Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
DANILO DE SOUSA BARBOSA
Autor: Danilo de Sousa Barbosa
Orientador: Profa. Msc. Maria de Fátima Martins da Silva dos
Santos
DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Brasília - DF
2010
DANILO DE SOUSA BARBOSA
DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Profa. Msc. Maria de Fátima
Martins da Silva dos Santos
Brasília
2010
Monografia de autoria de Danilo de Sousa Barbosa, intitulada DA
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA, apresentada
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da
Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e aprovada
pela banca examinadora abaixo assinada:
_________________________________________________________
Profa. Msc. Maria de Fátima Martins da Silva dos Santos
Orientadora
Direito – UCB
__________________________________________________________
Prof. (titulação). (Nome do membro da banca)
(Curso/programa) – (sigla da instituição)
__________________________________________________________
Prof. (titulação). (Nome do membro da banca)
(Curso/programa) – (sigla da instituição)
Brasília
2010
RESUMO
BARBOSA, Danilo de Sousa. Da desconsideração inversa da
personalidade jurídica. 2010. (XX) f. Monografia (Bacharel) – Curso de
Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
Este trabalho tem como objetivo analisar a desconsideração inversa da
personalidade jurídica. Para isso, foi realizada abordagem de diversos temas
relativos. Pode-se perceber, por meio da análise dos conceitos de pessoa e formas
de aquisição da personalidade, que a personalidade conferida às sociedades é uma
forma de possibilitar o livre exercício da atividade empresarial, tendo em vista que
objetiva reduzir os riscos de seu exercício. Porém, percebeu-se que a
personalização da sociedade poderia gerar uma proteção àqueles que a usam de
maneira inadequada. Para isso, foi criada a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, que, tempos depois, passou a ter previsão legal no
ordenamento jurídico brasileiro. A desconsideração, de uma forma geral, significa a
possibilidade de atingir o patrimônio do sócio no intuito de responder por dívidas
sociais. Porém, verificou-se que apenas a desconsideração não estava sendo
suficiente para coibir as fraudes, pois algumas pessoas transferiam bens pessoais
para o nome da empresa no intuito de frustrar direito alheio. Dessa forma, vem
crescendo na doutrina e jurisprudência a possibilidade de se realizar a
desconsideração da personalidade jurídica na forma inversa, que é o objeto do
presente estudo.
Palavras-chave:
Personalidade.
personalidade jurídica.
Sociedade.
Desconsideração
inversa
da
ABSTRACT
BARBOSA, Danilo de Sousa. Da desconsideração inversa da
personalidade jurídica. 2010. (XX) f. Monografia (Bacharel) – Curso de
Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
This work aims to analyse the inverse disregard of legal entity. For that, a several
themes approach was realized. It can be noticed, through person concept analysis
and the forms of personality acquisition, that the personality given to companies is a
way to enable the free exercise of business activity, considering that it aims to reduce
its exercise risks. However, it was noticed that company personalization could
generate a protection to those who use it inappropriately. For that, it was created the
inverse disregard of legal entity, which, some time later, acquired legal prevision in
the Brazilian legal system. Disregard, in general, means the possibility to reach the
business associate’s patrimony in order to respond for social debts. But it was
verified that only the disregard wasn’t sufficient to refrain frauds, for some people
transferred personal goods to their company name in order to frustrate the rights of
other. Thus, it grows in doctrine and jurisprudence the possibility of realizing the
juridical entity disregard in the inverse form, which is the object of the present study.
Keywords: personality, society, inverse disregard of legal entity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
1. A SOCIEDADE EMPRESÁRIA – Aspectos Relevantes ..................................... 12
1.1. Conceito de Pessoa no Direito Brasileiro ....................................................... 12
1.1.1. Pessoa Física ....................................................................................... 13
1.1.2. Pessoa Jurídica .................................................................................... 14
1.1.2.1. Espécies de Pessoa Jurídica ................................................... 14
1.1.2.2. A Sociedade Empresária .......................................................... 16
1.2. Teorias Sobre a Pessoa Jurídica ................................................................... 17
1.2.1. Teoria Individualista .............................................................................. 17
1.2.2. Teoria da Ficção ................................................................................... 18
1.2.3. Teoria da Vontade ................................................................................ 18
1.2.4. Teoria do Patrimônio da Afetação......................................................... 18
1.2.5. Teoria da Instituição.............................................................................. 19
1.2.6. Teoria da Realidade Objetiva ou Orgânica ........................................... 19
1.2.7. Teoria da Realidade Técnica ................................................................ 20
1.3. Aquisição da Personalidade e da Capacidade da Sociedade Empresária ..... 20
1.3.1. O Registro da Sociedade Empresária................................................... 21
1.3.2. O Nome e a Responsabilidade dos Sócios ........................................... 22
1.4. As Sociedades Personificadas e Não Personificadas .................................... 25
1.4.1. As Consequências Legais da Não Personificação................................ 27
1.4.2. Os Benefícios Legais da Sociedade Personificada............................... 30
1.5. Aspectos Relevantes das Sociedades Empresárias ...................................... 31
1.5.1. Elementos do Contrato de Sociedade Empresária ............................... 31
1.5.1.1. Elementos Gerais ...................................................................... 31
1.5.1.1.1. Consenso................................................................... 31
1.5.1.1.2. Objeto lícito ................................................................ 31
1.5.1.1.3. Forma Prescrita em Lei.............................................. 32
1.5.1.2. Elementos Específicos .............................................................. 32
1.5.1.2.1. Pluralidade de Sócios ................................................ 32
1.5.1.2.2. Contribuição para o Capital Social ............................. 33
1.5.1.2.3. Participação nos Lucros e nas Perdas ...................... 33
1.5.1.2.4. Affectio Societatis ...................................................... 34
1.5.2. As Sociedades de Pessoas e as Sociedades de Capital ...................... 34
1.5.3. O Princípio da Autonomia Patrimonial .................................................. 35
CAPÍTULO II
2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE
EMPRESÁRIA .......................................................................................................... 38
2.1. Conceito de Desconsideração da Personalidade ........................................... 38
2.2. Evolução Histórica da Teoria da Desconsideração ........................................ 40
2.3. A “Disregard Doctrine” no Direito Comparado................................................ 41
2.3.1. O Direito Anglo Saxônico ...................................................................... 41
2.3.2. O Direito Romano-Germânico .............................................................. 42
2.3.3. No Direito Inglês ................................................................................... 42
2.3.4. No Direito Norte-Americano .................................................................. 42
2.3.5. No Direito Alemão ................................................................................. 43
2.3.6. No Direito Francês ................................................................................ 44
2.4. A Previsão Legal da Teoria da Desconsideração no Direito Brasileiro .......... 44
2.4.1. Posicionamento Constitucional ............................................................. 44
2.4.2. A Teoria da Desconsideração no Código Civil Brasileiro ...................... 45
2.4.3. A Teoria da Desconsideração no Código de Defesa do Consumidor.. 45
2.4.4. Outras Leis Aplicáveis .......................................................................... 46
2.5. A Finalidade da Desconsideração da Personalidade Jurídica....................... 47
2.6. Conseqüências da Desconsideração da Personalidade Jurídica ................... 47
2.7. Teoria Maior e Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica........ 48
2.7.1. Teoria Maior .......................................................................................... 48
2.7.2. Teoria Menor ........................................................................................ 49
2.8. A Desconsideração e os Direitos da Personalidade ...................................... 50
2.9. Requisitos para a Aplicação da Teoria da Desconsideração......................... 51
2.9.1. Personificação ...................................................................................... 51
2.9.2. A fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial....52
2.9.2.1. Fraude ...................................................................................... 53
2.9.2.2. O Abuso de Direito ................................................................... 53
2.9.3 Imputação dos Atos Praticados pela Pessoa Jurídica ........................... 54
2.10. Critérios para o Deferimento do Pedido de Desconsideração...................... 56
2.11. A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a sua Função Social ....... 58
CAPÍTULO III
3. A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA ............. 60
3.1. O Conceito da Desconsideração Inversa ....................................................... 60
3.2. Evolução da Teoria no Direito Brasileiro ........................................................ 61
3.3. Pressupostos de Aplicação da Desconsideração Inversa da Personalidade
Jurídica.................................................................................................................. 62
3.4. Aplicação dos Princípios da Desconsideração da Personalidade Jurídica .... 63
3.5. Efeitos da Desconsideração Inversa .............................................................. 65
3.5.1. Quebra da Autonomia Patrimonial da Sociedade ................................. 65
3.5.2. Alcance dos Bens Patrimoniais da Sociedade ...................................... 66
3.6. A Desconsideração Inversa no Direito de Família ......................................... 67
3.7. A Desconsideração da Justiça do Trabalho............................................ 68
3.8. O Posicionamento da Jurisprudência ............................................................. 69
3.9. Opinião de profissionais da área................................................................... 77
CONCLUSÃO............................................................................................................ 80
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 82
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema a desconsideração da personalidade
jurídica, em sua forma inversa, com abordagem em suas peculiaridades. O objetivo
geral do presente estudo é analisar a desconsideração inversa da personalidade
jurídica e sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro.
O motivo da escolha desse tema foi em razão da análise do informativo de
jurisprudência nº 400 do Superior Tribunal de Justiça, o qual estava explicando o
julgamento do Recurso Especial nº 948117, que trata da desconsideração da
personalidade jurídica de forma inversa. Em estudos anteriormente realizados,
vimos a desconsideração da personalidade jurídica em sua forma convencional,
porém a sua forma inversa infelizmente ainda é pouco tratada pelos estudiosos, na
maior parte das vezes colocada apenas como uma pequena observação dentro do
estudo da desconsideração.
A desconsideração inversa da personalidade jurídica é o afastamento
temporário da personalidade jurídica da sociedade para, diversamente do que ocorre
na desconsideração propriamente dita, atingir o patrimônio social para cumprir
obrigações do sócio. Deve-se lembrar que a desconsideração na forma inversa não
responde por toda e qualquer dívida contraída pelo sócio, mas apenas por aquela
situação em que ele propositadamente criou, ou seja, o pedido de desconsideração
inversa deve ser específico para aquela situação. Por exemplo: o cônjuge sócio que
está em processo de separação e partilha de bens, no intuito de evitar a venda de
um automóvel, transfere a propriedade deste para a pessoa jurídica, mas continua o
usando para fins particulares.
A relevância desse tema é grande, pois, assim como a desconsideração
convencional, é mais uma importante forma de se preservar a sociedade, e objetiva,
principalmente, sua proteção. Tanto assim é, que o egrégio Superior Tribunal de
Justiça a aplicou para proteger o credor de boa fé contra o sócio mal intencionado.
A pesquisa utilizada para realização deste trabalho foi do tipo bibliográfica,
que é aquela que analisa um problema a partir de referências teóricas publicadas
11
em documentos. Os referenciais teóricos auxiliam a reforçar, justificar, demonstrar,
esclarecer, explicar o fenômeno estudado; deve-se explorá-lo a fim de que se dê
credibilidade ao que está sendo produzido em termos de produção acadêmicocientífica.
A pesquisa se dará a partir da análise de leis, doutrinas, jurisprudências e
toda e qualquer fonte sobre o tema. A análise da lei é indispensável, tendo em vista
que ela regula a sociedade. A doutrina é igualmente importante, pois é a fonte na
qual os estudiosos interpretam a lei. Por fim, indispensável ainda a análise da
jurisprudência, que é a interpretação dada pelos tribunais, compostos pelas pessoas
que atuam efetivamente no Direito.
No primeiro capítulo serão abordados alguns aspectos relevantes acerca da
sociedade empresária, dentre os quais o conceito geral de pessoa, bem como de
pessoa física e jurídica; as teorias a respeito da pessoa jurídica; a aquisição da
personalidade e da capacidade pela sociedade, bem como o registro da sociedade
empresária e o nome e a responsabilidade dos sócios; as sociedades personificadas
e não personificadas; as consequências legais da não personificação e benefícios
da personificação; aspectos gerais acerca das sociedades empresárias, como os
elementos de contrato das sociedades empresárias, as sociedades de pessoas e de
capital, a relação entre os sócios e as sociedades de capital e o princípio da
autonomia patrimonial.
No segundo capítulo, analisaremos a Desconsideração da Personalidade
Jurídica da Sociedade Empresária. Veremos seu conceito; a evolução histórica; a
desconsideração
no
Direito
Comparado;
a
previsão
legal
da
Teoria
da
Desconsideração no Direito Brasileiro; a finalidade da desconsideração da
personalidade jurídica; suas consequências; a Teoria Maior e Menor da
Desconsideração; a desconsideração e os direitos da personalidade; requisitos para
sua aplicação; critérios para deferimento do pedido; e a sua função social.
Por fim, no terceiro capítulo, abordaremos a Desconsideração Inversa da
Personalidade Jurídica e alguns temas relativos, como: seu conceito; evolução no
direito brasileiro; pressupostos para sua aplicação; aplicação dos princípios da
12
desconsideração da personalidade jurídica; efeitos da desconsideração inversa; sua
aplicação no direito de família e no direito do trabalho; o posicionamento da
Jurisprudência e, por fim, a opinião de um profissional da área.
Importante ressaltar que não se tem o objetivo de esgotar o tema, mas
principalmente apresentá-lo de uma forma ampla, sobretudo em razão de ser algo
bastante recente no ordenamento jurídico brasileiro.
13
CAPÍTULO I
1. A SOCIEDADE EMPRESÁRIA – ASPECTOS RELEVANTES
1.1. Conceito de Pessoa no Direito Brasileiro
De acordo com Washington de Barros Monteiro1 a palavra pessoa vem do
latim persona que era uma máscara usada no teatro. Persona era derivação do
verbo personare, que significava o ato de ecoar, fazer ressoar, isso porque a
máscara tinha um dispositivo que fazia ressoar mais intensamente a voz do artista.
Tempos depois, persona passou a significar o papel representado por aquele ator e,
por fim, passou a indicar a própria pessoa que representava o papel.
Para o citado autor, o Direito foi criado pela sociedade para regular as
relações entre as pessoas que a compõe. Em uma ilha, composta apenas por um
ser humano, não seria necessário que este se sujeitasse a nenhuma regra. A partir
do momento que surge outro ser humano é necessário que entre eles existam
regras para que haja um mínimo de convivência harmônica. É por isso que não
existe sociedade sem Direito e nem Direito fora da sociedade.
Ainda de acordo com o autor acima citado, os objetos e animais não são
concebidos como sujeitos de direito. No máximo são considerados como coisas.
Apenas as pessoas podem ser sujeitos de direitos. Observe-se que nem sempre
todo ser humano foi sujeito de direitos. Antigamente os escravos eram considerados
como coisas, ou seja, objetos que pertenciam a seus donos.
Pela doutrina tradicional2 e pelo Código Civil em seu artigo 1º, pessoa é o “ser
ao qual se atribuem direitos e obrigações”.
o
Art. 1 – Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
1
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil. v.1. São Paulo: Saraiva, 2006. p.58 e
59.
2
VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil. v.1. São Paulo: Atlas, 2010. p. 133.
14
Fábio Ulhoa3 distingue pessoa de sujeito de direito. Para ele, “sujeito de
direito é gênero do qual pessoa é espécie”. A pessoa pode realizar qualquer ato que
não seja legalmente proibido.
Por outro lado, conforme o autor acima citado, os sujeitos de direito
despersonalizados só podem praticar os atos jurídicos autorizados legalmente e que
são essenciais ao cumprimento de sua função. Ele cita como exemplos de sujeitos
de direito despersonalizados a massa falida, o condomínio horizontal, o nascituro, o
espólio etc.
Ainda de acordo com o citado autor, é necessário distinguir os sujeitos de
direito entre “humanos”, tendo como elementos a pessoa física e o nascituro, e
inanimados, que são as pessoas jurídicas e outras entidades despersonalizadas.
1.1.1. Pessoa Física
A pessoa física é o ser humano sujeito de direitos e obrigações. Porém não
basta apenas que seja ser humano. Para adquirir a personalidade é necessário que
esse ser humano nasça com vida. Dessa forma, o ser humano, ao nascer com vida,
adquire a personalidade, conforme dispõe o artigo 2° do Código Civil:
o
Art. 2 A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Segundo Venosa4, a personalidade é uma “qualidade ou atributo do ser
humano” que é essa aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na
ordem civil.
No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves5 ensina que personalidade é a
“possibilidade de figurar nos pólos da relação jurídica”.
3
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 14. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 09.
4
VENOSA., op. cit. p. 134.
5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 71.
15
1.1.2. Pessoa Jurídica
Segundo Carlos Roberto Gonçalves6, o ser humano é um ser social, pois não
vive sozinho, mas sim, em grupos. Muitas vezes as necessidades e desejos dos
indivíduos não podem ser supridos sem a ajuda de outras pessoas, em razão das
limitações individuais de cada um. Tendo em vista que esta necessidade de união
de esforços é uma necessidade humana, não há como ser ignorada pelo Direito,
que, então, passou a regulá-las.
O autor acima citado define as pessoas jurídicas como “entidades a que a lei
confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações”.
De acordo com Fábio Ulhoa7, diante de seu posicionamento anteriormente
exposto, vê-se que a pessoa jurídica é o “sujeito de direito inanimado
personalizado”.
O Mestre Luiz Otávio de Oliveira Amaral8 ensina que “pessoa jurídica é a
existência jurídica de uma sociedade, associação ou instituição, que aferiu o direito
de ter vida própria e isolada das pessoas físicas que a constituíram”.
1.1.2.1. Espécies de Pessoa Jurídica
As pessoas jurídicas são divididas em dois grupos: as de direito público e as
de direito privado, conforme se verifica no artigo 40 do Código Civil:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de
direito privado.
Fábio Ulhoa9 esclarece que a distinção entre pessoa jurídica de direito público
e de direito privado não se refere à origem dos recursos utilizados na formação, visto
que existem pessoas jurídicas de direito privado formadas apenas com dinheiro
6
GONÇALVES. op cit. p. 181-182.
COELHO, op cit., p. 11.
8
AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.
276.
9
COELHO, op. cit., p. 11
7
16
público, bem como pessoas jurídicas de direito público formadas apenas com
dinheiro de particulares. As pessoas jurídicas de direito público têm privilégios
maiores dos que as de direito privado, notadamente pelo fato de que os interesses
públicos têm mais importância do que os interesses privados.
O citado autor leciona que de fato, o que diferencia as pessoas jurídicas de
direito privado das de direito público é o regime jurídico a que estão submetidas.
Existe uma prioridade maior em relação aos serviços de maior interesse, dessa
forma, o interesse público tem uma valoração maior, e, portanto, tem uma maior
importância, enquanto que os serviços realizados pelas pessoas jurídicas de direito
privado, de regra, apenas interessa a um determinado grupo de pessoas, razão pela
qual tem uma menor relevância.
Conclui o autor acima referido que há ainda, a distinção, dentro do grupo de
pessoas jurídicas de direito privado, entre as estatais e as particulares. Desta vez, a
origem dos recursos é o que diferencia uma da outra. As estatais são aquelas nas
quais têm colaboração do poder público, enquanto as particulares são formadas
apenas por recursos particulares. Interessa, para este estudo, as pessoas jurídicas
de direito privado constituídas por recursos particulares, tendo em vista que é onde
se localiza a sociedade empresária.
No artigo 44 do Código Civil estão presentes as pessoas jurídicas de direito
privado:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações;
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
Fábio Ulhoa10 explica que dentre as pessoas expostas no artigo 44 do Código
Civil, apenas a fundação, a associação e a sociedade são pessoas jurídicas de
direito privado particular. A fundação é resultante da “afetação de um patrimônio a
determinadas finalidades, reputadas relevantes pelo instituidor”. Na associação e na
10
COELHO, op. cit. p. 13.
17
sociedade há a união de pessoas com objetivos iguais que se unem para alcançálos. A diferença entre elas é que na associação os objetivos podem ser filantrópicos,
sociais, ou qualquer outro não econômico. Na sociedade o fim é econômico, ou seja,
a união de esforços se dá com o objetivo de ganhar dinheiro.
Segundo Rubens Requião11, a palavra sociedade é destinada para “designar
a entidade constituída por várias pessoas, com objetivos econômicos”.
O artigo 981 do Código Civil dispõe:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente
se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade
econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Carlos Roberto Gonçalves12 ensina que dentro do conceito das sociedades, é
importante destacar que existem as simples e as empresárias. A sociedade simples,
em geral, é formada por profissionais de uma mesma área (médicos, dentistas,
engenheiros, advogados etc.) que objetivam se unir para aferir lucro. Apesar de
eventualmente poderem realizar atos próprios de empresário, o essencial é a
atividade principal exercida por estes.
A sociedade empresária será mais bem explicada em um tópico específico.
1.1.2.2. A Sociedade Empresária
Fábio Ulhoa13, em análise sobre a necessidade de surgimento das
sociedades, explica que a exploração de atividades econômicas de pequeno porte
pode ser realizada apenas por uma pessoa natural. Quando essa atividade começa
a crescer e se tornar mais complexa, surge a necessidade de aglutinar mais
esforços de pessoas interessadas nos lucros que a atividade propicia. Tal
aglutinação pode ter várias formas, dentre elas, a de uma sociedade.
11
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
387.
12
GONÇALVES, op. cit. p. 206.
13
COELHO, op. cit. p. 03.
18
Segundo Waldo Fazzio Júnior14, sociedade empresária é
(...) a pessoa jurídica de direito privado, implementada por um contrato, cujo
objeto social é a exploração de atividade empresarial, ou que,
independentemente de seu objeto, adota a forma societária por ações.
Fábio Ulhoa15 define a sociedade empresária como sendo “pessoa jurídica
que explora uma empresa”. O citado autor ensina que não são os sócios que são
empresários, mas sim a sociedade que é empresária, tendo em vista que é uma
pessoa jurídica e tem existência própria, independente das pessoas que a constituiu.
1.2. Teorias Sobre a Pessoa Jurídica
De
acordo
com
Marlon
Tomazette16,
desde
quando
se iniciou
o
reconhecimento da existência das pessoas jurídicas como sujeitos distintos dos
membros que a constituíram, surgiram diversas teorias que tentaram explicá-la.
1.2.1. Teoria Individualista
De acordo com o citado autor, essa teoria foi formulada por Rudolf Von
Ihering17, que acreditava que não existia personalidade jurídica própria para as
pessoas jurídicas. De acordo com essa teoria, quem tinha a personalidade seriam as
pessoas que compõe a sociedade e não a sociedade como ser autônomo. Essa
teoria encontra-se superada.
14
JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de direito comercial. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 110.
COELHO, op. cit. p. 05.
16
TOMAZETTE, Marlon. Direito Societário. 2. ed. atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 48.
17
Rudolf Von Ihering - Jurista e romancista alemão nascido em Aurich, Frísia, pioneiro na defesa da
concepção do direito como produto social e fundador do método teleológico no campo jurídico e cuja
obra influenciou diversas outras em todo o mundo ocidental. Iniciou o estudo do direito na famosa
cidade universitária de Heidelberg, completando-o em Göttingen, e doutorou-se em direito na
Universidade de Berlim (1842). No campo jurídico logo adquiriu renome e foi convidado para lecionar
como professor universitário na Basiléia, Suíça (1845). Depois, lecionou sucessivamente nas
universidades de Kiel (1849), de Giessen (1852), onde escreveu seu principal trabalho sobre Direito
Romano e, finalmente, em Viena (1862-1872), onde se notabilizou como professor de Direito
Romano. Estabeleceu seu pensamento jurídico, baseado no estudo das relações entre o direito e as
mudanças sociais. Expôs seu trabalho em uma obra de quatro volumes Der Geist des römischen
Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung (1852-1865). A seguir passou a ensinar na
Universidade de Göttingen, onde ficou por mais de 20 anos e escreveu outra importante obra: Der
Zweck im Recht, 2 Vol (1877-1883). Figura ímpar na história do direito alemão, morreu em Göttingen,
Alemanha. Outras obras de destaque suas foram Ueber den Grund des Besitzesschutzes (1869), Der
Kampf ums Recht (1872), Das Trinkgeld (1882), Scherz und Ernst in der Jurisprudenz (1884) e Der
Besitzwille (1889).
15
19
1.2.2. Teoria da Ficção
Ainda conforme o referido autor, essa teoria foi criada por Savigny18, e
afirmava que a pessoa jurídica era um ser fictício e sua personalidade era artificial,
tendo em vista que a expressão da vontade é inerente apenas aos seres humanos.
A principal crítica dessa teoria é que vê a sociedade apenas como um ente fictício.
1.2.3. Teoria da Vontade
Da mesma forma, o supracitado autor explica que essa teoria, assim como a
da ficção, acredita que a vontade é personificada. A vontade do ser humano é que
teria personalidade, e nas sociedades, a vontade que a criou é que tem
personalidade. Comete, também, o mesmo erro da teoria da ficção, pois vê a
sociedade como um ente fictício.
1.2.4. Teoria do Patrimônio de Afetação
Continuando,
o
citado
autor explica
que,
segundo essa teoria,
a
personalidade pertencia ao patrimônio separado para a constituição da sociedade.
Tal teoria não prosperou pelo fato que o patrimônio não é fundamental para
constituição
da
sociedade,
pois
há
pessoas
jurídicas
que
existem
independentemente de terem um patrimônio.
18
Friedrich Karl von Savigny - Jurista alemão nascido em Frankfurt am Main, um dos fundadores da
chamada escola histórica da jurisprudência. De origem nobre, fez o curso de direito nas
universidades de Marburg e Göttingen, Alemanha, e firmou sua reputação ao publicar Das Recht des
Besitzes(1803). Professor de direito romano na Baviera (1808), assumiu a cadeira dessa matéria na
Universidade de Berlim (1810). Como professor de direito em Heidelberg (1814), em oposição a idéia
de um código civil único para todos os estados alemães, escreveu o panfletoVom Beruf unserer Zeit
für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (1814), em que defendeu, como pré-requisito para
elaboração de leis, a apreciação do espírito de cada comunidade em particular. Fundou (1815),
juntamente com outros colaboradores, o Zeitschrift für geschichtliche Rechtswissenschaft, o Jornal de
Jurisprudência Histórica, que se tornou o órgão de divulgação da nova escola. Foi nomeado para
integrar a comissão de revisão do código prussiano (1826) e abandonou a carreira universitária
(1842) para assumir o cargo ministerial de chefe do recém-criado Departamento de Revisão de
Estatutos e encerrou sua carreira oficial com a revolução (1848). Faleceu em Berlim, Prússia, e entre
suas mais importantes obras figuraram a monumental Geschichte des römischen Rechts im
Mittelalter (1815-1831), a base do estudo moderno do direito medieval, e System des heutigen
römischen Rechts (1840-1849), sobre o direito romano na Europa moderna.
20
1.2.5. Teoria da Instituição
Marlon Tomazette19, citando Maurice Hauriou, afirmou que as pessoas
jurídicas eram “instituições destinadas a execução de um serviço público ou privado,
construções destinadas ao atendimento de uma finalidade. Nem toda instituição
seria uma pessoa moral, mas toda pessoa moral seria uma instituição”.
Silvio Rodrigues20, discorrendo sobre a Teoria da Instituição assim explica:
(...) A constituição de uma instituição envolve: uma idéia que cria um vínculo
social, unindo indivíduos que visam a um mesmo fim; e uma organização,
ou seja, um conjunto de meios destinados à consecução do fim comum. A
instituição tem uma vida interior representada pelas atividades de seus
membros, que se reflete numa posição hierárquica estabelecida entre os
órgãos diretores e os demais componentes, fazendo, assim, com que
apareça uma estrutura orgânica. Sua vida exterior, por outro lado,
manifesta-se através de sua atuação no mundo do direito, com o escopo de
realizar a idéia comum.
Segundo Tomazette21, diante desse conceito do que é a instituição, não seria
possível se adaptar às sociedades e associações, tendo em vista que “suprime a
realidade dos associados que são o elemento dominante em tais pessoas jurídicas”.
1.2.5. Teoria da Realidade Objetiva ou Orgânica
Essa teoria, de acordo com o autor citado acima, vê a pessoa jurídica como
uma realidade que preexiste a lei. As pessoas jurídicas possuíam uma vontade
própria, manifestando ainda um direito exercido por um sujeito de direito. Desta
forma, pode-se ver que essa teoria vê a pessoa jurídica como um “organismo
natural”, assim como os seres humanos, “possuindo uma vontade própria, interesses
próprios e patrimônio próprio”.
Porém, de acordo com o referido autor, o erro desta teoria é identificar a
vontade da pessoa jurídica com a da pessoa física, tendo em vista que a realidade
orgânica existe apenas nos seres humanos.
19
Tomazette, op. cit. p. 51. – apud -– HAURIOU, Maurice. La teoría de la institución y de la
fundación. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1968, p. 41.
20
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 30. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, v.1, p. 66-67.
21
TOMAZETTE, op. cit. p. 52.
21
1.2.6. Teoria da Realidade Técnica
Essa é a teoria mais aceita pela doutrina. Tomazette22 explica que a
existência da pessoa jurídica é reconhecida pelo direito, porém essa realidade não
se confunde com a realidade do ser humano. A realidade conferida às pessoas
jurídicas é meramente técnica. Essa é a posição sofre críticas pelo fato de ser
extremamente positivista, mas é a mais aceita.
1.3. Aquisição da Personalidade e da Capacidade da Sociedade Empresária
Segundo Rubens Requião23, após a formação da sociedade comercial pela
união das vontades individuais, a principal consequência é o surgimento de sua
personalidade jurídica. Essa sociedade passa a ter existência independente da de
seus sócios, possuindo um patrimônio próprio, órgãos de deliberação e execução
que ditam e fazem cumprir a sua vontade. Seu patrimônio, em relação às
obrigações, assegura sua responsabilidade direta em relação a terceiros.
No direito brasileiro, às sociedades foi conferida ampla personalidade. Para
Fábio Ulhoa24, isso significa dizer que em razão de ser “sujeito de direito inanimado
personalizado”, pode praticar qualquer ato ou negócio jurídico que a lei não proíba.
Dessa forma, tendo em vista que a sociedade é sujeito de direito
personalizado, é também, nos termos do artigo 1º do Código Civil, capaz de direitos
e deveres na ordem civil.
Waldo Fazzio Júnior25 explica que “a personalidade jurídica da sociedade
empresária começa com o registro, cujos efeitos retroagem à data do ato
constitutivo”. Dessa forma, a partir do arquivamento do ato na junta comercial, é
quando de fato, a sociedade adquire sua personalidade jurídica.
22
TOMAZETTE, op. cit. p. 54.
REQUIÃO, op. cit. p. 402-403.
24
COELHO, op. cit. p. 11.
25
JÚNIOR, op. cit. p. 112-113.
23
22
Rubens Requião26 explica que os principais efeitos da personalidade jurídica
são os seguintes:
1. Será considerada como uma pessoa, ou seja, sujeito capaz de direitos e
deveres. E, conforme o artigo 1.022 do Código Civil:
Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede
judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não
os havendo, por intermédio de qualquer administrador.
2. Tendo em vista que a sociedade tem personalidade jurídica própria,
independente da existência dos sócios que a constituíram, estes não
adquirem qualidade de comerciantes.
3. Possui patrimônio próprio, que responde pelas obrigações por ela
assumidas.
4. Pode modificar sua estrutura, jurídica e economicamente, ou apenas
substituindo as pessoas pela cessão ou transferência de parte do capital.
1.3.1. O Registro da Sociedade Empresária
O artigo 45 do Código Civil dispõe:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado
com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Da mesma forma, a sociedade também adquire sua personalidade jurídica a
partir do registro:
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no
registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e
1.150).
Gladston Mamede27 afirma que o ato constitutivo é o primeiro documento
escrito que compõe a pessoa jurídica. Na sociedade simples comum, na sociedade
26
REQUIÃO, op. cit. p. 413.
MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. V. 2. São Paulo:
Atlas, 2004. p. 62.
27
23
em nome coletivo, na sociedade em comandita simples e na sociedade limitada, o
ato constitutivo será um contrato social. Já na associação, na fundação, na
sociedade cooperativa, na sociedade anônima ou na sociedade em comandita por
ações, o ato constitutivo será o estatuto.
Explica ainda o referido autor que o ato constitutivo é um acordo de vontades,
registrado no documento próprio e que rege a relação entre os membros da
sociedade, definindo como aquelas pessoas irão administrar a sociedade. O autor
acima citado ensina que, internamente, entre os sócios, não existe personificação, e,
inclusive, compara a sociedade a um dragão chinês: no lado externo, todos vêem
um dragão, mas internamente existem as pessoas que devem realizar atos
ordenados para movimentarem corretamente o dragão.
De acordo com Fábio Ulhoa28, basta a união de vontades para que exista a
nova pessoa, ou seja, basta o contrato, mesmo que verbal. Certamente, caso não
seja efetuado o registro, a situação dela estará irregular. Mas, mesmo assim já deve
ser considerada uma pessoa, “tendo em vista o conceito de personalização, que é o
de atribuição genérica de aptidão para os atos jurídicos”.
Diante do exposto, conclui-se que o início da personalidade da sociedade
empresária se dá com o registro de seu ato constitutivo (contrato social) na
respectiva junta comercial, iniciando-se assim os efeitos de sua personalidade.
1.3.2. O Nome e a Responsabilidade dos Sócios
O artigo 16 do Código Civil, assim determina:
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e
o sobrenome.
Já o artigo 52 prevê expressamente:
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos
direitos da personalidade.
28
COELHO, op. cit. p.
24
Gladston Mamede29 ensina que o nome é um:
(...) sinal linguístico que permite a determinação de sua identidade e de sua
individualidade, regra que não se limita às pessoas naturais, que têm
prenome e sobrenome, estendendo-se às pessoas jurídicas.
O nome é um direito da personalidade e serve para identificar e individualizar
as pessoas. Existem duas formas de nome para a sociedade: a firma social ou razão
social, ou a denominação.
De acordo com o referido autor, a firma é composta pelo nome pessoal do
empresário ou dos sócios, no caso da sociedade. A firma social deve-se submeter
ao principio da veracidade, pois é preciso refletir verdadeiramente a composição
societária. Por essa razão, caso um sócio venha a falecer, for excluído ou se retirar
da sociedade, seu nome não poderá mais fazer parte da firma social.
Continua o citado autor que o uso da firma social é obrigatório em sociedades
em que os sócios respondem com seu patrimônio pessoal pelas obrigações da
sociedade. Porém, não é necessário que a firma seja composta pelo nome de todos
os sócios. Pode-se usar o nome de apenas um, acrescido da expressão e
companhia, ou sua forma abreviada e Cia ou & Cia. Por exemplo, caso haja uma
sociedade composta com os sócios José Nilson, Carlos Roberto e João da Silva,
poder-se-ia usar José Nilson & Cia, mas usar o nome José Nilson, Carlos Roberto e
João da Silva & Cia não seria possível, pois iria ferir o Princípio da Veracidade.
Ainda de acordo com Mamede, importante observar que apenas o uso da
firma não significa necessariamente que a responsabilidade dos sócios é ilimitada. A
sociedade limitada, em que os sócios não respondem com seu patrimônio pelas
obrigações da sociedade, pode utilizar a firma, porém deve usar a expressão
limitada ou sua abreviatura ltda.
Explica ainda o autor supracitado que o uso da denominação confere ao sócio
uma liberdade maior, tendo em vista que não precisa respeitar o Princípio da
Veracidade, ou seja, pode utilizar qualquer palavra na composição de seu nome,
29
MAMEDE, op. cit. p. 93.
25
devendo respeito apenas ao Princípio da Novidade, o que significar dizer que no uso
da denominação, o nome deve ser único para que não haja confusão.
Porém, o de acordo com o autor supracitado, não se admite uso de
“palavrões, palavras que firam o pudor, nomes ou apelidos de pessoas naturais que
não tenham expressamente admitido a sua utilização, termos ou expressões que
possam enganar ou confundir o público”, dentre outras hipóteses. Ou seja, uso dos
termos não pode contrariar a moral pública.
Ainda de acordo com os ensinamentos do citado autor, analisemos como se
compõe o nome de acordo com o tipo da sociedade:
1. Sociedade em nome coletivo: deve-se se usar a firma, respeitando
o Princípio da Veracidade. Caso use o nome de apenas um, devese acrescentar a expressão e companhia ou sua abreviatura e Cia
ou & Cia.
2. Sociedade em comandita simples: tendo em vista que neste tipo
societário existem sócios tanto de responsabilidade limitada como
ilimitada, usará firma, composta com o(s) nome(s) do(s) sócio(s) de
responsabilidade ilimitada.
3. Sociedade limitada: pode usar firma ou denominação, porém é
obrigatório o acréscimo da expressão limitada ou a abreviatura ltda.
4. Sociedade cooperativa: usa-se denominação, acrescentando-se,
obrigatoriamente, a palavra cooperativa e a descrição de seu objeto
social.
5. Sociedade anônima: usará denominação, além de especificar o tipo
de sociedade, através da expressão sociedade anônima ou suas
formas abreviadas: S.A ou S/A, colocando-se em qualquer local do
nome, ou da palavra companhia ou suas abreviações, colocadas no
26
início ou no meio do nome. Deve-se acrescentar a designação do
objeto social.
6. Sociedade em comandita por ações: pode ser usada tanto a firma
como denominação. Se for usada a firma, deve conter apenas o
nome do sócio que responde ilimitadamente, no caso, diretores ou
gerentes. Deve constar ainda a expressão comandita por ações no
nome empresarial. Caso seja utilizada a denominação, além da
expressão comandita por ações, deve-se designar o objeto social.
7. Microempresa e empresa de pequeno porte: deve-se usar, ao final
do nome empresarial, a expressão microempresa ou empresa de
pequeno porte, ou suas abreviações, respectivamente, ME ou EPP.
Por fim, o autor acima referido ressalta que não se deve confundir nome
empresarial com titulo do estabelecimento. O nome é a identificação da sociedade,
já o título do estabelecimento é um nome fantasia dado ao estabelecimento. Temos
como exemplo a Companhia Brasileira de Distribuição que tem como título do
estabelecimento EXTRA.
1.4. As Sociedades Personificadas e Não Personificadas
São personificadas as seguintes sociedades:
1) Sociedade Simples – A sociedade simples, conforme visto acima, é a união
de profissionais de uma mesma área, que se unem com o objetivo de auferir
lucro.
2) Sociedade em Nome Coletivo – De acordo com Mamede30, pode ser simples
ou empresária e só pode ter como sócios pessoas físicas, tendo em vista que
é “sociedade intuito personae cuja presença na coletividade social é fruto de
mútuo reconhecimento e aceitação”.
30
MAMEDE, op. cit. p. 102.
27
3) Sociedade em Comandita Simples – o supracitado autor explica que
comanditar “traduz a ideia de prover fundos para uma atividade negocial,
simples ou empresária, que será gerida por terceiros”. Existem dois tipos de
sócios: os comanditários que provém os fundos; e o comanditado, que
administra a atividade negocial.
4) Sociedade Limitada – Este tipo societário é explicado no artigo 1.052 do
Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é
restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela
integralização do capital social.
5) Sociedade Anônima – Na sociedade anônima, que também é chamada de
companhia, há a divisão do capital em ações, e cada sócio responde apenas
pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir. Nesse sentido,
dispõe o artigo 1.088 do Código Civil:
Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em
ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de
emissão das ações que subscrever ou adquirir.
6) Sociedade em Comandita por Ações – O autor acima citado31 explica que a
sociedade por ações pode adquirir a forma de sociedade em comandita por
ações, que é a sociedade na qual “o capital está igualmente dividido em
ações e que se rege pelas normas aplicáveis à sociedade anônima”.
7) Sociedade Cooperativa – Ainda de acordo com Mamede, são sociedades
simples que têm finalidade econômica, mas não têm finalidade lucrativa. “O
objeto social de uma sociedade cooperativa será um gênero de serviço,
operação ou atividade, prestados diretamente a seus cooperados”.
31
MAMEDE, op. cit. p. 194.
28
Não personificadas:
1) Sociedade em comum – De acordo com Fran Martins32, são conhecidas
também como sociedades de fato, e são aquelas que desempenham suas
atividades sem organização legal, ou seja, sem registro na junta comercial, e,
portanto, não têm personalidade.
2) Sociedade em conta de participação – De acordo com o autor acima citado, é
a união de duas ou mais pessoas, “com identidade de propósitos, e qualidade
comum, sendo uma delas empresária, desenvolve uma ou mais atividades,
cuja responsabilidade cabe ao sócio ostensivo”.
1.4.1. As Consequências Legais da Não Personificação
O arquivamento dos atos constitutivos da empresa é uma das obrigações dos
sócios. Como já visto anteriormente, a aquisição da personalidade jurídica da
sociedade se dá com o registro da empresa, que acontece com o arquivamento dos
atos constitutivos na junta comercial. De acordo com João Glicério de Oliveira
Filho33, caso o sócio assim não proceda, será considerado empresário irregular ou
de fato, e sofrerá diversas consequências, dentre as quais:
1. Não poderá requerer recuperação judicial – a Lei 11.101/2005 exige,
em seu artigo 48, que para requerer o benefício da recuperação judicial
deve-se exercer regularmente sua atividade há pelo menos 2 (dois)
anos, dentre outros requisitos;
2. Não poderá requerer falência de um devedor seu – o artigo 97, § 1°, da
Lei 11.101/2005 assim dispõe:
32
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 33. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2010. p. 219.
33
FILHO, João Glicério de Oliveira. Do registro de empresa: Uma análise dos dez anos da Lei nº
8934/1994 diante do Código Civil Brasileiro de 2002. Disponível em:
http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BDB3FFC04-9CFD-47AF-A092A130966268BC%7D_DO%20REGISTRO%20DE%20EMPRESA,%20UMA%20AN%C3%81LISE%20
DOS%20DEZ%20ANOS%20DA%20LEI%20N%5B1%5D.doc. Acesso em: 12 de setembro de 2010
às 08h30m.
29
Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:
(...)
o
§ 1 O credor empresário apresentará certidão do Registro Público de
Empresas que comprove a regularidade de suas atividades.
3. Seus livros comerciais não poderão ser autenticados – dentre as
atividades das juntas comerciais, umas delas é o ato de autenticação.
Essa autenticação se refere à escrituração dos empresários. As
sociedades devem autenticar seus livros, pois é uma condição de
regularidade. Essa autenticação está prevista no artigo 39 da Lei
8.934/94.
Art. 39. As juntas comerciais autenticarão:
I - os instrumentos de escrituração das empresas mercantis e dos agentes
auxiliares do comércio;
II - as cópias dos documentos assentados.
Parágrafo único. Os instrumentos autenticados, não retirados no prazo de
30 (trinta) dias, contados da sua apresentação, poderão ser eliminados.
O parágrafo único do artigo 1.181 do Código Civil assim dispõe:
Art. 1.181.
(...)
Parágrafo único. A autenticação não se fará sem que esteja inscrito o
empresário, ou a sociedade empresária, que poderá fazer autenticar livros
não obrigatórios.
4. Não poderá se habilitar nas licitações – a licitação é a forma de
contratar com o poder público. Para se habilitar, o artigo 28, inciso III,
assim exige:
Art. 28. A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso,
consistirá em:
(...)
III – ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente
registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de
sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus
administradores;
(...) (grifo nosso).
5. Responsabilidade solidária e ilimitada – o artigo 990 do Código Civil
assim determina:
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas
obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024,
aquele que contratou pela sociedade.
30
Isto se dá pelo fato de que, tendo em vista que esta sociedade não tem
personalidade, não há o que se falar em autonomia patrimonial.
6. Os bens e as dívidas são patrimônio comum dos sócios – O artigo 988
do Código Civil assim determina:
Art. 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual
os sócios são titulares em comum.
Esta consequência se dá também pelo fato da inexistência de
autonomia patrimonial da sociedade não personificada.
7. Só poderá provar as relações entre si e com terceiros por escrito,
conforme determina o artigo 987 do Código Civil:
Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por
escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem
prová-la de qualquer modo.
8. A sociedade também não possuirá CNPJ e, portanto, terá que arcar
com as consequências legais, em especial, tributárias.
9. Não possuirão cadastro junto ao INSS e, portanto, arcará com os
prejuízos, inclusive penais, dependendo do caso, diante desta
irregularidade.
10. Por fim, não será possível adotar a forma de microempresa, não
podendo usufruir dos benefícios desta condição.
31
1.4.2. Os Benefícios Legais da Sociedade Personificada
De acordo com Waldo Fazzio Júnior34, os efeitos da aquisição da
personalidade jurídica são os seguintes:
1. Titularidade Jurídica Negocial: é a realização de negócios pela pessoa
jurídica. No caso, o sócio atua representando a pessoa jurídica e, dessa
forma, quem realiza o negocio é esta;
2. Titularidade Jurídica Processual: é a possibilidade de figurar em um dos
pólos da relação jurídica; possibilidade de demandar e ser demandada
juridicamente; e
3. Titularidade Jurídica Patrimonial: tem patrimônio próprio, que não se
confunde com os bens de seus sócios e esses bens respondem pelas
obrigações que a pessoa jurídica assumir.
Como já analisado anteriormente, a partir do conceito de Fábio Ulhoa 35, ao
adquirir personalidade, a nova pessoa jurídica goza de ampla capacidade. Isso é,
pode fazer tudo o que a lei não proíbe. Comparativamente ao explicado
anteriormente, vê-se que a pessoa jurídica pode requerer recuperação judicial (caso
esteja em funcionamento regular a pelo menos dois anos e preencha outros
requisitos); pode requerer a falência de um devedor seu; seus livros podem ser
autenticados; podem se habilitar em processo licitatório e, portanto, contratar com o
poder público; em decorrência da autonomia patrimonial, o patrimônio pessoal do
sócio não responde pelas obrigações da sociedade, e mesmo quando este sócio
tiver responsabilidade ilimitada, sua responsabilização será subsidiária, ou seja,
primeiro deverá esgotar todo o patrimônio social; dentre várias outras vantagens.
34
35
JÚNIOR, op. cit. p. 114.
COELHO, op. cit. p. 09.
32
1.5. Aspectos Relevantes das Sociedades Empresárias
Nesta parte, serão analisados alguns aspectos relevantes acerca das
sociedades empresárias.
1.5.1. Elementos do Contrato de Sociedade Empresária
1.5.1.1. Elementos Gerais
De acordo com Marlon Tomazette36, Os elementos gerais que compõe a
sociedade são o consenso, objeto lícito e a forma prescrita ou não defesa em lei.
Passemos a analisar cada um deles.
1.5.1.1.1. Consenso
O consenso é abordado por Rubens Requião37 e significa uma livre
manifestação da vontade de se associar. O consenso se refere ainda à capacidade
do agente que deseja se associar.
1.5.1.1.2. Objeto Lícito
Segundo Tomazette38, deve haver licitude do objeto social. As atividades
sociais não podem violar a lei nem os bons costumes. Caso haja presença de
contrato que fere a lei ou os bons costumes, as juntas comerciais não arquivam seus
atos constitutivos. Nesse sentido, determina a Lei 8.934/94, em seu artigo 35, I:
Art. 35. Não podem ser arquivados:
I - os documentos que não obedecerem às prescrições legais ou
regulamentares ou que contiverem matéria contrária aos bons costumes ou
à ordem pública, bem como os que colidirem com o respectivo estatuto ou
contrato não modificado anteriormente;
36
TOMAZETTE, op. cit. p. 33.
REQUIÃO, op cit. p. 416.
38
TOMAZETTE, op. cit. p. 35.
37
33
1.5.1.1.3. Forma Prescrita em Lei
Rubens Requião39 afirma que, no direito brasileiro, a lei não exige forma
especial para a formação da sociedade.
Nesse mesmo sentido Tomazette40 ensina que basta a manifestação de
vontade de duas ou mais pessoas para a formação da sociedade.
Porém, conforme o autor acima citado, para se adquirir personalidade jurídica
e gozar de vantagens concedidas pelas leis mercantis e tributárias, deve-se arquivar
seus atos na junta comercial, tema já abordado anteriormente.
Desta forma, de acordo com o referido autor, pode-se ver que a forma das
sociedades empresárias é livre, e para que obtenham algumas vantagens, deve ser
realizada de forma escrita e o consequente arquivamento dos atos constitutivos na
Junta Comercial.
1.5.1.2. Elementos Específicos
Conforme ensina o autor supracitado, os elementos específicos do contrato
de sociedade empresária são a pluralidade de sócios; a contribuição para o capital
social; a participação nos lucros e nas perdas; e a affectio societatis.
1.5.1.2.1. Pluralidade de Sócios
O referido autor nos lembra que contrato é o acordo de vontades entre duas
ou mais pessoas. Desta forma, é inegável que no contrato social também exista
essa exigência. Pode-se ver que em alguns dispositivos do Código Civil exige-se a
presença de duas ou mais pessoas. No artigo 997, I do Código Civil que trata dos
elementos do contrato social da sociedade simples, exige-se: nome, nacionalidade,
estado civil, profissão e residência dos sócios. Desta forma, por estar escrito no
plural, vê-se que a sociedade, em regra, não pode ser composta por apenas uma
39
40
REQUIÃO, op. cit. p. 417.
TOMAZETTE, op. cit. p. 22.
34
pessoa. O artigo 981 estabelece que celebram contrato de sociedade as pessoas,
igualmente escrito no plural.
Diante no exposto, vemos que a presença de duas ou mais pessoas é uma
exigência legal.
1.5.1.2.2. Contribuição para o Capital Social
O capital social, de acordo com Tomazette41, é o patrimônio inicial da
sociedade, que é formado no momento de sua constituição. É conhecido também
como fundo inicial. Todos os sócios devem contribuir para o capital social. Em regra,
esta contribuição se dá por dinheiro, porém pode ser feita ainda com bens ou
trabalho. O capital social não se confunde com o patrimônio social, visto que o
capital social é a base econômica que garante o funcionamento da sociedade,
enquanto o patrimônio está oscilando a todo o momento. A integralização de
patrimônio ao capital social se dá em regra no começo da sociedade, mas pode ser
realizado a qualquer momento.
1.5.1.2.3. Participação nos Lucros e nas Perdas
O artigo 1.008 do Código Civil assim determina:
Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de
participar dos lucros e das perdas.
Apesar de essa estipulação estar prevista no capítulo referente à sociedade
simples, Tomazette42 lembra que “se aplica subsidiariamente aos demais tipos
societários”.
De acordo com o autor supracitado, a participação nos lucros e nas perdas
pode não se dar de forma igualitária, como muitas vezes acontece, porém em maior
ou menor proporção, ela deve estar presente. A forma dessa divisão desigual deve
estar prevista nos atos constitutivos destas sociedades, e caso não haja estipulação
41
42
TOMAZETTE, op. cit. p. 38.
TOMAZETTE, op. cit. p. 40.
35
expressa, se dará de forma proporcional à participação no capital social. Nesse
sentindo, dispõe o Art. 1.007 do Código Civil:
Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das
perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição
consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média
do valor das quotas.
1.5.1.2.4. Affectio Societatis
É a característica mais específica da sociedade. Não significa apenas o
acordo de vontade. Quer dizer, conforme explica o citado autor, a “vontade de
cooperação ativa dos sócios, a vontade de atingir um bem comum”.
E, de acordo com Rubens Requião43, a affectio societatis é o que distingue a
sociedade dos demais tipos de contratos.
1.5.2. As Sociedades de Pessoas e as Sociedades de Capital
De acordo com Fábio Ulhoa44, este critério busca analisar “o grau de
dependência da sociedade em relação às qualidades subjetivas dos sócios”.
Certamente, é impossível a existência de uma sociedade sem algum destes
elementos (sócios e capital). Porém, tal classificação visa averiguar a maior ou
menor relevância de cada um destes elementos, a depender da sociedade. Isso
quer dizer que em alguns tipos de sociedade depende-se das características dos
sócios, ou seja, de suas qualidades como pessoas, enquanto que em outros tipos de
sociedades tais atributos não têm importância.
Como exemplo, temos a situação de duas amigas que resolvem se associar e
abrir um salão de beleza feminino. Neste caso, é necessário observar os atributos
pessoais de cada um delas, sua qualidade como manicure ou cabeleireira, seu grau
de comprometimento com as clientes, sua organização na realização dos serviços,
dentre outros atributos.
43
44
REQUIÃO, op. cit. p. 427.
COELHO, op. cit. p.24.
36
Nestes casos, onde se deve averiguar as características pessoais dos sócios,
Fábio Ulhoa45 ensina que a “cessão da participação societária depende da anuência
de outros sócios”, ou seja, para que se possa, no exemplo dado, contratar uma nova
manicure, é preciso que as outras sócias concordem.
Nas sociedades de capital, conforme o citado autor, os atributos dos sócios
não influenciam em nada para o bom andamento do negócio. Basta apenas que o
sócio empregue o capital na atividade. Como exemplo, temos uma grande empresa
que tenha vários sócios acionistas. Basta apenas o investimento desse sócio para
que tudo ocorra da melhor forma possível. Neste tipo de empresa, “o sócio pode
alienar sua participação societária a quem quer que seja, independente da anuência
dos demais”.
1.5.3. O Princípio da Autonomia Patrimonial
De acordo com o supracitado autor, o princípio da autonomia patrimonial é
decorrência da aquisição da personalidade jurídica da sociedade. Ou seja, para que
exista a autonomia, é necessário que a sociedade seja personalizada.
O referido autor ensina que a atividade empresária tem como característica
ser muito arriscada. A empresa está exposta a muitos fatores que em alguns casos
podem significar seu sucesso e outros que podem acarretar o seu fracasso. Os
sócios, quando vão se “arriscar” nessa atividade, separaram um patrimônio
especifico para investir na sociedade. O Princípio da Autonomia Patrimonial tem
esse objetivo de motivar as pessoas a se associarem, pois, caso a atividade não dê
certo por eventual erro dos sócios ou por razões alheias à vontade das pessoas, o
patrimônio separado é que responderá pelos prejuízos advindos do fracasso da
sociedade, e dependendo do tipo de sociedade, após a liquidação da empresa que o
patrimônio dos sócios responderá pelas obrigações sociais.
Além do mais, segundo o referido autor, caso não existisse a autonomia
patrimonial, as pessoas apenas investiriam em empresas grandes, que seus lucros
45
COELHO, op. cit. p. 25.
37
permitiriam que o sócio formasse um grande patrimônio, que não se perdesse
completamente no caso de responsabilização do sócio. Para que haja um lucro de
tamanhas proporções, seria necessário que a empresa reduzisse os custos e
praticasse preços elevados. O Princípio da Autonomia Patrimonial “socializa as
perdas decorrentes do insucesso da empresa entre seus sócios e credores,
propiciando o cálculo empresarial relativo ao retorno dos investimentos”.
A autonomia patrimonial encontra-se descrita no artigo 1.023 do Código
Civil:
Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas,
respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das
perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
O Desembargador Henrique Oswaldo Poeta Roenick, citado por Eduardo
Lessa Bastos46, assim fundamentou:
(...) A regra geral, em todos os domínios do ordenamento jurídico, continua
sendo a da distinção entre o patrimônio da empresa e o dos seus sócios,
princípio que somente cede diante das circunstâncias especiais em que se
admite a desconsideração da personalidade.
O Código Civil de 2002 não repetiu o artigo 20 do Código Civil de 1916,
porém, de acordo com a jurisprudência, o artigo 1.023 do Código Civil de 2002 é
equivalente:
(...) Acontece que não se pode confundir a pessoa física com a pessoa
jurídica. É o que dizia o art. 20, do Código Civil de 1916: “As pessoas
jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. Embora esse
dispositivo não tenha sido repetido no Código Civil de 2002, manteve-se
essa característica, como se apanha, por exemplo, do art. 1.023 do novo
Estatuto: “Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem
os sócios pelo saldo, na proporção em que participarem das perdas sociais,
salvo cláusula de responsabilidade solidária”. Apelação Cível em Mandado
de Segurança Processo: 2005.022620-7; Relator: Jaime Ramos; Data:
20/09/2005.
46
BASTOS, Eduardo Lessa. Desconsideração da personalidade jurídica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003. p. 10.
38
A autonomia patrimonial pode ser verificada, ainda, na hipótese prevista no
artigo 596 do Código de Processo Civil:
Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da
sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo
pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os
bens da sociedade.
o
§ 1 Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da
sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos
bastem para pagar o débito.
Neste capítulo, pôde-se concluir que o Direito conferiu personalidade às
sociedades, com o objetivo de reduzir os riscos da atividade empresarial e trazer
melhores estímulos para seu exercício. Porém, sabe-se que, infelizmente, existem
pessoas mal intencionadas que buscam no ramo empresarial formas de praticar
diversos atos inidôneos. É nestes casos que se aplica a desconsideração
momentânea da personalidade jurídica, tema que será mais bem abordado no
próximo capítulo.
39
CAPÍTULO II
2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE
EMPRESÁRIA
2.1. Conceito de Desconsideração da Personalidade
A desconsideração da pessoa jurídica ou teoria da penetração também é
conhecida como disregard of legal entity, disregard doctrine, lifting the corporate veil
(Estados Unidos), superamento della personalitá guiridica (Itália) e durchgriff der
juristichen person (Alemanha).
De acordo com Fábio Ulhoa47, apesar das diversas vantagens advindas da
personalidade jurídica, em muitos casos a autonomia patrimonial é utilizada de
forma incorreta, pois pode-se usar a sociedade para se realizar fraude contra os
credores, ou mesmo prática de abuso de direito. Muitas vezes, interesses de
credores ou de terceiros, lembra o citado autor, “são indevidamente frustrados por
manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração dos mais variados
contratos empresariais, ou mesmo realização de operações societárias...”. Todos
esses artifícios são realizados por trás do “véu da personalidade jurídica”, ou seja,
sob sua proteção.
Tendo em vista que com a personalização fica difícil de corrigir a fraude ou o
abuso, deve o juiz desconsiderar momentaneamente esta personalidade. Tal
desconsideração se dá de forma excepcional e apenas para resolver determinada
situação.
O citado autor nos lembra que:
(...) a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, é necessário deixar
bem claro esse aspecto, não é uma teoria contra a separação subjetiva
entre a sociedade empresária e seus sócios. Muito ao contrário, ela visa
preservar o instituto, em seus contornos fundamentais, diante da
possibilidade de o desvirtuamento vir a comprometê-lo.
47
COELHO, op. cit. p. 34.
40
Ou seja, ela protege e defende o princípio da autonomia patrimonial pelo fato
de que busca formas para protegê-la dos que estão mal intencionados.
Marlon Tomazette48 define a desconsideração da personalidade jurídica da
seguinte forma:
(...) A desconsideração da personalidade jurídica é a retirada episódica,
momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a
fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus sócios ou
administradores, com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica,
perpetrado por estes.
Deve-se esclarecer que, conforme lembra o citado autor, a teoria da
desconsideração não é contra a personalidade jurídica das sociedades, ao contrário,
ela serve justamente para proteger as sociedades contra pessoas mal intencionadas
que usam a personalidade jurídica da sociedade para concretizar suas atitudes
maléficas à sociedade.
Para a Ministra Nancy Andrighi:
(...) A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como
o afastamento episódico da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com
o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou
administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela
sociedade.(REsp 948117 / MS RECURSO ESPECIAL 2007/0045262-5.
Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Julgado em 22/06/2010)
Da mesma forma, podemos ver pelos ensinamentos de Luiz Guilherme
Marinoni e Lima Júnior49 que:
(...) o afastamento da forma externa da pessoa moral permite que se
busque no patrimônio pessoal dos sócios a satisfação dos créditos
frustrados. Dessa forma, todos aqueles que, valendo-se do manto
societário, agiram de modo fraudulento ou abusivo (...) responderão pelos
créditos insatisfeitos dos credores sociais.
48
TOMAZETTE, Marlon. Direito Societário. 2. ed. atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 70.
MARINONI, Luiz Guilherme; LIMA JUNIOR, Marco Aurélio. Fraude Configuração Prova
Desconsideração da Personalidade Jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 783, jan. 2001.
p. 155.
49
41
2.2. Evolução Histórica da Teoria da Desconsideração
Não existe consenso na doutrina sobre qual a origem do instituto da
desconsideração da personalidade jurídica.
De acordo com Koury50, o caso Bank of United States v. Deveaux foi o inicio
da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da jurisprudência,
pois, segundo a autora, a disregard doctrine surgiu no âmbito da Common Law
norte-americana.
A citada autora nos lembra que, neste caso, o juiz Marshall manteve a
jurisdição das cortes federais sobre as corporations, enquanto a Constituição
Americana em seu artigo 3°, seção 2ª, determina que a tais órgãos judiciais compete
julgar as lides entre cidadãos de diferentes Estados. Fixando a competência, acabou
por desconsiderar a personalidade jurídica, sob o fundamento de que não se tratava
de sociedade, mas sim de sócios contendores.
Koury51, citando Wormser, afirmou que a decisão em si não era o principal
objeto de análise pelo fato de que foi rejeitada pela doutrina, mas o que é importante
destacar é que em 1809, “...as cortes levantaram o véu e consideraram as
características dos sócios individuais”.
Por outro lado, Eduardo Lessa Bastos52 entende que o caso Salomon vs.
Salomon & Co. (Inglaterra) foi o que lançou mundialmente a teoria do “véu da
personalidade jurídica”.
De acordo com o supracitado autor, Aron Salomon era produtor de sapatos
e botas. Exercia sua atividade através de uma empresa chamada A. Salomon & Co.
Em um determinado momento, decidiu criar uma nova empresa, juntamente com
cinco de seus filhos e mais a sua esposa. Aron constitui para si um crédito
50
KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard
doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 63.
51
Koury, op. cit. p. 64. – apud – WORMSER, Maurice. Piercing the veil of corporate entity.
Columbia Law Review, Columbia, 12:496-518, 1912, p. 498.
52
BASTOS, op. cit. p. 03.
42
privilegiado no valor de dez mil libras esterlinas, referente à compra de sua antiga
companhia, tornando posteriormente insolvente a companhia. Como ele era credor
privilegiado, nada restou aos outros credores. O juiz de primeiro grau decidiu pela
desconsideração, porém a Câmara dos Lordes reformou a decisão, pois, segundo
eles, a segunda sociedade havia sido criada de forma válida.
No Brasil, a disregard doctrine foi utilizada de forma isolada por alguns
juízes, porém somente ganhou força com o estudo dos doutrinadores. Rubens
Requião53 foi o primeiro a tratar desse tema.
Fábio Konder Comparato54 teve grande importância na aplicação da
desconsideração pelo fato de que estabeleceu critérios objetos para aplicação pelos
magistrados, retirando seu caráter subjetivo.
2.3. A “Disregard Doctrine” no Direito Comparado
2.3.1. O Direito Anglo Saxônico
Para Osmar Vieira da Silva55, no direito inglês se desenvolveram duas
correntes, quais sejam a do Common Law, pelos tribunais de Westminster; e o
equity, pelo tribunal da chancelaria. A principal característica de ambas é o fato do
Direito ter como base a jurisprudência.
Segundo o mesmo autor:
(...) O espírito desse sistema reside na idéia de que os litígios devem ser
resolvidos com ajuda dos princípios obtidos, por indução, da experiência
jurídica do passado – e não por dedução, das regras estabelecidas
arbitrariamente por uma vontade soberana; a razão, e não a vontade
soberana, deve ser a justificação profunda da decisão.
53
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos tribunais, 1979. v. 410, p. 17.
54
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de Controle na sociedade anônima. 3. Ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1983.
55
SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: Aspectos processuais.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 124.
43
O sistema é conhecido ainda por ser consuetudinário, no qual as normas são
reveladas pelos órgãos judiciais, e as decisões são mais ajustáveis aos casos
concretos.
2.3.2. O Direito Romano-Germânico
Segundo o citado autor, este é o sistema adotado no Brasil, que se
caracteriza pelo fato de ter uma legislação escrita que deve reger tudo, permitindo a
utilização da analogia, costumes e princípios gerais do direito apenas quando a lei
for omissa.
Ainda de acordo com o autor supracitado, esse sistema faz diferenciação
entre direito público e privado, o que não ocorre no Common Law. O direito público
trata das relações entre os indivíduos e o Estado, enquanto o direito privado rege as
relações entre particulares.
2.3.3. No Direito Inglês
Conforme lembra Fábio Ulhoa56, no direito Inglês foi onde surgiu a primeira
norma acerca da desconsideração que é o Companies Act, de 1929, na Seção 279,
que assim prescreve:
(...) Se no curso da liquidação da sociedade constata-se que um seu
negócio foi concluído com o objetivo de perpetrar fraude contra credores,
dela ou de terceiros, ou mesmo uma fraude de outra natureza, a Corte, a
pedido do liquidante, credor ou interessado, pode declarar, se considerar
cabível, que toda pessoa que participou, de forma consciente, da referida
operação fraudulenta será direta e ilimitadamente responsável pela
obrigação, ou mesmo pela totalidade do passivo da sociedade.
2.3.4. No Direito Norte – Americano
Alexandre Couto Silva57 ensina que na aplicação da desconsideração da
pessoa jurídica no direito norte-americano, normalmente se usa as regras explicadas
pelo juiz Sanborn, no caso United States v. Milwakee Refrigerator Transit Co.:
56
COELHO, op. cit. p. 51.
44
(...) Uma companhia será considerada jurídica como regra geral, e até que
suficiente razão apareça; mas quando a noção de pessoa jurídica é usada
para derrotar a ordem pública, justificar o injusto, proteger a fraude, ou
amparar o crime, o direito irá considerar a companhia como uma associação
de pessoas.
De acordo com Osmar Vieira da Silva58, em razão de pertencer ao Common
Law, várias são as razões que fundamentam as sentenças para desconsideração da
personalidade jurídica nos Estados Unidos.
Fábio Ulhoa59, citando Clark, leciona que nos Estados Unidos, a
desobediência a algum dos postulados morais autoriza a desconsideração da
personalidade, que são os seguintes:
(...) veracidade (o devedor não pode enganar o credor acerca de suas reais
intenções), primazia (os credores devem ser satisfeitos antes da distribuição
de dividendos ou mesmo da remuneração do acionista-administrador),
paridade (os credores devem ser tratados sem discriminação injustificada) e
desobstrução (o credor não pode dificultar a execução da dívida pelo
credor).
2.3.5. No Direito Alemão
Gilberto Gomes Bruschi60 nos ensina que apesar do fato que a
desconsideração nasceu na jurisprudência norte-americana e que o primeiro caso
que se tem história ocorreu na Inglaterra, na Alemanha ela teve um bom
desenvolvimento, justamente pelo fato de que na década de 20 já havia notícia da
desconsideração na jurisprudência alemã.
Suzy Elizabeth Cavalcante Koury61 explica que a Durchgriff alemã significa a
própria desconsideração. A Durchgriff foi conceituada por Drobning da seguinte
forma:
57
SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito
Brasileiro. São Paulo: Ltr, 1999. p. 28.
58
SILVA, Osmar Vieira da. op. cit. p. 125.
59
COELHO, op. cit. p.51.
60
BRUSCHI, GILBERTO GOMES. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade
jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 51.
61
KOURY, op. cit. p. 109 – apud – Ulrich Drobning. Nature et limites de La personalité morale em
droit allemand, LGDJ: Paris, 1960. p.42.
45
(...) a possibilidade que existe de julgar uma sociedade, em um determinado
caso, levando em consideração os homes que ela comporta ou bens que
ela possui – seu substrato humano ou patrimonial – e considerando de
algum modo transparente a personalidade jurídica da pessoa jurídica (...)
2.3.6. No Direito Francês
De acordo com Gilberto Gomes Bruschi62, no direito Francês existem duas
hipóteses para aplicações da teoria da desconsideração, que estão presentes na Lei
nº. 67.563, de 13 de julho de 1967. “São os arts. 99 e 101, que permitem ao juiz, nos
feitos que tratam de falências e concordatas, quando o sócio abusa em interesse
próprio da sociedade deficitária, que se penetre no seu patrimônio”.
2.4. A Previsão Legal da Teoria da Desconsideração no Direito Brasileiro
Serão analisadas algumas hipóteses da desconsideração da personalidade
jurídica na legislação brasileira, conforme lembrado por Eduardo Lessa Bastos63.
2.4.1. Posicionamento Constitucional
Os dispositivos Constitucionais abaixo citados, preveem sobre o bom uso das
sociedades, descrevendo a forma correta do uso de recursos minerais, bem como
trata sobre a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão.
Art. 176.
...
§ 1° A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos
potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser
efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse
nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que
tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá
as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em
faixa de fronteira ou terras indígenas.
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e
de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais
de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e
que tenham sede no País.
§ 1° Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do
capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de
sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros
62
63
BRUSCHI, op. cit. p. 53.
BASTOS, op. cit. p. 27-51.
46
natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão
obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da
programação.
§ 2° A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da
programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados
há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.
...
2.4.2. A Teoria da Desconsideração no Código Civil Brasileiro
O
Código
Civil
contempla
a
principal disposição
legal
acerca
da
desconsideração da personalidade jurídica, prevendo em seu texto, a Teoria Maior,
que é a mais bem aceita no ordenamento jurídico brasileiro.
Artigo 50 do Novo Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica.
2.4.3. A Teoria da Desconsideração no Código de Defesa do Consumidor
No Código de Defesa do Consumidor está prevista a Desconsideração da
Personalidade Jurídica, na sua forma menor. A teoria menor, conforme explicado
anteriormente, não exige muitos requisitos para aplicação, devendo apenas o
consumidor demonstrar seu prejuízo.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração.
§ 1°(Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades
controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações
decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores.
47
2.4.5. Outras Leis Aplicáveis
Neste tópico apresentaremos alguns outros dispositivos legais que preveem a
desconsideração da personalidade jurídica:
Código Tributário Nacional:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de
modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa,
vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a
responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo
do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da
obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este
nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
...
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
...
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de
poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
...
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.
Decreto 3.048/99:
Art. 268. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de
responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens
pessoais, pelos débitos junto à seguridade social.
Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os
gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com
seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a
seguridade social, por dolo ou culpa.
Lei de crimes ambientais:
Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à
qualidade do meio ambiente.
48
2.5. A Finalidade da Desconsideração da Personalidade Jurídica
A jurisprudência explica a finalidade da desconsideração da seguinte
maneira:
SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Desconsideração da personalidade jurídica - Teoria que busca atingir a
responsabilidade dos sócios por atos de malícia e prejuízo - Aplicabilidade
quando a sociedade acoberta a figura do sócio, tornando-se instrumento de
fraude. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou
doutrina da penetração, busca atingir a responsabilidade dos sócios
por atos de malícia e prejuízo. A jurisprudência aplica essa teoria
quando a sociedade acoberta a figura do sócio. A fraude não se
presume. (1º TA Civ SP, RT, 708/116) (grifo nosso).
Casillo64 afirma que “não foi a pessoa jurídica que teve a sua finalidade
desvirtuada, não foi a pessoa jurídica como ser que foi manipulada, mas sim, o
diretor, o gerente ou o sócio que, na sua atividade ligada à empresa, andou mal.”
Desta forma, vemos que a finalidade da desconsideração não é “punir” a
pessoa
jurídica,
mas
sim
protegê-la
de
sócios
mal
intencionados
e,
consequentemente, puni-los dos atos fraudulentos praticados por trás da “armadura”
da personalidade jurídica.
Segundo Osmar Vieira da Silva65, “os objetivos da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica estão explícitos: coibir a fraude e o abuso do direito,
garantir o direito de receber do credor e proteger o instituto da pessoa jurídica”.
2.6. Conseqüências da Desconsideração da Personalidade Jurídica
De
acordo
com
Fábio
Ulhoa66,
com
a
desconsideração,
afasta-se
temporariamente a autonomia patrimonial da sociedade quando for usada de forma
abusiva ou fraudulenta.
64
CASILLO, João. Desconsideração da pessoa jurídica. São Paulo: Revista dos tribunais 528:2440, 1979. p. 35.
65
VIEIRA DA SILVA, op. cit. p. 123.
66
COELHO, op. cit. p. 45.
49
Segundo
Daniel
Eduardo
Carnacchioni67,
a
desconsideração
da
personalidade jurídica tem um viés econômico, dessa forma, quem solicita a
desconsideração objetiva vinculação de bens e valores.
Desta
forma,
podemos
concluir
que
a
principal
conseqüência
da
desconsideração da personalidade jurídica é o afastamento temporário da
autonomia patrimonial, com o intuito de responsabilizar o sócio por dívida social.
2.7. Teoria Maior e Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Segundo Fábio Ulhoa68, essa classificação entre teoria maior e menor,
encontra-se ultrapassada, porém, tendo em vista que a sua relevância e utilização é
ainda frequente, decidimos abordar esse tema.
2.7.1. Teoria Maior
De acordo com o autor acima citado, a teoria maior é a mais bem aceita em
razão de ser mais elaborada e consistente, tendo em vista que autoriza o
afastamento da autonomia patrimonial apenas quando a personalidade jurídica é
usada de forma abusiva ou fraudulenta.
Rolf Madaleno69 ensina que na teoria maior da personalidade jurídica,
também conhecida como teoria subjetiva, o magistrado pode afastar a autonomia
patrimonial no intuito de impedir fraudes e abusos na condução da pessoa jurídica,
bastando a verificação e constatação do prejuízo do credor.
Conforme o autor acima citado, na forma subjetiva, não basta apenas que o
credor tenha o prejuízo, não sendo possível presumir o mau uso da personalidade
jurídica, haja vista que necessitam ser demonstrados.
67
CARNACCHIONI, Daniel Eduardo. Curso de Direito Civil – Parte Geral: Institutos
Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 302.
68
COELHO, op. cit. p. 49.
69
MADALENO, Rolf. A desconsideração Judicial da Pessoa Jurídica e da Interposta Pessoa
Física no Direito de Família e no Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 75.
50
Rolf Madaleno70 assim ensina:
(...) Para a teoria da formulação maior, estaria sendo sufocado o direito
constitucional do devido processo legal e invertido o ônus da prova, não
havendo como desconsiderar a pessoa jurídica por sua mera insolvência no
cumprimento de suas obrigações, sendo exigida, ainda, a prova do desvio
de finalidade societária ou a demonstração de confusão patrimonial, tudo a
ser debatido no devido processo judicial, com a citação e participação da
pessoa jurídica e dos seus sócios.
O
artigo
50
do
Código
Civil,
como
principal dispositivo
sobre
a
desconsideração, adota a teoria maior e exige que haja o abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
2.7.2. Teoria Menor da Desconsideração
Segundo
ensinamentos
de
Rolf
Madaleno71,
a
teoria
menor
da
desconsideração é caracterizada por desprezar a forma jurídica, “sendo suficiente,
tão somente a demonstração da insolvência da empresa e a não satisfação do
crédito”.
Ela tem como principal fundamento, o artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor, conforme já visto anteriormente, e é aceito por alguns doutrinadores
como Fábio Konder Comparato72, que assim explica:
(...) a desconsideração da personalidade jurídica é operada como
consequência de uma desvio de função, ou disfunção, resultante sem
dúvida, as mais das vezes de abuso ou fraude, mas que nem sempre
constitui um ato ilícito.
A aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade é aplicada
de forma excepcional, conforme nos lembra a Ministra Nancy Andrighi:
(...) incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o
pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de
desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades
econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a
pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda
que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo
70
MADALENO, op. cit. p.75.
MADALENO, op. cit. p. 77.
72
COMPARATO, op. cit. p. 286.
71
51
que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou
dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo
está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a
incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos
requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de
causar a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores. (REsp. n° 279.273/SP
(2000/0097184-7), rel. Min. Ari Pargendler, Ministra redatora do acórdão
Nancy Andrighi, j. em 14.02.2003, DJ de 29.03.2004) (grifo nosso)
Para essa teoria, os riscos, por exemplo, da atividade empresarial devem ser
suportados pela sociedade e não pelos consumidores. Essa regra não foi adotada
pelo artigo 50 do Código Civil.
2.8. A Desconsideração e os Direitos da Personalidade
O artigo 1° do Código Civil diz que toda pessoa é capaz de direitos e deveres
na ordem civil. Isso significa dizer que toda pessoa tem personalidade jurídica e,
portanto, é sujeito de direitos.
Já no artigo 52 do mesmo código, vemos que “aplica-se às pessoas jurídicas,
no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Segundo
Marlon
Tomazette73,
apesar da
proteção
dos direitos da
personalidade, em qualquer das teorias que explicam a existência das pessoas
jurídicas a desconsideração é perfeitamente cabível, pois serve “como uma forma de
controle do privilégio que é a personalidade jurídica das sociedades”. Tendo em
vista que a pessoa jurídica é uma realidade técnica, uma ficção jurídica, deve atingir
os fins para os quais lhe foi concedida a personalidade, então vemos que a
desconsideração é uma forma de controle do uso da pessoa jurídica e, desta forma,
não se pode falar que há violação aos direitos da personalidade.
De acordo com Gladston Mamede74, em interpretação aos artigos
supracitados, é protegido o nome da pessoa jurídica e os sinais que a identifiquem,
assim compreendidos o “título do estabelecimento, símbolos (incluindo marca),
identidade de apresentação publicitária etc.” É protegido ainda “o bom nome da
73
74
TOMAZETTE, op. cit. p. 73
MAMEDE, op. cit. p. 65.
52
empresa, isto é, a boa avaliação que o mercado faz dela como devedora, parceira,
fornecedora de bens ou serviços etc.” Dessa forma, qualquer manifestação que viole
os direitos de personalidade da pessoa jurídica, deverá ser indenizado.
2.9. Requisitos para a Aplicação da Teoria da Desconsideração
De acordo com Tomazette75, para que se possa desconsiderar a
personalidade jurídica das sociedades e buscar no patrimônio do sócio os bens
necessários para responder pelas obrigações, faz-se necessário a configuração da
fraude ou abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial. Discorrer-se-á
agora sobre os principais requisitos.
2.9.1. Personificação
O citado autor ensina que pela simples observação da terminologia usada,
pode-se concluir que a desconsideração só tem cabimento quando a sociedade tem
personalidade jurídica.
Como já visto anteriormente, a personificação das sociedades se dá com o
arquivamento de seu ato constitutivo na junta comercial. Sem esse procedimento
não existe a personificação, mesmo que a sociedade possua ato constitutivo.
Pelo que se analisa a partir do artigo 990 do Código Civil, os sócios da
sociedade não personificada respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações
assumidas.
Além do mais, de acordo com Alexandre Couto Silva76, é necessário que na
sociedade existam sócios com responsabilidade limitada. Conclui-se, então, que a
desconsideração apenas é cabível quando o patrimônio social não é suficiente para
adimplir as obrigações da sociedade.
75
76
TOMAZETTE, op. cit. p.76.
COUTO SILVA, op. cit. p. 26.
53
Na visão de Tomazette77, nada impede que haja desconsideração em
sociedade composta por sócios de responsabilidade ilimitada, tendo em vista que
uma das funções da desconsideração da personalidade jurídica é de proteger a
própria sociedade.
2.9.2. A Fraude e o Abuso de Direito Relacionados à autonomia Patrimonial
Segundo Alexandre Couto Silva78, o principal pressuposto para aplicação da
desconsideração é o desvio da função da pessoa jurídica, que está presente na
fraude e no abuso de direito em razão da autonomia patrimonial, tendo em vista que
a desconsideração é uma forma de restringir o uso da pessoa jurídica para os fins a
que ela foi destinada.
Porém, essa posição não é pacífica, pois Fábio Konder Comparato79 leciona
que o principal requisito para que haja desconsideração é a confusão patrimonial.
Marlon Tomazette80 discorda da posição adotada por Comparato81. Para ele,
não resta dúvidas de que a confusão patrimonial pode levar à desconsideração da
personalidade jurídica, porém, não é seu principal requisito.
Continua o citado autor:
(...) A confusão patrimonial não é por si só suficiente para coibir todos os
casos de desvio da função da pessoa jurídica, pois há casos nos quais não
há confusão de patrimônios, mas há o desvio da função da pessoa jurídica,
autorizando a superação da autonomia patrimonial.
Por essa razão, Tomazette82 entende “que a fraude e o abuso de direito
relacionados à autonomia patrimonial são os fundamentos básicos da aplicação da
desconsideração”.
77
TOMAZETTE, op. cit. p. 77.
COUTO SILVA, op. cit. p. 34.
79
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de Controle na sociedade anônima. 3. Ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1983. p. 283.
80
TOMAZETTE, op. cit. p. 78.
81
COMPARATO. op. cit. p. 283.
82
Idem.
78
54
2.9.2.1. Fraude
De acordo com o autor supracitado, a autonomia patrimonial serve para
resguardar o patrimônio do sócio dos eventuais insucessos da sociedade. Porém, o
sócio que usa a autonomia patrimonial para se ocultar atrás dela e deixar de cumprir
suas obrigações, está diante de uma fraude relacionada à autonomia patrimonial.
De acordo com Alexandre Couto Silva83, fraude é “a distorção intencional da
verdade com o intuito de prejudicar terceiros”.
Um bom exemplo é apresentado por Fábio Ulhoa84, no qual conta a história
de uma pessoa que, como empresário individual, explora atividade industrial.
Tempos depois, decide constituir uma sociedade limitada com um parente seu. Ao
invés de integralizar a outra empresa na nova sociedade, ele a vende para esta.
Dessa forma, ele não tem apenas os direitos de sócios, mas também os de credor
da sociedade. Note-se que a princípio, o negócio realizado por este sócio não tem
qualquer ilegalidade. Porém, numa provável falência da sociedade, este sócio não
sofreria qualquer prejuízo, ao passo que outros credores da sociedade viriam a
sofrer. Assim, a fraude contra os credores se deu pela existência da autonomia
patrimonial.
Por fim, Tomazette85 lembra que não é necessária apenas a existência de
uma fraude, pois essa fraude deve ter ligação com o uso da pessoa jurídica, mais
especificamente com a autonomia patrimonial.
2.9.2.2. O Abuso de Direito
De acordo com o autor acima citado, a personalidade jurídica é conferida pelo
direito às sociedades cumprirem uma finalidade específica. Quando essa finalidade
é desvirtuada, ocorre o desvio de finalidade. Nesse caso, não há uso do direito, mas
sim o abuso, que não deve ser aceito. Ainda segundo o referido autor, a princípio,
83
COUTO SILVA, op. cit. p. 36.
COELHO, op. cit. p.34-35
85
TOMAZETTE, op. cit. p. 80.
84
55
este ato é plenamente legal, porém, ao fugir de sua finalidade social, causa um mal
estar dentro da sociedade e não pode assim prevalecer.
Acerca do abuso de direito, podemos ver outra hipótese apresentada por
Fábio Ulhoa86. Existe uma grande empresa próspera no ramo de mudanças. Ocorre
que um motorista dessa empresa, dirigindo imprudentemente um caminhão com
uma valiosa mudança, causa um grande acidente e gera danos irreparáveis na
carga e atinge diversas vítimas. Observe que provavelmente o sócio perderia toda
sua empresa para liquidar as dívidas. Para evitar esse prejuízo, ele decide criar uma
nova sociedade, do mesmo ramo, adquire caminhões novos, contrata novos
funcionários, enfim, constitui legalmente uma nova sociedade e deixa de investir na
primeira. Os clientes da antiga sociedade decidem utilizar a nova, tendo em vista
que estão vendo ela crescer mais do que a antiga. Enfim, tudo realizado de forma
legal. Porém, como se vê, diante da autonomia patrimonial, os credores da antiga
sociedade terão seus direitos prejudicados, pelo fato que seu patrimônio não será
mais capaz de cumpri-los.
De acordo com Ana Paula Santos Ceolin87 a constituição de uma nova
sociedade com idêntico objeto social, sem a liquidação das dívidas da antiga,
caracteriza o mau uso da sociedade. Enquanto na fraude existe o propósito de
prejudicar, o abuso de direito revela-se pelo mau uso da personalidade jurídica.
2.9.3. Imputação dos Atos Praticados pela Pessoa Jurídica
De acordo com Marlon Tomazette88, para que haja desconsideração da
personalidade jurídica, os atos devem ser imputados à pessoa jurídica.
Desconsiderada
a
personalidade,
os
sócios
ou
administradores
serão
responsabilizados. Porém, existem algumas hipóteses que não há o que falar em
desconsideração.
86
COELHO, op. cit. p. 36-37.
CEOLIN, Ana Paula Santos. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da pessoa
jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 124.
88
TOMAZETTE, op. cit. p. 83.
87
56
Para o citado autor, existem situações nas quais os sócios violam a lei ou seu
contrato social e, nesses casos, a lei os imputa responsabilização, porém, nesses
casos não há que se falar em desconsideração, pois não foi uma ação atribuída à
pessoa jurídica.
Nesses casos, analisa-se a lição de José Lamartine Côrrea Oliveira89
(...) Em tal caso, há simplesmente uma questão de imputação. Quando o
diretor ou gerente agiu com desobediência a determinadas normas legais
ou estatutárias, pode seu ato, em determinadas circunstâncias, ser
inimputável à pessoa jurídica, pois não agiu como órgão (salvo problema de
aparência) – a responsabilidade será sua, por ato seu. Da mesma forma,
quando pratique ato ilícito, doloso ou culposo: responderá por ilícito seu, por
fato próprio.
Conforme explica Tomazette90, nessas situações, não se desconsidera a
personalidade jurídica, tendo em vista que ela não é obstáculo para ressarcimento
dos prejuízos causados, razão pela qual a responsabilidade é diretamente do sócio.
Vê-se, conforme explica Luciano Amaro91, que:
(...) Portanto, quando a lei cuida de responsabilidade solidária, ou
subsidiária, ou pessoal dos sócios, por obrigação da pessoa jurídica, ou
quando ela proíbe certas operações, vedadas aos sócios, sejam praticadas
pela pessoa jurídica, não é preciso desconsiderar a empresa, para imputar
as obrigações aos sócios, pois, mesmo considerada a pessoa jurídica, a
implicação ou responsabilidade do sócio já decorre do preceito legal. O
mesmo se diga se a extensão da responsabilidade contratual.
Por fim, conclui-se que para que haja a desconsideração da personalidade
jurídica, deve haver fato praticado por esta, e não pelos seus sócios, já que, caso o
ato seja realizado pelo sócio, a responsabilidade será diretamente dele.
89
OLIVEIRA, José Lamartine Côrrea. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
p. 520.
90
TOMAZETTE, op cit. p. 83.
91
AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor.
Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 5 , jan-mar/1993. p. 172.
57
2.10. Critérios para o Deferimento do Pedido de Desconsideração
Fábio Ulhoa92 explica que o pressuposto imprescindível para que haja a
desconsideração da personalidade jurídica é o uso fraudulento ou abusivo dessa
personalidade e o afastamento dessa autonomia objetiva coibir os ilícitos praticados
por ela. Diante dessa relevante função da desconsideração, o citado autor afirma
que não é possível que haja desconsideração se não for por meio de uma “ação
judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os
sócios ou seus controladores”. Em tal ação, deve estar presente o pressuposto da
fraude. Vemos ainda que ao propor essa ação, não é a sociedade que se fará
presente no pólo passivo, mas sim quem o autor deseja ver responsabilizado.
O citado autor lembra ainda que não se pode se desconsiderar a
personalidade jurídica por meio de um simples despacho em eventual processo de
execução de sentença.
De acordo com o citado autor, os juízes não podem negar o procedimento
específico para autorizar a desconsideração, pois devem seguir o procedimento
correto. Ainda que bastasse a mera insatisfação do credor, mesmo assim o
procedimento para desconsideração não poderia ser realizado dessa maneira tão
simples, razão pela qual se conclui que, para conseguir o deferimento do pedido de
desconsideração, é necessário que haja o processo da forma acima explicado.
Apesar dessa posição, tem se firmado no egrégio STJ opinião em sentido
contrário, demonstrando ser possível a desconsideração no curso de processo de
execução ou falimentar, forme podemos ver nos seguintes acórdãos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SUJEITA À
LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL
NOS
AUTOS
DE
SUA
FALÊNCIA. POSSIBILIDADE.
A
CONSTRIÇÃO
DOS
BENS
DO ADMINISTRADOR É POSSÍVEL QUANDO ESTE SE BENEFICIA
DO ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
- A desconsideração não é regra de responsabilidade civil, não
depende de prova da culpa, deve ser reconhecida nos autos da
execução, individual ou coletiva, e, por fim, atinge aqueles indivíduos
92
COELHO, op. cit. p. 57-58.
58
que foram efetivamente beneficiados com o abuso da personalidade
jurídica, sejam eles sócios ou meramente administradores.
- O administrador, mesmo não sendo sócio da instituição
financeira liquidada e falida, responde pelos eventos que tiver praticado ou
omissões em que houver incorrido, nos termos do art. 39, Lei 6.024⁄74,
e, solidariamente,
pelas
obrigações
assumidas
pela
instituição
financeira durante sua gestão até que estas se cumpram, conforme o art.
40, Lei 6.024⁄74. A responsabilidade dos administradores, nestas hipóteses,
é subjetiva, com base em culpa ou culpa presumida, conforme os
precedentes desta Corte, dependendo de ação própria para ser apurada.
- A responsabilidade do administrador sob a Lei 6.024⁄74 não se confunde a
desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração
exige benefício daquele que será chamado a responder. A
responsabilidade, ao contrário, não exige este benefício, mas culpa. Desta
forma, o administrador que tenha contribuído culposamente, de forma ilícita,
para lesar a coletividade de credores de uma instituição financeira, sem
auferir benefício pessoal, sujeita-se à ação do art. 46, Lei 6.024⁄74, mas não
pode ser atingido propriamente pela desconsideração da personalidade
jurídica.
Recurso Especial provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.036.398 - RS
(2008⁄0046677-9); Min. Rel. Nancy Andrighi) (grifo nosso)
PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL EM AUTOS DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO - RETENÇÃO LEGAL - AFASTAMENTO - DEFICIÊNCIA
NA FUNDAMENTAÇÃO E FALTA DE PREQUESTIONAMENTO SÚMULAS 284 E 356 DO STF - PROCESSO EXECUTIVO - PEDIDO DE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESAEXECUTADA - POSSIBILIDADE - DISPENSÁVEL O AJUIZAMENTO DE
AÇÃO AUTÔNOMA.
1 - Caracterizada está a excepcionalidade da situação de molde a afastar
o regime de retenção previsto no art. 542, § 3º, do CPC, haja vista tratar-se
de recurso especial proveniente de decisão interlocutória proferida no curso
de execução de título extrajudicial (REsp nº 521.049⁄SP, de minha relatoria,
DJ de 3.10.2005; REsp nº 598.111⁄AM, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ
de 21.6.2004).
2 - Se a parte recorrente não explica de que forma o acórdão recorrido
teria violado determinado dispositivo, deficiente está o recurso em sua
fundamentação, neste aspecto (Súmula 284⁄STF).
3 - Não enseja interposição de recurso especial matérias não ventiladas no
julgado impugnado (Súmula 356⁄STF).
4 - Esta Corte Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios
autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de
ação autônoma (RMS nº 16.274⁄SP, Rel. Ministra NANCYANDRIGHI, DJ
de 2.8.2004; AgRg no REsp nº 798.095⁄SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
DJ de 1.8.2006; REsp nº 767.021⁄RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de
12.9.2005).
5 - Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para determinar
a análise do pedido de desconsideração da personalidade jurídica da
empresa-executada no curso do processo executivo. (RECURSO
ESPECIAL Nº 331.478 - RJ (2001⁄0080829-0) Min. Rel. MINISTRO JORGE
SCARTEZZINI) (grifo nosso)
59
2.11. A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a sua Função Social
Segundo Oksandro Gonçalves93, a pessoa jurídica, na forma de sociedade
comercial, “tem como função social o desenvolvimento econômico”. Tendo em vista
que é composta por bens e pessoas, passa a se sujeitar à função social da
propriedade, da forma expressa na Constituição.
Continua o citado autor:
(...) A garantia de propriedade privada é mitigada por força do princípio
segundo o qual mais que atender aos interesses egoísticos, deve atender
aos interesses maiores da coletividade (...).
Fábio Konder Comparato94 ensina que, caso não haja cumprimento da função
social, a propriedade privada deve ser sancionada de forma mais adequada:
(...) A destinação social dos bens de produção não deve estar submetida ao
princípio da autonomia individual nem ao poder discricionário da
Administração Pública. O abuso da não utilização de bens produtivos, ou de
sua má utilização, deveria ser sancionado mais adequadamente. Em se
tratando de propriedade privada, pela expropriação não condicionada ao
pagamento de indenização integral, ou até sem indenização. Cuidando-se
de propriedade pública, por meio de remédio judicial de efeito mandamental,
que imponha ao Poder Público o cumprimento dos deveres sociais
inerentes ao domínio.
Finalmente, os deveres sociais do controlador de empresas, estabelecido
em tese em algumas normas do direito positivo, somente poderão ser
desempenhadas com clareza e cobrados com efetividade quando os
objetivos sociais a serem atingidos forem impostos no quadro de uma
planificação vinculante para o Estado e diretiva da atividade econômica
privada.
Oksandro95 citando Requião:
(...) deve entender-se que com isso só se trata da desestimação da forma
da pessoa jurídica no caso particular, sem negar sua personalidade de uma
maneira geral. Com efeito, o que se pretende com a doutrina do disregard
não é a anulação da personalidade jurídica em toda sua extensão, mas
apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso
concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado
de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou
violar a lei (fraude). Se se abusa de uma sociedade para fins alheios a sua
razão de ser, escreve o mesmo jurista, a disregard doctrine evita que o
93
GONÇALVES, Oksandro. Desconsideração da personalidade jurídica. Curitiba: Juruá, 2004. p.
49.
94
COMPARATO. op. cit. p. 285.
95
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos tribunais, 1979. v. 410, p. 17 – apud – Oksandro, op. cit. p. 54.
60
direito tenha que sancionar tão temerária empresa. Com isso, no fundo, não
se nega a existência da pessoa, senão que se preserva na forma com que o
ordenamento jurídico a tem concebido.
De acordo com Oksandro96, a desconsideração nega o caráter absoluto da
personificação. Por fim, conclui dizendo que “não observada a função para a qual foi
criada a pessoa jurídica, justifica-se a desconsideração de sua personalidade”.
Neste capítulo, pôde-se analisar a desconsideração da personalidade jurídica.
Vimos que ela não é uma teoria contra a personalidade jurídica, mas, ao contrário, é
uma forma de firmá-la e preservá-la contra pessoas mal intencionadas. A
desconsideração afasta momentaneamente a autonomia da pessoa jurídica para
responsabilizar o sócio por dívida contraída por este, de modo fraudulento, em nome
da sociedade. Após a desconsideração, a sociedade continua da mesma forma, com
sua autonomia e existência independentes das de seus membros.
Porém, apesar dessa importante forma de controle das fraudes, a criatividade
dos fraudulentos exigiu a criação de uma nova forma de freá-los, qual seja, a
desconsideração da personalidade jurídica de forma inversa.
96
GONÇALVES, Oksandro, op. cit. p. 50-51.
61
CAPÍTULO III
3. A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
3.1. O Conceito da Desconsideração Inversa
A desconsideração da personalidade jurídica é a responsabilização do sócio
ou administrador por dívidas da sociedade, quando utilizada de forma abusiva.
Porém, de acordo com André Luiz Santa Cruz Ramos97, a desconsideração inversa
consiste na possibilidade de a sociedade ser responsabilizada por dívidas de seus
integrantes.
De acordo com Fábio Ulhoa98, a desconsideração inversa da personalidade
jurídica, objetiva combater a fraude pelo desvio de bens.
(...) Quando, porém, a pessoa jurídica reveste forma associativa ou
fundacional, ao seu integrante ou instituidor não é atribuído nenhum bem
correspondente à respectiva participação na constituição do novo sujeito de
direito. Quer dizer, o sócio da associação ou o instituidor da fundação,
desde que mantenham controle total sobre os seus órgãos administrativos,
podem concretizar com maior eficácia a fraude do desvio de bens.
Para a Ministra Nancy Andrighi99, desconsideração inversa da personalidade
jurídica é a possibilidade de atingir o patrimônio da sociedade em razão de
obrigação pessoal do sócio, através do afastamento da autonomia patrimonial. Ou
seja, ocorre no caminho oposto ao da desconsideração propriamente dita.
Importante salientar, ainda, que a finalidade da desconsideração da
personalidade jurídica, de forma geral, é o combate da utilização indevida da
sociedade pelos sócios, razão pela qual, apesar de o Código Civil prever apenas a
desconsideração “normal”, não existe impedimento para o uso da desconsideração
inversa da personalidade jurídica. Tanto é que o Enunciado n° 283 da 4ª Jornada da
CJF, em interpretação do artigo 50 do Código Civil, assim dispõe:
97
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime jurídico
empresarial brasileiro. 4.ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 340.
98
COELHO, op. cit. p. 47.
99
BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. 3ª turma. REsp 948117 / MS RECURSO ESPECIAL
2007/0045262-5. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Julgado em 22/06/2010.
62
283 – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica
denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa
jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.
Fábio Konder Comparato100 também disciplina acerca da desconsideração
inversa da personalidade jurídica:
(...) Aliás, a desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no
sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade
controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da
responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência
americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos
celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em
benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente
parte do negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a
confusão patrimonial de facto.
Segundo André Pagani de Souza101, na desconsideração inversa, o bem é
transferido para a sociedade e, mesmo sendo de sua propriedade, é usada para fins
particulares do sócio ou administrador.
Sob a ótica de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 102, a
desconsideração inversa ocorre quando o sócio coloca seus próprios bens no nome
da empresa, objetivando prejudicar terceiros. Nestes casos, deve ocorrer a
desconsideração inversa da personalidade jurídica da sociedade no intuito de se
atingir o patrimônio social, que na verdade, pertence ao sócio.
3.2. Evolução da Teoria no Direito Brasileiro
A desconsideração da personalidade jurídica, quando ainda era uma teoria,
foi trazida para o Brasil por Rubens Requião, na década de 60. Em análise da obra,
Fábio Ulhoa103 assim comentou:
(...) Nela, a teoria é apresentada como a superação do conflito entre as
soluções éticas, que questionam a autonomia patrimonial da pessoa jurídica
para responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas, que se apegam
inflexivelmente ao primado da separação subjetiva das sociedades. Requião
100
COMPARATO, op. cit. p. 464.
SOUZA, André Pagani. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 61.
102
GAGLIANO, Pablo S. & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de direito Civil. Vol. I. 10. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 238.
103
COELHO, op. cit. p. 39.
101
63
sustenta, também, a plena adequação ao direito brasileiro da teoria da
desconsideração,
defendendo
a
sua
utilização
pelos
juízes,
independentemente de específica previsão legal.
Com o tempo, a teoria ganhou força, tanto na doutrina como na
jurisprudência. Com o Código de Defesa do Consumidor, a desconsideração passou
a ser normatizada.
A desconsideração inversa é recente no Brasil. Conforme mostramos
anteriormente, o STJ, mais precisamente no mês de junho deste ano, concluiu pela
sua aplicação no sistema jurídico brasileiro. Apesar da disso, há algum tempo a
teoria vem sendo aplicada pelos tribunais.
Sua evolução e aplicação no direito brasileiro têm crescido notavelmente.
Tanto é que esta decisão do STJ, bem como o enunciado 283, desmontam qualquer
argumento que nega a desconsideração inversa no Brasil por falta de um dispositivo
legal.
3.3. Pressupostos de Aplicação da Desconsideração Inversa da Personalidade
Jurídica
De acordo com Isaura Meira Cartaxo Filgueiras104, o bom emprego da
desconsideração inversa da personalidade jurídica exige a caracterização do desvio
de bens, a fraude ou abuso de direito pelos sócios que aproveitam da personalidade
jurídica para transferir ou omitir bens, prejudicando assim os credores, ou ainda, em
casos de separação judicial, onde se verifica o esvaziamento do patrimônio do casal
como forma de burlar a meação.
Vemos isso na Apelação Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
em que foi argumentado no acórdão o seguinte:
(...) A conveniência de sua utilização no âmbito do Direito de Família já foi
abordado por Rolf Madaleno, em seu artigo intitulado A disregard no Direito
de Família, publicado na Revista Ajuris 57/57-66: O usual, dentro da teoria
da despersonalização, é equiparar o sócio à sociedade e que dentro dela se
esconde, para desconsiderar seu ato ou negócio fraudulento ou abusivo e,
destarte, alcançar seu patrimônio pessoal, por obrigação da sociedade. Já
104
FILGUEIRAS, Isaura Meira Cartxo. Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica.
Disponível em: http://jusvi.com/artigos/26439. Acesso em: 28 de agosto de 2010.
64
no Direito de Família sua utilização dar-se-á de hábito, na via inversa,
desconsiderando o ato, para alcançar bem da sociedade, para pagamento
do cônjuge credor familial, principalmente frente à diuturna constatação nas
disputas matrimoniais, de o cônjuge empresário esconder-se sob as vestes
da sociedade, para a qual faz despejar, senão todo, ao menos o rol mais
significativo dos bens comuns. (7ª Câmara. Ap. Cív. n. 598082162. Rel.
Des. Maria Berenice Dias)
Pelo exposto, diante do que fora explicado pela citada autora, vemos que
para que haja a desconsideração inversa da personalidade jurídica, o ordenamento
jurídico exige que se verifique a existência dos pressupostos essenciais da
desconsideração “comum”. A aplicação dos princípios da desconsideração
convencional será mais bem explicada posteriormente.
Ainda de acordo com a citada autora, outra forma de aplicação da
desconsideração inversa da personalidade jurídica verifica-se nos casos em que o
sócio possui o absoluto controle dos bens da sociedade, ou seja, constitui-se uma
sociedade para a guarda do ativo, deixando o passivo sob a responsabilidade da
pessoa do sócio. Nessa situação, terceiros que pretendem contratar com esse sócio,
ao vê-lo andando em carros luxuosos e possuindo uma grande mansão,
provavelmente o contratarão ao ver que, aparentemente possui uma boa condição
financeira.
Porém, conforme explica Marcio Souza Guimarães105, esses bens pertencem
à pessoa jurídica.
3.4. Aplicação dos Princípios da Desconsideração da Personalidade Jurídica
A aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica exige os
mesmos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica.
A Ministra Nancy Andrighi106, em recente julgado do STJ acerca da
desconsideração inversa da personalidade jurídica, assim fundamentou:
105
GUIMARÃES, Márcio Sousa. Aspectos modernos da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3996, acesso em
29/09/10.
106
BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. 3ª turma. REsp 948117 / MS RECURSO ESPECIAL
2007/0045262-5. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Julgado em 22/06/2010.
65
(...) Feitas essas considerações, tem-se que a interpretação teleológica do
art. 50 do CC/02 legitima a inferência de ser possível a desconsideração
inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em
razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos
os requisitos previstos na norma.
Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob a ótica
de uma interpretação teleológica, entendo que a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa
encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos à própria
disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra
credores. Outro não era o fundamento usado pelos nossos Tribunais para
justificar a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita,
quando, antes do advento do CC/02, não podiam se valer da regra contida
no art. 50 do diploma atual. Nesse sentido, destacam-se os seguintes
precedentes: REsp 86.502/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ de 26.08.1996 e REsp 158.051/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro,
DJ de 12.04.1999.
Dessa forma, diante deste novo posicionamento que vem ganhando força no
ordenamento jurídico brasileiro, vemos que apesar de não existir um dispositivo de
lei autorizando expressamente a desconsideração inversa da personalidade jurídica,
vemos que isso não é óbice para sua aplicação.
De acordo com Isaura Meira Cartaxo Filgueiras107, a aplicação da
desconsideração inversa da personalidade jurídica exige observância da existência
de fraude, de simulação ou de abuso na utilização da personalidade jurídica pelos
sócios.
No julgamento do agravo de instrumento n° 70034165084 da 12ª Câmara
Cível, o desembargador relator Cláudio Baldino Maciel, assim fundamentou:
(...) Prosseguindo, insurgem-se quanto à desconsideração inversa da
personalidade jurídica determinada na origem, ressaltando não ter sido
garantido o contraditório. Por cautela, apontam a ausência dos requisitos
indispensáveis à sobredita desconsideração, estes indicados no art. 50
do Código Civil, uma vez que não demonstrada a confusão patrimonial
e o abuso da personalidade jurídica utilizados como fundamento para
a decisão recorrida. (grifo nosso)
Vemos então a possibilidade da aplicação da desconsideração inversa da
personalidade jurídica, pelas mesmas razões e diante dos mesmos requisitos da
desconsideração “convencional”.
107
FILGUEIRAS, op. cit.
66
3.5. Efeitos da Desconsideração Inversa
Diante
do
mau
uso
da
pessoa
jurídica,
poderá
ser
aplicada
a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, que terá os seguintes efeitos: a
quebra da autonomia patrimonial da sociedade e o alcance dos bens patrimoniais da
sociedade.
3.5.1. Quebra da Autonomia Patrimonial da Sociedade
De acordo com Zilda Mara Consalter e Vinícius Dalazoana108, na
desconsideração inversa da personalidade jurídica, assim como na desconsideração
convencional, existe a quebra da autonomia patrimonial da personalidade jurídica.
Na desconsideração, esse afastamento da autonomia patrimonial significa a
possibilidade de se atingir o patrimônio social que pertence, na verdade, ao sócio.
A grande parte da doutrina que defende a possibilidade da aplicação da
desconsideração inversa da personalidade jurídica fundamenta essa possibilidade
com as mesmas palavras utilizadas por Rubens Requião109 quando ainda não havia
previsão da desconsideração no ordenamento jurídico brasileiro:
(...) Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade
jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre
convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se
deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago,
alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos
ou abusivos.
Ou seja, não autorizar a desconsideração inversa, seria permitir que os sócios
mal intencionados deixassem de cumprir com suas obrigações, transferindo seus
bens para a pessoa jurídica e frustrando direito alheio.
108
CONSALTER, Zilda Maria e DALAZOANA, Vinícius. Desconsideração da pessoa jurídica: uma
análise sob três perspectivas. Disponível em
http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/viewFile/883/735. Acesso em 25/09/2010.
109
REQUIÃO, op.cit. p. 14.
67
Pelo que foi analisado, e conforme Zilda Mara Consalter e Vinícius
Dalazoana110, o juiz, diante do mau uso da pessoa jurídica pelo sócio ou
administrador, deve quebrar a autonomia patrimonial, retirando da sociedade os
bens ocultados com o fim de prejudicar terceiros. Apesar da referência à busca do
patrimônio da sociedade, tendo em vista que se exige os mesmos requisitos e sofre
a mesma consequência em ambas as modalidades de desconsideração, na
desconsideração inversa o bem da sociedade é que está sendo utilizado pelo sócio.
3.5.2. Alcance dos Bens Patrimoniais da Sociedade
Outro efeito da desconsideração inversa da personalidade jurídica é a
possibilidade de alcançar os bens da sociedade que foram ocultados pelo sócio ou
administrador que a utilizou de forma incorreta.
Nesse sentido, vide julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul111:
(...) Descabe escudar-se o devedor na personalidade jurídica da sociedade
comercial, em que está investido todo o seu patrimônio, para esquivar-se do
pagamento da dívida alimentar. Impõe-se a adoção da disregard doctrine,
admitindo-se a constrição de bens titulados em nome de pessoa jurídica
para satisfazer débito.
Neste mesmo sentido, Fábio Ulhoa112 entende que:
(...) O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual
detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não
serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus
credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens.
Ë certo que, em se tratando de pessoa jurídica de uma sociedade, ao sócio
é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou ações representativas
de parcelas do capital social. Essas são em regra penhoráveis para a
garantia do cumprimento das obrigações do seu titular.
Dessa forma, conclui-se que, diferentemente da desconsideração “normal”,
aqui os bens da sociedade são alcançados, e não os dos sócios, haja vista que
nesse caso a pessoa jurídica está sendo utilizada para esconder o patrimônio do
sócio.
110
CONSALTER e DELAZOANA, op. cit.
BRASIL.Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 7º Câmara. Apelação Cível nº 598082162.
Relator Des. Maria Berenice Dias.
112
COELHO, op. cit. p. 47.
111
68
3.6. A Desconsideração Inversa no Direito de Família
De acordo com Fábio Ulhoa113, a desconsideração inversa da personalidade
jurídica “ampara, de forma especial, os direitos de família”. O citado autor
exemplifica com o caso de um casal que está diante de um processo de separação e
consequente partilha de bens. Se algum dos cônjuges ou companheiros adquirir
bens de grande valor e registrá-los em nome da sociedade, a partilha poderá ser
frustrada, tendo em vista que o bem – conforme deverá ser demonstrado no
momento certo – está sendo utilizado para fins particulares de quem cometeu essa
fraude. Ao desconsiderar inversamente a personalidade jurídica, será possível
“penetrar” na sociedade e sanar essa fraude cometida pelo sócio ou administrador.
Conforme lição de Rolf Madaleno114:
(...) É larga e procedente a sua aplicação no processo familiar,
principalmente frente à constatação nas disputas matrimoniais, do cônjuge
empresário esconder-se sob as vestes da sociedade, para a qual faz
despejar, se não todo, o rol mais significativo de seus bens (...) quando o
marido transfere para a sua empresa o rol significativo de seus bens
matrimoniais, sentença final de cunho declaratório haverá de desconsiderar
esse negócio específico, flagrada a fraude ou o abuso, havendo, em
consequência, como matrimoniais esses bens, para ordenar a sua partilha
no ventre da separação judicial, na fase destinada a sua divisão, já
considerados comuns e comunicáveis.
A desconsideração inversa será aplicada no direito de família quando, por
exemplo, o cônjuge empresário utiliza a proteção da pessoa jurídica, com o intuito
de fraudar a partilha matrimonial e, por conseguinte, encobrir sua real capacidade
econômica.
Sobre a desconsideração inversa no direito de família, segue recém julgado
da Justiça do Rio de Janeiro115:
Agravo de Instrumento. Desconsideração da Personalidade Jurídica na
modalidade inversa. Ex-cônjuge que simula a constituição de duas
113
COELHO, op. cit. p. 47.
MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998. p. 27.
115
o
BRASIL.Tribunal de Justiça do Rio de Janeir01o. 3ª Câmara Cível. Processo N : 002486102.2010.8.19.0000. DES. EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO. Data de julgamento: 29/09/2010.
114
69
sociedades para esvaziar o patrimônio daquela existente durante a relação
conjugal. Primeira sociedade da qual constam nos autos duas alterações
contratuais, uma delas assinada apenas pela cotista original, jamais levada
a registro, apontando o agravante como cotista majoritário. Documento
registrado que, a seu turno, aponta o agravante como o administrador da
mesma empresa. Sociedade do ramo de autopeças, inusitadamente
controlada por mulheres, mesmo ramo em que atuava a sociedade
empresária existente no curso da relação conjugal. Segunda sociedade,
também com patrimônio dividido entre mulheres, uma delas irmã do
agravante, uma vez mais atuante no setor de autopeças. Declaração do
próprio agravante de que o maquinário de sua antiga sociedade foi
transferido gratuitamente à empresa de sua irmã. Sinais claros de
esvaziamento patrimonial. Aplicação da teoria da disregard em sua
modalidade inversa. Recurso ao qual se nega provimento.
Neste caso específico, ficou clara a intenção de frustrar o direito da ex –
cônjuge, razão pela qual foi desconsiderada inversamente a personalidade jurídica.
3.7. A Desconsideração da Justiça do Trabalho
Alguns
autores116
entendem
que
a
teoria
da
desconsideração
da
personalidade jurídica nasceu na Justiça do Trabalho, a partir do artigo 2°, § 2° da
CLT, que assim determina:
Art. 2°
(...)
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma
delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou
administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de
qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de
emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das
subordinadas.
Segundo Suzy Elizabeth Cavalcante Koury117, o objetivo da desconsideração
na Justiça do Trabalho é “evitar exatamente que a personalidade jurídica da
empresa contratante seja abusivamente utilizada para encobrir a real vinculação do
empregado com o grupo”.
A Justiça do Trabalho118 recentemente passou a aceitar a teoria da
desconsideração inversa, conforme se vê no julgado abaixo:
116
BRUSCHI, op. cit. p. 69.
KOURY, op. cit. p. 171.
118
BRASIL.Tribunal regional do trabalho - 3ª região. 2ª turma. Processo n° 00642-2006-102-03-00-7
AP. Juiz Relator: Des. Luiz Ronan Neves Koury.
117
70
EMENTA: EXECUÇÃO. SÓCIO INSOLVENTE QUE INTEGRA SEU
PATRIMÔNIO
AO
DE
OUTRA
EMPRESA.
TEORIA
DA
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA. Aplica-se ao caso a teoria da
desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa, por se
tratar de hipótese de sócio que se tornou insolvente e incorporou seu
patrimônio a outra sociedade empresária, prejudicando o credor, caso em
que se deve adentrar ao patrimônio da empresa a fim de que esta responda
pela obrigação do sócio. Trata-se de técnica que visa a impedir que o
devedor utilize o ente jurídico para, por meio da confusão patrimonial, burlar
a lei, escondendo seu patrimônio.
No voto, o excelentíssimo Desembargador Relator assim decidiu:
(...) Aplica-se ao caso a teoria da desconsideração inversa da personalidade
jurídica da "Amarq", por se tratar de hipótese de sócio que se tornou
insolvente e incorporou seu patrimônio a outra sociedade empresária,
prejudicando o credor, caso em que se deve adentrar ao patrimônio da
empresa a fim de que esta responda pela obrigação do sócio. Trata-se,
portanto, de técnica que visa impedir que o devedor utilize o ente jurídico
para, por meio da confusão patrimonial, burlar a lei, escondendo seu
patrimônio.
3.8. O Posicionamento da Jurisprudência
Como já citado anteriormente, a desconsideração inversa da personalidade
jurídica é recente no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente existe apenas um
caso
julgado
no
egrégio
STJ,
mencionado
anteriormente,
relatado
pela
Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE
TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE.
I – A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como
violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ.
II – Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual
obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida.
Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal a quo pronuncia-se
de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se
em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na
espécie.
III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se
pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para,
contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade
propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a
responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.
IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a
utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer
também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio
pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma
interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir
71
bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio
controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.
V – A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida
excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos
os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito
estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os
requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de
execução, “levantar o véu” da personalidade jurídica para que o ato de
expropriação atinja os bens da empresa.
VI – À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de
jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência
de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se
utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular.
VII – Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no
primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser
mantida por seus próprios fundamentos. Recurso especial não provido.
REsp 948117 / MS Relator Ministra NANCY ANDRIGHI. (grifo nosso)
De se ver que a aplicação da desconsideração inversa é inegável, conforme
explicitado pela Ministra relatora. Tendo em vista que este é o principal precedente
acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica no ordenamento
jurídico brasileiro, transcreveremos parte do voto da Excelentíssima Ministra
Relatora, no que tange a desconsideração inversa:
(...) IV. a) Da desconsideração inversa da personalidade jurídica. Violação
do art. 50 do CC/02
A insurgência do recorrente decorre da aplicação, na hipótese dos autos, da
chamada desconsideração da personalidade jurídica em sua forma inversa.
O recorrente sustenta que o acórdão impugnado teria violado a regra
contida no art. 50 do CC/02, porquanto manteve a decisão proferida no
primeiro grau de jurisdição, que desconsiderou a personalidade jurídica da
empresa da qual o recorrente é sócio majoritário, e determinou como
consequência, a penhora de automóvel de propriedade do ente societário.
O recorrente aduz que o dispositivo de lei tido como ofendido não traz
a previsão da desconsideração da personalidade jurídica inversa.
De início, impende ressaltar que a desconsideração inversa da
personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia
patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na
desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente
coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa
jurídica por obrigações do sócio.
Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de
ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica
propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário
por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento
hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa
jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a
excussão de seu patrimônio pessoal.
A interpretação literal do art. 50 do CC/02, de que esse preceito de lei
somente serviria para atingir bens dos sócios em razão de dívidas da
sociedade e não o inverso, não deve prevalecer. Há de se realizar uma
exegese teleológica, finalística desse dispositivo, perquirindo os reais
objetivos vislumbrados pelo legislador.
Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard
doctrine, contida no referido preceito legal, é combater a utilização
72
indevida do ente societário por seus sócios. A utilização indevida da
personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a
hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar
terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal,
enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja,
transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros.
Feitas essas considerações, tem-se que a interpretação teleológica do
art. 50 do CC/02 legitima a inferência de ser possível a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir
bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio
controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.
Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob a ótica
de uma interpretação teleológica, entendo que a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa
encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos a
própria disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude
contra credores. Outro não era o fundamento usado pelos nossos
Tribunais para justificar a desconsideração da personalidade jurídica
propriamente dita, quando, antes do advento do CC/02, não podiam se valer
da regra contida no art. 50 do diploma atual. Nesse sentido, destacam-se os
seguintes precedentes: REsp 86.502/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado
de Aguiar, DJ de 26.08.1996 e REsp 158.051/RJ, 4ª Turma, Rel. Min.
Barros Monteiro, DJ de 12.04.1999.
Na seara doutrinária, quem primeiramente tratou do tema, foi o Prof. Fábio
Konder Comparato, em sua clássica obra “O Poder de Controle na
Sociedade Anônima” (Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008), da qual se
extrai o seguinte ensinamento:
Aliás, a desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no
sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade
controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da
responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência
americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos
celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em
benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente
parte do negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a
confusão patrimonial de facto. (fl. 464)
Na mesma senda de entendimento, a lição de Fábio Ulhoa Coelho:
Em síntese, a desconsideração é utilizada como instrumento para
responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade.
Também é possível, contudo, o inverso: desconsiderar a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação de sócio
(Bastid-David-Luchaire, 1960:47).
Por outro lado, a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica exige especial cautela do Juiz, sobretudo quando
importa em aplicação inversa. Primeiramente, porque não se pode olvidar
que o sentido operativo da teoria da desconsideração está intimamente
ligado com o fomento à atividade econômica, porquanto o ente societário
representa importante gerador de riquezas sociais e empregos. Se por um
lado a distinção entre a responsabilidade da sociedade e de seus
integrantes serve de estímulo à criação de novas empresas, por outro
visa também preservar a pessoa jurídica e a manutenção de seu fim
social, que seria fadada ao insucesso se fosse permitido,
descriteriosamente, responsabilizá-la por dívidas de qualquer sócio,
ainda que titular de uma parcela ínfima de quotas sociais. Por óbvio,
somente em situações excepcionais em que o sócio controlador se
vale da pessoa jurídica para ocultar bens pessoais em prejuízo de
terceiros é que se deve admitir a desconsideração inversa.
Por conseguinte, da análise do art. 50 do CC/02, depreende-se que o
ordenamento jurídico pátrio adotou a chamada Teoria Maior da
Desconsideração, segundo a qual se exige, para além da prova de
73
insolvência, a demonstração ou de desvio de finalidade (teoria subjetiva da
desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria objetiva da
desconsideração). Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados: REsp
279.273/SP, 3ª Turma, Rel. Min Ari Pargendler, minha relatoria p/ acórdão,
DJ de 29.03.2004; REsp 970.635/SP, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de
01.12.2009; REsp 693.235/MT, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
Dje de 30.11.2009.
Dessa forma, em ambas as modalidades, a desconsideração da
personalidade jurídica configura-se sempre como medida excepcional. O
Juiz somente está autorizado a “levantar o véu” da personalidade
jurídica quando forem atendidos os pressupostos específicos
relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50
do CC/02.
À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de
jurisdição concluiu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de
confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se
utilizar indevidamente da empresa para adquirir bens de uso particular.
Veja-se excerto desse decisum :
O resultado da pesquisa realizada pelo exequente consta dos documentos
de f. 364-419: certidões negativas de existência de bens; contrato de
constituição da empresa TZ Leilões Rurais Ltda., que tem como sócio
majoritário o exequente, a outra sócia é a sua esposa, sendo o capital social
de cinco mil reais; bem registrado em nome da empresa TZ Leilões Rurais:
camionete Nissan Frontier 4X2 SE. Pela análise das fotografias anexadas,
percebe-se que o veículo não possui qualquer identificação da empresa e
está sendo utilizado de forma particular: buscar o filho na escola e para
passeios e compras, permanecendo o veículo em sua residência. O
exequente juntou ainda cópia da decisão proferida em outro processo, que
considerou fraudulenta a alienação pelo executado de um veículo Ford
Ranger, bem como julgados dos tribunais a respeito da matéria.
(...)
Fora identificada infração à lei – constatada pela composição de sociedade,
que tem como sócios o executado e sua esposa; pelo capital de apenas 5
mil reais; pelo veículo de alto valor comercial que se encontra em nome da
sociedade, porém, utilizado apenas pelo executado para fins particulares,
bem como lesão ao direito de terceiros, no caso, o exequente, por ocasião
do não-recebimento do seu crédito e diante da inexistência de bens
penhoráveis em nome do executado. Como, na verdade, a personalidade
jurídica está atualmente servindo como um escudo para a defesa do
executado frente à execução que lhe é movida, tenho-a como
descaracterizada, confundindo-se, assim o patrimônio da sociedade com os
bens pessoais do executado, sócio majoritário. (fls. 121/124)
Desse modo, preenchidos os requisitos do art. 50 do CC/02 e considerandose que o recorrente é sócio majoritário e administrador da empresa TZ
Leilões Rurais e Comércio de Carnes Ltda. – sem olvidar ainda que a ação
quedou-se arquivada por longos 9 (nove) anos, ante a ausência de bens em
nome do recorrente – tenho que impedir a desconsideração da
personalidade jurídica na hipótese dos autos implicaria prestigiar a fraude à
lei ou contra credores em detrimento da realização da execução.
Em conclusão, o acórdão recorrido, ao manter a decisão proferida no
primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser
mantido por seus próprios fundamentos. (grifo nosso)
Diante do exposto através deste fantástico precedente, podemos concluir que
é possível a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Conclui-se também que a desconsideração, em suas duas modalidades, deve ser
aplicada
com
cautela
por
parte
do
julgador,
visto
que,
se
for
usada
74
indiscriminadamente, criaria uma insegurança que certamente desestimularia as
pessoas de se associarem.
O TJDFT aplicou a desconsideração inversa em alguns de seus casos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – DEVEDORES –
CONFUSÃO PATRIMONIAL – BENS – SÓCIOS – EMPRESA –
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA –
POSSIBILIDADE
–
AGRAVO
DESPROVIDO.
I – O direito pátrio admite a desconsideração da personalidade jurídica
na forma inversa, para que a penhora recaia sobre os bens de
propriedade da empresa, quando houver prova inconteste de fraude ou
de prática de atos manifestamente ilícitos contra terceiros ou contra o
fisco,
por
parte
de
seus
sócios.
II – Ante a dificuldade em dar seguimento à execução, ante a falta de bens
em nome dos devedores, e configurada a ocorrência da confusão
patrimonial, com vistas a frustrar a constrição, escorreita a r. decisão em
declarar a desconsideração da personalidade jurídica, de forma inversa,
uma vez que não pode o sócio da empresa se amparar na autonomia
patrimonial da sociedade para se eximir de responsabilidades, obstando o
processo
executivo.
(20100020055713AGI, Relator LECIR MANOEL DA LUZ, 5ª Turma Cível,
julgado em 23/06/2010, DJ 30/06/2010 p. 102). (grifo nosso)
Em outro caso julgado pelo egrégio TJDFT, ficou demonstrado que apesar da
possibilidade da aplicação da desconsideração inversa, é uma medida excepcional e
necessita que haja uma correta demonstração da aplicação da medida:
DIREITO ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO.
AÇÃO
EXECUTIVA.
DESCONSIDERAÇÃO
DA
PERSONALIDADE JURÍDICA NA FORMA INVERSA. IMPOSSIBILIDADE.
NECESSIDADE
DE
DILAÇÃO
PROBATÓRIA.
1. Em face da excepcionalidade da medida, mostra-se correto o decisum
que indefere pedido liminar de desconsideração da personalidade jurídica,
na forma inversa, quando não demonstrada a relevância da fundamentação
e da possibilidade de a parte agravante vir a experimentar danos
irreparáveis ou de difícil reparação durante o regular prosseguimento da
ação.
2.
Recurso
desprovido.
(20090020086168AGI, Relator MARIO-ZAM BELMIRO, 3ª Turma Cível,
julgado em 22/10/2009, DJ 09/11/2009 p. 135)
No voto, o Excelentíssimo Desembargador assim fundamentou:
(...) Como se vê, os fundamentos externados por ocasião da decisão que
apreciou o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, por si sós,
mostram-se suficientes a direcionar o julgamento da questão de fundo do
presente agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos
elementos outros aptos a me demoverem do raciocínio nela contido.
75
Nesse mesmo sentido, há outro precedente do TJDFT demonstrando a
excepcionalidade:
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
MEDIDA
EXCEPCIONAL.
NECESSIDADE
DE
PROVAS.
Admite-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica para
atingir os bens da sociedade utilizada como escudo para manobras
fraudulentas dos seus sócios no intuito de prejudicar direitos de
terceiros. No entanto, em face da excepcionalidade, tal medida
somente é admitida ante a comprovação da fraude, simulação ou do
abuso do direito por parte dos sócios.(20070020129032AGI, Relator
NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 30/01/2008, DJ
28/02/2008 p. 1810)
No voto, ficou assim fundamentado:
(...) Ocorre que, para demonstrar que o agravado está se escondendo sob o
véu empresarial, a agravante deveria ter instruído os autos com provas mais
robustas, pois a desconsideração da personalidade jurídica é medida
excepcional, ainda mais quando acompanhada do imediato bloqueio de
dinheiro da empresa, que é o que se pretende no caso dos autos. Note-se
que a agravante sequer se deu ao trabalho de juntar aos autos do agravo as
cópias dos depoimentos a que se refere o Parquet.
A pretensão da agravante, portanto, não esbarra na impossibilidade jurídica
do pedido, mas sim na escassez de provas a respeito da alegada fraude
para prejudicar o direito de terceiros. Dessa forma, NEGO PROVIMENTO
ao agravo, mantendo a r. decisão recorrida.
Deve-se observar que em ambos os casos, a negativa da aplicação da
desconsideração inversa da personalidade jurídica se deu pelo fato da fragilidade
das provas e não da inexistência deste instituto.
Dentre as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, destacam-se ainda
as seguintes:
Propriedade comum - Hipótese clara de abuso de poder do ex-marido com
a administração de coisas comuns, impedindo a ex-mulher do exercício dos
direitos reais decorrentes do domínio - Ação que foi dirigida contra a
empresa em que o ex-marido figura como sócio detentor de 98% do
capital e contra ele, em litisconsórcio, sendo caso de aplicar a teoria
da desconsideração jurídica inversa para atingir a ambos (sociedade e
sócio) - Provimento, em parte, determinando que se promova a averbação
das construções e para determinar que se pague indenização
correspondente ao aluguel real devido, apurando-se em liquidação de
sentença (arbitramento). Apelação 994093008738. Relator(a): Natan
Zelinschi de Arruda. Data do julgamento: 07/10/2010. (grifo nosso).
76
Neste caso, ficou assim fundamentado no voto do Excelentíssimo Relator:
A empresa Comercial Piratem figura como locatária do imóvel (contrato de
60 meses, por R$ 1.500,00) o que representa uma manobra do ex-marido
de alijar a autora da administração, impondo-lhe sério prejuízo. Não foram
impugnados os laudos que informam ter o prédio valor de mercado superior
a R$ 600.000,00, o que incompatibiliza o modesto aluguel combinado entre
o condômino e dono da empresa. Trata-se de evidente fraude contra o
patrimônio da mulher separada, o que autoriza a aplicação da teoria da
desconsideração jurídica inversa, ou seja, admitir que por detrás de toda a
situação figura a pessoa física, Carlos Alberto Schievano.
Segue outro julgado do referido tribunal paulista:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDATO - EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL
- TRANSAÇÃO - PROCESSO SUSPENSO - PRETENSÃO DE
SEGUIMENTO
DA
EXECUÇÃO
SOB
A
ALEGAÇÃO
DE
DESCUMPRIMENTO DO ACORDO - PRETENSÃO À AMPLIAÇÃO DO
POLO PASSIVO PARA INCLUSÃO DE EMPRESAS QUE TERIAM
SUCEDIDO A DEVEDORA INADMISSIBILIDADE - IMPOSSIBILIDADE DE
EXTENSÃO
DOS
EFEITOS
DA
DESCONSIDERAÇÃO
DA
PERSONALIDADE A QUEM NÃO É PARTE NO PROCESSO - CC ART. 50
- INTELIGÊNCIA - DECISÃO HOSTILIZADA - MANUTENÇÃO. A
recorrente, insistindo na sua pretensão de receber os valores que afirma
devidos pelo inadimplemento do acordo, pleiteou a ampliação do polo
passivo da execução o que foi corretamente indeferido, pois não socorrem
na hipótese as condições necessárias para se aplicar a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica de forma invertida. A teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, ainda que aplicada de
forma inversa, segue os mesmos princípios que autorizam a aplicação
do artigo 50 do Código Civil e não se presta a destruir a útil ficção da
pessoa jurídica. Não exauridas todas as possibilidades de se localizar
bens penhoráveis dos sócios da empresa devedora, cuja personalidade
jurídica foi desconsiderada, é precoce a pretensão do credor de inverter o
instituto para alcançar o patrimônio de empresas que não figuraram no título
em execução. A mera sucessão de empresas e alterações societárias
decorrentes da dinâmica comum aos negócios não é causa que, por si só,
enseja alteração do polo passivo de ações de execução em curso, o
eqüivaleria a ensejar considerável instabilidade das lides, já centradas em
seus eixos, como acontece no caso em espécie. Não há provas de que o
débito em discussão foi negociado e, por sua vez, embora muito se lastime
os fatos que ainda propulsionam a presente demanda, na verdade
dissociados do acordo entabulado, a decisão que não permitiu a alteração
do polo passivo está correta e deve ser mantida por seus próprios e
jurídicos fundamentos. RECURSO DESPROVIDO. Agravo de Instrumento
990102971694.
Relator(a): Amorim
Cantuária.
Data
do
julgamento: 05/10/2010.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também trouxe grande
contribuição para o tema:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRELIMINARES. CONFUSÃO
PATRIMONIAL. TRANSFERÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA PESSOA FÍSICA
PARA
A
SOCIEDADE.
DESCONSTITUIÇÃO
INVERSA
DA
77
PERSONALIDADE JURÍDICA. MANUTENÇÃO. Os embargos à execução
encontram-se suspensos devido à necessidade de que se promova a
garantia do juízo, o que é objeto do presente recurso, suspensão esta que
não constitui ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal
e do contraditório. O agravante Nestor Perini, além de executado, é detentor
de parte das quotas que compõem a empresa Lupapar Negócios e
Empreendimentos Ltda., sobre as quais recai a determinação de penhora
destinada a garantir a execução, daí a legitimidade e o interesse do mesmo
para promover o presente agravo de instrumento. Quanto aos demais
recorrentes, não lhes pode ser furtado o eventual interesse de responder
pela execução na parte do débito que lhes compete. A lei civil, ao tratar da
cessão de crédito, em momento algum assegura ao devedor o direito de
preferência na aquisição do crédito cedido. Diante das diversas e
infrutíferas tentativas de localizar bens em nome dos executados
capazes de garantir o juízo executório, bem como da confusão havida
entre o patrimônio de um dos sócios e da sociedade que o mesmo
integra e da transferência de patrimônio pessoal daquele em favor
desta última, possível afigura-se a desconsideração inversa da
personalidade jurídica determinada na origem. Logo, cabível a penhora
da parte do patrimônio da empresa Lupapar Negócios e Empreendimentos
Ltda. detida pelo sócio Nestor Perini e representada por ações da Lupatech
S/A. O comportamento processual dos agravantes revela-se temerário e
visa à oposição injustificada ao andamento do processo, o que o art. 17, II,
IV e V do Código de Processo Civil reputa como conduta de má-fé,
devendo, assim, os recorrentes responderem por multa correspondente a
1% sobre o valor atualizado da execução, nos termos do art. 18 do mesmo
diploma legal. AFASTADAS AS PRELIMINARES SUSCITADAS PELAS
PARTES E NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (Agravo de
Instrumento Nº 70034165084, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 06/05/2010)
(grifo nosso)
Porém, em alguns casos, negou-se a aplicação da teoria, diante da ausência
de provas suficientes que caracterizem o abuso:
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. AUTORIZAÇÃO PARA OS DEVEDORES DEPOSITAREM
QUANTIA MENSAL ATÉ O PAGAMENTO INTEGRAL DA DÍVIDA.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO
PATRIMONIAL NÃO VERIFICADA. A inexistência de bens particulares
dos executados, capazes de garantir a execução, não caracteriza a
confusão patrimonial, tampouco se mostra suficiente para autorizar a
desconsideração inversa da personalidade jurídica de sociedade
empresária por eles constituída, com a finalidade de penhorar seu
faturamento bruto para saldar dívida não contraída pela empresa. Agravo
desprovido, monocraticamente. (Agravo de Instrumento Nº 70035630649,
Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco
Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 09/04/2010) (grifo nosso).
78
3.9. Opinião de profissionais da área
Neste tópico referente à opinião de profissionais da área, foi realizada
entrevista com a Juíza de Direito Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes119, e foram
realizadas e respondidas as seguintes perguntas:
Pergunta 1: Para a senhora, o que é a desconsideração inversa da personalidade
jurídica?
Resposta 1: É um instituto elaborado pela doutrina e seguido pela jurisprudência
para permitir o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, de modo a
permitir que esta responda por atos do sócio.
Pergunta 2: Qual é a importância deste instituto no sistema jurídico brasileiro?
Resposta 2: Cuida-se de avanço do sistema jurídico em favor do atendimento e da
satisfação do crédito.
Pergunta 3: Quais são os pressupostos para a aplicação da desconsideração
inversa?
Resposta 3: Os mesmo da desconsideração tradicional da personalidade jurídica;
desvio de bens, fraude ou abuso de direito, etc.
Pergunta 4: A inexistência de um dispositivo legal que autoriza a desconsideração
inversa impede sua aplicação?
Resposta 4: Não impede, desde que haja – como há, nesse caso – um raciocínio
construído com base nas fontes oficiais do Direito. É o caso, por exemplo, da
objeção de pré executividade.
119
Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes é Juíza de Direito titular da 3ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de
Taguatinga-DF.
79
Pergunta 5: Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, tanto de
forma convencional, como em sua modalidade inversa, é necessário um processo
autônomo, ou basta apenas um despacho do juiz que irá autorizá-la?
Resposta 5: Não é preciso um processo autônomo. Basta que o Judiciário seja
provocado pela parte e, por meio de decisão interlocutória, o juiz poderá deferir ou
indeferir o pedido.
Pergunta 6: Quais são as vantagens e desvantagens da desconsideração inversa
da personalidade jurídica?
Resposta 6: As mesmas da desconsideração tradicional da personalidade jurídica.
Sob o ponto de vista do credor, a satisfação de seu crédito; sob a ótica do devedor,
a mais célere diminuição (ou comprometimento) de seu patrimônio.
Pergunta 7: A senhora já julgou algum caso em que houve a desconsideração
inversa, ou que provavelmente teria cabimento?
Resposta 7: Houve um único pedido, mas não vislumbrei presentes os requisitos
autorizadores.
Neste capítulo, vimos alguns pontos da desconsideração inversa da
personalidade jurídica, tais como os pressupostos para aplicação, conseqüências,
aplicação em outras áreas no direito, posicionamento da jurisprudência de alguns
tribunais do país, bem como a opinião de um profissional na área.
Diante de tudo que fora exposto, podemos concluir que a ausência de um
dispositivo legal que autorize a desconsideração inversa da personalidade jurídica
não é impedimento para sua aplicação, pois, como exposto pela Ministra Nancy
Andrighi, a razão da desconsideração da personalidade jurídica existir é a
necessidade de coibir o abuso do direito e, pela mesma razão, não se pode negar a
existência da desconsideração inversa.
80
Conclui – se, ainda, que a medida é excepcional, tendo em vista que a regra
é a preservação da personalidade da sociedade. Por este motivo, é necessário que
existam provas robustas da intenção do sócio de frustrar o direito da outra parte, e
sem essa demonstração, não se pode falar em desconsideração da personalidade
jurídica, em ambas as modalidades.
81
CONCLUSÃO
A
desconsideração
inversa
da
personalidade
jurídica
é,
conforme
demonstrado, um importante instituto no direito societário, pois visa proteger a
própria sociedade. Sua principal função é coibir os sócios mal intencionados que
utilizam a pessoa jurídica para ocultar suas fraudes. Apesar de não existir um
dispositivo legal acerca da desconsideração inversa, não autorizá-la seria o mesmo
que aceitar a fraude no sistema jurídico brasileiro, o que não é desejável para as
pessoas que utilizam a sociedade de forma correta.
No primeiro capítulo, viu-se os aspectos relevantes relativos à sociedade
empresária, desde o conceito de pessoa até o princípio da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica. Pode-se concluir que às sociedades foi concedida a possibilidade
de ter existência independente da de seus membros, podendo realizar todos os atos
que uma pessoa realiza, representada pelo sócio. Essa existência, independente da
dos sócios, é essencial para o bom andamento da sociedade, pois visa diminuir os
riscos da atividade empresária.
No segundo capítulo, tratou-se acerca da desconsideração da personalidade
jurídica. Viu-se seu conceito e, dentre outros estudos, as hipóteses e forma de
aplicação. Apesar de aparentemente negar a personalidade jurídica, isso não ocorre,
porque a desconsideração afasta apenas temporariamente os efeitos da
personalização no intuito de coibir as fraudes perpetradas contra a pessoa jurídica.
Dessa forma, contrariamente do que algumas pessoas afirmam, a desconsideração
existe justamente para proteger e consequentemente, preservar a pessoa jurídica.
Já no terceiro capítulo, tratou-se acerca da desconsideração inversa da
personalidade jurídica. Essa modalidade é relativamente nova no sistema jurídico
brasileiro e objetiva responsabilizar a sociedade por dívida pessoal do sócio que
agiu fraudulentamente. Como exemplo, o sócio que está em processo de separação,
transfere bens particulares para o nome da empresa com o objetivo de que ele não
seja vendido e o valor dividido com a ex-cônjuge. Nessa situação, desconsidera-se
temporariamente a personalidade para atingir o patrimônio social e retirá-lo da
82
propriedade da empresa e transferi-lo para a esposa que é quem tem direito
efetivamente.
Acreditamos que a desconsideração inversa da personalidade jurídica é,
assim como a desconsideração tradicional, uma importante forma de proteger a
sociedade de sócios mal intencionados. Desta forma, apesar da omissão do
legislador relativamente a esta forma de desconsideração, acreditamos que é
plenamente possível sua aplicação, pois o direito não pode proteger nenhum tipo de
fraude. Obviamente que devido à gravidade de suas conseqüências, este instituto
deve ser usado com a maior cautela e diante de provas robustas da fraude.
A principal dificuldade em tratar desse tema é a existência de poucos autores
que o explicam. Alguns que ainda explanam sobre a teoria, se limitam a tratá-lo
como um pequeno tópico dentro da desconsideração. Diante da relevância desse
tema, acredita-se que mereça ser objeto de uma análise mais aprofundada. Porém,
conforme dito anteriormente, não se tem a intenção de esgotar o tema. O objetivo foi
trazer algumas de suas possíveis aplicações no sistema jurídico brasileiro.
83
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Danilo de Sousa Barbosa - Universidade Católica de Brasília