UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ASPECTOS RELEVANTES DO DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO Por: Márcio Muniz da Silva Carvalho Orientador Profª. Claudia Tannus Gurgel do Amaral Rio de Janeiro 2008 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ASPECTOS RELEVANTES DO DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO Apresentação Candido de Mendes monografia como à requisito Universidade parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Público e Tributário. Por: Márcio Muniz da Silva Carvalho 3 AGRADECIMENTOS A todos os professores do Instituto “A Vez do Mestre”, que engrandeceram a minha formação jurídica e humanista. À professora e orientadora Claudia Gurgel, pela revisão geral do texto e pelas sugestões dadas ao longo de todo o desenvolvimento deste trabalho acadêmico. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu grande amor, amiga, companheira e esposa Marise, que deu significado à minha vida. Também à minha pequena e amada Julia, pela alegria que trouxe ao nosso lar. E aos meus pais, José Luiz e Cleyde, pela fonte de inspiração e admiração eterna. 5 RESUMO Este trabalho tem por objetivo abordar os aspectos mais relevantes do delito de lavagem de dinheiro e seus efeitos na sociedade. Partindo da origem dessa expressão e das etapas envolvidas no processo de reciclagem de ativos, serão apontados os setores e atividades mais visados, analisando-se as conseqüências dessa prática e o impacto que esse tipo de criminalidade gera nos setores econômico e financeiro do país. Ao longo do presente estudo, tratar-se-á especificamente acerca das atividades ilícitas que caracterizam a chamada “lavagem” de capitais, detendose na análise de suas peculiaridades, técnicas e fases para, a partir daí, discutir as principais questões penais e processuais que decorrem da sua incriminação pelo legislador, dentre as quais podemos citar: o bem jurídico protegido, os sujeitos do delito, a participação criminosa, a consumação e a tentativa, os efeitos da condenação, o rito procedimental, abordando esses temas à luz das modernas teorias e seus desdobramentos práticos. 6 METODOLOGIA O trabalho se desenvolverá de forma dissertativa, através de pesquisa bibliográfica, apoiada na doutrina, na legislação específica sobre a matéria, bem como na jurisprudência emanada dos tribunais brasileiros. O objeto de estudo será o crime de lavagem de dinheiro, suas origens, possíveis causas, evolução histórica e disciplina legal no direito brasileiro. O principal diploma legal analisado será a Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. O Código Penal, o Código de Processo Penal e outras leis penais extravagantes poderão ser utilizados como subsídio para o estudo do tema central que é a lavagem de capitais. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO 1 – ORIGENS HISTÓRICAS 10 1.1 – O Crime Organizado 10 1.2 – A Expressão “Lavagem de Dinheiro” 12 1.3 – As Etapas da Lavagem 14 1.4 – A Lei Brasileira de Combate à Lavagem 16 1.5 – A Evolução Legislativa Sobre o Tema 18 CAPÍTULO 2 – ASPECTOS PENAIS 20 2.1 – Bem Jurídico Protegido 20 2.2 – Sujeitos do Delito e Concurso de Crimes 21 2.3 – Tipo Subjetivo 22 2.4 – Consumação e Tentativa 23 2.5 – Delação Premiada 25 2.6 – Efeitos da Condenação 27 CAPÍTULO 3 – QUESTÕES PROCESSUAIS 29 3.1 – Rito Procedimental 29 3.2 – Juízo Competente 30 3.3 – Autonomia do Crime de Lavagem 32 3.4 – Requisitos da Denúncia 34 3.5 – Liberdade Provisória 35 3.6 – Restrição ao Direito de Apelar em Liberdade 37 CONCLUSÃO 39 BIBLIOGRAFIA 41 ÍNDICE 42 FOLHA DE AVALIAÇÃO 43 8 INTRODUÇÃO A cobiça, a ganância, o desejo de poder, a busca pelo luxo e pela riqueza são fatores motivadores da atividade criminosa. Superada a primeira etapa, qual seja, a consumação dos crimes que concretizam tais desideratos, e assegurada a obtenção do produto dessas atividades criminosas, o passo seguinte consiste em arranjar uma forma de usufruir, com segurança e tranqüilidade, dos ganhos ilegais, legitimando-os. Assim, a questão do aproveitamento dos ativos oriundos da atividade criminosa é tão antiga quanto a própria prática de crimes. A lavagem de dinheiro, então, pode ser vista como o objetivo final do crime organizado, pois ninguém se organiza em quadrilha, adquirindo grandes somas de recursos financeiros, para guardar o dinheiro embaixo do colchão. A atenção conferida ao crime de lavagem de dinheiro vem crescendo no Brasil, seguindo-se uma tendência mundial. Esse fato é fruto da constatação de que um dos modos mais eficientes para combater a criminalidade grave, especialmente o crime organizado, o tráfico de entorpecentes e armas de fogo, bem como a corrupção, é punir a lavagem do produto ou dos proveitos de tais delitos. Afinal, o crime floresce apenas se a atividade criminosa tiver condições de se autofinanciar. Com a criminalização da lavagem, tem-se a expectativa de impedir que os criminosos possam fruir do produto de sua atividade, interrompendo, dessa forma, esse círculo vicioso. No Brasil, um grande passo no combate à lavagem de dinheiro foi dado com a aprovação da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. O presente estudo procurará destacar o que há de mais relevante nesse diploma legal, e na forma como o direito brasileiro disciplinou a matéria. O objetivo é tratar especificamente das atividades ilícitas que caracterizam a chamada “lavagem” de capitais, detendo-se na análise de suas peculiaridades, técnicas e fases 9 para, a partir daí, discutir as principais questões penais e processuais que decorrem de sua incriminação pelo legislador. No Capítulo I, será feita uma abordagem histórica acerca das origens da lavagem de capitais, analisando-se a evolução no tratamento e no combate a esse tipo de criminalidade, e de que forma a disciplina legal relativa à matéria foi introduzida no direito brasileiro. No Capítulo II, serão abordados os aspectos penais mais relevantes no estudo da disciplina jurídica da lavagem de dinheiro, tal como foi concebida no Brasil. Partindo da Lei nº 9.613/98, serão analisadas questões penais tais como: o bem jurídico protegido; os sujeitos do delito; a estrutura do tipo penal; consumação e tentativa; a delação premiada; os efeitos da condenação, dentre outros temas, analisados à luz das modernas teorias e seus desdobramentos práticos. No Capítulo III, far-se-á uma analise das questões processuais mais importantes no desenrolar da persecução criminal relativa aos delitos de lavagem de capitais. Serão abordados temas como: o rito procedimental; o juízo competente; a autonomia do crime de lavagem; os requisitos da denúncia; a liberdade provisória; a possibilidade de apelar em liberdade, dentre outras questões ligadas ao processo penal por crime de lavagem de dinheiro. Ao final, serão apresentadas as conclusões a que se chegou durante o desenvolvimento do presente trabalho, fruto de uma análise crítica acerca dos temas que foram objeto de estudo envolvendo o tema proposto. 10 CAPÍTULO 1 ORIGENS HISTÓRICAS A lavagem de dinheiro é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. É antigo o costume utilizado por criminosos quanto ao emprego dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e de capitais obtidos mediante ação delituosa. Trata-se de uma conseqüência caracterizadora do avanço da criminalidade em múltiplas áreas1. A partir deste posicionamento poderemos traçar algumas linhas gerais sobre seus antecedentes históricos. 1.1 – O Crime Organizado Nos Estados Unidos da América – primeiro Estado a criminalizar a prática de lavagem de dinheiro – um grande avanço na criminalidade organizada iniciou-se durante a vigência da chamada “Lei Seca”. Uma legislação federal (Volstead Act) da década de 1920 proibiu a fabricação, a venda e o transporte de bebidas alcoólicas. Enquanto esteve em vigor, essa legislação possibilitou não só a criação e o desenvolvimento de incontáveis organizações criminosas, como também propiciou a geração de um mercado de fornecimento de produtos e serviços ilegais que movimentava milhões de dólares. A proibição – resultante do conservadorismo e do puritanismo religioso que dominava a sociedade daquele país – criou o potencial para um enorme mercado ilegal de álcool, e durante esses anos a América assiste ao desenvolvimento em amplitude e poder das máfias2. 1 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 40. 2 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 26. 11 Foi nesse cenário que o destino de um personagem paradigmático daqueles tempos alertou os demais criminosos para a necessidade do desenvolvimento de novas técnicas de lavagem de dinheiro: Al Capone. Nascido em Nova York em 1899, filho de pais italianos, o conhecido criminoso assumiu o controle do crime organizado da cidade de Chicago, no final da década de 1920, enriquecendo especialmente com a venda de bebidas ilegais. Acabou sendo preso por sonegação fiscal após sofrer rigorosa investigação em suas declarações de renda. Capone acreditava erroneamente que a 5ª Emenda da Constituição Americana, que traz a garantia da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), o autorizava a omitir os ganhos oriundos de atividades ilícitas em suas declarações de rendimentos3. Menciona-se, também, o comportamento de outro norte-americano – Meyer Lansky –, apontado por muitos pesquisadores como sendo a figura central para o estudo da lavagem de dinheiro, visto que, sendo integrante de organização criminosa, atuava nos Estados da Louisiana e Flórida, bem como em Las Vegas, na área de jogos, tráfico de entorpecentes, corrupção de funcionários públicos etc., o qual passou a ocultar os lucros ilícitos em banco suíço, a partir de 19324. A utilização dos serviços suíços permitiu a Lansky incorporar uma das primeiras técnicas reais de “lavagem”: o empréstimo frio (loan-back), que significa que o dinheiro até aquele momento ilegal pode ser disfarçado por “empréstimos” concedidos por bancos estrangeiros, que podem ser declarados ao Fisco se necessário, inclusive com a obtenção de benefícios fiscais. 3 4 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 28. BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 40. 12 1.2 – A Expressão “Lavagem de Dinheiro” A expressão “lavagem de dinheiro” vem sendo utilizada para designar o dinheiro ilícito com aparência de lícito, ou seja, o dinheiro “sujo” transformado em dinheiro “limpo”, com a ocultação de sua verdadeira origem. Essa expressão foi usada inicialmente pelas autoridades norte-americanas para se referir à exploração de máquinas automáticas utilizadas para a lavagem de roupas por parte da máfia, que durante as décadas de 1920 e 1930 adquiriu inúmeros negócios lícitos para realizar a mescla dos lucros provenientes de suas atividades ilegais com as receitas oriundas das lavanderias5. Essa aparência de legitimidade dada ao dinheiro obtido por meios ilícitos tem denominações diferentes nas legislações penais dos diversos países. Em função do resultado da ação (tornar limpo, branquear), diz-se: blanchiment d’argent (França e Bélgica); blanqueo de dinero (Espanha); branqueamento de dinheiro (Portugal). Quanto à natureza da ação praticada (lavar), tem-se: money laundering (países de língua inglesa); lavado de dinero (Argentina); blanchissage d’argent (Suiça); riciclaggio di denaro (Itália)6. No âmbito judicial, a expressão “lavagem de dinheiro” (money laundering) foi empregada pela primeira vez em 1982, num Tribunal dos Estados Unidos, no curso de um processo que denunciava suposta “lavagem” de dinheiro originário de tráfico de cocaína colombiana7. Cabe ressaltar, contudo, que a lavagem de dinheiro não tem origem no narcotráfico; existe desde quando surgiram bancos internacionais e o crime organizado. No entanto, foi com a globalização do mercado financeiro internacional, com o narcotráfico e com o desenvolvimento tecnológico que aprimorou os meios de comunicação, tornando-os mais velozes, que a lavagem de capitais passou a 5 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 41. SILVA, César Antônio da. Lavagem de Dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 33. 7 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 44. 6 13 ter maior incremento. Em linguagem popular, costuma-se dizer que há três tipos de dinheiro fora do país: um é o dinheiro quente, que possui origem lícita comprovada; outro é o dinheiro frio, sonegado do governo, geralmente oriundo do caixa dois das empresas; e o terceiro é o chamado dinheiro sujo, cuja origem remonta ao produto de um ilícito penal. Em termos normativos, “lavagem” significa a transposição de uma metáfora. Simboliza a necessidade de o dinheiro sujo (manchado pelo crime) ser lavado por várias formas nos circuitos financeiros, para depois a estes retornar limpo, sem deixar rastro dessa origem criminosa, e com a aparência de lícito. Malgrado tenha se popularizado a expressão lavagem de dinheiro, a legislação brasileira inclui no mesmo cesto repressivo o combate à ocultação de outros ativos, como bens, direitos e valores. De fato, a lei sequer menciona expressamente o termo dinheiro, embora este se inclua, sem dúvida, como espécie do gênero bens. Feitas essas considerações, e ainda que o conceito de lavagem de dinheiro apresente inúmeras vertentes, pode-se compreendê-lo como sendo o processo ou conjunto de operações mediante as quais os bens ou valores resultantes de atividades delitivas são integrados no círculo econômicofinanceiro lícito, ocultando-se sua verdadeira procedência8. 8 PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 407. 14 1.3 – As Etapas da Lavagem Para aqueles que aumentam ou já aumentaram significativamente o seu patrimônio mediante a prática de crimes, torna-se urgente a necessidade de se legalizar os lucros de procedência criminosa, situação que se apresenta com maior vigor quando os delitos são praticados com freqüência, gerando ativos ilícitos periódicos, os quais não podem simplesmente ser legalizados pela via do consumo. Isso obriga às organizações criminosas acumuladoras de grandes quantidades de dinheiro sujo a encontrar vias que lhes permitam introduzi-lo no chamado circuito monetário, de modo que não se possa reconhecer sua verdadeira procedência. Assim, a lavagem de capitais passa necessariamente por um processo que busca cortar a relação existente entre o delito e os bens obtidos com essa conduta proibida, distanciando os bens de sua origem ilícita. A doutrina tem feito referência a essa série de atos, agrupando-os em três etapas destinadas a compor o processo de lavagem de dinheiro. São elas: colocação, dissimulação e integração. A colocação (placement), também chamada de introdução ou conversão, consiste na ocultação ou escamoteação dos ativos ilícitos, por meio da separação física entre os criminosos e o produto de seus crimes. Geralmente utiliza-se o sistema financeiro (bancos e financeiras, inclusive paraísos fiscais) e o sistema geral da economia (casas de câmbio, investimentos em operações de bolsas, transações imobiliárias, aquisições de jóias e obras de arte, etc.), com o objetivo de encobrir a natureza, localização, fonte, propriedade e controle dos recursos obtidos ilicitamente9. 9 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 47. 15 A etapa de colocação não envolve necessariamente o sistema financeiro e pode se operar através da pura e simples aquisição de mercadorias (bens móveis ou imóveis, preferencialmente ouro, pedras preciosas e outros ativos valiosos) ou de empreendimentos. São preferidas as atividades empresariais caracterizadas pela intensidade de seu fluxo de caixa, pela ocorrência de um elevado número de transações em espécie e pela existência de uma certa estabilidade de custos. Assim, ativos de origem ilícita são introduzidos e camuflados facilmente em atividades como cassinos, casas 10 noturnas, restaurantes, bares, lojas de máquinas eletrônicas, joalherias, etc . A segunda etapa do processo de “lavagem” é denominada de dissimulação ou cobertura (layering). Os grandes volumes de dinheiro inseridos no mercado financeiro na etapa anterior, para disfarçar sua origem ilícita e para dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha do papel (paper trail)11, devem ser diluídos em incontáveis estratos, disseminados através de operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no país e no exterior, envolvendo multiplicidade de contas bancárias de diversas empresas nacionais e internacionais, com estruturas societárias diferenciadas e sujeitas a regimes jurídicos dos mais variados. Pretende-se com a dissimulação estruturar uma nova origem do dinheiro sujo, aparentemente legítima. Esta etapa consubstancia a “lavagem” de dinheiro propriamente dita, isto é, tem por meta dotar ativos etiologicamente ilícitos de um disfarce de legitimidade12. A etapa final é a chamada integração (integration), que se caracteriza pelo emprego dos ativos criminosos – já distanciados das ações típicas das quais se originaram e com aparência de legítimos – no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição e/ou investimento em negócios lícitos ou pela simples compra de bens. É freqüente que os lucros decorrentes da atuação de 10 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 38. Conjunto de vestígios materiais que possibilitam a vinculação do bem ao ato criminoso originário. 12 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 406. 11 16 tais empresas sejam reinvestidos em esquemas criminosos (nos mesmos que geraram os ativos ilícitos ou em novos empreendimentos) e que passem a “esquentar” (legitimar) o afluxo de novos volumes de dinheiro sujo, agora disfarçados de “lucros do negócio”, fornecendo ao criminoso uma fonte “legítima” para justificar seus rendimentos, caracterizando um verdadeiro ciclo econômico. Não se trata propriamente de “lavagem” do dinheiro, que a esta altura já está limpo, mas de uma fase subseqüente, melhor designada pelo nome de reciclagem (recycling), e que reflete uma das fases do fenômeno estudado: o processo de “lavagem” é um custo operacional que se convola em investimento13. 1.4 – A Lei Brasileira de Combate à Lavagem A legislação brasileira básica, visando a prevenir e reprimir a lavagem de capitais (Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998), formou-se sob forte inspiração do chamado princípio da justiça penal universal, sendo acolhida pelas diretrizes do Direito Penal Econômico Internacional, cujos parâmetros estão estabelecidos em tratados e convenções firmados como estratégia de política criminal transnacional. Como ponto de partida é preciso mencionar a Convenção de Viena, celebrada durante a Conferência das Nações Unidas de 19/12/1988, com o propósito de deliberar sobre a adoção de uma política contra o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas. Por força desse tratado multilateral, os Estados signatários, entre eles o Brasil, assumiram o compromisso de tipificar como infração penal as ações 13 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 40. 17 consistentes na substituição, conversão ou ocultação de bens provenientes do tráfico de drogas (art. 3, §1º, b). Incentivado então pelo interesse internacional de se combater com maior eficiência os diversos ramos de atividades ilícitas ligadas ao narcotráfico, o Brasil ratificou os termos daquela Convenção por meio do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. No entanto, o Projeto de Lei versando sobre a matéria somente foi encaminhado ao Legislativo após 5 anos, sendo posteriormente transformado na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. E foi a partir da edição dessa lei que o Brasil efetivamente aderiu aos esforços de outros países hemisféricos, com os quais passa a trocar informações e a prestar mútuo auxílio na prevenção e repressão a esse tipo de criminalidade14. A grande massa dos crimes de lavagem de capitais ultrapassa o espaço territorial, marítimo e aéreo da soberania de qualquer Estado. Por isso, a colaboração internacional tornou-se medida imprescindível para a obtenção de êxito no combate à criminalidade organizada, pois ninguém pode negar que o progresso gerado na área da moderna tecnologia definitivamente tornou as distâncias e as fronteiras quase invisíveis. Assim, é mesmo necessário tornar efetiva a reciprocidade na cooperação internacional de natureza investigativorepressiva, notadamente para conter o avanço de um tipo de criminalidade altamente sofisticada15. No Brasil, pode-se dizer que, até a década de 1990, nossa economia não era atrativa para a lavagem de capitais, pois em períodos de alta inflação ela deixa de ser vantajosa ante a desvalorização da moeda. Foi a partir da abertura internacional da nossa economia (ocorrida no Governo Collor) e com a posterior implantação do Plano Real, que trouxe estabilidade à moeda e ainda aqueceu o mercado com altas taxas de juros, que o Brasil tornou-se um ambiente favorável aos olhos dos lavadores de ativos sujos. 14 15 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 409. BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 44. 18 1.5 – A Evolução Legislativa Sobre o Tema Conforme visto anteriormente, o marco inicial do combate à lavagem de dinheiro foi a Convenção de Viena de 1988, contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas. Essa Convenção trazia o narcotráfico como crime antecedente à lavagem de dinheiro, sendo por este motivo classificada como legislação de primeira geração. A partir do combate acentuado ao narcotráfico, as organizações criminosas iniciaram uma verdadeira diversificação de ilícitos internacionais como o contrabando de mercadorias, pessoas e animais silvestres, movimentando recursos financeiros entre os Estados e financiando novas práticas. Desse modo, iniciou-se o que a doutrina denomina de legislação de segunda geração, com a criação de diplomas legais objetivando ampliar o rol de crimes antecedentes ou conexos ao crime de lavagem de dinheiro. Dentre os países que adotam a legislação de segunda geração destacam-se Brasil, Alemanha e Portugal16. Atualmente, a legislação mundial de combate à lavagem de dinheiro inclina-se para uma terceira geração, incluindo todo e qualquer ilícito como precedente do crime em tela. Neste sentido, destacam-se as legislações italiana, norte-americana, francesa, entre outras. Esta concepção ampla ou extensiva é a preferível, em termos de política criminal, tendo em vista a gravidade do delito e a finalidade repressiva penal. Naturalmente, a intervenção penal não afasta a precedência da imposição de sanções administrativas, bancárias ou profissionais, e deve estar sempre subordinada aos ditames penais constitucionais17. 16 17 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 35. PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 410. 19 De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, feitas em 1998, o fluxo mundial de dinheiro sujo por ano foi estimado em torno de 2% a 5% da economia global, algo que pode se situar entre US$ 800 bilhões a US$ 2 trilhões de dólares. Estimativas mais recentes colocam os fluxos de lavagem de capitais próximos de 10% do PIB mundial, 18 sendo que 80% desse total seria gerado pelo narcotráfico . Tais indicadores são mesmo de causar perplexidade ao homem honesto e revelam a existência de um grave problema internacional, que as nações civilizadas em geral estão empenhadas em combater, notadamente porque uma das principais características do capital sujo é o seu desprendimento a compromissos sociais, o que é contrário a qualquer filosofia de governo. 18 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 42. 20 CAPÍTULO 2 ASPECTOS PENAIS 2.1 – Bem Jurídico Protegido O diploma legal que rege a matéria é objetivamente complexo e nitidamente multidisciplinar. Tais características não podem ser olvidadas no momento da identificação do bem juridicamente tutelado, que não é único, devendo ser mencionado no plural, ou seja, bens juridicamente protegidos. O objeto jurídico do crime de lavagem de dinheiro é complexo, de forma que os bens juridicamente tutelados são a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, a paz pública e a administração da Justiça. Quem oculta o dinheiro proveniente, por exemplo, da extorsão mediante seqüestro ou converte tal montante em ativo lícito, através de operações financeiras, acaba impedindo o Estado de descobrir o destino dos bens, valores e direitos originários dos crimes descritos nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98 (por vezes, impossibilita até mesmo que o Estado descubra a autoria e a materialidade dos delitos precedentes), mas também impede o recolhimento do tributo devido sobre os valores ocultos, podendo afetar o sistema financeiro, caso haja evasão de divisas de maneira camuflada, promovendo a formação de grupos econômicos mais fortes que outros, justamente por serem abastecidos por dinheiro de origem ilícita, perturbando a economia, além de instigar a formação de organizações criminosas, em razão do ganho fácil, lesando também a paz pública19. 19 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 717. 21 2.2 – Sujeitos do Delito e Concurso de Crimes Qualquer pessoa física pode figurar como sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro. Em princípio a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada por esse crime, mas apenas seu diretor ou representante. Sob o prisma repressivo isso dificulta a interdição e o arresto de bens da pessoa jurídica, salvo no caso em que suas atividades comerciais e socioeconômicas sejam equivalentes ao modus operandi de uma organização criminosa, e desde que a lei penal já tenha estabelecido as características 20 gerais e específicas que permitam identificar uma entidade de tal natureza . Tendo em vista a síntese dos bens jurídicos protegidos – estabilidade e credibilidade dos sistemas econômico e financeiro do País – o sujeito passivo do delito de lavagem de dinheiro é o próprio Estado. Mas as circunstâncias do caso concreto poderão apontar que o sujeito passivo seja também a vítima do crime antecedente, notadamente quando o fato constituir reduzida lesividade para os sistemas protegidos. Assim, pode-se afirmar que os sujeitos passivos do delito em questão são o Estado e a sociedade21. Constituindo o crime de lavagem uma infração penal autônoma, não há necessidade de se demonstrar a participação do agente lavador no crime antecedente. Este pode ser uma terceira pessoa, totalmente desvinculada da ação criminosa anterior22. Quando ocorrer a hipótese de ser a mesma pessoa o autor dos crimes primário e secundário, as penas deverão ser aplicadas cumulativamente, na forma do art. 69 do Código Penal (concurso material). Afasta-se a hipótese de crime continuado, pois ainda que as duas infrações se aproximem pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras 20 SILVA, César Antônio da. Op. cit., p. 42. MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 90. 22 Neste sentido decidiu o STJ no ROMS nº 16.813/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp. 21 22 semelhantes, não é possível enxergar a lavagem como exaurimento ou continuação do delito precedente, já que não se trata de crimes da mesma espécie (art. 71 do Código Penal). Por outro lado, também rejeita-se a idéia de concurso formal (art. 70 do Código Penal), pois o agente não comete as infrações mediante uma só ação ou omissão, e mesmo que isso se verifique excepcionalmente no caso concreto, a cumulatividade das penas há que ser imposta, tendo em vista que os crimes concorrentes resultam de desígnios 23 autônomos . 2.3 – Tipo Subjetivo O elemento subjetivo por excelência do crime de lavagem é o dolo direto, isto é, a vontade livre e consciente de realizar o tipo objetivo (ocultar ou dissimular a natureza, a origem, etc), com conhecimento dos elementos normativos e sem exigência de qualquer fim especial de agir. O erro acerca de qualquer dos elementos normativos constitutivos do tipo, quer por equívoco ou ausência de representação da realidade, caracterizará erro de tipo, que, se invencível nas circunstâncias, afastará a tipicidade da conduta (art. 20 do Código Penal)24. A opção legislativa de enunciar as modalidades de crimes antecedentes, especificando-os no próprio corpo do tipo objetivo, repercute ao nível subjetivo do tipo, tornando mister que o autor atue com a consciência de que o objeto substancial (bens, direitos e valores) originou-se da prática de um dos crimes enumerados no dispositivo. Assim, por exemplo, na esfera da divisão do ônus probatório em sede processual penal, na qual à acusação cabe comprovar os elementos constitutivos do crime e à defesa compete evidenciar os fatos desconstitutivos, a sistemática adotada tornou mais árdua a 23 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 58. GOMES, Abel Fernandes et al. Lavagem de Dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 76. 24 23 missão do órgão ministerial, que deverá apresentar não só os indícios de que o bem origina-se da prática de um dos crimes antecedentes, como também de que o reciclador tinha consciência dessa proveniência25. 2.4 – Consumação e Tentativa Segundo o nosso Código Penal, o crime se diz consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (art. 14, I). Assim, para a consumação do crime de lavagem de dinheiro, é preciso que o agente atue de forma a reunir em sua conduta externa todos os elementos das definições legais que estão contidas no art. 1º, caput, e §§ 1º e 2º da Lei 9.613/98. A Lei 9.613/98 tipifica, em seu art. 1º, caput, a seguinte conduta: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II - de terrorismo e seu financiamento; III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa; VIII praticado por particular contra a administração pública estrangeira”. Numa primeira análise da consumação do crime em estudo, temos que ela ocorrerá quando o agente tiver adotado qualquer conduta capaz de encobrir ou disfarçar a procedência, o lugar onde se encontram, a forma como foram utilizados, movimentados ou transferidos os bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, daqueles crimes26. 25 26 SILVA, César Antônio da. Op. cit., p. 82. MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 82. 24 O tipo penal até prevê que, com a ocultação e a dissimulação, esteja latente um resultado material futuro, que é exatamente a utilização e a disposição do lucro ou proveito do crime antecedente, de forma tranqüila e segura pelo agente, com sua imunização à ação da Justiça. Contudo, para a consumação do crime ali previsto, não exige o tipo penal que isso venha a ocorrer, bastando apenas que o sujeito oculte ou dissimule, intencionalmente, a origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos bens, 27 direitos ou valores. Trata-se, portanto, de crime formal . Percebe-se, ainda, que o tipo penal em questão apresenta um perfil misto ou de conteúdo variado, pelo qual se realiza a previsão de dois ou mais núcleos de conduta típica, assegurando que se o sujeito ativo realiza mais de um deles, responderá apenas por um único crime de lavagem de dinheiro. Assim, por exemplo, se o sujeito ativo, num primeiro momento, disfarça a origem de um bem e, num segundo momento, consegue ocultar o conhecimento dessa origem, será processado e punido por um só crime28. Ressalte-se também o fato de que o crime de lavagem de dinheiro pode ser de natureza instantânea ou permanente, dependendo da conduta adotada pelo agente para realizar a ocultação dos bens, direitos e valores, cujos atos podem durar no tempo ou se esgotar em um único instante. O sujeito poderá adotar uma conduta instantânea – por exemplo: escriturando como preço de compra de um imóvel um valor muito superior ao real, para justificar, com a diferença, o ganho obtido com um ilícito penal anterior –, como poderá atuar de forma permanente – ao manter depósitos em contas de “fantasmas” (pessoas fictícias) por longo tempo, de modo a dissimular a verdadeira propriedade dos valores. No primeiro exemplo, teríamos uma modalidade instantânea de consumação, ao passo que, no segundo, teríamos 27 28 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 170. GOMES, Abel Fernandes et al. Op. cit., p. 78. 25 uma forma permanente de consumação29. É interessante observar que, dentro dos núcleos “ocultar” e “dissimular”, cabem diversas modalidades de atos que podem vir a se revelar aptos a atingir esses desideratos. O delito em tela é daqueles que, com certeza, estarão em constante e aprimorada evolução no que toca à sua prática. Ao próprio legislador, quando da elaboração do tipo penal, não seria possível imaginar as várias maneiras pelas quais um sujeito pudesse vir a “lavar dinheiro”, sobretudo diante das inúmeras hipóteses que lhe fornecem os sistemas econômico e financeiro e a tecnologia moderna30. Quanto à tentativa, o §3º do art. 1º da Lei 9.613/98 assim preceitua: “a tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal”, isto é, com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. O crime é dito tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. A tentativa é, portanto, a realização incompleta da figura típica. Todavia, nem todas as etapas do iter criminis são penalmente relevantes. Somente os atos executórios do delito não consumado é que podem ser punidos. Se o agente apenas cogita, pensa em cometer o crime de lavagem, sem dar início à sua execução, não há falar em tentativa, pois a mera cogitação é impunível. Assim, se o agente pensa em converter o produto ilícito de um dos crimes básicos em ativo aparentemente lícito, não pode sequer ser processado criminalmente. Contudo, se realizar atos de execução tendentes a consumar essa conversão, responde pela tentativa31. 2.5 – Delação Premiada 29 GOMES, Abel Fernandes et al. Op. cit., p. 78. SILVA, César Antônio da. Op. cit., p. 126. 31 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 171. 30 26 O art. 1º, §5º, da Lei 9.613/98 dispõe da seguinte forma: “A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.” Atento às dificuldades que se avolumam no campo da busca da verdade no processo penal, o legislador contemporâneo investe firmemente na criação de um benefício destinado a favorecer o autor, co-autor ou partícipe que se disponha a prestar efetiva colaboração na apuração de fatos criminosos. Trata-se da delação premiada, instrumento do qual se vale na tentativa de melhor combater a criminalidade violenta e organizada32. Não se cuida de um instituto absolutamente inovador, pois o nosso direito anterior conheceu esse sistema no tempo da aplicação das chamadas Ordenações Filipinas33 – que vigoraram por mais de seis séculos, chegando a atingir o período do Brasil Colônia –, mediante o qual era concedido perdão aos malfeitores que colaborassem com a prisão de outros. Sem embargo desse precedente histórico, o certo é que o retorno da delação premiada ao nosso ordenamento jurídico pauta-se muito mais na experiência adquirida pelos direitos norte-americano e italiano que dela se utilizaram para combater as máfias e organizações criminosas, que proliferaram nos dois países a partir da segunda metade do século XX34. Relativamente aos crimes de lavagem, para que o agente possa desfrutar dos benefícios que a lei relaciona, deverá prestar esclarecimentos que sejam úteis à apuração das infrações penais e de sua autoria ou quanto à 32 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 175. GOMES, Abel Fernandes et al. Op. cit., p. 146. 34 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 421. 33 27 localização dos bens, direitos ou valores ocultados ou dissimulados, que constituam o lucro do crime antecedente. Portanto, também a lei dos crimes de lavagem estimula e premia a colaboração por parte do réu, co-réu ou partícipe. Predomina o entendimento jurisprudencial que observa a necessidade de ser a cooperação espontânea e produtiva ao sucesso da persecução penal, para somente a partir disto beneficiar o autor da delação. Por outro lado, se o reciclador colaborar, entende-se que ele é detentor de direito subjetivo à redução da pena, já que a lei diz que “a pena será reduzida” de um a dois terços. E esta atitude cooperativa é de ser também reconhecida quando a revelação tenha sido feita à autoridade policial, ainda que na fase preliminar da persecução penal35. 2.6 – Efeitos da Condenação O art. 7º da Lei 9.613/98 assim estabelece: Art. 7º. São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal: I - a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime previsto nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada. A condenação penal definitiva, além de conduzir à privação ou restrição ao direito de liberdade do réu, produz conseqüências secundárias que também podem repercutir nas esferas civil e administrativa. A Constituição da 35 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 948. 28 República prevê que a sanção penal pode consistir na “perda de bens” e na “suspensão ou interdição de direitos”36. A perda do produto do crime em favor da União é efeito genérico da condenação, nos mesmos moldes da regra estabelecida no art. 91, II, do Código Penal. Por conseguinte, não se exige menção expressa a esse efeito na sentença condenatória, bastando tão-somente o trânsito em julgado da condenação, assim como a certeza obtida na instrução criminal de que efetivamente se trata de produto do crime. A União Federal será a beneficiária desse confisco e sua implementação resguardará os terceiros de boa-fé e os lesados pelo crime37. Presume-se que a perda dos bens, direitos e valores que constituam objeto ou resultado dos crimes de lavagem seja precedida das medidas assecuratórias de arresto ou apreensão, geralmente determinadas no curso da ação penal, ou durante as investigações realizadas na fase do inquérito policial. Contudo, a perda em favor da União não será automática se com ela concorrer direito do lesado ou de terceiro de boa-fé a ser reparado. Estas pessoas têm direito preferencial – em relação ao direito da União – ao ressarcimento dos prejuízos38. Já a sanção prevista no inciso II do art. 7º da Lei nº 9.613/98, para que seja implementada, demanda expressa e fundamentada determinação judicial no corpo do decisum. É que, por não se tratar de efeito genérico da condenação penal, por analogia e em homenagem à ampla defesa e ao contraditório, sujeita-se à mesma disciplina prevista para os outros corolários específicos da reprimenda (nos moldes das constantes do art. 92 do Código Penal), devendo ser motivadamente declarada na sentença. 36 Art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 139. 38 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 262. 37 29 CAPÍTULO 3 QUESTÕES PROCESSUAIS 3.1 – Rito Procedimental O art. 2º, I, da Lei 9.613/98 dispõe da seguinte forma: Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com reclusão, da competência do juiz singular; Na verdade, o dispositivo acima transcrito seria até mesmo desnecessário. Isto porque, na medida em que a pena cominada aos crimes de lavagem é de reclusão, e diante da vocação universalista do Código de Processo Penal, à míngua de outra disciplina processual, seus dispositivos seriam de qualquer modo aplicáveis aos delitos previstos nesta legislação especial39. O chamado rito ordinário dos crimes apenados com reclusão observa as etapas fixadas nos artigos 394 a 405 e 498 a 502, todos do Código de Processo Penal. A jurisprudência reiterada de nossas Cortes estabeleceu que, no caso deste rito processual, o prazo de conclusão da instrução será de 81 dias, prazo este que não é rígido e imutável, podendo ser mitigado pelos influxos do princípio da razoabilidade, reputando-se em certos casos razoável o excesso de prazo quando a apuração dos fatos é mais longa e difícil40. 39 40 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 110. STF, 1ª Turma, RHC 60.771, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJU de 13/05/1983. 30 Na verdade, as normas jurídicas devem ser interpretadas consoante o significado dos acontecimentos, que, por sua vez, constituem a causa da relação jurídica. O Código de Processo Penal data do início da década de 40. O país mudou sensivelmente. A complexidade da conclusão dos inquéritos policiais e a dificuldade da instrução criminal são cada vez maiores. O prazo da conclusão não pode resultar de mera soma aritmética. Faz-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo. O 41 discurso judicial não é simples raciocínio de lógica formal . Por outro lado, repercutindo a modalidade do rito procedimental na esfera da amplitude de defesa concedida ao réu em sede criminal, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que, ainda que as partes aquiesçam consensualmente na adoção de outro procedimento mais célere, tal decisão estará inevitavelmente eivada de nulidade absoluta42. 3.2 – Juízo Competente O art. 2º, III, da Lei 9.613/98 assim estabelece: Art. 2º. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: III - são da competência da Justiça Federal: a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; b) quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal. A competência fixada na alínea “a” do inciso III do art. 2º simplesmente 41 42 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 423. STF, 1ª Turma, HC 60.409, Rel. Min. Rafael Mayer, DJU de 08/04/1983. 31 repete, com outras palavras, o que está dito no art. 109 da Constituição Federal: “(...) aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV – as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; (...) VI – os crimes praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”. Realmente, grande parte das ações penais envolvendo crimes de lavagem de dinheiro é processada perante a Justiça Federal, mormente em face do caráter transnacional do delito e da natureza jurídica de alguns bens que a lei visa a tutelar, principalmente a estabilidade e a credibilidade dos sistemas econômico e financeiro do país43. Quanto à alínea “b” do dispositivo em análise, também não se estabelece nenhuma novidade no nosso ordenamento jurídico, pois neste caso a vis atractiva é absolutamente recomendável para efeito de possibilitar um melhor desempenho da persecução criminal em juízo. Se o crime antecedente é da competência da Justiça Federal, a esta compete também o processo e julgamento do correspondente crime de lavagem. Se nos crimes antecedentes for identificada a conexão entre as infrações penais que sejam da competência das Justiças Federal e Estadual, aplica-se a Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça, que contém o seguinte enunciado: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal”. Devido às características que denotam a macro-criminalidade ligada ao crime de lavagem de capitais, é oportuna a lembrança do princípio da extraterritorialidade da lei penal pátria, segundo o qual, ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes praticados contra o 43 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 197. 32 patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público. Da mesma maneira, estão sujeitos à jurisdição da lei penal brasileira os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir, bem como os praticados por 44 brasileiro no exterior . Aduza-se ainda que, diante da vocação transnacional da reciclagem de ativos ilícitos, para além da Convenção de Viena (Tráfico Internacional) e outros estatutos convencionais de alcance geográfico restrito, que já prevêem sua repressão, caminha-se inevitavelmente na direção da elaboração, em um futuro próximo, de uma convenção internacional global específica para a repressão da lavagem de dinheiro oriundo da prática de qualquer espécie de delito. O advento desta futura norma internacional – e a mais que provável adesão do Brasil – trará evidente repercussão no que toca à competência interna para o seu julgamento45. 3.3 – Autonomia do Crime de Lavagem O art. 2º, II, da Lei 9.613/98 assim preceitua: Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: II - independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país; Este dispositivo estabelece a autonomia processual do crime de lavagem de dinheiro. Assim, ainda que o crime antecedente não tenha sido objeto de apuração e julgamento, por ignorada sua autoria ou qualquer outra razão, e desde que indiciadas suficientemente sua existência material bem 44 45 SILVA, César Antônio da. Op. cit., p. 131. MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 116. 33 como sua vinculação ao ativo objeto de “branqueamento”, será possível ao Ministério Público a propositura da respectiva ação penal pública e o julgamento da lide não está sujeito a uma relação absoluta de prejudicialidade 46 com o andamento dos crimes anteriores . Essa autonomia processual assenta-se em dois aspectos essenciais: o primeiro, de caráter instrumental, visto que o procedimento relativo ao ilícito poderá estar submetido à jurisdição penal de outro país; o segundo, de natureza material, diz respeito às exigências de segurança e justiça que são frustradas pelas práticas domésticas ou transnacionais de determinados crimes cuja gravidade e reiteração constituem desafios ao Estado contemporâneo47. Cabe frisar que a definição criminal do ilícito-base no ordenamento jurídico estrangeiro, ainda que com outro nomen juris, deve ser assemelhada à tipificação adotada no Direito Penal brasileiro, para que não reste vulnerado o princípio da reserva legal, eis que o conceito do crime antecedente integra a definição legal dos delitos de lavagem de dinheiro. Esse requisito é análogo ao exigível para fins de extradição, e neste aspecto o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “a exigência da dupla incriminação constitui requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição. O postulado da dupla tipicidade impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto. A possível diversidade formal concernente ao nomen juris das entidades delituosas não atua como causa obstativa da extradição, desde que o fato imputado constitua crime sob a dupla perspectiva dos ordenamentos jurídicos 46 47 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 722. MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 111. 34 vigentes no Brasil e no Estado Estrangeiro que requer a efetivação da medida extradicional”48. 3.4 – Requisitos da Denúncia O §1º do art. 2º da Lei nº 9.613/98 estatui que “a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”. A Lei exige que a peça vestibular ministerial, além dos requisitos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal, explicite os indícios suficientes da materialidade do crime anterior. Nos termos do art. 239 do CPP: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Já se decidiu que “para que a prova indiciária leve a uma condenação, deve esta equivaler a prova direta, ou seja, deve ser precisa e grave de forma a não ensejar qualquer dúvida quanto à autoria ou à materialidade do delito. Meras conjecturas que não se encorpam após a instrução são indícios isolados e constituem-se em perigoso apoio para uma condenação, pelo princípio que deve sempre ser lembrado: in dubio pro reo”49. Destarte, na esteira da melhor doutrina sobre o tema, pode-se afirmar que indícios suficientes serão aqueles que, independentemente de sua quantidade, quando sopesados à luz dos princípios gerais de apreciação da prova em sede criminal, da experiência jurídica e das especificidades da modalidade de ilícito a que se vinculam, produzem no julgador o convencimento racional, explicitado fundamentadamente, de que existe um elevado grau de probabilidade de que determinado crime tenha sido praticado. Assim, por exemplo, se o exame microscópico do numerário apreendido revela 48 49 STF, Pleno, Extr. 545, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 13/02/1998. TRF da 1ª Região, 4ª Turma, Ap. Crim. 96.01.38071-0, Rel. Juíza Eliana Calmon, DJU de 12/12/1996. 35 a presença de resíduos de cocaína nas notas em poder do acusado, há uma grande probabilidade de que estas tenham se originado do tráfico daquela substância50. Assim é que, no moderno sistema do livre convencimento, não há como hierarquizar, previamente, as diversas categorias probatórias, enaltecendo umas em desprestígio de outras. Somente na apreciação do caso concreto é que a prova, qualquer que seja a sua espécie, poderá ter mais peso e valor que outra prova de natureza diversa. O que importa, em se tratando de prova indiciária, é a sua equilibrada, isenta e correta apreciação sem delírios imaginativos ou metas preconcebidas, e que, por fim, tudo se ajuste de forma harmônica, em síntese final de todo o conjunto probatório51. 3.5 – Liberdade Provisória O art. 3º da Lei nº 9.613/98 assevera que “os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória”. A primeira observação que deve ser feita sobre a redação deste artigo refere-se à ausência de melhor técnica na elaboração do dispositivo, pois a fiança é uma espécie de liberdade provisória. O equívoco poderia ser evitado com o emprego da expressão “não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança (...)”, traduzindo a idéia de que esta é uma espécie daquela52. Seguindo a mesma política criminal adotada para reprimir os crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) e aqueles praticados por organizações criminosas 50 SILVA, César Antônio da. Op. cit., p. 138. GOMES, Abel Fernandes et al. Op. cit., p. 122. 52 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 421. 51 36 (Lei nº 9.034/95), a Lei de Lavagem também fixa um tratamento mais rigoroso para o autor do delito. Na verdade, a proibição da concessão de liberdade provisória já foi muito criticada pela doutrina por ocasião do surgimento de tais diplomas legais. Contudo, tal vedação se renova ao ser repetida na nova Lei de Tóxicos (art. 44 da Lei nº 11.343/06). Entretanto, a própria Lei dos Crimes Hediondos já foi alterada. De acordo com a nova redação dada pela Lei nº 11.464/07, foi excluída a vedação da concessão de liberdade provisória para os crimes hediondos. Em face disso, já há entendimento da doutrina sustentando que a partir da vigência da Lei nº 11.464/07, não mais havendo restrição à concessão de liberdade provisória sem fiança para os crimes hediondos e assemelhados que, na escala da criminalidade, representam os crimes de maior gravidade, não se justifica a permanência da vedação genérica à liberdade provisória prevista na Lei de Lavagem de Dinheiro53. Do ponto de vista da teoria da proporcionalidade, que deve sempre nortear a construção de um ordenamento jurídico coerente, o dispositivo peca por desconsiderar que, no catálogo dos crimes antecedentes, constam delitos que não são hediondos, sendo vários deles apenados com menor gravidade, admitindo a concessão de liberdade provisória sem restrições especiais. Ao comparar o tratamento que as leis penais vigentes dão ao autor do crime antecedente com o que é dado ao autor da lavagem de dinheiro, nota-se a falta de equilíbrio e a desigualdade que injustificadamente se revelam no dispositivo em estudo. É evidente que este dispositivo da Lei nº 9.613/98 afronta o princípio constitucional da presunção de inocência54. O correto seria deixar ao sereno critério do julgador a verificação das condições objetivas e subjetivas do agente 53 Neste sentido, BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 214 e NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 723. 54 Art. 5º, LVII, da CF: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 37 lavador para então decidir sobre a necessidade, ou não, da manutenção da prisão provisória. 3.6 – Restrição ao Direito de Apelar em Liberdade O mesmo art. 3º estudado no tópico anterior estabelece que “em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade”. O legislador está dizendo, por outras palavras, que a regra geral que se impõe é a de manter a custódia provisória do acusado, ou então, caso esteja solto, deverá ser expedido o respectivo mandado de prisão como conseqüência da própria sentença condenatória. Para não decretar a prisão no momento da prolação da sentença condenatória, a Lei diz que o juiz deverá explicitar os motivos que justificam a decisão concessiva do direito de apelar em liberdade. Segue-se aqui a mesma linha dura no tratamento que é destinado ao acusado da prática de crime hediondo (vide o art. 2º, §3º, da Lei nº 8.072/90). Mais uma vez exige-se redobrada atenção do juiz para com os cânones constitucionais que garantem a liberdade do indivíduo. Não se pode compactuar com a letra fria da lei que, por via transversa, indica o caminho da execução provisória imediata, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ignorando a regra geral da execução pós-advento da coisa julgada55. O jus puniendi não pode aniquilar os direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição Federal. Por isso é que o julgador deve assumir a função de garantidor e cumprir o seu ofício de modo a assegurar a todos aqueles que são submetidos às barras do Judiciário as condições de conhecer os motivos, as razões que determinam as restrições ao direito de liberdade. 55 BARROS, Marco Antônio de. Op. cit., p. 218. 38 Deste modo, não só quando decida permitir ao réu apelar em liberdade, mas também, e sobretudo, quando negar-lhe esse benefício, deverá fundamentar minuciosamente sua decisão. 39 CONCLUSÃO A partir das informações coletadas e apresentadas neste trabalho, podem-se extrair algumas conclusões. A primeira delas é que a “lavagem de dinheiro” representa um delito extremamente complexo e de difícil repressão. Os mecanismos econômico-financeiros que permitem o branqueamento de capitais são os mais variados, repercutindo em diversos países, alguns cuja legislação tributária é reconhecidamente benéfica aos interesses das grandes organizações criminosas – os chamados “paraísos fiscais” –, de forma que o combate a esse tipo de criminalidade ainda encontra inúmeras barreiras de ordem técnica e jurídica. Verifica-se ainda que, direta ou indiretamente, todos os setores da economia acabam sendo afetados pela lavagem de dinheiro e pelos crimes que a antecedem, e este fato repercute no desenvolvimento econômico e social do país. Embora essa gama de atividades ilícitas movimente grande quantidade de recursos financeiros, estes não são aplicados de forma eficiente. A indústria da reciclagem de capitais e seus agentes, atuando como pseudo-empresários, acabam exercendo uma concorrência desleal, por terem condições de oferecer produtos e/ou serviços financeiramente mais atraentes, tornando assim inviável o crescimento dos verdadeiros empresários de boa-fé. Além disso, os investimentos estrangeiros de longo prazo perdem espaço para aqueles meramente especulativos, fruto do receio dos grandes empresários em arriscar suas economias num mercado tão incerto. Nesse diapasão, constata-se que há uma crescente defasagem entre a economia honesta e a mantida por capital de origem ilícita. Esta economia paralela pode, numa perspectiva mais drástica, conduzir à desestabilização econômica, social, institucional e política do país. Embora essa idéia pareça um pouco exagerada, não está muito distante daquilo que ocorre em outros países, como a vizinha Colômbia, onde os cartéis de Cáli e Medelin, ambos 40 sustentados pelo narcotráfico, têm constantemente dado demonstrações do seu poder frente ao Estado, aliciando, cada vez mais, novos adeptos. A Lei nº 9.613/98 e suas normas complementares surgiram, como se viu ao longo deste trabalho, com o intuito de coibir essa prática tão nefasta que é a lavagem de dinheiro. Contudo, as expectativas criadas pela entrada em vigor dessa legislação, ao que parece, estão muito além da sua real capacidade de alcance. Há muitas questões técnicas e jurídicas difíceis de serem solucionadas, envolvendo, na grande maioria das vezes, aspectos constitucionais e direitos fundamentais. Além disso, há uma série de dificuldades de ordem prática, como por exemplo carência de pessoal especializado e equipamentos de ponta para auxiliar e otimizar as investigações e o levantamento de provas. De toda sorte, a despeito das deficiências encontradas até o momento, há que se reconhecer que houve grandes avanços no combate a esse tipo de criminalidade, no Brasil e no mundo, e isso é muito importante. O que não se pode admitir é que o Estado, na falta de condições ideais de atuação, aja com pouco rigor ou simplesmente deixe de agir, pois as conseqüências a médio e longo prazo seriam desastrosas. Cumpre reconhecer, então, que as tentativas que vêm sendo feitas nessa área já representam um grande avanço, e apontam para um futuro onde a delinqüência organizada será cada vez mais combatida, dificultando enormemente a vida dos agentes envolvidos direta ou indiretamente com a lavagem e reciclagem de capitais oriundos de atividades ilícitas. 41 BIBLIOGRAFIA BARROS, Marco Antônio. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007. GOMES, Abel Fernandes et al. Lavagem de Dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007. PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007. SILVA, César Antônio. Lavagem de Dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. 42 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTOS 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO 1 – ORIGENS HISTÓRICAS 10 1.1 – O Crime Organizado 10 1.2 – A Expressão “Lavagem de Dinheiro” 12 1.3 – As Etapas da Lavagem 14 1.4 – A Lei Brasileira de Combate à Lavagem 16 1.5 – A Evolução Legislativa Sobre o Tema 18 CAPÍTULO 2 – ASPECTOS PENAIS 20 2.1 – Bem Jurídico Protegido 20 2.2 – Sujeitos do Delito e Concurso de Crimes 21 2.3 – Tipo Subjetivo 22 2.4 – Consumação e Tentativa 23 2.5 – Delação Premiada 25 2.6 – A Efeitos da Condenação 27 CAPÍTULO 3 – QUESTÕES PROCESSUAIS 29 3.1 – Rito Procedimental 29 3.2 – Juízo Competente 30 3.3 – Autonomia do Crime de Lavagem 32 3.4 – Requisitos da Denúncia 34 3.5 – Liberdade Provisória 35 3.6 – Restrição ao Direito de Apelar em Liberdade 37 CONCLUSÃO 39 BIBLIOGRAFIA 41 ÍNDICE 42 43 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES Título da Monografia: ASPECTOS RELEVANTES DO DELITO LAVAGEM DE DINHEIRO Autor: MÁRCIO MUNIZ DA SILVA CARVALHO Data da entrega: 15/07/2008 Avaliado por: Conceito: DE