272-319 17.08.2006 08.42 Page 287 A REAL COMPANHIA VELHA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO (1756-2006) Considerava Silva Carvalho que nos anos de 1834-1835 e parte de 1836, os lavradores do Alto Douro venderam os seus vinhos a bons preços e que o decreto de 2 de Novembro de 1836, estabelecendo barreiras e o direito de consumo pago à entrada dos vinhos no Porto e Vila Nova de Gaia, é que estagnara “todas as transacções com grave prejuízo da lavoura”. Não se entendia – segundo ele – que tivesse ressurgido “a ideia opressora de dar à Companhia, ainda outra vez, o exclusivo das aguardentes”. Considerando que só as “medidas directas de liberdade e não restrições, são as únicas que podem promover o consumo de todos os produtos”, Silva Carvalho propõe “algumas medidas, cuja adopção não pode deixar de comprometer a existência da Companhia”. As guias, inspecções “e mais actos de intolerável ingerência” só serviam para “afugentar capitais, porque o empresário e o capitalista evitam o exercício de uma indústria escravizada”. A marca da Companhia nos mercados ingleses – continua Silva Carvalho – não tinha o “valor de primeira ordem” e poucas casas comerciais exportavam menos Vinho do Porto que aquela, “não obstante possuir ela ainda antigas massas de vinhos, e conservar em Londres a sua agência”. A existência da Companhia era “uma calamidade pública”. Extinta de direito, não morrera. Pelo contrário, orientara os meios que lhe restavam para ganhar “ascendência e conquistar a sua ressurreição”. A Companhia “nada influi nas fortunas dos proprietários dos vinhos” e não se podiam confundir vantagens com os seus monopólios e regulamentos. A polémica saltou para os jornais e Silva Carvalho, em Agosto de 1839, vai rebater os ataques de que estava a ser alvo e reiterar as suas posições contra a Companhia. O seu projecto de lei – escreve ele, por exemplo, em O Correio de Lisboa – tinha como objecto “assegurar a liberdade da lavoura e comércio dos vinhos, hoje no risco de cair em nova escravidão pelos contínuos assaltos dados ao decreto de 30 de Maio de 1834, que aboliu os privilégios da Companhia do Douro”. A Companhia não era “boa” pelo simples facto de os ingleses estarem contra ela. O Estado português tinha sido injusto com os ingleses, impondo-lhes leis que não faziam sentido. Não eram, porém, só os ingleses que detestavam a Companhia. A sua extinção foi “uma destas medidas verdadeiramente populares”. As comissões de comércio do Porto, em 1833-1834, teriam concluído os seus trabalhos – segundo ele –, representando ao Governo e aos corpos legislativos a necessidade da extinção. E conclui dizendo, num tom que demonstrava a sua paixão e animosidade contra aquela Empresa, “que o tempo de menos progresso na exportação dos nossos vinhos foi justamente o tempo em que existiu a Companhia”. A intervenção de Silva Carvalho, no Parlamento e na imprensa, contra a Companhia, fez com que o projecto de lei da Comissão Especial de Vinhos da Câmara dos Deputados, a favor da mesma e do privilégio das aguardentes que se lhe pretendia conceder, ficasse substancialmente enfraquecido. Já polémico no interior da própria comissão – dos 10 deputados que a compunham, cinco levantaram objecções ou votaram contra –, o projecto de lei não veio a colher aprovação na Câmara dos Deputados. Mas revela bem que o lóbi dos agricultores do Alto Douro e a Companhia não desarmavam quanto ao alargamento das suas atribuições, e muito menos, quanto ao ressarcimento, por parte do Estado, das verbas a que julgava ter direito. Aliás, no Parlamento, encontrava-se José Pinto Soares, deputado em várias legislaturas entre 1834 e 1859, e que entre 1833-1855 exerceu na Companhia funções de deputado da Junta e administrador, sendo, entre 1837-1840, o presidente da própria Companhia. A situação económica e financeira da Companhia era grave e assim continuou. As letras a pagar pela Empresa, de dinheiro a juros, no montante de mais de 1 430 contos de réis em 1837, ascendiam a 1 394 contos em 1844-1845, ou seja, mantinham-se praticamente na mesma. E as verbas relativas às letras de juros do capital acima indicado, de mais de 88 contos em 1837, para os anos de 1843-1844 apenas baixaram para 79 contos. Em suma, em 1842, as dificuldades sentidas pela Companhia desde 1834 continuavam intactas. 287