UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ARLENE DE PAULA LOPES AMARAL PROFESSORES DE CRECHES CONVENIADAS NO MUNÍCIPIO DE NITERÓI: IDENTIDADES EM CONSTRUÇÃO RIO DE JANEIRO 2014 ARLENE DE PAULA LOPES AMARAL PROFESSORES DE CRECHES CONVENIADAS NO MUNÍCIPIO DE NITERÓI: IDENTIDADES EM CONSTRUÇÃO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof. Dra Libânia Nacif Xavier RIO DE JANEIRO 2014 ARLENE DE PAULA LOPES AMARAL PROFESSORES DE CRECHES CONVENIADAS NO MUNÍCIPIO DE NITERÓI: IDENTIDADES EM CONSTRUÇÃO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Aprovado em __________________ _______________________________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Libania Nacif Xavier _______________________________________________________________ Profª. Drª. Giseli Barreto da Cruz _______________________________________________________________ Profª. Drª. Sonia de Oliveira Camara Rangel RIO DE JANEIRO 2014 Dedico este trabalho ao meu amado esposo Marcos Vinícius, companheiro de todos os momentos e a nossa filha Alice meu presente e meu futuro, luz que ilumina meu caminho e ternura que me preenche de afeto, esperança e força para seguir em frente. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pelas bênçãos recebidas em minha vida, em especial no tempo do mestrado. Ao meu esposo, Marcos Vinícius, meu grande amor, incentivador, amigo e companheiro. Obrigada pelo apoio e por me presentear com sua presença. A minha família: começo, meio e fim de tudo o que eu fiz. Especialmente aos meus pais, Maria das Graças e Vicente, pelo exemplo de vida, incentivo e carinho. As minhas irmãs, Ana Paula e Aline pelo companheirismo e pela torcida, em especial pelos meus sobrinhos José Antonio Junior, Camila, Julia, Thalita, Luisa e João Lucas que me fazem, a cada dia que passa acreditar no sorriso, na alegria e no brilho do olhar! Agradeço à minha orientadora, professora Libânia Xavier, por toda caminhada desde o tempo de graduação, me incentivando e confiando no meu potencial. Agradeço também sua dedicação, seu compromisso e principalmente suas orientações, sem as quais não seria possível esta dissertação. Ao amigo e companheiro de grupo de pesquisa, Armando Arosa, pelo olhar teórico em minha pesquisa desde a banca de qualificação. Obrigada pela significativa contribuição dada a este trabalho. Aos meus colegas do mestrado, que foram grandes incentivadores e companheiros de todos os momentos, em especial, aos amigos do grupo de pesquisa Amanda Moreira, Antônio Viveiros, Bruno Bahia, Christiane Pançardes, Evanilda Negreiros, Fábio Garcez, Janete Trajano, Nathalie Ramos. Agradeço às professoras Patricia Corsino e Gisele Cruz pelas valiosas contribuições que deram no processo de qualificação para o enriquecimento deste trabalho. Aos professores do PPGE, que me proporcionaram acesso ao arcabouço teórico necessário à minha jornada de pesquisadora. As professoras Gisele Barreto da Cruz e Sonia de Oliveira Camara Rangel por aceitarem participar da banca e pelas contribuições de grande relevância para o enriquecimento deste trabalho. Aos funcionários do Programa PPGE sempre atenciosos e atentos às nossas necessidades. A Rafaela, minha querida amiga, que esteve comigo em todos os momentos do mestrado e por partilharmos juntas dos desafios da produção de uma pesquisa acadêmica. A Gil, uma amiga especial, pela escuta paciente, pelas trocas e verdadeira amizade. Ao grupo do PNAIC Campos/ Itaperuna pela torcida, e em especial a turma Marina Colasanti. Pessoas tão comprometidas com a educação de crianças e que me ajudaram a entender melhor nosso papel de educador e a educação como um todo. Aos funcionários das Creches Comunitárias conveniadas, sobretudo às professoras pelo apoio e entrevistas cedidas. As funcionárias da Fundação Municipal de Educação de Niterói Marcia Nico, Romana e Cilene que sempre me ajudaram se mostrando solícitas e colaborando com tudo o que estava ao alcance delas, bem como todos os profissionais da FME de Niterói que contribuíram com a pesquisa. A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que fosse possível chegar até aqui, o meu sincero muito obrigada. RESUMO AMARAL, Arlene de Paula Lopes. Professores das creches conveniadas no munícipio de Niterói: identidades em construção. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. A dissertação analisa os processos de construção das identidades de professoras de creches conveniadas de Niterói (RJ), atentando para os sentidos atribuídos por eles(as) ao seu trabalho, ao longo de suas trajetórias profissionais. Considerou-se que a identidade não é um produto, mas uma construção decorrente do processo de socialização, sendo constantemente construída e desconstruída pelos indivíduos em interação com seus pares. Conflitos e tensões fazem parte das trajetórias biográficas e relacionais dos(as) profissionais, levando-os(as) a mobilizações e à busca de valorização profissional nos seus contextos de trabalho. O estudo procurou, também, conhecer as políticas de expansão da oferta escolar na educação infantil por meio das práticas de conveniamento com instituições privadas comunitárias de serviço à infância. Nesse sentido, a dissertação retrata duas dimensões da pesquisa: 1) a construção do histórico da educação infantil no município de Niterói e 2) a relação dessa história e das ações públicas atuais com a construção das identidades dos profissionais que atuam em creches comunitárias conveniadas. A pesquisa se apoiou na análise documental e na história oral, cruzando as políticas - atuais e passadas - com as trajetórias profissionais desses professores. Para a compreensão do objeto e de nossas questões de estudo, foi importante trabalhar com a concepção de negociações identitárias, proposta por Claude Dubar (1997). Constatou-se que a constituição da identidade dos(as) profissionais não é feita independente das interações com o contexto institucional, com as políticas vigentes e, sobretudo, com a sua história e experiência pessoal. Por fim, o estudo procurou demonstrar que ação e estrutura se constroem mutuamente e os sujeitos participam desse processo de forma dinâmica e interativa. Palavras-chave: História da profissão docente; Identidade profissional; Creches Conveniadas. ABSTRACT AMARAL, Arlene de Paula Lopes. Teachers of the accredited daycare centers in the municipality of Niterói: identities under construction. Rio de Janeiro, 2014. Dissertation (Masters in education) – Program of Post-Graduation in Education, Universidade Federal do Rio de Janeiro. The dissertation analyzes the processes of construction of the identities of teachers of the accredited daycares Niterói ( RJ ), attending to the meanings attributed by them to their work, throughout their professional careers. It was considered that the identity is not a product but a construction due to the socialization process, constantly being constructed and deconstructed by the individuals in interaction with their peers. Conflicts and tensions are part of the biographical and relational trajectories of professionals, leading them to mobilizations and the pursuit of professional development in their work contexts. The study also sought to know the policies of expansion of school provision in early childhood education through the practice of the government partnerships with community daycares private. In this sense, the dissertation research portrays two dimensions: 1 ) the construction of history of early childhood education in Niterói and 2 ) the relationship of that history and current public actions with the construction of identities of professionals working in community nurseries conveniadas. The research was based on documentary analysis and oral history, overlapping policies - past and present - with trajectories professional of these teachers. For the understanding of the subject and issues of our study, it was important working with the conception of negotiating identities, proposed by Claude Dubar (1997 ). It was found that the formation of professional identity is not made independent of interactions with the institutional context, with the prevailing policies, and especially, with his history and personal experience. Finally, the study sought to demonstrate that action and structure are constructed mutually and the subjects participating of this process in a dynamic and interactive way. Key-words: Teaching profession, Professional identity; Accreditedchildcare centers. SUMÁRIO _Toc383271004 BUSCANDO NA MEMÓRIA AS ESCOLHAS E CAMINHOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS QUE CONSTITUÍRAM O TRABALHO. ......................................... 1 I.2 As instituições e os sujeitos da pesquisa.......................................................... 12 I.3 História oral e memória ................................................................................... 16 CAPÍTULO I – PERCURSOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL ................ 20 I.1 Tecendo com a História: primeiras creches ..................................................... 20 I.2 Políticas atuais para o atendimento a creche: como tem sido o atendimento no sistema municipal de ensino? ................................................................................ 31 I.3 Um breve histórico sobre a formação e profissionalização docente no Brasil 41 I.4 Professores de educação infantil: Como o campo profissional vem se constituindo? ......................................................................................................... 44 CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO INFANTIL EM NITERÓI: CAMINHOS DA IDENTIDADE E DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE ..................................... 49 II.1 Contextualizando a educação no município de Niterói .................................. 49 II.2 O processo que deu origem às primeiras creches em Niterói uma história a ser contada .................................................................................................................. 52 II.3 Tecendo histórias: os professores das creches conveniadas de Niterói .......... 58 II.4 Caminhos da pesquisa: um retrato das instituições ........................................ 64 CAPÍTULO III – OS SENTIDO DOS DIZERES .......................................................... 69 III.1 A construção da identidade dos professores em seus percursos de vida pessoal, social e profissional ................................................................................. 69 III.1.1 A escolha da carreira e a necessidade de trabalhar .................................... 71 III.1.2 Negociações identitárias no contexto da profissão: A formação básica e universitária ........................................................................................................... 74 III.2 O processo de socialização como uma iniciação à cultura profissional........ 78 III.3 Especificidades dos professores de creches na visão dos sujeitos entrevistados .......................................................................................................... 82 III.4 A relação da identidade profissional e a identidade da instituição que o sujeito está inserido ............................................................................................... 87 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 93 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 98 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AEPE – Acessória de Estudo e Pesquisa Educacionais CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEAPEs – Centros de Educação e Alimentação do Pré-escolar CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CME – Conselhos Municipais de Educação COEDI – Coordenação Geral de Educação Infantil COESE- Coordenadoria Especial de Supervisão Educacional COEPRE – Coordenadoria de Educação Pré-Escolar Coneds – Congressos Nacionais de Educação ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EJA – Educação de Jovens e Adultos FME – Fundação Municipal de Educação FSDE – Superintendência de Desenvolvimento do Ensino FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais da Educação IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP– Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LBA – Legião Brasileira de Assistência LDBN– Lei de Diretrizes e Bases Nacional MEC– Ministério da Educação MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social OMEP – Organização Mundial de Educação e Pré-Escolar ONU – Organização das Nações Unidas PCC – Programa Criança na Creche PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PROAPEs -–Programa de Atendimento ao Pré-escola ProInfância– Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil Proinfantil – Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil RCNEI – Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil RFP – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil SAM – Serviço de Assistência aos Menores SEPRE - Serviço de Educação Pré-Escolar SESC – Serviço Social do Comércio SESI - Serviço Social de Indústria SETAS – Secretaria de Trabalho e Ação Social SME – Secretaria Municipal de Educação UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro UMEIS –Unidades Municipais de Educação Infantil do município de Niterói UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO –- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância LISTA DE QUADROS E FIGURAS Quadro 1- Perfil dos interlocutores da pesquisa .............................................................28 Figura 1 – Localização e divisão administrativa dos bairros do município de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil .................................................................................................. 503; Figura 2 – Evolução histórica da rede física escolar de Niterói .................................. 504; Figura 3 – Quantidade de alunos atendidos das unidades de educação infantil e do município de Niterói (RJ) no mês de abril de 2013 ....................................................... 70; Figura 4 – Nível de formação, em porcentagem, dos professors das crèches conveniadas do município de Niterói (RJ) em 2013 .......................................................................... 75; Figura 5 – Localização, no município de Niterói, Brasil, das instituições de educação infantil pesquisadas ....................................................................................................... 80. LISTA DE ANEXOS Anexo 01 – Roteiro de entrevista semi-estruturada...................................................... 117 Anexo 02 – Modelo do termo de consentimento.......................................................... 118 Anexo 03 – Distribuição das escolas por polo ............................................................. 119 1 BUSCANDO NA MEMÓRIA AS ESCOLHAS E CAMINHOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS QUE CONSTITUÍRAM O TRABALHO. Meus olhos estarão sobre espelhos buscando os caminhos que existem dentro das coisas transparentes (MEIRELES, 1974, p.65). Diferentemente de algumas pesquisas que são impulsionadas pelo envolvimento com a prática docente de seus autores, meus questionamentos partem da oportunidade que tive em participações e vivências no grupo de pesquisa1 que estuda a profissão docente. Nesse grupo pude realizar algumas leituras e discussões sobre a profissão e as políticas educacionais para Educação Básica (NÓVOA, 1992, 1999; DUBAR, 1997a; 1997b; LAW, 2001) que me aproximaram das primeiras delimitações do tema proposto para este trabalho. De certo modo, o presente estudo pretendia dar continuidade ao trabalho de monografia intitulada Ação coletiva: um estudo sobre o Fórum Permanente de Educação Infantil do Rio de Janeiro, cujo objetivo central foi realizar um estudo sobre esse espaço, refletindo sobre sua importância para a educação infantil e para a profissão docente. Porém, o processo de construção do objeto de pesquisa no âmbito do mestrado em educação foi se desenvolvendo com o aparecimento de outras questões relevantes que contribuíram para o desenvolvimento dessa pesquisa. É pertinente afirmar que foi ali, ao elaborar e construir a escrita da monografia, que comecei a sistematizar o exercício de um novo lugar, amparado e qualificado por novas problematizações. Foram as minhas observações no Fórum Permanente de Educação Infantil do Rio de Janeiro que trouxeram questionamentos sobre a construção das identidades docentes. Frequentando as assembléias do Fórum, foi possível observar por tras dos atores sociais que participavam daqueles encontros havia uma trajetória pessoal/profissional e que eles estão sempre construindo suas identidades, nos diversos espaços em que estão inseridos, buscando alcançar as identidades visadas, que conforme explicado por Dubar (1997a), são aquelas que os indivíduos almejam e, em geral, 1 Para a história da profissão do docente: estratégias associativas e legitimação profissional. Coordenado pela professora Doutora Libânia Nacif Xaveir vinculado ao PPGE-UFRJ e ao Programa de Estudos e Documentação e Sociedade (PROEDES). 2 dependem da melhoria das condições de trabalho e da ampliação da autonomia profissional do grupo. Ao desenvolver este trabalho, o meu interesse foi compreender a construção dos processos identitários dos/das professoras de creche de instituições conveniadas do município de Niterói (RJ), a partir de sua trajetória profissional, bem como os sentidos e significados atribuídos por eles/elas ao trabalho naquele nível de ensino e no seu processo de profissionalização. Acredito que, ao pesquisarmos a identidade docente, entendemos como esses atores sociais estão se reconhecendo como professores de creche. Podemos entender, também, quais são suas expectativas em relação ao seu trabalho. Deste modo, busco compreender os percursos formativos das professoras das creches conveniadas do município de Niterói. Professoras que começaram seu trabalho como auxliar e passaram a ser professoras regentes após a política de formação exigida em ambito nacional, a partir da qual o município de Niterói elaborou estratégias para a formação desses professores. Como pano de fundo desta pesquisa, busquei elucidar como se deram e se dão as políticas de conveniamento com instituições privadas comunitárias de serviço à infância neste município. Entendemos que a constituição destas instituições, bem como as transformações político-institucionais que tem passado o município repercutem na construção das identidades destes profissionais. Em estudo sobre identidades sociais e profissionais construídas na França ao final dos anos 1980, Dubar (1997a) conceitua identidade profissional como sendo construções sociais que implicam a interação entre as trajetórias individuais e os sistemas de emprego, de trabalho e de formação. Para o autor, a construção das identidades profissionais é inseparável da existência de espaços de emprego, de formação e dos tipos de relações profissionais que estruturam as diversas formas específicas de mercados de trabalho. As configurações identitárias típicas poderiam ser abstratamente associadas a “momentos” privilegiados de uma biografia profissional ideal: momento da construção da identidade (formação profissional inicial), momento da consolidação da identidade (inserção e aquisição progressiva da qualificação nas carreiras do ofício), momento do envelhecimento da identidade e da passagem progressiva à aposentadoria. 3 Em análise sobre as formas de “se sentir e ser professor” em Portugal, Nóvoa (1992, p.15) revela que a identidade não é um dado, não é uma propriedade nem sequer um produto, mas “é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão” e nessa construção, o profissional atravessaria uma tripla trajetória: de adesão – a um conjunto de princípios e valores; de ação – ao selecionar formas de agir, com decisões de foro pessoal e profissional; de autoconsciência – na reflexão sobre a própria ação, base de todas as decisões. No que diz respeito à identidade profissional, Dubar (1997a) e Nóvoa (1992) entendem a identidade como sendo dinâmica, que se processa em um tempo e espaço próprio em um ciclo de vida profissional e se produz entre a imagem interna – a identidade para si – e a imagem externa – a identidade para os outros – ou seja; a forma como a sociedade vê e trata a profissão. É pertinente ressaltar que as pesquisas sobre identidade docente podem comportar várias abordagens teóricas, a partir de diversas possibilidades de comparação: entre modalidades de ensino, gênero, relacionada à prática pedagógica e tantos outros tipos de investigação. Aqui, optou-se por fazer uma pesquisa sobre a construção da identidade profissional tendo como enfoque a trajetória profissional e o seu processo de profissionalização. A escolha por enfocar a pesquisa especificamente em professores de creche, quando há tantos outros sujeitos envolvidos nessa dinâmica se deve, primeiro, à especificidade que esses profissionais apresentam, como resultado de sua própria origem histórica, no qual é associada de um lado a assistência social e ao modelo de substituição materna e, por outro, a preparação para o ensino obrigatório. Em um segundo momento se deve, pelas questões contraditórias que muitos desses profissionais têm vivido como: carreira, salário, formação e condições de trabalho que ainda são conflituosas em diversos municípios brasileiros. Como observa Kramer (2005), as atividades do magistério infantil têm sido associadas à condição feminina, ao cuidado e socialização da criança. Com ênfase na dimensão afetiva, é considerado um trabalho que requer menor qualificação e remuneração. No entanto, a partir das novas diretrizes legais que situam a educação infantil como primeira etapa da Educação Básica, a legislação enfatiza a dimensão educativa e define que o profissional para atuar nesse nível de ensino é o professor com formação específica (BRASIL, 1996, art 62). 4 Estamos, portanto, nos defrontando com a construção de um novo grupo profissional, num processo que mobiliza a constituição de novos significados pelos diferentes grupos sociais envolvidos na educação da criança. Entendemos que é relevante, neste momento, investigar e buscar compreender esse processo. Esse estudo também se torna relevante para a pesquisa em educação, pois cada vez mais têm surgido estudos e pesquisas sobre as mudanças estruturais do sistema e do trabalho docente, com foco na formação docente, precarização do trabalho, carreira e salários, assim como no status social e na identidade dos educadores/professores. Porém, essas pesquisas ainda abordam de forma insuficiente os profissionais da educação infantil, carecemos de estudos abrangentes sobre a identidade profissional dos educadores/professores das creches e pré-escolas no Brasil. Em revisão bibliográfica foi possível perceber que atualmente existem muitos estudos sobre a educação infantil, sendo um tema bastante explorado, não somente na área de educação, como também na área de saúde, serviço social, história, sociologia; basta verificar as temáticas das últimas produções científicas. Para realizar um primeiro levantamento bibliográfico, nós nos reportamos a um levantamento de dissertações e teses sobre a educação infantil junto ao banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que se constitui atualmente no maior banco de dados referente à produção dos programas de pós-graduação no Brasil. O recorte temporal da pesquisa foi de 2005 a 2011. Para chegar ao levantamento foi necessário utilizarmos diversos descritores na localização das dissertações e teses que procurávamos, pois esta produção encontra-se muito difusa e muitas vezes em programas de pós-graduação que não pertencem à área de educação. O primeiro descritor utilizado foi “profissionais das creches e pré-escola” tendo um total de cinquenta e três teses e dissertações, percebendo que o descritor estava muito amplo foi necessário especificar mais, buscando um localizador mais específico aos objetivos do presente estudo, sendo assim o segundo descritor foi “identidades de profissionais de creches,” encontrando dezessete teses e dissertações. Sendo ainda um número muito grande de trabalhos, buscamos através do título das dissertações selecionar as que se entrelaçavam com o tema do projeto de pesquisa, sendo assim foram selecionados quatorze dissertações e teses para realizarmos as leituras dos resumos e parte dos trabalhos. 5 Após leitura supracitada, foi possível concluir que, embora tenham sido selecionadas pelo critério de busca citado anteriormente, poucas, aproximam-se da discussão a que nos propomos fazer. Em sua maioria, discutem a construção das identidades relacionadas à práxis, a gênero, etnia, a representação social, cotidiano e trajetória de vida. As dissertações e teses que mais dialogam com a temática desse estudo são as que indicaremos a seguir. A dissertação de Francisco (2005) aproxima-se do trabalho na perspectiva de analisar como ocorre a construção identitária de professoras leigas atuantes em creches comunitárias conveniadas com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre/RS. Buscou-se identificar a partir da fala das professoras, protagonistas deste processo, bem como das coordenadoras pedagógicas das creches comunitárias como acontece à passagem de educadora leiga à professora e se estas imprimem ressignificações na prática pedagógica cotidiana com crianças na creche. Caso parecido com a dissertação de Santos (2005) que analisa comparativamente, os programas de formação continuada dos professores de educação infantil da Rede Municipal de São Paulo, porém no período de 1989 a 1996, sendo o período que antecede a Lei de Diretrizes e Bases. Toniato (2008) pesquisou a identidade profissional de docentes da educação infantil, especificamente dos professores que atuam com crianças pequenas de zero a três anos de idade em instituições de cuidado e educação. Investigou e discutiu as concepções que os professores têm sobre a criança pequena, o trabalho docente e a instituição de educação infantil. Entretanto, esta dissertação focou mais a análise da prática pedagógica e do cotidiano dos professores de educação infantil. Ramadan (2010) em sua dissertação teve como finalidade compreender como se constituíram as identidades de um grupo de monitoras de educação infantil que atuam nas creches municipais de Campinas, compreendendo também como vêm se construindo para este grupo a profissão de educadoras de crianças pequenas. A pesquisa teve como referencial teórico-metodológico a História Oral, fazendo uso da memória como suporte para reavivar as histórias do cotidiano, bem como algumas categorias de análise como estudos sobre identidade, gênero e especificidades da educação infantil, a fim de que a pesquisa pudesse dialogar com a teoria e nesse processo fosse possível 6 conhecer as concepções (saberes) e as práticas educativas (fazeres) construídas ao longo de suas trajetórias profissionais. O trabalho de Souza (2011) discutiu a formação de professores do Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) no âmbito do Rio de Janeiro. A proposta desta pesquisa foi compreender como a experiência formativa do Proinfantil, vivida pelo Professor Cursista, afetou/tem afetado a construção de sua identidade profissional. Realizou entrevistas com profissionais que participaram das discussões e da implementação do Proinfantil, com o objetivo de remontar a história do programa e perceber as concepções que orientaram os debates e as formulações; realizaram-se entrevistas coletivas semiestruturados com quatro grupos de Professores Cursistas, na tentativa de recuperar os sentidos e mudanças experimentados no processo formativo. Apesar desses trabalhos focarem na formação continuada dos professores, eles não analisaram diretamente como têm sido construídas as identidades dos profissionais de creche e não escutaram as vozes dos professores sobre sua trajetória profissional, considerando o seu processo de formação e suas escolhas profissionais, além de não analisarem as dinâmicas de formação identitária entrelaçadas com a política municipal. Como o nosso trabalho está situado especificamente no município de Niterói foi importante colocarmos como descritores: “Fundação Municipal de Educação de Niterói” encontrando 11 trabalhos com temáticas diversas. Somente dois trabalhos eram referentes à educação infantil. A dissertação de Faria (2007) “Formação de professores de educação infantil: para quê?” na qual foi realizada uma investigação sobre as professoras de creche conveniadas, compreendendo quais as concepções que as professoras de educação infantil têm a respeito dessa etapa da educação. Quais são as suas concepções a respeito da função da creche comunitária. Quais suas concepções sobre a infância. Foram entrevistadas sete professoras da Creche Comunitária Piratininga, conveniada à Fundação Municipal de Educação de Niterói, pelo Programa Criança na Creche. Na tese de doutorado, “Educação e Infância na cidade: dimensões instituintes da experiência de intersetorialidade2 em Niterói.” Almeida (2010) resgata a 2 Segundo Almeida (2010) a intersetorialidade é uma das práticas sociais que se articula na mediação institucional entre diferentes políticas públicas na esfera municipal. Expande-se a partir do fenômeno da 7 trajetória da experiência de intersetorialidade na cidade de Niterói no período compreendido entre os anos de 2006 e 2008, analisando as dimensões instituintes dos movimentos empreendidos nos campos da educação e da infância. Sendo um trabalho que realizou entrevistas com diversos profissionais que atuam nas instâncias de coordenação e execução das políticas de saúde, educação e assistência social assim como com representantes da sociedade civil que atuam nos conselhos de direito e de políticas da cidade, não focando diretamente nos professores de educação infantil. Assim, observa-se que existe uma lacuna de estudo sobre a identidade profissional dos professores de creche, principalmente sobre o município de Niterói. Nesse sentido, esse estudo se faz importante para entendermos: Como tem se dado a trajetória de formação dos professores das creches conveniadas? Qual(is) investimento(s) os professores tem realizado para alcançar o processo de sua profissionalização? Quais os sentidos e significados atribuídos por eles/elas ao trabalho naquele nível de ensino? As questões pontuadas estão inseridas nos estudos que tem por interesse a formação, a experiência e a identidade profissional desses professores. O objetivo principal do estudo foi, portanto, conhecer e analisar como tem se dado a construção da identidade profissional de (cinco) professoras de creches conveniadas do município de Niterói. Tendo como objetivos específicos: I) Identificar a trajetória profissional dos professores de creche conveniada, considerando o seu processo de formação e suas escolhas profissionais, bem como sentidos e significados atribuídos por eles/elas ao trabalho naquele nível de ensino. II) Identificar as dinâmicas de formação identitária nos contextos de cursos de formação continuada proporcionados, em particular, pelo Proinfantil e pela Fundação Municipal de Niterói. III) Analisar a relação entre a identidade profissional e identidade institucional. Ouvir o que elas falam e pensam sobre ser professor, sobre o significado do seu trabalho, sobre as experiências vividas nos contextos da prática e da formação, pode nos fornecer pistas para a compreensão sobre o processo de construção das identidades descentralização e como uma decorrência concreta das dificuldades e Possibilidades que se apresentam nos processos cotidianos de oferta dos serviços sociais prestados no âmbito das políticas públicas na esfera local. 8 docentes, assim como para o desenvolvimento da profissionalidade.3 Entendo que buscar compreender esses percursos possa se constituir em caminho para que “a voz do professor seja ouvida, ouvida em voz alta e ouvida articuladamente” (GOODSON, 1995, p. 67). 1.1 O Projeto e os trajetos: compondo o campo da pesquisa O percurso que traçamos para a pesquisa nem sempre se dá de forma linear, existem “dificuldades” que nos fazem mudar o caminho, mas que não nos deixam perder o foco do trabalho. Digo isso porque tivemos que modificar a proposta elaborada no projeto de dissertação. A ideia inicial era pesquisar os professores das Unidades Municipais de Educação Infantil do município de Niterói (UMEIS) e os professores do Programa Criança na creche (PCC), porém devido às mudanças de governo no ano de 2013 o setor responsável pela educação infantil no Município de Niterói passou por modificações estruturais, tanto no funcionamento da Fundação Municipal de Educação como no seu quadro de funcionários. Com isso, o contato realizado no ano de 2012 teve que ser reconstruído e os documentos de autorização para pesquisa tiveram que ser novamente solicitados. Após fazer contato com a responsável pelo Programa Criança na Creche, que de forma muito gentil, me apresentou as funcionárias que são responsáveis pelas creches conveniadas, foi possível ter acesso às professoras e elas se colocaram a disposição para a pesquisa. Diferente do que aconteceu com a coordenação das UMEIs que não nos passou os dados solicitados. O contato inicial com a coordenadora das UMEIs foi muito breve, ela explicou que devido à mudança da sede da Fundação Municipal de Educação de Niterói eles estavam organizando os arquivos e que entrariam em contato comigo, o que não aconteceu. 3 Para Núñez, Ramalho (2008) o termo profissionalidade expressa tudo aquilo que é necessário ao professor no exercício da profissão, tais como o conhecimento, os saberes, as técnicas e as competências, que trazem as especificidades da atividade profissional docente. Para Sacristan (1995) é afirmação do que é específico na ação docente, isto é, comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor (p.65). Segundo o autor, essa elaboração não é estática. Ela é elaborada constantemente e precisa ser contextualizada. 9 Sendo assim, em conversa com minha orientadora decidimos focar a pesquisa nos professores do Programa Criança na Creche, pois a especificidade das creches conveniadas já traz muitas questões relevantes. E que a implementação do Programa Criança na Creche e a identidade profissional das professoras que trabalham nesse espaço são de fundamental importância. Nesta pesquisa, além de ampliar o diálogo com a cidade, procuramos estabelecer uma relação com um contexto que tivesse um enraizamento histórico com as próprias questões da educação infantil. Atentamos para as vozes das professoras, por mais contraditórias e ambíguas que parecessem sem perder de vista a reflexividade que exige um processo de pesquisa e análise. Embora saibamos que o trabalho de pesquisa requer tanto a análise de dados quantitativos quanto uma abordagem qualitativa, nós concordamos com Ludcke e André (1986, p.18), para quem a pesquisa qualitativa é rica em dados descritivos, é aberta e flexível, focando a realidade de forma complexa e contextualizada. A isso tudo, o pesquisador deve ficar atento para planejar a entrevista, o questionário, selecionar os documentos, escolher os sujeitos – inclusive – atento a si mesmo para minimizar as interferências durante as narrativas que venham a comprometer a formulação natural dos dizeres desses indivíduos, como sendo esta sua maneira de botar sentido nas coisas, nas situações. Para colher os depoimentos das professoras, elaboramos um roteiro para entrevista semiestruturada4 orientada pelas leituras que estávamos fazendo em nosso grupo de pesquisa e pelo objetivo da pesquisa que tínhamos desenhado até aquele momento. Esse tipo de entrevista desenrola-se com base em esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações (LUDCKE; ANDRÉ, 1986, p.34). Os relatos foram pautados em três eixos principais: 1) O percurso de vida; 2) A trajetória de formação; 3) Trajetória e experiência profissional. O objetivo de selecionar os três eixos era conhecer, os perfis, a trajetória profissional (escolha e ingresso na carreira, tipos de formação, mudanças ocupacionais e 4 Na entrevista semiestruturada, o investigador pode combinar perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal (Anexo 1). 10 de função, de instituição, dentre outras) e trajetória de formação (quando e onde iniciou os estudos, se fez formação continuada em serviço, o que mais marcou na trajetória de formação, entre outras) das professoras no percurso de suas histórias de vida. Todas as professoras foram devidamente informadas a respeito dos objetivos da pesquisa e, ainda, foi solicitada a sua autorização para o uso do material nessa pesquisa, como forma de respeitar os colaboradores. As entrevistas foram gravadas e transcritas. Entendemos conforme Ludcke; André (1996) que; É muito importante que o entrevistado esteja bem informado sobre os objetivos da entrevista e de que as informações fornecidas serão utilizadas exclusivamente para fins de pesquisa, respeitando-se sempre o sigilo em relação aos informantes (LUDCKE; ANDRÉ, 1986, p.36). Depois da transcrição e leitura das entrevistas, sentimos a necessidade de enviálas aos entrevistados para que pudessem ler opinar, sugerir mudanças, esclarecer alguns pontos, se necessário. Esse momento de conferência foi importante para que as professoras se reconhecessem mediante o consentimento e validação dos textos das entrevistas.5 No que se refere à dimensão da construção do histórico das creches no município, optou-se por uma pesquisa documental cuja análise cuidadosa do passado permitiu observar como se deu o surgimento das primeiras creches; a forma de organização das instituições de educação infantil; a transferência das creches do setor da Assistência para o da Educação, as políticas de educação presentes nos diferentes períodos; os profissionais e as políticas de formação e organização da educação infantil. Foi de fundamental importância realizar o estudo da história local, o qual acabou se tornando parte da metodologia da pesquisa. Esta história está apresentada no capítulo 2 e foi vista como algo resultante de um processo político, cultural e social, e inserida no âmbito da história da educação infantil no país. É importante salientar que o contato com os documentos que fizeram parte desta história implicaram um olhar atento da pesquisadora, sendo sempre colocados em posição de destaque e relacionados a outros documentos. 5 Anexo II- Modelo do Consentimento da entrevista. 11 Na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME) não existe um banco de dados sobre a educação. Conta apenas com um setor de arquivo que foi criado em 2006. Segundo técnicos da FME, muitos documentos são arquivados de acordo com os interesses de cada gestão. Assim, cada novo governo demonstra interesse relativo em conhecer as ações realizadas pelos governos anteriores, não se preocupando em organizar e preservar tais documentos. Observou-se apenas a tendência de se encontrar arquivados documentos referentes a questões jurídicas, como as legislações e ofícios, como se apenas esse tipo de documento fosse importante. Arquivos referentes à organização do sistema, às questões pedagógicas, à criação de projetos e programas foram pouco encontrados. Para completar as informações documentais contamos com o depoimento concedido pelo ex-subsecretário de Projetos especiais - Superitendente de Desenvolvimento de Ensino, Armando Arosa, que com nossa convivência no grupo de pesquisa do PPGE- UFRJ me permitiu conhecer mais de perto os meados das políticas de expanão das escolas de educação infantil do munícipio de Niterói, em especial das creches conveniadas. Por intermedio do Armando eu estabeleci contato com Cilene Moura, psicologa do Programa Criança na Creche, que também forneceu um depoimento falando do surgimento do Programa. Por fim, cabe registrar o apoio da Marcia Nico, a época coordenadora da Coordenadoria Especial de Supervisão Educacional- COESE, que me sugeriu professores para as entrevistas que estavam previstas no cronograma de nossa pesquisa. Tais contatos foram fundamentais tanto para o desenvolvimento quanto para o resultado da presente pesquisa. Como sinalizado, utilizamos a metodologia da história oral. Esse aspecto metodológico nos ajudou a desvelar a história profissional desses professores, trazendo à luz os significados, as escolhas, os desafios enfrentados nas trajetórias de sua profissão. No trabalho empreendido, considera-se que o depoimento não é um produto finalizado, mas um material que precisa ser analisado e somado a outros materiais e procedimentos para a compreensão da história profissional. Assim, as histórias profissionais desses professores mostram, com base em suas análises, tantos as individualidades, como as dimensões sociais e coletivas desse grupo de profissionais. O exercício de traçar a trajetória profissional serviu para compreender as características socioculturais que as constituíram enquanto professoras de creches. 12 Optamos por utilizar as chamadas histórias de vida, não como método que determina a própria pesquisa, recorrendo as suas histórias singulares, porém como mais um instrumento para compreender e descrever o ser professora de creche. Na mesma perspectiva, Kramer (2002) levanta a importância de levar em conta os sujeitos, nesse caso as professoras, no estudo dos processos educacionais, sendo também profícuo conhecer não só as histórias e trajetórias individuais, mas as histórias das propostas e das equipes institucionais, seus rumos, erros e acertos. A tentativa foi esta: entender como as professoras tem construído a identidade profissional dentro do contexto de avanços e retrocessos da universalização da educação pública à infância, nas políticas de conveniamento com creches no município de Niterói. I.2 As instituições e os sujeitos da pesquisa Não foi fácil chegar ao campo de pesquisa pela primeira vez, eu estava cheia de expectativas. Como pesquisadora, eu estava ansiosa, queria conhecer as creches, encontrar as professoras, construir uma aproximação rica do ponto de vista da metodologia da pesquisa. Como as professoras me receberiam? Como elas entenderiam minha pesquisa? O que elas tinham para me dizer da sua trajetória e experiência? As expectativas vão emergindo no imaginário do pesquisador. Desde o início, procurei apresentar a pesquisa com cautela. Desde o primeiro momento, acurei meu olhar para ver, escutar e sentir o que as professoras tinham de interessante, de riqueza para me falar. Sentia que esperavam que minha presença potencializasse coisas novas que pudessem de alguma maneira, contribuir para o fortalecimento do trabalho desenvolvido na creche. Mas, ao mesmo tempo também emergia certo incômodo, a preocupação do que seria a pesquisa e como as falas seriam interpretadas. Em todas as creches fui apresentada ao espaço, aos professores e funcionários. Fui recebida de forma muito amigável e acolhedora. O olhar das professoras ao conhecer a pesquisa e saber que eram protagonistas naquele momento era contagiante. Os encontros com as professoras entrevistadas foram realizados nas creches onde cada uma trabalha. O universo empírico da pesquisa está composto por algumas creches escolhidas, sendo duas pertencentes às instituições confessionais (uma 13 evangélica e outra católica) e uma creche de Associação de Moradores. Optei por conhecer esses dois espaços, já que as creches conveniadas em sua maioria são de Associações de Moradores ou Religiosas. As características das instituições serão apresentadas no capítulo III. No processo de efetivação deste estudo, tomamos como sujeitos cinco interlocutoras. A ideia inicial para a escolha das interlocutoras era aplicar um questionário identificando o perfil das professoras e convidando-as para a entrevista. Porém, em virtude da mudança de gestão na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME) não foi possível a aplicação do questionário. Dessa forma, em a Coordenadora da COESE me sugeriu professores para as entrevistas, buscamos professoras que tivessem mais de cinco anos nas creches conveniadas e professoras que passaram pelo cargo de auxiliar e posteriormente se tornaram professoras regentes. A definição de critérios segundos os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o universo da investigação é algo primordial, pois interfere indiretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar a compreensão mais ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a ser imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre o qual grande parte do trabalho de campo está assentado (DUARTE, 2002, p.141). A partir desse entendimento apresento, de forma breve, as cinco interlocutoras nesse estudo. Trata-se de cinco professoras que se encontram em efetivo exercício nas creches conveniadas de Niterói. Ressalta-se que as identidades das instituições e das pessoas não serão reveladas, sendo os nomes fictícios escolhidos pela pesquisadora. A professora Adriana tem 32 anos. Trabalha há seis anos na mesma creche, quatro como prestadora de serviços gerais e auxiliar6 e dois como professora. Sua formação é de ensino médio. Fez o curso Proinfantil7 oferecido pelo Ministério da 6 A entrevistada desempenhava a função de limpeza, organização e arrumação dos espaços da creche e ajudava nos cuidados com as crianças como servir almoço, escovação de dente, troca de fralda e outros. 7 Proinfantil é o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) é um curso a distância, em nível médio e na modalidade Normal, para formação de professores de educação infantil que atuam em creches e pré-escolas e que não possuem a formação exigida pela legislação, sendo realizado pelo MEC em parceria com os estados e os municípios interessados. Podem participar tanto professores da rede pública quanto aqueles que atuam na rede 14 Educação (MEC). Na época ela já trabalhava como auxiliar na creche. Em sua trajetória de vida, trabalhou em casa de família como babá e como balconista em uma papelaria. Como ela mesma diz, já fez de tudo um pouco. Seu maior desejo é fazer faculdade, poder ensinar e contribuir mais com a creche. A professora Claudia tem 56 anos é a professora com maior tempo na história dessa creche, na qual está desde seu início, quando esta ainda funcionava em outro endereço e de forma bastante precária. Fez o curso de Magistério na cidade de São Paulo e quando retornou para Niterói foi convidada para trabalhar na creche que trabalha até hoje. Fez o curso Normal Superior e depois complementou o curso com a graduação de pedagogia. Atualmente exerce a função de pedagoga da creche, tem a função de acompanhar o trabalho das professoras e ajudar a direção na parte administrativa da creche. A professora Sônia tem 46 anos, é casada, tem três filhos. Antes de trabalhar na creche trabalhava em um escritório de contabilidade, ganhou uma bolsa para cursar Ciências Contábeis em uma instituição privada, mas não gostou da profissão. Trabalha com crianças há sete anos, até então, nunca havia trabalhado com crianças. Começou como auxiliar e esse ano tornou-se professora regente. Iniciou o curso de Formação de Professores quando entrou na creche. Gostaria de fazer faculdade para entender e aprofundar as discussões sobre a educação e fazer concursos públicos. Professora Márcia tem 41 anos, começou a trabalhar na creche há 15 anos, e ano passado tornou-se professora regente. Passou sua juventude em São Paulo e quando veio morar em Niterói chegou à cidade grávida, tendo que aguardar um tempo para procurar um emprego. Após o nascimento da filha começou a trabalhar como auxiliar na creche, pois era um lugar onde poderia deixar sua filha e ainda ganhar algum dinheiro. Começou a fazer faculdade, mas não concluiu, pois foi realizar o curso de formação de professores que era um curso mais ligeiro que possibilitava ascensão na carreira naquele momento. Tem vontade de fazer pedagogia para permanecer em sala de aula e continuar na área da educação infantil. privada sem fins lucrativos (como instituições filantrópicas, comunitárias ou confessionais, conveniadas ou não). 15 Professora Lívia tem 29 anos. Trabalha com a educação infantil há 11 anos, teve sua infância e juventude no interior do Estado do Rio de Janeiro, onde fez o curso Normal. Veio morar em Niterói em 2000 e desde quando chegou à cidade foi trabalhar na creche como auxiliar e atualmente trabalha como professora regente. Iniciou o curso de pedagogia em uma instituição privada na cidade de Niterói conseguindo transferência para uma universidade pública no município de São Gonçalo. Quadro 01: Perfil profissional dos interlocutores da pesquisa Entrevistada Idade Adriana 32 anos Claudia Sônia Marcia Livia 56 anos 46 anos 41 anos 29 anos Formação acadêmica Curso Normal (Proinfantil) Graduação em Pedagogia Curso Normal Curso Normal Cursando Pedagogia Auxiliar Professora 4 anos 2 anos 2 anos 6 anos 14 anos 9 anos 14 anos 1 ano 1 ano 2 anos Fonte: Questionário com perfil dos interlocutores da pesquisa Huberman (1995), usando o tempo como variável definidora do desenvolvimento profissional, propõe a existência de cinco fases que marcam o processo de evolução da profissão que são: a entrada na carreira (de 1 a 3 anos de profissão), a estabilização (de 4 a 6 anos), a experimentação ou diversificação (de 7 a 25 anos) e a preparação para a aposentadoria (35 a 40 anos de profissão). As professoras sujeito da pesquisa se caracterizam pela fase inicial e pela fase de estabilização como professoras. Os professores que estão na fase inicial estão vivendo o momento da “exploração,” na qual o professor faz uma opção pela carreira, experimentando vários papeis como opções provisórias. Nessa fase, é comum o professor encontrar-se entusiasmado com a profissão e as situações com as quais se deparam, questionando se o seu desempenho está ou não satisfatório. Os professores que estão na fase da estabilização se caracterizam por uma “libertação” ou “emancipação” do professor. É a fase da afirmação do “eu-docente” perante os colegas mais experientes, do comprometimento consigo próprio e com o desenvolvimento da 16 profissão. Nela ocorre a escolha da identidade profissional, constituindo uma etapa decisiva no seu processo profissional. I.3 História oral e memória A metodologia da história oral vem sendo cada vez mais utilizada e refere-se a relatos de experiências vivenciadas por um sujeito individual podendo corresponder a determinados fatos, acontecimentos ou momentos que, para ele, são ou foram significativos e que acabaram por constituir-se em experiência vivida, a qual pode ser lembrada e atualizada. Para Nora (1993) a história seria a reconstrução da memória, considerada um fenômeno atual, um elo vivido do “eterno presente” com a representação do passado. Desse modo, a memória encontra-se em múltiplos lugares. E, dando a margem à memória coletiva, Pollak (1989) ressalta que não existe só o confronto entre a memória e a identidade, que são valores disputados em conflitos sociais, mas, sobretudo, no embate da incorporação e afirmação de memórias marginalizadas e “silenciadas”: A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e da sociedade de hoje, na “febre” e na “angustia.” Mas a memória coletiva é não somente uma conquista; é também um instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é, sobretudo, oral, ou que estão em vias de construir uma memória coletiva escrita, aquelas que permitem compreender essa luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória (LE GOFF, 2003, p. 469- 470). A história oral pode ser um instrumento muito importante na reconstrução da memória dos mais diferentes grupos sociais. Tal metodologia não serve apenas para dar voz aos grupos que se encontram excluídos em nossa sociedade, mas busca interpretar os múltiplos olhares sociais nos quais os sujeitos singulares e coletivos atuam. Acreditamos que a especificidade da história oral vai além do ineditismo de informações ou do preenchimento de lacunas deixadas pelos registros escritos ou iconográficos. Segundo Alberti (2005, p.5) a “peculiaridade da história oral decorre de toda uma postura com relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu”. A história oral é um termo amplo que recobre tipos variados de relatos a respeito de fatos não registrados por 17 documentação escrita ou cuja documentação se quer completar numa outra perspectiva. Colhida por entrevistas realizadas de maneiras diferenciadas, a história oral registra a experiência de um indivíduo ou de vários indivíduos de uma mesma coletividade. A história oral de vida se define como o relato de um narrador sobre sua existência ao longo do tempo. O narrador tenta reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Nesse caso, as narrativas orais não visam apenas fornecer informações ou preencher lacunas da documentação escrita. Tomando-as por base busca-se captar a experiência pessoal, por meio dos fatos que o narrador considera significativos em sua trajetória. Experiências são rememoradas e reconstruídas com base no diálogo de dois sujeitos: narrador e pesquisador. Ambos constroem, “num momento sincrônico de suas vidas, uma abordagem sobre o passado, visceralmente condicionado pela relação de entrevista, que se estabelece em função de cada uma delas” (ALBERTI, 2005, p. 6). É importante procurar compreender como os fatos sociais se tornam representações, ou, no caso específico, como as “representações” se tornaram “fato tanto para o entrevistador quanto para o entrevistado”. Quanto ao uso da metodologia de entrevistas de história oral sobre história de instituições. Alberti (2005, p. 25) esclarece: A metodologia de história oral pode ser empregada no estudo da história de instituições do Estado, de organismos públicos e de empresas privadas. Nesse universo, ela nos permite uma reconstrução de organismos administrativos, o esclarecimento de funções de diferentes órgãos, a recuperação de processos de tomada de decisão e investigação sobre o “espirit de corps” dos funcionários e sobre a relação entre diferentes relações de trabalhadores. As entrevistas podem também ajudar a esclarecer o conteúdo, a organização e as lacunas de arquivos existentes nas instituições. Essa metodologia específica revela diferentes facetas e múltiplos olhares sobre a instituição, no caso desse estudo pode se verificar as estratégias e ações da Fundação Municipal de Educação de Niterói em relações a oferta do atendimento em creches e com os profissionais dessa etapa da educação básica. Assim, utilizamos para este estudo a abordagem histórica, por ser essencialmente relevante, na medida em que se procura investigar o que ocorre nos grupos e instituições, para compreender como as redes de poder foram produzidas e vem sendo produzidas, mediadas e transformadas. Parte-se do pressuposto que nenhum processo social pode ser compreendido de forma isolada, 18 como uma instância neutra, acima dos conflitos ideológicos de uma determinada sociedade (SAVIANI, 2007). Assim, a proposição presente neste estudo apoia-se na possiblidade de contribuir com análises crítico-reflexivas a respeito das instituições e dos percursos profissionais dos professores a partir do ponto de vista desses sujeitos, dos diversos lugares vividos em seus percursos de vida e das suas trajetórias profissionais. Nesse sentido, a opção pelas narrativas orais compreende os percursos formativos protagonizados pelos professores como um processo que está entrelaçado ao contexto social, político e econômico no qual eles estão inseridos. A fim de alcançarmos os objetivos e responder as inquietações que surgiram e motivaram esta pesquisa, estruturamos nosso texto em quatro capítulos. O primeiro discorre sobre a trajetória da pesquisa, destacando como seu deu o contato e proximidade com as creches e os sujeitos que fazem parte da pesquisa. Caracteriza diferentes profissionais que foram entrevistados e, por último, fala da metodologia, descrevendo sobre a história oral e suas contribuições para pesquisa. O segundo capítulo traz uma discussão sobre o percurso da educação infantil no Brasil, evidenciando que a infância é uma construção histórico-social e que as práticas de cuidados e educação são marcadas por quadros político-ideológicos. Em seguida, realiza um breve histórico sobre a formação e profissionalização docente no Brasil, ressaltando, em particular, como o campo profissional da educação infantil vem se constituindo. O terceiro capítulo caracteriza o processo histórico de constituição da educação infantil em Niterói, salientando os contextos educacionais e as políticas públicas que influenciaram a construção das identidades profissionais no município. Busca entender como foi o processo histórico de atendimento à infância e de organização das primeiras creches em Niterói e procura observar, em particular, como se dá a formação e o trabalho das professoras de creches conveniadas. O quarto capítulo analisa o processo da construção da identidade dos professores dessas creches, em seus percursos de vida pessoal, social e profissional. A ideia deste capítulo foi analisar as identidades dentro de três eixos: biográfica, relacional e 19 institucional. Finalmente são apresentadas as considerações finais e as referências bibliográficas que embasaram a nossa pesquisa. 20 CAPÍTULO I – PERCURSOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL A Creche se apresenta hoje como uma instituição destinada aos cuidados e educação da criança de 0 a 3 anos de idade, uma opção da família e um direito da criança firmado com a Constituição Federal de 1988. Creche e Pré-escola são integrantes da educação infantil, primeira etapa da educação básica, definidas dessa forma com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. Para entendermos a creche enquanto uma instituição social, cuja responsabilidade de oferta passa a ser estatal e regulada pela política educacional, é fundamental analisarmos os aspectos da sua história, a fim de identificar como, em cada época, eles foram orientando o atendimento oferecido as crianças pequenas. É preciso deixar claro que não nos propomos a traçar um histórico da educação infantil no Brasil, mas destacar alguns marcos que nortearam as ações públicas e privadas direcionadas às crianças de 0 a 6 anos. Depois de feitas estas considerações, esclarecemos que o nosso objetivo é discutir a formação / autoformação dos profissionais da educação infantil como objeto de pesquisa, retomando aspectos relativos ao modo como a docência junto à criança pequena, de modo particular, foi se construindo como uma profissão. O processo de profissionalização dos professores dessas creches tem um caráter marcadamente prático e pouco institucionalizado que, nos últimos vinte anos, vem sendo alvo de políticas de formação e certificação dos órgãos oficiais. I.1 Tecendo com a história: primeiras creches De acordo com Couto e Melo (1998) no Brasil o atendimento à infância pobre nasceu nas mãos dos missionários jesuítas, que começaram a recolher as crianças órfãs e as crianças indígenas em lugares que foram denominados “Casa dos Muchachos”, além da fundação das Santas Casas de Misericórdia, com a participação da Igreja católica, e a instituição da Roda dos Expostos,8 que atendeu as crianças abandonadas, durante o século XVII e XX. 8 A “roda” era uma referência ao mecanismo onde se depositavam as crianças: umcilindro oco de madeira, com uma pequena abertura, que girava em torno de um eixo horizontal. A criança era colocada na abertura, pelo lado de fora da instituição. A fim de atenuar a alta taxa de mortalidade infantil, tendo como objetivo salvar a vida de recém-nascidos abandonados, que eram depositados nestes compartimentos para serem criados por amas-de-leite; funcionaram até 1938, no Rio de Janeiro e 1948, em São Paulo (DEL PRIORE, 1996). 21 Neste sentido, o atendimento à infância pobre, órfã e abandonada teve como objetivo cuidar e proteger as crianças, deixando suas marcas até os dias de hoje com a função de guarda (ABRAMOVAY e KRAMER 1991, p.23). A preocupação era a de proteger as crianças contra as péssimas condições de sobrevivência das famílias trabalhadoras, além de ter um controle de ordem, tirando os “idesejaveis” da cidade. Existia no Brasil uma diferenciação de atendimento às crianças pequenas da mesma faixa etária, tendo apenas a distinção pela condição social e econômica: eram os jardins-de-infância para os ricos e as escolas maternais para os pobres; mas, paralelamente ocorria a valorização dos jardins-de-infância para a elite e as escolas maternais e das creches, associadas às organizações assistenciais (KISHIMOTO, 1988, p. 59-60). Somente no início do período republicano, quando o Brasil se consolidou como um país exportador de café, e também com o início do processo de industrialização é que foram criadas as primeiras creches nas capitais e em algumas cidades do país, como resultado de conquistas de manifestações do movimento operário, composto, em grande parte, por imigrantes. Sentindo-se explorados pelos donos das fábricas, por receberem salários baixíssimos os operários reagiram reivindicando uma série de vantagens, protestando contra as precárias condições de vida e de trabalho em que se achavam submetidos. Dentre outras reivindicações, surgia a da creche para filhos de trabalhadores. Como resultado do movimento operário, no final do século XIX e início do século XX, foram fundadas as duas primeiras creches para filhos de trabalhadores, junto a Fábrica de Fiação e Tecidos Corcovado, de propriedade do Sr. Jorge Street. A primeira foi inaugurada no Rio de Janeiro (1889), e a segunda em São Paulo (1918), com o objetivo de abrigar, proteger e alimentar os filhos de seus operários, sem distinção de homens ou mulheres. Não havia, contudo, uma política de atendimento a todas as crianças, sobretudo as pobres e necessitadas. A espírita Anália Franco, sensibilizada com o abandono das crianças, criou no país, a partir de 1902, várias escolas maternais, sob a influência do modelo francês, destinadas a amparar órfãos e filhos de trabalhadores de fábricas paulistas (KISHIMOTO, 1988). 22 Apenas no começo do século XX é que surgiram as primeiras políticas públicas para a infância. Segundo Rizzini (1997, p. 119) elas tinham a intenção de garantir a paz social e o progresso da nação, já que, nos grandes centros urbanos do país, surgem as primeiras greves, e aumentava o crescimento dos movimentos anarquistas e comunistas. Era preciso, portanto, estabelecer a ordem, educar e moralizar a população, a começar pela infância, considerada o futuro da nação. Segundo Camara (2010) velar pela criança significava assegurar-lhe proteção e cuidado através de um programa salutar voltado para implementação de medidas proficuas em nome da moralidade pública. A infância passa a ter um papel importante na formação do pensamento social brasileiro. Se por um lado, a criança simbolizava o futuro da nação, devendo ser protegida e educada para ser útil à sociedade, por outro, representava uma ameaça, um perigo; ela deveria desta maneira, ser afastada do caminho que conduz à criminalidade. Era preciso, assim, criar mecanismos para conter a população, de modo a consolidar o capitalismo. Para tanto, foi criado um complexo aparato médico-jurídico-assistencial para a infância das classes populares, com as funções: [...] de prevenção (vigiar a crianças, evitando a sua degradação, que contribuiria para a degeneração da sociedade); de educação (educar o pobre, moldando-o ao hábito do trabalho e treinando-o para que observe as regras do ‘bem-viver’); de recuperação (reeducar ou reabilitar o menor, percebido como ‘vicioso’, através do trabalho e da instrução, retirando-o das garras da criminalidade e tornando-o útil à sociedade); de repressão (conter os menores delinquentes, impedindo que causem outros danos e visando a sua reabilitação, pelo trabalho) (RIZZINI, 1997, p. 29–30). Percebe-se que os discursos da época revelam atitudes e concepções preconceituosas em relação a infância pobre defendendo intervenções como forma de defesa da própria sociedade com o objetivo de moldar os pobres ao ideal de uma nação civilizada, com uma finalidade explicitamente assistencialista. Neste contexto, a educação das crianças passa a ser largamente difundida entre médicos, juristas, filantrópicos, religiosos e políticos. Segundo Kuhlmann Jr. (1998) as instituições de atendimento à infância foram influenciadas por três vertentes - a médico-higienista, a jurídico-policial e a religiosa – todas com o objetivo de educar para a submissão sendo, portanto, educativas. 23 No período de 1870, a educação foi fortemente influenciada pelas concepções médico-higienistas. Os higienistas discutiam projetos para a construção de escolas, implantação de serviços de inspeção médico-escolar e apresentavam sugestões para todos os ramos, em especial, para a educação infantil. As primeiras creches teriam funcionado como laboratórios para os médicos. As creches teriam sido implantadas pelos médicos, aliados às mulheres burguesas, nos interesses do movimento higienista e visando o atendimento às trabalhadoras domésticas (KUHLMANN Jr., 1998). Merisse (1997, p.33) aponta que: Na segunda metade do século XIX, várias descobertas científicas, principalmente relacionadas à saúde e à medicina, como a esterilização do leite e procedimentos de higienização, permitiram reduzir enormemente os índices de mortalidade nas instituições que lidavam com crianças. Para o autor, no final do século passado, não só as famílias como outras instituições que ofereciam algum tipo de atendimento às crianças passaram a incorporar uma esfera educativa, associada à pedagogia higiênica. Em 1889, foi criado o Instituto de Proteção à Infância do Rio de Janeiro pelo médico Arthur Moncorvo Filho, ardoroso participante na luta por comprometer o governo na organização de serviços públicos para crianças. Ao Instituto foram atribuídos objetivos amplos e diversificados. Não só atendia às mães grávidas pobres, mas dava assistência aos recém-nascidos, distribuía leite e fazia consulta de lactantes. Foi considerada umas das entidades mais importantes, por ter expandido seus serviços por todo o território brasileiro. Nesse mesmo ano foi instalada, também, no Rio de Janeiro, a primeira creche junto a uma empresa, pela fábrica de Fiação de Tecidos Corcovado. Outra importante instituição criada pela equipe fundadora desse Instituto foi o Departamento da Criança no Brasil, em 1919, considerado de utilidade pública, e sua primeira medida de alcance nacional teve a finalidade de: Além do atendimento direto à população, com prioridade família pobre (Dispensários, creches, Gotas de Leite, Consulta de Lactantes, Restaurantes para as mães nutrizes pobres, Revista “Mãe de Família” etc); a administração de cursos educativos em puericultura e higiene infantil destinados às mães; campanhas de vigilância sanitária nas 24 escolas; participação e organização de congressos nacionais e internacionais, entre outros (RIZZINI, 1997, p. 93 – 94). As medidas descritas acima tiveram funções importantes. A organização dos congressos, e, em especial, o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, juntamente com o 3º Congresso Americano da Criança, realizados no Rio de Janeiro em 1922, foram a maneira encontrada para sensibilizar a iniciativa privada e a pública pela causa da criança. Desta maneira, essas medidas influenciaram a elaboração das primeiras políticas públicas para a infância. Para a população considerada pobre e viciosa, ou seja, para aqueles que se entregavam ao víicio e ao ócio mostrando-se insubordinados, foram criadas medidas que se situavam na esfera jurídico-policial. Ela teria a função de criar mecanismos de regulação eficazes, com medidas coercitivas e inibitórias, que pudessem corrigir, reabilitar e reeducar. Nessa perspectiva, foram tomadas medidas de controle e prevenção, principalmente no âmbito legislativo, incluindo-se também, a repressão policial, em situações limites. Os mecanismos de ação para o atendimento à criança foram vistos como medidas preventivas, com leis que a retirassem do meio familiar, considerado imoral. Segundo Rizzini (1997), (...) a consciência de que na infância estava o futuro da nação, se tornava necessário criar mecanismos que protegessem a criança dos perigos que pudessem desviá-la do caminho do trabalho e da ordem. Assim como era preciso defender a sociedade daqueles que se entregavam à viciosidade e ameaçavam a paz social (RIZZINI, 1997, p.132). Aliás, o termo “menor”, criado pela legislação acabou sendo a referência às crianças pobres delinquentes, consideradas pelos setores dominantes da sociedade como indignas frente aos direitos básicos e de cidadania. Assim, foram criadas instituições e leis para “proteger” a sociedade. De acordo com Kuhlmann (1998): Os objetivos do Patronato de Menores, estabelecido nos estatutos de 1909, eram: fundar creches e jardins-de-infância; proporcionar aos menores pobres recursos para o aproveitamento do ensino público primário; incutir no espírito das famílias pobres os preciosos resultados da instrução; auxiliar os Juízes de Órfãs no amparo e proteção aos menores materialmente e moralmente abandonados; promover a proibição das vendas por menores na escola perniciosa 25 das ruas; codificar as causas que acarretam a cessação do pátrio poder; evitar a convivência de menores de ambos os sexos, promovendo a extinção da promiscuidade nos xadrezes, criando depósitos com aposentos separados para ambos os sexos; promover a assistência dos detentos menores; tratar da reforma das prisões de menores; e esforçar-se para que se realize a fiscalização de todos os asilos e institutos de assistência pública e privada (KUHLMANN, 1998, p. 9394). Para concretizar essa ideia, foi aprovada a primeira lei para a infância, em 1927 o Código de Menores sob a influência jurídico-policial. Esta lei baseou-se, portanto, numa dupla perspectiva: proteger a infância do mundo hostil e, principalmente, proteger a sociedade da convivência com esses menores. As instituições religiosas também influenciaram o atendimento à criança em creches, asilos infantis, internatos, de maneira a consolidar o ideal da nova ordem política, econômica e social do país. Com a ideia de que a caridade dirigida às crianças pobres poderia regenerar os vícios e desvios a que elas estavam sujeitas em seu meio social a regeneração da infância indígna se constituía uma medida que garantiria a estabilidade social e a convivência harmônica entre ricos e pobres. As três vertentes favoreceram a criação de instituições de atendimento à criança de cráter assistencialista, para “educar” as crianças pobres e submeter a classe operária ao controle patronal, defendendo desta maneira, que essas instituições apresentavam uma dimensão educacional (KULHMANN, 1998, p.21). O governo Federal, após o fim da República Velha, buscou assegurar o direito de educação dos filhos dos trabalhadores, com a formulação das primeiras políticas de Estado para a infância. Delas destacam: A regulamentação dos direitos trabalhistas, inclusive o trabalho feminino impondo a obrigatoriedade da existência de creches nas fábricas com mais de 30 mulheres (Decreto nº 21.417-A, que mais tarde, reiterou a obrigatoriedade na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT em 1943); • A obrigatoriedade de proteger e assistir a maternidade e a infância, reservando 1% da renda da União, dos Estados e dos municípios para esse fim, com ênfase exclusiva na higiene e na assistência social (Constituição de 1934); 26 • A criação do Departamento Nacional da Criança, em 1940, que objetivou ordenar as atividades dirigidas à infância, maternidade e adolescência; a criação do Serviço de Assistência aos Menores – SAM -, em 1941, para atender as crianças abandonadas e delinquentes, visando afastá-las das influências negativas de seu ambiente familiar; • A criação da Legião Brasileira de Assistência – LBA -, em 1942, para subvencionar a educação infantil e os institutos de puericultura, além do serviço de Assistência à Saúde e o de Assistência à Maternidade; • A criação de escolas de educação infantil para filhos de comerciários e industriários, financiadas com 25% da folha de pagamento dos empregados, através do Serviço Social de Indústria (SESI) e do Serviço Social do Comércio – SESC (Setor Privado); • A criação de dois organismos internacionais com representação no Brasil, em período imediatamente posterior à Segunda Grande Guerra – o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (1946) e a Organização Mundial de Educação PréEscolar – OMEP/Brasil (1958), os quais inicialmente, tinham como meta a prevenção da pobreza. As primeiras políticas públicas para a infância no Brasil continuaram diferenciando o seu atendimento pela condição social da criança. Eram organizados atendimentos diferentes sob a influência de vários setores: o da educação, o da saúde, o da justiça e o da assistência social. Após o Golpe de Estado de 1964, notou-se uma nova tendência na configuração do Estado. Marcados pela ideologia de segurança nacional, os intelectuais orgânicos do Estado militar elegem como uma das prioridades do novo modelo de gestão o cuidar da pobreza, pois esta representava séria ameaça à segurança nacional. A Constituição de 1967 incluiu a educação infantil no artigo 176, preconizando a educação como direito de todos e dever do Estado, devendo ser oferecida no lar e na escola, destacando a responsabilidade do Estado. Entretanto, não apresentou nenhuma iniciativa para sua concretização. Na realidade, apenas reforçou o que determinava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61) – o atendimento à criança, ligado às empresas com mães trabalhadoras. 27 Na Lei de Diretrizes de Bases de 1971, nº 5.692/71, referendando o disposto na Constituição de 1967, com relação à educação universal da criança pequena foi acrescentado no artigo 19 – “Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardinsde-infância e instituições equivalentes”. Porém, na prática isso não se concretizou, já que não fazia parte do texto a obrigatoriedade do atendimento dessa demanda por parte do Estado. Somente a partir da segunda metade da década de 1970, em decorrência da participação do movimento de mulheres, é que ocorreu no Brasil a expansão das creches. O movimento alcançou visibilidade social, causou impacto nos meios de comunicação e exerceu pressão sobre o governo. O movimento feminista colocava em destaque a questão dos cuidados e responsabilidades para com a infância, exigia modificações nos papéis sociais tradicionais do homem e da mulher, bem como na dinâmica das relações familiares. O movimento de Luta por Creches, sob influência do feminismo, apresentava suas reivindicações aos poderes públicos no contexto de uma luta por direitos sociais e de cidadania, modificando e acrescentando significados à creche, enquanto instituição. Esta começa a aparecer como um equipamento especializado para atender e educar a criança pequena, que deveria ser compreendido como uma alternativa que poderia ser organizada de forma a ser apropriada e saudável para a criança, desejável à mulher e à família. A creche irá, então, aparecer como um serviço que é um direito da criança e da mulher, que oferece a possibilidade de opção por um atendimento complementar ao oferecido pela família, necessário e também desejável (MERISSE, 1997, p.48). Como se vê a expansão da rede de creches no Brasil se intensificou a partir da década de 1970 e esteve ligada à pressão dos movimentos populares. Entre os movimentos, destacaram-se: movimento Luta por Creches, a Pastoral do Menor e Sociedade Amigos de Bairros. Esses movimentos, em sua maioria formada por grupos de mulheres, exigiam a instalação de creches e que o atendimento fosse prestado por especialistas da educação. Faziam parte também destes movimentos não só mulheres das classes trabalhadoras, mas também mulheres da classe média, devido a sua entrada em setores médios de trabalho. Já como resposta às reivindicações iniciais, a educação da criança pequena começa a receber atenção do poder público. O Estado passa, a assumir a educação 28 infantil a partir da abertura política e redemocratização do Brasil (1974-1988), com políticas de atendimento às crianças em diferentes Ministérios. Em 1974, o Ministério da Educação e da Cultura cria o Serviço de Educação Pré-Escolar (SEPRE) subordinado, transformado no ano seguinte em Coordenadoria de Educação Pré-Escolar (COEPRE)9que instituiu um programa emergencial para a educação das crianças de 4 a 6 anos de idade. Para tanto, mobilizou recursos materiais e humanos da própria população, na montagem de programas que combinassem distribuição de alimentos com algumas atividades de cunho educacional - são os Centros de Educação e Alimentação do Pré-escolar - CEAPEs10 e o Programa de Atendimento ao Pré-escola - PROAPEs, entre outros, aos quais se junta, a partir de 1981, o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL nessa área, por determinação do MEC. Fica, assim, estabelecido que as propostas de educação Pré-escolar devem adotar métodos que garantam atender um grande número de crianças, a um baixo custo (SOUZA, 1984). O Ministério da Saúde, por sua vez, regulamentou e fiscalizou os berçários nas empresas, bem como atribuiu a entidades, como a Cruz Vermelha, para formação de suas profissionais. Verifica-se, a continuidade da influência médicohigienista, especialmente na educação dos bebês. O Ministério da Assistência Social definiu uma política de atendimento à criança de 0 a 6 anos com o predomínio da criação de convênios, com apoio financeiro e acompanhamento técnico da Legião Brasileira de Assistência – LBA11 , que, em 1977, implantou o Projeto Casulo no 9 Mais tarde, renomeada para Coordenação Geral de Educação Infantil (Coedi) que na nova organização administrativa do Ministério da Educação, a Coedi situa-se na Secretaria de Educação Básica. 10 A filosofia básica do modelo CEAPE é a de oferecer atendimento nutricional e sócio-psicomotor aos pré-escolares de 2 a 6 anos de idade, por meio de programa de baixo custo e de maior abrangência que, utilizando ao máximo os recursos comunitários, inclusive a participação ativa e consciente das "mães", promove eficazmente o desenvolvimento integral da criança, avaliado este, por processos específicos de desempenho compatíveis com as condições locais. 11 Criada entre 1941 e 1942 com a finalidade de assistir as famílias dos soldados enviados à Europa para lutar na Segunda Guerra Mundial, implantou programas de creches, que incluíam o componente da educação pré-escolar para coordenar diferentes serviços sociais, a qual se voltou a partir de 1946 para o atendimento da maternidade e da infância, constituiu-se em um órgão de consulta do Estado. Fazia convênios com secretarias de Assistência Social dos estados e com associações comunitárias para atendimento de crianças de 0 a 6 anos, em áreas de pobreza. A LBA foi extinta oficialmente em 1995, através da medida provisória promulgada no primeiro dia da gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Com a extinção da LBA, as suas ações passaram a ser assumidas pelo Programa 29 Subprograma de Complementação Alimentar, com a finalidade de prevenir a delinquência das crianças pobres, enquanto as mães estivessem trabalhando. O perfil desse atendimento caracterizava-se em atender as carências nutricionais das crianças e desenvolver atividades recreativas. O atendimento à criança era feito em equipamentos simples, aproveitando espaços ociosos da comunidade. A instalação de uma unidade Casulo era feita a partir da solicitação por parte dos estados, de prefeituras municipais, ou por obras sociais e particulares. Segundo Corrêa (2002) o Projeto Casulo exemplifica as propostas de atendimento em grande escala e o baixo custo voltadas para as crianças das camadas populares, seguindo os modelos preconizados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO e pelo UNICEF. Apesar dos programas do poder público e das creches mantidas por algumas empresas, a procura por creche era maior que a oferta. E, sem uma política governamental efetiva, a educação das crianças continuou sendo alvo de intenções humanitárias, porém insuficientes para atender as demandas existentes. Com isso, as reivindicações sociais e a luta pela ampliação do atendimento a crianças pequenas continuaram. O movimento de mulheres, o movimento feminista e outros simpatizantes da causa que envolvia a educação das crianças pequenas marcavam presença nos congressos, nas associações de bairro e nos sindicatos, colocando em discussão a responsabilidade da sociedade em relação à educação das novas gerações. Para tanto, defendiam que: [...] a responsabilidade pela educação da criança pequena não é só da mãe, nem da família, mas é também de todos; ou seja, o Estado, enquanto gerente dos recursos arrecadados de toda a sociedade, tem o dever de contribuir para a educação integral das crianças, desde seu nascimento (CAMPOS, 1988, p. 23). Com as crescentes reivindicações, o poder público teve que dar uma resposta a sociedade. Em 1980, a Organização Mundial de Educação e Pré-Escolar (OMEP) realizou um congresso em Brasília, com o tema “A Criança Precisa de Atenção”, cujo o Comunidade Solidária e pela Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), sob o nome de Programa Creche Manutenção. O programa foi mantido até o final de 2008, com número estável de 1,6 milhão de crianças. 30 foco central foi o discutir atendimento integral e integrado da criança de 0 a 6 anos. Os ministérios da Educação, da Saúde e da Assistência Social participaram das conferências e dos grupos de elaboração de propostas políticas. Segundo Corsino, Nunes e Kramer (2011). Pode-se considerar esse congresso um marco na tomada de decisão política no país em relação à educação pré-escolar e na afirmação da necessidade de articulação dos órgãos do governo para a oferta de atenção integral à criança, tendo em vista seu desenvolvimento harmônico (p. 24). Nesse período, o Estado lançou basicamente dois programas: o Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, que enfatizou a ligação do papel da educação préescolar à supressão de carências da criança, ocasionadas pelo seu meio familiar; tinha, portanto, a função de prevenir problemas futuros no Ensino Primário. O outro programa foi o de instalação de creches como forma de alternativa de atendimento, geralmente criadas em espaços ociosos existentes nas entidades sociais sem fins lucrativos e nas prefeituras continuou apenas com o apoio financeiro e a orientação técnica para sua instalação, organização e funcionamento pelo poder público. Um dos desdobramentos desse programa foi a criação de creches emergenciais, conhecidas como creches domiciliares. Ou seja, “uma mulher toma conta em sua própria casa, mediante pagamento, de filhos de outras famílias enquanto os pais trabalham fora” (ROSEMBERG, 1989). Este modelo trouxe muita confusão de papeis para a mulher que cuida. O modelo de creche, na década de 80, ficou marcado como uma forma de cuidado da saúde, higiene, alimentação e educação, com ênfase na moral desenvolvida no âmbito doméstico. Os papéis das profissionais foram confundidos com o papel de substituta da mãe ou tia, certamente pelo aproveitamento do espaço doméstico e o reconhecimento do papel do profissional, no espaço familiar. Ainda hoje, é presente em algumas creches esse tipo de relação, prejudicando sobremaneira a institucionalização desse atendimento e a construção da identidade profissional de seus agentes. A Constituição de 1988 trouxe novas definições legais, ao estabelecer a educação como sendo direito de todos e especificou, ainda, na seção da educação, o dever do Estado em oferecer atendimento em creches e pré-escola para crianças de 0 a 6 anos de idade. Seu texto estabelece que a criança de zero a seis anos tem direito à 31 educação e não deixa dúvidas de que é dever do Estado oferecê-la, embora a matrícula não seja obrigatória. Enquanto as constituições anteriores viam o atendimento à infância somente na condição assistencialista, de amparo à infância pobre e necessitada, a nova Constituição aponta formas de garantir não somente esse amparo, mas também a educação da criança. Ao subordinar o atendimento em creches e pré-escolas à área da educação, a Constituição de 1988 dá o primeiro passo para a superação do caráter assistencialista que até então predominava nos programas de atendimento à infância. No artigo 208 define a educação como dever do Estado que será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (Artigo 208, inciso IV da Constituição Federal de 1988). O olhar para a educação de crianças no Brasil passa a focar a construção de uma nova trajetória para este nível educativo. Passaremos no próximo item a identificar as políticas atuais no Brasil para a educação de crianças de zero a seis anos, no intuito de trazer à nossa discussão como tem se dado, atualmente, as políticas de atendimento a essa modalidade de ensino. I.2 Políticas atuais para o atendimento a creche: como tem sido o atendimento no sistema municipal de ensino? Conforme já foi mencionado, a Constituição Federal 1988 trouxe um grande avanço para atendimento de crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escola. Seguindo os preceitos da Constituição de 1988, em 1990 foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), que, ao regulamentar o art. 227 ofereceu atendimento em creches e pré-escola para crianças de 0 a 6 anos de idade. A Constituição Federal e o ECA inseriram as crianças no mundo dos direitos humanos. Foi também uma das bandeiras de luta dos movimentos sociais. Sua elaboração contou com os debates e anseios de movimentos populares. O Estatuto reafirmou as determinações Constitucionais sobre os deveres do Estado em relação à educação infantil (artigo 54, inciso IV), garantindo à criança o atendimento em creche e pré-escola. E definiu que as criança e os adolescentes devem ter assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, para que seja 32 possível, desse modo, ter acesso às oportunidades de “[...] desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (BRASIL, 1994). Segundo Ferreira (2000), essa Lei é mais do que um simples instrumento jurídico, porque: Inseriu as crianças e adolescentes no mundo dos direitos humanos. O ECA estabeleceu um sistema de elaboração e fiscalização de políticas públicas voltadas para a infância, tentando com isso impedir desmandos, desvios de verbas e violações dos direitos das crianças. Serviu ainda como base para a construção de uma nova forma de olhar a criança: uma criança com direito de ser criança. Direito ao afeto, direito de brincar, direito de querer, direito de não querer, direito de conhecer, direito de sonhar. Isso quer dizer que são atores do próprio desenvolvimento (FERREIRA, 2000, p. 184). Nos anos seguintes à aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, vários documentos oficiais foram organizados e divulgados pelo Ministério da Educação (MEC). Em 1994 foi lançado o documento intitulado: Política Nacional de Educação, estabelecendo as diretrizes gerais para uma política de educação infantil. Em seu item dois afirma que: “A educação infantil é a primeira etapa da Educação Básica e destinase à criança de zero a seis anos de idade, não sendo obrigatória, mas um direito a que o Estado tem obrigação de atender.” (p.15). O documento foi regido de acordo com o projeto da Lei de Diretrizes e Bases, que estava tramitando no Congresso Nacional, onde a educação infantil apareceria em capítulo específico, por esse motivo a Política Nacional de Educação Infantil adiantou as determinações previstas para este nível de ensino. Definiu a diferença existente entre as creches e pré-escolas, que basicamente constitui-se pela diferenciação etária das crianças a serem atendidas. As instituições que oferecem educação infantil, integrantes dos Sistemas de Ensino, são as creches e as pré-escolas, dividindo-se a clientela entre elas pelo critério exclusivo da faixa etária (zero a três anos na creche e quatro a seis na pré-escola) (BRASIL, 1994 p. 15). O documento também destaca os critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças; discute a organização e o funcionamento interno dessas instituições; afirma a necessidade de uma política de formação do profissional de educação infantil, reafirma a necessidade e a importância de um profissional qualificado e um nível mínimo de escolaridade para atuar nas instituições 33 de educação infantil; e fala das “Propostas pedagógicas e currículo em educação infantil”. Esse documento foi importante no sentido de garantir melhores possibilidades de organização do trabalho dos professores no interior dessas instituições. Esses documentos oficiais marcam o início da discussão de uma nova concepção de educação infantil, que culmina em outra importante medida legal, a Lei de Diretrizes e Bases da educação (Lei nº 9.394/96) que passou por um período de oito anos de tramitação até ser aprovada pelo Congresso Nacional em 17 de dezembro de 1996, e que contém os ordenamentos constitucionais referentes à educação brasileira, foi de fundamental importância para o atendimento da educação infantil, pois ela foi inserida como parte da Educação Básica. Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996). De acordo com Didonet (2009, p. 8), a definição da educação infantil como “primeira etapa da educação básica” é profundamente revolucionária; portanto, não deve ser direcionada para um entendimento parcial e reducionista como de etapa preparatória, mas deve afiançar o significado constitutivo que a primeira educação possui. A LDB prevê em seu artigo 30 que a educação infantil será oferecida em: I. creches, ou entidades equivalentes, para crianças até três anos de idade; II. pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade. (alterado pela Lei 144/2005 e pela resolução CNE/CEB nº 3/2005 que antecipa a obrigatoriedade do Ensino Fundamental aos 6 anos, ficando, portanto, a Pré-Escola para crianças de 4 a 5 anos e 11 meses de idade). No termo da lei, a creche e a pré-escola passaram a fazer parte de um mesmo segmento educacional. Ambas estão subordinadas à mesma esfera, ou seja, à Educação. A diferenciação está relacionada à faixa etária das crianças e não mais à sua origem social. Com isso, pelo menos na legislação, eliminam-se os preconceitos históricos de que creche é para classe pobre e a pré-escola é para ricos frequentarem. Muda também quando passa a ser educação infantil, não mais pré-primária, como outrora determinava 34 a LDB 4024/61, nem pré-escolar, como afirmava a LDB 5692/71. Além do mais, determinou que ambas cumpram, pelo conceito de indissociabilidade, as funções de cuidar e educar. No capítulo das disposições transitórias da LDB, no Artigo 89, destaca-se: “As creches e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino.” Essa regulamentação estabelece um prazo para que ocorra a passagem das instituições de educação infantil, sejam elas públicas, particulares, filantrópicas ou equivalentes para o sistema de ensino; embora o prazo já tenha se esgotado, ainda estamos vivenciando esse processo. Fica evidente, portanto, diante desta determinação, a inadequação de se manter na área da assistência social a gestão de creches e pré-escolas. A princípio, instituições públicas de educação infantil, em especial as creches, eram coordenadas pela Secretaria de Assistência Social e mesmo que a Constituição Federal de 1988 tivesse colocado a creche e pré-escola no capítulo da educação, essa mudança de instância só passa a ser acelerada com a LDB. Faria (1997) apontou que desde a Constituição de 1988, os municípios foram repassando a gestão das creches das Secretarias de Promoção Social, Assistência Social e Desenvolvimento Social para a da Educação, num processo longo e difícil de integração desses setores políticoadministrativo. Diante do exposto, há que se ponderar que a educação infantil teve alguns avanços, em especial no que se refere a sua nomenclatura como “educação infantil”, pois isso elimina o caráter discriminatório que se tinha em relação às creches, quando se considerava educação infantil apenas o pré-escolar. A inclusão das creches no sistema educacional trouxe mais valorização para a educação da primeira infância. E com isso, se passa a pensar numa totalidade em relação a faixa etária de 0 a 6 anos. Não que a mudança da nomenclatura possa ser a garantia de um melhor trabalho, pois, como Kuhlmann (2001, p.65) nos diz “é insuficiente atribuir um nome ou expressão para caracterizar a instituição e daí extrair todas as consequências pedagógicas a se desenvolver em seu interior”. O texto da LDB também evidencia que a responsabilidade pela oferta da educação infantil passa a ser dos municípios, os quais deverão oferecer com qualidade e 35 ter como prioridade a garantia de recursos financeiros, físicos, assistenciais e educacionais à população carente, a maior usuária das creches no Brasil. De acordo com Cerizara (1999) durante o período de 1993 a 1996, se efetivaram vários congressos organizados pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação – ANPED e Simpósios Nacionais com o objetivo de promulgar uma Política Nacional de Educação Infantil. Este trabalho vinha sendo gestado em todo o território nacional pela participação efetiva de professores que discutiam e apresentavam suas necessidades e singularidades, demonstrando a diversidade encontrada em um país com regiões e culturas distintas e, portanto, carente de uma Política para a infância e a educação que pautasse em seus principios as características apresentadas pelos professores envolvidos com a proposta. Os cadernos da Coordenação Geral de Educação Infantil – COEDI/MEC12 foram a expressão de um trabalho coletivo de professores, pesquisadores e instâncias relativas à educação infantil, onde também eram apontados criticamente os espaços inadequados, a ausência de propostas pedagógicas, a expansão de um atendimento com qualidade deteriorada e exigências de urgente ordenamento do esforço público. Após a LDB 9394/96, EM 1998, o MEC organizou e distribuiu os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI), que são documentos para nortear a organização da educação infantil, que são elaborados no contexto da definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que atendiam ao estabelecido no Art 26 da LDB em relação a necessidade de uma base nacional comum para os currículos. Para caminhar em direção à efetivação dos direitos da criança à educação anteriormente explicitada, outro documento foi elaborado, tarduzindo as determinações da Constituições de 1988 e da LDBEN (9394/96) em diretrizes, objetivos e metas para serem cumpridas no prazo de dez anos, abrangendo aspectos qualitativos e quantitativos: o Plano Nacional de Educação – PNE, Lei 10.172 aprovado em 9 de janeiro de 2001, organizado em sintonia com a Declaração Mundial sobre a Educação 12 Respectivamente, Ministério da Educação e do Desporto e Coordenação Geral de Educação Infantil. Esses cadernos ficaram conhecidos como os das carinhas e tinham como característica a apresentação do resultado de propostas que vinham sendo elaboradas por professores, por meio de diagnósticos específicos de regiões, discussões e debates. 36 para todos e com apoio da Organização das Naçoes Unidas – ONU, tendo a participação da sociedade civil em Congressos Nacionais de Educação (Coneds), com vistas à expansão e melhoria dos sistemas de ensino. Este plano determinou também a corresponsabilidade entre Estados, Distrito Federal e Municípios, que devem estabelecer seus respectivos planos decenais (Plano Estadual de Educação e Plano Municipal de Educação), em consonância com o PNE. O PNE traçou 25 metas para a educação infantil, dentre essas foi prevista a ampliação da oferta de educação infantil; padrões mínimos de infraestrutura para o funcionamento adequado das instituições; formação dos dirigentes das instituições; garantia de alimentação escolar; inclusão de creches e pré-escolas ao sistema nacional de estatísticas educacionais, no prazo de três anos; atendimento integral para as crianças de zero a seis anos; estabelecimentos de parâmetros de qualidade dos serviços de educação infantil. Em 2006, o MEC, em parceria com o Comitê Nacional de Educação Infantil, promulga a nova Política Nacional de Educação Infantil13, contendo diretrizes, objetivos, metas e estratégias para área. No texto do documento destacam-se questões relacionadas à indissociabilidade entre o cuidado e a educação; a relação família e escola; a consideração da criança em sua totalidade, observando sua especificidade no processo pedagógico; a avaliação das propostas pedagógicas a partir das diretrizes e com a participação dos professores, que devem ser qualificados para sua função; a garantia do direito de professores a formação inicial e continuada e inclusão nos cargos e salários do magistério; acesso das crianças com necessidades especiais; garantia de recursos financeiros para EI; a expansão do atendimento com metas estabelecidas para 2010: atender 50% das crianças de 0 a 3 anos (6,5 milhões) e 80% das de 4 e 6 anos (8 milhões de crianças); a garantia de qualidade e padrões mínimos de infraestrutura. Os documentos citados delineiam a educação infantil no âmbito de uma política educacional, normatizam a organização institucional necessária para o atendimento à 13 Essa Política substitui a vigente desde 1994, que, por sua vez, destacava como principais objetivos a expansão da oferta de vagas para crianças de 0 a 6 anos, o fortalecimento da concepção de educação e cuidado com aspectos indissociáveis das práticas e melhoria da qualidade do atendimento nas instituições de educação infantil. 37 criança de zero a seis anos de idade. O papel de formular políticas, implantar programas e viabilizar recursos é de competência do Estado. Cabe ressaltar que muitos documentos foram aprovados, mas ainda precisam ser efetivados nas esferas locais. Como já foi explicitado, a Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996 atribuem aos municípios a responsabilidade sobre a educação infantil. Os municípios devem aplicar pelo menos 25 por cento da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. A criação, de natureza contábil, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – (FUNDEB)14 começou a vigorar no país a partir de 1º de janeiro de 2007, trazendo grandes avanços para a oferta de educação infantil. O FUNDEB é o resultado do aperfeiçoamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEF (1996-2006), implantado em todo país em 1998, para cobrir apenas o Ensino Fundamental. Diferentemente do FUNDEF, o FUNDEB avança financiando todas as etapas da educação básica, incluindo a educação infantil – creche e pré-escola, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Cabe ressaltar que no projeto original, apresentado pelo Congresso, não havia a intenção de incluir o financiamento da educação das crianças de 0 a 3 anos. A inclusão das creches foi um dos mais importantes aperfeiçoamentos da proposta de criação desse fundo, que terá uma vigência de 14 anos (2007-2020), a partir do primeiro ano de sua implantação. Mais uma vez, observa-se que foi a organização dos Movimentos Sociais que conseguiu interferir nos rumos da educação infantil. Dentre eles destacam-se: o Comitê Nacional Brasileiro da Organização Mundial para a Educação Pré-escolar – OMEP/ Brasil, constituído em Confederação e o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB, criado em 1999, formado pelos Fóruns Estaduais composto por diferentes instituições governamentais e não governamentais direcionados para a educação infantil. Ambas as organizações – OMEP e MIEIB – foram decisivas no Movimento Fundeb pra Valer. Sirvam essas duas – uma pelo 14 Emenda Constitucional n.53, de 19/12/2006. 38 pioneirismo; outra, pelo vigor atual – de exemplo do quanto a sociedade civil, por meio de suas organizações, tem um papel a exercer na formulação da política pública de educação infantil e na construção da qualidade dessa educação (DIDONET, 2009, p. 11). No bojo dos avanços e políticas em relação ao atendimento das crianças, em abril de 2007, é instituído pelo MEC o Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE. Esse se configura como um plano de governo, ou seja, sem força de lei, que objetiva enfrentar as graves dificuldades encontradas na Educação Básica e elevar o desempenho escolar. Desta forma, elenca algumas metas relativas a educação básica como um todo, incluindo, assim, a educação infantil em programas como Caminho da Escola (transporte), Saúde da Escola, Programas de Formação de Professores, Piso Salarial do Magistério, o próprio FUNDEB, entre outros. Nessa direção, o governo federal, exercendo uma função suplementar junto aos municípios, lançou o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil – ProInfância, que visa a expansão de espaços mais adequados com a construção de creches e escolas de educação infantil e a aquisição de equipamentos. Conforme dados do MEC, entre 2007 e 2008, o Proinfância investiu na construção de 973 escolas em 939 municípios. A meta para 2009-2010 é financiar 500 unidades em cada ano (NUNES, 2011). Recentemente, este campo se depara com mais uma mudança. A Emenda Constitucional Nº 59, de 11 de novembro de 2009, estendeu a obrigatoriedade ao ensino dos 4 aos 17 anos. Sobre esta questão, vivemos um momento de ampla discussão. O cenário mudou, a obrigatoriedade das crianças de quatro anos frequentarem a pré-escola se tornou uma imposição social e legal. Ainda em 2009, buscando orientar as instituições quanto à proposta pedagógica, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, a Resolução nº 5, de dezembro de 2009, que institui as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.15 Essas seguem os mesmos princípios que as anteriores, mas algumas questões cabem ser destacadas, dentre elas: concepção de currículo da educação infantil; definição de criança enquanto sujeito histórico, de direitos e produtor de cultura; interações e 15 Resolução N. 5 de 17 de dezembro de 2009. 39 brincadeira como principal eixo norteador do trabalho; referencias aos espaços internos e externos das instituições; autonomia aos povos indígenas, quilombolas, agricultores e pescadores, na escolha e organização dos modos de educação das crianças de 0 a 5 anos de idade. Estabelece, também, data limite para ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental: assim, crianças que completam 6 anos de idade após o dia 31 de março do ano vigente, devem permanecer na educação infantil. Por fim, um dos seus artigos se refere à proposta pedagógica na transição para o Ensino Fundamental, ressaltando que essa deve garantir continuidade no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças, respeitando suas especificidades etárias e sem antecipação de conteúdos. Como podemos constatar, legalmente, a educação infantil ocupa um lugar de direito e, com este assegurado, é importante pensarmos como esta institucionalização da infância vem sendo realizada. Muitas vezes as leis, no sentido normativo, não caminham junto com às ações. O Estado assumiu a educação infantil, porém, não realizou investimento necessário, obrigando a sociedade civil a assumir responsabilidades que são suas, gerando ambiguidades e contradições em todo processo. Como, por exemplo, a incorporação dos profissionais “leigos” para a educação, sem favorecer e garantir a sua formação, fazendo dessa formação uma responsabilidade individual, eximindo-se de seu compromisso e gerando novos problemas. (...) o fato de termos uma legislação avançada em relação aos direitos humanos e da criança não significa que eles estejam assegurados, pois a proteção dos direitos sociais é dispendiosa, exigindo a presença do Estado e a adoção de políticas públicas adequadas para o seu cumprimento (CORSINO, 2005, p.206). Para que o direito seja de fato efetivado, é necessário criar-se políticas para educação infantil nos municípios em consonância com o contexto das políticas atuais, que não se voltem somente para as demandas deste nível de ensino, mas que os sistemas educacionais e municípios regulamentem, avaliem todas as instituições (públicas e privadas) a fim de garantir que estejam de acordo com as regras e com as leis, promovendo espaços que garantam os direitos das crianças, a valorização de sua cultura, suas necessidades e sua identidade (CORSINO, 2005). 40 Afinal, o atendimento em creches no Brasil tem aumentado. Dados recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP16 mostram que o atendimento cresceu 10,5% na comparação entre 2011 e 2012, chegando a quase 2,6 milhões de matrículas de crianças com até três anos de idade. O ano 2012 registrou mais de 2,2 milhões de matrículas, com crescimento 476 mil matrículas desde o ano de 2010, o que possibilitou um aumento de 23% nos dois últimos anos. O aumento no número de matrículas é atribuído ao reconhecimento da creche como primeira etapa da educação básica, com a garantia de repasse de recursos aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, para financiamento e manutenção das unidades, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Também são desenvolvidas pelo MEC ações supletivas, como o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), que oferece assistência financeira ao Distrito Federal e aos municípios para a construção, reforma e aquisição de equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas. Sabemos que muitas são as questões que merecem ser analisadas ao tratarmos deste atendimento como, por exemplo, questões sobre financiamento, currículo, práticas pedagógicas, relação entre cuidar e educar, formação dos profissionais que atuam junto às crianças, entre outras. Entretanto, é consenso entre os autores que esta qualidade está inteiramente vinculada à formação dos profissionais, como afirma Machado (1998): A associação entre qualidade do atendimento, qualidade das interações adulto-criança e formação profissional é uníssona nas diferentes fontes consultadas, seja quando pretende-se delimitar a próprio conceito qualidade (Balleyguier, 1992; Ghedini, 1992, Howess et AL., 1992; Pierrehumbert, 1992), seja para verificar os efeitos da permanência em instituições coletivas no desenvolvimento das crianças (Clarke-Stewart, 1992; Howes ET AL., 1992b; Palmérus, 1992a e b; Andersson, 1992; Melluish ET AL., 1992; Balleyguier ET AL., 1992), seja para justificar políticas educacionais (Campos, 1997). (MACHADO, 1998) 16 Os números são do Censo Escolar de 2012, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação (MEC). Os dados foram publicados no Diário Oficial da União, por meio da Portaria nº 1.478. 41 Desta forma, entendemos que o comprometimento com a formação dos profissionais que atuam junto às crianças, transformando-se em ações concretas, pode ser considerado como política pública, já que não temos dúvida de que é uma decisão política, presente na LDB, merecendo o aprofundamento da questão, o que faremos a seguir. I.3 Um breve histórico sobre a formação e profissionalização docente no Brasil A profissionalização é uma conquista que foi conduzida pelo Estado e reorientada pelos professores em diversas épocas, que logo compreenderam a necessidade de garantir um estatuto de suas atividades, bem como de sua existência e manutenção. Na idade moderna a escola passou a ocupar um lugar de destaque na formação do cidadão sob o pressuposto de que o uso adequado da razão poderia resolver os problemas do mundo. Assim, a escola e o professor tomaram lugar como elementos importantes para efetivação de um projeto de sociedade. A escola como um local privilegiado para o exercício da educação, e o professor como elemento condutor desse processo adquiriu um valor muito grande nesse período da história. O século XVIII foi marcado pela constituição dos Estados Modernos por toda Europa Ocidental com novas leis, nova organização e divisão de poderes, mais controle do cidadão e com a inserção da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ocorreram nas ciências, na tecnologia, e na industrialização. Na educação as mudanças deram indícios de que era preciso definir, também, o perfil do professor ideal (NÓVOA, 1995b). Novóa (1995b) evidencia a inquietação em relação ao professor, no qual se questionava: o professor deve ser leigo ou religioso? Deve integrar-se ao corpo docente ou agir a título individual? De que modo o professor deve ser escolhido e nomeado? Quem deve pagar seu trabalho? Qual autoridade a quem deve depender? As interrogações da época Moderna faziam parte de um movimento de estatização da educação. O processo de estatização do ensino consiste, sobretudo, na substituição de um corpo de professores religiosos (ou sob o controle da Igreja) por um corpo de professores laicos (sob o contole do Estado), sem que, no entanto, tenha havido 42 mudanças significativas nas motivações, nas normas e nos valores originais da profissão docente (NÓVOA, 1995b, p.15). Assim, a profissão docente é abarcada pelo controle estatal que passa a certificar quem pode ou não exercer e autorizar instituições onde esta seria exercida. O professor passava a ser funcionário público e o modelo de educação continuava inspirado no modelo religioso, sendo a profissão certificada e regulada pelo Estado que mediava a relação da sociedade com seus objetivos políticos. Os saberes, as técnicas, as normas e os valores que conduziam a educação foram estabelecidos, de início, pela Igreja e; e em seguida, pelo Estado, que se responsabilizou pelo recrutamento dos professores. Aos professores cabia a adesão a esse discurso e seguir o planejamento de ensino elaborado por outros. Com isso, o Estado e o professor se beneficiavam. O primeiro poderia controlar melhor a educação e as atividades decorrentes dela, já o professor, via sua profissão como função pública e social para alcançar mais status e respaldo na sociedade com definição de poder e formação de uma identidade profissional. No século XVIII, já havia também uma diversidade de grupos que encarava o ensino como ocupação principal. Desse modo, sob a intervenção do Estado, inicia-se a homogeneização de todos esses grupos, organizando a educação como um corpo do Estado e, por ele, é realizada certas ações e tomada de atitude, estabelecendo uma espécie de norma de criação e de proteção da profissão docente. Segundo Nóvoa (1995b), uma dessas ações para homogeneizar o recrutamento dos professores era a definição de normas e regras para a contratação, uniformizando o processo nacional de seleção de mestres. Portanto, o processo local deveria estar submetido ao controle e as regras ditadas pelo Estado. Assim, os professores são instituídos como profissionais livres do interesse das autoridades locais, sendo um trabalhador que dominava diversas habilidades especializadas, o que os diferenciava no grupo. Portanto, a intervenção do Estado na educação vai conduzir o ser professor ao status de profissão, concretizada com a criação da licença ou permissão. Esse foi um momento decisivo no processo de profissionalização da atividade docente, definindo o 43 perfil do professor ideal para o recrutamento e delineando a carreira docente. De acordo com Nóvoa (1995b), os professores foram ativos no processo de estabelecimento da profissão docente ao assumirem a tarefa de promover a educação e seu valor, reivindicando as condições para a valorização de suas funções e, com isso, a melhoria das condições de seu trabalho e seu estatuto sócio profissional. No século XIX, se tem uma nova configuração, com a expansão da escola associada às potencialidades da educação ligadas a projetos políticos do Estado, na promoção do progresso, e da ordem social. Assim, se tem a necessidade de novas técnicas pedagógicas, de novas normas e valores próprios da profissão docente, bem como a necessidade de assegurar sua reprodução aos futuros professores. Ser professor estava se tornando uma profissão cada vez mais especializada, exigindo a existência de um novo espaço voltado à formação e maior qualificação profissional. Nesse cenário o estabelecimento de escolas destinadas à formação e preparo específico de professores, está relacionada à “[...] institucionalização da instrução pública no mundo moderno, ou seja, à implementação dos ideais liberais de secularização e extensão do ensino primário a todas as camadas da população” (TANURI, 2000, p. 62). A criação das escolas normal trouxe novas conquistas e maiores exigências para a profissão como: maior controle de entrada, definição de um currículo e melhor qualidade de formação. Sendo, garantido uma formação de professores mais uniformizada, ocupando o lugar central no processo de produção dos saberes. Além da conquista de instituições de formação, as associações de professores, criadas também no século XIX, foram um marco da luta pela profissionalização dos docentes. Os professores reunidos em associações puderam se organizar para reivindicar melhorias no seu estatuto profissional, maior controle da profissão e definição de uma carreira própria (Nóvoa, 1995b). Dessa forma, o Estado não foi o único beneficiado pela expansão do sistema de ensino. Tudo isso contribuiu de forma inquestionável para colocar em movimento a discussão acerca da profissionalização docente. Ou seja, um processo pelo qual o profissional é reconhecido pelas características específicas do trabalho que realiza, 44 agregando os saberes e competências necessárias ao desempenho de suas atividades e ao reconhecimento de um estatuto próprio na organização social do trabalho. Dela tomam parte outros aspectos que dão corpo ao projeto de profissionalização. Assim, é no século XX que a docência começa a assumir a configuração que conhecemos hoje, quando a instrução torna-se obrigatória e em que as reivindicações e união das associações de professores lutam para estabelecer as bases de um sistema mais consistente e também mais estável. Dessa maneira, a profissionalização dos professores foi um processo marcado por intervenções e imposições do Estado, sobretudo, e de outros agentes que também se colocavam como mediadores da questão, como a Igreja e o setor econômico, além, da mobilização dos próprios professores em defesa de seus interesses. No caso do magistério o controle exercido pela Igreja, ora pelo Estado, pode ser um fator que contribui significativamente para as dificuldades na construção de uma identidade profissional de bases sólidas, uma vez que ao assimilarem os estereótipos profissionais impostos por cada um destas instâncias, os professores acabaram por assumir papeis pré-estabelecidos, limitadores de sua autonomia. Assim, embora a formação seja um elemento fundamental ao processo de profissionalização, ela não se caracteriza como um único aspecto constituinte da profissionalização. O conceito de profissionalização agrega ainda outras questões, que são essenciais à sua implementação, as quais envolvem alternativas que possibilitam melhorias nas condições de trabalho e desempenho da função, em consonância com as práticas pedagógicas que foram sendo desenvolvidas ao longo da trajetória profissional. No próximo tópico pretendemos refletir sobre o perfil, a história da formação e profissionalização docente do professor de educação infantil. I.4 Professores de educação infantil: Como o campo profissional vem se constituindo? É fundamental questionarmos sobre o profissional que trabalha com as crianças pequenas. Quem são eles? Como tem se dado sua formação? E sua profissionalização? 45 Antes da promulgação da vigente Lei de Diretrizes e Bases Nacional Brasileira (LDB 9.394/96), normalmente trabalhavam, em creches e pré-escola, pessoas com baixa escolaridade, pois não havia nenhuma exigência de caráter formativo, nem tampouco de um curso profissionalizante para formar os indivíduos que quisessem atuar nesse nível de ensino. Assim, nessas instituições, predominavam o ato de proteger e de vigiar, prevalecendo à concepção de um cuidado como favor às famílias, em especial às mulheres de baixa renda, que não podiam pagar para ficar com as crianças enquanto trabalhavam. Em consequência disso, durante muito tempo, a professora de educação infantil foi identificada e reconhecida, principalmente, pela sua afetividade, por ser do sexo feminino, por gostar de criança. Assim, reforçava-se a concepção de educadora, “forjada” através de seu perfil enquanto mulher com seu “dom de educar” inato. Várias eram as denominações para o profissional que trabalhavam com as crianças pequenas como: pagens, berçaristas, auxiliares de desenvolvimento infantil, educadores, professores, mães crecheiras, monitoras, auxiliares, entre outras. Denominações que acompanham a história da educação infantil, acreditando que basta ser mulher para assumir a educação da criança pequena. Muitos acreditavam que o magistério representava a continuação de uma missão que era da mulher. Os trabalhos dos professores eram identificados com caráter de vocação, contribuindo para um esvaziamento do caráter profissional das funções por elas exercidas. Estudos como de Rosemberg (1996), Campos (1994), Cruz (1996), Vieira (1999), Cerisara (2002) e outros mostram que a existência da baixa qualificação, do desprestígio e da consequente desvalorização do professor da educação infantil no país reflete as concepções revestidas de preconceito, que consideram o trabalho na creche como algo que poderia ser realizado por mulheres com pouca ou nenhuma formação. Não se pode esquecer a questão da carreira profissional do trabalhador dessa área, “[...] além dos baixos salários, a alta rotatividade pode ser explicada também pelo desprestígio da profissão, pela falta de perspectivas em termos de carreiras e más condições de trabalho [...]” que provocaram estresse físico e emocional (CRUZ, 1996, p.83). Nessa perspectiva, Rosemberg (1996, p.62), denuncia que “a educação infantil [...] é uma atividade historicamente vinculada à ‘produção humana’ (isto é a esfera da 46 reprodução) e considerada de gênero feminino, tendo, além disso, sido sempre exercido por mulheres...”. Ao analisar o impacto desta especificidade do gênero feminino na educação infantil, observa-se a educação infantil como uma ocupação atraente para muitas mulheres que com escasso treinamento específico, “tornaram-se professoras de educação infantil [...]”. Por outro lado, o fato de não ser necessária uma formação profissional específica desvalorizou o salário e prestígio dessa ocupação. A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), trouxe a definição de que o atendimento à criança pequena deveria consistir em atendimento educacional, devendo ser exercido por professores. No entanto, de acordo com Campos (1994), isso não ocorreu de maneira natural. Intensos debates aconteceram a respeito de qual deveria ser o profissional a trabalhar na educação infantil, sendo que as discussões apontaram outro profissional, diferente do professor e também diferente da educadora sem escolaridade e sem formação específica para o trabalho em creches e pré-escolas (CAMPOS, 1994). O reconhecimento da educação infantil, ao ser inserida no sistema educacional como primeira etapa da Educação Básica pela LDB n. 9.394/96, trouxe mudanças significativas para a docência, tais como: a exigência do curso profissionalizante em nível médio ou superior (Pedagogia e/ou Normal Superior); a busca pela equidade entre o cuidar e educar no cotidiano das instituições; a formação em exercício e continuada dos professores; o professor tido como aquele que complementa a família na educação da criança pequena e não como quem substitui. Em síntese, qualidades como “ser mãe”, “gostar de criança”, “ser mulher” etc. cedem lugar a uma proposta mais elaborada de profissionalização [...]” (VOLPATO; MELLO, 2005, p. 725). Oliveira-Formosinho (2008) considera que ser professor de crianças pequenas exige uma profissionalidade específica, fundamentada tanto em conhecimentos e competências, quanto na dimensão moral da profissão, o que a torna singular. Utilizando as ideias de Katz (1993), o autor conceitua profissionalidade como algo que diz respeito “ao crescimento em especificidade, racionalidade e eficácia dos conhecimentos, competências, sentimentos e disposições para aprender ligadas ao exercício profissional dos educadores de infância” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008, p. 134). A construção da profissionalidade na educação infantil exige a garantia de uma formação específica que considere a criança e o seu desenvolvimento. Para OliveiraFormosinho, a profissionalidade docente, vista na perspectiva das educadoras da 47 infância envolve um trabalho integrado da educadora com as crianças e as famílias, em que os profissionais colocam em ação “seus conhecimentos, competências e sentimentos, assumindo a dimensão moral da profissão” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008, p. 135). Essa especificidade é característica do trabalho com a criança pequena, com a qual se exige a capacidade de enxergar a globalidade de seu desenvolvimento numa perspectiva holística; a necessidade de atenção privilegiada aos aspectos emocionais ou sócio-emocionais da criança; a interação e dependência da família. Sinaliza-se, portanto, que a criança pequena, apesar de ser muito competente, é ainda bastante dependente do adulto, apresentando uma vulnerabilidade que exige cuidados. Assim sendo, a construção da profissionalidade na educação infantil é específica, com perspectivas diferenciadoras do papel de professores de crianças pequenas, tendo como foco a criança e o seu desenvolvimento. A habilitação do professor da educação infantil em nível Médio não é mais admissível na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, exigindo-se a formação de nível superior. Destacam-se os países e a qualificação mínima exigida para os professores da pré-escola: Bélgica, Dinamarca, Alemanha, França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Finlândia (no mínimo 3 anos de ensino pós-secundário); Espanha e Estônia (Mestrado); Egito e México (Graduação de 4 anos); Cazaquistão (Graduação em Pedagogia de 3 anos); Índia (um ano de ensino superior). Estudos demonstram as dificuldades dos estudantes do Ensino Médio em adquirir uma especialização. Por isso, muitos países desenvolvidos optaram em admitir o professor da educação infantil com formação em nível Superior. Entretanto, o maior desafio para o Brasil não se encontra na elevação da formação universitária, mas em aumentar a capacitação profissional dos professores da educação infantil (BRASIL, 2009). A identidade profissional na educação infantil pode ser compreendida como uma questão que vem se constituindo neste campo profissional no país e que envolve luta política. Significa, pois, a considerar como algo que faz parte da contemporaneidade, enxergando-a como uma questão do mundo cambiante, cuja teoria social é vista numa perspectiva descentrada e não essencialista. Os profissionais são vistos como atores sociais e que constroem a sua própria identidade, ao mesmo tempo em que se encontram em contextos de conquistas e de desafios nos quais creches e educadores/educadoras se encontram à margem do sistema educacional (SILVA, 2008). 48 Para Silva (1999), a construção da identidade profissional se processa de forma dinâmica e envolve conflitos que, muitas vezes, dizem respeito a diferentes interesses que podem estar em jogo. A autora, em estudo realizado com educadoras de creche em Belo Horizonte, identificou que as normas que regem as relações de trabalho e a maneira como cada segmento constroem os modos de diferenciação e de identificação na profissão refletem na construção das identidades coletivas e na maneira como os professores se reconhecem se valorizam e são vistos por outros profissionais. As relações de trabalho representam lugares de disputas, de lutas e de tentativas de reconhecimento dos professores pela delimitação de sua identidade profissional, tendo em vista as especificidades do trabalho desenvolvido na educação infantil. Tiriba (2010), ao refletir sobre os desafios da formação, pontua a necessidade de se promover uma rearticulação que integre corpo e mente, razão e emoção, ser humano e natureza. A autora propõe a realização de um cotidiano que faça a integração que historicamente caracteriza a educação infantil. Ela ainda chama a atenção para que as pesquisas contribuam para a ressignificação das questões identificadas, nas quais essas dicotomias se fazem presentes. 49 CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO INFANTIL EM NITERÓI: CAMINHOS DA IDENTIDADE E DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE Neste capítulo caracterizo a Rede Pública de Ensino do Município de Niterói e, a partir de algumas análises, trago questões relevantes para o estudo. O objetivo do capítulo é fazer um breve histórico da política educacional, em específico da educação infantil e do Programa Criança na Creche, a fim de compreender como tem se dado a expansão desse nível de ensino na cidade de Niterói. A trajetória de implementação do atendimento às crianças pequenas no município é bastante peculiar. Soluções paliativas e emergenciais provenientes das classes populares se tornaram propostas oficiais, sendo encampadas, reorganizadas e sistematizadas pelo município, refletindo e produzindo efeitos para as identidades profissionais. II.1 Contextualizando a educação no município de Niterói O município de Niterói17 localiza-se no sudeste brasileiro, no estado do Rio de Janeiro e integra a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Possui uma população de aproximadamente 487.000 habitantes (IBGE, 2010) e uma área de 129,3 km², sendo a quinta cidade mais populosa do estado e a de maior Índice de Desenvolvimento Humano. Suas principais atividades econômicas são: indústria naval, pesqueira, de petróleo, de confecção e vestuário, construção civil, comércio, turismo e serviços. (Figura 1). 17 Segundo Oliveira (2002) a origem de Niterói, antes de se tornar vila e depois cidade, está ligada a invasão francesa na Baía de Guanabara no século XVI e a fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565. Visando consolidar a ocupação das terras nas margens ocidentais da Baía de Guanabara, a corte portuguesa concedeu Seis Maria a Martin Afonso de Souza, nome de batismo do índio Araribóia, que formou fileira ao lado dos portugueses, liderando a sua tribo na luta contra os franceses e a sua expulsão. Desse modo, em 22 de novembro de 1573, foi fundado o aldeamento de São Lourenço dos Índios que perdurou até 1819, quando a localidade foi alçada a condição de vila pela corte portuguesa no Brasil, com a função de proteger a cidade do Rio de Janeiro e reafirmar o seu poder sobre as terras D’Além, recebendo o nome de Vila Real da Praia Grande. A cidade de Niterói só nascerá de fato, como sede de poder político e município, em 1834/35, quando a corte, agora do Império do Brasil, resolve desvincular a cidade do Rio de Janeiro, sede dessa corte, da capital da província do Rio de Janeiro, transferindo essa função para Niterói. 50 Figura 1– Localização e divisão administrativa dos bairros do município de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil (Fonte: Wikipedia, 2014; Esri, 2014) A cidade de Niterói tem uma rede de ensino com unidades públicas (70 municipais, 51 estaduais e duas federais) e privadas no atendimento à demanda da educação básica. Já o ensino superior no município está representado por uma universidade federal e por diversas outras unidades pertencentes à rede privada. De 1989 até 1996, o município de Niterói criou 44 unidades escolares, abrangendo creches e escolas que atendiam a 12.034 alunos da Educação Infantil à 8ª série do Ensino Fundamental. A partir de 1999, o Ensino Fundamental passou a oferecer nove anos de duração e foi estruturado em quatro ciclos: o Ciclo 1, com duração de três anos, com os alunos iniciando-o aos seis anos de idade, e os demais ciclos de dois anos de duração cada. A rede de ensino atende hoje, aproximadamente 28.987 alunos, distribuídos em 124 unidades escolares em prédios cedidos, alugados, próprios, improvisados, conveniados ou mesmo construídos especificamente para atender à educação. Dessas 124 unidades, pelo menos 18 (dezoito) sofreram alterações ao longo das diferentes administrações municipais. Hoje, portanto, estão em funcionamento, 106 unidades escolares (Figura 2).·. 51 Figura 2- Evolução histórica da rede física escolar de Niterói (Fonte: Dados da Assessoria de Estudos e Pesquisas Eduvacionais – FME de Niterói) Na Figura 2 é possível verificar a evolução histórica da rede física escolar de Niterói, incluindo todos os niveis de ensino. Em 1991 a Fundação Municipal de Educação (FME) 18 de Niterói, foi criado pelo decreto de nº 6178, de 28 de agosto de 1991 responsável pela formulação e execução da política educacional do governo municipal. Ela tem sua estrutura organizacional compartilhada por dois grandes blocos: o primeiro representado pela Secretaria Municipal de Educação (SME) e o segundo pela Fundação Municipal de Educação (FME) e sua Superintendência de Desenvolvimento do Ensino (FSDE). A sua criação teve como justificativa tornar a administração mais ágil e democratizar as escolas da rede. No site da FME há o registro de duas assessorias pedagógicas da FSDE: a de Estudos e Pesquisas (AEPE) e a de Formação Continuada (ESEd); e conta com uma diretoria de políticas pedagógicas, que possui dez coordenações: Educação Infantil, 1º ciclo, 2º ciclo, 3º e 4º ciclos, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos (EJA), 18 A Fundação foi criada pelo Decreto de nº 6178, de 28 de agosto de 1991. A FME é uma autarquia que congrega as ações executivas do Sistema Municipal de Ensino. De acordo com seu Estatuto, sua funcionalidade principal é formular e executar a política educacional do Governo Municipal, tendo como exclusividade, o ensino fundamental público gratuito, bem como o atendimento da criança de 0 a 6 anos, em creches e pré-escolas. 52 Equipe de Articulação Pedagógica, Educação em Saúde, Promoção à Leitura, Mídias e Novas Tecnologias. Há também três núcleos: Educação e Prevenção, Estágios e Pesquisas, Educação Ambiental. Finalmente, três departamentos completam a estrutura do organograma: Gestão Escolar, Programas e Projetos Especiais e Gestão de Pessoas (COUTINHO, 2011). II.2 O processo que deu origem às primeiras creches em Niterói uma história a ser contada Procurando rememorar a educação infantil na cidade de Niterói, com base em registros da própria FME, percebe-se que sua história segue a tendência da própria história da educação infantil em nível nacional, ou seja, tem seus momentos de avanços e retrocessos. Segundo Picanço (1996, p.70) em 1978 foi implantado em Niterói o “Programa de Creches em Niterói” a título de experiência, ou melhor, para experimentação de propostas metodológicas, com três modelos de atuação, correspondendo a três tipos específicos de unidades familiares. Os modelos propostos foram: creches institucionalizadas, creches comunitárias e lar substituto. O objetivo da implementação dos três modelos consistia em desenvolver uma “espécie de laboratório para testar qual deles seria a ideal e para que tipo de família”. O programa solicitou apoio financeiro durante quatro anos, período em que os responsáveis pelo mesmo poderiam realizar uma avaliação sobre a validade dos modelos propostos de creches. O programa tinha como meta atender às mães trabalhadoras, proporcionando aos seus filhos condições psicossociais de desenvolvimento. Os organizadores do programa apontaram o modelo “lar substituto” como os mais adequados para as classes populares. No entanto, para que tal modelo fosse viabilizado, era necessário haver alguma forma de organização comunitária institucionalizada para servir de centro mediador entre a “mãe substituta” e a Prefeitura 53 de Niterói. Os lugares escolhidos para implantação do programa foram as localidades de Pendotiba e o morro do Cavalão19. Os profissionais que atuavam nesse espaço eram professoras leigas, moradoras da própria comunidade onde funcionava a creche. Havia uma equipe interdisciplinar responsável pela formação, orientação, seleção e supervisão do pessoal. Os cuidados com a saúde e a questão nutricional eram essenciais, pois não existia nessa época uma educação como direito para as crianças pequenas. Percebe-se que essas ações se propunham a reduzir os efeitos negativos da pobreza sobre as crianças que habitavam as periferias. Muitas vezes, a ação desses programas não é de alterar a realidade, e sim amenizar as consequências estruturais provocadas pelo sistema capitalista de produção. Segundo Picanço (1996) a seleção para participar do programa priorizava as mulheres que trabalhavam fora de casa e que tinham condições sócioeconômicas precárias. A partir do trabalho com o grupo de mães, novos critérios foram incorporados, por sugestões das mesmas. Entre os quais, a prioridade de atendimento às mães sem companheiros, a renda familiar, número de filhos e de membros improdutivos. Por sugestões das mães, limitou-se a dois, o número de filhos atendidos por famílias. O final da década de 1970 foi marcado pela eclosão de movimentos sociais por todo o país, os quais clamavam por direitos que lhes eram negados. Muitos desses grupos começaram a se responsabilizar por tarefas que deveriam ser públicas, de forma que iniciativas que envolviam a participação da comunidade eram bem vistas pelo poder público. Kramer nos faz refletir sobre o que era delegado para a sociedade civil quando se discutia a educação dos pequenos brasileiros. Associações religiosas e organizações leigas, bem como médicos, educadores e leigos eram solicitados a realizar o atendimento à criança em idade pré-escolar: o governo proclamava a sua importância e mostrava a impossibilidade de resolvê-lo dada as dificuldades 19 O Morro do Cavalão é uma das 130 favelas da cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro. De acordo com o IBGE, o Morro do Cavalão possui cerca de 2300 habitantes localiza-se em uma área nobre da cidade, entre os bairros de Icaraí e São Francisco, situados na região das praias da Baía, zona sul de Niterói. Pendotiba é uma região de Niterói constituída pelos seguintes bairros: Badu, Cantagalo, Ititioca, Largo da Batalha, Maceió, Maria Paula, Matapaca, Muriqui, Sapê e Vila Progresso. 54 financeiras em que se encontrava, enquanto imprimia uma tendência assistencialista e paternalista à proteção da infância brasileira, em que o atendimento não se constituía em direito, mas em favor. Ambas as tendências ajudam a esconder que o problema da criança se origina na divisão da sociedade em classes sociais (KRAMER, 1995, p.61). Em 1980 a Prefeitura de Niterói realizou um convênio com a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Assim, o Programa de Creches desenvolveu suas atividades voltadas para a implantação do Projeto Casulo. Este foi um projeto incentivado pelo Governo Federal, que criou a figura das chamadas Mães de Creches, tendo como meta fortalecer o atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Eram implantados em lugares ociosos, aproveitando a mão de obra de trabalhadores voluntários da comunidade onde o projeto seria realizado. A LBA liberava recursos para a manutenção destas unidades e fomentava o atendimento através de convênios com as prefeituras e associações de moradores. Em Niterói, seis creches da prefeitura eram mantidas com esta parceria, localizadas em Santa Bárbara, Sapê, Ilha da Conceição, Santa Rosa, Itaipú e Engenho do Mato, para quais eram repassados valores em dinheiro para alimentação e material de limpeza, e para cinco creches de Associações de Moradores, localizadas no Sapê, Cantagalo, Ingá, Cavalão e Jurujuba20. Em 1994 a LBA foi extinta, cessando o repasse de verbas para a manutenção deste atendimento, conforme esclareceu a Psicologa do Programa Criança na Creche (PCC). Com isso, a Prefeitura de Niterói teve que assumir sozinha suas creches. O mesmo aconteceu com as creches filantrópicas, porém as creches de associações de moradores ficaram sem ter como sobreviver. Então através de negociações das associações com o Governo Municipal foi publicada uma autorização para a celebração de convênio, similar ao médico de família, que na ocasião já estava implantado e em pleno funcionamento na Fundação de Saúde. Assim surgiu o Programa Criança na Creche (PCC), sem consubstanciar uma proposta pedagógica específica e, portanto, sem referência teórica alguma, apenas visando garantir o repasse de verbas para que as creches de associação de moradores não fossem fechadas, deixando cerca de 1000 crianças das comunidades sem atendimento. 20 Depoimento concedido pela Psicologa do Programa, Cilene Moura, no dia 06 de novembro de 2013. 55 Nesta ocasião, o Programa foi definido como intersetorial, articulando saúde, educação e assistência social e os convênios eram diretamente ligados ao Gabinete do prefeito João Sampaio, que ficou à frente da prefeitura no período de 1993 a 1996. O PCC tinha apenas um coordenador que era responsável por manter o contato das creches com o poder público. Sua atuação era basicamente verificar a aplicação dos recursos. Os profissionais que atuavam nas creches eram moradores das comunidades e na sua grande maioria sem formação especifica para trabalhar com crianças. O depoimento da psicologa do PCC abaixo é elucidativo a esse respeito: (...) naquele momento o olhar para estas crianças era o de cuidar para que suas mães pudessem trabalhar, a creche era direito da mãe trabalhadora e não da criança tanto que a maioria das creches colocava como condicionalidade para matrícula que a mãe apresentasse comprovação de trabalho. Acredito que com o passar dos anos e com a vinda das creches das associações para a secretaria de educação por força da legislação, foi acontecendo paulatinamente esta mudança de olhar e com isso aumentando o nível do atendimento, inclusive com a própria secretaria colocando técnicos para acompanhar o trabalho das creches. Inicialmente a equipe tinha uma pedagoga, uma psicóloga e a diretora que era pedagoga (Depoimento concedido dia 06 de novembro de 2013). O Programa fazia o repasse de recursos financeiros para pagamento do pessoal – merendeiras, educadores e auxiliar de serviços gerais – bem como para manutenção e compra de materiais permanentes e de consumo, e também para pagamentos de taxas com água e luz. Além disso, também dava apoio técnico e influenciava nas decisões sobre o gerenciamento e propostas pedagógicas das creches conveniadas21. Atualmente, a relação do programa com as creches é de acompanhamento, supervisão e assessoramento, além do repasse da verba per capta feita pelo financeiro da FME. Nessa estrutura, existem três grupos de trabalho: um administrativo que supervisiona as questões de ordem financeira e acompanham o processo de repasse; um grupo técnico voltado para a ação social, incluindo pedagogos, psicólogos e nutricionistas, que supervisionam as creches e assessoram tanto as creches quanto a direção do Programa. Há também o grupo gestor, composto de uma coordenadora e uma diretora geral, que hoje dirige toda a educação infantil da rede municipal. 21 Os convênios consistem no repasse de verba pública, calculada em “per capita” relativo ao número de crianças atendidas. Os convênios são regulados pelo artigo nº 116 da Lei Federal nº 8.666 de 1993. 56 Na época em que o Programa surgiu, em 1994, o Município de Niterói, possuía uma população de 436.115 habitantes e, desses 10,6% eram crianças de até 6 anos, o que equivalia a uma população de 46.223 crianças. Porém, o atendimento era feito somente para 3.139 crianças, ou seja, somente 6% do total de crianças eram atendidos. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1996 indicavam que a população da cidade era constituída de 450.364 habitantes, sendo 46.064 crianças na faixa etária entre 0 a 6 anos, ou seja, 9,6% do total da população. De 1997 até 1999, houve uma diminuição significativa de matrículas para crianças abaixo de 3 anos, além da inclusão de matriculas de crianças de 6 anos no ensino fundamental (VASCONCELLOS, 2001). Isto, porque, com a criação, em 1997, pelo Governo Federal, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), com o objetivo de expandir as matrículas do ensino fundamental, muitos municípios brasileiros diminuíram seus investimentos nas unidades de educação infantil, e Niterói foi um deles desfavorecendo mais uma vez as famílias com crianças com menos de 3 anos. Os dados atuais da FME22 mostram que em abril de 2013 as UMEIs atendiam 3.841 alunos, as Unidades Escolares de Ensino Fundamental atendiam 1.397 alunos e as Creches Comunitárias atendiam 3.163 alunos. Possuindo um total de 8.401 crianças na educação infantil pública do município (Figura 3). Como se pode ver no Anexo 3, as escolas são distribuídas por 7 Pólos, sendo 29 UMEIS 47 Unidades Escolares de Ensino Fundamental e 32 Creches Conveniadas23. Um ponto importante a destacar é a carga horária de atendimento das creches, sendo, hoje 25 UMEIS em horário integral e 7 em horário parcial. As creches em Unidades Escolares de Ensino Fundamental são todas em horário parcial e as Creches Comunitárias são todas em horário integral. O município tem hoje um reduzido atendimento à criança pequena em tempo integral, priorizando o tempo parcial. A falta de verbas para a Educação Infantil tem estimulado vários municípios a limitar o atendimento em tempo integral (KUHLMANN, 2000, p.7) e a priorizar matrículas para uma parcela da população ao estabelecer critérios de seleção. 22 Dados retirados do site da FME http://www.educacaoniteroi.com.br/category/menu-principal/dadosestatisticos-da-rede-escolar-municipal/ no dia 26 de março de 2013. 23 Anexo 3 distribuição de escola por Polo. 57 Legenda: UMEI - Unidade Escolar de Educação Infantil EI-UE - Educação Infantil - Unidade Educacional EI-CC - Educação Infantil - Creche Conveniadas EF - 1/2 - Ensino Fundamental - 1º e 2º ano EF - 3/4 - Ensino Fundamental - 3º e 4º ano EJA - 1/2 - Educação de Jovens e adultos - 1º e 2º ano EJA - 3/4 - Educação de Jovens e adultos - 3º e 4º ano Figura 3 – Quantidade de alunos atendidos das unidades de educação infantil do município de Niterói (RJ) no mês de abril de 2013 (Fonte: Fundação Municipal de Educação de Niterói) O crescimento das redes conveniadas tem sido alvo da análise de diversos especialistas, como é o caso do Luiz Araújo, consultor da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), que afirma que “o custo de manutenção de uma escola conveniada é, em media, a metade do custo de uma escola pública,” o que evidentemente torna mais viável para o gestor concentrar seus esforços orçamentários na geração de vagas na rede conveniada, para, assim oferecer o dobro de vagas com o mesmo custo da rede pública. “Isso sem aumentar o risco do município descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal”. Soma-se o fato de que, a partir da regulamentação do FUNDEB (Lei n. 11.494/2007), foi permitido que as matrículas realizadas na rede conveniada fossem computadas como matrículas oferecidas pelo poder público municipal, já que estas seriam contabilizadas para distribuição de recursos do Fundo. 58 As maiorias das creches conveniadas estão situadas em locais precários, em que as pessoas têm baixa qualidade de vida. As pesquisas de Campos (1997) têm demonstrado que “a população infantil mais pobre, moradora em favelas, ocupações, palafitas e periferias em geral”, ou seja, a população que mais deveria usufruir dos serviços públicos, é a que se encontra excluída do direito à educação infantil. Na opinião de Silva (2001) esse tipo de atendimento em creches comunitárias que posteriormente se tornaram conveniadas do poder público acabaram reforçando se não a exclusão, um tipo de atendimento de menor qualidade para aqueles com um menor poder aquisitivo, visto que se proliferam propostas populares para suprir os campos em que as políticas do Estado são mais insatisfatórias: educação de 0 a 6 anos, alfabetização de jovens e adultos e as primeiras séries do ensino fundamental. Enfim, podemos perceber que o poder municipal tem muitos desafios, que vão além da expansão de vagas na educação infantil. Sabemos que a passagem das creches e pré-escolas para instituições educativas não é simples, é um processo gradativo e que exige ações que vão das regulamentações dos Conselhos Municipais de Educação (CME), incluindo a reorganização das SMEs, alocação de recursos físicos (instalações, equipamentos, materiais) e financeiros, até a qualificação, formação, plano de carreira e estabelecimento de vínculo empregatício dos profissionais que trabalham na Educação Infantil, dentre outras ações. No próximo tópico, veremos quem são os profissionais que atuam nas creches conveniadas do município de Niterói. II.3 Tecendo histórias: os professores das creches conveniadas de Niterói No período do surgimento do Programa Criança na Creche (PCC) a educação infantil não era obrigatória, não havia, portanto preocupação com um perfil profissional e nem com a formação específica. A partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB,lei n.º 9394/96) é que os profissionais que atuavam e continuam atuando na Educação Infantil passaram a ser reconhecidos como profissionais com direito à formação, principalmente os da creche. Quando as creches do PCC foram transferidas do sistema de assistência social para o sistema educacional, tem início uma avaliação da estrutura em que as creches funcionavam, além de ser realizado um levantamento dos profissionais que atuavam na educação infantil. Na ocasião foi verificado que a maioria dos profissionais que 59 trabalhavam nas creches eram cedidos pela companhia urbana da cidade e nem sempre havia a presença de um professor que fazia um trabalho pedagógico com as crianças, como podemos verificar no depoimento do ex-subsecretário de Projetos especiais Superitendente de Desenvolvimento de Ensino. Através do levantamento realizado pela COESE e pela Coordenação de educação infantil da Superitendencia de Desenvolvimento de Ensino fomos aos poucos substituindo esses profissionais que não eram do magistério, que na prática eram auxiliares de serviços gerais e que faziam as funções de auxiliares de creche na rede municipal e principalmente nas creches conveniadas (Depoimento concedido, 13 de novembro de 2013) Observa-se pelo relato que, naquela época, as profissionais não tinham experiência de trabalho em creche, e se privilegiava o cuidado com as crianças. Vale também ressaltar que em outros municípios também ocorriam os mesmos problemas. Como é relatado por Lages (2012), em Montes Claros (MG), nos primeiros atendimentos nas creches, não havia uma estrutura de recursos humanos para atuação nas creches: algumas recreadoras eram retiradas até mesmo do trabalho desenvolvido com as crianças para colaborar com a faxina da creche. Como não havia profissional responsável pela limpeza e higiene da creche, a Secretaria de Trabalho e Ação Social (SETAS) passou a contratar pessoas através das Frentes de Trabalho24 para a realização desse serviço. Para melhorar essa situação, a diretoria do Programa Criança na Creche que estava subordinada a Superintendência do Desenvolvimento de Ensino, iniciou uma discussão em termos pedagógicos com a rede municipal para reestruturação da educação infantil e do ensino fundamental. Isso resultou na construção de uma nova proposta de trabalho que traria a redefinição dos objetivos em relação ao atendimento às crianças, cujo maior enfoque deveria voltar para o aspecto educativo. Isso denota a preocupação com a organização das creches e pré-escolas, sinalizando para o início da construção da identidade da educação infantil no município e para a criação de condições mais favoráveis para o funcionamento das instituições. 24 Frentes de Trabalho trata-se de políticas públicas emergenciais que visam socorrer as famílias pagandolhe salários baixos por serviços realizados. 60 Porém, a diretoria do Programa Criança na Creche teve algumas dificuldades, pois as creches conveniadas são de natureza privada, cada uma delas era mantida por uma associação de moradores, uma igreja, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Devido a essa situação, as orientações que emanavam da FME nem sempre eram atendidas, uma vez que cada instituição tinha autonomia administrativa e pedagógica inerente à própria organização do sistema. Além disso, havia uma diferença no regime de trabalho dos profissionais. Se naquela época os professores da rede municipal eram funcionários estatuários, os professores do PCC eram contratados por uma dessas unidades, na qual o Programa não tinha como exigir a formação desses profissionais. Assim, como no PCC havia um número de pedagogos que eram contratados pela FME de Niterói, em parceria com esses profissionais, tentou-se realizar uma formação continuada para os profissionais da rede municipal e das creches conveniadas. De acordo com o ex-subsecretário de Projetos especiais “a tentativa era dar um caráter mais orgânico para esse processo de formação, afinal eles não eram professores habilitados”. A psicologa do PCC, afirma que com a exigência da legislação (LDB) somente no final da década de 90, houve um incentivo da FME para que os profissionais se qualificassem, sendo criado um conveniamento informal com instituições de ensino superior, local para que os auxiliares de creche pudessem se qualificar. Nesse momento o PCC ainda não exigia um professor habilitado por sala, poucos foram fazer o curso. Também o PCC passou a contar com pedagogos, nutricionistas, dentistas e assistente social que eram contratados para prestarem serviços diretos na organização do Programa. Com as exigências do Ministério de Educação (MEC) em ter professores habilitados em cada turma, a partir de 2006, a FME começou a proceder em relação à formação dos professores, intensificando as parcerias com instituições privadas. Era oferecida uma bolsa de 50% para os auxiliares que já tinham o curso normal em nível médio para cursarem o normal superior ou pedagogia. Em âmbito nacional foi oferecido pelo Governo Federal o curso Proinfantil que é um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destinado aos profissionais que atuavam em sala de aula da educação infantil, nas creches e pré- 61 escolas das redes públicas municipais e estaduais e de rede privada, sem fins lucrativos, comunitárias, filantrópicas ou confessionais, conveniadas ou não, sem a formação específica para o magistério25. De início, as vagas do Proinfantil foram destinadas aos professores da rede municipal, porém como muitas vagas ficaram ociosas, devido muito professores da rede já possuírem a habilitação, pelo menos, em nível médio na modalidade normal, foi oferecida a oportunidade de realizar o curso Proinfantil para alguns professores das creches conveniadas que atuavam como auxiliares. Os auxiliares que não conseguiram realizar o Proinfantil foram também incentivados a cursarem o ensino médio em modalidade normal em outras instituições, afinal era necessário cumprir as exigências da LDB. O PCC não podia manter o convênio com as instituições que não contassem com professores habilitados. Conforme esclareceu ex-subsecretário de Projetos especiais - Superitendente de Desenvolvimento de Ensino. Cada vez mais houve a indução para que os auxiliares se transformassem em professores porque não poderiam manter a situação de contratar por meio de convênio a instituição que prestasse serviço educacional para educação infantil que não tivesse em seu quadro professores habilitados (Depoimento concedido dia 13 de novembro de 2013). Podemos analisar essa situação de dois lados: primeiro é que o Estado está tentando formar os professores, o que pode ser tomado como uma iniciativa positiva, se pensarmos que o Estado está oferecendo a esses profissionais a possibilidade de se capacitarem, ou melhor dizendo, se habilitarem. O outro lado é que o Estado estava incentivando modelos de formação, muitas vezes, duvidosos e “aligeirados” a esses profissionais. A nosso ver, isso acaba reforçando a ideia de que a educação infantil para pessoas pobres pode ser de baixo custo, fundamentada por uma concepção de educação assistencialista e compensatória. Tal situação nos remete ao capítulo I, onde vimos que na origem da educação infantil, legitimaram-se, em nosso país, dois tipos de instituições de educação infantil que se distinguiram não apenas em relação à população atendida, mas também aos objetivos, critérios de seleção da clientela, tamanho do grupo, número 25 Dados retirados do site http://proinfantil.mec.gov.br/ acesso dia 03 de abril de 2013. 62 de adulto por criança, horário de funcionamento, jornada de trabalho, perfil e formação do profissional. O ex-subsercretário de projetos especiais afirma, ainda, que os argumentos usados pelo secretário de educação à época, para a profissionalização desses auxiliares estava baseada na concepção de que a troca deles para um professor habilitado poderia gerar o desemprego, deixando uma situação política incômoda, obrigando as mantedoras de creche a demitir aqueles profissionais que atuavam como professores. E ainda para o secretário os auxiliares se tornando professores habilitados teriam mais condições de trabalho e que a presença do professor leigo que está previsto na LDB de 1996 precisava ser resolvida. Os dois últimos editais de convocação para concurso de ingresso público na EI da prefeitura municipal de Niterói, realizados em 2011 e 2013, mostram claramente que a exigência em relação à formação dos professores aumentou. A Figura 4 apresenta a situação em relação à formação de professores das creches conveniadas do munícipio de Niterói em 2013. No total de 232 professores, 55% possuem Nível Médio; 42% possuem Nível Supeiror e 3 Nível Especialista. 1900ral Legenda: NNM: Nível Normal Médio 1900ral NS: Nível Superior 1900ral 1900ral NE: Nível Especialista 42 55 NMT: Nível Mestrado 1900ral 3 1900ral 1900ral 1900ral NNM NS NE NMT Figura 4 – Nível de formação, em percentagem, dos professores das creches conveniadas do município de Niterói (RJ) em 2013. (Fonte: Dados do Programa Criança na Creche) 63 Diante dos dados nacionais, podemos afirmar que o grau de escolaridade dos professores das creches conveniadas em Niterói pode ser considerado acima da média nacional. Contudo, é importante pensar nas condições em que estão sendo realizadas as estratégias de formação das profissionais da educação infantil. Exigir que estas profissionais busquem a formação é sem dúvida um grande passo a se pensar na qualidade dos serviços oferecidos às crianças. No entanto, é um desafio de grandes proporções, pensar como se deu a formação desses profissionais. Os dados fornecidos pela FME nos mostram que mais de 90% dos professores que tem nível superior realizaram os seus cursos em faculdades privadas e mais de 70% dos professores que tem o nível medio na modalidade normal também realizaram sua formação em instituiçoes privadas. A partir dos dados podemos observar que os professores têm buscado estrategias para se qualificarem muitos infelizmente, tem buscado formações aligeiradas para obterem o diploma e cumprir as exigências da legislação. Para o poder público, ter professores com a formação mínima exigida por lei é importante e necessário, desse modo, a pressão para certificar esses professores se coloca como um imperativo cuja efetivação acaba importando mais do que a qualidade e a instituição na qual se dará esta formação. Para os professores, ao mesmo tempo em que se tornou uma oportunidade de conquistar um salário um pouco melhor e elevar o seu status profissional, se tornou também uma “obrigação.” Afinal, a permanência na creche depende da qualificação. Para continuarem atuando junto às crianças, muitos profissionais (que exercem a função de auxiliares ou de apoio) acabam exercendo a função docente. Para tanto, eles necessitaram retornar à escola e organizar o cotidiano entre o trabalho, a formação ou certificação, a casa e a família. Vários estudos têm defendido a necessidade de conhecer como esse profissional, que transita entre o passado e as determinações da lei no presente, após décadas longe da escola, encaram o retorno às atividades de ensino na condição de aluno e como essa obrigação repercute na construção da identidade profissional (OLIVERIA, SILVA, CARDOSO & AUGUSTO, 2006). As profissionais (que já foram denominadas de pajens, babás, dentre outras) são agora chamadas a se formarem como professoras. Entende-se que se trata de um momento de transição na 64 construção da profissão docente e, por esse motivo, privilegiado do ponto de vista da investigação. Nesse sentindo, no capítulo IV busca-se compreender esse momento a partir do ponto de vista de quem o vivenciou, ou seja, do próprio profissional de creche. Precisamos ter consciência que a construção da identidade profissional possui relações estreitas com a formação inicial, formação continuada e com o ambiente de trabalho. Concordamos com Nóvoa (1995a, p.25), para quem “a formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional.” É digno de nota o fato de que as condições de trabalho, em grande medida influenciadas pelo clima institucional, exercem forte influência sobre a construção identitária dos profissionais das creches, questão que será abordada no capítulo a seguir. II.4 Caminhos da pesquisa: um retrato das instituições Esta seção tem como objetivo caracterizar as instituições de educação infantil pesquisadas. Essa é uma forma de contextualizar o local, o ambiente, a história e modos de organização da creche em que o professor pesquisado atua, uma vez que entendemos que tudo isso faz parte da construção da identidade deste profissional. II-4.1- Creche A Sua inauguração ocorreu em na década de 1990, através da mobilização dos fiéis de uma paróquia da Igreja Católica do Município de Niterói. A instituição iniciou seu atendimento com 60 crianças até seis anos de idade, todas matriculadas em tempo integral e como uma alternativa para as mães que trabalhavam fora do ambiente doméstico. Atualmente, a creche A atende a 135 crianças de três a cinco anos. O seu quadro de pessoal é formado por uma diretora, uma pedagoga, seis professoras, cada uma tem dois contratos com a instituição, trabalhando, assim, em horário integral. Há, também, mais seis auxiliares que trabalham em horário integral, três merendeiras e três em serviços gerais. 65 A escola funciona em um espaço de fácil acesso, localizada no bairro de São Franscico, região sul de Niterói. É um bairro de classe media alta que possuí algumas comunidades periféricas onde residem as crianças da escola. No entorno da escola há uma igreja e um comércio diversificado (farmácias, lojas, supermercados etc.). É uma instituição planejada dentro dos padrões considerados adequados para o atendimento da educação infantil. O prédio está sofrendo algumas reformas, buscando adaptar-se às exigências do Programa Criança na Creche e melhorar o atendimento para as crianças. A escola possui seis salas de aula, um dormitório, uma sala de artes que é usada para aula de teatro, sendo utilizada por voluntários que trabalham com as crianças nessas duas atividades. Possui um refeitório, uma secretaria, uma cozinha, um banheiro para adultos e dois banheiros adequados à idade das crianças. O pátio é pequeno e cimentado, possui algumas árvores e um pequeno jardim. As salas de aula não são espaçosas, mas permitem o desenvolvimento das atividades cotidianas; possuem carteiras para as crianças, estantes para colocação de brinquedos, armário, mesa e cadeira para o professor. Nas paredes há produções das crianças em varais e cartazes. O ingresso das crianças à escola é feito mediante a matrícula, que de acordo com o Programa Criança na Creche, são realizadas em novembro. A matrícula é realizada pela ordem de chegada dos pais, preenchido o número de vagas as crianças que não conseguiram ingressar ficam na lista de espera. II-4.2- Creche B A creche foi fundada em 2005, fruto da mobilização coordenada por Associação de Moradores da Comunidade do Jacarezinho, porém em 2011, por falta de estrutura física e problemas com o presidente da associação a diretora buscou parceria com a Igreja Metodista, que demonstrou interesse em arcar com a manutenção da creche. Segundo a diretora: “a possibilidade desta nova parceria representou o desejo de funcionários e pais de alunos, pois o receio de perder o espaço era grande, gerando muita apreensão em todos”. No seu início a creche atendia 120 crianças tendo que reduzir seu atendimento para 100 crianças, por falta de espaço físico. A creche funciona em horário integral. A creche está localizada no bairro Santo Antônio, na região oceânica de Niterói (Figura 5), 66 bairro de classe média alta, bem urbanizado, constituído por um grande número de casas, muitas em condomínios fechados. As crianças são oriundas da comunidade do entorno, sendo a grande maioria do Morro da Esperança, onde as condições de moradias e urbanização são bastante discrepantes do entorno. De acordo com a diretora “as crianças vivem em moradias inadequadas (de apenas um cômodo, onde vivem várias pessoas), há falta de saneamento básico, falta de coleta de lixo, crianças sendo cuidadas por outras crianças, não se tem uma qualidade de vida”. A creche é um local alegre, dinâmico, que possui um espaço bem aproveitado, apesar de não ter sido projetado especificamente para o funcionamento da creche. Possui cinco salas, cada uma com capacidade aproximada de vinte crianças. As salas são bem iluminadas e ventiladas, possuem espaços diversificados como: leitura, jogos, e mural. Essas salas são transformadas em dormitórios para que, após o almoço, às crianças possam dormir. A diretora e a pedagoga dividem a mesma sala. Possui um refeitório e as principais refeições são: café da manhã, almoço e jantar. O cardápio é seguido conforme orientação da nutricionista do PCC. As instalações sanitárias são completas, apropriadas e exclusivas para o uso das crianças, incluindo sanitários e chuveiros e possuindo também banheiro para adulto. A área externa não é ampla, nem arborizada, o que propicia as crianças pouco contato com a natureza. Atualmente, são cinco professores na parte da manhã e cinco na parte da tarde, além de duas auxiliares que trabalham em horário integral e ajudam em todas as salas. A creche atualmente está em obra, buscando ampliar seu espaço físico. II-4.3- Creche C A Creche C atende 64 crianças de 2 a 5 anos de idade, está distribuída em quatro turmas de período integral. Localiza-se em uma comunidade de baixa renda conhecida com Morro do Palácio, situada no bairro do Ingá. Possui características comuns com as áreas favelizadas com ocupação espontânea do solo, infraestrutura precária e predomínio de autoconstrução (FONSECA, 2003). A região possui uma população de cerca de 1.900 habitantes (IBGE, 2010). Foi a primeira creche de Associação de Moradores da cidade. Após sua fundação estabeleceu convênio com Fundação Municipal de Educação de Niterói. É 67 uma creche com grandes dificuldades, pois não possui uma estrutura adequada ao desenvolvimento das atividades. Funciona em prédio alugado e adaptado, não possui área verde, espaço para brincadeira e playground. Sua estrutura física está necessitando de reformas com urgência como: pinturas, iluminação, portas e pisos, ventilação na cozinha e com as condições de acessibilidade precárias. Possuem quatro salas de aula, banheiro, uma secretaria e pequeno espaço ao ar livre destinado à recreação. As salas de aula são muito pequenas e não há muito espaço. As mesas das salas de aula são adaptadas para o tamanho das crianças, nelas são afixados cartazes com produções das crianças. A escola é pequena e possui um quadro de sete professoras contratadas. Figura 5 – Localização, no município de Niterói, Brasil, das instituições de educação infantil pesquisadas (Fonte: Fontes: IBGE, 2009; Wikipedia, 2014; Esri 2014). . 68 Diante da descrição das três creches, podemos perceber que todas foram fruto da mobilização social em prol do direito de atendimento à infância, contando com o apoio de organizações religiosas - católica e metodista - e leigas, como a Associação de Moradores. Todas funcionam em prédios modestos, mas cujas instalações foram adaptadas especialmente para as necessidades da população infantil. Outro aspecto que merece destaque é a presença do poder público nessas instituições, beneficiadas por Programas temporários como o PCC. É ponto comum, também, o atendimento a um público carente econômicamente e socialmente. Por meio dos depoimentos dos professores que atuam em creche, no próximo capítulo poderemos conhecer melhor as dinâmicas sociais desses estabelecimentos. 69 CAPÍTULO III – OS SENTIDO DOS DIZERES O vento é o mesmo, mas sua resposta é diferente em cada folha (MEIRELES, 1974, p15). Neste capítulo são apresentadas as vozes dos sujeitos, identificados como Sonia, Márcia, Livia, Adriana e Claudia. Com um olhar voltado para a compreensão das razões pelas quais essas professoras ingressaram e permaneceram nessa atividade – a educação infantil em creches comunitárias – a pesquisa buscou apreender os significados construídos por elas em relação ao trabalho nessas instituições, entendidos como mediações através das quais poderíamos detectar os sentidos que essa atividade profissional adquire para esses profissionais. O nosso olhar para as professoras foi construído a partir de uma concepção de que se trata de sujeitos sociais, que se formam nas diversas relações que participam. Assim, procuramos compreender as relações entre as trajetórias de cada uma delas, a atividade profissional que exercem e a inserção em cursos de formação profissional, bem como a busca por complementação da escolaridade concomitante com seu desenvolvimento profissional. Para analisar essa constituição, procurou-se apoio nas ideias de Dubar (1997a; 1997b) e Nóvoa (1992, 1995a, 1995b). III.1 A construção da identidade dos professores em seus percursos de vida pessoal, social e profissional O indivíduo constrói sua trajetória profissional no entrelaçamento com sua história de vida. No encontro das trajetórias, experiências e socializações com os outros indivíduos, sua identidade pessoal e profissional se conslida por meio de dois processos complementares: o biográfico e o relacional. (DUBAR,1997a). Nas vozes das professoras de creche foi possível perceber como elas têm construído suas identidades. De acordo com Dubar (1997a), ao serem contadas, as trajetórias são interpretadas e passam a ganhar o novo sentido para o sujeito. Nessas trajetórias, encontram-se o eu pessoal e o eu profissional, ou seja, nós e a profissão, cruzando a maneira de ser com a maneira de ensinar. Segundo Nóvoa (1992, p17), é impossível separar o eu profissional do eu pessoal. O professor está na totalidade dessa união. 70 A identidade de cada professor, de cada indivíduo está relacionada aos ambientes de sua circulação, às suas escolhas, trocas, interação e relação dialógica com outras pessoas, seja na situação de relações sociais “nós-eu” (coletivo e individual), seja na formação profissional (nosso caso o processo de profissionalização e o próprio trabalho na escola) constituindo a identidade profissional. Dubar (1997a), ao analisar as formas identitárias que resultaram das transações entre Eu-nós, postulou que as formas identitárias se constituem nas interações dinâmicas entre o Eu individual (eu subjetivo) e o Eu na interação com o outro (Eu-nós). Para o autor, as identidades profissionais são as maneiras socialmente reconhecidas para os indivíduos identificarem-se uns com os outros, no campo de trabalho e de emprego. A constituição das formas identitárias profissionais é resultado das transações, dos meios de socialização entre o “eu e o outro” e que são detectados no campo das atividades remuneradas. O indivíduo, também, não está sozinho, vivendo a construção da sua identidade. Ele é resultado das vivências durante sua infância no convívio com a família, das relações e transações com os outros, das circunstâncias sociais e econômicas, e das suas escolhas. Segundo Silva (1996) “ele vive esse processo como um projeto de vida que ocorre de maneira interativa, em via a ser constante, dando-se a partir das diferentes configurações e das determinações de ordem social” (p.32). Não obstante, essas relações ocorrem na entre trabalho e emprego. Gatti (1996) afirma que a identidade é multideterminada, pois A identidade não é somente constructo de origem idiossincrática, mas fruto das interações sociais complexas nas sociedades contemporâneas e expressão sociopsícologica que interagem nas aprendizagens, nas formas cognitivas, nas ações dos seres humanos (GATTI, 1996, P.86). Como demonstraremos nas próximas seções, a construção das identidades profissionais do grupo de professoras das creches conveniadas de Niterói que ofereceram o solo empírico de nossa pesquisa se encontra diretamente relacionada com as suas histórias de vida. Isso significa dizer que as negociações que elas precisaram estabelecer com os limites de oportunidade profissional com os quais elas tiveram que lidar ocupa um lugar mais destacado do que as escolhas e os percursos de formação. 71 III.1.1 A escolha da carreira e a necessidade de trabalhar As professoras, sujeitos desta pesquisa, começaram a entrevista falando de como foi construído o caminho para se tornarem professoras de creche. Falaram sobre os lugares onde circularam, a escolha da carreira e das experiências que viveram como auxiliar de creche. Buscaram na memória delas as lembranças de quando eram crianças, de sua formação básica e de professores que, de alguma maneira, contribuíram para a escolha do modelo profissional que almejam alcançar. A contribuição da memória representa, de acordo com Nóvoa: uma ruptura tanto em termos de procedimentos, pois o sujeito se torna simultaneamente ator e investigador, quanto de entendimento da realidade, na medida em que este método parte do pressuposto de que seja possível entender o particular como parte do universal (2008, p. 116). A escolha da profissão não parece ter sido feita de forma consciente para quatro das cinco entrevistadas, sendo imposta pela necessidade de trabalhar, pela falta de emprego ou pela insatisfação com o emprego anterior. Apenas uma das entrevistadas encontrou em seus professores o modelo de mestre que a inspirou. As razões pelas escolhas são muitas. Os estudos de Gonçalves (1995) indicam que as razões subjetivas, como gostar de crianças e gostar da profissão são mais frequentes. No caso de nossas entrevistadas, o gosto por trabalhar com crianças aparece no relato de duas entrevistadas, enquanto outras três destacam a necessidade de trabalhar e a oportunidade de uma ocupação profissional dentro da creche, inicialmente desempenhando uma função pouco qualificada, como serviços gerais e auxiliar, para, depois se qualificar e ascender à função de professora. ... eu trabalhava como empregada doméstica e fui mandada embora, fiquei um tempo desempregada, e meu esposo, que conhecia a diretora pediu um emprego pra mim. Comecei trabalhando no serviços gerais, depois como auxiliar, até me tornar professora [ADRIANA] Quando eu morava em São Paulo eu trabalhei de babá também, e quando cheguei em Niterói eu estava precisando de emprego, o meu marido ficou desempregado, e eu precisava ajudar em casa, aí fiquei sabendo que estavam precisando de auxiliar na creche e fui fazer entrevista e estou aqui até hoje [MÁRCIA]. Eu trabalhava em um escritório de contabilidade, fiquei desempregada e comecei a procurar emprego, foi quando eu tive a 72 ideia de conversar com a diretora e ela me falou que eles estavam precisando de uma auxiliar e comecei a trabalhar aqui [SONIA] ...eu na verdade, trabalhava em um banco, eu não gostava, trabalhava oito horas por dia. Era no antigo Unibanco. Trabalhei 12 anos no banco e aí eu descobri que não era o que eu gostava, porque desde criança eu já queria ser professora. Quando eu e minha irmã estávamos fazendo o segundo grau nós dávamos aula de reforço em casa. Era o que eu gostava de fazer. Eu sempre falava que ia ser professora. Aí, eu fiz o curso de magistério e conclui. Eu queria muito fazer faculdade, só que o próprio encaminhamento de está dentro da área de educação me fez fazer a faculdade. Graças a Deus, eu comecei e concluí a faculdade [CLAUDIA] Ver o empenho da professora do primeiro ano que é a antiga primeira série, me chamava atenção. Ela foi marcante na minha vida. Eu quis ser professora por causa dela: pelo jeito de ensinar, pelo jeito respeitador com os próprios alunos e com os pais, a atenção que ela dava para os pais quando eles iam procurar para saber a respeito dos filho [LIVIA] A inserção no trabalho da creche pelas profissionais pode ser compreendida considerando as diferentes maneiras de ingresso na profissão. Para quatro das entrevistadas (Adriana, Marcia, Sonia e Claudia) a escolha da profissão está mais relacionada à sua história de vida, as experiências negativas com determinadas situações, do que à decisão consciente em ser professor. Livia é a única das entrevistadas que afirma que sua vontade de ser professora veio dos momentos positivos quando era aluna no ensino básico. Os estudos de Goodson (1995) confirmam que o aparecimento de um professor preferido, que seja modelo de inspiração, contribui de forma significativa na formação profissional do professor. Em sua análise sobre a trajetória profissional, Ronca (2005) identificou que a formação do professor ocorre muito antes de ele chegar à sala de aula. Para muitos professores a escolha da profissão se dá pelo mestre-modelo. Em seu trabalho de tese, Cunha (1989) aponta que o encaminhamento profissional constitui um aspecto muito relacionado à trajetória de vida, quando a pessoa vai vivenciando espaços positivos, que podem ser inspiradores no encaminhamento profissional. A autora mostra que algumas decisões partem do ambiente familiar, quando um membro da família desperta a vocação no outro pelo que faz, também, considera que há influências do ambiente social, das relações e razões circunstanciais, como a necessidade de emprego. Na fala das entrevistadas, percebe-se que não ocorreu nenhuma referência inspiradora da família, quando fazem alguma 73 alusão à família é para sinalizar situações de dificuldades financeiras. Sua decisão de trabalhar na creche foi fruto da experiência pessoal imposta pelas circunstâncias sociais, e experiências escolares que viveram como alunos e com os professores. A necessidade de trabalhar colocou as professoras em contato cada vez maior com o ser professor, às vezes pelo incentivo, às vezes pela necessidade de serem úteis financeiramente às suas famílias. Para as entrevistadas Adriana e Marcia, trabalhar na creche representava a possibilidade de melhores condições de vida para si mesma e para sua família. Outro ponto que deve ser considerado é que o ingresso na creche ocorre geralmente por meio de algum parente ou amigo. É muito forte o papel dos relacionamentos pessoais para o aceite da candidata à vaga, como se pode perceber nas fala das entrevistadas. É rara a referência a algum tipo de seleção ou treinamento anterior ao início do trabalho. Segundo Dubar (1977a, p.77) as identidades resultam do encontro de trajetórias condicionadas por campos socialmente estruturados, quando no caso, os professores se encontram e se reconhecem. Assim, a trajetória de vida de cada professor é resultado dos encontros e desencontros, mas, sobretudo, é o resultado da descoberta de trajetórias que as levaram para a profissão de professor, conferindo parte da identidade profissional do docente. A formação básica e universitária, também, faz parte da trajetória da constituição do ser professor, sobretudo, quando os profissionais necessitam ter a formação exigida por lei26 como é o caso dos sujeitos que participaram da presente pesquisa. 26 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (LDB) em seu artigo 62, essa lei estabelece a formação em nível superior como necessário para os educadores de crianças de zero a seis anos de idade, admitindo para atuação a formação em cursos do nível médio, modalidade Normal. 74 III.1.2 Negociações identitárias no contexto da profissão: A formação básica e universitária Quando se fala sobre os processos formativos, logo se faz referência ao lugar social que a escola ocupa. As trajetórias de três professoras entrevistadas mostram que elas somente foram fazer o curso de formação de professores após começarem a trabalhar em creche, como auxiliar. A escolha por fazer o curso Normal se deu pela oportunidade de ascender na carreira, ou seja, por almejarem a profissão de professor. Eu comecei trabalhando em serviços gerais e ser auxiliar, mas não acreditava muito nessa proposta. Eu ficava na janela olhando as turmas, depois a diretora me puxou como auxiliar. Trabalhei como auxiliar por quatro anos e depois tive a proposta do Proinfantil. Eu me escrevi e tinha outra funcionária que também se inscreveu. Só que na época só uma podia fazer o Proinfantil e a outra pessoa que era auxiliar foi escolhida, só que ela engravidou e ela não quis ir, foi onde eu pedi à diretora — deixa eu ir? E ela disse — tudo bem. Eu fiquei muito feliz porque era o que eu mais queria [ADRIANA] Comecei como auxiliar. Eu peguei uma professora ótima que era a Maria Aparecida. Ela me ajudou muito, me deixou crescer na sala, não me excluía, me deixava participar das atividades. Comecei a pensar em ser professora, aí achei o curso para fazer, e fiz. Era o curso Normal, ficava no Rio de Janeiro, na rua Buenos Aires. Era um curso rápido de dois anos [SONIA] Eu entrei aqui na creche em 98, eu fiquei dez anos como auxiliar. Fui fazer faculdade de pedagogia, mas era difícil ir para o curso, era caro, eu não estava aguentando. Uma amiga me falou — se eu fosse você fazia primeiro formação de professor, é mais rápido e você vai ter a oportunidade de ser professora — eu segui a ideia dela e tranquei minha matrícula na faculdade, fui fazer o curso de formação de professores que era de um ano e meio [MARCIA] As dificuldades pessoais, sociais, financeiras e outras, levam os professores a seguir por “atalhos”, a economizar esforços, a realizar apenas o essencial para cumprir a tarefa que têm em mãos. Muitas vezes a qualidade cede lugar à pressa em se ter um diploma, em qualificar. De acordo com Nóvoa (1995a), a formação estimula uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (p.13). 75 As professoras Claudia e Livia ingressaram na creche tendo a formação do magistério, porém começaram como auxiliar e somente depois de um tempo que estavam na creche se tornaram professoras regentes. Durante o período em que estavam na creche tiveram a oportunidade de fazer um curso universitário. Claudia começou fazendo o Curso Normal Superior, e depois, com a extinção do curso, foi transferida para o curso de pedagogia. A professora Livia começou o curso de pedagogia na Faculdade Madre Tereza, em Niterói, mas com dificuldade de pagar o curso, trancou a matrícula, tendo a oportunidade de fazer prova de transferência para Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ (Campus do município de São Gonçalo), onde concluirá em 2014. Vale ressaltar que a oportunidade de fazer o curso em faculdade foi propiciada pela Fundação Municipal de Educação (FME) de Niterói, que através de uma parceria com algumas faculdades do município oportunizaram esse processo. O professor trabalhava durante o dia e a noite fazia o curso superior tendo uma bolsa de 50% para o pagamento da mensalidade. Para Dubar (1997a) é negociando seu plano de formação e carreira no interior do plano empresarial, no caso a Fundação Municipal de Niterói, que os assalariados, muitas vezes, obtêm meios para realizar seu trajeto. O professor quando busca a formação, ou até mesmo, quando é proporcionado a eles a oportunidade de se qualificar, passam a compreender melhor seu oficio, fortalecendo o sentimento de pertença à empresa, no caso, à escola (DUBAR, 1997a). A formação é essencial na definição de quem somos porque possibilita a incorporação de saberes específicos da profissão escolhida e facilita a relação com o trabalho e a carreira profissional (DUBAR, 1997a). Nessa perspectiva, para Nóvoa (1992) a formação de professores pode ter um papel importante na constituição de uma nova profissionalidade ao estimular a emergência de uma cultura profissional docente dentro de um processo de profissionalização centrado na produção e incorporação de novos saberes. Para as professoras Claudia e Livia a formação em nível superior foi essencial para seu ser profissional. Elas atribuíram essa oportunidade a uma valorização pessoal, em que foi fundamental para sua vida. 76 Quando me formei eu senti que era uma conquista. Sair todos os dias á noite para estudar não é fácil, mas valeu a pena, receber o diploma e saber que eu era pedagoga não tinha preço, me senti muito feliz e valorizada [CLAUDIA] Eu pagava a faculdade e depois tentei a transferência para uma universidade pública, meu esposo estava desempregado na época e estava muito difícil, eu estava trabalhando o dia todo. Eu falei — vou tentar a prova lá — eu passei, acho que foi no segundo ou terceiro lugar, felicidade total. Eu termino no final do ano, estou muito feliz por ter conseguido essa conquista porque é complicado a gente que é mãe e dona casa trabalhar fora e ainda ter que estudar, sabe? Eu busco cada vez mais melhorar meu empenho na sala de aula. Não vejo a hora de pegar meu diploma e ser pedagoga, e está formada [LIVIA] Para Dubar (1997b) a formação é essencial na constituição da identidade profissional, facilita a incorporação de saberes que são essenciais para compreender o ser professor como profissão e não como missão, na medida em que o professor se constroi. O conhecimento profissional não se reduz, portanto, ao saber fazer, mas implica o saber fazer, saber como fazer, e saber porque se faz, isto é, a um conhecimento produzido ou mobilizado pelos atores na prática de ensinar (ROLDÃO, 2005). As professoras sentem que foi uma conquista sua formação, até mesmo pela história de vida, chegar a ser professora em nível médio ou pedagoga é uma ascensão social. A categoria ascensão social foi estuda por Pessanha (2001) que tomou por objeto as professoras primárias das camadas médias da sociedade que se destacavam na década de 1950. Pode-se fazer um paralelo com o nosso estudo em relação a ascensão social. De acordo com a autora, para as famílias brasileiras menos abastadas, a profissão docente passou a significar a possibilidade ascender socialmente, porque essa profissão afastava a mulher dos trabalhos manuais com a perspectiva de que se não ascender socialmente, pelo menos não “decair” para um meio de vida “não descendente” (2001, p.71). Conforme a autora, o baixo salário não afastava os professores, porque tinha alguma significação, não exatamente na sustentação da família, mas na manutenção de um determinado status social à família. Não obstante a década de 1950, o magistério, hoje, continua a ter certo atrativo para os grupos sociais que desejam ascensão. 77 Outro ponto importante a ressaltar é que as cinco professoras entrevistadas ao relatarem sobre a decisão de fazer o curso, disseram que não foi fácil retomar os estudos depois de anos. Falaram das dificuldades em assistir as aulas, em fazer os trabalhos, em ter que conciliar os estudos com a família, em trabalhar o dia todo e estudar à noite. Sendo um processo caracterizado por grandes negociações, com elas mesmas e com seus companheiros e familiares. Vejam a fala da professora Marcia: Foi difícil decidir a voltar a estudar, meu marido não aceitava muito, meus três filhos estavam pequenos, era muito difícil deixar eles em casa, eu tive força de vontade e consegui vencer a batalha. A dúvida é causada por uma situação em que concorrem as identidades de mãe e de professora. A preocupação com a família dá origem a um forte conflito de identidade, circunscrevendo as possibilidades de desenvolvimento profissional, de tal maneira, que só consegue tomar a decisão de frequentar o curso quando obtêm o apoio e o incentivo de outras colegas de trabalho. A professora Adriana relata que tinha medo de não dar conta do curso, de não ter sucesso, afinal ficou muito tempo sem estudar. Eu tinha medo de não dar conta de estudar, me sentia incapaz. Não me via com uma profissão. O receio de não dar conta, ou não ter sucesso nos estudos é um indício que elas têm de negociar consigo mesma, já que a imagem que ela tinha de si própria “não era muito positiva”, não acreditava que conseguiria completá-lo porque se via como “uma pessoa incapaz”. Nesse sentindo os relatos das entrevistadas vão configurando um ser professora marcado pela alegria de obter uma profissão reconhecida e o mesmo tempo pelo conflito de negociar consigo mesma e com a família. Ainda que a obtenção do diploma seja uma exigência legal, esse aspecto não é central no discurso dos professores. A oportunidade de estudar e de aprender é muito mais saliente na apreciação que os professores fazem da formação. Enfim, as negociações identitárias estão presentes em toda vida profissional, elas são movidas pela significação individual, social e institucional. Ao exprimir os significados conferidos à formação os professores trazem ao discurso a vida escolar, a 78 atividade docente e a realidade das relações que se constroem nos estabelecimentos escolares. Sendo assim, no próximo tópico iremos entender como se deu o processo de iniciação à cultura profissional. III.2 O processo de socialização como uma iniciação à cultura profissional A fase de iniciação profissional docente é um momento de grande importância na constituição da carreira do professor e na constituição da sua identidade. No caso das professoras entrevistadas o momento que se caracteriza a fase inicial de inserção na docência é marcado pela passagem de auxiliar para professor regente. Como sabemos as primeiras experiências vivenciadas pelos professores em início de carreira têm influência direta sobre a sua decisão de continuar ou não na profissão, porque este é um período marcado por sentimentos contraditórios que desafiam cotidianamente o professor e sua prática docente. O processo de socialização é muito importante nesse momento. Berger e Luckmann (2005), definem dois tipos de socialização: a primária, em que durante a trajetória, o indivíduo vai vivendo sua socialização, interiorizando papeis, atitudes, concepções e valores quando o indivíduo ainda não tem um distanciamento crítico. A socialização secundária que é a interiorização de mundos institucionais, como a escola e no trabalho que envolve a aquisição de conhecimento mais especializado, incluindo conhecimento profissional. Para os autores, a socialização define-se pela introdução do indivíduo nas instituições, onde, por exemplo, o professor de creche vai incorporando o modo de ser da profissão. Como já foi tratado neste trabalho, Dubar, (1997a, p. 118), considera dois processos que determinam a construção da identidade biográfica e o relacional. O processo biográfico compreende a aquisição identitária vivida pelo individuo do ambiente familiar, igreja, nos espaços onde ele circula e vive sua história de vida. Já o processo relacional, trata da incorporação dos modos de ser de uma profissão, quando o indivíduo vai se relacionando com seus pares na instituição no lugar de trabalho e com a cultura de cada lugar, sendo assim a socialização não pode se reduzir a uma única dimensão. 79 Os professores vivem sua socialização na escola, muitas vezes, buscando a colaboração de professores mais experientes, aqueles que possuem o segredo da profissão desenvolvido com sua experiência na prática de sala de aula. Como corrobora Tardif (2005), é esta visão de experiência que os professores se referem, quando são indagados sobre suas próprias competências e, por isso, aqueles em início de carreira buscam os mais experientes para saber sobre essas competências e experiências. Quando as professoras da pesquisa foram inquiridas em relação ao início da carreira docente, as respostas foram diversas. Claudia apontou não sentir as mudanças. Já as professoras Marcia, Adriana e Sonia disseram que no início tiveram um pouco de dificuldade, mas que buscaram ajuda das colegas experientes. O período inicial é considerado por Gonçalves (1995), como o mais difícil e crítico na carreira dos professores, marcada por intensas aprendizagens que possibilitam ao professor a sobrevivência na profissão. Alguns pesquisadores, como Garcia (1999) e Tardif (2002), consideram o início da carreira como o período mais pertinente e potencialmente problemático tendo em vista as implicações que o início da prática profissional tem para o futuro profissional do professor em termos de autoconfiança, experiência e de identidade profissional. A ajuda “de pessoas mais experientes” é muito importante nesse momento, o professor que inicia sua carreira ou que tem que assumir a sala de aula sozinha, muitas vezes, se espelha no profissional que está mais tempo na profissão. A professora Sonia ressalta a ajuda da diretora e demais colegas de trabalho, dando a ela mais segurança para exercer suas atividades. A diretora é compreensiva, quando você trabalha com uma diretora superior que não te escuta aí fica difícil, mas não é o caso daqui, qualquer coisa que você precisa, e queira fazer ela quer saber, ela te apoia, ela te ajuda. As professoras são muito amigas, muito unidas, eu como sou recém-professora eu pergunto será que o que estou planejando vai dar certo? E elas te ajudam, sempre conto com a ajuda delas. Esta fala é reveladora de que elas buscam e se espelham na experiência do professor mais antigo, sendo ela professora iniciante27 a busca de apoio na equipe de 27 Para efeitos desta pesquisa, consideramos professores iniciantes aqueles que estejam no máximo seis anos em exercício profissional. A justificativa para a escolha desse intervalo de tempo é referendada por 80 trabalho é fundamental. Além do mais, a fala da entrevistada sugere que o ambiente escolar empolgado, engajado e que seja colaborador facilita a integração do professor recém-chegado. De acordo com Tardif (2002), os saberes do professor são temporais porque surgem de múltiplas experiências e são provenientes de várias fontes como a partilha de saberes entre os pares, demonstrando a historicidade do conhecimento. Garcia (1999) destaca três fatores que tornam a fase de iniciação na profissão mais fácil ou mais difícil: as condições de trabalho encontradas pelos professores no local de trabalho, o apoio que recebem e as relações mais ou menos favoráveis que irão vivenciar. Na construção da identidade, o outro representa um papel fundamental, que implica uma referência para que o sujeito construa uma imagem e um olhar de si. O diálogo e as interações possibilitam aos sujeitos a reflexão; a capacidade de perceber o outro, enxergando suas expectativas, ritmos e sonhos; de situar e compreender o seu lugar na profissão. A professora Marcia, fala da importância das relações com os outros profissionais da creche, do ambiente colaborador e acolhedor, que favoreceu seu processo de socialização na escola. Ela verbaliza que mesmo quando era auxiliar encontrava apoio das professoras e que se tornando professora, ela encontrou a compreensão e apoio das professoras que já atuavam na creche. Aqui tem uma direção bem compreensiva, até mesmo para entender os problemas pessoais, quando tenho que levar os meus filhos no médico ou tenho reunião de pais na escola deles eu consigo ir, eles entendem bastante o nosso lado de mãe. As professoras também me ajudam muito, tem uma professora aqui a Renata que eu sempre mostro o meu planejamento para ela, ela tem mais experiência e me ajuda quando preciso Enquanto, por exemplo, em algumas escolas as relações de amizade entre professores garantem o desenvolvimento do diálogo, em outras a existência de um clima de poder e competição contraria este tipo de atividade. Em certas escolas existem Huberman (1995). Em seu artigo sobre “O ciclo de vida profissional dos professores”, ele nos ajuda a compreender as várias etapas pelas quais passaria o professor durante sua carreira profissional. As duas primeiras fases – “a entrada na carreira” e a “fase de estabilização” – contemplam o período de socialização profissional dos professores. A primeira fase é marcada pelo que denomina choque de realidade ou etapa de sobrevivência; e a segunda é descrita como aquela em que o professor interioriza seu papel e constrói uma identidade profissional mais delineada, sendo reconhecido pelos outros como professor. 81 normas para que os professores troquem ideias de forma aberta, noutras esta troca é vista como não apropriada. Todas as professoras entrevistadas afirmaram que nas creches que elas trabalho existem o diálogo, companheirismo e troca entre os profissionais. Esses fatores ajudam no sentimento de pertença à instituição. Nesse sentido, acredito que o diálogo e a troca do professor com seus pares são de grande importância para a construção de saberes e das práticas pedagógicas. Daí a necessidade de se oportunizar espaços de reflexão coletiva para que os professores possam socializar os conhecimentos construídos e nada mais importante que o tempo destinado a formação continuada, em que o professor em conjunto com seus pares possam trocar experiências e fazer estudos, afinal a formação continuada pode ser um excelente caminho na integração e sentimento de pertença das professoras. No caso das professoras das creches conveniadas, não se tem uma formação continuada com todas as professoras, segundo a psicologa do PCC28 “as formações são realizadas pelas próprias creches hoje quinzenalmente, com a participação ou não dos técnicos responsáveis do Programa. Temos a formação mensalmente das pedagogas com a equipe do Programa.” Diante disso, as professoras não citaram em nenhum momento o apoio da Fundação Municipal de Educação de Niterói no seu início de carreira e no desenvolvimento do seu trabalho. Faz-nos questionar: Será que a formação continuada acontece em todas as creches mensalmente como é previsto pelo Programa? Como o Programa garante a formação dos professores iniciante? É necessário oferecer aos professores momentos de discussão e de reflexão de sua prática pedagógica para não gerar conhecimento acabado e para ajudar o professor na inserção da profissão. Nas diversas situações vivenciadas e nas relações sociais, as professoras aprendem, se constituem e constroem saberes ao longo de sua trajetória. Elas vivenciam em sua trajetória o seu processo de socialização, quando vão compartilhando saberes e experiências e vão construindo suas identidades como pessoa e como docente, na medida em que vivenciam novas realidades na vida e no trabalho, conhecendo pessoas e culturas, pois somos aquilo que fazemos, e também somos o resultado dos lugares onde passamos. 28 Depoimento cedido em 06 de novembro de 2013. 82 Em síntese, as narrativas analisadas revelaram que as professoras vivenciam sentimentos que envolvem sobrevivência e descoberta, que se interconectam nesse processo de iniciação docente, desde a confrontação com as diversas situações de imprevisibilidade, em suas rotinas e dificuldades, nos dilemas do cuidar e educar das crianças e nas condições de trabalho. Paradoxalmente, essas docentes passam a se entusiasmar com as próprias crianças, em relação à afetividade que demonstram para com elas. Expressam a responsabilidade e o orgulho de poder contribuir com o desenvolvimento das crianças como veremos no próximo tópico. III.3 Especificidades dos professores de creches na visão dos sujeitos entrevistados Devido ao seu caráter dinâmico, os processos de construção de identidades devem ser pensados no interior das relações em que ocorrem. Para compreendê-los, é preciso ter como referência as especificidades das práticas desses sujeitos, seus valores, os intercâmbios simbólicos e afetivos envolvidos. De maneira geral, a especificidade da educação infantil e suas funções acabam definindo o perfíl das profissionais responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças. De acordo com Ongari e Molina (2004), o trabalho com as crianças pequenas comportam uma série de funções delicadas e pesadas tanto do ponto de vista físico quanto mentais. É um trabalho dinâmico, centrado na corporeidade, em que a professora está em movimento constante, em que exige muita energia. Exige também que os adultos coloquem em prática energias e capacidades para ajudar as crianças a enfrentarem as emoções que caracterizam as primeiras fases da vida, principalmente a fase escolar. Tais características que expressam essa especificidade do professor são destacadas na entrevista da professora Claudia: O professor de creche tem que gostar de criança, tem que amar, porque na educação infantil o trabalho é braçal também. A gente entende que mesmo que tem auxiliar (aqui nós nem temos auxiliar para cada turma, nós temos três) o professor ele tem que ajudar, tem que estimular a criança nas refeições. Aqui o professor trabalha, ele participa do banho, ele tem que querer trabalhar. A partir desses significados que a professora atribuiu à educação infantil e, consequentemente, ao conhecimento necessário para o exercício de suas funções, a outra questão que concerne ao perfil que professores de educação infantil remeteram 83 foram os relacionados aos emocionais (gostar de crianças), características pessoais (talento, dom) e conhecimentos específicos da área (sobre a criança, o desenvolvimento infantil, a brincadeira como recurso pedagógico). As entrevistadas listam diversas qualidades necessárias ao professor. Interessante que gostar de criança é citada por todas. 'Gostar' aparece como a dimensão emocional que permite ao professor atitudes como entender o que a criança sente, o seu comportamento, possíveis dificuldades de aprendizagem. Em outras palavras, há, inerente ao trabalho com esse segmento, uma dimensão afetiva a priori, sem a qual nada parece poder se realizar. Isso é inclusive explicitado na palavra 'amar', citada pela Lourdes e por outras entrevistadas, como se pode observar: (...) perfil, pra mim, tem que ser esse de não desistir nunca, procurar saber o porquê ela (criança) está daquela forma, tudo tem explicação, se ela está com alguma dificuldade você pode ajudar. Você tem que ter dedicação, amor, carinho com as crianças. Você tem que querer o melhor para o seu filho. Você não tem que gostar, tem que amar, porque gostar você gosta de um picolé, de um sorvete, de um chocolate, né? Você precisa amar. Deus faz as coisas para usá-las e as pessoas para amá-las, então porque usamos as pessoas e amamos as coisas, a gente tem que amar as pessoas. Bom... acho que é amor mesmo incondicional, como você ama seu filho porque isso faz a diferença [SONIA]. Olha, tem (o professor) que ter um perfil, assim, como eu te falei, né, um perfil pra trabalhar e gostar muito de educação infantil, de amar porque você tá lidando com crianças e não é um trabalho fácil [...] [LIVIA]. Para ser professor de educação infantil tem que ter muita responsabilidade, saber como você lida com essas crianças. As crianças, às vezes, vem com muitos problemas, você tem que ter muito amor. Ser professor de educação infantil não é tão fácil como as pessoas acham que é, entende? É um pouco difícil porque você tem que ter amor... [MARCIA]. No mesmo sentido, a paciência aparece no discurso dos docentes como uma virtude essencial, uma vez que a criança pequena solicita muito o adulto, especialmente sua atenção. Ao questionar uma professora o que é fundamental para ser professor de educação infantil ela afirma: Eu acho que deve ter muita calma e paciência, primeiro de tudo. Você pode ser um excelente profissional, crescer muito mais, dentro dessa faixa etária precisa de alguém calmo que veja que ela precisa de atenção mesmo, né, de tá ali falando: - Oh, eu gosto de você, mas não 84 é assim e aí de novo cinco, oito vezes, né? De modos diferentes, mas assim ser uma pessoa que tenha paciência. Isso eu acho bem importante e outra coisa que goste, né? Que goste e que tenha afeto pela criança, que tenha afeição, que se sinta bem ali com as crianças, acho que o principal é isso. [ADRIANA]. Para as entrevistadas, o exercício dessa profissão demanda habilidades específicas, constitutivas do que elas classificam como perfil necessário para esse campo de trabalho docente. Porém pode-se perceber que a afetividade ocupa lugar de destaque entre as questões consideradas como relevantes para o profissional da Educação Infantil. O estudo realizado por Alves (2006), junto às profissionais de educação infantil, constatou que o sentido da docência está, muitas vezes, na naturalização da professora de criança. Dentre as principais características destacadas pelos participantes da pesquisa de Alves foram: simpatia, carinho, paciência, criatividade, tranquilidade e capacidade de acolhimento das crianças. Essas características evidenciam a concepção de docência como uma profissão que demanda sensibilidade e aspectos subjetivos, muitas vezes confundidos com um dom, uma vocação nata, mas que na verdade, são habilidades pessoais que podem e devem ser adquiridas, diante das exigências propriamente profissionais. Outra questão importante surge da relação da maternagem e do trabalho doméstico no que se refere à dificuldade em separar a casa da profissão, como visto em Cerisara (2002) que, trazendo contribuições das autoras Rosemberg e Amado (1992), encontra a afetividade e o amor no discurso, na justificativa pela escolha da profissão e na prática pedagógica, o que também esteve presente nos depoimentos das professoras da nossa pesquisa. Existem teorias que defendem que a afetividade é algo negativo e que de certa forma exclui a competência profissional do indivíduo. Entretanto, Cerisara (2002) destaca alguns questionamentos importantes acerca dessa questão: Necessário se torna entender essa discussão, para a especificidade do trabalho realizado nas instituições de educação infantil, na seguinte perspectiva: não terá a afetividade um papel fundamental na construção das relações entre adultos e crianças em instituições de educação infantil sem atividades que incluam a maternagem e práticas ligadas ao trabalho doméstico? Serão essas atividades excludentes da competência profissional? (CERISARA, 2002, p.56). 85 De acordo com os questionamentos da autora, observa-se que nem sempre o fato de agir com dedicação e afetividade exclui a competência ou qualificação para o trabalho. Entretanto, não obstante o saber da prática se faz importante separar esses dois papeis, o de profissional do de mãe, o que só é possível com formação e elementos teóricos que venham a definir e sistematizar o trabalho na instituição. Nesse sentido, nos preocupa o fato da formação inicial e continuada não terem sido citadas como pontos fundamentais para exercer a profissão. Para elas a mudança mais relevante na passagem de auxiliar para professora foi basicamente a alteração no salário e na carga horária de trabalho que foi reduzida de 40 horas para 20 horas e não a formação adquirida nos cursos que elas realizaram, seja ele o ensino médio na modalidade normal ou a pedagogia. Isso se dá pelo fato de não ter tido mudanças na sua atuação como professora, muitas das atividades que elas exerciam antes de se tornarem professoras regente elas continuam fazendo, agora elas tem uma responsabilidade maior, uma autonomia maior e uma qualificação, mas continua exercendo o mesmo trabalho que necessita das características citadas por elas como: afeto, o carinho, a paciência, a criatividade entre outras características. Como vimos no primeiro capítulo, historicamente, o profissional das creches se constitui e é marcado pelas características, que associa o pendor feminino para a maternidade com as expectativas que a sociedade nutre em relação a esses profissionais. Por outro lado, as instituições de EI se caracterizam, inicialmente como espaços de guarda da criança, com preocupação voltada apenas para a alimentação, higiene e segurança. De acordo com Kuhlmann Jr (2000), o atendimento em creche voltado para as crianças pobres, considerado como dádiva ou favor, implicava uma educação para a subordinação, voltada para a resignação da condição social. Campos (1994), ao descrever a dupla identidade que historicamente caracterizou a educação infantil, assinala a necessidade de uma “concepção integrada de desenvolvimento e educação infantil, que não hierarquize atividades de cuidado e educação e não as segmente em espaços, horários e responsabilidades profissionais diferentes” (CAMPOS, 1994, p. 38). No presente trabalho foi possível perceber que as professoras em seus depoimentos separavam essas duas dimensões pela diferença no cargo que elas 86 ocupavam anteriormente, como auxiliar. Elas disseram que antes somente cuidavam das crianças e atualmente cuidam e fazem o trabalho de educar. Isso se dá pela própria história da creche no município, que antes era ligada à Secretaria de Promoção Social com objetivo assistencialista, e a partir de 1994 passou a integrar a Secretaria de Educação, ampliando o caráter desta instituição para além da assistência, envolvendo também o objetivo educativo. De acordo com (SAYÃO apud GALVÃO e BRASIL, 2009), ainda persistem dúvidas, indefinições e ambiguidades sobre o perfil desse profissional. Os autores afirmam que definir o perfil ideal do professor da educação infantil não é fácil, assim como não é tão simples eleger o que seriam os conteúdos e práticas para organizar a formação inicial do profissional que irá atuar nesse nível educacional. (ROCHA apud GALVÃO e BRASIL, 2009), explica que a definição do papel do professor de crianças pequenas constitui parte importante na construção de uma pedagogia da educação infantil. Esse termo é utilizado pela autora para designar uma pedagogia com o corpo, procedimentos e conceituações próprias para essa etapa da educação. Dito de outra forma, a pedagogia da educação infantil define especificidades e complexidades da Educação desde a mais tenra idade. Vale lembrar que as instituições de educação infantil têm características próprias que as diferenciam dos outros segmentos. Oliveira-Formosinho (2005) diz que a docência, na educação infantil, caracteriza-se por alguns aspectos similares e outros diferenciadores da docência nas demais etapas educacionais. As dimensões do educar e do cuidar, próprias da função do professor de crianças pequenas, podem ser consideradas ações que assinalam uma especificidade do trabalho na educação infantil. (BONETTI apud GALVÃO e BRASIL, 2009) afirmam que o reconhecimento desses profissionais como professores somente se efetivará se for considerada a especificidade que caracteriza o trabalho nesse início de vida escolar. De forma sintética, as professoras de creche necessitam de características profissionalizantes, ou seja, de competências e habilidades que não são decorrentes da “natureza” feminina, mas sim construídas no processo formativo e no exercício profissional da docência. Assim, todas as características apontadas por elas são entendidas como uma condição necessária à realização da docência, todavia, esta não pode ser entendida como condição antagônica à formação cientifica. 87 Dialogando com os documentos oficiais da educação infantil como o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RFP/1998, podemos perceber que ele indica que “[...] além da dimensão objetiva e racional, há uma dimensão subjetiva e afetiva na atuação profissional do professor” (MEC/SEF, 1998, p. 58), para atuar referendando valores em sua atuação, capazes de manejar a complexidade e resolver problemas do ato educativo, que ao mesmo tempo (espera-se) seja capaz de distanciar-se para compreender as relações interpessoais nas quais está envolvido. Este documento destaca ainda, que as várias dimensões de atuação, que exigem um perfil que une o racional e o afetivo, reconhecem que a docência é, ao mesmo tempo, uma atividade intelectual e uma atividade técnica; uma atividade moral e uma atividade relacional. Oliveira-Formosinho e (2008) completa afirmando que o papel das professoras de crianças pequenas é, em muitos aspectos, similar ao papel de outros docentes, mas é diferente em muitos outros. É esta diferenciação que dá sentindo a uma profissionalidade especifica da professora de infância. As professoras precisam entender que a sua docência é reconhecida através de um trabalho qualificado, em sua concreticidade e especificidade e não como um trabalho abstrato, uniformizado e subordinado à sua dimensão quantitativa. Enfim, as análises de estudiosos da educação infantil no Brasil, sobre o perfil profissional que vem se consolidando, revelam que não basta ao adulto gostar e apenas cuidar das crianças. Ao contrário, passa por uma forma de atendimento por um profissional de quem se exige formação específica para o trabalho com as crianças. Entretanto, o discurso da formação e da qualificação precisa ser pensado, de forma que o professor reconstrua uma identidade profissional que valorize o seu papel de professores de redes de aprendizagem, de mediadores culturais e de organizadores de situações educativas (NÓVOA, 2008). III.4 A relação da identidade profissional e a identidade da instituição que o sujeito está inserido Sendo a identidade o resultado de uma relação dialética permanente entre o indivíduo, os outros e o meio em que se insere, não podemos ignorar que o contexto social e as características das creches comunitárias interferem diretamente na identidade 88 profissional do docente. Como corrabora Dubar (1997a) a identidade se estabelece precocemente como resultado de uma socialização entendida como interiorização do social, e as teorias da construção social da realidade, nas quais a identidade é um processo contínuo, ou seja, uma construção, que decorre das interações dos indivíduos com os contextos socialmente estruturados. Como já foi dito anteriormente, "não se faz a identidade das pessoas sem elas e não se pode dispensar os outros para forjar a sua própria identidade" (DUBAR, 1997a, p. 110). Com efeito, a construção da identidade profissional é definida pelo autor como uma dupla transação, ou seja, convocando duas transações em simultâneo: uma transação interna e uma transação externa. A transação interna (subjetiva ou biográfica) estabelece-se, no indivíduo, entre a necessidade de salvaguardar uma parte das suas identificações anteriores (identidades herdadas) e o desejo de construir para si novas identidades no futuro (identidades visadas); a transação externa (objetiva ou relacional) estabelece-se entre o indivíduo e o ambiente, as instituições ou outros com os quais entra em interação. Machado (2003) ressalta que a identidade no trabalho está diretamente relacionada ao desenvolvimento de papeis, pois é neste processo que as pessoas constroem sua identidade. A identidade no trabalho se dá pela identificação, por parte do indivíduo, com o trabalho que realiza, com a empresa (no caso a escola) em que trabalha e com a trajetória desta, processando-se nos níveis afetivo e cognitivo. Em termos cognitivos, assimilando a mentalidade do grupo de que faz parte, das regras e normas, e, em termos afetivos, estabelecendo relações com o espaço e as pessoas deste grupo. Nesse sentindo, pela própria especificidade da creche comunitária, não podemos deixar de abordar como as professoras das creches constroem a identidade profissional imbricada com a identidade institucional. Ou seja, as professoras constroem suas identidades profissionais gradativamente nas relações cotidianas, num processo de contínua transformação, e que se consolida ao longo do tempo e assim não se pode perder de vista a instituição creche a qual essas professoras fazem parte. Na fala das professoras percebe-se que elas têm um sentimento de pertencimento a creche, elas demonstram ter uma aproximação afetiva e emocional com a organização 89 institucional. Assim, foi possível verificarmos que a identidade profissional é também construída no espaço da creche, na representação daquela instituição para o indivíduo. Percebe-se tal fato pelas narrativas, na qual elas buscaram na memória momentos passados, falaram do surgimento da creche, das dificuldades que as creches já passaram, das lutas e conquistas. O que ficou muito forte pela entrevista da Claudia que está na creche desde o seu surgimento. Tem 14 anos que eu trabalho aqui. Todo esse tempo eu sempre trabalhei aqui desde quando a creche surgiu. Passa um filme na minha cabeça, tivemos tempos difíceis, a creche pertencia a associação de moradores do Jacaré, tivemos algumas dificuldade com o espaço porque o presidente não quis mais ceder o lugar para creche, nós fomos para a igreja Batista. Eu e a diretora fizemos a pesquisa das famílias, fizemos as inscrições das crianças. Abrimos a creche. Eu ajudei em todo o processo com ela... [CLAUDIA]. A fala da professora explicita a identificação com a creche ao longo do tempo. Quando ela coloca que “passa um filme na minha cabeça” e “todo esse tempo que trabalhei aqui”, demonstra que a lembrança está vinculada à sua participação na instituição, contribuindo para a construção de sua própria identidade. Existe um sentimento de participação e realização ao longo do tempo. De acordo com Machado (2003) quanto maior o tempo que o indivíduo está dentro de uma organização institucional (no nosso caso a creche comunitária) maior será sua influência sobre a identidade do indivíduo. Além do mais, relatar as mudanças da creche foi importante para ela, já que ela foi um dos autores no processo de mudanças. A construção da identidade também envolve o futuro, ou seja, a forma que a professora Claudia fala da sua permanência na creche mostra o seu interesse em continuar na creche. “Gosto de trabalhar aqui. Desde quando me formei eu pretendia continuar trabalhando aqui.” Todavia, é provável que a permanência signifique também identificação com aquele contexto organizacional específico em que se permanece, ou seja, ela já passou por várias funções dentro da creche “Nesse tempo que já passei eu fui auxiliar, professora, eu fui diretora, e hoje eu sou pedagoga”. Já a professora Adriana ao falar da sua permanência na creche diz: Pretendo continuar trabalhando aqui e também quero muito me formar em curso de graduação. Existe uma vinculação explícita entre o projeto de futuro, que inclui a formação 90 superior, e a ideia de aprimoramento das atividades executadas na creche em que trabalha. A fala da professora Marcia e Sonia também demostram um sentimento de pertencimento ...eu gosto muito daqui, me sinto útil. E a gente aprende muita coisa, adquire uma bagagem muito boa. Tenho muita coisa a oferecer, me considero muito útil [MARCIA] Eu gosto muito de trabalhar aqui, eu amo o trabalho que eu faço, gosto de ficar com as crianças...[SONIA]. Elas se reconhecem como parte da creche. Como já discutido, o foco identitário é sempre individual, e, posteriormente pode ser estendido ao ambiente de trabalho. Existe uma identificação com o trabalho, no qual as emoções estão presentes. Falar que se sente útil não deixa de ser uma expressão de consciência de sua contribuição profissional para o alcance dos objetivos da creche. A imagem da creche também é relatada por uma das professoras entrevistadas, ao falar da sua chegada à comunidade, ela relata como se assustou com a violência (nesse momento ela pediu para desligar o gravador) e diz que a comunidade ganha muito com o trabalho da creche. Nesse depoimento percebe-se como a entrevistada enxerga a creche, acreditando possuir uma grande importância e contribuição para a comunidade local. Todos esses depoimentos demonstram a identificação dos sujeitos com a creche em que trabalham. O que nos faz levantar duas hipóteses: primeira é o fato de todas elas pertencerem a comunidade que a creche está situada e pela oportunidade de trabalho concedida a elas. A segunda hipótese é por ser uma instituição privada, ou seja o lugar do qual elas falam interfere na posição delas. Portanto, ao serem questionadas sobre os pontos negativos do trabalho elas não ressaltaram nada referente ao ambiente da creche, não falaram do baixo salário e nem da precarização do trabalho. Elas destacaram: a correria do dia a dia, a família das crianças e a carência das crianças. Eu sou uma pessoa que me cobro muito, às vezes eu levo trabalho para casa, levo relatório de alunos para ler em casa [CLAUDIA] 91 (...) negativo é que a gente às vezes não é reconhecido pelos pais [MARCIA] Negativo é a pouca participação dos pais, praticamente não tem. A gente fez uma reunião com os pais e só teve a presença de dois pais, isso é bastante frustrante, eu acho importante a presença deles, as crianças tem que ver os pais ali. As crianças reclamam comigo e eu acho isso muito chato! [LIVIA] Negativo mesmo não tem muito, acho que às vezes é um pouco difícil de lidar com os pais (...) [SONIA] As falas das professoras são diferentes de muitos professores da rede pública, que por ter um vínculo de trabalho diferenciado das demais elas demonstram com mais facilidade a insatisfação em relação ao magistério e ao trabalho. Como apontado pelos estudos de Pinto (2009) que destacou que os professores de educação infantil da rede pública têm reclamado da intensificação do trabalho, do baixo salário, da rotatividade de professores, da falta de recursos pedagógicos e outros. Autores como Souza (2011); Oliveira (2004); Esteve (1992) e outros também têm demonstrado a insatisfação dos professores com o trabalho. Segundo Souza (2011), os professores são pressionados permanentemente para melhorar suas performances, e consequentemente da escola, há uma tensão entre as responsabilidades e o aumento do ritmo de trabalho no qual, muito professores estão insatisfeitos com o trabalho docente. Entendemos que o silêncio do professor em relação aos pontos negativos, pode estar associado ao local que ele está inserido. Concordamos com Polack (1989) quando ele diz: As fronteiras desses silêncios e "não-ditos" com o esquecimento definitivo e o reprimido inconsciente não são evidentemente estanques e estão em perpétuo deslocamento. Essa tipologia de discursos, de silêncios, e também de alusões e metáforas, é moldada pela angústia de não encontrar uma escuta, de ser punido por aquilo que se diz, ou, ao menos, de se expor a mal-entendidos (POLACK, 1989, p. 6). Para Nóvoa (1995a) a construção da identidade profissional do professor se entrecruza com a dimensão pessoal, a linha de continuidade que resulta daquilo que ele é, com os trajetos partilhados com os outros, nos diversos contextos de que participa. Daí a importância de considerar os espaços e as situações de reflexão partilhada como facilitadores do desenvolvimento pessoal e profissional e a necessidade de aprofundar os seus efeitos formativos [...] (NÓVOA, 1995a, p.161). 92 Segundo o autor, a constituição da identidade profissional do educador se dá por um processo de socialização, o qual mescla a apropriação de competências profissionais para exercer a função, mas também as normas e valores que regulam tanto a função quanto o desempenho do papel deste educador. Mais uma vez se afirma que não é possível separar o eu profissional do eu pessoal para o educador, uma vez que a profissão esta impregnada de valores e ideais. 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas leituras teóricas, realizadas para a pesquisa, sobre a história da infância e legislações reconhecemos o quanto se avançou em relação às políticas destinadas às crianças pequenas. As mudanças na história deste atendimento apontam novos rumos. O atendimento destinado às crianças em creches e pré-escolas passa, cada vez mais, a ser objeto de estudos e pesquisas, tornando-se foco de políticas educacionais. Considerando a complexidade da educação infantil e a impossibilidade de tratála adequadamente em um espaço limitado, escolhemos aqui a questão da formação do profissional de creche conveniada e a construção de sua identidade profissional. A qualificação do profissional da educação infantil tem se tornado um dos temas atuais mais discutidos dentre as temáticas relacionadas ao cuidado e educação de crianças pequenas. Aspectos ligados à regulamentação, à identidade profissional, à estrutura e aos conteúdos necessários para o exercício do trabalho desse profissional assumem novos contornos, ganhando destaque nas pesquisas e espaços de defesa de uma educação infantil de qualidade. A garantia do direito ao atendimento das crianças na educação infantil só é possível se contemplar a qualidade de suas instituições, o que está inteiramente relacionado à formação de seus profissionais. Atualmente, é na construção de uma política para a formação de profissionais de creche que se situam os maiores desafios da educação infantil no momento atual, ou seja, na tradução das leis em realidade concreta. Na legislação brasileira foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que creches e pré-escolas foram garantidas como um dever do Estado. Na LDB de 1996, este direito foi reafirmado. Compreender como este direito vem sendo assegurado às crianças que estão na creche no município de Niterói foi o percurso que realizamos neste estudo o qual escolheu como caminho a construção da identidade profissional dos professores de creche conveniadas que atuam diretamente com as crianças de pequenas. Esta situação nos instigou a compreender as políticas de conveniamento da Fundação Municipal de Educação de Niterói com entidades privadas comunitárias que prestam serviços educacionais a crianças de 0 a 6 anos. Neste município há cerca de vinte anos, convênios são firmados com creches, realidade que está em consonância com o que vem acontecendo no Brasil. O município de Niterói evidenciou o 94 desenvolvimento desta modalidade de atendimento em detrimento das instituições públicas, principalmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. No caso da educação infantil de Niterói, dados da FME de Niterói nos mostram que o gasto com o quadro de pessoal em uma creche comunitária é bem menor que os gastos em uma creche municipal, caracterizando um atendimento de baixo custo para os cofres públicos do munícipio. Esta realidade é destacada por Oliveira (1995), quando afirma que o serviço público (na educação e na saúde) e, no caso aqui analisado, na educação infantil, não cumpre integralmente suas funções porque os investimentos nesta área situam-se sistematicamente em patamares inferiores ao necessário pela qualidade do serviço ofertado. Portanto, a ação destas instituições comunitárias em Niterói, prestando serviços de responsabilidade do Estado, caracteriza‑se também como uma política de atendimento que coexiste com a política pública municipal. Do ponto de vista da profissão docente, buscamos compreender os processos vivenciados pelas professoras de creche na construção da identidade profissional. Queríamos compreender os sentidos que elas atribuíam ao próprio trabalho, investigando os motivos que as levaram a se inserir e permanecer naquela atividade. Fizemos isso buscando analisar a trajetória profissional dos professores, considerando os processos de formação e suas escolhas profissionais, além de analisar se existia uma imbricação entre a identidade profissional e a identidade institucional. A natureza complexa da temática escolhida exigiu uma reflexão que considerasse a profissão docente em perspectiva histórica e em seus diversos contextos - a própria creche, as legislações, as lutas, os conflitos; os elementos da subjetividade - os valores, as expectativas e os desejos em relação à profissão e à função social; e os seus condicionantes, atentando-se para as marcas, as diferenças e as semelhanças presentes nesse campo profissional. Desde o início do trabalho, nós partimos do pressuposto de que toda ação humana é investida de sentidos, que as identidades profissionais são um processo dinâmico que considera o sujeito em seus contextos, no interior dos quais experimentam situações e relações que possibilitam uma interpretação da realidade e de sua própria experiência, o que implicou ter como base os estudos de Dubar (1997a), que atribui esta 95 constituição ao processo biográfico e relacional. Impôs considerar, portanto, as condições objetivas e subjetivas presentes nas relações sociais e de trabalho dos/das profissionais de ensino. Indagamos as professoras sobre a inserção e permanência na creche, bem como investimento na própria formação. Vimos que as trajetórias das professoras são diversas e se confundem com as histórias de atendimento à infância. Nem todas as educadoras que hoje estão nas instituições comunitárias tinham como projeto ser professora. Elas passaram a ser absorvidas porque tinham uma história próxima ao próprio significado dado por uma instituição destinada ao atendimento de mulheres pobres, que tinham filhos e precisavam trabalhar. A creche comunitária apareceu como um lugar atrativo para os professores, a inserção na carreira docente é vista por eles como uma oportunidade de ascensão social, por meio da qual elas esperam superar as dificuldades financeiras. Elas exercem atividades no interior da creche que demandam capacidade de organização, coordenação e responsabilidade. Desse modo, essas professoras tiveram, ao longo de suas trajetórias nessas instituições, a oportunidade de reconhecer, pouco a pouco, suas possibilidades e perceberem o trabalho como um tempo e espaço de dignidade, capaz de trazer uma valorização sócio profissional. O olhar do outro, a socialização com os colegas de trabalho e a parceria de trabalho também foram fundamentais para o auto-reconhecimento e inserção na cultura profissional, uma vez que, é nas relações sociais que os sujeitos se conhecem se reconhecem, se sentem seguros (ou não) e constroem suas identidades. Ao descreverem suas trajetórias no interior da creche, elas relacionaram a complexidade das funções que iam assumindo com as avaliações de suas colegas e coordenadoras, afirmando que foi nesse processo que descobriram ser capazes de assumir funções que demandavam a capacidade de criar, de organizar, de avaliar e de realizar suas atividades na sala de aula. Tardif (2002), alerta para uma articulação entre os aspectos sociais e individuais no contexto mais amplo do estudo da profissão docente, defendendo que, uma vez que os professores possuem uma formação comum e trabalham na mesma instituição, estão sujeitos a condicionamentos e recursos comparáveis e suas práticas ou representações somente ganharão sentindo quando colocadas em destaque em relação à situação coletiva de trabalho, ou seja, envolvendo o processo de socialização, em que certos 96 saberes são interiorizados, adaptados, modificados ou definidos ao longo da carreira profissional. A creche revelou-se na pesquisa como um lugar onde se tem um sentimento de pertencimento, as professoras demonstraram ter uma aproximação afetiva e emocional com a organização institucional. Ao falarem da história da creche e da importância desse espaço para a comunidade elas demonstraram que a identidade profissional é construída também no espaço de trabalho, na representação daquela instituição para o indivíduo. Sendo possível perceber que enquanto uma instituição comunitária, as creches representam para as pessoas que ali trabalham um espaço de reflexão sobre as demandas da comunidade e sobre as condições de vida da população atendida. Segundo Nóvoa (1992) a identidade profissional é uma identidade social ancorada nas representações, práticas e saberes profissionais, que depende do contexto de exercício profissional. Uma questão discutida no capítulo IV e de fundamental importância ao se tratar de educação infantil é a questão da afetividade, por ser inerente à relação humana e ainda mais intensa quando se trata da criança pequena. Quando questionava nas entrevistas sobre o que acreditavam ser fundamental na sua atuação me diziam, sem exceção, que o principal era o amor e a emotividade no trabalho e muitas vezes e para muitos autores, essa afetividade exclui a competência na profissão, “se opõe à racionalidade e à objetividade a que se convencionou associar aquilo que é profissional” (CERISARA, 2002, p.105). Entretanto, defendo que ser profissional e competente não exclui a emoção e o afeto, é necessário manter um equilíbrio, não só a competência e a formação, mas também não se enfatizar somente o “jeito”, o amor, pois assim, de acordo com Kramer: (...) acaba-se por aceitar pessoas com pouca ou nenhuma formação, o que leva a uma baixa remuneração e uma alta rotatividade, pois não há perspectivas em termos de carreira. (KRAMER, 2005, p. 222). Ao tratar da questão da formação, Kramer (2005 p. 223) defende e eu aqui reafirmo, que “a história vivida é preciosa, a teoria, os estudos, as discussões se misturam, se costuram aos conhecimentos vivenciais, aos saberes que vêm da prática”. Dessa forma, todos os espaços devem ser considerados como espaços de formação, não 97 só o acadêmico, mas a formação política, a formação em cada instituição e a formação cultural. Concluindo, esta pesquisa não teve a pretensão de esgotar o estudo desta temática e considerando-se as suas limitações, aponta para a necessidade de maiores discussões a respeito da identidade no campo profissional na creche. Pesquisas a respeito das identidades profissionais podem contribuir para a formulação de políticas públicas que tragam maiores contribuições para a construção da profissionalidade e de uma identidade docente que é singular e diferenciada dos demais níveis de ensino. 98 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M; KRAMER, S. “O Rei Está Nu”: Um Debate Sobre as Funções da Pré-escola. In: SOUZA, Solange Jobim; KRAMER, S. Educação ou tutela? A criança de 0 a 6 anos. São Paulo: Edições Loyola, 1991. ALBERTI, V. Ouvir e contar: textos em história oral. FGV. Rio de Janeiro. 2005 ALMEIDA. N. L. T. Educação e Infância na Cidade: Dimensões Instituintes da Experiência de Intersetorialidade em Niterói. 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Qual a instituição e como foi? Aspectos e professores marcantes nesta fase. 2) Graduação? Qual instituição 3) Queria ter feito outra graduação? 4) Como foi a escolha da profissão? 5) Como se deu a entrada na profissão? 6) Desde quando lenciona, desde quando na educação infantil? 7) Em que escola você trabalha? Qual a localização? Horário de trabalho? 8) O que mais contribuiu para sua formação para ser professora de educação infantil? 3) A experiência profissional 1) Quais são os aspectos positivos e negativos do seu trabalho? 2) Já participou de alguma atividade de formação continuada? Qual? Foi positivo? Explique. 3) Do tempo que você entrou na creche aos tempos atuais quais são as mudanças dignas de notas? 4) Como você acha que precisa ser o perfil de um professor de educação infantil? 5) O que você considera fundamental para desenvolver bem o seu trabalho? 107 Anexo 2- Termo de consentimento e livre esclarecido (TCLE) Carta de autorização Eu,___________________________________________________________ declaro para devidos fins que cedo os direitos de minha entrevista gravadam transcrita e autorizada, para leitura e uso com finalidade de estudo, para Arlene de Paula Lopes Amaral, a fim de ser usada integralmente ou em partes, sem restrições de prazos ou citações, desde a presente data. Niterói, ______________________ de 2013 ______________________________________________________________ CPF: 108 Anexo 3- Distribuição dos Polos CRECHE COMUNITÁRIA Polo 1 1- CC GERALDO CAVALCANTE (APADA) 2- CC JÓIAS DE CRISTO 3-CC N.S. APARECIDA 4- CC PROFª. LENILDA SOARES CUNHA 5- CC ROSALDA PAIM (UFF) Polo 2 6-CC INSTITUTO DR. MARCH 7-CC MADRE MARY MARCELINE -SAGRADA FAMÍLIA 8-CC SÃO LOURENÇO Polo 3 9-CC MACEIÓ 10-CC ERCÍLIO MARQUES Polo 4 11- CC CLÉLIA ROCHA 12-CC EULINA FÉLIX 13- CC ALARICO DE SOUZA Polo 5 14- C.C ANÁLIA FRANCO 15- CC CIDADE DOS MENORES Polo 6 16- CC BETÂNIA 17- C.C DOM ORIONE 18- CC CRIANÇA ESPERANÇA 19-CC CRISTO VIVE 20-CC IRMÃ CATARINA 21-CC JURUJUBA 22-CC KAIRÓS 23- CC MEDALHA MILAGROSA 24- CC SÃO VICENTE DE PAULO Polo 7 25- CC AMIGOS DO JACARÉ 26 CC BASÍLIO NEVES 109 27-CC CAFUBÁ 28-CC ESPERANÇA EM CRISTO 29-CC LIZETE MACIEL 30-CC MEIMEI 100 31-CC MINHA QUERÊNCIA 32-CC RECOMEÇAR UNIDADES ESCOLARES DE ENSINO FUNDAMENTAL Polo 1 1-E.M. ALBERTO FRANCISCO TORRES 2-E.M. AYRTON SENNA 3-E.M. PADRE LEONEL FRANCA 4- E.M. SANTOS DUMONT Polo 2 5- E.M. DJALMA COUTINHO 6- E.M. DOM JOSÉ PEREIRA ALVES 7- E.M. ERNANI MOREIRA FRANCO 8- E.M. JACINTA MEDELA 9- E.M. M. HEITOR VILLA LOBOS 10- E.M. NORONHA SANTOS 11- E.M. NOSSA SENHORA DA PENHA 12- NAEI VILA IPIRANGA Polo 3 13- E.M. ANTÔNIO COUTINHO 14- E.M. DEMENCIANO A. DE MOURA 15- E.M. JOSÉ DE ANCHIETA 16- E.M. MARIA DE L. B. SANTOS 17- E.M. PAULO FREIRE 18- E.M. RACHIDE DA G. SALIM SAKER 19- E.M. SEBASTIANA G. PINHO 20- E.M. VILA COSTA MONTEIRO Polo 4 21-E.M. BOLÍVIA DE LIMA GAÉTHO 22- E.M. DIÓGENES R. DE MENDONÇA 23- E.M. FELISBERTO DE CARVALHO 24- E.M. HELONEIDA STUDART 25- E.M. HONORINA DE CARVALHO 26- E.M. LEVI CARNEIRO 27- E.M. PROF. HORÁCIO PACHECO 28-E.M. SÍTIO DO IPÊ 110 29- E.M. VERA LÚCIA MACHADO Polo 5 30- E.M. ADELINO MAGALHÃES 31- E.M. ALTIVO CÉSAR 32- E.M. ANDRÉ TROUCHE 33- E.M. GOV. ROBERTO SILVEIRA 34- E.M. INFANTE DOM HENRIQUE 35- E.M. JOÃO BRAZIL 36- E.M. MESTRA FININHA 37- E.M. TIRADENTES Polo 6 38- E.M. HELENA ANTIPOFF 39- E.M. JÚLIA CORTINES 40- E.M. LÚCIA Mª SILVEIRA ROCHA 41- E.M. Mª ÂNGELA MOREIRA PINTO 42- E.M. PAULO DE ALMEIDA CAMPOS 43- E.M. PROF.ª ELVIRA L. E. DE VASCONCELOS Polo 7 44- E.M. EULÁLIA DA S. BRAGANÇA 45- E.M. FRANCISCO PORTUGAL NEVES 46- E.M. MARALEGRE 47- E.M. MARCOS WALDEMAR UMEIS Polo 1 1- UMEI ALBERTO DE OLIVEIRA 2- UMEI ANTÔNIO VIEIRA DA ROCHA 3- UMEI GERALDO MONTEDÔNIO 4- BEZERRA DE MENEZES 5- UMEI HILKA DE ARAÚJO PEÇANHA 6- UMEI PROFª DENISE MENDES CARDIA 7- UMEI VASCONCELOS TORRES Polo 2 8- UMEI JULIETA BOTELHO 9- UMEI MARILZA DA C. ROCHA MEDINA 10- UMEI PORTUGAL PEQUENO 11- UMEI PROF. ÍRIO MOLINARI 12- UMEI RENATA MAGALDI Polo 3 111 13- UMEI LUIZ EDUARDO TRAVASSOS 14- UMEI MARLY SARNEY 15- UMEI PROF. NILO NEVES 16- UMEI HERMÓGENES REIS Polo 4 17- UMEI ELENIR RAMOS MEIRELLES 18- UMEI GABRIELA MISTRAL 19- UMEI OLGA BENÁRIO 20- UMEI PROF.ª LISAURA M. RUAS Polo 5 21- UMEI PROF. IGUATEMI C DE ALC. 23- UMEI NEUSA BRIZOLA 24- UMEI ROSALINA DE ARAÚJO Polo 6 25- UMEI MARIA LUIZA SAMPAIO 26- UMEI PROF.ª MARGARETH FLORES Polo 7 27- UMEI DR. PAULO CÉSAR PIMENTEL 28- UMEI PROFª. ÁUREA T. P. DE MENEZES 29- UMEI ODETE ROSA DA MOTA