Artigo - INSS: uma gota no oceano - Por Walter Ceneviva - Jornal Folha de S. Paulo
O cartório não é o principal responsável por informar a morte dos pensionistas ou
beneficiários ao INSS
Walter Ceneviva
O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ameaçou cartórios do registro civil do
Brasil de cobrar deles benefícios e pensões que o órgão previdenciário tem pago a
pessoas já mortas. O INSS diz ter quitado tais benefícios por falta de atualização de
dados que aqueles registradores lhe deveriam ter comunicado.
Esclarece mais que detectou 8.000 omissões em quase igual número de municípios.
Sendo possivelmente (não tenho estatística a respeito) o órgão da administração
que mais tem frequentado as manchetes em matéria de golpes contra o dinheiro
público (lembramos a fortuna que uma senhora fluminense desviou dos cofres
previdenciários), fica a dúvida sobre os motivos da divulgação esdrúxula.
O valor reclamado é ridículo: R$ 100 mil, em um INSS cujo deficit até dois meses
atrás beirava os R$ 6 bilhões. Se a cobrança pelos supostos óbitos não
comunicados desse certo, seria uma gota no oceano.
Esclarecendo a obrigação legal, saiba o leitor que os cerca de 8.000 serviços
brasileiros do registro civil devem efetivamente enviar ao INSS, em cada mês
vencido do ano-calendário, a relação dos óbitos registrados no mês anterior.
Ignorada a morte, as pensões continuam a ser depositadas indevidamente.
Contudo, mesmo que algum oficial do registro civil tenha falhado no preenchimento
dos formulários mensais, o INSS não terá direito de cobrar dele o valor creditado
em favor do "de cujus""(nome pelo qual os juristas indicam o falecido).
Há duas razões para a convicção de que se trata de uma gota de água em altomar. A informação dos cartórios é apenas uma das fontes pelas quais o INSS sabe
que seu pensionista ou beneficiado faleceu, pois seu nome sai da lista dos
empregadores públicos e privados.
Tanto que, de tempos em tempos, o INSS tem determinado renovação das
inscrições de beneficiários e pensionistas, a confirmar o caráter supletivo dos
cartórios. Há mais: a informação era originariamente endereçada ao IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), a evidenciar que os cartórios não eram fonte
essencial para esse fim.
Em segundo lugar, a contribuição patronal faz do empregador o primeiro elo do
débito, quando não recolhe contribuição em nome do empregado morto.
O obrigado essencial não é o cartório do registro civil. A ordem sucessiva das
responsabilidades impede que o INSS (por um problema interno) queira pôr o
registrador na roda. A desorganização está no órgão previdenciário.
Tudo isso sem considerar a balbúrdia jurídica gerada pelo Legislativo no
regulamento da previdência. Se o leitor quiser ter ideia do que se passa, sugiro
que, na página legislativa do INSS ou da Presidência da República, confira as
alterações da lei n.º 8.212, a partir de 1991.
A omissão ou o erro do registrador, na remessa mensal ao INSS, sujeita-o à multa
ou à punição disciplinar, mas não a substituir o patrão devedor. Não tem
solidariedade jurídica com o empregador.
A oportunidade é boa para que a administração verifique se as diferenças, que
agora quer cobrar aos registradores, não estão no bolso de mais um "sócio" do
INSS, repetindo moldes conhecidos. O nó górdio do problema está nesse ponto.
Não nos registradores civis, os primos pobres do universo registrário.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo
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