de Souza (2011) discutiu a formação de professores do Programa de
Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) no
âmbito do Rio de Janeiro. A proposta desta pesquisa foi compreender como a
experiência formativa do Proinfantil, vivida pelo Professor Cursista, afetou/tem afetado
a construção de sua identidade profissional. Realizou entrevistas com profissionais que
participaram das discussões e da implementação do Proinfantil, com o objetivo de
remontar a história do programa e perceber as concepções que orientaram os debates e
as formulações; realizaram-se entrevistas coletivas semiestruturados com quatro grupos
de Professores Cursistas, na tentativa de recuperar os sentidos e mudanças
experimentados no processo formativo.
Apesar desses trabalhos focarem na formação continuada dos professores, eles
não analisaram diretamente como têm sido construídas as identidades dos profissionais
de creche e não escutaram as vozes dos professores sobre sua trajetória profissional,
considerando o seu processo de formação e suas escolhas profissionais, além de não
analisarem as dinâmicas de formação identitária entrelaçadas com a política municipal.
Como o nosso trabalho está situado especificamente no município de Niterói foi
importante colocarmos como descritores: “Fundação Municipal de Educação de
Niterói” encontrando 11 trabalhos com temáticas diversas. Somente dois trabalhos eram
referentes à educação infantil. A dissertação de Faria (2007) “Formação de professores
de educação infantil: para quê?” na qual foi realizada uma investigação sobre as
professoras de creche conveniadas, compreendendo quais as concepções que as
professoras de educação infantil têm a respeito dessa etapa da educação. Quais são as
suas concepções a respeito da função da creche comunitária. Quais suas concepções
sobre a infância. Foram entrevistadas sete professoras da Creche Comunitária
Piratininga, conveniada à Fundação Municipal de Educação de Niterói, pelo Programa
Criança na Creche. Na tese de doutorado, “Educação e Infância na cidade: dimensões
instituintes da experiência de intersetorialidade2 em Niterói.” Almeida (2010) resgata a
2
Segundo Almeida (2010) a intersetorialidade é uma das práticas sociais que se articula na mediação
institucional entre diferentes políticas públicas na esfera municipal. Expande-se a partir do fenômeno da
7
trajetória da experiência de intersetorialidade na cidade de Niterói no período
compreendido entre os anos de 2006 e 2008, analisando as dimensões instituintes dos
movimentos empreendidos nos campos da educação e da infância. Sendo um trabalho
que realizou entrevistas com diversos profissionais que atuam nas instâncias de
coordenação e execução das políticas de saúde, educação e assistência social assim
como com representantes da sociedade civil que atuam nos conselhos de direito e de
políticas da cidade, não focando diretamente nos professores de educação infantil.
Assim, observa-se que existe uma lacuna de estudo sobre a identidade
profissional dos professores de creche, principalmente sobre o município de Niterói.
Nesse sentido, esse estudo se faz importante para entendermos: Como tem se dado a
trajetória
de
formação
dos
professores
das
creches
conveniadas?
Qual(is)
investimento(s) os professores tem realizado para alcançar o processo de sua
profissionalização? Quais os sentidos e significados atribuídos por eles/elas ao trabalho
naquele nível de ensino?
As questões pontuadas estão inseridas nos estudos que tem por interesse a
formação, a experiência e a identidade profissional desses professores. O objetivo
principal do estudo foi, portanto, conhecer e analisar como tem se dado a construção da
identidade profissional de (cinco) professoras de creches conveniadas do município de
Niterói. Tendo como objetivos específicos: I) Identificar a trajetória profissional dos
professores de creche conveniada, considerando o seu processo de formação e suas
escolhas profissionais, bem como sentidos e significados atribuídos por eles/elas ao
trabalho naquele nível de ensino. II) Identificar as dinâmicas de formação identitária nos
contextos de cursos de formação continuada proporcionados, em particular, pelo
Proinfantil e pela Fundação Municipal de Niterói. III) Analisar a relação entre a
identidade profissional e identidade institucional.
Ouvir o que elas falam e pensam sobre ser professor, sobre o significado do seu
trabalho, sobre as experiências vividas nos contextos da prática e da formação, pode nos
fornecer pistas para a compreensão sobre o processo de construção das identidades
descentralização e como uma decorrência concreta das dificuldades e Possibilidades que se apresentam
nos processos cotidianos de oferta dos serviços sociais prestados no âmbito das políticas públicas na
esfera local.
8
docentes, assim como para o desenvolvimento da profissionalidade.3 Entendo que
buscar compreender esses percursos possa se constituir em caminho para que “a voz do
professor seja ouvida, ouvida em voz alta e ouvida articuladamente” (GOODSON,
1995, p. 67).
1.1 O Projeto e os trajetos: compondo o campo da pesquisa
O percurso que traçamos para a pesquisa nem sempre se dá de forma linear,
existem “dificuldades” que nos fazem mudar o caminho, mas que não nos deixam
perder o foco do trabalho. Digo isso porque tivemos que modificar a proposta elaborada
no projeto de dissertação. A ideia inicial era pesquisar os professores das Unidades
Municipais de Educação Infantil do município de Niterói (UMEIS) e os professores do
Programa Criança na creche (PCC), porém devido às mudanças de governo no ano de
2013 o setor responsável pela educação infantil no Município de Niterói passou por
modificações estruturais, tanto no funcionamento da Fundação Municipal de Educação
como no seu quadro de funcionários. Com isso, o contato realizado no ano de 2012 teve
que ser reconstruído e os documentos de autorização para pesquisa tiveram que ser
novamente solicitados.
Após fazer contato com a responsável pelo Programa Criança na Creche, que de
forma muito gentil, me apresentou as funcionárias que são responsáveis pelas creches
conveniadas, foi possível ter acesso às professoras e elas se colocaram a disposição para
a pesquisa. Diferente do que aconteceu com a coordenação das UMEIs que não nos
passou os dados solicitados. O contato inicial com a coordenadora das UMEIs foi muito
breve, ela explicou que devido à mudança da sede da Fundação Municipal de Educação
de Niterói eles estavam organizando os arquivos e que entrariam em contato comigo, o
que não aconteceu.
3
Para Núñez, Ramalho (2008) o termo profissionalidade expressa tudo aquilo que é necessário ao
professor no exercício da profissão, tais como o conhecimento, os saberes, as técnicas e as competências,
que trazem as especificidades da atividade profissional docente.
Para Sacristan (1995) é afirmação do que é específico na ação docente, isto é, comportamentos,
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor (p.65).
Segundo o autor, essa elaboração não é estática. Ela é elaborada constantemente e precisa ser
contextualizada.
9
Sendo assim, em conversa com minha orientadora decidimos focar a pesquisa
nos professores do Programa Criança na Creche, pois a especificidade das creches
conveniadas já traz muitas questões relevantes. E que a implementação do Programa
Criança na Creche e a identidade profissional das professoras que trabalham nesse
espaço são de fundamental importância. Nesta pesquisa, além de ampliar o diálogo com
a cidade, procuramos estabelecer uma relação com um contexto que tivesse um
enraizamento histórico com as próprias questões da educação infantil. Atentamos para
as vozes das professoras, por mais contraditórias e ambíguas que parecessem sem
perder de vista a reflexividade que exige um processo de pesquisa e análise.
Embora saibamos que o trabalho de pesquisa requer tanto a análise de dados
quantitativos quanto uma abordagem qualitativa, nós concordamos com Ludcke e André
(1986, p.18), para quem a pesquisa qualitativa é rica em dados descritivos, é aberta e
flexível, focando a realidade de forma complexa e contextualizada. A isso tudo, o
pesquisador deve ficar atento para planejar a entrevista, o questionário, selecionar os
documentos, escolher os sujeitos – inclusive – atento a si mesmo para minimizar as
interferências durante as narrativas que venham a comprometer a formulação natural
dos dizeres desses indivíduos, como sendo esta sua maneira de botar sentido nas coisas,
nas situações.
Para colher os depoimentos das professoras, elaboramos um roteiro para
entrevista semiestruturada4 orientada pelas leituras que estávamos fazendo em nosso
grupo de pesquisa e pelo objetivo da pesquisa que tínhamos desenhado até aquele
momento. Esse tipo de entrevista desenrola-se com base em esquema básico, porém não
aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações
(LUDCKE; ANDRÉ, 1986, p.34). Os relatos foram pautados em três eixos principais:
1) O percurso de vida; 2) A trajetória de formação; 3) Trajetória e experiência
profissional. O objetivo de selecionar os três eixos era conhecer, os perfis, a trajetória
profissional (escolha e ingresso na carreira, tipos de formação, mudanças ocupacionais e
4
Na entrevista semiestruturada, o investigador pode combinar perguntas abertas e fechadas, onde o
informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um
conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma
conversa informal (Anexo 1).
10
de função, de instituição, dentre outras) e trajetória de formação (quando e onde iniciou
os estudos, se fez formação continuada em serviço, o que mais marcou na trajetória de
formação, entre outras) das professoras no percurso de suas histórias de vida.
Todas as professoras foram devidamente informadas a respeito dos objetivos da
pesquisa e, ainda, foi solicitada a sua autorização para o uso do material nessa pesquisa,
como forma de respeitar os colaboradores. As entrevistas foram gravadas e transcritas.
Entendemos conforme Ludcke; André (1996) que;
É muito importante que o entrevistado esteja bem informado sobre os
objetivos da entrevista e de que as informações fornecidas serão
utilizadas exclusivamente para fins de pesquisa, respeitando-se
sempre o sigilo em relação aos informantes (LUDCKE; ANDRÉ,
1986, p.36).
Depois da transcrição e leitura das entrevistas, sentimos a necessidade de enviálas aos entrevistados para que pudessem ler opinar, sugerir mudanças, esclarecer alguns
pontos, se necessário. Esse momento de conferência foi importante para que as
professoras se reconhecessem mediante o consentimento e validação dos textos das
entrevistas.5
No que se refere à dimensão da construção do histórico das creches no
município, optou-se por uma pesquisa documental cuja análise cuidadosa do passado
permitiu observar como se deu o surgimento das primeiras creches; a forma de
organização das instituições de educação infantil; a transferência das creches do setor da
Assistência para o da Educação, as políticas de educação presentes nos diferentes
períodos; os profissionais e as políticas de formação e organização da educação infantil.
Foi de fundamental importância realizar o estudo da história local, o qual acabou se
tornando parte da metodologia da pesquisa. Esta história está apresentada no capítulo 2
e foi vista como algo resultante de um processo político, cultural e social, e inserida no
âmbito da história da educação infantil no país. É importante salientar que o contato
com os documentos que fizeram parte desta história implicaram um olhar atento da
pesquisadora, sendo sempre colocados em posição de destaque e relacionados a outros
documentos.
5
Anexo II- Modelo do Consentimento da entrevista.
11
Na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME) não existe um banco de
dados sobre a educação. Conta apenas com um setor de arquivo que foi criado em 2006.
Segundo técnicos da FME, muitos documentos são arquivados de acordo com os
interesses de cada gestão. Assim, cada novo governo demonstra interesse relativo em
conhecer as ações realizadas pelos governos anteriores, não se preocupando em
organizar e preservar tais documentos. Observou-se apenas a tendência de se encontrar
arquivados documentos referentes a questões jurídicas, como as legislações e ofícios,
como se apenas esse tipo de documento fosse importante. Arquivos referentes à
organização do sistema, às questões pedagógicas, à criação de projetos e programas
foram pouco encontrados.
Para completar as informações documentais contamos com o depoimento
concedido pelo
ex-subsecretário de Projetos especiais - Superitendente de
Desenvolvimento de Ensino, Armando Arosa, que com nossa convivência no grupo de
pesquisa do PPGE- UFRJ me permitiu conhecer mais de perto os meados das políticas
de expanão das escolas de educação infantil do munícipio de Niterói, em especial das
creches conveniadas. Por intermedio do Armando eu estabeleci contato com Cilene
Moura, psicologa do Programa Criança na Creche, que também forneceu um
depoimento falando do surgimento do Programa. Por fim, cabe registrar o apoio da
Marcia Nico, a época coordenadora da Coordenadoria Especial de Supervisão
Educacional- COESE, que me sugeriu professores para as entrevistas que estavam
previstas no cronograma de nossa pesquisa. Tais contatos foram fundamentais tanto
para o desenvolvimento quanto para o resultado da presente pesquisa.
Como sinalizado, utilizamos a metodologia da história oral. Esse aspecto
metodológico nos ajudou a desvelar a história profissional desses professores, trazendo
à luz os significados, as escolhas, os desafios enfrentados nas trajetórias de sua
profissão. No trabalho empreendido, considera-se que o depoimento não é um produto
finalizado, mas um material que precisa ser analisado e somado a outros materiais e
procedimentos para a compreensão da história profissional. Assim, as histórias
profissionais desses professores mostram, com base em suas análises, tantos as
individualidades, como as dimensões sociais e coletivas desse grupo de profissionais.
O exercício de traçar a trajetória profissional serviu para compreender as
características socioculturais que as constituíram enquanto professoras de creches.
12
Optamos por utilizar as chamadas histórias de vida, não como método que determina a
própria pesquisa, recorrendo as suas histórias singulares, porém como mais um
instrumento para compreender e descrever o ser professora de creche.
Na mesma perspectiva, Kramer (2002) levanta a importância de levar em conta
os sujeitos, nesse caso as professoras, no estudo dos processos educacionais, sendo
também profícuo conhecer não só as histórias e trajetórias individuais, mas as histórias
das propostas e das equipes institucionais, seus rumos, erros e acertos. A tentativa foi
esta: entender como as professoras tem construído a identidade profissional dentro do
contexto de avanços e retrocessos da universalização da educação pública à infância,
nas políticas de conveniamento com creches no município de Niterói.
I.2 As instituições e os sujeitos da pesquisa
Não foi fácil chegar ao campo de pesquisa pela primeira vez, eu estava cheia de
expectativas. Como pesquisadora, eu estava ansiosa, queria conhecer as creches,
encontrar as professoras, construir uma aproximação rica do ponto de vista da
metodologia da pesquisa. Como as professoras me receberiam? Como elas entenderiam
minha pesquisa? O que elas tinham para me dizer da sua trajetória e experiência? As
expectativas vão emergindo no imaginário do pesquisador.
Desde o início, procurei apresentar a pesquisa com cautela. Desde o primeiro
momento, acurei meu olhar para ver, escutar e sentir o que as professoras tinham de
interessante, de riqueza para me falar. Sentia que esperavam que minha presença
potencializasse coisas novas que pudessem de alguma maneira, contribuir para o
fortalecimento do trabalho desenvolvido na creche. Mas, ao mesmo tempo também
emergia certo incômodo, a preocupação do que seria a pesquisa e como as falas seriam
interpretadas.
Em todas as creches fui apresentada ao espaço, aos professores e funcionários.
Fui recebida de forma muito amigável e acolhedora. O olhar das professoras ao
conhecer a pesquisa e saber que eram protagonistas naquele momento era contagiante.
Os encontros com as professoras entrevistadas foram realizados nas creches
onde cada uma trabalha. O universo empírico da pesquisa está composto por algumas
creches escolhidas, sendo duas pertencentes às instituições confessionais (uma
13
evangélica e outra católica) e uma creche de Associação de Moradores. Optei por
conhecer esses dois espaços, já que as creches conveniadas em sua maioria são de
Associações de Moradores ou Religiosas. As características das instituições serão
apresentadas no capítulo III.
No processo de efetivação deste estudo, tomamos como sujeitos cinco
interlocutoras. A ideia inicial para a escolha das interlocutoras era aplicar um
questionário identificando o perfil das professoras e convidando-as para a entrevista.
Porém, em virtude da mudança de gestão na Fundação Municipal de Educação de
Niterói (FME) não foi possível a aplicação do questionário. Dessa forma, em a
Coordenadora da COESE me sugeriu professores para as entrevistas, buscamos
professoras que tivessem mais de cinco anos nas creches conveniadas e professoras que
passaram pelo cargo de auxiliar e posteriormente se tornaram professoras regentes.
A definição de critérios segundos os quais serão selecionados os
sujeitos que vão compor o universo da investigação é algo primordial,
pois interfere indiretamente na qualidade das informações a partir das
quais será possível construir a análise e chegar a compreensão mais
ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da população
base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu
grau de representatividade no grupo social em estudo, constituem um
problema a ser imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre
o qual grande parte do trabalho de campo está assentado (DUARTE,
2002, p.141).
A partir desse entendimento apresento, de forma breve, as cinco interlocutoras
nesse estudo. Trata-se de cinco professoras que se encontram em efetivo exercício nas
creches conveniadas de Niterói. Ressalta-se que as identidades das instituições e das
pessoas não serão reveladas, sendo os nomes fictícios escolhidos pela pesquisadora.
A professora Adriana tem 32 anos. Trabalha há seis anos na mesma creche,
quatro como prestadora de serviços gerais e auxiliar6 e dois como professora. Sua
formação é de ensino médio. Fez o curso Proinfantil7 oferecido pelo Ministério da
6
A entrevistada desempenhava a função de limpeza, organização e arrumação dos espaços da creche e
ajudava nos cuidados com as crianças como servir almoço, escovação de dente, troca de fralda e outros.
7
Proinfantil é o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil
(Proinfantil) é um curso a distância, em nível médio e na modalidade Normal, para formação de
professores de educação infantil que atuam em creches e pré-escolas e que não possuem a formação
exigida pela legislação, sendo realizado pelo MEC em parceria com os estados e os municípios
interessados. Podem participar tanto professores da rede pública quanto aqueles que atuam na rede
14
Educação (MEC). Na época ela já trabalhava como auxiliar na creche.
Em sua
trajetória de vida, trabalhou em casa de família como babá e como balconista em uma
papelaria. Como ela mesma diz, já fez de tudo um pouco. Seu maior desejo é fazer
faculdade, poder ensinar e contribuir mais com a creche.
A professora Claudia tem 56 anos é a professora com maior tempo na história
dessa creche, na qual está desde seu início, quando esta ainda funcionava em outro
endereço e de forma bastante precária. Fez o curso de Magistério na cidade de São
Paulo e quando retornou para Niterói foi convidada para trabalhar na creche que
trabalha até hoje. Fez o curso Normal Superior e depois complementou o curso com a
graduação de pedagogia. Atualmente exerce a função de pedagoga da creche, tem a
função de acompanhar o trabalho das professoras e ajudar a direção na parte
administrativa da creche.
A professora Sônia tem 46 anos, é casada, tem três filhos. Antes de trabalhar na
creche trabalhava em um escritório de contabilidade, ganhou uma bolsa para cursar
Ciências Contábeis em uma instituição privada, mas não gostou da profissão. Trabalha
com crianças há sete anos, até então, nunca havia trabalhado com crianças. Começou
como auxiliar e esse ano tornou-se professora regente. Iniciou o curso de Formação de
Professores quando entrou na creche. Gostaria de fazer faculdade para entender e
aprofundar as discussões sobre a educação e fazer concursos públicos.
Professora Márcia tem 41 anos, começou a trabalhar na creche há 15 anos, e ano
passado tornou-se professora regente. Passou sua juventude em São Paulo e quando
veio morar em Niterói chegou à cidade grávida, tendo que aguardar um tempo para
procurar um emprego. Após o nascimento da filha começou a trabalhar como auxiliar
na creche, pois era um lugar onde poderia deixar sua filha e ainda ganhar algum
dinheiro. Começou a fazer faculdade, mas não concluiu, pois foi realizar o curso de
formação de professores que era um curso mais ligeiro que possibilitava ascensão na
carreira naquele momento. Tem vontade de fazer pedagogia para permanecer em sala de
aula e continuar na área da educação infantil.
privada sem fins lucrativos (como instituições filantrópicas, comunitárias ou confessionais, conveniadas
ou não).
15
Professora Lívia tem 29 anos. Trabalha com a educação infantil há 11 anos, teve
sua infância e juventude no interior do Estado do Rio de Janeiro, onde fez o curso
Normal. Veio morar em Niterói em 2000 e desde quando chegou à cidade foi trabalhar
na creche como auxiliar e atualmente trabalha como professora regente. Iniciou o curso
de pedagogia em uma instituição privada na cidade de Niterói conseguindo
transferência para uma universidade pública no município de São Gonçalo.
Quadro 01: Perfil profissional dos interlocutores da pesquisa
Entrevistada
Idade
Adriana
32 anos
Claudia
Sônia
Marcia
Livia
56 anos
46 anos
41 anos
29 anos
Formação acadêmica
Curso Normal
(Proinfantil)
Graduação em Pedagogia
Curso Normal
Curso Normal
Cursando Pedagogia
Auxiliar
Professora
4 anos
2 anos
2 anos
6 anos
14 anos
9 anos
14 anos
1 ano
1 ano
2 anos
Fonte: Questionário com perfil dos interlocutores da pesquisa
Huberman
(1995),
usando
o
tempo
como
variável
definidora
do
desenvolvimento profissional, propõe a existência de cinco fases que marcam o
processo de evolução da profissão que são: a entrada na carreira (de 1 a 3 anos de
profissão), a estabilização (de 4 a 6 anos), a experimentação ou diversificação (de 7 a 25
anos) e a preparação para a aposentadoria (35 a 40 anos de profissão).
As professoras sujeito da pesquisa se caracterizam pela fase inicial e pela fase de
estabilização como professoras. Os professores que estão na fase inicial estão vivendo o
momento da “exploração,” na qual o professor faz uma opção pela carreira,
experimentando vários papeis como opções provisórias. Nessa fase, é comum o
professor encontrar-se entusiasmado com a profissão e as situações com as quais se
deparam, questionando se o seu desempenho está ou não satisfatório. Os professores
que estão na fase da estabilização se caracterizam por uma “libertação” ou
“emancipação” do professor. É a fase da afirmação do “eu-docente” perante os colegas
mais experientes, do comprometimento consigo próprio e com o desenvolvimento da
16
profissão. Nela ocorre a escolha da identidade profissional, constituindo uma etapa
decisiva no seu processo profissional.
I.3 História oral e memória
A metodologia da história oral vem sendo cada vez mais utilizada e refere-se a
relatos de experiências vivenciadas por um sujeito individual podendo corresponder a
determinados fatos, acontecimentos ou momentos que, para ele, são ou foram
significativos e que acabaram por constituir-se em experiência vivida, a qual pode ser
lembrada e atualizada.
Para Nora (1993) a história seria a reconstrução da memória, considerada um
fenômeno atual, um elo vivido do “eterno presente” com a representação do passado.
Desse modo, a memória encontra-se em múltiplos lugares. E, dando a margem à
memória coletiva, Pollak (1989) ressalta que não existe só o confronto entre a memória
e a identidade, que são valores disputados em conflitos sociais, mas, sobretudo, no
embate da incorporação e afirmação de memórias marginalizadas e “silenciadas”:
A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e da sociedade de hoje, na “febre” e na
“angustia.” Mas a memória coletiva é não somente uma conquista; é
também um instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja
memória social é, sobretudo, oral, ou que estão em vias de construir
uma memória coletiva escrita, aquelas que permitem compreender
essa luta pela dominação da recordação e da tradição, esta
manifestação da memória (LE GOFF, 2003, p. 469- 470).
A história oral pode ser um instrumento muito importante na reconstrução da
memória dos mais diferentes grupos sociais. Tal metodologia não serve apenas para dar
voz aos grupos que se encontram excluídos em nossa sociedade, mas busca interpretar
os múltiplos olhares sociais nos quais os sujeitos singulares e coletivos atuam.
Acreditamos que a especificidade da história oral vai além do ineditismo de
informações ou do preenchimento de lacunas deixadas pelos registros escritos ou
iconográficos. Segundo Alberti (2005, p.5) a “peculiaridade da história oral decorre de
toda uma postura com relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia
a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu”. A história oral é um
termo amplo que recobre tipos variados de relatos a respeito de fatos não registrados por
17
documentação escrita ou cuja documentação se quer completar numa outra perspectiva.
Colhida por entrevistas realizadas de maneiras diferenciadas, a história oral registra a
experiência de um indivíduo ou de vários indivíduos de uma mesma coletividade.
A história oral de vida se define como o relato de um narrador sobre sua
existência ao longo do tempo. O narrador tenta reconstituir os acontecimentos que
vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Nesse caso, as narrativas orais não
visam apenas fornecer informações ou preencher lacunas da documentação escrita.
Tomando-as por base busca-se captar a experiência pessoal, por meio dos fatos que o
narrador considera significativos em sua trajetória. Experiências são rememoradas e
reconstruídas com base no diálogo de dois sujeitos: narrador e pesquisador. Ambos
constroem, “num momento sincrônico de suas vidas, uma abordagem sobre o passado,
visceralmente condicionado pela relação de entrevista, que se estabelece em função de
cada uma delas” (ALBERTI, 2005, p. 6).
É importante procurar compreender como os fatos sociais se tornam
representações, ou, no caso específico, como as “representações” se tornaram “fato
tanto para o entrevistador quanto para o entrevistado”. Quanto ao uso da metodologia de
entrevistas de história oral sobre história de instituições. Alberti (2005, p. 25) esclarece:
A metodologia de história oral pode ser empregada no estudo da
história de instituições do Estado, de organismos públicos e de
empresas privadas. Nesse universo, ela nos permite uma reconstrução
de organismos administrativos, o esclarecimento de funções de
diferentes órgãos, a recuperação de processos de tomada de decisão e
investigação sobre o “espirit de corps” dos funcionários e sobre a
relação entre diferentes relações de trabalhadores. As entrevistas
podem também ajudar a esclarecer o conteúdo, a organização e as
lacunas de arquivos existentes nas instituições.
Essa metodologia específica revela diferentes facetas e múltiplos olhares sobre a
instituição, no caso desse estudo pode se verificar as estratégias e ações da Fundação
Municipal de Educação de Niterói em relações a oferta do atendimento em creches e
com os profissionais dessa etapa da educação básica. Assim, utilizamos para este estudo
a abordagem histórica, por ser essencialmente relevante, na medida em que se procura
investigar o que ocorre nos grupos e instituições, para compreender como as redes de
poder foram produzidas e vem sendo produzidas, mediadas e transformadas. Parte-se do
pressuposto que nenhum processo social pode ser compreendido de forma isolada,
18
como uma instância neutra, acima dos conflitos ideológicos de uma determinada
sociedade (SAVIANI, 2007).
Assim, a proposição presente neste estudo apoia-se na possiblidade de contribuir
com análises crítico-reflexivas a respeito das instituições e dos percursos profissionais
dos professores a partir do ponto de vista desses sujeitos, dos diversos lugares vividos
em seus percursos de vida e das suas trajetórias profissionais. Nesse sentido, a opção
pelas narrativas orais compreende os percursos formativos protagonizados pelos
professores como um processo que está entrelaçado ao contexto social, político e
econômico no qual eles estão inseridos.
A fim de alcançarmos os objetivos e responder as inquietações que surgiram e
motivaram esta pesquisa, estruturamos nosso texto em quatro capítulos. O primeiro
discorre sobre a trajetória da pesquisa, destacando como seu deu o contato e
proximidade com as creches e os sujeitos que fazem parte da pesquisa. Caracteriza
diferentes profissionais que foram entrevistados e, por último, fala da metodologia,
descrevendo sobre a história oral e suas contribuições para pesquisa.
O segundo capítulo traz uma discussão sobre o percurso da educação infantil no
Brasil, evidenciando que a infância é uma construção histórico-social e que as práticas
de cuidados e educação são marcadas por quadros político-ideológicos. Em seguida,
realiza um breve histórico sobre a formação e profissionalização docente no Brasil,
ressaltando, em particular, como o campo profissional da educação infantil vem se
constituindo.
O terceiro capítulo caracteriza o processo histórico de constituição da educação
infantil em Niterói, salientando os contextos educacionais e as políticas públicas que
influenciaram a construção das identidades profissionais no município. Busca entender
como foi o processo histórico de atendimento à infância e de organização das primeiras
creches em Niterói e procura observar, em particular, como se dá a formação e o
trabalho das professoras de creches conveniadas.
O quarto capítulo analisa o processo da construção da identidade dos professores
dessas creches, em seus percursos de vida pessoal, social e profissional. A ideia deste
capítulo foi analisar as identidades dentro de três eixos: biográfica, relacional e
19
institucional. Finalmente são apresentadas as considerações finais e as referências
bibliográficas que embasaram a nossa pesquisa.
20
CAPÍTULO I – PERCURSOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
A Creche se apresenta hoje como uma instituição destinada aos cuidados e
educação da criança de 0 a 3 anos de idade, uma opção da família e um direito da
criança firmado com a Constituição Federal de 1988. Creche e Pré-escola são
integrantes da educação infantil, primeira etapa da educação básica, definidas dessa
forma com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96.
Para
entendermos
a
creche
enquanto
uma
instituição
social,
cuja
responsabilidade de oferta passa a ser estatal e regulada pela política educacional, é
fundamental analisarmos os aspectos da sua história, a fim de identificar como, em cada
época, eles foram orientando o atendimento oferecido as crianças pequenas. É preciso
deixar claro que não nos propomos a traçar um histórico da educação infantil no Brasil,
mas destacar alguns marcos que nortearam as ações públicas e privadas direcionadas às
crianças de 0 a 6 anos. Depois de feitas estas considerações, esclarecemos que o nosso
objetivo é discutir a formação / autoformação dos profissionais da educação infantil
como objeto de pesquisa, retomando aspectos relativos ao modo como a docência junto
à criança pequena, de modo particular, foi se construindo como uma profissão. O
processo de profissionalização dos professores dessas creches tem um caráter
marcadamente prático e pouco institucionalizado que, nos últimos vinte anos, vem
sendo alvo de políticas de formação e certificação dos órgãos oficiais.
I.1 Tecendo com a história: primeiras creches
De acordo com Couto e Melo (1998) no Brasil o atendimento à infância pobre
nasceu nas mãos dos missionários jesuítas, que começaram a recolher as crianças órfãs
e as crianças indígenas em lugares que foram denominados “Casa dos Muchachos”,
além da fundação das Santas Casas de Misericórdia, com a participação da Igreja
católica, e a instituição da Roda dos Expostos,8 que atendeu as crianças abandonadas,
durante o século XVII e XX.
8
A “roda” era uma referência ao mecanismo onde se depositavam as crianças: umcilindro oco de
madeira, com uma pequena abertura, que girava em torno de um eixo horizontal. A criança era colocada
na abertura, pelo lado de fora da instituição. A fim de atenuar a alta taxa de mortalidade infantil, tendo
como objetivo salvar a vida de recém-nascidos abandonados, que eram depositados nestes
compartimentos para serem criados por amas-de-leite; funcionaram até 1938, no Rio de Janeiro e 1948,
em São Paulo (DEL PRIORE, 1996).
21
Neste sentido, o atendimento à infância pobre, órfã e abandonada teve como
objetivo cuidar e proteger as crianças, deixando suas marcas até os dias de hoje com a
função de guarda (ABRAMOVAY e KRAMER 1991, p.23). A preocupação era a de
proteger as crianças contra as péssimas condições de sobrevivência das famílias
trabalhadoras, além de ter um controle de ordem, tirando os “idesejaveis” da cidade.
Existia no Brasil uma diferenciação de atendimento às crianças pequenas da
mesma faixa etária, tendo apenas a distinção pela condição social e econômica: eram os
jardins-de-infância para os ricos e as escolas maternais para os pobres; mas,
paralelamente ocorria a valorização dos jardins-de-infância para a elite e as escolas
maternais e das creches, associadas às organizações assistenciais (KISHIMOTO, 1988,
p. 59-60).
Somente no início do período republicano, quando o Brasil se consolidou como
um país exportador de café, e também com o início do processo de industrialização é
que foram criadas as primeiras creches nas capitais e em algumas cidades do país, como
resultado de conquistas de manifestações do movimento operário, composto, em grande
parte, por imigrantes. Sentindo-se explorados pelos donos das fábricas, por receberem
salários baixíssimos os operários reagiram reivindicando uma série de vantagens,
protestando contra as precárias condições de vida e de trabalho em que se achavam
submetidos. Dentre outras reivindicações, surgia a da creche para filhos de
trabalhadores.
Como resultado do movimento operário, no final do século XIX e início do
século XX, foram fundadas as duas primeiras creches para filhos de trabalhadores, junto
a Fábrica de Fiação e Tecidos Corcovado, de propriedade do Sr. Jorge Street. A
primeira foi inaugurada no Rio de Janeiro (1889), e a segunda em São Paulo (1918),
com o objetivo de abrigar, proteger e alimentar os filhos de seus operários, sem
distinção de homens ou mulheres. Não havia, contudo, uma política de atendimento a
todas as crianças, sobretudo as pobres e necessitadas. A espírita Anália Franco,
sensibilizada com o abandono das crianças, criou no país, a partir de 1902, várias
escolas maternais, sob a influência do modelo francês, destinadas a amparar órfãos e
filhos de trabalhadores de fábricas paulistas (KISHIMOTO, 1988).
22
Apenas no começo do século XX é que surgiram as primeiras políticas públicas
para a infância. Segundo Rizzini (1997, p. 119) elas tinham a intenção de garantir a paz
social e o progresso da nação, já que, nos grandes centros urbanos do país, surgem as
primeiras greves, e aumentava o crescimento dos movimentos anarquistas e comunistas.
Era preciso, portanto, estabelecer a ordem, educar e moralizar a população, a começar
pela infância, considerada o futuro da nação. Segundo Camara (2010) velar pela criança
significava assegurar-lhe proteção e cuidado através de um programa salutar voltado
para implementação de medidas proficuas em nome da moralidade pública.
A infância passa a ter um papel importante na formação do pensamento social
brasileiro. Se por um lado, a criança simbolizava o futuro da nação, devendo ser
protegida e educada para ser útil à sociedade, por outro, representava uma ameaça, um
perigo; ela deveria desta maneira, ser afastada do caminho que conduz à criminalidade.
Era preciso, assim, criar mecanismos para conter a população, de modo a consolidar o
capitalismo.
Para tanto, foi criado um complexo aparato médico-jurídico-assistencial para a
infância das classes populares, com as funções:
[...] de prevenção (vigiar a crianças, evitando a sua degradação, que
contribuiria para a degeneração da sociedade); de educação (educar o
pobre, moldando-o ao hábito do trabalho e treinando-o para que
observe as regras do ‘bem-viver’); de recuperação (reeducar ou
reabilitar o menor, percebido como ‘vicioso’, através do trabalho e da
instrução, retirando-o das garras da criminalidade e tornando-o útil à
sociedade); de repressão (conter os menores delinquentes, impedindo
que causem outros danos e visando a sua reabilitação, pelo trabalho)
(RIZZINI, 1997, p. 29–30).
Percebe-se que os discursos da época revelam atitudes e concepções
preconceituosas em relação a infância pobre defendendo intervenções como forma de
defesa da própria sociedade com o objetivo de moldar os pobres ao ideal de uma nação
civilizada, com uma finalidade explicitamente assistencialista. Neste contexto, a
educação das crianças passa a ser largamente difundida entre médicos, juristas,
filantrópicos, religiosos e políticos. Segundo Kuhlmann Jr. (1998) as instituições de
atendimento à infância foram influenciadas por três vertentes - a médico-higienista, a
jurídico-policial e a religiosa – todas com o objetivo de educar para a submissão sendo,
portanto, educativas.
23
No período de 1870, a educação foi fortemente influenciada pelas concepções
médico-higienistas. Os higienistas discutiam projetos para a construção de escolas,
implantação de serviços de inspeção médico-escolar e apresentavam sugestões para
todos os ramos, em especial, para a educação infantil. As primeiras creches teriam
funcionado como laboratórios para os médicos. As creches teriam sido implantadas
pelos médicos, aliados às mulheres burguesas, nos interesses do movimento higienista e
visando o atendimento às trabalhadoras domésticas (KUHLMANN Jr., 1998).
Merisse (1997, p.33) aponta que:
Na segunda metade do século XIX, várias descobertas científicas,
principalmente relacionadas à saúde e à medicina, como a
esterilização do leite e procedimentos de higienização, permitiram
reduzir enormemente os índices de mortalidade nas instituições que
lidavam com crianças.
Para o autor, no final do século passado, não só as famílias como outras
instituições que ofereciam algum tipo de atendimento às crianças passaram a incorporar
uma esfera educativa, associada à pedagogia higiênica.
Em 1889, foi criado o Instituto de Proteção à Infância do Rio de Janeiro pelo
médico Arthur Moncorvo Filho, ardoroso participante na luta por comprometer o
governo na organização de serviços públicos para crianças. Ao Instituto foram
atribuídos objetivos amplos e diversificados. Não só atendia às mães grávidas pobres,
mas dava assistência aos recém-nascidos, distribuía leite e fazia consulta de lactantes.
Foi considerada umas das entidades mais importantes, por ter expandido seus serviços
por todo o território brasileiro. Nesse mesmo ano foi instalada, também, no Rio de
Janeiro, a primeira creche junto a uma empresa, pela fábrica de Fiação de Tecidos
Corcovado.
Outra importante instituição criada pela equipe fundadora desse Instituto foi o
Departamento da Criança no Brasil, em 1919, considerado de utilidade pública, e sua
primeira medida de alcance nacional teve a finalidade de:
Além do atendimento direto à população, com prioridade família
pobre (Dispensários, creches, Gotas de Leite, Consulta de Lactantes,
Restaurantes para as mães nutrizes pobres, Revista “Mãe de Família”
etc); a administração de cursos educativos em puericultura e higiene
infantil destinados às mães; campanhas de vigilância sanitária nas
24
escolas; participação e organização de congressos nacionais e
internacionais, entre outros (RIZZINI, 1997, p. 93 – 94).
As medidas descritas acima tiveram funções importantes. A organização dos
congressos, e, em especial, o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância,
juntamente com o 3º Congresso Americano da Criança, realizados no Rio de Janeiro em
1922, foram a maneira encontrada para sensibilizar a iniciativa privada e a pública pela
causa da criança. Desta maneira, essas medidas influenciaram a elaboração das
primeiras políticas públicas para a infância.
Para a população considerada pobre e viciosa, ou seja, para aqueles que se
entregavam ao víicio e ao ócio mostrando-se insubordinados, foram criadas medidas
que se situavam na esfera jurídico-policial. Ela teria a função de criar mecanismos de
regulação eficazes, com medidas coercitivas e inibitórias, que pudessem corrigir,
reabilitar e reeducar. Nessa perspectiva, foram tomadas medidas de controle e
prevenção, principalmente no âmbito legislativo, incluindo-se também, a repressão
policial, em situações limites.
Os mecanismos de ação para o atendimento à criança foram vistos como
medidas preventivas, com leis que a retirassem do meio familiar, considerado imoral.
Segundo Rizzini (1997),
(...) a consciência de que na infância estava o futuro da nação, se
tornava necessário criar mecanismos que protegessem a criança dos
perigos que pudessem desviá-la do caminho do trabalho e da ordem.
Assim como era preciso defender a sociedade daqueles que se
entregavam à viciosidade e ameaçavam a paz social (RIZZINI, 1997,
p.132).
Aliás, o termo “menor”, criado pela legislação acabou sendo a referência às
crianças pobres delinquentes, consideradas pelos setores dominantes da sociedade como
indignas frente aos direitos básicos e de cidadania. Assim, foram criadas instituições e
leis para “proteger” a sociedade. De acordo com Kuhlmann (1998):
Os objetivos do Patronato de Menores, estabelecido nos estatutos de
1909, eram: fundar creches e jardins-de-infância; proporcionar aos
menores pobres recursos para o aproveitamento do ensino público
primário; incutir no espírito das famílias pobres os preciosos
resultados da instrução; auxiliar os Juízes de Órfãs no amparo e
proteção aos menores materialmente e moralmente abandonados;
promover a proibição das vendas por menores na escola perniciosa
25
das ruas; codificar as causas que acarretam a cessação do pátrio poder;
evitar a convivência de menores de ambos os sexos, promovendo a
extinção da promiscuidade nos xadrezes, criando depósitos com
aposentos separados para ambos os sexos; promover a assistência dos
detentos menores; tratar da reforma das prisões de menores; e
esforçar-se para que se realize a fiscalização de todos os asilos e
institutos de assistência pública e privada (KUHLMANN, 1998, p. 9394).
Para concretizar essa ideia, foi aprovada a primeira lei para a infância, em 1927 o Código de Menores sob a influência jurídico-policial. Esta lei baseou-se, portanto,
numa dupla perspectiva: proteger a infância do mundo hostil e, principalmente, proteger
a sociedade da convivência com esses menores.
As instituições religiosas também influenciaram o atendimento à criança em
creches, asilos infantis, internatos, de maneira a consolidar o ideal da nova ordem
política, econômica e social do país. Com a ideia de que a caridade dirigida às crianças
pobres poderia regenerar os vícios e desvios a que elas estavam sujeitas em seu meio
social a regeneração da infância indígna se constituía uma medida que garantiria a
estabilidade social e a convivência harmônica entre ricos e pobres.
As três vertentes favoreceram a criação de instituições de atendimento à criança
de cráter assistencialista, para “educar” as crianças pobres e submeter a classe operária
ao controle patronal, defendendo desta maneira, que essas instituições apresentavam
uma dimensão educacional (KULHMANN, 1998, p.21). O governo Federal, após o fim
da República Velha, buscou assegurar o direito de educação dos filhos dos
trabalhadores, com a formulação das primeiras políticas de Estado para a infância.
Delas destacam:
A regulamentação dos direitos trabalhistas, inclusive o trabalho feminino
impondo a obrigatoriedade da existência de creches nas fábricas com mais de 30
mulheres (Decreto nº 21.417-A, que mais tarde, reiterou a obrigatoriedade na
Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT em 1943);
• A obrigatoriedade de proteger e assistir a maternidade e a infância, reservando
1% da renda da União, dos Estados e dos municípios para esse fim, com ênfase
exclusiva na higiene e na assistência social (Constituição de 1934);
26
•
A criação do Departamento Nacional da Criança, em 1940, que objetivou
ordenar as atividades dirigidas à infância, maternidade e adolescência; a criação do
Serviço de Assistência aos Menores – SAM -, em 1941, para atender as crianças
abandonadas e delinquentes, visando afastá-las das influências negativas de seu
ambiente familiar;
• A criação da Legião Brasileira de Assistência – LBA -, em 1942, para
subvencionar a educação infantil e os institutos de puericultura, além do serviço de
Assistência à Saúde e o de Assistência à Maternidade;
• A criação de escolas de educação infantil para filhos de comerciários e
industriários, financiadas com 25% da folha de pagamento dos empregados, através
do Serviço Social de Indústria (SESI) e do Serviço Social do Comércio – SESC
(Setor Privado);
• A criação de dois organismos internacionais com representação no Brasil, em
período imediatamente posterior à Segunda Grande Guerra – o Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF (1946) e a Organização Mundial de Educação PréEscolar – OMEP/Brasil (1958), os quais inicialmente, tinham como meta a
prevenção da pobreza.
As primeiras políticas públicas para a infância no Brasil continuaram
diferenciando o seu atendimento pela condição social da criança. Eram organizados
atendimentos diferentes sob a influência de vários setores: o da educação, o da saúde, o
da justiça e o da assistência social.
Após o Golpe de Estado de 1964, notou-se uma nova tendência na configuração
do Estado. Marcados pela ideologia de segurança nacional, os intelectuais orgânicos do
Estado militar elegem como uma das prioridades do novo modelo de gestão o cuidar da
pobreza, pois esta representava séria ameaça à segurança nacional.
A Constituição de 1967 incluiu a educação infantil no artigo 176, preconizando
a educação como direito de todos e dever do Estado, devendo ser oferecida no lar e na
escola, destacando a responsabilidade do Estado. Entretanto, não apresentou nenhuma
iniciativa para sua concretização. Na realidade, apenas reforçou o que determinava a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61) – o atendimento à criança,
ligado às empresas com mães trabalhadoras.
27
Na Lei de Diretrizes de Bases de 1971, nº 5.692/71, referendando o disposto na
Constituição de 1967, com relação à educação universal da criança pequena foi
acrescentado no artigo 19 – “Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de
idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardinsde-infância e instituições equivalentes”. Porém, na prática isso não se concretizou, já
que não fazia parte do texto a obrigatoriedade do atendimento dessa demanda por parte
do Estado.
Somente a partir da segunda metade da década de 1970, em decorrência da
participação do movimento de mulheres, é que ocorreu no Brasil a expansão das
creches. O movimento alcançou visibilidade social, causou impacto nos meios de
comunicação e exerceu pressão sobre o governo.
O movimento feminista colocava em destaque a questão dos cuidados
e responsabilidades para com a infância, exigia modificações nos
papéis sociais tradicionais do homem e da mulher, bem como na
dinâmica das relações familiares. O movimento de Luta por Creches,
sob influência do feminismo, apresentava suas reivindicações aos
poderes públicos no contexto de uma luta por direitos sociais e de
cidadania, modificando e acrescentando significados à creche,
enquanto instituição. Esta começa a aparecer como um equipamento
especializado para atender e educar a criança pequena, que deveria ser
compreendido como uma alternativa que poderia ser organizada de
forma a ser apropriada e saudável para a criança, desejável à mulher e
à família. A creche irá, então, aparecer como um serviço que é um
direito da criança e da mulher, que oferece a possibilidade de opção
por um atendimento complementar ao oferecido pela família,
necessário e também desejável (MERISSE, 1997, p.48).
Como se vê a expansão da rede de creches no Brasil se intensificou a partir da
década de 1970 e esteve ligada à pressão dos movimentos populares. Entre os
movimentos, destacaram-se: movimento Luta por Creches, a Pastoral do Menor e
Sociedade Amigos de Bairros. Esses movimentos, em sua maioria formada por grupos
de mulheres, exigiam a instalação de creches e que o atendimento fosse prestado por
especialistas da educação. Faziam parte também destes movimentos não só mulheres
das classes trabalhadoras, mas também mulheres da classe média, devido a sua entrada
em setores médios de trabalho.
Já como resposta às reivindicações iniciais, a educação da criança pequena
começa a receber atenção do poder público. O Estado passa, a assumir a educação
28
infantil a partir da abertura política e redemocratização do Brasil (1974-1988), com
políticas de atendimento às crianças em diferentes Ministérios.
Em 1974, o Ministério da Educação e da Cultura cria o Serviço de Educação
Pré-Escolar (SEPRE) subordinado, transformado no ano seguinte em Coordenadoria de
Educação Pré-Escolar (COEPRE)9que instituiu um programa emergencial para a
educação das crianças de 4 a 6 anos de idade. Para tanto, mobilizou recursos materiais e
humanos da própria população, na montagem de programas que combinassem
distribuição de alimentos com algumas atividades de cunho educacional - são os
Centros de Educação e Alimentação do Pré-escolar - CEAPEs10 e o Programa de
Atendimento ao Pré-escola - PROAPEs, entre outros, aos quais se junta, a partir de
1981, o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL nessa área, por
determinação do MEC.
Fica, assim, estabelecido que as propostas de educação Pré-escolar devem adotar
métodos que garantam atender um grande número de crianças, a um baixo custo
(SOUZA, 1984). O Ministério da Saúde, por sua vez, regulamentou e fiscalizou os
berçários nas empresas, bem como atribuiu a entidades, como a Cruz Vermelha, para
formação de suas profissionais. Verifica-se, a continuidade da influência médicohigienista, especialmente na educação dos bebês. O Ministério da Assistência Social
definiu uma política de atendimento à criança de 0 a 6 anos com o predomínio da
criação de convênios, com apoio financeiro e acompanhamento técnico da Legião
Brasileira de Assistência – LBA11 , que, em 1977, implantou o Projeto Casulo no
9
Mais tarde, renomeada para Coordenação Geral de Educação Infantil (Coedi) que na nova organização
administrativa do Ministério da Educação, a Coedi situa-se na Secretaria de Educação Básica.
10
A filosofia básica do modelo CEAPE é a de oferecer atendimento nutricional e sócio-psicomotor aos
pré-escolares de 2 a 6 anos de idade, por meio de programa de baixo custo e de maior abrangência que,
utilizando ao máximo os recursos comunitários, inclusive a participação ativa e consciente das "mães",
promove eficazmente o desenvolvimento integral da criança, avaliado este, por processos específicos de
desempenho compatíveis com as condições locais.
11
Criada entre 1941 e 1942 com a finalidade de assistir as famílias dos soldados enviados à Europa para
lutar na Segunda Guerra Mundial, implantou programas de creches, que incluíam o componente da
educação pré-escolar para coordenar diferentes serviços sociais, a qual se voltou a partir de 1946 para o
atendimento da maternidade e da infância, constituiu-se em um órgão de consulta do Estado. Fazia
convênios com secretarias de Assistência Social dos estados e com associações comunitárias para
atendimento de crianças de 0 a 6 anos, em áreas de pobreza. A LBA foi extinta oficialmente em 1995,
através da medida provisória promulgada no primeiro dia da gestão do então presidente Fernando
Henrique Cardoso. Com a extinção da LBA, as suas ações passaram a ser assumidas pelo Programa
29
Subprograma de Complementação Alimentar, com a finalidade de prevenir a
delinquência das crianças pobres, enquanto as mães estivessem trabalhando. O perfil
desse atendimento caracterizava-se em atender as carências nutricionais das crianças e
desenvolver atividades recreativas. O atendimento à criança era feito em equipamentos
simples, aproveitando espaços ociosos da comunidade. A instalação de uma unidade
Casulo era feita a partir da solicitação por parte dos estados, de prefeituras municipais,
ou por obras sociais e particulares.
Segundo Corrêa (2002) o Projeto Casulo exemplifica as propostas de
atendimento em grande escala e o baixo custo voltadas para as crianças das camadas
populares, seguindo os modelos preconizados pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO e pelo UNICEF.
Apesar dos programas do poder público e das creches mantidas por algumas
empresas, a procura por creche era maior que a oferta. E, sem uma política
governamental efetiva, a educação das crianças continuou sendo alvo de intenções
humanitárias, porém insuficientes para atender as demandas existentes. Com isso, as
reivindicações sociais e a luta pela ampliação do atendimento a crianças pequenas
continuaram. O movimento de mulheres, o movimento feminista e outros simpatizantes
da causa que envolvia a educação das crianças pequenas marcavam presença nos
congressos, nas associações de bairro e nos sindicatos, colocando em discussão a
responsabilidade da sociedade em relação à educação das novas gerações. Para tanto,
defendiam que:
[...] a responsabilidade pela educação da criança pequena não é só da
mãe, nem da família, mas é também de todos; ou seja, o Estado,
enquanto gerente dos recursos arrecadados de toda a sociedade, tem o
dever de contribuir para a educação integral das crianças, desde seu
nascimento (CAMPOS, 1988, p. 23).
Com as crescentes reivindicações, o poder público teve que dar uma resposta a
sociedade. Em 1980, a Organização Mundial de Educação e Pré-Escolar (OMEP)
realizou um congresso em Brasília, com o tema “A Criança Precisa de Atenção”, cujo o
Comunidade Solidária e pela Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS), sob o nome de Programa Creche Manutenção. O programa foi mantido até o final de
2008, com número estável de 1,6 milhão de crianças.
30
foco central foi o discutir atendimento integral e integrado da criança de 0 a 6 anos. Os
ministérios da Educação, da Saúde e da Assistência Social participaram das
conferências e dos grupos de elaboração de propostas políticas. Segundo Corsino,
Nunes e Kramer (2011).
Pode-se considerar esse congresso um marco na tomada de decisão
política no país em relação à educação pré-escolar e na afirmação da
necessidade de articulação dos órgãos do governo para a oferta de
atenção integral à criança, tendo em vista seu desenvolvimento
harmônico (p. 24).
Nesse período, o Estado lançou basicamente dois programas: o Programa
Nacional de Educação Pré-Escolar, que enfatizou a ligação do papel da educação préescolar à supressão de carências da criança, ocasionadas pelo seu meio familiar; tinha,
portanto, a função de prevenir problemas futuros no Ensino Primário. O outro programa
foi o de instalação de creches como forma de alternativa de atendimento, geralmente
criadas em espaços ociosos existentes nas entidades sociais sem fins lucrativos e nas
prefeituras continuou apenas com o apoio financeiro e a orientação técnica para sua
instalação, organização e funcionamento pelo poder público. Um dos desdobramentos
desse programa foi a criação de creches emergenciais, conhecidas como creches
domiciliares. Ou seja, “uma mulher toma conta em sua própria casa, mediante
pagamento, de filhos de outras famílias enquanto os pais trabalham fora”
(ROSEMBERG, 1989).
Este modelo trouxe muita confusão de papeis para a mulher que cuida. O
modelo de creche, na década de 80, ficou marcado como uma forma de cuidado da
saúde, higiene, alimentação e educação, com ênfase na moral desenvolvida no âmbito
doméstico. Os papéis das profissionais foram confundidos com o papel de substituta da
mãe ou tia, certamente pelo aproveitamento do espaço doméstico e o reconhecimento do
papel do profissional, no espaço familiar. Ainda hoje, é presente em algumas creches
esse tipo de relação, prejudicando sobremaneira a institucionalização desse atendimento
e a construção da identidade profissional de seus agentes.
A Constituição de 1988 trouxe novas definições legais, ao estabelecer a
educação como sendo direito de todos e especificou, ainda, na seção da educação, o
dever do Estado em oferecer atendimento em creches e pré-escola para crianças de 0 a 6
anos de idade. Seu texto estabelece que a criança de zero a seis anos tem direito à
31
educação e não deixa dúvidas de que é dever do Estado oferecê-la, embora a matrícula
não seja obrigatória.
Enquanto as constituições anteriores viam o atendimento à infância somente na
condição assistencialista, de amparo à infância pobre e necessitada, a nova Constituição
aponta formas de garantir não somente esse amparo, mas também a educação da
criança. Ao subordinar o atendimento em creches e pré-escolas à área da educação, a
Constituição de 1988 dá o primeiro passo para a superação do caráter assistencialista
que até então predominava nos programas de atendimento à infância. No artigo 208
define a educação como dever do Estado que será efetivado mediante a garantia de (...)
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (Artigo
208, inciso IV da Constituição Federal de 1988).
O olhar para a educação de crianças no Brasil passa a focar a construção de uma
nova trajetória para este nível educativo. Passaremos no próximo item a identificar as
políticas atuais no Brasil para a educação de crianças de zero a seis anos, no intuito de
trazer à nossa discussão como tem se dado, atualmente, as políticas de atendimento a
essa modalidade de ensino.
I.2 Políticas atuais para o atendimento a creche: como tem sido o atendimento
no sistema municipal de ensino?
Conforme já foi mencionado, a Constituição Federal 1988 trouxe um grande
avanço para atendimento de crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escola. Seguindo
os preceitos da Constituição de 1988, em 1990 foi aprovado o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), que, ao regulamentar o art. 227 ofereceu
atendimento em creches e pré-escola para crianças de 0 a 6 anos de idade. A
Constituição Federal e o ECA inseriram as crianças no mundo dos direitos humanos.
Foi também uma das bandeiras de luta dos movimentos sociais. Sua elaboração contou
com os debates e anseios de movimentos populares.
O Estatuto reafirmou as determinações Constitucionais sobre os deveres do
Estado em relação à educação infantil (artigo 54, inciso IV), garantindo à criança o
atendimento em creche e pré-escola. E definiu que as criança e os adolescentes devem
ter assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, para que seja
32
possível, desse modo, ter acesso às oportunidades de “[...] desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (BRASIL,
1994). Segundo Ferreira (2000), essa Lei é mais do que um simples instrumento
jurídico, porque:
Inseriu as crianças e adolescentes no mundo dos direitos humanos. O
ECA estabeleceu um sistema de elaboração e fiscalização de políticas
públicas voltadas para a infância, tentando com isso impedir
desmandos, desvios de verbas e violações dos direitos das crianças.
Serviu ainda como base para a construção de uma nova forma de olhar
a criança: uma criança com direito de ser criança. Direito ao afeto,
direito de brincar, direito de querer, direito de não querer, direito de
conhecer, direito de sonhar. Isso quer dizer que são atores do próprio
desenvolvimento (FERREIRA, 2000, p. 184).
Nos anos seguintes à aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, vários
documentos oficiais foram organizados e divulgados pelo Ministério da Educação
(MEC). Em 1994 foi lançado o documento intitulado: Política Nacional de Educação,
estabelecendo as diretrizes gerais para uma política de educação infantil. Em seu item
dois afirma que: “A educação infantil é a primeira etapa da Educação Básica e destinase à criança de zero a seis anos de idade, não sendo obrigatória, mas um direito a que o
Estado tem obrigação de atender.” (p.15). O documento foi regido de acordo com o
projeto da Lei de Diretrizes e Bases, que estava tramitando no Congresso Nacional,
onde a educação infantil apareceria em capítulo específico, por esse motivo a Política
Nacional de Educação Infantil adiantou as determinações previstas para este nível de
ensino.
Definiu a diferença existente entre as creches e pré-escolas, que basicamente
constitui-se pela diferenciação etária das crianças a serem atendidas.
As instituições que oferecem educação infantil, integrantes dos
Sistemas de Ensino, são as creches e as pré-escolas, dividindo-se a
clientela entre elas pelo critério exclusivo da faixa etária (zero a três
anos na creche e quatro a seis na pré-escola) (BRASIL, 1994 p. 15).
O documento também destaca os critérios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crianças; discute a organização e o funcionamento
interno dessas instituições; afirma a necessidade de uma política de formação do
profissional de educação infantil, reafirma a necessidade e a importância de um
profissional qualificado e um nível mínimo de escolaridade para atuar nas instituições
33
de educação infantil; e fala das “Propostas pedagógicas e currículo em educação
infantil”. Esse documento foi importante no sentido de garantir melhores possibilidades
de organização do trabalho dos professores no interior dessas instituições.
Esses documentos oficiais marcam o início da discussão de uma nova concepção
de educação infantil, que culmina em outra importante medida legal, a Lei de Diretrizes
e Bases da educação (Lei nº 9.394/96) que passou por um período de oito anos de
tramitação até ser aprovada pelo Congresso Nacional em 17 de dezembro de 1996, e
que contém os ordenamentos constitucionais referentes à educação brasileira, foi de
fundamental importância para o atendimento da educação infantil, pois ela foi inserida
como parte da Educação Básica.
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos
de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996).
De acordo com Didonet (2009, p. 8), a definição da educação infantil como
“primeira etapa da educação básica” é profundamente revolucionária; portanto, não
deve ser direcionada para um entendimento parcial e reducionista como de etapa
preparatória, mas deve afiançar o significado constitutivo que a primeira educação
possui.
A LDB prevê em seu artigo 30 que a educação infantil será oferecida em:
I. creches, ou entidades equivalentes, para crianças até três anos de
idade;
II. pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade. (alterado
pela Lei 144/2005 e pela resolução CNE/CEB nº 3/2005 que antecipa
a obrigatoriedade do Ensino Fundamental aos 6 anos, ficando,
portanto, a Pré-Escola para crianças de 4 a 5 anos e 11 meses de
idade).
No termo da lei, a creche e a pré-escola passaram a fazer parte de um mesmo
segmento educacional. Ambas estão subordinadas à mesma esfera, ou seja, à Educação.
A diferenciação está relacionada à faixa etária das crianças e não mais à sua origem
social. Com isso, pelo menos na legislação, eliminam-se os preconceitos históricos de
que creche é para classe pobre e a pré-escola é para ricos frequentarem. Muda também
quando passa a ser educação infantil, não mais pré-primária, como outrora determinava
34
a LDB 4024/61, nem pré-escolar, como afirmava a LDB 5692/71. Além do mais,
determinou que ambas cumpram, pelo conceito de indissociabilidade, as funções de
cuidar e educar.
No capítulo das disposições transitórias da LDB, no Artigo 89, destaca-se: “As
creches e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três
anos a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino.” Essa
regulamentação estabelece um prazo para que ocorra a passagem das instituições de
educação infantil, sejam elas públicas, particulares, filantrópicas ou equivalentes para o
sistema de ensino; embora o prazo já tenha se esgotado, ainda estamos vivenciando esse
processo. Fica evidente, portanto, diante desta determinação, a inadequação de se
manter na área da assistência social a gestão de creches e pré-escolas.
A princípio, instituições públicas de educação infantil, em especial as creches,
eram coordenadas pela Secretaria de Assistência Social e mesmo que a Constituição
Federal de 1988 tivesse colocado a creche e pré-escola no capítulo da educação, essa
mudança de instância só passa a ser acelerada com a LDB. Faria (1997) apontou que
desde a Constituição de 1988, os municípios foram repassando a gestão das creches das
Secretarias de Promoção Social, Assistência Social e Desenvolvimento Social para a da
Educação, num processo longo e difícil de integração desses setores políticoadministrativo.
Diante do exposto, há que se ponderar que a educação infantil teve alguns
avanços, em especial no que se refere a sua nomenclatura como “educação infantil”,
pois isso elimina o caráter discriminatório que se tinha em relação às creches, quando se
considerava educação infantil apenas o pré-escolar. A inclusão das creches no sistema
educacional trouxe mais valorização para a educação da primeira infância. E com isso,
se passa a pensar numa totalidade em relação a faixa etária de 0 a 6 anos. Não que a
mudança da nomenclatura possa ser a garantia de um melhor trabalho, pois, como
Kuhlmann (2001, p.65) nos diz “é insuficiente atribuir um nome ou expressão para
caracterizar a instituição e daí extrair todas as consequências pedagógicas a se
desenvolver em seu interior”.
O texto da LDB também evidencia que a responsabilidade pela oferta da
educação infantil passa a ser dos municípios, os quais deverão oferecer com qualidade e
35
ter como prioridade a garantia de recursos financeiros, físicos, assistenciais e
educacionais à população carente, a maior usuária das creches no Brasil. De acordo com
Cerizara (1999) durante o período de 1993 a 1996, se efetivaram vários congressos
organizados pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação – ANPED e
Simpósios Nacionais com o objetivo de promulgar uma Política Nacional de Educação
Infantil. Este trabalho vinha sendo gestado em todo o território nacional pela
participação efetiva de professores que discutiam e apresentavam suas necessidades e
singularidades, demonstrando a diversidade encontrada em um país com regiões e
culturas distintas e, portanto, carente de uma Política para a infância e a educação que
pautasse em seus principios as características apresentadas pelos professores envolvidos
com a proposta.
Os cadernos da Coordenação Geral de Educação Infantil – COEDI/MEC12 foram
a expressão de um trabalho coletivo de professores, pesquisadores e instâncias relativas
à educação infantil, onde também eram apontados criticamente os espaços inadequados,
a ausência de propostas pedagógicas, a expansão de um atendimento com qualidade
deteriorada e exigências de urgente ordenamento do esforço público.
Após a LDB 9394/96, EM 1998, o MEC organizou e distribuiu os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI), que são documentos para
nortear a organização da educação infantil, que são elaborados no contexto da definição
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que atendiam ao estabelecido no Art 26
da LDB em relação a necessidade de uma base nacional comum para os currículos.
Para caminhar em direção à efetivação dos direitos da criança à educação
anteriormente explicitada, outro documento foi elaborado, tarduzindo as determinações
da Constituições de 1988 e da LDBEN (9394/96) em diretrizes, objetivos e metas para
serem cumpridas no prazo de dez anos, abrangendo aspectos qualitativos e
quantitativos: o Plano Nacional de Educação – PNE, Lei 10.172 aprovado em 9 de
janeiro de 2001, organizado em sintonia com a Declaração Mundial sobre a Educação
12
Respectivamente, Ministério da Educação e do Desporto e Coordenação Geral de Educação Infantil.
Esses cadernos ficaram conhecidos como os das carinhas e tinham como característica a apresentação do
resultado de propostas que vinham sendo elaboradas por professores, por meio de diagnósticos
específicos de regiões, discussões e debates.
36
para todos e com apoio da Organização das Naçoes Unidas – ONU, tendo a participação
da sociedade civil em Congressos Nacionais de Educação (Coneds), com vistas à
expansão e melhoria dos sistemas de ensino. Este plano determinou também a
corresponsabilidade entre Estados, Distrito Federal e Municípios, que devem
estabelecer seus respectivos planos decenais (Plano Estadual de Educação e Plano
Municipal de Educação), em consonância com o PNE.
O PNE traçou 25 metas para a educação infantil, dentre essas foi prevista a
ampliação da oferta de educação infantil; padrões mínimos de infraestrutura para o
funcionamento adequado das instituições; formação dos dirigentes das instituições;
garantia de alimentação escolar; inclusão de creches e pré-escolas ao sistema nacional
de estatísticas educacionais, no prazo de três anos; atendimento integral para as crianças
de zero a seis anos; estabelecimentos de parâmetros de qualidade dos serviços de
educação infantil.
Em 2006, o MEC, em parceria com o Comitê Nacional de Educação Infantil,
promulga a nova Política Nacional de Educação Infantil13, contendo diretrizes,
objetivos, metas e estratégias para área. No texto do documento destacam-se questões
relacionadas à indissociabilidade entre o cuidado e a educação; a relação família e
escola; a consideração da criança em sua totalidade, observando sua especificidade no
processo pedagógico; a avaliação das propostas pedagógicas a partir das diretrizes e
com a participação dos professores, que devem ser qualificados para sua função; a
garantia do direito de professores a formação inicial e continuada e inclusão nos cargos
e salários do magistério; acesso das crianças com necessidades especiais; garantia de
recursos financeiros para EI; a expansão do atendimento com metas estabelecidas para
2010: atender 50% das crianças de 0 a 3 anos (6,5 milhões) e 80% das de 4 e 6 anos (8
milhões de crianças); a garantia de qualidade e padrões mínimos de infraestrutura.
Os documentos citados delineiam a educação infantil no âmbito de uma política
educacional, normatizam a organização institucional necessária para o atendimento à
13
Essa Política substitui a vigente desde 1994, que, por sua vez, destacava como principais objetivos a
expansão da oferta de vagas para crianças de 0 a 6 anos, o fortalecimento da concepção de educação e
cuidado com aspectos indissociáveis das práticas e melhoria da qualidade do atendimento nas instituições
de educação infantil.
37
criança de zero a seis anos de idade. O papel de formular políticas, implantar programas
e viabilizar recursos é de competência do Estado. Cabe ressaltar que muitos documentos
foram aprovados, mas ainda precisam ser efetivados nas esferas locais.
Como já foi explicitado, a Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996
atribuem aos municípios a responsabilidade sobre a educação infantil. Os municípios
devem aplicar pelo menos 25 por cento da receita de impostos na manutenção e
desenvolvimento do ensino. A criação, de natureza contábil, do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
(FUNDEB)14 começou a vigorar no país a partir de 1º de janeiro de 2007, trazendo
grandes avanços para a oferta de educação infantil. O FUNDEB é o resultado do
aperfeiçoamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEF (1996-2006), implantado
em todo país em 1998, para cobrir apenas o Ensino Fundamental.
Diferentemente do FUNDEF, o FUNDEB avança financiando todas as etapas da
educação básica, incluindo a educação infantil – creche e pré-escola, o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio. Cabe ressaltar que no projeto original, apresentado pelo
Congresso, não havia a intenção de incluir o financiamento da educação das crianças de
0 a 3 anos. A inclusão das creches foi um dos mais importantes aperfeiçoamentos da
proposta de criação desse fundo, que terá uma vigência de 14 anos (2007-2020), a partir
do primeiro ano de sua implantação.
Mais uma vez, observa-se que foi a organização dos Movimentos Sociais que
conseguiu interferir nos rumos da educação infantil. Dentre eles destacam-se: o Comitê
Nacional Brasileiro da Organização Mundial para a Educação Pré-escolar – OMEP/
Brasil, constituído em Confederação e o Movimento Interfóruns de Educação Infantil
do Brasil – MIEIB, criado em 1999, formado pelos Fóruns Estaduais composto por
diferentes instituições governamentais e não governamentais direcionados para a
educação infantil.
Ambas as organizações – OMEP e MIEIB – foram decisivas no
Movimento Fundeb pra Valer. Sirvam essas duas – uma pelo
14
Emenda Constitucional n.53, de 19/12/2006.
38
pioneirismo; outra, pelo vigor atual – de exemplo do quanto a
sociedade civil, por meio de suas organizações, tem um papel a
exercer na formulação da política pública de educação infantil e na
construção da qualidade dessa educação (DIDONET, 2009, p. 11).
No bojo dos avanços e políticas em relação ao atendimento das crianças, em
abril de 2007, é instituído pelo MEC o Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE.
Esse se configura como um plano de governo, ou seja, sem força de lei, que objetiva
enfrentar as graves dificuldades encontradas na Educação Básica e elevar o desempenho
escolar. Desta forma, elenca algumas metas relativas a educação básica como um todo,
incluindo, assim, a educação infantil em programas como Caminho da Escola
(transporte), Saúde da Escola, Programas de Formação de Professores, Piso Salarial do
Magistério, o próprio FUNDEB, entre outros.
Nessa direção, o governo federal, exercendo uma função suplementar junto aos
municípios, lançou o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede
Escolar Pública de Educação Infantil – ProInfância, que visa a expansão de espaços
mais adequados com a construção de creches e escolas de educação infantil e a
aquisição de equipamentos. Conforme dados do MEC, entre 2007 e 2008, o Proinfância
investiu na construção de 973 escolas em 939 municípios. A meta para 2009-2010 é
financiar 500 unidades em cada ano (NUNES, 2011).
Recentemente, este campo se depara com mais uma mudança. A Emenda
Constitucional Nº 59, de 11 de novembro de 2009, estendeu a obrigatoriedade ao ensino
dos 4 aos 17 anos. Sobre esta questão, vivemos um momento de ampla discussão. O
cenário mudou, a obrigatoriedade das crianças de quatro anos frequentarem a pré-escola
se tornou uma imposição social e legal.
Ainda em 2009, buscando orientar as instituições quanto à proposta pedagógica,
foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, a Resolução nº 5, de dezembro de
2009, que institui as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.15
Essas seguem os mesmos princípios que as anteriores, mas algumas questões cabem ser
destacadas, dentre elas: concepção de currículo da educação infantil; definição de
criança enquanto sujeito histórico, de direitos e produtor de cultura; interações e
15
Resolução N. 5 de 17 de dezembro de 2009.
39
brincadeira como principal eixo norteador do trabalho; referencias aos espaços internos
e externos das instituições; autonomia aos povos indígenas, quilombolas, agricultores e
pescadores, na escolha e organização dos modos de educação das crianças de 0 a 5 anos
de idade. Estabelece, também, data limite para ingresso no primeiro ano do Ensino
Fundamental: assim, crianças que completam 6 anos de idade após o dia 31 de março do
ano vigente, devem permanecer na educação infantil. Por fim, um dos seus artigos se
refere à proposta pedagógica na transição para o Ensino Fundamental, ressaltando que
essa deve garantir continuidade no processo de desenvolvimento e aprendizagem das
crianças, respeitando suas especificidades etárias e sem antecipação de conteúdos.
Como podemos constatar, legalmente, a educação infantil ocupa um lugar de
direito e, com este assegurado, é importante pensarmos como esta institucionalização da
infância vem sendo realizada. Muitas vezes as leis, no sentido normativo, não
caminham junto com às ações. O Estado assumiu a educação infantil, porém, não
realizou
investimento
necessário,
obrigando
a
sociedade
civil
a
assumir
responsabilidades que são suas, gerando ambiguidades e contradições em todo processo.
Como, por exemplo, a incorporação dos profissionais “leigos” para a educação, sem
favorecer e garantir a sua formação, fazendo dessa formação uma responsabilidade
individual, eximindo-se de seu compromisso e gerando novos problemas.
(...) o fato de termos uma legislação avançada em relação aos direitos
humanos e da criança não significa que eles estejam assegurados, pois
a proteção dos direitos sociais é dispendiosa, exigindo a presença do
Estado e a adoção de políticas públicas adequadas para o seu
cumprimento (CORSINO, 2005, p.206).
Para que o direito seja de fato efetivado, é necessário criar-se políticas para
educação infantil nos municípios em consonância com o contexto das políticas atuais,
que não se voltem somente para as demandas deste nível de ensino, mas que os sistemas
educacionais e municípios regulamentem, avaliem todas as instituições (públicas e
privadas) a fim de garantir que estejam de acordo com as regras e com as leis,
promovendo espaços que garantam os direitos das crianças, a valorização de sua
cultura, suas necessidades e sua identidade (CORSINO, 2005).
40
Afinal, o atendimento em creches no Brasil tem aumentado. Dados recentes do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP16
mostram que o atendimento cresceu 10,5% na comparação entre 2011 e 2012, chegando
a quase 2,6 milhões de matrículas de crianças com até três anos de idade. O ano 2012
registrou mais de 2,2 milhões de matrículas, com crescimento 476 mil matrículas desde
o ano de 2010, o que possibilitou um aumento de 23% nos dois últimos anos.
O aumento no número de matrículas é atribuído ao reconhecimento da creche
como primeira etapa da educação básica, com a garantia de repasse de recursos aos
estados, ao Distrito Federal e aos municípios, para financiamento e manutenção das
unidades, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Também são desenvolvidas
pelo MEC ações supletivas, como o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição
de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), que
oferece assistência financeira ao Distrito Federal e aos municípios para a construção,
reforma e aquisição de equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas.
Sabemos que muitas são as questões que merecem ser analisadas ao tratarmos
deste atendimento como, por exemplo, questões sobre financiamento, currículo, práticas
pedagógicas, relação entre cuidar e educar, formação dos profissionais que atuam junto
às crianças, entre outras. Entretanto, é consenso entre os autores que esta qualidade está
inteiramente vinculada à formação dos profissionais, como afirma Machado (1998):
A associação entre qualidade do atendimento, qualidade das
interações adulto-criança e formação profissional é uníssona nas
diferentes fontes consultadas, seja quando pretende-se delimitar a
próprio conceito qualidade (Balleyguier, 1992; Ghedini, 1992,
Howess et AL., 1992; Pierrehumbert, 1992), seja para verificar os
efeitos da permanência em instituições coletivas no desenvolvimento
das crianças (Clarke-Stewart, 1992; Howes ET AL., 1992b; Palmérus,
1992a e b; Andersson, 1992; Melluish ET AL., 1992; Balleyguier ET
AL., 1992), seja para justificar políticas educacionais (Campos, 1997).
(MACHADO, 1998)
16
Os números são do Censo Escolar de 2012, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep), do Ministério da Educação (MEC). Os dados foram publicados no Diário Oficial da
União, por meio da Portaria nº 1.478.
41
Desta forma, entendemos que o comprometimento com a formação dos
profissionais que atuam junto às crianças, transformando-se em ações concretas, pode
ser considerado como política pública, já que não temos dúvida de que é uma decisão
política, presente na LDB, merecendo o aprofundamento da questão, o que faremos a
seguir.
I.3 Um breve histórico sobre a formação e profissionalização docente no Brasil
A profissionalização é uma conquista que foi conduzida pelo Estado e
reorientada pelos professores em diversas épocas, que logo compreenderam a
necessidade de garantir um estatuto de suas atividades, bem como de sua existência e
manutenção.
Na idade moderna a escola passou a ocupar um lugar de destaque na formação
do cidadão sob o pressuposto de que o uso adequado da razão poderia resolver os
problemas do mundo. Assim, a escola e o professor tomaram lugar como elementos
importantes para efetivação de um projeto de sociedade. A escola como um local
privilegiado para o exercício da educação, e o professor como elemento condutor desse
processo adquiriu um valor muito grande nesse período da história.
O século XVIII foi marcado pela constituição dos Estados Modernos por toda
Europa Ocidental com novas leis, nova organização e divisão de poderes, mais controle
do cidadão e com a inserção da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Ocorreram nas ciências, na tecnologia, e na industrialização. Na educação as mudanças
deram indícios de que era preciso definir, também, o perfil do professor ideal (NÓVOA,
1995b).
Novóa (1995b) evidencia a inquietação em relação ao professor, no qual se
questionava: o professor deve ser leigo ou religioso? Deve integrar-se ao corpo docente
ou agir a título individual? De que modo o professor deve ser escolhido e nomeado?
Quem deve pagar seu trabalho? Qual autoridade a quem deve depender? As
interrogações da época Moderna faziam parte de um movimento de estatização da
educação. O processo de estatização do ensino consiste, sobretudo, na substituição de
um corpo de professores religiosos (ou sob o controle da Igreja) por um corpo de
professores laicos (sob o contole do Estado), sem que, no entanto, tenha havido
42
mudanças significativas nas motivações, nas normas e nos valores originais da profissão
docente (NÓVOA, 1995b, p.15).
Assim, a profissão docente é abarcada pelo controle estatal que passa a certificar
quem pode ou não exercer e autorizar instituições onde esta seria exercida. O professor
passava a ser funcionário público e o modelo de educação continuava inspirado no
modelo religioso, sendo a profissão certificada e regulada pelo Estado que mediava a
relação da sociedade com seus objetivos políticos.
Os saberes, as técnicas, as normas e os valores que conduziam a educação foram
estabelecidos, de início, pela Igreja e; e em seguida, pelo Estado, que se responsabilizou
pelo recrutamento dos professores. Aos professores cabia a adesão a esse discurso e
seguir o planejamento de ensino elaborado por outros. Com isso, o Estado e o professor
se beneficiavam. O primeiro poderia controlar melhor a educação e as atividades
decorrentes dela, já o professor, via sua profissão como função pública e social para
alcançar mais status e respaldo na sociedade com definição de poder e formação de uma
identidade profissional.
No século XVIII, já havia também uma diversidade de grupos que encarava o
ensino como ocupação principal. Desse modo, sob a intervenção do Estado, inicia-se a
homogeneização de todos esses grupos, organizando a educação como um corpo do
Estado e, por ele, é realizada certas ações e tomada de atitude, estabelecendo uma
espécie de norma de criação e de proteção da profissão docente.
Segundo Nóvoa (1995b), uma dessas ações para homogeneizar o recrutamento
dos professores era a definição de normas e regras para a contratação, uniformizando o
processo nacional de seleção de mestres. Portanto, o processo local deveria estar
submetido ao controle e as regras ditadas pelo Estado. Assim, os professores são
instituídos como profissionais livres do interesse das autoridades locais, sendo um
trabalhador que dominava diversas habilidades especializadas, o que os diferenciava no
grupo.
Portanto, a intervenção do Estado na educação vai conduzir o ser professor ao
status de profissão, concretizada com a criação da licença ou permissão. Esse foi um
momento decisivo no processo de profissionalização da atividade docente, definindo o
43
perfil do professor ideal para o recrutamento e delineando a carreira docente. De acordo
com Nóvoa (1995b), os professores foram ativos no processo de estabelecimento da
profissão docente ao assumirem a tarefa de promover a educação e seu valor,
reivindicando as condições para a valorização de suas funções e, com isso, a melhoria
das condições de seu trabalho e seu estatuto sócio profissional.
No século XIX, se tem uma nova configuração, com a expansão da escola
associada às potencialidades da educação ligadas a projetos políticos do Estado, na
promoção do progresso, e da ordem social. Assim, se tem a necessidade de novas
técnicas pedagógicas, de novas normas e valores próprios da profissão docente, bem
como a necessidade de assegurar sua reprodução aos futuros professores. Ser professor
estava se tornando uma profissão cada vez mais especializada, exigindo a existência de
um novo espaço voltado à formação e maior qualificação profissional.
Nesse cenário o estabelecimento de escolas destinadas à formação e preparo
específico de professores, está relacionada à “[...] institucionalização da instrução
pública no mundo moderno, ou seja, à implementação dos ideais liberais de
secularização e extensão do ensino primário a todas as camadas da população”
(TANURI, 2000, p. 62).
A criação das escolas normal trouxe novas conquistas e maiores exigências para
a profissão como: maior controle de entrada, definição de um currículo e melhor
qualidade de formação. Sendo, garantido uma formação de professores mais
uniformizada, ocupando o lugar central no processo de produção dos saberes.
Além da conquista de instituições de formação, as associações de professores,
criadas também no século XIX, foram um marco da luta pela profissionalização dos
docentes. Os professores reunidos em associações puderam se organizar para reivindicar
melhorias no seu estatuto profissional, maior controle da profissão e definição de uma
carreira própria (Nóvoa, 1995b).
Dessa forma, o Estado não foi o único beneficiado pela expansão do sistema de
ensino. Tudo isso contribuiu de forma inquestionável para colocar em movimento a
discussão acerca da profissionalização docente. Ou seja, um processo pelo qual o
profissional é reconhecido pelas características específicas do trabalho que realiza,
44
agregando os saberes e competências necessárias ao desempenho de suas atividades e
ao reconhecimento de um estatuto próprio na organização social do trabalho. Dela
tomam parte outros aspectos que dão corpo ao projeto de profissionalização.
Assim, é no século XX que a docência começa a assumir a configuração que
conhecemos hoje, quando a instrução torna-se obrigatória e em que as reivindicações e
união das associações de professores lutam para estabelecer as bases de um sistema
mais consistente e também mais estável.
Dessa maneira, a profissionalização dos professores foi um processo marcado
por intervenções e imposições do Estado, sobretudo, e de outros agentes que também se
colocavam como mediadores da questão, como a Igreja e o setor econômico, além, da
mobilização dos próprios professores em defesa de seus interesses.
No caso do magistério o controle exercido pela Igreja, ora pelo Estado, pode ser
um fator que contribui significativamente para as dificuldades na construção de uma
identidade profissional de bases sólidas, uma vez que ao assimilarem os estereótipos
profissionais impostos por cada um destas instâncias, os professores acabaram por
assumir papeis pré-estabelecidos, limitadores de sua autonomia.
Assim, embora a formação seja um elemento fundamental ao processo de
profissionalização, ela não se caracteriza como um único aspecto constituinte da
profissionalização. O conceito de profissionalização agrega ainda outras questões, que
são essenciais à sua implementação, as quais envolvem alternativas que possibilitam
melhorias nas condições de trabalho e desempenho da função, em consonância com as
práticas pedagógicas que foram sendo desenvolvidas ao longo da trajetória profissional.
No próximo tópico pretendemos refletir sobre o perfil, a história da formação e
profissionalização docente do professor de educação infantil.
I.4 Professores de educação infantil: Como o campo profissional vem se
constituindo?
É fundamental questionarmos sobre o profissional que trabalha com as crianças
pequenas. Quem são eles? Como tem se dado sua formação? E sua profissionalização?
45
Antes da promulgação da vigente Lei de Diretrizes e Bases Nacional Brasileira
(LDB 9.394/96), normalmente trabalhavam, em creches e pré-escola, pessoas com baixa
escolaridade, pois não havia nenhuma exigência de caráter formativo, nem tampouco de
um curso profissionalizante para formar os indivíduos que quisessem atuar nesse nível
de ensino. Assim, nessas instituições, predominavam o ato de proteger e de vigiar,
prevalecendo à concepção de um cuidado como favor às famílias, em especial às
mulheres de baixa renda, que não podiam pagar para ficar com as crianças enquanto
trabalhavam.
Em consequência disso, durante muito tempo, a professora de educação infantil
foi identificada e reconhecida, principalmente, pela sua afetividade, por ser do sexo
feminino, por gostar de criança. Assim, reforçava-se a concepção de educadora,
“forjada” através de seu perfil enquanto mulher com seu “dom de educar” inato. Várias
eram as denominações para o profissional que trabalhavam com as crianças pequenas
como: pagens, berçaristas, auxiliares de desenvolvimento infantil, educadores,
professores, mães crecheiras, monitoras, auxiliares, entre outras. Denominações que
acompanham a história da educação infantil, acreditando que basta ser mulher para
assumir a educação da criança pequena. Muitos acreditavam que o magistério
representava a continuação de uma missão que era da mulher. Os trabalhos dos
professores eram identificados com caráter de vocação, contribuindo para um
esvaziamento do caráter profissional das funções por elas exercidas.
Estudos como de Rosemberg (1996), Campos (1994), Cruz (1996), Vieira
(1999), Cerisara (2002) e outros mostram que a existência da baixa qualificação, do
desprestígio e da consequente desvalorização do professor da educação infantil no país
reflete as concepções revestidas de preconceito, que consideram o trabalho na creche
como algo que poderia ser realizado por mulheres com pouca ou nenhuma formação.
Não se pode esquecer a questão da carreira profissional do trabalhador dessa área, “[...]
além dos baixos salários, a alta rotatividade pode ser explicada também pelo
desprestígio da profissão, pela falta de perspectivas em termos de carreiras e más
condições de trabalho [...]” que provocaram estresse físico e emocional (CRUZ, 1996,
p.83).
Nessa perspectiva, Rosemberg (1996, p.62), denuncia que “a educação infantil
[...] é uma atividade historicamente vinculada à ‘produção humana’ (isto é a esfera da
46
reprodução) e considerada de gênero feminino, tendo, além disso, sido sempre exercido
por mulheres...”. Ao analisar o impacto desta especificidade do gênero feminino na
educação infantil, observa-se a educação infantil como uma ocupação atraente para
muitas mulheres que com escasso treinamento específico, “tornaram-se professoras de
educação infantil [...]”. Por outro lado, o fato de não ser necessária uma formação
profissional específica desvalorizou o salário e prestígio dessa ocupação.
A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), trouxe a definição de que o
atendimento à criança pequena deveria consistir em atendimento educacional, devendo
ser exercido por professores. No entanto, de acordo com Campos (1994), isso não
ocorreu de maneira natural. Intensos debates aconteceram a respeito de qual deveria ser
o profissional a trabalhar na educação infantil, sendo que as discussões apontaram outro
profissional, diferente do professor e também diferente da educadora sem escolaridade e
sem formação específica para o trabalho em creches e pré-escolas (CAMPOS, 1994).
O reconhecimento da educação infantil, ao ser inserida no sistema educacional
como primeira etapa da Educação Básica pela LDB n. 9.394/96, trouxe mudanças
significativas para a docência, tais como: a exigência do curso profissionalizante em
nível médio ou superior (Pedagogia e/ou Normal Superior); a busca pela equidade entre
o cuidar e educar no cotidiano das instituições; a formação em exercício e continuada
dos professores; o professor tido como aquele que complementa a família na educação
da criança pequena e não como quem substitui. Em síntese, qualidades como “ser mãe”,
“gostar de criança”, “ser mulher” etc. cedem lugar a uma proposta mais elaborada de
profissionalização [...]” (VOLPATO; MELLO, 2005, p. 725).
Oliveira-Formosinho (2008) considera que ser professor de crianças pequenas
exige uma profissionalidade específica, fundamentada tanto em conhecimentos e
competências, quanto na dimensão moral da profissão, o que a torna singular.
Utilizando as ideias de Katz (1993), o autor conceitua profissionalidade como algo que
diz respeito “ao crescimento em especificidade, racionalidade e eficácia dos
conhecimentos, competências, sentimentos e disposições para aprender ligadas ao
exercício profissional dos educadores de infância” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008,
p. 134). A construção da profissionalidade na educação infantil exige a garantia de uma
formação específica que considere a criança e o seu desenvolvimento. Para OliveiraFormosinho, a profissionalidade docente, vista na perspectiva das educadoras da
47
infância envolve um trabalho integrado da educadora com as crianças e as famílias, em
que os profissionais colocam em ação “seus conhecimentos, competências e
sentimentos, assumindo a dimensão moral da profissão” (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
2008, p. 135). Essa especificidade é característica do trabalho com a criança pequena,
com a qual se exige a capacidade de enxergar a globalidade de seu desenvolvimento
numa perspectiva holística; a necessidade de atenção privilegiada aos aspectos
emocionais ou sócio-emocionais da criança; a interação e dependência da família.
Sinaliza-se, portanto, que a criança pequena, apesar de ser muito competente, é ainda
bastante dependente do adulto, apresentando uma vulnerabilidade que exige cuidados.
Assim sendo, a construção da profissionalidade na educação infantil é específica, com
perspectivas diferenciadoras do papel de professores de crianças pequenas, tendo como
foco a criança e o seu desenvolvimento.
A habilitação do professor da educação infantil em nível Médio não é mais
admissível na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, exigindo-se a
formação de nível superior. Destacam-se os países e a qualificação mínima exigida para
os professores da pré-escola: Bélgica, Dinamarca, Alemanha, França, Grécia, Irlanda,
Luxemburgo, Portugal e Finlândia (no mínimo 3 anos de ensino pós-secundário);
Espanha e Estônia (Mestrado); Egito e México (Graduação de 4 anos); Cazaquistão
(Graduação em Pedagogia de 3 anos); Índia (um ano de ensino superior). Estudos
demonstram as dificuldades dos estudantes do Ensino Médio em adquirir uma
especialização. Por isso, muitos países desenvolvidos optaram em admitir o professor da
educação infantil com formação em nível Superior. Entretanto, o maior desafio para o
Brasil não se encontra na elevação da formação universitária, mas em aumentar a
capacitação profissional dos professores da educação infantil (BRASIL, 2009).
A identidade profissional na educação infantil pode ser compreendida como uma
questão que vem se constituindo neste campo profissional no país e que envolve luta
política. Significa, pois, a considerar como algo que faz parte da contemporaneidade,
enxergando-a como uma questão do mundo cambiante, cuja teoria social é vista numa
perspectiva descentrada e não essencialista. Os profissionais são vistos como atores
sociais e que constroem a sua própria identidade, ao mesmo tempo em que se encontram
em contextos de conquistas e de desafios nos quais creches e educadores/educadoras se
encontram à margem do sistema educacional (SILVA, 2008).
48
Para Silva (1999), a construção da identidade profissional se processa de forma
dinâmica e envolve conflitos que, muitas vezes, dizem respeito a diferentes interesses
que podem estar em jogo. A autora, em estudo realizado com educadoras de creche em
Belo Horizonte, identificou que as normas que regem as relações de trabalho e a
maneira como cada segmento constroem os modos de diferenciação e de identificação
na profissão refletem na construção das identidades coletivas e na maneira como os
professores se reconhecem se valorizam e são vistos por outros profissionais.
As relações de trabalho representam lugares de disputas, de lutas e de tentativas
de reconhecimento dos professores pela delimitação de sua identidade profissional,
tendo em vista as especificidades do trabalho desenvolvido na educação infantil. Tiriba
(2010), ao refletir sobre os desafios da formação, pontua a necessidade de se promover
uma rearticulação que integre corpo e mente, razão e emoção, ser humano e natureza. A
autora propõe a realização de um cotidiano que faça a integração que historicamente
caracteriza a educação infantil. Ela ainda chama a atenção para que as pesquisas
contribuam para a ressignificação das questões identificadas, nas quais essas dicotomias
se fazem presentes.
49
CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO INFANTIL EM NITERÓI: CAMINHOS DA
IDENTIDADE E DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE
Neste capítulo caracterizo a Rede Pública de Ensino do Município de Niterói e, a
partir de algumas análises, trago questões relevantes para o estudo. O objetivo do
capítulo é fazer um breve histórico da política educacional, em específico da educação
infantil e do Programa Criança na Creche, a fim de compreender como tem se dado a
expansão desse nível de ensino na cidade de Niterói. A trajetória de implementação do
atendimento às crianças pequenas no município é bastante peculiar. Soluções paliativas
e emergenciais provenientes das classes populares se tornaram propostas oficiais, sendo
encampadas, reorganizadas e sistematizadas pelo município, refletindo e produzindo
efeitos para as identidades profissionais.
II.1 Contextualizando a educação no município de Niterói
O município de Niterói17 localiza-se no sudeste brasileiro, no estado do Rio de
Janeiro e integra a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Possui uma população de
aproximadamente 487.000 habitantes (IBGE, 2010) e uma área de 129,3 km², sendo a
quinta cidade mais populosa do estado e a de maior Índice de Desenvolvimento
Humano. Suas principais atividades econômicas são: indústria naval, pesqueira, de
petróleo, de confecção e vestuário, construção civil, comércio, turismo e serviços.
(Figura 1).
17
Segundo Oliveira (2002) a origem de Niterói, antes de se tornar vila e depois cidade, está ligada a
invasão francesa na Baía de Guanabara no século XVI e a fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565.
Visando consolidar a ocupação das terras nas margens ocidentais da Baía de Guanabara, a corte
portuguesa concedeu Seis Maria a Martin Afonso de Souza, nome de batismo do índio Araribóia, que
formou fileira ao lado dos portugueses, liderando a sua tribo na luta contra os franceses e a sua expulsão.
Desse modo, em 22 de novembro de 1573, foi fundado o aldeamento de São Lourenço dos Índios que
perdurou até 1819, quando a localidade foi alçada a condição de vila pela corte portuguesa no Brasil, com
a função de proteger a cidade do Rio de Janeiro e reafirmar o seu poder sobre as terras D’Além,
recebendo o nome de Vila Real da Praia Grande. A cidade de Niterói só nascerá de fato, como sede de
poder político e município, em 1834/35, quando a corte, agora do Império do Brasil, resolve desvincular a
cidade do Rio de Janeiro, sede dessa corte, da capital da província do Rio de Janeiro, transferindo essa
função para Niterói.
50
Figura 1– Localização e divisão administrativa dos bairros do município de Niterói, Rio de
Janeiro, Brasil (Fonte: Wikipedia, 2014; Esri, 2014)
A cidade de Niterói tem uma rede de ensino com unidades públicas (70
municipais, 51 estaduais e duas federais) e privadas no atendimento à demanda da
educação básica. Já o ensino superior no município está representado por uma
universidade federal e por diversas outras unidades pertencentes à rede privada.
De 1989 até 1996, o município de Niterói criou 44 unidades escolares,
abrangendo creches e escolas que atendiam a 12.034 alunos da Educação Infantil à 8ª
série do Ensino Fundamental. A partir de 1999, o Ensino Fundamental passou a oferecer
nove anos de duração e foi estruturado em quatro ciclos: o Ciclo 1, com duração de três
anos, com os alunos iniciando-o aos seis anos de idade, e os demais ciclos de dois anos
de duração cada. A rede de ensino atende hoje, aproximadamente 28.987 alunos,
distribuídos em 124 unidades escolares em prédios cedidos, alugados, próprios,
improvisados, conveniados ou mesmo construídos especificamente para atender à
educação. Dessas 124 unidades, pelo menos 18 (dezoito) sofreram alterações ao longo
das diferentes administrações municipais. Hoje, portanto, estão em funcionamento, 106
unidades escolares (Figura 2).·.
51
Figura 2- Evolução histórica da rede física escolar de Niterói (Fonte: Dados da
Assessoria de Estudos e Pesquisas Eduvacionais – FME de Niterói)
Na Figura 2 é possível verificar a evolução histórica da rede física escolar de
Niterói, incluindo todos os niveis de ensino. Em 1991 a Fundação Municipal de
Educação (FME)
18
de Niterói, foi criado pelo decreto de nº 6178, de 28 de agosto de
1991 responsável pela formulação e execução da política educacional do governo
municipal. Ela tem sua estrutura organizacional compartilhada por dois grandes blocos:
o primeiro representado pela Secretaria Municipal de Educação (SME) e o segundo pela
Fundação Municipal de Educação (FME) e sua Superintendência de Desenvolvimento
do Ensino (FSDE). A sua criação teve como justificativa tornar a administração mais
ágil e democratizar as escolas da rede.
No site da FME há o registro de duas assessorias pedagógicas da FSDE: a de
Estudos e Pesquisas (AEPE) e a de Formação Continuada (ESEd); e conta com uma
diretoria de políticas pedagógicas, que possui dez coordenações: Educação Infantil, 1º
ciclo, 2º ciclo, 3º e 4º ciclos, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos (EJA),
18
A Fundação foi criada pelo Decreto de nº 6178, de 28 de agosto de 1991. A FME é uma autarquia que
congrega as ações executivas do Sistema Municipal de Ensino. De acordo com seu Estatuto, sua
funcionalidade principal é formular e executar a política educacional do Governo Municipal, tendo como
exclusividade, o ensino fundamental público gratuito, bem como o atendimento da criança de 0 a 6 anos,
em creches e pré-escolas.
52
Equipe de Articulação Pedagógica, Educação em Saúde, Promoção à Leitura, Mídias e
Novas Tecnologias. Há também três núcleos: Educação e Prevenção, Estágios e
Pesquisas, Educação Ambiental. Finalmente, três departamentos completam a estrutura
do organograma: Gestão Escolar, Programas e Projetos Especiais e Gestão de Pessoas
(COUTINHO, 2011).
II.2 O processo que deu origem às primeiras creches em Niterói uma história a
ser contada
Procurando rememorar a educação infantil na cidade de Niterói, com base em
registros da própria FME, percebe-se que sua história segue a tendência da própria
história da educação infantil em nível nacional, ou seja, tem seus momentos de avanços
e retrocessos.
Segundo Picanço (1996, p.70) em 1978 foi implantado em Niterói o “Programa de
Creches em Niterói” a título de experiência, ou melhor, para experimentação de
propostas metodológicas, com três modelos de atuação, correspondendo a três tipos
específicos
de
unidades
familiares.
Os
modelos
propostos
foram:
creches
institucionalizadas, creches comunitárias e lar substituto. O objetivo da implementação
dos três modelos consistia em desenvolver uma “espécie de laboratório para testar qual
deles seria a ideal e para que tipo de família”.
O programa solicitou apoio financeiro durante quatro anos, período em que os
responsáveis pelo mesmo poderiam realizar uma avaliação sobre a validade dos
modelos propostos de creches. O programa tinha como meta atender às mães
trabalhadoras,
proporcionando
aos
seus
filhos
condições
psicossociais
de
desenvolvimento.
Os organizadores do programa apontaram o modelo “lar substituto” como os
mais adequados para as classes populares. No entanto, para que tal modelo fosse
viabilizado, era necessário haver alguma forma de organização comunitária
institucionalizada para servir de centro mediador entre a “mãe substituta” e a Prefeitura
53
de Niterói. Os lugares escolhidos para implantação do programa foram as localidades de
Pendotiba e o morro do Cavalão19.
Os profissionais que atuavam nesse espaço eram professoras leigas, moradoras
da própria comunidade onde funcionava a creche. Havia uma equipe interdisciplinar
responsável pela formação, orientação, seleção e supervisão do pessoal. Os cuidados
com a saúde e a questão nutricional eram essenciais, pois não existia nessa época uma
educação como direito para as crianças pequenas. Percebe-se que essas ações se
propunham a reduzir os efeitos negativos da pobreza sobre as crianças que habitavam as
periferias. Muitas vezes, a ação desses programas não é de alterar a realidade, e sim
amenizar as consequências estruturais provocadas pelo sistema capitalista de produção.
Segundo Picanço (1996) a seleção para participar do programa priorizava as
mulheres que trabalhavam fora de casa e que tinham condições sócioeconômicas
precárias. A partir do trabalho com o grupo de mães, novos critérios foram
incorporados, por sugestões das mesmas. Entre os quais, a prioridade de atendimento às
mães sem companheiros, a renda familiar, número de filhos e de membros
improdutivos. Por sugestões das mães, limitou-se a dois, o número de filhos atendidos
por famílias.
O final da década de 1970 foi marcado pela eclosão de movimentos sociais por
todo o país, os quais clamavam por direitos que lhes eram negados. Muitos desses
grupos começaram a se responsabilizar por tarefas que deveriam ser públicas, de forma
que iniciativas que envolviam a participação da comunidade eram bem vistas pelo poder
público. Kramer nos faz refletir sobre o que era delegado para a sociedade civil quando
se discutia a educação dos pequenos brasileiros.
Associações religiosas e organizações leigas, bem como médicos,
educadores e leigos eram solicitados a realizar o atendimento à
criança em idade pré-escolar: o governo proclamava a sua importância
e mostrava a impossibilidade de resolvê-lo dada as dificuldades
19
O Morro do Cavalão é uma das 130 favelas da cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro. De acordo
com o IBGE, o Morro do Cavalão possui cerca de 2300 habitantes localiza-se em uma área nobre da
cidade, entre os bairros de Icaraí e São Francisco, situados na região das praias da Baía, zona sul de
Niterói. Pendotiba é uma região de Niterói constituída pelos seguintes bairros: Badu, Cantagalo, Ititioca,
Largo da Batalha, Maceió, Maria Paula, Matapaca, Muriqui, Sapê e Vila Progresso.
54
financeiras em que se encontrava, enquanto imprimia uma tendência
assistencialista e paternalista à proteção da infância brasileira, em que
o atendimento não se constituía em direito, mas em favor. Ambas as
tendências ajudam a esconder que o problema da criança se origina na
divisão da sociedade em classes sociais (KRAMER, 1995, p.61).
Em 1980 a Prefeitura de Niterói realizou um convênio com a Legião Brasileira
de Assistência (LBA). Assim, o Programa de Creches desenvolveu suas atividades
voltadas para a implantação do Projeto Casulo. Este foi um projeto incentivado pelo
Governo Federal, que criou a figura das chamadas Mães de Creches, tendo como meta
fortalecer o atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Eram implantados em lugares
ociosos, aproveitando a mão de obra de trabalhadores voluntários da comunidade onde
o projeto seria realizado. A LBA liberava recursos para a manutenção destas unidades e
fomentava o atendimento através de convênios com as prefeituras e associações de
moradores. Em Niterói, seis creches da prefeitura eram mantidas com esta parceria,
localizadas em Santa Bárbara, Sapê, Ilha da Conceição, Santa Rosa, Itaipú e Engenho
do Mato, para quais eram repassados valores em dinheiro para alimentação e material
de limpeza, e para cinco creches de Associações de Moradores, localizadas no Sapê,
Cantagalo, Ingá, Cavalão e Jurujuba20.
Em 1994 a LBA foi extinta, cessando o repasse de verbas para a manutenção
deste atendimento, conforme esclareceu a Psicologa do Programa Criança na Creche
(PCC). Com isso, a Prefeitura de Niterói teve que assumir sozinha suas creches. O
mesmo aconteceu com as creches filantrópicas, porém as creches de associações de
moradores ficaram sem ter como sobreviver. Então através de negociações das
associações com o Governo Municipal foi publicada uma autorização para a celebração
de convênio, similar ao médico de família, que na ocasião já estava implantado e em
pleno funcionamento na Fundação de Saúde. Assim surgiu o Programa Criança na
Creche (PCC), sem consubstanciar uma proposta pedagógica específica e, portanto, sem
referência teórica alguma, apenas visando garantir o repasse de verbas para que as
creches de associação de moradores não fossem fechadas, deixando cerca de 1000
crianças das comunidades sem atendimento.
20
Depoimento concedido pela Psicologa do Programa, Cilene Moura, no dia 06 de novembro de 2013.
55
Nesta ocasião, o Programa foi definido como intersetorial, articulando saúde,
educação e assistência social e os convênios eram diretamente ligados ao Gabinete do
prefeito João Sampaio, que ficou à frente da prefeitura no período de 1993 a 1996. O
PCC tinha apenas um coordenador que era responsável por manter o contato das creches
com o poder público. Sua atuação era basicamente verificar a aplicação dos recursos. Os
profissionais que atuavam nas creches eram moradores das comunidades e na sua
grande maioria sem formação especifica para trabalhar com crianças. O depoimento da
psicologa do PCC abaixo é elucidativo a esse respeito:
(...) naquele momento o olhar para estas crianças era o de cuidar
para que suas mães pudessem trabalhar, a creche era direito da mãe
trabalhadora e não da criança tanto que a maioria das creches
colocava como condicionalidade para matrícula que a mãe
apresentasse comprovação de trabalho. Acredito que com o passar
dos anos e com a vinda das creches das associações para a secretaria
de educação por força da legislação, foi acontecendo paulatinamente
esta mudança de olhar e com isso aumentando o nível do
atendimento, inclusive com a própria secretaria colocando técnicos
para acompanhar o trabalho das creches. Inicialmente a equipe tinha
uma pedagoga, uma psicóloga e a diretora que era pedagoga
(Depoimento concedido dia 06 de novembro de 2013).
O Programa fazia o repasse de recursos financeiros para pagamento do pessoal –
merendeiras, educadores e auxiliar de serviços gerais – bem como para manutenção e
compra de materiais permanentes e de consumo, e também para pagamentos de taxas
com água e luz. Além disso, também dava apoio técnico e influenciava nas decisões
sobre o gerenciamento e propostas pedagógicas das creches conveniadas21.
Atualmente, a relação do programa com as creches é de acompanhamento,
supervisão e assessoramento, além do repasse da verba per capta feita pelo financeiro da
FME. Nessa estrutura, existem três grupos de trabalho: um administrativo que
supervisiona as questões de ordem financeira e acompanham o processo de repasse; um
grupo técnico voltado para a ação social, incluindo pedagogos, psicólogos e
nutricionistas, que supervisionam as creches e assessoram tanto as creches quanto a
direção do Programa. Há também o grupo gestor, composto de uma coordenadora e uma
diretora geral, que hoje dirige toda a educação infantil da rede municipal.
21
Os convênios consistem no repasse de verba pública, calculada em “per capita” relativo ao número de
crianças atendidas. Os convênios são regulados pelo artigo nº 116 da Lei Federal nº 8.666 de 1993.
56
Na época em que o Programa surgiu, em 1994, o Município de Niterói, possuía
uma população de 436.115 habitantes e, desses 10,6% eram crianças de até 6 anos, o
que equivalia a uma população de 46.223 crianças. Porém, o atendimento era feito
somente para 3.139 crianças, ou seja, somente 6% do total de crianças eram atendidos.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1996 indicavam
que a população da cidade era constituída de 450.364 habitantes, sendo 46.064 crianças
na faixa etária entre 0 a 6 anos, ou seja, 9,6% do total da população. De 1997 até 1999,
houve uma diminuição significativa de matrículas para crianças abaixo de 3 anos, além
da inclusão de matriculas de crianças de 6 anos no ensino fundamental
(VASCONCELLOS, 2001). Isto, porque, com a criação, em 1997, pelo Governo
Federal, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
(FUNDEF), com o objetivo de expandir as matrículas do ensino fundamental, muitos
municípios brasileiros diminuíram seus investimentos nas unidades de educação
infantil, e Niterói foi um deles desfavorecendo mais uma vez as famílias com crianças
com menos de 3 anos. Os dados atuais da FME22 mostram que em abril de 2013 as
UMEIs atendiam 3.841 alunos, as Unidades Escolares de Ensino Fundamental atendiam
1.397 alunos e as Creches Comunitárias atendiam 3.163 alunos. Possuindo um total de
8.401 crianças na educação infantil pública do município (Figura 3).
Como se pode ver no Anexo 3, as escolas são distribuídas por 7 Pólos, sendo 29
UMEIS 47 Unidades Escolares de Ensino Fundamental e 32 Creches Conveniadas23.
Um ponto importante a destacar é a carga horária de atendimento das creches, sendo,
hoje 25 UMEIS em horário integral e 7 em horário parcial. As creches em Unidades
Escolares de Ensino Fundamental são todas em horário parcial e as Creches
Comunitárias são todas em horário integral. O município tem hoje um reduzido
atendimento à criança pequena em tempo integral, priorizando o tempo parcial. A falta
de verbas para a Educação Infantil tem estimulado vários municípios a limitar o
atendimento em tempo integral (KUHLMANN, 2000, p.7) e a priorizar matrículas para
uma parcela da população ao estabelecer critérios de seleção.
22
Dados retirados do site da FME http://www.educacaoniteroi.com.br/category/menu-principal/dadosestatisticos-da-rede-escolar-municipal/ no dia 26 de março de 2013.
23
Anexo 3 distribuição de escola por Polo.
57
Legenda:
UMEI - Unidade Escolar de Educação Infantil
EI-UE - Educação Infantil - Unidade Educacional
EI-CC - Educação Infantil - Creche Conveniadas
EF - 1/2 - Ensino Fundamental - 1º e 2º ano
EF - 3/4 - Ensino Fundamental - 3º e 4º ano
EJA - 1/2 - Educação de Jovens e adultos - 1º e 2º ano
EJA - 3/4 - Educação de Jovens e adultos - 3º e 4º ano
Figura 3 – Quantidade de alunos atendidos das unidades de educação infantil do município de
Niterói (RJ) no mês de abril de 2013 (Fonte: Fundação Municipal de Educação de Niterói)
O crescimento das redes conveniadas tem sido alvo da análise de diversos
especialistas, como é o caso do Luiz Araújo, consultor da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), que afirma que “o custo de
manutenção de uma escola conveniada é, em media, a metade do custo de uma escola
pública,” o que evidentemente torna mais viável para o gestor concentrar seus esforços
orçamentários na geração de vagas na rede conveniada, para, assim oferecer o dobro de
vagas com o mesmo custo da rede pública. “Isso sem aumentar o risco do município
descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Soma-se o fato de que, a partir da regulamentação do FUNDEB (Lei n.
11.494/2007), foi permitido que as matrículas realizadas na rede conveniada fossem
computadas como matrículas oferecidas pelo poder público municipal, já que estas
seriam contabilizadas para distribuição de recursos do Fundo.
58
As maiorias das creches conveniadas estão situadas em locais precários, em que
as pessoas têm baixa qualidade de vida. As pesquisas de Campos (1997) têm
demonstrado que “a população infantil mais pobre, moradora em favelas, ocupações,
palafitas e periferias em geral”, ou seja, a população que mais deveria usufruir dos
serviços públicos, é a que se encontra excluída do direito à educação infantil. Na
opinião de Silva (2001) esse tipo de atendimento em creches comunitárias que
posteriormente se tornaram conveniadas do poder público acabaram reforçando se não a
exclusão, um tipo de atendimento de menor qualidade para aqueles com um menor
poder aquisitivo, visto que se proliferam propostas populares para suprir os campos em
que as políticas do Estado são mais insatisfatórias: educação de 0 a 6 anos, alfabetização
de jovens e adultos e as primeiras séries do ensino fundamental.
Enfim, podemos perceber que o poder municipal tem muitos desafios, que vão
além da expansão de vagas na educação infantil. Sabemos que a passagem das creches e
pré-escolas para instituições educativas não é simples, é um processo gradativo e que
exige ações que vão das regulamentações dos Conselhos Municipais de Educação
(CME), incluindo a reorganização das SMEs, alocação de recursos físicos (instalações,
equipamentos, materiais) e financeiros, até a qualificação, formação, plano de carreira e
estabelecimento de vínculo empregatício dos profissionais que trabalham na Educação
Infantil, dentre outras ações. No próximo tópico, veremos quem são os profissionais que
atuam nas creches conveniadas do município de Niterói.
II.3 Tecendo histórias: os professores das creches conveniadas de Niterói
No período do surgimento do Programa Criança na Creche (PCC) a educação
infantil não era obrigatória, não havia, portanto preocupação com um perfil profissional
e nem com a formação específica. A partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB,lei n.º 9394/96) é que os profissionais que atuavam e continuam atuando na
Educação Infantil passaram a ser reconhecidos como profissionais com direito à
formação, principalmente os da creche.
Quando as creches do PCC foram transferidas do sistema de assistência social
para o sistema educacional, tem início uma avaliação da estrutura em que as creches
funcionavam, além de ser realizado um levantamento dos profissionais que atuavam na
educação infantil. Na ocasião foi verificado que a maioria dos profissionais que
59
trabalhavam nas creches eram cedidos pela companhia urbana da cidade e nem sempre
havia a presença de um professor que fazia um trabalho pedagógico com as crianças,
como podemos verificar no depoimento do ex-subsecretário de Projetos especiais Superitendente de Desenvolvimento de Ensino.
Através do levantamento realizado pela COESE e pela Coordenação
de educação infantil da Superitendencia de Desenvolvimento de
Ensino fomos aos poucos substituindo esses profissionais que não
eram do magistério, que na prática eram auxiliares de serviços gerais e
que faziam as funções de auxiliares de creche na rede municipal e
principalmente nas creches conveniadas (Depoimento concedido, 13
de novembro de 2013)
Observa-se pelo relato que, naquela época, as profissionais não tinham
experiência de trabalho em creche, e se privilegiava o cuidado com as crianças. Vale
também ressaltar que em outros municípios também ocorriam os mesmos problemas.
Como é relatado por Lages (2012), em Montes Claros (MG), nos primeiros
atendimentos nas creches, não havia uma estrutura de recursos humanos para atuação
nas creches: algumas recreadoras eram retiradas até mesmo do trabalho desenvolvido
com as crianças para colaborar com a faxina da creche. Como não havia profissional
responsável pela limpeza e higiene da creche, a Secretaria de Trabalho e Ação Social
(SETAS) passou a contratar pessoas através das Frentes de Trabalho24 para a realização
desse serviço.
Para melhorar essa situação, a diretoria do Programa Criança na Creche que
estava subordinada a Superintendência do Desenvolvimento de Ensino, iniciou uma
discussão em termos pedagógicos com a rede municipal para reestruturação da
educação infantil e do ensino fundamental. Isso resultou na construção de uma nova
proposta de trabalho que traria a redefinição dos objetivos em relação ao atendimento às
crianças, cujo maior enfoque deveria voltar para o aspecto educativo. Isso denota a
preocupação com a organização das creches e pré-escolas, sinalizando para o início da
construção da identidade da educação infantil no município e para a criação de
condições mais favoráveis para o funcionamento das instituições.
24
Frentes de Trabalho trata-se de políticas públicas emergenciais que visam socorrer as famílias pagandolhe salários baixos por serviços realizados.
60
Porém, a diretoria do Programa Criança na Creche teve algumas dificuldades,
pois as creches conveniadas são de natureza privada, cada uma delas era mantida por
uma associação de moradores, uma igreja, uma organização da sociedade civil sem fins
lucrativos. Devido a essa situação, as orientações que emanavam da FME nem sempre
eram atendidas, uma vez que cada instituição tinha autonomia administrativa e
pedagógica inerente à própria organização do sistema.
Além disso, havia uma diferença no regime de trabalho dos profissionais. Se
naquela época os professores da rede municipal eram funcionários estatuários, os
professores do PCC eram contratados por uma dessas unidades, na qual o Programa não
tinha como exigir a formação desses profissionais. Assim, como no PCC havia um
número de pedagogos que eram contratados pela FME de Niterói, em parceria com
esses profissionais, tentou-se realizar uma formação continuada para os profissionais da
rede municipal e das creches conveniadas. De acordo com o ex-subsecretário de
Projetos especiais “a tentativa era dar um caráter mais orgânico para esse processo de
formação, afinal eles não eram professores habilitados”.
A psicologa do PCC, afirma que com a exigência da legislação (LDB) somente
no final da década de 90, houve um incentivo da FME para que os profissionais se
qualificassem, sendo criado um conveniamento informal com instituições de ensino
superior, local para que os auxiliares de creche pudessem se qualificar. Nesse momento
o PCC ainda não exigia um professor habilitado por sala, poucos foram fazer o curso.
Também o PCC passou a contar com pedagogos, nutricionistas, dentistas e assistente
social que eram contratados para prestarem serviços diretos na organização do
Programa.
Com as exigências do Ministério de Educação (MEC) em ter professores
habilitados em cada turma, a partir de 2006, a FME começou a proceder em relação à
formação dos professores, intensificando as parcerias com instituições privadas. Era
oferecida uma bolsa de 50% para os auxiliares que já tinham o curso normal em nível
médio para cursarem o normal superior ou pedagogia.
Em âmbito nacional foi oferecido pelo Governo Federal o curso Proinfantil que
é um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destinado aos
profissionais que atuavam em sala de aula da educação infantil, nas creches e pré-
61
escolas das redes públicas municipais e estaduais e de rede privada, sem fins lucrativos,
comunitárias, filantrópicas ou confessionais, conveniadas ou não, sem a formação
específica para o magistério25.
De início, as vagas do Proinfantil foram destinadas aos professores da rede
municipal, porém como muitas vagas ficaram ociosas, devido muito professores da rede
já possuírem a habilitação, pelo menos, em nível médio na modalidade normal, foi
oferecida a oportunidade de realizar o curso Proinfantil para alguns professores das
creches conveniadas que atuavam como auxiliares. Os auxiliares que não conseguiram
realizar o Proinfantil foram também incentivados a cursarem o ensino médio em
modalidade normal em outras instituições, afinal era necessário cumprir as exigências
da LDB. O PCC não podia manter o convênio com as instituições que não contassem
com professores habilitados. Conforme esclareceu ex-subsecretário de Projetos
especiais - Superitendente de Desenvolvimento de Ensino.
Cada vez mais houve a indução para que os auxiliares se
transformassem em professores porque não poderiam manter a
situação de contratar por meio de convênio a instituição que prestasse
serviço educacional para educação infantil que não tivesse em seu
quadro professores habilitados (Depoimento concedido dia 13 de
novembro de 2013).
Podemos analisar essa situação de dois lados: primeiro é que o Estado está
tentando formar os professores, o que pode ser tomado como uma iniciativa positiva, se
pensarmos que o Estado está oferecendo a esses profissionais a possibilidade de se
capacitarem, ou melhor dizendo, se habilitarem. O outro lado é que o Estado estava
incentivando modelos de formação, muitas vezes, duvidosos e “aligeirados” a esses
profissionais. A nosso ver, isso acaba reforçando a ideia de que a educação infantil para
pessoas pobres pode ser de baixo custo, fundamentada por uma concepção de educação
assistencialista e compensatória. Tal situação nos remete ao capítulo I, onde vimos que
na origem da educação infantil, legitimaram-se, em nosso país, dois tipos de instituições
de educação infantil que se distinguiram não apenas em relação à população atendida,
mas também aos objetivos, critérios de seleção da clientela, tamanho do grupo, número
25
Dados retirados do site http://proinfantil.mec.gov.br/ acesso dia 03 de abril de 2013.
62
de adulto por criança, horário de funcionamento, jornada de trabalho, perfil e formação
do profissional.
O ex-subsercretário de projetos especiais afirma, ainda, que os argumentos
usados pelo secretário de educação à época, para a profissionalização desses auxiliares
estava baseada na concepção de que a troca deles para um professor habilitado poderia
gerar o desemprego, deixando uma situação política incômoda, obrigando as
mantedoras de creche a demitir aqueles profissionais que atuavam como professores. E
ainda para o secretário os auxiliares se tornando professores habilitados teriam mais
condições de trabalho e que a presença do professor leigo que está previsto na LDB de
1996 precisava ser resolvida.
Os dois últimos editais de convocação para concurso de ingresso público na EI
da prefeitura municipal de Niterói, realizados em 2011 e 2013, mostram claramente que
a exigência em relação à formação dos professores aumentou. A Figura 4 apresenta a
situação em relação à formação de professores das creches conveniadas do munícipio de
Niterói em 2013. No total de 232 professores, 55% possuem Nível Médio; 42%
possuem Nível Supeiror e 3 Nível Especialista.
1900ral
Legenda:
NNM: Nível Normal Médio
1900ral
NS: Nível Superior
1900ral
1900ral
NE: Nível Especialista
42
55
NMT: Nível Mestrado
1900ral
3
1900ral
1900ral
1900ral
NNM
NS
NE
NMT
Figura 4 – Nível de formação, em percentagem, dos professores das creches conveniadas do
município de Niterói (RJ) em 2013. (Fonte: Dados do Programa Criança na Creche)
63
Diante dos dados nacionais, podemos afirmar que o grau de escolaridade dos
professores das creches conveniadas em Niterói pode ser considerado acima da média
nacional. Contudo, é importante pensar nas condições em que estão sendo realizadas as
estratégias de formação das profissionais da educação infantil. Exigir que estas
profissionais busquem a formação é sem dúvida um grande passo a se pensar na
qualidade dos serviços oferecidos às crianças. No entanto, é um desafio de grandes
proporções, pensar como se deu a formação desses profissionais. Os dados fornecidos
pela FME nos mostram que mais de 90% dos professores que tem nível superior
realizaram os seus cursos em faculdades privadas e mais de 70% dos professores que
tem o nível medio na modalidade normal também realizaram sua formação em
instituiçoes privadas.
A partir dos dados podemos observar que os professores têm buscado estrategias
para se qualificarem muitos infelizmente, tem buscado formações aligeiradas para
obterem o diploma e cumprir as exigências da legislação. Para o poder público, ter
professores com a formação mínima exigida por lei é importante e necessário, desse
modo, a pressão para certificar esses professores se coloca como um imperativo cuja
efetivação acaba importando mais do que a qualidade e a instituição na qual se dará esta
formação.
Para os professores, ao mesmo tempo em que se tornou uma oportunidade de
conquistar um salário um pouco melhor e elevar o seu status profissional, se tornou
também uma “obrigação.” Afinal, a permanência na creche depende da qualificação.
Para continuarem atuando junto às crianças, muitos profissionais (que exercem a função
de auxiliares ou de apoio) acabam exercendo a função docente. Para tanto, eles
necessitaram retornar à escola e organizar o cotidiano entre o trabalho, a formação ou
certificação, a casa e a família. Vários estudos têm defendido a necessidade de conhecer
como esse profissional, que transita entre o passado e as determinações da lei no
presente, após décadas longe da escola, encaram o retorno às atividades de ensino na
condição de aluno e como essa obrigação repercute na construção da identidade
profissional (OLIVERIA, SILVA, CARDOSO & AUGUSTO, 2006). As profissionais
(que já foram denominadas de pajens, babás, dentre outras) são agora chamadas a se
formarem como professoras. Entende-se que se trata de um momento de transição na
64
construção da profissão docente e, por esse motivo, privilegiado do ponto de vista da
investigação.
Nesse sentindo, no capítulo IV busca-se compreender esse momento a partir do
ponto de vista de quem o vivenciou, ou seja, do próprio profissional de creche.
Precisamos ter consciência que a construção da identidade profissional possui relações
estreitas com a formação inicial, formação continuada e com o ambiente de trabalho.
Concordamos com Nóvoa (1995a, p.25), para quem “a formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos
próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade
profissional.” É digno de nota o fato de que as condições de trabalho, em grande medida
influenciadas pelo clima institucional, exercem forte influência sobre a construção
identitária dos profissionais das creches, questão que será abordada no capítulo a seguir.
II.4 Caminhos da pesquisa: um retrato das instituições
Esta seção tem como objetivo caracterizar as instituições de educação infantil
pesquisadas. Essa é uma forma de contextualizar o local, o ambiente, a história e modos
de organização da creche em que o professor pesquisado atua, uma vez que entendemos
que tudo isso faz parte da construção da identidade deste profissional.
II-4.1- Creche A
Sua inauguração ocorreu em na década de 1990, através da mobilização dos fiéis
de uma paróquia da Igreja Católica do Município de Niterói. A instituição iniciou seu
atendimento com 60 crianças até seis anos de idade, todas matriculadas em tempo
integral e como uma alternativa para as mães que trabalhavam fora do ambiente
doméstico.
Atualmente, a creche A atende a 135 crianças de três a cinco anos. O seu quadro
de pessoal é formado por uma diretora, uma pedagoga, seis professoras, cada uma tem
dois contratos com a instituição, trabalhando, assim, em horário integral. Há, também,
mais seis auxiliares que trabalham em horário integral, três merendeiras e três em
serviços gerais.
65
A escola funciona em um espaço de fácil acesso, localizada no bairro de São
Franscico, região sul de Niterói. É um bairro de classe media alta que possuí algumas
comunidades periféricas onde residem as crianças da escola. No entorno da escola há
uma igreja e um comércio diversificado (farmácias, lojas, supermercados etc.).
É uma instituição planejada dentro dos padrões considerados adequados para o
atendimento da educação infantil. O prédio está sofrendo algumas reformas, buscando
adaptar-se às exigências do Programa Criança na Creche e melhorar o atendimento para
as crianças. A escola possui seis salas de aula, um dormitório, uma sala de artes que é
usada para aula de teatro, sendo utilizada por voluntários que trabalham com as crianças
nessas duas atividades. Possui um refeitório, uma secretaria, uma cozinha, um banheiro
para adultos e dois banheiros adequados à idade das crianças. O pátio é pequeno e
cimentado, possui algumas árvores e um pequeno jardim. As salas de aula não são
espaçosas, mas permitem o desenvolvimento das atividades cotidianas; possuem
carteiras para as crianças, estantes para colocação de brinquedos, armário, mesa e
cadeira para o professor. Nas paredes há produções das crianças em varais e cartazes.
O ingresso das crianças à escola é feito mediante a matrícula, que de acordo com
o Programa Criança na Creche, são realizadas em novembro. A matrícula é realizada
pela ordem de chegada dos pais, preenchido o número de vagas as crianças que não
conseguiram ingressar ficam na lista de espera.
II-4.2- Creche B
A creche foi fundada em 2005, fruto da mobilização coordenada por Associação
de Moradores da Comunidade do Jacarezinho, porém em 2011, por falta de estrutura
física e problemas com o presidente da associação a diretora buscou parceria com a
Igreja Metodista, que demonstrou interesse em arcar com a manutenção da creche.
Segundo a diretora: “a possibilidade desta nova parceria representou o desejo de
funcionários e pais de alunos, pois o receio de perder o espaço era grande, gerando
muita apreensão em todos”.
No seu início a creche atendia 120 crianças tendo que reduzir seu atendimento
para 100 crianças, por falta de espaço físico. A creche funciona em horário integral. A
creche está localizada no bairro Santo Antônio, na região oceânica de Niterói (Figura 5),
66
bairro de classe média alta, bem urbanizado, constituído por um grande número de
casas, muitas em condomínios fechados. As crianças são oriundas da comunidade do
entorno, sendo a grande maioria do Morro da Esperança, onde as condições de moradias
e urbanização são bastante discrepantes do entorno. De acordo com a diretora “as
crianças vivem em moradias inadequadas (de apenas um cômodo, onde vivem várias
pessoas), há falta de saneamento básico, falta de coleta de lixo, crianças sendo cuidadas
por outras crianças, não se tem uma qualidade de vida”.
A creche é um local alegre, dinâmico, que possui um espaço bem aproveitado,
apesar de não ter sido projetado especificamente para o funcionamento da creche.
Possui cinco salas, cada uma com capacidade aproximada de vinte crianças. As salas
são bem iluminadas e ventiladas, possuem espaços diversificados como: leitura, jogos, e
mural. Essas salas são transformadas em dormitórios para que, após o almoço, às
crianças possam dormir. A diretora e a pedagoga dividem a mesma sala. Possui um
refeitório e as principais refeições são: café da manhã, almoço e jantar. O cardápio é
seguido conforme orientação da nutricionista do PCC. As instalações sanitárias são
completas, apropriadas e exclusivas para o uso das crianças, incluindo sanitários e
chuveiros e possuindo também banheiro para adulto. A área externa não é ampla, nem
arborizada, o que propicia as crianças pouco contato com a natureza.
Atualmente, são cinco professores na parte da manhã e cinco na parte da tarde,
além de duas auxiliares que trabalham em horário integral e ajudam em todas as salas.
A creche atualmente está em obra, buscando ampliar seu espaço físico.
II-4.3- Creche C
A Creche C atende 64 crianças de 2 a 5 anos de idade, está distribuída em quatro
turmas de período integral. Localiza-se em uma comunidade de baixa renda conhecida
com Morro do Palácio, situada no bairro do Ingá. Possui características comuns com as
áreas favelizadas com ocupação espontânea do solo, infraestrutura precária e
predomínio de autoconstrução (FONSECA, 2003). A região possui uma população de
cerca de 1.900 habitantes (IBGE, 2010).
Foi a primeira creche de Associação de Moradores da cidade. Após sua
fundação estabeleceu convênio com Fundação Municipal de Educação de Niterói. É
67
uma creche com grandes dificuldades, pois não possui uma estrutura adequada ao
desenvolvimento das atividades. Funciona em prédio alugado e adaptado, não possui
área verde, espaço para brincadeira e playground. Sua estrutura física está necessitando
de reformas com urgência como: pinturas, iluminação, portas e pisos, ventilação na
cozinha e com as condições de acessibilidade precárias. Possuem quatro salas de aula,
banheiro, uma secretaria e pequeno espaço ao ar livre destinado à recreação. As salas de
aula são muito pequenas e não há muito espaço. As mesas das salas de aula são
adaptadas para o tamanho das crianças, nelas são afixados cartazes com produções das
crianças. A escola é pequena e possui um quadro de sete professoras contratadas.
Figura 5 – Localização, no município de Niterói, Brasil, das instituições de educação
infantil pesquisadas (Fonte: Fontes: IBGE, 2009; Wikipedia, 2014; Esri 2014).
.
68
Diante da descrição das três creches, podemos perceber que todas foram fruto da
mobilização social em prol do direito de atendimento à infância, contando com o apoio
de organizações religiosas - católica e metodista - e leigas, como a Associação de
Moradores. Todas funcionam em prédios modestos, mas cujas instalações foram
adaptadas especialmente para as necessidades da população infantil. Outro aspecto que
merece destaque é a presença do poder público nessas instituições, beneficiadas por
Programas temporários como o PCC. É ponto comum, também, o atendimento a um
público carente econômicamente e socialmente. Por meio dos depoimentos dos
professores que atuam em creche, no próximo capítulo poderemos conhecer melhor as
dinâmicas sociais desses estabelecimentos.
69
CAPÍTULO III – OS SENTIDO DOS DIZERES
O vento é o mesmo, mas sua resposta é
diferente em cada folha (MEIRELES, 1974,
p15).
Neste capítulo são apresentadas as vozes dos sujeitos, identificados como Sonia,
Márcia, Livia, Adriana e Claudia. Com um olhar voltado para a compreensão das
razões pelas quais essas professoras ingressaram e permaneceram nessa atividade – a
educação infantil em creches comunitárias – a pesquisa buscou apreender os
significados construídos por elas em relação ao trabalho nessas instituições, entendidos
como mediações através das quais poderíamos detectar os sentidos que essa atividade
profissional adquire para esses profissionais. O nosso olhar para as professoras foi
construído a partir de uma concepção de que se trata de sujeitos sociais, que se formam
nas diversas relações que participam. Assim, procuramos compreender as relações entre
as trajetórias de cada uma delas, a atividade profissional que exercem e a inserção em
cursos de formação profissional, bem como a busca por complementação da
escolaridade concomitante com seu desenvolvimento profissional. Para analisar essa
constituição, procurou-se apoio nas ideias de Dubar (1997a; 1997b) e Nóvoa (1992,
1995a, 1995b).
III.1 A construção da identidade dos professores em seus percursos de vida
pessoal, social e profissional
O indivíduo constrói sua trajetória profissional no entrelaçamento com sua
história de vida. No encontro das trajetórias, experiências e socializações com os outros
indivíduos, sua identidade pessoal e profissional se conslida por meio de dois processos
complementares: o biográfico e o relacional. (DUBAR,1997a).
Nas vozes das professoras de creche foi possível perceber como elas têm
construído suas identidades. De acordo com Dubar (1997a), ao serem contadas, as
trajetórias são interpretadas e passam a ganhar o novo sentido para o sujeito. Nessas
trajetórias, encontram-se o eu pessoal e o eu profissional, ou seja, nós e a profissão,
cruzando a maneira de ser com a maneira de ensinar. Segundo Nóvoa (1992, p17), é
impossível separar o eu profissional do eu pessoal. O professor está na totalidade dessa
união.
70
A identidade de cada professor, de cada indivíduo está relacionada aos
ambientes de sua circulação, às suas escolhas, trocas, interação e relação dialógica com
outras pessoas, seja na situação de relações sociais “nós-eu” (coletivo e individual), seja
na formação profissional (nosso caso o processo de profissionalização e o próprio
trabalho na escola) constituindo a identidade profissional. Dubar (1997a), ao analisar as
formas identitárias que resultaram das transações entre Eu-nós, postulou que as formas
identitárias se constituem nas interações dinâmicas entre o Eu individual (eu subjetivo)
e o Eu na interação com o outro (Eu-nós). Para o autor, as identidades profissionais são
as maneiras socialmente reconhecidas para os indivíduos identificarem-se uns com os
outros, no campo de trabalho e de emprego. A constituição das formas identitárias
profissionais é resultado das transações, dos meios de socialização entre o “eu e o
outro” e que são detectados no campo das atividades remuneradas.
O indivíduo, também, não está sozinho, vivendo a construção da sua identidade.
Ele é resultado das vivências durante sua infância no convívio com a família, das
relações e transações com os outros, das circunstâncias sociais e econômicas, e das suas
escolhas. Segundo Silva (1996) “ele vive esse processo como um projeto de vida que
ocorre de maneira interativa, em via a ser constante, dando-se a partir das diferentes
configurações e das determinações de ordem social” (p.32). Não obstante, essas
relações ocorrem na entre trabalho e emprego.
Gatti (1996) afirma que a identidade é multideterminada, pois
A identidade não é somente constructo de origem idiossincrática, mas
fruto das interações sociais complexas nas sociedades contemporâneas
e expressão sociopsícologica que interagem nas aprendizagens, nas
formas cognitivas, nas ações dos seres humanos (GATTI, 1996, P.86).
Como demonstraremos nas próximas seções, a construção das identidades
profissionais do grupo de professoras das creches conveniadas de Niterói que
ofereceram o solo empírico de nossa pesquisa se encontra diretamente relacionada com
as suas histórias de vida. Isso significa dizer que as negociações que elas precisaram
estabelecer com os limites de oportunidade profissional com os quais elas tiveram que
lidar ocupa um lugar mais destacado do que as escolhas e os percursos de formação.
71
III.1.1 A escolha da carreira e a necessidade de trabalhar
As professoras, sujeitos desta pesquisa, começaram a entrevista falando de como
foi construído o caminho para se tornarem professoras de creche. Falaram sobre os
lugares onde circularam, a escolha da carreira e das experiências que viveram como
auxiliar de creche. Buscaram na memória delas as lembranças de quando eram crianças,
de sua formação básica e de professores que, de alguma maneira, contribuíram para a
escolha do modelo profissional que almejam alcançar. A contribuição da memória
representa, de acordo com Nóvoa:
uma ruptura tanto em termos de procedimentos, pois o sujeito se torna
simultaneamente ator e investigador, quanto de entendimento da
realidade, na medida em que este método parte do pressuposto de que
seja possível entender o particular como parte do universal (2008, p.
116).
A escolha da profissão não parece ter sido feita de forma consciente para quatro
das cinco entrevistadas, sendo imposta pela necessidade de trabalhar, pela falta de
emprego ou pela insatisfação com o emprego anterior. Apenas uma das entrevistadas
encontrou em seus professores o modelo de mestre que a inspirou. As razões pelas
escolhas são muitas. Os estudos de Gonçalves (1995) indicam que as razões subjetivas,
como gostar de crianças e gostar da profissão são mais frequentes. No caso de nossas
entrevistadas, o gosto por trabalhar com crianças aparece no relato de duas
entrevistadas, enquanto outras três destacam a necessidade de trabalhar e a oportunidade
de uma ocupação profissional dentro da creche, inicialmente desempenhando uma
função pouco qualificada, como serviços gerais e auxiliar, para, depois se qualificar e
ascender à função de professora.
... eu trabalhava como empregada doméstica e fui mandada embora,
fiquei um tempo desempregada, e meu esposo, que conhecia a
diretora pediu um emprego pra mim. Comecei trabalhando no
serviços gerais, depois como auxiliar, até me tornar professora
[ADRIANA]
Quando eu morava em São Paulo eu trabalhei de babá também, e
quando cheguei em Niterói eu estava precisando de emprego, o meu
marido ficou desempregado, e eu precisava ajudar em casa, aí fiquei
sabendo que estavam precisando de auxiliar na creche e fui fazer
entrevista e estou aqui até hoje [MÁRCIA].
Eu trabalhava em um escritório de contabilidade, fiquei
desempregada e comecei a procurar emprego, foi quando eu tive a
72
ideia de conversar com a diretora e ela me falou que eles estavam
precisando de uma auxiliar e comecei a trabalhar aqui [SONIA]
...eu na verdade, trabalhava em um banco, eu não gostava,
trabalhava oito horas por dia. Era no antigo Unibanco. Trabalhei 12
anos no banco e aí eu descobri que não era o que eu gostava, porque
desde criança eu já queria ser professora. Quando eu e minha irmã
estávamos fazendo o segundo grau nós dávamos aula de reforço em
casa. Era o que eu gostava de fazer. Eu sempre falava que ia ser
professora. Aí, eu fiz o curso de magistério e conclui. Eu queria
muito fazer faculdade, só que o próprio encaminhamento de está
dentro da área de educação me fez fazer a faculdade. Graças a Deus,
eu comecei e concluí a faculdade [CLAUDIA]
Ver o empenho da professora do primeiro ano que é a antiga primeira
série, me chamava atenção. Ela foi marcante na minha vida. Eu quis
ser professora por causa dela: pelo jeito de ensinar, pelo jeito
respeitador com os próprios alunos e com os pais, a atenção que ela
dava para os pais quando eles iam procurar para saber a respeito dos
filho [LIVIA]
A inserção no trabalho da creche pelas profissionais pode ser compreendida
considerando as diferentes maneiras de ingresso na profissão. Para quatro das
entrevistadas (Adriana, Marcia, Sonia e Claudia) a escolha da profissão está mais
relacionada à sua história de vida, as experiências negativas com determinadas
situações, do que à decisão consciente em ser professor. Livia é a única das
entrevistadas que afirma que sua vontade de ser professora veio dos momentos positivos
quando era aluna no ensino básico. Os estudos de Goodson (1995) confirmam que o
aparecimento de um professor preferido, que seja modelo de inspiração, contribui de
forma significativa na formação profissional do professor. Em sua análise sobre a
trajetória profissional, Ronca (2005) identificou que a formação do professor ocorre
muito antes de ele chegar à sala de aula. Para muitos professores a escolha da profissão
se dá pelo mestre-modelo.
Em seu trabalho de tese, Cunha (1989) aponta que o encaminhamento
profissional constitui um aspecto muito relacionado à trajetória de vida, quando a
pessoa vai vivenciando espaços positivos, que podem ser inspiradores no
encaminhamento profissional. A autora mostra que algumas decisões partem do
ambiente familiar, quando um membro da família desperta a vocação no outro pelo que
faz, também, considera que há influências do ambiente social, das relações e razões
circunstanciais, como a necessidade de emprego. Na fala das entrevistadas, percebe-se
que não ocorreu nenhuma referência inspiradora da família, quando fazem alguma
73
alusão à família é para sinalizar situações de dificuldades financeiras. Sua decisão de
trabalhar na creche foi fruto da experiência pessoal imposta pelas circunstâncias sociais,
e experiências escolares que viveram como alunos e com os professores.
A necessidade de trabalhar colocou as professoras em contato cada vez maior
com o ser professor, às vezes pelo incentivo, às vezes pela necessidade de serem úteis
financeiramente às suas famílias. Para as entrevistadas Adriana e Marcia, trabalhar na
creche representava a possibilidade de melhores condições de vida para si mesma e para
sua família.
Outro ponto que deve ser considerado é que o ingresso na creche ocorre
geralmente por meio de algum parente ou amigo. É muito forte o papel dos
relacionamentos pessoais para o aceite da candidata à vaga, como se pode perceber nas
fala das entrevistadas. É rara a referência a algum tipo de seleção ou treinamento
anterior ao início do trabalho.
Segundo Dubar (1977a, p.77) as identidades resultam do encontro de trajetórias
condicionadas por campos socialmente estruturados, quando no caso, os professores se
encontram e se reconhecem. Assim, a trajetória de vida de cada professor é resultado
dos encontros e desencontros, mas, sobretudo, é o resultado da descoberta de trajetórias
que as levaram para a profissão de professor, conferindo parte da identidade profissional
do docente.
A formação básica e universitária, também, faz parte da trajetória da
constituição do ser professor, sobretudo, quando os profissionais necessitam ter a
formação exigida por lei26 como é o caso dos sujeitos que participaram da presente
pesquisa.
26
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (LDB) em seu artigo 62, essa lei estabelece
a formação em nível superior como necessário para os educadores de crianças de zero a seis anos de
idade, admitindo para atuação a formação em cursos do nível médio, modalidade Normal.
74
III.1.2 Negociações identitárias no contexto da profissão: A formação básica
e universitária
Quando se fala sobre os processos formativos, logo se faz referência ao lugar
social que a escola ocupa. As trajetórias de três professoras entrevistadas mostram que
elas somente foram fazer o curso de formação de professores após começarem a
trabalhar em creche, como auxiliar. A escolha por fazer o curso Normal se deu pela
oportunidade de ascender na carreira, ou seja, por almejarem a profissão de professor.
Eu comecei trabalhando em serviços gerais e ser auxiliar, mas não
acreditava muito nessa proposta. Eu ficava na janela olhando as
turmas, depois a diretora me puxou como auxiliar. Trabalhei como
auxiliar por quatro anos e depois tive a proposta do Proinfantil. Eu
me escrevi e tinha outra funcionária que também se inscreveu. Só que
na época só uma podia fazer o Proinfantil e a outra pessoa que era
auxiliar foi escolhida, só que ela engravidou e ela não quis ir, foi
onde eu pedi à diretora — deixa eu ir? E ela disse — tudo bem. Eu
fiquei muito feliz porque era o que eu mais queria [ADRIANA]
Comecei como auxiliar. Eu peguei uma professora ótima que era a
Maria Aparecida. Ela me ajudou muito, me deixou crescer na sala,
não me excluía, me deixava participar das atividades. Comecei a
pensar em ser professora, aí achei o curso para fazer, e fiz. Era o
curso Normal, ficava no Rio de Janeiro, na rua Buenos Aires. Era um
curso rápido de dois anos [SONIA]
Eu entrei aqui na creche em 98, eu fiquei dez anos como auxiliar. Fui
fazer faculdade de pedagogia, mas era difícil ir para o curso, era
caro, eu não estava aguentando. Uma amiga me falou — se eu fosse
você fazia primeiro formação de professor, é mais rápido e você vai
ter a oportunidade de ser professora — eu segui a ideia dela e
tranquei minha matrícula na faculdade, fui fazer o curso de formação
de professores que era de um ano e meio [MARCIA]
As dificuldades pessoais, sociais, financeiras e outras, levam os professores a
seguir por “atalhos”, a economizar esforços, a realizar apenas o essencial para cumprir a
tarefa que têm em mãos. Muitas vezes a qualidade cede lugar à pressa em se ter um
diploma, em qualificar. De acordo com Nóvoa (1995a), a formação estimula uma
perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento
autônomo. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e
criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma
identidade, que é também uma identidade profissional (p.13).
75
As professoras Claudia e Livia ingressaram na creche tendo a formação do
magistério, porém começaram como auxiliar e somente depois de um tempo que
estavam na creche se tornaram professoras regentes. Durante o período em que estavam
na creche tiveram a oportunidade de fazer um curso universitário. Claudia começou
fazendo o Curso Normal Superior, e depois, com a extinção do curso, foi transferida
para o curso de pedagogia. A professora Livia começou o curso de pedagogia na
Faculdade Madre Tereza, em Niterói, mas com dificuldade de pagar o curso, trancou a
matrícula, tendo a oportunidade de fazer prova de transferência para Universidade
Estadual do Rio de Janeiro – UERJ (Campus do município de São Gonçalo), onde
concluirá em 2014.
Vale ressaltar que a oportunidade de fazer o curso em faculdade foi propiciada
pela Fundação Municipal de Educação (FME) de Niterói, que através de uma parceria
com algumas faculdades do município oportunizaram esse processo. O professor
trabalhava durante o dia e a noite fazia o curso superior tendo uma bolsa de 50% para o
pagamento da mensalidade. Para Dubar (1997a) é negociando seu plano de formação e
carreira no interior do plano empresarial, no caso a Fundação Municipal de Niterói, que
os assalariados, muitas vezes, obtêm meios para realizar seu trajeto.
O professor quando busca a formação, ou até mesmo, quando é proporcionado a
eles a oportunidade de se qualificar, passam a compreender melhor seu oficio,
fortalecendo o sentimento de pertença à empresa, no caso, à escola (DUBAR, 1997a).
A formação é essencial na definição de quem somos porque possibilita a
incorporação de saberes específicos da profissão escolhida e facilita a relação com o
trabalho e a carreira profissional (DUBAR, 1997a). Nessa perspectiva, para Nóvoa
(1992) a formação de professores pode ter um papel importante na constituição de uma
nova profissionalidade ao estimular a emergência de uma cultura profissional docente
dentro de um processo de profissionalização centrado na produção e incorporação de
novos saberes.
Para as professoras Claudia e Livia a formação em nível superior foi essencial
para seu ser profissional. Elas atribuíram essa oportunidade a uma valorização pessoal,
em que foi fundamental para sua vida.
76
Quando me formei eu senti que era uma conquista. Sair todos os dias
á noite para estudar não é fácil, mas valeu a pena, receber o diploma
e saber que eu era pedagoga não tinha preço, me senti muito feliz e
valorizada [CLAUDIA]
Eu pagava a faculdade e depois tentei a transferência para uma
universidade pública, meu esposo estava desempregado na época e
estava muito difícil, eu estava trabalhando o dia todo. Eu falei — vou
tentar a prova lá — eu passei, acho que foi no segundo ou terceiro
lugar, felicidade total. Eu termino no final do ano, estou muito feliz
por ter conseguido essa conquista porque é complicado a gente que é
mãe e dona casa trabalhar fora e ainda ter que estudar, sabe? Eu
busco cada vez mais melhorar meu empenho na sala de aula. Não
vejo a hora de pegar meu diploma e ser pedagoga, e está formada
[LIVIA]
Para Dubar (1997b) a formação é essencial na constituição da identidade
profissional, facilita a incorporação de saberes que são essenciais para compreender o
ser professor como profissão e não como missão, na medida em que o professor se
constroi. O conhecimento profissional não se reduz, portanto, ao saber fazer, mas
implica o saber fazer, saber como fazer, e saber porque se faz, isto é, a um
conhecimento produzido ou mobilizado pelos atores na prática de ensinar (ROLDÃO,
2005).
As professoras sentem que foi uma conquista sua formação, até mesmo pela
história de vida, chegar a ser professora em nível médio ou pedagoga é uma ascensão
social. A categoria ascensão social foi estuda por Pessanha (2001) que tomou por objeto
as professoras primárias das camadas médias da sociedade que se destacavam na década
de 1950. Pode-se fazer um paralelo com o nosso estudo em relação a ascensão social.
De acordo com a autora, para as famílias brasileiras menos abastadas, a profissão
docente passou a significar a possibilidade ascender socialmente, porque essa profissão
afastava a mulher dos trabalhos manuais com a perspectiva de que se não ascender
socialmente, pelo menos não “decair” para um meio de vida “não descendente” (2001,
p.71). Conforme a autora, o baixo salário não afastava os professores, porque tinha
alguma significação, não exatamente na sustentação da família, mas na manutenção de
um determinado status social à família. Não obstante a década de 1950, o magistério,
hoje, continua a ter certo atrativo para os grupos sociais que desejam ascensão.
77
Outro ponto importante a ressaltar é que as cinco professoras entrevistadas ao
relatarem sobre a decisão de fazer o curso, disseram que não foi fácil retomar os estudos
depois de anos. Falaram das dificuldades em assistir as aulas, em fazer os trabalhos, em
ter que conciliar os estudos com a família, em trabalhar o dia todo e estudar à noite.
Sendo um processo caracterizado por grandes negociações, com elas mesmas e com
seus companheiros e familiares. Vejam a fala da professora Marcia:
Foi difícil decidir a voltar a estudar, meu marido não aceitava muito,
meus três filhos estavam pequenos, era muito difícil deixar eles em
casa, eu tive força de vontade e consegui vencer a batalha.
A dúvida é causada por uma situação em que concorrem as identidades de mãe e
de professora. A preocupação com a família dá origem a um forte conflito de
identidade, circunscrevendo as possibilidades de desenvolvimento profissional, de tal
maneira, que só consegue tomar a decisão de frequentar o curso quando obtêm o apoio e
o incentivo de outras colegas de trabalho.
A professora Adriana relata que tinha medo de não dar conta do curso, de não
ter sucesso, afinal ficou muito tempo sem estudar.
Eu tinha medo de não dar conta de estudar, me sentia incapaz. Não
me via com uma profissão.
O receio de não dar conta, ou não ter sucesso nos estudos é um indício que elas
têm de negociar consigo mesma, já que a imagem que ela tinha de si própria “não era
muito positiva”, não acreditava que conseguiria completá-lo porque se via como “uma
pessoa incapaz”.
Nesse sentindo os relatos das entrevistadas vão configurando um ser professora
marcado pela alegria de obter uma profissão reconhecida e o mesmo tempo pelo
conflito de negociar consigo mesma e com a família. Ainda que a obtenção do diploma
seja uma exigência legal, esse aspecto não é central no discurso dos professores. A
oportunidade de estudar e de aprender é muito mais saliente na apreciação que os
professores fazem da formação.
Enfim, as negociações identitárias estão presentes em toda vida profissional, elas
são movidas pela significação individual, social e institucional. Ao exprimir os
significados conferidos à formação os professores trazem ao discurso a vida escolar, a
78
atividade docente e a realidade das relações que se constroem nos estabelecimentos
escolares. Sendo assim, no próximo tópico iremos entender como se deu o processo de
iniciação à cultura profissional.
III.2 O processo de socialização como uma iniciação à cultura profissional
A fase de iniciação profissional docente é um momento de grande importância
na constituição da carreira do professor e na constituição da sua identidade. No caso das
professoras entrevistadas o momento que se caracteriza a fase inicial de inserção na
docência é marcado pela passagem de auxiliar para professor regente. Como sabemos as
primeiras experiências vivenciadas pelos professores em início de carreira têm
influência direta sobre a sua decisão de continuar ou não na profissão, porque este é um
período marcado por sentimentos contraditórios que desafiam cotidianamente o
professor e sua prática docente.
O processo de socialização é muito importante nesse momento. Berger e
Luckmann (2005), definem dois tipos de socialização: a primária, em que durante a
trajetória, o indivíduo vai vivendo sua socialização, interiorizando papeis, atitudes,
concepções e valores quando o indivíduo ainda não tem um distanciamento crítico. A
socialização secundária que é a interiorização de mundos institucionais, como a escola e
no trabalho que envolve a aquisição de conhecimento mais especializado, incluindo
conhecimento profissional. Para os autores, a socialização define-se pela introdução do
indivíduo nas instituições, onde, por exemplo, o professor de creche vai incorporando o
modo de ser da profissão.
Como já foi tratado neste trabalho, Dubar, (1997a, p. 118), considera dois
processos que determinam a construção da identidade biográfica e o relacional. O
processo biográfico compreende a aquisição identitária vivida pelo individuo do
ambiente familiar, igreja, nos espaços onde ele circula e vive sua história de vida. Já o
processo relacional, trata da incorporação dos modos de ser de uma profissão, quando o
indivíduo vai se relacionando com seus pares na instituição no lugar de trabalho e com a
cultura de cada lugar, sendo assim a socialização não pode se reduzir a uma única
dimensão.
79
Os professores vivem sua socialização na escola, muitas vezes, buscando a
colaboração de professores mais experientes, aqueles que possuem o segredo da
profissão desenvolvido com sua experiência na prática de sala de aula. Como corrobora
Tardif (2005), é esta visão de experiência que os professores se referem, quando são
indagados sobre suas próprias competências e, por isso, aqueles em início de carreira
buscam os mais experientes para saber sobre essas competências e experiências.
Quando as professoras da pesquisa foram inquiridas em relação ao início da
carreira docente, as respostas foram diversas. Claudia apontou não sentir as mudanças.
Já as professoras Marcia, Adriana e Sonia disseram que no início tiveram um pouco de
dificuldade, mas que buscaram ajuda das colegas experientes. O período inicial é
considerado por Gonçalves (1995), como o mais difícil e crítico na carreira dos
professores, marcada por intensas aprendizagens que possibilitam ao professor a
sobrevivência na profissão. Alguns pesquisadores, como Garcia (1999) e Tardif (2002),
consideram o início da carreira como o período mais pertinente e potencialmente
problemático tendo em vista as implicações que o início da prática profissional tem para
o futuro profissional do professor em termos de autoconfiança, experiência e de
identidade profissional.
A ajuda “de pessoas mais experientes” é muito importante nesse momento, o
professor que inicia sua carreira ou que tem que assumir a sala de aula sozinha, muitas
vezes, se espelha no profissional que está mais tempo na profissão. A professora Sonia
ressalta a ajuda da diretora e demais colegas de trabalho, dando a ela mais segurança
para exercer suas atividades.
A diretora é compreensiva, quando você trabalha com uma diretora
superior que não te escuta aí fica difícil, mas não é o caso daqui,
qualquer coisa que você precisa, e queira fazer ela quer saber, ela te
apoia, ela te ajuda. As professoras são muito amigas, muito unidas,
eu como sou recém-professora eu pergunto será que o que estou
planejando vai dar certo? E elas te ajudam, sempre conto com a
ajuda delas.
Esta fala é reveladora de que elas buscam e se espelham na experiência do
professor mais antigo, sendo ela professora iniciante27 a busca de apoio na equipe de
27
Para efeitos desta pesquisa, consideramos professores iniciantes aqueles que estejam no máximo seis
anos em exercício profissional. A justificativa para a escolha desse intervalo de tempo é referendada por
80
trabalho é fundamental. Além do mais, a fala da entrevistada sugere que o ambiente
escolar empolgado, engajado e que seja colaborador facilita a integração do professor
recém-chegado. De acordo com Tardif (2002), os saberes do professor são temporais
porque surgem de múltiplas experiências e são provenientes de várias fontes como a
partilha de saberes entre os pares, demonstrando a historicidade do conhecimento.
Garcia (1999) destaca três fatores que tornam a fase de iniciação na profissão
mais fácil ou mais difícil: as condições de trabalho encontradas pelos professores no
local de trabalho, o apoio que recebem e as relações mais ou menos favoráveis que irão
vivenciar. Na construção da identidade, o outro representa um papel fundamental, que
implica uma referência para que o sujeito construa uma imagem e um olhar de si. O
diálogo e as interações possibilitam aos sujeitos a reflexão; a capacidade de perceber o
outro, enxergando suas expectativas, ritmos e sonhos; de situar e compreender o seu
lugar na profissão.
A professora Marcia, fala da importância das relações com os outros
profissionais da creche, do ambiente colaborador e acolhedor, que favoreceu seu
processo de socialização na escola. Ela verbaliza que mesmo quando era auxiliar
encontrava apoio das professoras e que se tornando professora, ela encontrou a
compreensão e apoio das professoras que já atuavam na creche.
Aqui tem uma direção bem compreensiva, até mesmo para entender
os problemas pessoais, quando tenho que levar os meus filhos no
médico ou tenho reunião de pais na escola deles eu consigo ir, eles
entendem bastante o nosso lado de mãe. As professoras também me
ajudam muito, tem uma professora aqui a Renata que eu sempre
mostro o meu planejamento para ela, ela tem mais experiência e me
ajuda quando preciso
Enquanto, por exemplo, em algumas escolas as relações de amizade entre
professores garantem o desenvolvimento do diálogo, em outras a existência de um clima
de poder e competição contraria este tipo de atividade. Em certas escolas existem
Huberman (1995). Em seu artigo sobre “O ciclo de vida profissional dos professores”, ele nos ajuda a
compreender as várias etapas pelas quais passaria o professor durante sua carreira profissional. As duas
primeiras fases – “a entrada na carreira” e a “fase de estabilização” – contemplam o período de
socialização profissional dos professores. A primeira fase é marcada pelo que denomina choque de
realidade ou etapa de sobrevivência; e a segunda é descrita como aquela em que o professor interioriza
seu papel e constrói uma identidade profissional mais delineada, sendo reconhecido pelos outros como
professor.
81
normas para que os professores troquem ideias de forma aberta, noutras esta troca é
vista como não apropriada. Todas as professoras entrevistadas afirmaram que nas
creches que elas trabalho existem o diálogo, companheirismo e troca entre os
profissionais. Esses fatores ajudam no sentimento de pertença à instituição.
Nesse sentido, acredito que o diálogo e a troca do professor com seus pares são
de grande importância para a construção de saberes e das práticas pedagógicas. Daí a
necessidade de se oportunizar espaços de reflexão coletiva para que os professores
possam socializar os conhecimentos construídos e nada mais importante que o tempo
destinado a formação continuada, em que o professor em conjunto com seus pares
possam trocar experiências e fazer estudos, afinal a formação continuada pode ser um
excelente caminho na integração e sentimento de pertença das professoras.
No caso das professoras das creches conveniadas, não se tem uma formação
continuada com todas as professoras, segundo a psicologa do PCC28 “as formações são
realizadas pelas próprias creches hoje quinzenalmente, com a participação ou não dos
técnicos responsáveis do Programa. Temos a formação mensalmente das pedagogas
com a equipe do Programa.” Diante disso, as professoras não citaram em nenhum
momento o apoio da Fundação Municipal de Educação de Niterói no seu início de
carreira e no desenvolvimento do seu trabalho. Faz-nos questionar: Será que a formação
continuada acontece em todas as creches mensalmente como é previsto pelo Programa?
Como o Programa garante a formação dos professores iniciante? É necessário oferecer
aos professores momentos de discussão e de reflexão de sua prática pedagógica para
não gerar conhecimento acabado e para ajudar o professor na inserção da profissão.
Nas diversas situações vivenciadas e nas relações sociais, as professoras
aprendem, se constituem e constroem saberes ao longo de sua trajetória. Elas vivenciam
em sua trajetória o seu processo de socialização, quando vão compartilhando saberes e
experiências e vão construindo suas identidades como pessoa e como docente, na
medida em que vivenciam novas realidades na vida e no trabalho, conhecendo pessoas e
culturas, pois somos aquilo que fazemos, e também somos o resultado dos lugares onde
passamos.
28
Depoimento cedido em 06 de novembro de 2013.
82
Em síntese, as narrativas analisadas revelaram que as professoras vivenciam
sentimentos que envolvem sobrevivência e descoberta, que se interconectam nesse
processo de iniciação docente, desde a confrontação com as diversas situações de
imprevisibilidade, em suas rotinas e dificuldades, nos dilemas do cuidar e educar das
crianças e nas condições de trabalho. Paradoxalmente, essas docentes passam a se
entusiasmar com as próprias crianças, em relação à afetividade que demonstram para
com elas. Expressam a responsabilidade e o orgulho de poder contribuir com o
desenvolvimento das crianças como veremos no próximo tópico.
III.3 Especificidades dos professores de creches na visão dos sujeitos
entrevistados
Devido ao seu caráter dinâmico, os processos de construção de identidades
devem ser pensados no interior das relações em que ocorrem. Para compreendê-los, é
preciso ter como referência as especificidades das práticas desses sujeitos, seus valores,
os intercâmbios simbólicos e afetivos envolvidos.
De maneira geral, a especificidade da educação infantil e suas funções acabam
definindo o perfíl das profissionais responsáveis pelo cuidado e pela educação das
crianças. De acordo com Ongari e Molina (2004), o trabalho com as crianças pequenas
comportam uma série de funções delicadas e pesadas tanto do ponto de vista físico
quanto mentais. É um trabalho dinâmico, centrado na corporeidade, em que a professora
está em movimento constante, em que exige muita energia. Exige também que os
adultos coloquem em prática energias e capacidades para ajudar as crianças a
enfrentarem as emoções que caracterizam as primeiras fases da vida, principalmente a
fase escolar. Tais características que expressam essa especificidade do professor são
destacadas na entrevista da professora Claudia:
O professor de creche tem que gostar de criança, tem que amar,
porque na educação infantil o trabalho é braçal também. A gente
entende que mesmo que tem auxiliar (aqui nós nem temos auxiliar
para cada turma, nós temos três) o professor ele tem que ajudar, tem
que estimular a criança nas refeições. Aqui o professor trabalha, ele
participa do banho, ele tem que querer trabalhar.
A partir desses significados que a professora atribuiu à educação infantil e,
consequentemente, ao conhecimento necessário para o exercício de suas funções, a
outra questão que concerne ao perfil que professores de educação infantil remeteram
83
foram os relacionados aos emocionais (gostar de crianças), características pessoais
(talento, dom) e conhecimentos específicos da área (sobre a criança, o desenvolvimento
infantil, a brincadeira como recurso pedagógico).
As entrevistadas listam diversas qualidades necessárias ao professor.
Interessante que gostar de criança é citada por todas. 'Gostar' aparece como a dimensão
emocional que permite ao professor atitudes como entender o que a criança sente, o seu
comportamento, possíveis dificuldades de aprendizagem. Em outras palavras, há,
inerente ao trabalho com esse segmento, uma dimensão afetiva a priori, sem a qual
nada parece poder se realizar. Isso é inclusive explicitado na palavra 'amar', citada pela
Lourdes e por outras entrevistadas, como se pode observar:
(...) perfil, pra mim, tem que ser esse de não desistir nunca, procurar
saber o porquê ela (criança) está daquela forma, tudo tem explicação,
se ela está com alguma dificuldade você pode ajudar. Você tem que
ter dedicação, amor, carinho com as crianças. Você tem que querer o
melhor para o seu filho. Você não tem que gostar, tem que amar,
porque gostar você gosta de um picolé, de um sorvete, de um
chocolate, né? Você precisa amar. Deus faz as coisas para usá-las e
as pessoas para amá-las, então porque usamos as pessoas e amamos
as coisas, a gente tem que amar as pessoas. Bom... acho que é amor
mesmo incondicional, como você ama seu filho porque isso faz a
diferença [SONIA].
Olha, tem (o professor) que ter um perfil, assim, como eu te falei, né,
um perfil pra trabalhar e gostar muito de educação infantil, de amar
porque você tá lidando com crianças e não é um trabalho fácil [...]
[LIVIA].
Para ser professor de educação infantil tem que ter muita
responsabilidade, saber como você lida com essas crianças. As
crianças, às vezes, vem com muitos problemas, você tem que ter muito
amor. Ser professor de educação infantil não é tão fácil como as
pessoas acham que é, entende? É um pouco difícil porque você tem
que ter amor... [MARCIA].
No mesmo sentido, a paciência aparece no discurso dos docentes como uma
virtude essencial, uma vez que a criança pequena solicita muito o adulto, especialmente
sua atenção. Ao questionar uma professora o que é fundamental para ser professor de
educação infantil ela afirma:
Eu acho que deve ter muita calma e paciência, primeiro de tudo. Você
pode ser um excelente profissional, crescer muito mais, dentro dessa
faixa etária precisa de alguém calmo que veja que ela precisa de
atenção mesmo, né, de tá ali falando: - Oh, eu gosto de você, mas não
84
é assim e aí de novo cinco, oito vezes, né? De modos diferentes, mas
assim ser uma pessoa que tenha paciência. Isso eu acho bem
importante e outra coisa que goste, né? Que goste e que tenha afeto
pela criança, que tenha afeição, que se sinta bem ali com as crianças,
acho que o principal é isso. [ADRIANA].
Para as entrevistadas, o exercício dessa profissão demanda habilidades
específicas, constitutivas do que elas classificam como perfil necessário para esse
campo de trabalho docente. Porém pode-se perceber que a afetividade ocupa lugar de
destaque entre as questões consideradas como relevantes para o profissional da
Educação Infantil.
O estudo realizado por Alves (2006), junto às profissionais de educação infantil,
constatou que o sentido da docência está, muitas vezes, na naturalização da professora
de criança. Dentre as principais características destacadas pelos participantes da
pesquisa de Alves foram: simpatia, carinho, paciência, criatividade, tranquilidade e
capacidade de acolhimento das crianças. Essas características evidenciam a concepção
de docência como uma profissão que demanda sensibilidade e aspectos subjetivos,
muitas vezes confundidos com um dom, uma vocação nata, mas que na verdade, são
habilidades pessoais que podem e devem ser adquiridas, diante das exigências
propriamente profissionais.
Outra questão importante surge da relação da maternagem e do trabalho
doméstico no que se refere à dificuldade em separar a casa da profissão, como visto em
Cerisara (2002) que, trazendo contribuições das autoras Rosemberg e Amado (1992),
encontra a afetividade e o amor no discurso, na justificativa pela escolha da profissão e
na prática pedagógica, o que também esteve presente nos depoimentos das professoras
da nossa pesquisa.
Existem teorias que defendem que a afetividade é algo negativo e que de certa
forma exclui a competência profissional do indivíduo. Entretanto, Cerisara (2002)
destaca alguns questionamentos importantes acerca dessa questão:
Necessário se torna entender essa discussão, para a especificidade do
trabalho realizado nas instituições de educação infantil, na seguinte
perspectiva: não terá a afetividade um papel fundamental na
construção das relações entre adultos e crianças em instituições de
educação infantil sem atividades que incluam a maternagem e práticas
ligadas ao trabalho doméstico? Serão essas atividades excludentes da
competência profissional? (CERISARA, 2002, p.56).
85
De acordo com os questionamentos da autora, observa-se que nem sempre o fato
de agir com dedicação e afetividade exclui a competência ou qualificação para o
trabalho. Entretanto, não obstante o saber da prática se faz importante separar esses dois
papeis, o de profissional do de mãe, o que só é possível com formação e elementos
teóricos que venham a definir e sistematizar o trabalho na instituição.
Nesse sentido, nos preocupa o fato da formação inicial e continuada não terem
sido citadas como pontos fundamentais para exercer a profissão. Para elas a mudança
mais relevante na passagem de auxiliar para professora foi basicamente a alteração no
salário e na carga horária de trabalho que foi reduzida de 40 horas para 20 horas e não a
formação adquirida nos cursos que elas realizaram, seja ele o ensino médio na
modalidade normal ou a pedagogia.
Isso se dá pelo fato de não ter tido mudanças na sua atuação como professora,
muitas das atividades que elas exerciam antes de se tornarem professoras regente elas
continuam fazendo, agora elas tem uma responsabilidade maior, uma autonomia maior e
uma qualificação, mas continua exercendo o mesmo trabalho que necessita das
características citadas por elas como: afeto, o carinho, a paciência, a criatividade entre
outras características.
Como vimos no primeiro capítulo, historicamente, o profissional das creches se
constitui e é marcado pelas características, que associa o pendor feminino para a
maternidade com as expectativas que a sociedade nutre em relação a esses profissionais.
Por outro lado, as instituições de EI se caracterizam, inicialmente como espaços de
guarda da criança, com preocupação voltada apenas para a alimentação, higiene e
segurança. De acordo com Kuhlmann Jr (2000), o atendimento em creche voltado para
as crianças pobres, considerado como dádiva ou favor, implicava uma educação para a
subordinação, voltada para a resignação da condição social. Campos (1994), ao
descrever a dupla identidade que historicamente caracterizou a educação infantil,
assinala a necessidade de uma “concepção integrada de desenvolvimento e educação
infantil, que não hierarquize atividades de cuidado e educação e não as segmente em
espaços, horários e responsabilidades profissionais diferentes” (CAMPOS, 1994, p. 38).
No presente trabalho foi possível perceber que as professoras em seus
depoimentos separavam essas duas dimensões pela diferença no cargo que elas
86
ocupavam anteriormente, como auxiliar. Elas disseram que antes somente cuidavam das
crianças e atualmente cuidam e fazem o trabalho de educar. Isso se dá pela própria
história da creche no município, que antes era ligada à Secretaria de Promoção Social
com objetivo assistencialista, e a partir de 1994 passou a integrar a Secretaria de
Educação, ampliando o caráter desta instituição para além da assistência, envolvendo
também o objetivo educativo.
De acordo com (SAYÃO apud GALVÃO e BRASIL, 2009), ainda persistem
dúvidas, indefinições e ambiguidades sobre o perfil desse profissional. Os autores
afirmam que definir o perfil ideal do professor da educação infantil não é fácil, assim
como não é tão simples eleger o que seriam os conteúdos e práticas para organizar a
formação inicial do profissional que irá atuar nesse nível educacional. (ROCHA apud
GALVÃO e BRASIL, 2009), explica que a definição do papel do professor de crianças
pequenas constitui parte importante na construção de uma pedagogia da educação
infantil. Esse termo é utilizado pela autora para designar uma pedagogia com o corpo,
procedimentos e conceituações próprias para essa etapa da educação. Dito de outra
forma, a pedagogia da educação infantil define especificidades e complexidades da
Educação desde a mais tenra idade.
Vale lembrar que as instituições de educação infantil têm características próprias
que as diferenciam dos outros segmentos. Oliveira-Formosinho (2005) diz que a
docência, na educação infantil, caracteriza-se por alguns aspectos similares e outros
diferenciadores da docência nas demais etapas educacionais. As dimensões do educar e
do cuidar, próprias da função do professor de crianças pequenas, podem ser
consideradas ações que assinalam uma especificidade do trabalho na educação infantil.
(BONETTI apud GALVÃO e BRASIL, 2009) afirmam que o reconhecimento desses
profissionais como professores somente se efetivará se for considerada a especificidade
que caracteriza o trabalho nesse início de vida escolar.
De forma sintética, as professoras de creche necessitam de características
profissionalizantes, ou seja, de competências e habilidades que não são decorrentes da
“natureza” feminina, mas sim construídas no processo formativo e no exercício
profissional da docência. Assim, todas as características apontadas por elas são
entendidas como uma condição necessária à realização da docência, todavia, esta não
pode ser entendida como condição antagônica à formação cientifica.
87
Dialogando com os documentos oficiais da educação infantil como o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RFP/1998, podemos
perceber que ele indica que “[...] além da dimensão objetiva e racional, há uma
dimensão subjetiva e afetiva na atuação profissional do professor” (MEC/SEF, 1998, p.
58), para atuar referendando valores em sua atuação, capazes de manejar a
complexidade e resolver problemas do ato educativo, que ao mesmo tempo (espera-se)
seja capaz de distanciar-se para compreender as relações interpessoais nas quais está
envolvido. Este documento destaca ainda, que as várias dimensões de atuação, que
exigem um perfil que une o racional e o afetivo, reconhecem que a docência é, ao
mesmo tempo, uma atividade intelectual e uma atividade técnica; uma atividade moral e
uma atividade relacional.
Oliveira-Formosinho e (2008) completa afirmando que o papel das professoras
de crianças pequenas é, em muitos aspectos, similar ao papel de outros docentes, mas é
diferente em muitos outros. É esta diferenciação que dá sentindo a uma
profissionalidade especifica da professora de infância. As professoras precisam entender
que a sua docência é reconhecida através de um trabalho qualificado, em sua
concreticidade e especificidade e não como um trabalho abstrato, uniformizado e
subordinado à sua dimensão quantitativa.
Enfim, as análises de estudiosos da educação infantil no Brasil, sobre o perfil
profissional que vem se consolidando, revelam que não basta ao adulto gostar e apenas
cuidar das crianças. Ao contrário, passa por uma forma de atendimento por um
profissional de quem se exige formação específica para o trabalho com as crianças.
Entretanto, o discurso da formação e da qualificação precisa ser pensado, de forma que
o professor reconstrua uma identidade profissional que valorize o seu papel de
professores de redes de aprendizagem, de mediadores culturais e de organizadores de
situações educativas (NÓVOA, 2008).
III.4 A relação da identidade profissional e a identidade da instituição que o
sujeito está inserido
Sendo a identidade o resultado de uma relação dialética permanente entre o
indivíduo, os outros e o meio em que se insere, não podemos ignorar que o contexto
social e as características das creches comunitárias interferem diretamente na identidade
88
profissional do docente. Como corrabora Dubar (1997a) a identidade se estabelece
precocemente como resultado de uma socialização entendida como interiorização do
social, e as teorias da construção social da realidade, nas quais a identidade é um
processo contínuo, ou seja, uma construção, que decorre das interações dos indivíduos
com os contextos socialmente estruturados.
Como já foi dito anteriormente, "não se faz a identidade das pessoas sem elas e
não se pode dispensar os outros para forjar a sua própria identidade" (DUBAR, 1997a,
p. 110). Com efeito, a construção da identidade profissional é definida pelo autor como
uma dupla transação, ou seja, convocando duas transações em simultâneo: uma
transação interna e uma transação externa. A transação interna (subjetiva ou biográfica)
estabelece-se, no indivíduo, entre a necessidade de salvaguardar uma parte das suas
identificações anteriores (identidades herdadas) e o desejo de construir para si novas
identidades no futuro (identidades visadas); a transação externa (objetiva ou relacional)
estabelece-se entre o indivíduo e o ambiente, as instituições ou outros com os quais
entra em interação.
Machado (2003) ressalta que a identidade no trabalho está diretamente
relacionada ao desenvolvimento de papeis, pois é neste processo que as pessoas
constroem sua identidade. A identidade no trabalho se dá pela identificação, por parte
do indivíduo, com o trabalho que realiza, com a empresa (no caso a escola) em que
trabalha e com a trajetória desta, processando-se nos níveis afetivo e cognitivo. Em
termos cognitivos, assimilando a mentalidade do grupo de que faz parte, das regras e
normas, e, em termos afetivos, estabelecendo relações com o espaço e as pessoas deste
grupo.
Nesse sentindo, pela própria especificidade da creche comunitária, não podemos
deixar de abordar como as professoras das creches constroem a identidade profissional
imbricada com a identidade institucional. Ou seja, as professoras constroem suas
identidades profissionais gradativamente nas relações cotidianas, num processo de
contínua transformação, e que se consolida ao longo do tempo e assim não se pode
perder de vista a instituição creche a qual essas professoras fazem parte.
Na fala das professoras percebe-se que elas têm um sentimento de pertencimento
a creche, elas demonstram ter uma aproximação afetiva e emocional com a organização
89
institucional. Assim, foi possível verificarmos que a identidade profissional é também
construída no espaço da creche, na representação daquela instituição para o indivíduo.
Percebe-se tal fato pelas narrativas, na qual elas buscaram na memória momentos
passados, falaram do surgimento da creche, das dificuldades que as creches já passaram,
das lutas e conquistas. O que ficou muito forte pela entrevista da Claudia que está na
creche desde o seu surgimento.
Tem 14 anos que eu trabalho aqui. Todo esse tempo eu sempre
trabalhei aqui desde quando a creche surgiu. Passa um filme na
minha cabeça, tivemos tempos difíceis, a creche pertencia a
associação de moradores do Jacaré, tivemos algumas dificuldade com
o espaço porque o presidente não quis mais ceder o lugar para
creche, nós fomos para a igreja Batista. Eu e a diretora fizemos a
pesquisa das famílias, fizemos as inscrições das crianças. Abrimos a
creche. Eu ajudei em todo o processo com ela... [CLAUDIA].
A fala da professora explicita a identificação com a creche ao longo do tempo.
Quando ela coloca que “passa um filme na minha cabeça” e “todo esse tempo que
trabalhei aqui”, demonstra que a lembrança está vinculada à sua participação na
instituição, contribuindo para a construção de sua própria identidade. Existe um
sentimento de participação e realização ao longo do tempo. De acordo com Machado
(2003) quanto maior o tempo que o indivíduo está dentro de uma organização
institucional (no nosso caso a creche comunitária) maior será sua influência sobre a
identidade do indivíduo. Além do mais, relatar as mudanças da creche foi importante
para ela, já que ela foi um dos autores no processo de mudanças.
A construção da identidade também envolve o futuro, ou seja, a forma que a
professora Claudia fala da sua permanência na creche mostra o seu interesse em
continuar na creche. “Gosto de trabalhar aqui. Desde quando me formei eu pretendia
continuar trabalhando aqui.” Todavia, é provável que a permanência signifique
também identificação com aquele contexto organizacional específico em que se
permanece, ou seja, ela já passou por várias funções dentro da creche “Nesse tempo que
já passei eu fui auxiliar, professora, eu fui diretora, e hoje eu sou pedagoga”.
Já a professora Adriana ao falar da sua permanência na creche diz: Pretendo
continuar trabalhando aqui e também quero muito me formar em curso de graduação.
Existe uma vinculação explícita entre o projeto de futuro, que inclui a formação
90
superior, e a ideia de aprimoramento das atividades executadas na creche em que
trabalha.
A fala da professora Marcia e Sonia também demostram um sentimento de
pertencimento
...eu gosto muito daqui, me sinto útil. E a gente aprende muita coisa,
adquire uma bagagem muito boa. Tenho muita coisa a oferecer, me
considero muito útil [MARCIA]
Eu gosto muito de trabalhar aqui, eu amo o trabalho que eu faço,
gosto de ficar com as crianças...[SONIA].
Elas se reconhecem como parte da creche. Como já discutido, o foco identitário
é sempre individual, e, posteriormente pode ser estendido ao ambiente de trabalho.
Existe uma identificação com o trabalho, no qual as emoções estão presentes. Falar que
se sente útil não deixa de ser uma expressão de consciência de sua contribuição
profissional para o alcance dos objetivos da creche.
A imagem da creche também é relatada por uma das professoras entrevistadas,
ao falar da sua chegada à comunidade, ela relata como se assustou com a violência
(nesse momento ela pediu para desligar o gravador) e diz que a comunidade ganha
muito com o trabalho da creche. Nesse depoimento percebe-se como a entrevistada
enxerga a creche, acreditando possuir uma grande importância e contribuição para a
comunidade local.
Todos esses depoimentos demonstram a identificação dos sujeitos com a creche
em que trabalham. O que nos faz levantar duas hipóteses: primeira é o fato de todas elas
pertencerem a comunidade que a creche está situada e pela oportunidade de trabalho
concedida a elas. A segunda hipótese é por ser uma instituição privada, ou seja o lugar
do qual elas falam interfere na posição delas. Portanto, ao serem questionadas sobre os
pontos negativos do trabalho elas não ressaltaram nada referente ao ambiente da creche,
não falaram do baixo salário e nem da precarização do trabalho. Elas destacaram: a
correria do dia a dia, a família das crianças e a carência das crianças.
Eu sou uma pessoa que me cobro muito, às vezes eu levo trabalho
para casa, levo relatório de alunos para ler em casa [CLAUDIA]
91
(...) negativo é que a gente às vezes não é reconhecido pelos pais
[MARCIA]
Negativo é a pouca participação dos pais, praticamente não tem. A
gente fez uma reunião com os pais e só teve a presença de dois pais,
isso é bastante frustrante, eu acho importante a presença deles, as
crianças tem que ver os pais ali. As crianças reclamam comigo e eu
acho isso muito chato! [LIVIA]
Negativo mesmo não tem muito, acho que às vezes é um pouco difícil
de lidar com os pais (...) [SONIA]
As falas das professoras são diferentes de muitos professores da rede pública,
que por ter um vínculo de trabalho diferenciado das demais elas demonstram com mais
facilidade a insatisfação em relação ao magistério e ao trabalho. Como apontado pelos
estudos de Pinto (2009) que destacou que os professores de educação infantil da rede
pública têm reclamado da intensificação do trabalho, do baixo salário, da rotatividade
de professores, da falta de recursos pedagógicos e outros.
Autores como Souza (2011); Oliveira (2004); Esteve (1992) e outros também
têm demonstrado a insatisfação dos professores com o trabalho. Segundo Souza (2011),
os professores são pressionados permanentemente para melhorar suas performances, e
consequentemente da escola, há uma tensão entre as responsabilidades e o aumento do
ritmo de trabalho no qual, muito professores estão insatisfeitos com o trabalho docente.
Entendemos que o silêncio do professor em relação aos pontos negativos, pode
estar associado ao local que ele está inserido. Concordamos com Polack (1989) quando
ele diz:
As fronteiras desses silêncios e "não-ditos" com o esquecimento
definitivo e o reprimido inconsciente não são evidentemente estanques
e estão em perpétuo deslocamento. Essa tipologia de discursos, de
silêncios, e também de alusões e metáforas, é moldada pela angústia
de não encontrar uma escuta, de ser punido por aquilo que se diz, ou,
ao menos, de se expor a mal-entendidos (POLACK, 1989, p. 6).
Para Nóvoa (1995a) a construção da identidade profissional do professor se
entrecruza com a dimensão pessoal, a linha de continuidade que resulta daquilo que ele
é, com os trajetos partilhados com os outros, nos diversos contextos de que participa.
Daí a importância de considerar os espaços e as situações de reflexão partilhada como
facilitadores do desenvolvimento pessoal e profissional e a necessidade de aprofundar
os seus efeitos formativos [...] (NÓVOA, 1995a, p.161).
92
Segundo o autor, a constituição da identidade profissional do educador se dá
por um processo de socialização, o qual mescla a apropriação de competências
profissionais para exercer a função, mas também as normas e valores que regulam tanto
a função quanto o desempenho do papel deste educador. Mais uma vez se afirma que
não é possível separar o eu profissional do eu pessoal para o educador, uma vez que a
profissão esta impregnada de valores e ideais.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas leituras teóricas, realizadas para a pesquisa, sobre a história da infância e
legislações reconhecemos o quanto se avançou em relação às políticas destinadas às
crianças pequenas. As mudanças na história deste atendimento apontam novos rumos. O
atendimento destinado às crianças em creches e pré-escolas passa, cada vez mais, a ser
objeto de estudos e pesquisas, tornando-se foco de políticas educacionais.
Considerando a complexidade da educação infantil e a impossibilidade de tratála adequadamente em um espaço limitado, escolhemos aqui a questão da formação do
profissional de creche conveniada e a construção de sua identidade profissional. A
qualificação do profissional da educação infantil tem se tornado um dos temas atuais
mais discutidos dentre as temáticas relacionadas ao cuidado e educação de crianças
pequenas. Aspectos ligados à regulamentação, à identidade profissional, à estrutura e
aos conteúdos necessários para o exercício do trabalho desse profissional assumem
novos contornos, ganhando destaque nas pesquisas e espaços de defesa de uma
educação infantil de qualidade.
A garantia do direito ao atendimento das crianças na educação infantil só é
possível se contemplar a qualidade de suas instituições, o que está inteiramente
relacionado à formação de seus profissionais. Atualmente, é na construção de uma
política para a formação de profissionais de creche que se situam os maiores desafios da
educação infantil no momento atual, ou seja, na tradução das leis em realidade concreta.
Na legislação brasileira foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que
creches e pré-escolas foram garantidas como um dever do Estado. Na LDB de 1996,
este direito foi reafirmado. Compreender como este direito vem sendo assegurado às
crianças que estão na creche no município de Niterói foi o percurso que realizamos
neste estudo o qual escolheu como caminho a construção da identidade profissional dos
professores de creche conveniadas que atuam diretamente com as crianças de pequenas.
Esta situação nos instigou a compreender as políticas de conveniamento da
Fundação Municipal de Educação de Niterói com entidades privadas comunitárias que
prestam serviços educacionais a crianças de 0 a 6 anos. Neste município há cerca de
vinte anos, convênios são firmados com creches, realidade que está em consonância
com o que vem acontecendo no Brasil. O município de Niterói evidenciou o
94
desenvolvimento desta modalidade de atendimento em detrimento das instituições
públicas, principalmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
No caso da educação infantil de Niterói, dados da FME de Niterói nos mostram
que o gasto com o quadro de pessoal em uma creche comunitária é bem menor que os
gastos em uma creche municipal, caracterizando um atendimento de baixo custo para os
cofres públicos do munícipio.
Esta realidade é destacada por Oliveira (1995), quando afirma que o serviço
público (na educação e na saúde) e, no caso aqui analisado, na educação infantil, não
cumpre integralmente suas funções porque os investimentos nesta área situam-se
sistematicamente em patamares inferiores ao necessário pela qualidade do serviço
ofertado. Portanto, a ação destas instituições comunitárias em Niterói, prestando
serviços de responsabilidade do Estado, caracteriza‑se também como uma política de
atendimento que coexiste com a política pública municipal.
Do ponto de vista da profissão docente, buscamos compreender os processos
vivenciados pelas professoras de creche na construção da identidade profissional.
Queríamos compreender os sentidos que elas atribuíam ao próprio trabalho,
investigando os motivos que as levaram a se inserir e permanecer naquela atividade.
Fizemos isso buscando analisar a trajetória profissional dos professores, considerando
os processos de formação e suas escolhas profissionais, além de analisar se existia uma
imbricação entre a identidade profissional e a identidade institucional. A natureza
complexa da temática escolhida exigiu uma reflexão que considerasse a profissão
docente em perspectiva histórica e em seus diversos contextos - a própria creche, as
legislações, as lutas, os conflitos; os elementos da subjetividade - os valores, as
expectativas e os desejos em relação à profissão e à função social; e os seus
condicionantes, atentando-se para as marcas, as diferenças e as semelhanças presentes
nesse campo profissional.
Desde o início do trabalho, nós partimos do pressuposto de que toda ação
humana é investida de sentidos, que as identidades profissionais são um processo
dinâmico que considera o sujeito em seus contextos, no interior dos quais experimentam
situações e relações que possibilitam uma interpretação da realidade e de sua própria
experiência, o que implicou ter como base os estudos de Dubar (1997a), que atribui esta
95
constituição ao processo biográfico e relacional. Impôs considerar, portanto, as
condições objetivas e subjetivas presentes nas relações sociais e de trabalho dos/das
profissionais de ensino.
Indagamos as professoras sobre a inserção e permanência na creche, bem como
investimento na própria formação. Vimos que as trajetórias das professoras são diversas
e se confundem com as histórias de atendimento à infância. Nem todas as educadoras
que hoje estão nas instituições comunitárias tinham como projeto ser professora. Elas
passaram a ser absorvidas porque tinham uma história próxima ao próprio significado
dado por uma instituição destinada ao atendimento de mulheres pobres, que tinham
filhos e precisavam trabalhar. A creche comunitária apareceu como um lugar atrativo
para os professores, a inserção na carreira docente é vista por eles como uma
oportunidade de ascensão social, por meio da qual elas esperam superar as dificuldades
financeiras. Elas exercem atividades no interior da creche que demandam capacidade de
organização, coordenação e responsabilidade. Desse modo, essas professoras tiveram,
ao longo de suas trajetórias nessas instituições, a oportunidade de reconhecer, pouco a
pouco, suas possibilidades e perceberem o trabalho como um tempo e espaço de
dignidade, capaz de trazer uma valorização sócio profissional.
O olhar do outro, a socialização com os colegas de trabalho e a parceria de
trabalho também foram fundamentais para o auto-reconhecimento e inserção na cultura
profissional, uma vez que, é nas relações sociais que os sujeitos se conhecem se
reconhecem, se sentem seguros (ou não) e constroem suas identidades. Ao descreverem
suas trajetórias no interior da creche, elas relacionaram a complexidade das funções que
iam assumindo com as avaliações de suas colegas e coordenadoras, afirmando que foi
nesse processo que descobriram ser capazes de assumir funções que demandavam a
capacidade de criar, de organizar, de avaliar e de realizar suas atividades na sala de aula.
Tardif (2002), alerta para uma articulação entre os aspectos sociais e individuais no
contexto mais amplo do estudo da profissão docente, defendendo que, uma vez que os
professores possuem uma formação comum e trabalham na mesma instituição, estão
sujeitos a condicionamentos e recursos comparáveis e suas práticas ou representações
somente ganharão sentindo quando colocadas em destaque em relação à situação
coletiva de trabalho, ou seja, envolvendo o processo de socialização, em que certos
96
saberes são interiorizados, adaptados, modificados ou definidos ao longo da carreira
profissional.
A creche revelou-se na pesquisa como um lugar onde se tem um sentimento de
pertencimento, as professoras demonstraram ter uma aproximação afetiva e emocional
com a organização institucional. Ao falarem da história da creche e da importância
desse espaço para a comunidade elas demonstraram que a identidade profissional é
construída também no espaço de trabalho, na representação daquela instituição para o
indivíduo. Sendo possível perceber que enquanto uma instituição comunitária, as
creches representam para as pessoas que ali trabalham um espaço de reflexão sobre as
demandas da comunidade e sobre as condições de vida da população atendida. Segundo
Nóvoa (1992) a identidade profissional é uma identidade social ancorada nas
representações, práticas e saberes profissionais, que depende do contexto de exercício
profissional.
Uma questão discutida no capítulo IV e de fundamental importância ao se tratar
de educação infantil é a questão da afetividade, por ser inerente à relação humana e
ainda mais intensa quando se trata da criança pequena. Quando questionava nas
entrevistas sobre o que acreditavam ser fundamental na sua atuação me diziam, sem
exceção, que o principal era o amor e a emotividade no trabalho e muitas vezes e para
muitos autores, essa afetividade exclui a competência na profissão, “se opõe à
racionalidade e à objetividade a que se convencionou associar aquilo que é profissional”
(CERISARA, 2002, p.105). Entretanto, defendo que ser profissional e competente não
exclui a emoção e o afeto, é necessário manter um equilíbrio, não só a competência e a
formação, mas também não se enfatizar somente o “jeito”, o amor, pois assim, de
acordo com Kramer:
(...) acaba-se por aceitar pessoas com pouca ou nenhuma formação, o
que leva a uma baixa remuneração e uma alta rotatividade, pois não há
perspectivas em termos de carreira. (KRAMER, 2005, p. 222).
Ao tratar da questão da formação, Kramer (2005 p. 223) defende e eu aqui
reafirmo, que “a história vivida é preciosa, a teoria, os estudos, as discussões se
misturam, se costuram aos conhecimentos vivenciais, aos saberes que vêm da prática”.
Dessa forma, todos os espaços devem ser considerados como espaços de formação, não
97
só o acadêmico, mas a formação política, a formação em cada instituição e a formação
cultural.
Concluindo, esta pesquisa não teve a pretensão de esgotar o estudo desta
temática e considerando-se as suas limitações, aponta para a necessidade de maiores
discussões a respeito da identidade no campo profissional na creche. Pesquisas a
respeito das identidades profissionais podem contribuir para a formulação de políticas
públicas que tragam maiores contribuições para a construção da profissionalidade e de
uma identidade docente que é singular e diferenciada dos demais níveis de ensino.
98
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106
ANEXOS
Anexo 1- Roteiro de entrevista
1) Percurso de Vida
123456-
Nome
Idade
Cidade de Nascimento
Estado Civil
Tem filhos
Local de residência
2) A trajetória da formação
1) Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio? Qual a instituição e
como foi? Aspectos e professores marcantes nesta fase.
2) Graduação? Qual instituição
3) Queria ter feito outra graduação?
4) Como foi a escolha da profissão?
5) Como se deu a entrada na profissão?
6) Desde quando lenciona, desde quando na educação infantil?
7) Em que escola você trabalha? Qual a localização? Horário de trabalho?
8) O que mais contribuiu para sua formação para ser professora de educação
infantil?
3) A experiência profissional
1) Quais são os aspectos positivos e negativos do seu trabalho?
2) Já participou de alguma atividade de formação continuada? Qual? Foi
positivo? Explique.
3) Do tempo que você entrou na creche aos tempos atuais quais são as
mudanças dignas de notas?
4) Como você acha que precisa ser o perfil de um professor de educação
infantil?
5) O que você considera fundamental para desenvolver bem o seu trabalho?
107
Anexo 2- Termo de consentimento e livre esclarecido (TCLE)
Carta de autorização
Eu,___________________________________________________________
declaro para devidos fins que cedo os direitos de minha entrevista gravadam
transcrita e autorizada, para leitura e uso com finalidade de estudo, para
Arlene de Paula Lopes Amaral, a fim de ser usada integralmente ou em
partes, sem restrições de prazos ou citações, desde a presente data.
Niterói, ______________________ de 2013
______________________________________________________________
CPF:
108
Anexo 3- Distribuição dos Polos
CRECHE COMUNITÁRIA
Polo 1
1- CC GERALDO CAVALCANTE (APADA)
2- CC JÓIAS DE CRISTO
3-CC N.S. APARECIDA
4- CC PROFª. LENILDA SOARES CUNHA
5- CC ROSALDA PAIM (UFF)
Polo 2
6-CC INSTITUTO DR. MARCH
7-CC MADRE MARY MARCELINE -SAGRADA FAMÍLIA
8-CC SÃO LOURENÇO
Polo 3
9-CC MACEIÓ
10-CC ERCÍLIO MARQUES
Polo 4
11- CC CLÉLIA ROCHA
12-CC EULINA FÉLIX
13- CC ALARICO DE SOUZA
Polo 5
14- C.C ANÁLIA FRANCO
15- CC CIDADE DOS MENORES
Polo 6
16- CC BETÂNIA
17- C.C DOM ORIONE
18- CC CRIANÇA ESPERANÇA
19-CC CRISTO VIVE
20-CC IRMÃ CATARINA
21-CC JURUJUBA
22-CC KAIRÓS
23- CC MEDALHA MILAGROSA
24- CC SÃO VICENTE DE PAULO
Polo 7
25- CC AMIGOS DO JACARÉ
26 CC BASÍLIO NEVES
109
27-CC CAFUBÁ
28-CC ESPERANÇA EM CRISTO
29-CC LIZETE MACIEL
30-CC MEIMEI 100
31-CC MINHA QUERÊNCIA
32-CC RECOMEÇAR
UNIDADES ESCOLARES DE ENSINO FUNDAMENTAL
Polo 1
1-E.M. ALBERTO FRANCISCO TORRES
2-E.M. AYRTON SENNA
3-E.M. PADRE LEONEL FRANCA
4- E.M. SANTOS DUMONT
Polo 2
5- E.M. DJALMA COUTINHO
6- E.M. DOM JOSÉ PEREIRA ALVES
7- E.M. ERNANI MOREIRA FRANCO
8- E.M. JACINTA MEDELA
9- E.M. M. HEITOR VILLA LOBOS
10- E.M. NORONHA SANTOS
11- E.M. NOSSA SENHORA DA PENHA
12- NAEI VILA IPIRANGA
Polo 3
13- E.M. ANTÔNIO COUTINHO
14- E.M. DEMENCIANO A. DE MOURA
15- E.M. JOSÉ DE ANCHIETA
16- E.M. MARIA DE L. B. SANTOS
17- E.M. PAULO FREIRE
18- E.M. RACHIDE DA G. SALIM SAKER
19- E.M. SEBASTIANA G. PINHO
20- E.M. VILA COSTA MONTEIRO
Polo 4
21-E.M. BOLÍVIA DE LIMA GAÉTHO
22- E.M. DIÓGENES R. DE MENDONÇA
23- E.M. FELISBERTO DE CARVALHO
24- E.M. HELONEIDA STUDART
25- E.M. HONORINA DE CARVALHO
26- E.M. LEVI CARNEIRO
27- E.M. PROF. HORÁCIO PACHECO
28-E.M. SÍTIO DO IPÊ
110
29- E.M. VERA LÚCIA MACHADO
Polo 5
30- E.M. ADELINO MAGALHÃES
31- E.M. ALTIVO CÉSAR
32- E.M. ANDRÉ TROUCHE
33- E.M. GOV. ROBERTO SILVEIRA
34- E.M. INFANTE DOM HENRIQUE
35- E.M. JOÃO BRAZIL
36- E.M. MESTRA FININHA
37- E.M. TIRADENTES
Polo 6
38- E.M. HELENA ANTIPOFF
39- E.M. JÚLIA CORTINES
40- E.M. LÚCIA Mª SILVEIRA ROCHA
41- E.M. Mª ÂNGELA MOREIRA PINTO
42- E.M. PAULO DE ALMEIDA CAMPOS
43- E.M. PROF.ª ELVIRA L. E. DE VASCONCELOS
Polo 7
44- E.M. EULÁLIA DA S. BRAGANÇA
45- E.M. FRANCISCO PORTUGAL NEVES
46- E.M. MARALEGRE
47- E.M. MARCOS WALDEMAR
UMEIS
Polo 1
1- UMEI ALBERTO DE OLIVEIRA
2- UMEI ANTÔNIO VIEIRA DA ROCHA
3- UMEI GERALDO MONTEDÔNIO
4- BEZERRA DE MENEZES
5- UMEI HILKA DE ARAÚJO PEÇANHA
6- UMEI PROFª DENISE MENDES CARDIA
7- UMEI VASCONCELOS TORRES
Polo 2
8- UMEI JULIETA BOTELHO
9- UMEI MARILZA DA C. ROCHA MEDINA
10- UMEI PORTUGAL PEQUENO
11- UMEI PROF. ÍRIO MOLINARI
12- UMEI RENATA MAGALDI
Polo 3
111
13- UMEI LUIZ EDUARDO TRAVASSOS
14- UMEI MARLY SARNEY
15- UMEI PROF. NILO NEVES
16- UMEI HERMÓGENES REIS
Polo 4
17- UMEI ELENIR RAMOS MEIRELLES
18- UMEI GABRIELA MISTRAL
19- UMEI OLGA BENÁRIO
20- UMEI PROF.ª LISAURA M. RUAS
Polo 5
21- UMEI PROF. IGUATEMI C DE ALC.
23- UMEI NEUSA BRIZOLA
24- UMEI ROSALINA DE ARAÚJO
Polo 6
25- UMEI MARIA LUIZA SAMPAIO
26- UMEI PROF.ª MARGARETH FLORES
Polo 7
27- UMEI DR. PAULO CÉSAR PIMENTEL
28- UMEI PROFª. ÁUREA T. P. DE MENEZES
29- UMEI ODETE ROSA DA MOTA
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Professores das creches conveniadas no município de Niterói