MONIQUE DA SILVA LEANDRO
EFEITO DA REALIMENTAÇÃO SOBRE A
FUNÇÃO TIROIDEA E OS MECANISMOS
DE CONTROLE DE MASSA CORPORAL EM
RATOS WISTAR MACHOS
TESE SUBMETIDA AO INSTITUTO DE BIOFÍSICA CARLOS CHAGAS FILHO
DA UNIVERSIDADE FERDERAL DO RIO DE JANEIRO PARA OBTENÇÃO
DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (FISIOLOGIA)
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
2010
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MONIQUE DA SILVA LEANDRO
EFEITO DA REALIMENTAÇÃO SOBRE A
FUNÇÃO TIROIDEA E OS MECANISMOS
DE CONTROLE DE MASSA CORPORAL EM
RATOS WISTAR MACHOS
TESE SUBMETIDA À UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
DE JANEIRO VISANDO A OBTENÇÃO DO GRAU DE
MESTRE EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
ORIENTADORA: Profª. Denise Pires de Carvalho
Rio de Janeiro
2010
Leandro, Monique da Silva
Efeito da realimentação sobre a função tireoidea e os mecanismos de
controle de massa corporal em ratos Wistar machos
Rio de Janeiro, UFRJ, 2010.
xi: 102
Orientadora: Denise Pires de Carvalho
Tese de Mestrado para obtenção do Grau de Mestre em Ciências Biológicas
(Fisiologia)
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
1234-
Restrição alimentar
Realimentação
Hormônios tireoideos
Massa corporal
Este trabalho foi realizado no Laboratório de Fisiologia Endócrina do
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de
Janeiro sob a orientação da professora Denise Pires de Carvalho, com apoio
financeiro concedido pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Programa de Apoio a
Núcleos de Excelência (PRONEX-MCT).
Monique da Silva Leandro
EFEITO DA REALIMENTAÇÃO SOBRE A FUNÇÃO TIREOIDEA E OS
MECANISMOS DE CONTROLE DA MASSA CORPORAL EM RATOS WISTAR
MACHOS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SUBMETIDA À UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO DE JANEIRO VISANDO À OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (FISIOLOGIA)
Rio de Janeiro, _______ de ___________________ de 2010
__________________________________________
Professora Doutora Tânia Maria Ortiga Carvalho - IBCCF/UFRJ
__________________________________________
Professor Doutor Wagner Seixas da Silva – IBqM/UFRJ
___________________________________________
Professora Doutora Patrícia Lisbôa da Silva - UERJ
Este trabalho é dedicado aos
meus pais, Isabel e Leandro,
responsáveis pela minha essência,
por me permitirem sonhar,
acertar/errar e crescer.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Denise Pires de Carvalho, por ser um exemplo de
versatilidade e competência, e acima de tudo pelo incessante apoio ao longo
deste projeto.
À professora Andrea Freitas, minha querida revisora, por estar sempre
disposta a ajudar e transmitir seus conhecimentos com paciência e
simplicidade.
À professora Doris Rosenthal, por ser um exemplo indiscutível de
dedicação à pesquisa científica.
Aos grandes amigos e companheiros de trabalho Renata Lopes de
Araújo e Álvaro Padrón, por terem me ―adotado‖ em um momento difícil e por
estarem mais próximos ao longo da minha jornada no LFE, me incentivando e
apoiando na vida pessoal e científica, sendo fundamentais para a conclusão
deste trabalho. Espero levá-los para toda vida.
Aos amigos, Alba Cenélia, Thiago Pantaleão, Danielle Ignácio, Elaine
Cristina, Juliana Cazarin e Fabio Hecht, pelos experimentos compartilhados
e pela incansável ajuda na bancada, e ao amigo Wagner Nunes por fazer
nossos dias mais divertidos e organizados.
Aos demais amigos do laboratório que de alguma maneira foram muito
importantes para realização deste projeto, especialmente pela ótima
convivência: Professoras Tamar Frankenfeld e Vânia Costa, Bruno Molin,
Carlos Frederico, Glória Ginabreda, Mariana Lopes, William Miranda,
Luciene Cardoso, Rodrigo Fortunato, Felipe Neto, Ana Lúcia, Valmara
Pereira, Ruy Louzada e João Paulo.
Aos meus amigos e técnicos do laboratório, Advaldo Nunes, Norma de
Araújo e José Humberto Tavares, por serem peças-chave no funcionamento
do LFE e por colaborarem com maestria para o desenvolvimento deste
trabalho.
Às grandes amigas Maitê Russo e Fernanda Mesquita por serem
ótimas companheiras de estudo, seja na seleção de mestrado ou ao longo das
disciplinas, e pelo verdadeiro apoio durante a execução deste projeto.
Ao amigo Deivid de Carvalho Rodrigues, peça-chave no aprendizado
e conclusão do PCR, por mostrar-se sempre disposto a ajudar e passar seus
conhecimentos com grande satisfação.
Aos meus amados pais, irmão e sobrinha, por me apoiarem em cada
momento, por serem meu ―alicerce‖, por acreditarem em mim e principalmente
pelo infinito amor que me concedem. Amo vocês!
Aos meus familiares (em especial aos meus padrinhos), à minha
segunda família (família Raposo) e a todos os meus amigos pelo constante
incentivo e por torcerem pela minha vitória;
Ao meu namorado Rodrigo Raposo, que compartilhou cada dia desta
nova fase ao meu lado, desde o nervosismo da prova de seleção até a
felicidade da conclusão. Obrigada pela companhia ao Fundão nos fins de
semana, pela ajuda na bancada e no biotério (um ótimo IC) e pela paciência.
Você é um grande companheiro. Te amo!
A Deus, acima de tudo!
O verdadeiro mestre é aquele que
possui o dom do maior dos sábios:
a humildade de jamais deixar de
ser aprendiz.
(autor desconhecido)
Que os nossos esforços desafiem as
possibilidades. Lembrai-vos que as
grandes proezas da história, foram
conquistadas daquilo que parecia
impossível.
Charles Chaplin
LISTA DE ABREVIATURAS
AgRP
ATP
BAT
BSA
C
CART
cDNA
CRH
D1
D2
D3
DIT
DNA
DTT
DuOx
EDTA
FSH
GAPDH
GH
GLUT-4
HPLC
HT
hCG
IMC
JAK
LH
m.c.
MCH
MCR
MIT
-MSH
NADPH
NIS
NPY
Ob-Rb
Ob-R
PCR
PE
POMC
PVN
PTU
R15
R30
RI
RIE
RL
RNAm
Peptídeo relacionado à proteína agouti
Adenosina trifosfato
Tecido adiposo marrom
Albumina do soro bovino
Grupo controle
Transcrito regulado por cocaína e anfetamina
DNA complementar
Hormônio liberador de corticotrofina
Desiodase tipo 1
Desiodase tipo 2
Desiodase tipo 3
Diiodotirosina
Ácido desoxirribonucleico
Ditiotreitol
Oxidase dual tireóidea
Ácido etilenotiamino tetra-acético
Hormônio folículo estimulante
Gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase
Hormônio do crescimento
Transportador de glicose – 4
Cromatografia líquida de alta eficiência
Hormônios tireóideos
Gonadotrofina coriônica humana
Índice de massa corporal
Janus quinase
Hormônio Luteinizante
Massa corporal
Hormônio concentrador de melanina
Receptor de melanocortina
Monoiodotirosina
Hormônio estimulador de -melanócitos ou melanocortina
Nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato
Co-transportador sódio-iodeto
Neuropeptídeo Y
Isoforma longa do receptor de leptina
Receptor de leptina
Reação em cadeia da polimerase
Fosfato EDTA
Proopiomelanocortina
Núcleo paraventricular
Propiltiouracil
Grupo restrição alimentar por 15 dias
Grupo restrição alimentar por 30 dias
Resto-ingestão
Radioimunoensaio
Grupo realimentação
Ácido ribonucléico mensageiro
rT3
RT
SERCA
SNC
STAT
TCA
T3
T4
Tg
TMB
TPO
TRH
TR
TSH
UCP
YR
T3-reverso
Transcriptase reversa
Cálcio-Atpase do retículo sarcoplasmático
Sistema nervoso central
Sinal ativador de transcrição e tradução
Ácido tricloroacético
3,5,3’-triiodotironina
3,5,3’,5’-tetraiodotironina, tiroxina
Tireoglobulina
Taxa metabólica basal
Peroxidase tireóidea
Hormônio liberador de tireotrofina
Receptores dos hormônios tireóideos
Tireotrofina ou hormônio estimulador da tireóide
Proteína desacopladora
Receptor do neuropeptídeo Y
RESUMO
A restrição alimentar é uma das terapias mais utilizadas para a perda de massa
e gordura corporais. No entanto, mecanismos homeostáticos atuam na
resistência à perda de massa corporal, determinada, em parte, pela redução
dos hormônios tireóideos. Após a fase de privação energética, comumente
inicia-se a realimentação. O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos da
realimentação sobre a função tireóidea e os mecanismos de controle da massa
corporal em ratos Wistar machos. Para tanto, utilizamos um modelo de
restrição alimentar de 40% por 15 ou 30 dias, e de realimentação, que consiste
em 15 dias de restrição de 40% seguido de 15 dias de realimentação, durante
os quais tiveram acesso livre à ração. A restrição alimentar foi eficaz em
conduzir à perda de massa e do conteúdo adiposo retroperitoneal e epididimal,
além de reduzir os níveis séricos de T3, T4, TSH e leptina. Somente após a
restrição por 15 dias houve aumento dos níveis séricos de corticosterona. A
realimentação foi capaz de normalizar todos os parâmetros citados, exceto o
T4, que permaneceu reduzido. A atividade da D1 na hipófise apresentou-se
reduzida após a restrição, e a realimentação não foi capaz de reverter a
atividade desta enzima. A atividade da D1 no fígado e da D2 na hipófise
também apresentaram-se reduzidas após a restrição em ambos os tempos,
sendo restabelecida após a realimentação. Já a atividade enzimática da D1 no
rim e da D2 no tecido adiposo marrom não apresentaram diferença significativa
entre os grupos. Após a restrição alimentar houve aumento da expressão dos
peptídeos orexigênicos, NPY e AgRP, e redução dos peptídeos
anorexigênicos, POMC e CART. Apenas a restrição por 15 dias reduziu o TRH.
A realimentação restabeleceu a expressão dos peptídeos e do TRH
hipotalâmicos. Pode-se concluir que a massa corporal ideal resulta do fino
controle central da ingestão alimentar e do gasto energético, e os mecanismos
homeostáticos que buscam o equilíbrio do balanço energético durante a
restrição alimentar também estão atuantes na busca do equilíbrio energético
após a realimentação.
ABSTRACT
Food restriction is one of the most widely used therapies for weight and body fat
loss. However, homeostatic mechanisms promote resistance to body mass
loss, determined in part by the reduction of thyroid hormones levels. After the
phase of energy deprivation, an increase in refeeding occurs. The aim of this
study is to evaluate the effects of refeeding on thyroid function and mechanisms
of control of body mass in rats. We used a model of 40% of food restriction for
15 or 30 days, and refeeding, which consists of 15 days restriction of 40%
followed by 15 days of refeeding, in which rats had free access to food. Food
restriction was effective to lead to body mass and retroperitoneal and epididimal
fat loss, and reducing serum levels of T3, T4, TSH and leptin. Refeeding was
able to normalize all mentioned parameters except the T4 levels, which
remained low. After the restriction, there was a significant reduction in D1
activity in the pituitary, which was not reversed by refeeding. D1 activity in liver
and D2 activity in the pituitary were also reduced after food restriction in both
times, but they were restored after refeeding. The enzymatic activities of kidney
D1 and BAT D2 did not differ among the groups. Food restriction for 15 or 30
days was effective to increase the expression of NPY and AgRP, orexigenic
peptides, and to reduce the expression of anorexigenic peptides, CART and
POMC, while only the food restriction for 15 days reduced the expression of
TRH hypothalamic. Refeeding restored the expression of peptides and TRH
hypothalamic. Thus, we conclude that the ideal body mass results from a fine
central control of food intake and energy expenditure, and homeostatic
mechanisms that regulate the energy balance during food restriction are also
active, aiming to find the set-point after refeeding.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
15
1.1. Balanço energético e regulação da massa corporal
1.2. Repercussões endócrinas da restrição alimentar e da realimentação
1.3. Hormônios tireóideios
1.3.1. Eixo Hipotálamo-Hipófise-Tireóide
1.3.2. Metabolismo dos hormônios tireóideos
Iodotironina Desiodase tipo 1 (D1)
Iodotironina Desiodase tipo 2 (D2)
15
18
20
24
26
28
30
Iodotironina Desiodase tipo 3 (D3)
1.3.3. Hormônios tireóideos e o gasto energético
1.4. Leptina
31
32
36
1.4.1. Leptina e o controle neural da homeostase energética
42
OBJETIVOS
2.1. Objetivos gerais
2.2. Objetivos específicos
50
50
50
METODOLOGIA
3.1. Tratamento dos animais
51
51
3.2. Restrição alimentar e realimentação
3.3. Controle do peso corporal e da ingestão alimentar
3.4. Sacrifício dos animais
3.5. Análises
3.5.1. Radioimunoensaios
T3 e T4
TSH
Leptina
Corticosterona
3.6. Atividade da enzima iodotironina desiodase
52
53
53
54
54
54
55
56
56
57
Desiodase Tipo 1 (D1) e Tpo 2 (D2)
3.7. RT-PCR quantitativo
Extração de RNA total
Quantificação do RNA total extraído
Transcrição Reversa seguida de reação em cadeia de polimerase
3.8. Análise estatística
57
60
60
60
61
63
RESULTADOS
4.1. Massa corporal e ingestão alimentar
4.2. Conteúdo adiposo
4.3. Concentrações séricas hormonais
4.4. Atividade das enzimas desiodase tipo 1 e tipo 2
4.5. Expressão de RNAm dos peptídeos hipotalâmicos
65
65
68
69
73
75
DISCUSSÃO
78
CONCLUSÃO
91
REFERÊNCIAS
92
PERSPECTIVAS FUTURAS
102
15
INTRODUÇÃO
1.1.
BALANÇO
ENERGÉTICO
E
REGULAÇÃO
DA
MASSA
CORPORAL
A compreensão dos fatores que influenciam o balanço energético é de
fundamental importância para o entendimento da regulação da massa corporal.
O balanço energético é determinado de um lado pelo consumo alimentar
(entrada de energia) e de outro pelo gasto de energia (saída de energia).
Quando em desequilíbrio, tais fatores podem levar ao acúmulo ou redução
excessivos de gordura corporal. Na situação de excesso de calorias
consumidas sem um aumento concomitante do gasto energético, conhecido
como balanço energético positivo, há um excesso de energia armazenada
endogenamente como triglicerídeos no tecido adiposo, o que pode levar à
obesidade, com aumento do tamanho e do número de adipócitos (Gesta,
Tseng & Kahn, 2007). A energia dispendida diariamente relaciona-se com as
termogêneses obrigatória (taxa metabólica basal) e facultativa (efeito térmico
do alimento, atividade física, exposição ao frio) (Ravussin & Walder, 1998).
A taxa metabólica basal (TMB) é definida como o somatório de todo o
calor produzido no organismo em repouso, sendo assim, ela se correlaciona à
energia gasta pelo indivíduo em repouso no leito pela manhã, em estado de
jejum, sob condições ambientais confortáveis. Ela constitui cerca de 60 a 70%
do gasto energético total e corresponde à energia necessária para a
manutenção dos processos celulares e da homeotermia na situação de
16
repouso. Ela é dependente da massa magra, massa adiposa, idade, sexo e
constituição genética. Resumidamente, a TMB é a energia mínima gasta para o
funcionamento normal do organismo (Ravussin & Walder, 1998; Bianco e cols.,
2005).
A manutenção da quantidade de energia que abastece a TMB resulta
em substancial produção de calor, que é conhecida como termogênese
obrigatória. Entretanto, a TMB pode ser aumentada por diversos fatores, como:
atividade física voluntária ou involuntária, exposição ao frio, alimentação
hipercalórica e pela febre. O calor derivado destes processos é conhecido
como termogênese adaptativa ou termogênese facultativa, que pode flutuar
rapidamente em resposta ao disparo de um sinal (Silva,1995). Define-se
termogênese facultativa como todo o calor produzido além da TMB, como
resultado do aumento do turnover de energia (Bianco, 2000).
O efeito térmico dos alimentos corresponde a cerca de 10% do gasto
energético diário. O consumo de energia é determinado pela ingestão de
macronutrientes, variando conforme a composição da refeição. Os nutrientes
têm diferentes propriedades em termos de conteúdo calórico, densidade
energética, efeito térmico (custo de energia do processo de digestão, absorção,
processamento e estoque dos nutrientes), capacidade de estocagem e
habilidade em suprimir a fome. Além disto, este componente do gasto
energético pode ser influenciado pelo tamanho da refeição, bem como pela
constituição genética do indivíduo, idade, forma física e sensibilidade à insulina.
Estas influências, e ainda os aspectos técnicos, como a posição do indivíduo e
a duração da refeição, tornaram o efeito térmico dos alimentos o componente
17
mais difícil de ser medido e o menos reprodutível (Ravussin & Walder, 1998).
O componente mais variável do gasto energético é a atividade física.
Esta pode contribuir para uma quantidade significativa de energia gasta em
pessoas muito ativas. A atividade física representa cerca de 20% do gasto
diário total em um indivíduo sedentário e pode chegar a 50% em um indivíduo
muito ativo. Esta pode ser dividida em duas sub-classes distintas: termogênese
relacionada ao exercício, que é o caso do esporte, e termogênese nãorelacionada ao exercício, que consiste em toda atividade motora espontânea
(Ravussin & Walder, 1998).
As alterações diárias na ingestão alimentar exercem uma influência
maior sobre o equilíbrio energético do que as pequenas mudanças na taxa
metabólica. Isto ocorre porque as variações diárias da ingestão alimentar são
grandes (coeficiente de variação de ± 23%), ao passo que as variações diárias
do gasto de energético são geralmente pequenas (cerca de ± 2%) e dependem
principalmente do estilo de vida (Jéquier, 2002).
Está documentado na literatura que pequenas diferenças no gasto de
energia (como uma baixa taxa metabólica de repouso ou uma alta eficiência
metabólica) são importantes para o desenvolvimento da obesidade (Ravussin e
cols., 1988). Tal conceito não considera que uma baixa taxa metabólica é
muitas vezes acompanhada por uma baixa ingestão calórica. Um raciocínio
semelhante aplica-se à extensa pesquisa para drogas capazes de estimular o
gasto energético para tratar a obesidade. Estas drogas podem contribuir para a
perda de peso se a ingestão alimentar permanecer inalterada, porém isto é
improvável, pois a ingestão alimentar é estimulada quando há aumento do
18
gasto energético (Jéquier, 2002).
É importante enfatizar que o menor desequilíbrio entre a ingestão e o
gasto energético pode levar à obesidade grave: se o consumo ultrapassa o
gasto energético em 5% por dia, isto resulta em um ganho de 5 kg de massa
adiposa após um ano. Um ganho constante de 5 kg de massa adiposa por ano
leva à obesidade mórbida após alguns anos, entretanto, uma diferença de 5%
entre ingestão e gasto energético é dificilmente mensurável com a tecnologia
disponível (Jéquier, 2002).
1.2. REPERCUSSÕES ENDÓCRINAS DA PRIVAÇÃO ENERGÉTICA E
DA REALIMENTAÇÃO
O sobrepeso e a obesidade são causadores de importantes alterações
metabólicas e hormonais que estão associadas a várias comorbidades e
significativa mortalidade, desta forma, faz-se importante a discussão de formas
de abordagens terapêuticas. A restrição alimentar é um de seus pilares
terapêuticos e seu balanço final determinante na perda de peso corporal
(Spiegelman & Flier, 2001).
A restrição alimentar é descrita como o controle da dieta capaz de
manter a nutrição adequada, porém reduzir a energia ingerida, o que resulta na
redução de gordura e massa corporais (Koubova & Guarente, 2003). Uma das
razões para a falta de sucesso na perda de peso durante a restrição alimentar
a longo prazo é que o organismo tende a compensar a ingestão de energia
reduzida, diminuindo o gasto energético para conservar suas reservas
19
energéticas (Speakman e cols., 2007). Um estudo em ratos sugeriu que eles
poderiam compensar uma redução de 20% da energia disponível, reduzindo
diferentes componentes do seu gasto energético (Hambly & Speakman, 2005).
Podemos concluir então que nosso organismo é equipado para proteger-nos
mais eficientemente contra a perda do que contra o ganho de peso (Hill, 2006).
A existência destes mecanismos homeostáticos que atuam na
resistência à perda de peso corporal é um fator desestimulante para os
indivíduos que tentam perder peso (Spiegelman & Flier, 2001). Durante longos
períodos de ingestão alimentar reduzida, a redução da TMB e da energia gasta
em atividades levam a um novo equilíbrio do balanço energético e à
manutenção do peso corporal, sendo estes os principais mecanismos que
dificultam a adesão prolongada à restrição alimentar. Desta forma, após a
privação energética, comumente segue-se a realimentação, em que há um
aumento da densidade calórica consumida, e consequente ganho de massa
corporal (Björntorp & Yang, 1982; Santos-Pinto, Luz & Griggio, 2001).
O mecanismo de conservação de energia está ativo de forma
proporcional, desde uma restrição alimentar leve até níveis mais severos de
privação energética, sendo mantido durante todo o período de restrição
alimentar. A recuperação do gasto energético após a realimentação dependerá
do nível da restrição alimentar utilizada. Um estudo demonstrou que 3 meses
de restrição moderada em ratos proporcionou redução do gasto energético e a
realimentação por 1 mês destes mesmos animais levou ao restabelecimento do
gasto energético aos níveis do controle. Entretanto, os ratos realimentados por
1 mês após 3 meses de restrição severa, não tiveram seu gasto energético
20
normalizado, permanecendo menor que o do controle. (Santos-Pinto, Luz &
Griggio, 2001).
Vários estudos têm observado que a temperatura do corpo também
declina em roedores submetidos à restrição calórica, o que reduziria os custos
da termorregulação (Severisen & Munch, 1999). Todavia, este mecanismo
também contribui para a recuperação do peso corporal quando a restrição
alimentar é finalizada, pois permaneceria inalterado mesmo após o aumento da
ingestão alimentar (Speakman e cols., 2007).
Neste contexto, inserem-se os hormônios tireoideos, T3 (triiodotironina)
e T4 (tiroxina), que são os principais reguladores da taxa metabólica basal,
sendo suas concentrações séricas correlacionadas diretamente com o gasto
energético (Bianco e cols., 2002). Outro hormônio envolvido na regulação da
ingestão alimentar e do dispêndio de energia é a leptina, que parece também
ter relação com a conservação de energia ocorrida durante a restrição
alimentar (Ahima e cols., 2000). Entretanto, os mecanismos envolvidos com as
alterações dos níveis séricos dos hormônios tireoideos e da leptina durante a
perda de peso e a realimentação ainda não são bem compreendidos.
1.3. HORMÔNIOS TIREOIDEOS
Os hormônios tireoideos são sintetizados pela glândula tireoide, que se
localiza imediatamente abaixo da cartilagem cricóide e é composta por dois
lobos unidos por um istmo, estando aderida às regiões anterior e lateral da
laringe e da traquéia (Larsen e cols., 2002).
21
O folículo tireoideo é a unidade morfofuncional da tireoide, constituído
por uma única camada de células epiteliais, os tireócitos, que envolvem o
colóide, cuja composição majoritária é uma glicoproteína, a tireoglobulina (Tg).
A tireoglobulina contém os hormônios tireoideos: triiodotironina (T3) e tiroxina
(T4), em sua molécula, sendo posteriormente endocitada e hidrolisada para
liberação destes hormônios (Capen, 1996; Griffin, 2000).
O iodo é essencial para a biossíntese hormonal, sendo necessário que
esteja disponível em concentrações adequadas para que quantidades normais
de hormônios sejam sintetizadas pelos folículos. A ingestão diária de iodo é
bastante variável, dependendo do conteúdo de iodo no solo e na água em
diferentes regiões. O iodeto ingerido é absorvido a partir do trato
gastrointestinal para o sangue sendo a maior parte normalmente excretada
pelos rins ou captada pelas células da glândula tireoide (Larsen e cols., 2002;
Vassart & Dumont, 1992).
O transporte ativo do iodeto do sangue para o interior da célula folicular
é realizado contra um forte gradiente eletroquímico, através da ação do cotransportador sódio-iodeto (NIS, Na+/I- Symporter) (Dohan e cols., 2003). O
NIS, uma glicoproteína integral da membrana, localiza-se na membrana
basolateral das células foliculares tireoideas, e acopla o transporte de dois íons
Na+ a favor de seu gradiente eletroquímico ao transporte de 1 íon I - contra o
seu gradiente, ambos em direção ao interior da célula. O gradiente de sódio
necessário ao transporte realizado pelo NIS é gerado pela bomba Na +/K+ ATPase, tratando-se portanto de um transporte ativo secundário (Larsen e
cols., 2002).
22
A biossíntese hormonal é dependente, além da disponibilidade de iodo
na região apical da célula folicular, da síntese adequada de tireoglobulina e de
enzimas envolvidas na incorporação do iodo a resíduos tirosil da molécula de
tireoglobulina, esta etapa é denominada organificação do iodo. A principal
enzima relacionada à biossíntese hormonal é a peroxidase tireoidea (TPO),
uma enzima que tem seu sítio catalítico voltado para o colóide e se localiza na
superfície apical da célula folicular. Esta proteína requer peróxido de hidrogênio
como agente oxidante. O H2O2 é produzido pela enzima oxidase dual (DuOx),
uma flavoproteína NADPH-dependente, que está localizada na membrana
apical das células foliculares (Virion e cols., 1984; Michot e cols., 1985).
A etapa seguinte para a síntese dos hormônios tireoideos é o
acoplamento entre as iodotirosinas. Como consequência deste acoplamento,
ocorre a formação de diversas iodotironinas, dentre as quais T3 e T4. O
acoplamento de 1 MIT (monoiodotirosina) e 1 DIT (diiodotirosina) dá origem à
3,5,3'- triiodotironina ou T3, enquanto o acoplamento de duas moléculas de DIT
leva à formação de 3,5,3',5'-tetraiodotironina ou tiroxina (T4). A TPO também é
a enzima que catalisa esta reação (Larsen e cols., 2002).
Após a biossíntese, os hormônios tireoideos permanecem na molécula
de tireoglobulina, unidos por ligações peptídicas a outros aminoácidos. Para
que T3 e T4 sejam secretados, é necessário que estas ligações peptídicas
sejam hidrolisadas. A liberação dos hormônios tireoideos inicia-se com a
endocitose de uma gotícula de colóide. As vesículas de endocitose fundem-se
aos lisossomas, o que leva à formação de fagolisossomas, onde a
tireoglobulina sofrerá proteólise. Várias proteases estão envolvidas neste
23
processo de digestão, sendo o pH ácido encontrado no lisossoma importante
para a atividade destas enzimas. Após ocorrer a hidrólise, são liberados
aminoácidos, iodotirosinas e iodotironinas. Os aminoácidos podem ser
reutilizados na síntese proteica e as iodotirosinas podem sofrer desiodação
pela desalogenase dependente de NADPH, havendo aproveitamento da maior
parte do iodeto liberado. Os mais importantes produtos da digestão da
tiroglobulina, entretanto, são o T3 e o T4. Há a passagem, então, dos
hormônios tireoideos do interior da célula folicular para a circulação (Larsen e
cols., 2002).
A tireoide, assim como outras glândulas do sistema endócrino, está sob
a regulação do eixo hipotálamo-adenohipófise (Figura 1). A função de todo este
complexo é regulada por um modelo de retroalimentação negativa envolvendo
o hormônio liberador de tireotrofina (TRH) produzido pelo hipotálamo, o
hormônio tireotrófico (TSH) produzido pela hipófise e os hormônios
tireoideanos (T3 e T4) (Larsen e cols., 2002).
Um estudo demonstrou que 40 horas de jejum foram capazes de alterar
a morfologia da glândula tireóide em ratos Wistar machos jovens, reduzindo a
área e o volume das células do epitélio folicular, além de reduzir o T4 sérico. A
realimentação por 40 horas reverteu este quadro, havendo também um
aumento de 46% na ingestão alimentar (Kmiéc e cols., 1997).
24
Hipotálamo
-
+
-
Hipófise
+
Tireóide
Figura 1 - Eixo hipotálamo-hipófise-tireoide, ilustrando a alça de retroalimentação
negativa, que regula a síntese e liberação dos HT. Adaptado de Bassett e Williams,
2008.
1.3.1. EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-TIREOIDE
A tireotrofina ou hormônio estimulador da tireoide (TSH) é um hormônio
glicoprotéico com duas cadeias peptídicas, alfa e beta, que é sintetizado e
secretado por células denominadas tireotrofos, localizadas na adeno-hipófise.
A subunidade alfa é comum a outros hormônios glicoprotéicos, como o
hormônio luteinizante (LH), o hormônio folículo estimulante (FSH) e a
25
gonadotrofina coriônica humana (hCG). A subunidade beta tem uma sequência
específica de aminoácidos, que está relacionada à ligação do TSH ao seu
receptor e à atividade hormonal (Wondisford, 1996).
O receptor do TSH pertence à superfamília dos receptores acoplados à
proteína G (Raspe & Dumont, 1991). Assim, quando o TSH liga-se ao seu
receptor na membrana das células foliculares, ocorre ativação da adenilato
ciclase e, quando em altas concentrações, também há ativação da fosfolipase
C (Dumont & Vassart, 2001). Como consequência, ocorre uma série de
modificações no metabolismo da célula folicular, que leva ao estímulo da
produção hormonal e também ao crescimento da glândula (Larsen e cols.,
2002).
Em indivíduos normais, um eventual aumento nas concentrações séricas
de hormônios tireoideos tem como consequência a inibição da produção de
TSH, um padrão clássico de retroalimentação negativa (Figura 1). Na situação
oposta, quando há diminuição nas concentrações séricas dos hormônios
tireoideos, a inibição da produção de TSH cessa, com consequente aumento
na síntese e secreção deste hormônio e estímulo à produção hormonal pela
tireoide (Larsen e cols., 2002).
Existem três hormônios de grande importância no controle da síntese e
secreção do TSH: o T3, que têm ação inibitória, o TRH, que apresenta efeito
estimulatório, e a somatostatina, que tem ação inibitória.
O TRH é sintetizado como um precursor, o pré-pró-TRH. Após o
processamento, há formação do tripeptídeo modificado, o TRH. Quando o TRH
liga-se ao seu receptor nos tireotrofos adenohipofisários ocorre estímulo da
26
síntese de ambas as subunidades do TSH, assim como do seu processamento
pós-traducional (Larsen e cols., 2002). O jejum e as dietas hipocalóricas
determinam diminuição seletiva da produção de TRH no núcleo paraventricular
que, por sua vez, resulta na diminuição da síntese de TSH. Acredita-se que a
redução aguda de leptina, durante situações de privação energética, seja a
responsável pela diminuição da síntese de TRH no núcleo paraventricular
(Ahima e cols., 2000). Sánches e cols. (2008) propuseram que a atividade do
eixo hipotálamo-hipófise-tireoide só seria restabelecida após 24 horas de
realimentação, em ratos.
Os hormônios tireoideos têm efeito inibitório sobre a produção de TSH
de duas maneiras: uma direta, inibindo a síntese e a secreção deste hormônio
na hipófise e uma indireta, em que a produção hipotalâmica do TRH é inibida
(Larsen e cols., 2002)
Apesar do TRH agir em balanço com reguladores hipotalâmicos
inibitórios, como a somatostatina e a dopamina, os hormônios tireoideos
exercem o controle mais importante do feedback negativo, isto é, são capazes
de inibir a secreção de TSH, agindo diretamente nos tireotrofos (Scanlon,
2001).
1.3.2. METABOLISMO DOS HORMÔNIOS TIREOIDEOS
O principal produto secretado pela tireoide é o T4, no entanto, o T3 é o
principal hormônio metabolicamente ativo. Sendo assim, o T4 sofre alterações
metabólicas nos tecidos periféricos, gerando T3 na periferia. As enzimas
27
responsáveis por essas alterações são denominadas iodotironinas desiodases,
pois catalisam reações de retirada de um iodo por vez das iodotironinas. A
família dessas selenoproteínas compreende três subtipos que são as
desiodases tipos 1, 2 e 3 (D1, D2 e D3) (Bianco e cols., 2002; Visser, 1996;
Kohrle, 1999).
A monodesiodação do T4, retirada de um átomo de iodo, pode ocorrer
no anel interno ou externo, originando rT3 (triodotironina reversa, hormônio
sem atividade biológica conhecida) e T3, respectivamente. A conversão do T4
a T3 é catalisada pelas enzimas D1 e D2 através da desiodação do anel
externo (5'-desiodação), sendo conhecida como via bioativadora. A reação de
inativação tanto do T4 como do T3 é catalisada pelas enzimas D1 e D3 através
da desiodação do anel interno (5-desiodação), sendo considerada a via
bioinativadora (Figura 2) (Bianco e cols., 2002; Visser, 1996; Kohrle, 1999).
Outras formas de metabolismo do hormônio tireoideo incluem inativação
por desaminação e descarboxilação. Glicuronidação e sulfatação hepáticas
resultam em uma molécula mais hidrofílica que é excretada na bile, podendo
ser reabsorvida no intestino, desiodada no rim e excretada na urina como
conjugado (Visser, 1996).
28
Figura 2 – Esquema representativo das reações de ativação e inativação do T4 pelas
desiodases tipos 1 (D1), 2 (D2) e 3 (D3). Adaptado de Bianco & Kim, 2006.
IODOTIRONINA DESIODASE TIPO 1 (D1)
A isoenzima D1 tanto catalisa a desiodação do anel externo quanto do
anel interno do T4, podendo gerar T3 ou rT3, respectivamente. O pH exerce
grande influência no processo de desiodação, porém a sulfatação das
iodotironinas acarreta um aumento na rapidez da desiodação e preferência
pelo anel interno, o que demonstra a importância da sulfatação na inativação
desses compostos (Bianco e cols., 2002).
A maior parte do T3 plasmático é proveniente da atividade da D1. A
29
provável localização da D1 na membrana plasmática facilita o acesso do T4
circulante à enzima, assim como a entrada, no plasma, do T3 produzido a partir
do T4 (Bianco e cols., 2002).
Em humanos, A D1 é expressa no fígado, rim, hipófise e tireoide. Em
ratos, além destes tecidos há também atividade da D1 na placenta, intestino e
SNC (Bianco e cols., 2002).
Os mais potentes reguladores da D1 são os hormônios tireoideos, que
induzem o aumento da sua atividade, estimulando a sua transcrição gênica em
ratos, camundongos e humanos. Os hormônios estrogênio, testosterona e os
glicocorticóides são capazes de aumentar a síntese e/ou atividade da D1.
Entretanto, a expressão da D1 também sofre influências nutricionais. No jejum
ou na restrição alimentar, observa-se diminuição do T3 circulante relativo ao T4
e aumento do rT3. Essas alterações podem ser interpretadas como
decorrentes de modificações na conversão extra-tireoideana de T4 em T3 pela
D1 (Bianco e cols., 2002, Gereben e cols., 2008).
Recentemente, demonstramos que a redução na atividade da D1
hepática, durante a restrição alimentar, é secundária à redução dos hormônios
da tireoide, pois, ao administrarmos T4 em animais submetidos a 30 dias de
restrição alimentar, observamos restauração dos níveis circulantes de T3 e
consequente aumento na atividade da D1 (Araujo e cols., 2008). Além dos
hormônios da tireoide, a leptina também parece influenciar a atividade da D1,
conforme demonstrado por vários autores (Cusin e cols., 2000, Lisboa e cols.,
2003; Cabanelas e cols., 2006; Araujo e cols., 2009). Nesses trabalhos, a
leptina ora teve efeito estimulatório, ora inibitório, demonstrando a necessidade
30
de mais estudos para o melhor entendimento do efeito da leptina sobre as
desiodases.
IODOTIRONINA DESIODASE TIPO 2 (D2)
Esta isoforma catalisa apenas a remoção do iodo do anel externo do
hormônio tireoideo e está presente na hipófise, cérebro, coração e tecido
adiposo marrom de ratos e na tireoide, coração, cérebro, músculo esquelético,
placenta,
rins e
pâncreas humano.
Ela
está
localizada no
retículo
endoplasmático, o que explicaria o rápido acesso ao núcleo do T3 gerado
localmente pela D2. Acredita-se que a principal contribuição fisiológica da D2
seja regular níveis intracelulares de T3 nos tecidos onde a deficiência deste
hormônio seria mais crítica. No SNC, no tecido adiposo marrom e na
adenohipófise, a atividade desta enzima está aumentada durante o
hipotireoidismo e a deficiência de iodo. Este aumento da conversão local de T4
para T3 pode ser visto como um mecanismo adaptativo desses tecidos em
resposta à queda dos níveis circulantes dos hormônios tireoideos (Bianco e
cols., 2002; Gereben e cols., 2008).
Em 2002, Cettour-Rose e cols. demonstraram em roedores que durante
privação energética, a restauração dos níveis séricos de T3 determinada pela
administração de leptina exógena é mediada pelo aumento na atividade da D2
no tecido adiposo marrom. Em 2005, Coppola e cols. demonstraram que o
aumento na atividade da D2 hipotâlamica durante o jejum em ratos é
determinado pela combinação entre a redução sérica de leptina e aumento de
31
corticosterona. Ao repor a leptina sérica, diminuída pela condição do jejum, a
atividade da D2 era restaurada, contribuindo para elevação do T3 sérico.
Boelen e cols (2006) demonstraram que a administração de leptina após o
jejum é capaz de restaurar a expressão da D2 na hipófise em 8 horas, em
camundongos. Ainda neste trabalho, a realimentação, que também resultou no
aumento dos níveis séricos de leptina, restaurou a expressão da D2 hipofisária
em 4 horas. Isto indica que outros sinais relacionados à ingestão, além do
exercido pela leptina, são necessários para modular a expressão da D2.
IODOTIRONINA DESIODASE TIPO 3 (D3)
Esta é uma enzima inativadora de T4 e T3, formando rT3 e 3,3'-T2,
respectivamente. Ela contribui para homeostase dos hormônios tireoideos por
proteger os tecidos do excesso desses hormônios. Ela está presente na pele,
cérebro e placenta de ratos adultos e pode ser encontrada no músculo
esquelético, fígado e intestino de ratos neonatos (Gereben e cols., 2008).
Apesar da importância do T3 durante o desenvolvimento fetal, o
excesso deste hormônio é prejudicial ao feto. Desta forma, faz-se necessário
que durante o desenvolvimento fetal os níveis séricos e intracelulares de T3
sejam mantidos dentro de um limite estreito (Carvalho, 2003). Durante este
período, a D2 e a D3 exercem um papel fundamental neste controle, enquanto
a D1 parece ser mais importante posteriormente (Gereben e cols., 2008). Além
disto, a expressão da D3 também pode ser induzida em resposta à inflamação
e lesão teciduais, como demonstrado por Rich e cols., 2008 durante a
32
inflamação aguda pulmonar e por Olivares e cols., 2007 durante o infarto agudo
do miocárdio, em roedores.
1.3.3. HORMÔNIOS TIREOIDEOS E O GASTO ENERGÉTICO
Os hormônios tireoideos são capazes de modular inúmeras vias
metabólicas potencialmente importantes para a taxa metabólica basal. O
exemplo mais claro da termogênese relacionada aos hormônios tireoideos não
está estritamente relacionado à taxa metabólica basal, mas sim à termogênese
adaptativa, através do desacoplamento da fosforilação oxidativa no tecido
adiposo marrom dos animais expostos ao frio, que é dependente da geração
local de hormônio tireoideo. Em pequenos mamíferos, a estimulação simpática
adrenérgica
do
tecido
adiposo
marrom
causa
ativação
da
proteína
desacopladora - 1 (UCP-1), uma proteína que permite o vazamento de prótons
através da membrana interna mitocondrial sem que haja a produção de ATP,
contribuindo para o aumento na geração de calor. Um elemento crítico nesta
via é a enzima desiodase do tipo 2, que aumenta localmente a produção
intracelular de T3 proveniente do T4, aumentando a saturação dos receptores
de hormônios tireoideos (TRs), de 70% para perto de 100% após a exposição
ao frio, enquanto os níveis séricos de T3 não parecem ser afetados (Bianco e
cols, 2005). Estudos em camundongos knockout para D2 confirmaram a
importância desta enzima em gerar T3 no tecido adiposo marrom em resposta
à exposição ao frio, uma vez que estes animais apresentaram deficiência na
termogênese, e após a administração de T3, a resposta ao frio foi devidamente
33
restabelecida (Silva, 2003). Este mecanismo ilustra a ligação entre a cascata
de sinalização adrenérgica, a inervação simpática e as ações dos hormônios
tireoideos, confirmando a importância do papel termogênico dos hormônios
tireoideos (Kim, 2008).
Entretanto, o papel da termogênese do tecido adiposo marrom para o
controle do balanço energético ainda é muito questionado. A maioria dos
autores afirma que a termogênese neste tecido é mínima quando o assunto
não é frio, até porque em adultos humanos a quantidade de tecido adiposo
marrom é pequena, sendo significativamente maior no recém-nato. Apesar
disto, indivíduos expostos cronicamente ao frio ou com estimulação
adrenérgica crônica, como ocorre no feocromocitoma, podem ter maior
quantidade de tecido adiposo marrom em torno de seus tecidos profundos do
que se pensava. Além disso, dados recentes sugerem que os roedores podem
ter quantidades significativas de tecido marrom entremeado no seu tecido
muscular, desencadeando estudos que buscam evidências para descobrir se o
mesmo acontece em humanos (Huttunem e cols., 1981; Almind e cols., 2007).
O papel termogênico desempenhado pelo tecido adiposo marrom em
pequenos mamíferos é assumido pelo músculo esquelético em humanos
adultos, um tecido com massa, inervação e atividade metabólica suficientes
para que uma parcela significativa das diferenças de TMB entre os seres
humanos normais possa ser atribuída a este tecido sozinho. Existem dados
consideráveis que comprovam o papel do T3 no músculo esquelético
estimulando a termogênese obrigatória. A administração de T4 estimulou a
expressão de 8 genes relacionados ao metabolismo de glicose e lipídio e de 22
34
genes relacionados ao metabolismo energético mitocondrial. Neste mesmo
estudo, as principais alterações foram observadas para os genes relacionados
à síntese protéica e ao catabolismo (Clement e cols., 2002).
O músculo esquelético tem a habilidade de oxidar ácidos graxos, o que o
torna um importante regulador da quantidade de gordura corporal e de energia.
Após duas semanas de restrição alimentar seguida de uma semana de
realimentação, observou-se uma diminuição da massa e da função mitocondrial
no músculo esquelético. Esta mudança contribui para a recuperação acelerada
de gordura, característica da recuperação de peso após a restrição energética
(Gambert & Ricquier, 2007).
Vários estudos têm demonstrado que o T3 promove o aumento do
turnover de energia associado ao ciclo de cálcio durante a contração e o
repouso no músculo esquelético, através da regulação da transcrição da
SERCA-1. Esse mecanismo tem sido melhor estudado no músculo cardíaco
mas poderia também explicar pelo menos alguns dos efeitos dos hormônios
tireoideos no gasto energético do músculo esquelético (Simonides e cols.,
2001).
Além do mecanismo da SERCA, o músculo esquelético é também o sítio
principal para muitas outras vias responsivas ao T3, com potencial relevância
para o gasto de energia, como por exemplo, o efeito regulador do T3 na
expressão da Na+/K+ ATPase, que está bem estabelecido. Além disto, a
expressão de várias isoformas da cadeia pesada da miosina é também
influenciada por T3. Os hormônios tireoideos também podem regular o
metabolismo da glicose, com o transportador de glicose (GLUT-4) sendo um
35
notável ponto de controle sensível ao T3 (Kim,2008).
Embora esteja claro que os hormônios tireoideos podem modular o
gasto energético, os mecanismos exatos que estão por trás deste efeito em
humanos permanecem obscuros. Isto ocorre devido a uma série de fatores,
incluindo a heterogeneidade de respostas metabólicas, mesmo em indivíduos
―normais‖, e as dificuldades de medição das diferenças sutis dos fluxos
metabólicos. As inter-relações complexas entre vias metabólicas e o sistema
nervoso também tornam difícil estudar os mecanismos moleculares em seres
humanos, forçando os pesquisadores a depender de modelos animais (Kim,
2008).
Uma resposta definitiva à pergunta de como o T3 regula o gasto de
energia não pode ainda ser dada, exceto que o efeito do T3 sobre a taxa
metabólica basal é igual à soma total de uma grande variedade de eventos de
regulação das vias metabólicas em músculo esquelético e outros tecidos.
Apesar disto, permanece esta tarefa importante, não só para a nossa melhor
compreensão da fisiologia da tireoide, mas também como uma esperança de
desenvolvimento de ferramentas farmacológicas que atuem de maneira
eficiente sobre o gasto energético como uma forma de controle da massa
corporal e melhora da saúde metabólica (Kim, 2008).
Os hormônios tireoideos atuam também na regulação da ingestão
alimentar. Como foi demonstrado por Coppola e cols. (2007), as células da glia
no núcleo arqueado expressam D2 e estão justapostas aos neurônios que coexpressam receptores para T3, neuropeptídeo Y (NPY), proteína relacionada a
agouti (AgRP) e proteína desacopladora - 2 (UCP-2). Estes autores
36
demonstraram que a ingestão alimentar dos ratos knockout para UCP-2
realimentados após 24 horas de jejum foi reduzida em comparação aos
animais selvagens. Estas observações indicam que a UCP-2 pode ser
necessária para a ativação de neurônios orexigênicos do núcleo arqueado,
determinando uma resposta adequada ao jejum. Os autores também utilizaram
camundongos knockout para D2 e observaram que o T3 produzido localmente
tem um papel importante no hipotálamo, isto porque o jejum aumenta a
atividade da D2 e a produção local de T3. Este hormônio ativa a proliferação
mitocondrial e a expressão de UCP-2 nos neurônios orexigênicos com
consequente aumento da ingestão alimentar em resposta à privação de
alimento. Recentemente, a UCP-2 foi superexpressa no hipotálamo de ratos e
foi observado um aumento na temperatura local, confirmando o potencial da
UCP-2 para ativar a termogênese mitocondrial neste tecido (Gambert &
Ricquier, 2007).
1.4. LEPTINA
Há mais de meio século, Kennedy (1953) propôs que a regulação do
balanço energético é intermediada por um produto do metabolismo presente na
circulação sanguínea, que interage com receptores associados ao sistema
nervoso central. Neste modelo, quando as reservas energéticas (tecido
adiposo) estão elevadas, o centro da saciedade no hipotálamo é ativado,
provocando a redução na ingestão de alimentos. Por outro lado, durante a
restrição alimentar ou no jejum prolongado, as reservas de tecido adiposo são
37
mobilizadas para produção de energia, ocorrendo um aumento concomitante
do apetite.
Experimentos de parabiose, em que camundongos obesos e magros
tiveram a circulação sanguínea interligada, evidenciaram a existência de um
fator circulante sinalizador responsável pelo controle da ingestão de alimentos
(Coleman, 1973). Mas, somente em 1994, com os recursos da biotecnologia,
foi possível caracterizar este fator e seu gene foi clonado em ratos e em
humanos, o qual recebeu a denominação de gene da obesidade ou da leptina,
que em grego significa magro (Zhang e cols., 1994).
A leptina é o produto do gene ob expresso, principalmente, mas não
exclusivamente, no tecido adiposo branco. A síntese de leptina por outros
tecidos, não-adiposos, é observada na placenta, na mucosa fúndica estomacal,
no músculo esquelético e no epitélio mamário (Masuzaki e cols., 1997).
Este
hormônio
apresenta
uma
cadeia
polipeptídica
com
167
aminoácidos, dos quais os 21 aminoácidos iniciais representam uma sequência
sinalizadora que é descartada antes da proteína madura ser secretada na
circulação sanguínea. A leptina madura é uma proteína monomérica de 16 kDa
com duas cisteínas formando uma ligação disulfídica intramolecular (Zhang e
cols., 1994). Esta proteína regula o armazenamento, o equilíbrio e o uso de
energia pelo organismo. Além disso, exerce papel sinalizador e modulador do
estado nutricional do organismo para outros sistemas fisiológicos (Ahima &
Flier, 2000).
Mutações no gene ob levam à deficiência de leptina. Camundongos
ob/ob apresentam hiperfagia, hipotermia, obesidade mórbida, e ainda,
38
inúmeras anormalidades metabólicas e neuroendócrinas. Em humanos, o
quadro de deficiência de leptina é caracterizado por hiperfagia, obesidade
mórbida e hipogonadismo hipotalâmico. Diferentemente dos camundongos
ob/ob, que apresentam diversas disfunções metabólicas, estas alterações
ainda não foram observadas em humanos leptino-deficientes. Ainda são
desconhecidas as razões que levam a essas diferenças entre as espécies, mas
elas sugerem que existam divergências substanciais nas ações fisiológicas da
leptina entre humanos e roedores (Ahima e cols., 2000)
A leptina produzida e secretada pelas células do tecido adiposo é
transportada, via corrente sanguínea, para os tecidos-alvo, onde interage com
receptores celulares específicos. O receptor celular da leptina (ob-R) pertence
à classe I da família de receptores de citocinas, à qual também pertencem os
receptores do hormônio do crescimento, da prolactina e da interleucina-6, entre
outros. O gene ob-R tem sido identificado em vários tecidos do organismo,
inclusive no cérebro, fígado, musculatura esquelética e no próprio tecido
adiposo (Ceddia e cols.,1998).
O receptor da leptina é uma proteína integral de membrana e o exame
de vários tecidos tem demonstrado que o mesmo existe em múltiplas formas,
apresentando uma sequência extracelular comum e uma porção citoplasmática
com comprimento variável. As isoformas do receptor da leptina são resultantes
do processamento alternativo do RNA mensageiro produzido por um único
gene. De maneira geral, os receptores da leptina podem ser classificados em
isoformas que apresentam cauda citoplasmática curta (isoformas a, c, d, e) e
uma única isoforma que apresenta cauda citoplasmática longa (ob-Rb). A
39
isoforma ob-Re é composta apenas pelo domínio extracelular, representando
uma provável forma solúvel do receptor, que estaria envolvida no transporte da
leptina para as regiões periféricas (Ahima & Flier, 2000). As demais isoformas
apresentam diferentes domínios intracelulares, todavia, somente a isoforma
Ob-Rb, conhecida como isoforma longa, contém todas as regiões intracelulares
necessárias à ativação da via de sinalização Janus-Kinase (JAK) e do sinal
ativador de transcrição e tradução (STAT). Essa via é conhecida como via JAKSTAT. As isoformas curtas são capazes de ativar a via JAK, mas incapazes de
ativar o STAT, inviabilizando a ação da leptina sobre a ingestão alimentar
(Ahima & Flier, 2000).
A
leptina
se
liga
com
alta
afinidade
ao
homodímero
Ob–R,
desencadeando a ativação da JAK2. Alterações nessa via de sinalização, como
atenuação da fosforilação do STAT-3 ou diminuição da expressão do receptor
inviabilizam a ação da leptina, conforme demonstrado em ratos Wistar idosos
(Galaz e cols., 2002).
O Ob-Rb está presente em regiões hipotalâmicas, co-localizado com o
fator de transcrição STAT3 e neuropeptídios importantes para a ação
anorexígena da leptina. O mecanismo de ação da leptina pode ser melhor
compreendido a partir da figura 2, onde é verificada a ativação de diferentes
vias pelo LRb. A ligação da leptina com o domínio extracelular do LRb dímero,
ativa a JAK2 tirosinacinase que associado com LRb via BOX 1 e aminoácido
31-36 do LRb. JAK2 ativada fosforila a si mesmo e Tyr 985 e Tyr 1138, na
porção intracelular do LRb. Tyr 1138 fosforilado liga e medeia a fosforilaçao de
STAT3 a qual ativa a transcrição de SOCS3 (membro da família de
40
supressores da sinalização de citocinas), Tyr 985 fosforilado recruta SHP2 o
qual se liga a Grb-2 que culmina na ativação da via ERK. Durante uma
prolongada estimulação IRS1 também é ativado através de uma tirosina não
identificada no LRb. Vale ressaltar que a principal via sinalizadora das ações da
leptina no hipotálamo é a via STAT3 (Gao e cols., 2004, Bates e cols., 2003,
Piper e cols., 2008). A proteína STAT3 depois de ativada se dimeriza sendo
translocada para o núcleo (Schindler e cols, 1995).
Figura 3 – Esquema de sinalização intracelular do LRb. Extraído de Myers, 2004.
A síntese da leptina é influenciada pelo status energético do tecido
adiposo. Os níveis de RNAm e proteína de leptina no tecido adiposo e plasma
são positivamente correlacionados à gordura corporal e ao tamanho do
adipócito. (Collins e cols., 1996). A correlação entre os níveis sanguíneos de
leptina e o conteúdo corporal de tecido adiposo é direta. No entanto, a
concentração sérica de leptina decai algumas horas após o início do jejum e,
41
aumenta após algumas horas de realimentação, sem correlação direta com a
redução do conteúdo de tecido adiposo (Ahima & Osei, 2004). Sucajtys-Szulc e
cols. (2009) observaram que os níveis de RNAm da leptina no tecido adiposo
diminuíram significativamente após 30 dias de restrição alimentar em ratos
jovens e voltaram parcialmente ao normal após dois dias de realimentação,
sendo correlacionado ao aumento da leptina sérica.
Além do tamanho dos adipócitos brancos, que reflete a quantidade de
gordura armazenada, a insulina também tem importância sobre a quantidade
de leptina secretada (Xie e cols., 1999). Em seres humanos e roedores,
observa-se forte correlação entre o aumento pós-prandial de leptina e o pico de
secreção de insulina. Em cultura de células adiposas, a insulina estimula
diretamente a síntese de leptina (Kolaczynski e cols.,1996). Durante o jejum, a
queda nos níveis de insulina é seguida do declínio nos níveis de leptina (Boden
e cols., 1996).
A expressão da leptina também é regulada por outros hormônios.
Conforme revisto por Ahima & Flier (2000) o tratamento com doses
farmacológicas de glicocorticóides, tanto em cultura de células como em
roedores e seres humanos, estimulou a síntese de leptina. Além disto, o pico
dos níveis de glicocorticóides coincide com os mais baixos níveis de leptina no
ciclo claro em humanos e no ciclo escuro em roedores. No entanto, a regulação
da leptina por níveis fisiológicos de glicocorticóides ainda é pouco
compreendida. Além da regulação por hormônios, a síntese de leptina também
pode ser regulada positivamente por infecção aguda, endotoxinas e citocinas
pró-inflamatórias
e
regulada
negativamente
por
exposição
ao
frio,
42
catecolaminas e ativação dos receptores β-adrenérgicos (Ahima & Osei, 2004).
A expressão da leptina parece ser regulada também pelos hormônios
tireoideos. Alguns estudos demonstram um aumento de leptina na deficiência
de hormônios da tireoide, outros têm demonstrado um aumento de leptina em
resposta ao hipertireoidismo ou ainda ausência de efeito dos hormônios da
tireoide sobre a leptina. Da mesma maneira, a relação entre o hormônio de
crescimento (GH) e a leptina parece não estar bem esclarecida (Ahima & Osei,
2004).
Analisando os resultados dos estudos de expressão gênica in vivo e in
vitro combinados com os efeitos observados na restrição alimentar e na
realimentação, Chilliard e cols. (2001) sugeriram que a leptina além de evitar a
deposição excessiva de gordura corporal, parece ter um papel importante
durante a adaptação dos animais à restrição alimentar. O rápido decréscimo
nos níveis plasmáticos da leptina em animais sob restrição alimentar pode ser
um sinal para estimular a ingestão na situação de realimentação e aumentar a
secreção de glicocorticóides, diminuir a atividade da tireoide, o gasto
energético e a síntese protéica, além de bloquear a reprodução.
1.4.1. LEPTINA E O CONTROLE NEURAL DA HOMEOSTASE
ENERGÉTICA
Os estudos realizados com seres humanos e com linhagens de ratos
obesos (ob/ob) ou diabéticos (db/db) têm demonstrado o envolvimento da
leptina no controle do apetite e na modulação da secreção da insulina pelo
43
pâncreas. Numa ação autócrina, a leptina exerce um efeito inibitório sobre a
captação de glicose estimulada pela insulina, reduz a lipogênese e estimula a
lipólise no tecido adiposo. De maneira endócrina, a leptina estimula a captação
de glicose e a síntese de glicogênio pelas células do tecido muscular, além de
acelerar a taxa de oxidação de ácidos graxos neste tecido (Ceddia e
cols.,1998). Além disto, injeções intravenosas de leptina ativam neurônios
hipotalâmicos localizados em diferentes núcleos, como o ventromedial, o
dorsomedial e, ainda, nos circuitos neuronais do tronco cerebral que regulam o
comportamento alimentar e o balanço energético (Ahima e cols., 2000).
No núcleo arqueado, duas sub-populações de neurônios foram bem
caracterizadas.
Uma
expressa
os
neurotransmissores
orexigênicos
neuropeptídeo Y (NPY) e o peptídeo relacionado à proteína agouti (AgRP)
enquanto a outra expressa os neurotransmissores anorexigênicos hormônio
estimulante
de
-melanócitos
(-MSH,
um
peptídeo
derivado
da
proopiomelanocortina - POMC) e o transcrito regulado por cocaína e
anfetamina (CART) (Ahima & Flier, 2000).
Neurônios -MSH/CARTérgicos do núcleo arqueado possuem conexões
inibitórias curtas com os neurônios NPY/AgRPérgicos e conexões inibitórias
longas com neurônios localizados no núcleo hipotalâmico lateral, além de
possuírem também conexões excitatórias longas com neurônios do núcleo
paraventricular. As conexões dos neurônios NPY/AgRPérgicos são inibitórias
longas com o núcleo paraventricular e excitatórias longas com o núcleo
hipotalâmico lateral (Schwartz e cols., 2000).
Em momentos em que predominam os baixos níveis de leptina, como,
44
por exemplo, durante privação energética prolongada, a maior parte dos
receptores Ob-Rb no núcleo arqueado está desocupada. Nesta situação,
predominam
os
sinais
e
conexões
excitatórios
para
os
neurônios
NPY/AgRPérgicos e os sinais e conexões inibitórios para os MSH/
CARTérgicos (Flier, 2004). Como resultado, há aumento da expressão de
orexina e MCH (hormônio concentrador de melanina) no núcleo hipotalâmico
lateral, acompanhado da redução da expressão de TRH e CRH no núcleo
paraventricular. Por outro lado, após uma refeição ou quando há discreto
ganho de massa de tecido adiposo, há elevação dos níveis de leptina,
desencadeando redução da expressão de orexina e MCH no núcleo
hipotalâmico lateral e aumento da expressão de TRH e CRH no núcleo
paraventricular (Schwartz e cols., 2000) (Figura 3).
A proopiomelanocortina (POMC) é um pró-hormônio que, sob ação das
pró-hormônio convertases, dá origem a peptídeos bioativos, incluindo a
corticotrofina (ACTH), as melanocortinas - MSH (α, β e γ) e a β-endorfina. Ela é
expressa na hipófise, na pele, no sistema imunológico e no SNC. Os peptídeos
derivados da POMC agem através da ligação com receptores da melanocortina
(MC1R a MC5R), os quais pertencem ao grupo dos receptores acoplados à
proteína G, com 7 alças transmembrana, que estimulam a adenilato-ciclase.
Animais em jejum ou camundongos ob/ob tem expressão menor do RNAm da
POMC, o que é revertido pela administração de leptina (Boguszewski e cols.,
2010).
45
HIPOTÁ
HIPOTÁLAMO
Núcleo
Paraventricular
Núcleo Arqueado
-MSH
CART
NPY
AGRP
-
-
+
Ob-Rb
(desocupado)
CRH
Núcleo
+
TECIDO
ADIPOSO
TRH
Leptina
Lateral
Orexina
MCH
Restrição
Alimentar
TECIDO
ADIPOSO
Leptina
Figura 4 – Esquema representativo da fisiologia neuroendócrina da leptina durante a
restrição alimentar. ObRb– isoforma longa do receptor de leptina, NPY– neuropeptídeo
Y, AGRP– peptídeo relacionado à proteína agouti, -MSH–melanocortina, CART–
transcrito regulado por cocaína e anfetamina, TRH – hormônio liberador de tireotrofina,
CRH – hormônio liberador de corticotrofina, MCH – hormônio concentrador de
melanina, sinal + : efeito estimulatório, sinal - : efeito inibitório (Adaptado de Ahima &
Flier, 2000).
Os receptores MC3R e MC4R estão relacionados à regulação do peso
corporal, o MC3R modulando o gasto energético e o MC4R, a ingestão
alimentar. O receptor da melanocortina 3 (MC3R) é expresso principalmente no
SNC, mas também na placenta, intestino, timo e adipócitos. Estudos com
camundongos knockout para o gene da POMC e com camundongos ob/ob
sugerem que o MC3R expresso em adipócitos seja importante para o aumento
do gasto energético e da lipólise mediados pelo α-MSH. O MC3R também
parece ter um efeito auto-regulatório, pois é expresso nos neurônios POMC e
NPY/AGRP. Foi descrita uma mutação no gene do MC3R em indivíduos com
46
obesidade severa, porém, na mesma família, outros obesos não apresentaram
a mutação. Já o MC4R é densamente encontrado no hipotálamo e a ativação
desse receptor pelo α-MSH reduz a ingestão alimentar (Rodrigues e cols.,
2003). Mutações no MC4R representam a alteração genética mais comum
presente na obesidade humana de início precoce (Boguszewski e cols., 2010).
A maior parte dos neurônios α-MSHérgicos do núcleo arqueado são
ativados após 2 horas de realimentação, enquanto a expressão do TRH e os
níveis séricos de TSH e dos hormônios tireoideos continuam suprimidos após
24 horas de realimentação em ratos submetidos ao jejum prolongado. Isto
sugere que a realimentação apresenta uma ação mais precoce dirigida a
neurônios envolvidos com a saciedade e uma ação mais tardia sobre os
neurônios TRHérgicos. O efeito retardado sobre os neurônios TRHérgicos pode
ser um importante mecanismo homeostático que permite a reposição de
energia após jejum prolongado, impedindo o aumento do gasto de energético
induzido por hormônio tireoideos (Sánchez e cols., 2008).
O NPY, neurotransmissor mais abundante no cérebro, tem um papel
importante no sistema orexigênico, promovendo aumento da ingestão alimentar
e diminuição do gasto energético. A redução dos níveis de leptina e insulina
ativa os neurônios produtores de NPY no núcleo arqueado do hipotálamo. O
aumento dos níveis de leptina, devido ao aumento da quantidade de gordura
estocada, diminui a expressão do NPY. Entretanto, não foram demonstradas
diferenças nos níveis de NPY no plasma nem no líquor entre humanos de peso
normal e obesos. Além disso, não se observou associação de mutações nos
receptores Y1R e Y5R (receptores do NPY relacionados à ingestão alimentar)
47
com a obesidade humana (Rodrigues e cols., 2003). A administração central de
NPY reduz a expressão de pré-pró TRH no PVN (núcleo paraventricular) e as
concentrações plasmáticas
de TSH, T4 e
T3,
sendo
estes efeitos
independentes da alteração na ingestão do alimento (Fekete e cols., 2001)
Na gênese da obesidade, outras vias orexigênicas devem ser
importantes, pois camundongos knockout para o gene NPY ou para os genes
Y1R e Y5R não apresentam anorexia nem peso corporal baixo (Ahima e Flier,
2000).
A AgRP é expressa nos mesmos neurônios que expressam o NPY no
núcleo arqueado do hipotálamo e atua como um antagonista endógeno para o
MC3R e MC4R, inibindo os efeitos anorexigênicos do α-MSH. Foram
encontrados níveis plasmáticos de AgRP elevados em homens obesos, que se
correlacionaram com as gorduras visceral e total, níveis de insulina, leptina e αMSH. Polimorfismos encontrados no gene da AgRP não estiveram associados
ao peso corporal em crianças com obesidade severa. A AgRP, em contraste
com o NPY, apresenta ação prolongada, tendo um potencial terapêutico nas
doenças que cursam com anorexia e emagrecimento (Rodrigues e cols., 2003).
Outro componente da via anorexigênica, o CART, teve seu RNAm
descoberto em 1995, quando se observou que a administração de estimulantes
psicomotores induzia a expressão deste transcrito no SNC. Alguns estudos não
demonstraram associação entre a obesidade e a expressão do gene do CART,
mas um estudo identificou uma mutação deste gene associada à diminuição do
gasto energético (Rodrigues e cols., 2003).
Durante a restrição alimentar há redução das concentrações séricas de
48
T3 e T4, diminuição ou concentrações normais TSH sérico e redução na
expressão de TRH. Este quadro parece ser mediado, pelo menos em parte,
pela redução da leptina sérica, que suprime o eixo através da expressão
reduzida do RNAm do TRH no núcleo paraventricular. Esse efeito da leptina
parece ser mediado indiretamente pelos neurônios do núcleo arqueado que
expressam POMC/CART e NPY/AgRP e diretamente através dos receptores
Ob-R co-localizados com os neurônios paraventriculares que expressam TRH,
regulando a atividade da região promotora do gene do TRH (Ahima & Flier,
2000).
Desta forma, evidencia-se uma relação crítica entre a leptina, um
hormônio indicador da reserva de energia, e o hipotálamo, um importante órgão
regulador da homeostase energética, sobre o controle da ingestão alimentar e
do gasto energético (Ahima e Flier, 2000).
Uma vez que o sobrepeso e a obesidade causam importantes alterações
metabólicas e hormonais, além de predispor a diversas doenças, é importante
a utilização de abordagens terapêuticas para combatê-los, como, por exemplo,
a restrição alimentar. Entretanto, a existência de mecanismos homeostáticos
que atuam na resistência à perda de peso corporal é um fator desestimulante
para os indivíduos que tentam perder peso. Desta forma, após a privação
energética, comumente segue-se a realimentação, em que há um aumento da
densidade calórica consumida, e consequente ganho de massa corporal.
Embora haja estudos investigando os mecanismos pelos quais ocorre a
redução na atividade tireoidea durante a restrição alimentar, a literatura ainda é
controversa sobre o controle do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide durante a
49
realimentação, especialmente após a restrição alimentar, sendo, portanto,
necessárias maiores informações sobre os mecanismos envolvidos neste
processo.
50
OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
No presente estudo objetivamos avaliar os efeitos da restrição alimentar
e da realimentação sobre a função tireoidea e os mecanismos de controle da
massa corporal em ratos Wistar.
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
No modelo de restrição alimentar, durante 15 ou 30 dias, e de
realimentação, compreendendo 15 dias de restrição alimentar seguidos de 15
dias de realimentação, visamos:

Avaliar a ingestão alimentar, o ganho de massa corporal e a eficiência
alimentar;

Avaliar o conteúdo adiposo através da extração e pesagem das
gorduras retroperitoneal e epididimal;

Avaliar os níveis séricos de T3, T4, TSH, leptina e corticosterona;

Avaliar a atividade da enzima iodotironina desiodase do tipo 1 no fígado,
rim, tireoide e hipófise;

Avaliar a atividade da iodotironina desiodase do tipo 2 no tecido adiposo
marrom (BAT) e hipófise;

Avaliar a expressão do RNAm do TRH e dos peptídeos NPY, AgRP,
POMC e CART no hipotálamo.
51
METODOLOGIA
3.1. TRATAMENTO DOS ANIMAIS
Foram utilizados como modelo animal ratos machos da linhagem Wistar
(Rattus norvegieus; var Albinus; Rodentia Mammalia), com 3 meses de idade,
pesando entre 250 e 300 gramas, mantidos em gaiolas individuais, sob
condições
controladas
de
luminosidade
(ciclo
claro-escuro/12-12h)
e
temperatura (23ºC). Os animais foram provenientes do biotério do Laboratório
de Fisiologia Endócrina Doris Rosenthal, logrado no Centro de Ciências da
Saúde (CCS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, tiveram
água e ração oferecidos ad libitum até o momento de se iniciar a restrição
alimentar. Todos os protocolos experimentais foram aprovados e realizados de
acordo com os padrões de cuidados com os animais, definidos pelo Comitê de
Ética com Uso de Animais em experimentação científica do Centro de Ciências
da Saúde (CEUA/CCS).
Os animais foram divididos em quatro grupos experimentais:

Controle (C);

Restrição alimentar por 15 dias (R15);

Restrição alimentar por 30 dias (R30);

Realimentação (RL) – Restrição alimentar por 15 dias seguida de 15
dias de acesso livre à ração.
Neste estudo foram feitos dois grupos controle, 15 e 30 dias, porém
estes não apresentaram diferença estatística em nenhum dos resultados,
52
sendo por isso representados juntos como grupo controle (C).
3.2. RESTRIÇÃO ALIMENTAR E REALIMENTAÇÃO
Com o intuito de estabelecer a ingestão diária de cada animal, a ração
ingerida foi controlada durante 2 semanas. Para tanto, os animais foram
alocados em gaiolas individualizadas. Cada animal teve acesso a 100 gramas
de ração por 24 horas. No mesmo horário em que a ração foi oferecida no dia
anterior, pesou-se o que restou em cada gaiola, determinando-se o RestoIngestão (RI). Ao final de 2 semanas foi realizado o cálculo da ingestão diária
média.
De acordo com protocolos da literatura (Wetter e cols., 1999; Gazdag
e cols., 1999; Davidson e cols., 2002; Araújo e cols., 2008), foi estabelecido o
valor de 60% da ingestão média para ser oferecido aos animais em restrição
alimentar. Aleatoriamente, os animais foram separados para compor os grupos
controle, restrição 15 dias, restrição 30 dias ou realimentação.
Diariamente, os animais em restrição alimentar recebiam a quantidade
de ração que fora determinada pelo cálculo de privação de 40% da ingestão
alimentar. Os animais do grupo controle receberam ração ad libitum. Este
procedimento foi mantido até a data do sacrifício. O grupo RL, durante os 15
dias iniciais do tratamento, encontravam-se em restrição alimentar, somente a
partir deste período, iniciou-se a realimentação por mais 15 dias, com oferta de
ração ad libitum (Figura 4).
53
3.3.
CONTROLE
DA MASSA
CORPORAL
E
DA INGESTÃO
ALIMENTAR
Durante todo o experimento, a massa corporal dos animais foi aferida
diariamente utilizando-se balança digital (Precision), com variação de duas
casas decimais. A massa corporal e o RI dos animais foram aferidos no mesmo
horário da oferta da ração.
3.4. SACRIFÍCIO DOS ANIMAIS
Os animais foram sacrificados por decapitação, após 15 ou 30 dias de
tratamento, de acordo com o grupo experimental.
O sangue foi coletado para avaliação das concentrações séricas T3,
T4, TSH, leptina e corticosterona, determinadas por radioimunoensaios (RIE)
específicos, conforme descritos a seguir.
Para a obtenção do soro foi realizada a centrifugação (3000 rpm, 4ºC,
20 minutos) do sangue. As amostras de soro foram aliquotadas em 3 tubos e
armazenadas a -70ºC até o momento das análises.
As gorduras retroperitoneal e epididimal foram retiradas, pesadas e
relacionados à massa corporal do animal no dia do sacrifício. Os resultados
foram expressos em grama de gordura por 100g de massa corporal.
Os tecidos excisados foram armazenados a – 70 ºC para posterior
dosagem da atividade das enzimas iodotironina desiodases - D1 (fígado, rim e
hipófise) e D2 (hipófise e tecido adiposo marrom). O hipotálamo também foi
armazenado a -70 ºC para avaliação da expressão de RNAm do TRH, NPY,
54
AgRP, POMC e CART neste tecido.
Início da
restrição
alimentar 40%
Início da
realimentação
Dia 0
Dia 15
Aclimatação e
controle da
ingestão
2 semanas
Grupos
C
R15
R30
RL
Medida da
massa corporal
e da ingestão
alimentar
diariamente
Sacrifício
C
R15
Grupos
C
R30
RL
Dia 30
Medida da
massa corporal
e da ingestão
alimentar
diariamente
Sacrifício
C
R30
RL
Figura 4 – Esquema representativo da metodologia experimental.
3.5. ANÁLISES
3.5.1. RADIOIMUNOENSAIOS
T3 e T4
As concentrações séricas de T3 e T4 foram determinadas através de Kit
comercial para RIE de T3 e T4 totais (Coat-a-count, Siemens Healthcare
Diagnostics, Los Angeles, EUA) contendo anticorpos específicos aderidos à
parede dos tubos de polipropileno, utilizando-se as curvas padrão fornecidas
55
pelo próprio Kit. Todo o procedimento foi realizado seguindo-se as
recomendações do fornecedor. Os resultados foram expressos em ng/dL para
o T3 e em mg/dL para o T4.
Os coeficientes de variação intra- e inter-ensaio para o T3 foram 6,18,9% e 6,6-10%, respectivamente e a sensibilidade do ensaio foi de 7 ng/dL. E
para o T4, os coeficientes de variação intra- e inter-ensaio foram 2,7-3,8% e
8,1-14,5%, respectivamente.
TSH
As dosagens de TSH sérico foram feitas por radioimunoensaio
específico, empregando um kit fornecido pela National Institute of Diabetes and
Kidney Diseases (NIDDK-Bethesda, EUA), e expressos em termos da
preparação de referência 3 (RP-3). Esse Kit é composto por TSH murino
purificado para a preparação das amostras utilizadas na curva padrão (0,625 a
25 ng/ml), TSH murino para ser iodado e anticorpo de coelho anti-TSH murino
(1º anticorpo).
A iodação da molécula de TSH com
125
I foi realizada em nosso
laboratório, pelo método da cloramina T, sendo a molécula marcada purificada
em uma coluna de gel de poliacrilamida (Biogel-P60 fino da Bio-rad, EUA),
conforme previamente descrito (Ortiga, 1992). O RIE foi realizado pelo método
do segundo anticorpo (anti-rabbit IgG, Sigma), com adição de 6% de
polietilenoglicol. O TSH sérico foi expresso em ng/ml.
Os coeficientes de variação intra- e inter-ensaio foram 7,7 e 6,5%,
respectivamente e a sensibilidade do ensaio foi de 0,625 ng/mL.
56
LEPTINA
As dosagens de leptina sérica foram feitas por RIE específico,
empregando um kit fornecido pela Linco Research, Inc. (Rat Leptin RIA Kit –
RL-83K), que é constituído por reagentes prontos para o uso: tampão de
amostra, leptina murina purificada em concentrações de 0,5;1; 2; 5; 10; 20 e 50
ng/mL para a curva padrão, anticorpo anti-leptina murina (1º anticorpo), leptina
purificada por HPLC e marcada com
125
I e anticorpo anti-IgG (2º anticorpo). Os
coeficientes de variação intra- e inter-ensaio foram 3,3-6,8% e 2,0-4,1%,
respectivamente e a sensibilidade do ensaio foi de 0,5 ng/ml. Para a realização
do RIE, utilizamos o protocolo fornecido pelo fabricante.
CORTICOSTERONA
As concentrações séricas de corticosterona foram medidas usando o kit
de RIE Coat-a-count, Siemens Healthcare Diagnostics, Los Angeles, EUA. O kit
especificamente desenvolvido para análise laboratorial em roedores contém
corticosterona marcada com
125
I e anticorpo específico de coelho para
corticosterona. A análise dos níveis séricos de corticosterona é realizada
através da técnica de dupla ligação ao anticorpo. Para a realização do RIE,
utilizamos o protocolo fornecido pelo fabricante. A corticosterona sérica foi
expressa em ng/dl.
Os coeficientes de variação intra- e inter-ensaio foram 4,0-12,2% e 4,814,9%, respectivamente e a sensibilidade do ensaio foi de 5,7 ng/ml.
Em todos os radioimunoensaios, as amostras foram dosadas em
duplicata e a detecção da radioatividade foi realizada em um cintilador de fase
57
sólida Wizard (1470 Wallac WizardTM automatic gamma counter).
3.6. ATIVIDADE DAS ENZIMAS IODOTIRONINA DESIODASES
DESIODASE TIPO 1 (D1) E TIPO 2 (D2)
A atividade da enzima D1 e da D2 foi determinada pelo método
previamente publicado (Berry e cols., 1991) e adaptado por Antonio Carlos
Bianco e Peer Reed Larsen (comunicação pessoal).
As amostras teciduais foram homogeneizadas em tampão sacarose-DTT
(sacarose 0,25 M e ditiotreitol 10 mM). Para D1, foram pesados 25 mg de
fígado e rim, e para D2 foram pesados 40 mg de tecido adiposo marrom em
balança digital (Precision advanced) e homogeneizados em 1000 µl de tampão,
enquanto a glândula hipófise foi inteiramente homogeneizada em 500 µL de
tampão. Os tecidos foram homogeneizados, em gelo, utilizando-se Ultra-Turrax
T25 (Ika-Labortechnik,Germany). Os homogenatos foram armazenados a –70
ºC até o dia do ensaio.
Alíquotas de 20 L foram guardadas separadamente a –70 ºC, para
dosagem de proteínas pelo método de Bradford (1976). As amostras foram
solubilizadas em NaOH 2,5 N pelo menos 30 minutos antes da dosagem e a
albumina bovina sérica (BSA – SIGMA, MO, EUA) foi utilizada para a
construção de uma curva padrão.
Antes da dosagem da atividade das enzimas, foi necessário purificar o
traçador radioativo, em virtude do decaimento radioativo e da desiodação
58
espontânea das iodotironinas marcadas. Esta etapa visa garantir que a maior
parte do iodo radioativo presente após a reação de desiodação seja
proveniente da ação enzimática. Para isso, foi utilizada uma coluna de 2 cm de
SephadexTM LH-20 (GE Healthcare, Uppsala, Suécia) para purificar o rT3-I125
no caso da D1, e T4-I125 no caso da D2 (Perkinelmer Life and Analytical
Sciences, Inc., Boston, MA). Uma alíquota de 70 µL da iodotironina marcada foi
diluída em 12 mL de H2O destilada e aplicada à coluna. Desprezou-se o
eluato, pois o rT3 radioativo, o composto de interesse, fica retido na trama da
coluna. Após esta etapa, a coluna foi lavada por duas vezes com 6 mL de H2O
MilliQ, e posteriormente, foram adicionados 500 µL de etanol 70% por sete
vezes. O eluato de etanol 70% contendo a iodotironina foi colhido em sete
tubos de vidro, de onde 5 µL foram retirados para contagem da radioatividade
no contador automático (1470 Wallac WizardTM automatic gamma counter,
Turku, Filand), com o intuito de determinar a quantidade de rT3 ou T4
radioativo presente em cada tubo.
A dosagem da atividade D1 foi determinada em tampão PE (fosfato de
sódio 100 mM, ácido etilenodiamino tetra-acético – EDTA 1 mM, pH 6,9),
contendo ditiotreitol (DTT) 10 mM (cofator exógeno da enzima), rT3 frio 1 µM e
volume de homogeneizado tecidual calculado para conter 10 µg de proteína
para fígado e rim, 15 µg de proteína para tireoide e, 150 µg para hipófise. São
adicionados 50 µL do rT3-I125 a cada tubo que será imediatamente incubado a
37 ºC por 1 hora, dando início à reação enzimática. Decorridos os 60 minutos,
a reação foi interrompida colocando-se os tubos no gelo.
A dosagem da atividade D2 foi também determinada em tampão PE
59
(fosfato de sódio 100 mM, EDTA 1 mM, pH 6,9), contendo ditiotreitol (DTT) 20
mM (cofator da enzima), porém foi adicionado propiltiuracil - PTU 100 nM
(inibidor da enzima desiodase tipo 1), T4 frio 1 nM e volume de homogeneizado
tecidual calculado para conter
5 µg de proteína para hipófise e 15 µg de
proteína para tecido adiposo marrom. Foram adicionados 100 µL do T4-125I a
cada tubo que é imediatamente incubado a 37°C por 3 horas, dando início à
reação enzimática. Decorridos os 180 minutos, a reação foi interrompida
colocando-se os tubos no gelo. Tubos contendo excesso de T4 frio (100 μM)
foram utilizados como branco e a atividade D1 residual, não bloqueada por
PTU, foi subtraída da atividade D2 final.
Em seguida, o método de determinação da atividade enzimática da D1 e
da D2 é o mesmo. Com os tubos no gelo, foram adicionados 200 µL de soro
fetal bovino (Cripion Biotecnologia, São Paulo, Brasil) e 100 µL de ácido tricloro acético (TCA) 50% para a precipitação das proteínas. Os tubos foram
agitados em vórtex e centrifugados (8000 x g por 3 minutos, microcentrífuga).
Finalmente, 360 µL do sobrenadante foram transferidos para tubos de
contagem, para medir a radioatividade no contador gama (1470 Wallac
WizardTM automatic gamma counter). A atividade da enzima D1 foi expressa
em pmoles de rT3/min.mg de proteína e da D2 em fmoles de T4.min-1.mg-1 de
proteína.
.
60
3.7. RT- PCR EM TEMPO REAL
Os níveis de expressão dos mRNAs dos genes TRH, NPY, AgRP,
POMC e CART foram mensurados pelo RT-PCR em tempo real, de acordo
com Thomas & Kenneth (2008).
EXTRAÇÃO DO RNA TOTAL
Após o sacrifício, o hipotálamo foi dissecado, imediatamente congelado
em nitrogênio líquido e armazenamento a -70ºC para posterior processamento.
O RNA total foi extraído usando Rneasy Lipid Tissue Mini Kit (Qiagen – Austin,
Texas, USA).
QUANTIFICAÇÃO DO RNA TOTAL EXTRAÍDO
Os RNAs totais extraídos foram diluídos em água RNase-free na
proporção de 1:50. As absorbâncias das amostras foram medidas nos
comprimentos de onda de 260 e 280 nm no biophotometer - Eppendorf, sendo
determinada a concentração de RNA total de cada amostra em gL. Para
verificação da pureza do RNA extraído, avaliamos a relação entre a
absorbância a 280 nm e 260 nm. Os resultados encontrados ficaram entre 1,5
e 2, indicando que as amostras estavam dentro dos padrões de pureza.
61
TRANSCRIÇÃO REVERSA SEGUIDA DE REAÇÃO EM CADEIA DE
POLIMERASE - RT-PCR
1 ug do RNA total foi transcrito em cDNA, usando o High-Capacity
Reverse Transcriptase Kit (Applied Biosystems, Foster City, USA), seguindo as
instruções do fabricante. A reação foi realizada no termociclador GeneAmp
PCR System 2400, da Applied Biosystem, nas condições: 25ºC por 10 min.,
37ºC por 120 min., seguido de 85ºC por 5 min.
Os
cDNAs
foram
amplificados
utilizando-se
oligonucleotídeos
específicos senso e antisenso conforme a Figura 5. Os oligonucleotídeos foram
desenhados de modo a se anelarem em exons diferentes para evitar
amplificação de possível DNA contaminante das preparações de RNA. As
amplificações foram realizadas em duplicata no equipamento ABI Prism 7500,
da Applied Biosystems, em placas de 96 poços, no volume final de 15 μl de
reação por cada poço, contendo: 3 μL de cada cDNA diluído 100 vezes, 0,25
mM de cada oligonucleotídeo senso e antisenso, 7,5 μl do Power SYBR Master
Mix e 4 μl de água Rnase-free. O programa de amplificação foi: 50ºC por 2 min,
95ºC por 10 min, seguido de 40 ciclos de 95ºC por 10 s e 60ºC por 1 min. As
eficiências de amplificação foram avaliadas usando diluições em série do
cDNA, e uma curva de dissociação ao final de cada amplificação foi realizada
para checar a especificidade das amplificações. Cada cDNA foi amplificado em
duplicata, e uma amostra correspondente sem a enzima transcriptase reversa
foi incluída como controle negativo de amplificação. Como controle interno de
amplificação, foi utilizado o gene de expressão constitutiva gliceraldeido 3-
62
fosfato desidrogenase - GAPDH.
As quantidades relativas da expressão dos mRNA dos genes específicos
foram determinadas pelo método do delta Ct comparativo, expressa pela
fórmula 2-(∆Ct), onde Ct refere-se ao ciclo de detecção e é determinada para
cada amplificação pelo Real 7500-Time PCR Sequence Detection System
Software, da Applied Biosystems. ΔCt é a diferença entre o Ct do mRNA do
gene alvo menos o Ct do gene controle endógeno (GAPDH). A variação da
expressão dos genes-alvo em resposta aos tratamentos foi calculada da
seguinte forma: média ± dp de 2e-(ΔCt) para cada grupo e seguido pela
determinação da relação entre o tratamento/controle.
63
GAPDH
Senso
Antisenso
5’ – TGA TTC TAC CCA CGG CAA GT – 3’
5’ – AGC ATC ACC CCA TTT GAT GT – 3’
TRH
Senso
Antisenso
Tamanho do fragmento: 182 pb
5’ – TTC TTC CAA GTC TCC CCT C– 3’
5’ – GAA CGT CGA TTC TTG AAA G – 3’
NPY
Senso
Antisenso
Tamanho do fragmento: 183 pb
5’ – GAC AGA GAT ATG GCA AGA CAT CC – 3’
5’ – CTA GGA AAA GTC AGG AGA AG – 3’
AgRP
Senso
Antisenso
Tamanho do fragmento: 191 pb
5’ – CCA TAT AAG CTC AGG GCA CAA G – 3’
5’ – GAC ACA GCT CAG CAA CAT TG – 3’
POMC
Senso
Antisenso
Tamanho do fragmento: 168 pb
5’ – CCA CTG AAC ATC TTC GTC CTC – 3’
5’ – GAA TCT CGG CAT CTT CCA GG – 3’
CART
Senso
Antisenso
Tamanho do fragmento: 200 pb
5’ – ACG CAT TCC GAT CTA TGA GAA G – 3’
5’ – CAC AAG CAC TTC AAG AGG AAA G – 3’
Figura 5: Sequências senso e antisenso dos oligonucleotídeos específicos para os
genes do GAPDH, TRH, NPY, AgRP, POMC e CART.
3.8. ANÁLISE ESTATÍSTICA
Cada experimento foi repetido 3 vezes, sendo todos os dados expressos
como média ± erro padrão da média. Em cada grupo experimental havia, no
mínimo, 4 animais correspondentes a cada tratamento realizado por
experimento, totalizando pelo menos 12 animais por grupo. A análise
estatística empregada na comparação dos resultados apresentados foi
realizada com a utilização do programa de análises estatísticas Graphpad
Prism (versão 4, Graphpad Software, Inc., San Diego, USA).
64
A massa corporal, a ingestão e eficiência alimentares, as gorduras
retroperitoneal e epididimal, as concentrações séricas de T3, T4, leptina e
corticosterona e as atividades das desiodases tipo 1 e 2 foram analisados por
análise de variância univariada paramétrica, seguida de teste de comparação
múltipla de Newman-Keuls. Os peptídeos hipotalâmicos foram analisados por
análise de variância univariada paramétrica, seguida de teste de comparação
múltipla de Dunnett.
O TSH, que não segue uma distribuição normal, foi
analisado por variância univariada não paramétrica, Kruskal-Wallis, seguido de
teste de comparação múltipla de Dunn. Os dados dos peptídeos hipotalâmicos
foram avaliados por análise de variância paramétrica seguida dos testes de
comparação
múltipla
de
Dunnett.
significativas quando P< 0,05.
As
diferenças
foram
consideradas
65
RESULTADOS
4.1. MASSA CORPORAL, INGESTÃO E EFICIÊNCIA ALIMENTARES
Todos os grupos apresentaram massa corporal e ingestão alimentar
semelhantes no início do experimento, sem diferença estatística entre os
mesmos. Houve perda significativa da massa corporal nos animais em restrição
alimentar por 15 ou 30 dias, iniciada já no terceiro dia de tratamento, todavia,
ao longo dos 15 ou 30 dias de restrição alimentar pudemos observar redução
na taxa de perda de peso, iniciada após o quinto dia de restrição alimentar,
sendo mais pronunciada após 10 dias (Figura 6).
A realimentação por 15 dias foi iniciada após 15 dias de restrição
alimentar, havendo significativo ganho de massa corporal dos animais
realimentados já no primeiro dia de tratamento quando comparado ao grupo
que permaneceu em restrição alimentar de 40%, sendo a massa corporal
restabelecida aos níveis do controle 6 dias após o início da realimentação
(Figura 6). Houve também aumento significativo da ingestão alimentar relativa
à massa corporal já no primeiro dia de realimentação, sendo esta restabelecida
aos níveis do controle após nove dias de tratamento (Figura 7). A ingestão
alimentar absoluta segue o mesmo perfil da ingestão relativa, porém ela não
difere do controle após 5 dias de realimentação (Figura 7 - insert).
A eficiência alimentar é a razão entre a variação da massa corporal por
grama de ração ingerida em 24 horas (Schroeder e cols., 2010). Como
demonstrado na figura 8, a eficiência alimentar dos grupos em restrição
66
alimentar de 40% (R15, R30 e RL) aumentou no final dos 15 dias iniciais de
tratamento. Os animais do grupo realimentação tiveram sua eficiência alimentar
significativamente maior que o grupo controle (C) até o sexto dia de
realimentação. No 30º dia de tratamento, não há diferença estatística da
eficiência alimentar entre os grupos experimentais.
Massa corporal (g)
350
300
*
250
200
50
*
**
*
C
R 15
R 30
RL
#
$
0
0
5
10
15
20
25
30
Tempo (dias)
Figura 6 – Massa corporal (gramas) ao longo do tempo (dias). $ R15, R30 e RL:
P<0,05 vs. controle. # R30: P<0,05 vs. controle. * RL: P<0,05 vs. C. C (n=24), R15
(n=14), R30 (n=13), RL (n=20), sendo n = número de animais. C (controle), R15
(restrição 15 dias), R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
67
40
****
30
g
14
*
g/100g de m.c.
12
** **
20
C
R15
R30
RL
10
**
10
**
0
0
5
10
15
20
Dias
8
6
C
R 15
R 30
RL
4
2
0
0
5
10
15
20
25
30
Tempo (dias)
Figura 7 – Ingestão alimentar relativa diária (g/100g de peso corporal) e absoluta
diária (g) (insert) ao longo do tempo (dias). * RL: P<0,05 vs. C. C (n=15), R15 (n=15),
R30 (n=15), RL (n=10), n = número de animais. C (controle), R15 (restrição 15 dias),
R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
 massa corporal/ração ingerida (g)
*
1.0
**
0.8
0.6
0.4
**
**
0.2
-0.0
2
-0.2
4
6
8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30
Tempo (d)
-0.4
C
R15
R30
RL
-0.6
-0.8
$
-1.0
Figura 8 – Eficiência alimentar (Δ massa corporal/g de ração ingerida) ao longo do
tempo (dias). * RL: P<0,05 vs. C. $ P<0,05 R15, R30 e RL (dia 1) vs. R15, R30 e RL
(dia15). C (n=15), R15 (n=15), R30 (n=15), RL (n=10), n = número de animais. C
(controle), R15 (restrição 15 dias), R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
25
30
68
4.2. CONTEÚDO ADIPOSO
A ocorrência de distúrbios metabólicos não depende apenas do excesso
de peso corporal, mas também de como esse excesso de gordura corporal é
distribuído,
desse
modo
avaliou-se
os
compartimentos
de
gordura
de
gordura
retroperitoneal e epididimal ao final do tratamento.
A
restrição
alimentar
causou
significativa
redução
retroperitoneal nos dois grupos estudados (15 e 30 dias) e a realimentação foi
capaz de restaurar o compartimento adiposo retroperitoneal aos níveis do
controle (C: 1,240,09; R15: 0,800,11; R30: 0,510,07;RL: 1,280,09
g/100g de m.c.). Da mesma maneira, a restrição alimentar impediu o aumento
de gordura no compartimento epididimal observado nos grupos controle e
realimentação (C: 1,500,08; R15: 1,11 0,09; R30: 1,170,14;RL:
1,520,07 g/100g de m.c.) (Figura 9).
Gordura Retroperitoneal
Gordura Epididimal
2.0
g/100g de m.c.
g/100g de m.c.
1.5
$
1.0
#
0.5
0.0
1.5
*
*
1.0
0.5
0.0
C
R15
R30
RL
C
R15
R30
Figura 9 – Gorduras retroperitoneal e epididimal (g/100g m.c.). C (n=15), R15 (n=18),
R30 (n=18), RL (n=20), sendo n = número de ratos. Os resultados estão expressos
como média  erro padrão da média. $ P<0,05 vs. demais grupos. # P<0,01 vs.
demais grupos.* P<0,05 vs. C. C (controle), R15 (restrição 15 dias), R30 (restrição 30
dias) e RL (realimentação).
RL
69
4.3. CONCENTRAÇÕES SÉRICAS HORMONAIS
A fim de avaliarmos a influência do tratamento sobre a massa corporal e
o eixo hipófise-tireoide, procedemos à dosagem das concentrações séricas dos
hormônios
produzidos
pela
tireoide,
T4
e
T3,
além
do
hormônio
tireoestimulante, TSH, responsável por estimular todas as etapas da síntese
hormonal tireoidea. Estudamos também os níveis séricos de leptina, hormônio
que sinaliza o status de reserva energética e de corticosterona, hormônio
relacionado à resposta ao estresse.
A restrição alimentar promoveu redução significativa das concentrações
séricas de TSH, T4 e T3 totais tanto por 15 como por 30 dias e a realimentação
por 15 dias não foi capaz de restabelecer o T4 aos níveis do controle,
permanecendo reduzido como na restrição. (T4 - C: 7,27  0,70 g/dl, R15:
5,01 0,36 g/dl, R30: 4,70 0,55 g/dl, RL: 4,99 0,44 g/dl;) (Figura 11).
Por outro lado, o T3 e o TSH foram restabelecidos após 15 dias de
realimentação (T3 – C: 64,0 15,03; R15: 46,73  3,67; R30: 45,74  4,72; RL:
63,20 4,515 ug/dl. TSH – C: 1,055  0,11 ng/ml, R15: 0,558  0,08 ng/ml,
R30:0,657  0,04 ng/ml, RL: 1,137  0,22 ng/ml) (Figura 10 e 12).
A concentração sérica de leptina mostrou-se significativamente reduzida
nos grupos em restrição em relação ao grupo controle, e a realimentação, por
sua vez, determinou significativo aumento da leptina sérica (C: 9,37 0,93
ng/dl, R15: 4,27  0,93 ng/dl, R30: 2,55 0,43 ng/dl, RL: 10,46 1,06 ng/dl)
(Figura 13). Entretanto, a concentração sérica de corticosterona mostrou-se
70
significativamente alterada apenas após a restrição de 15 dias (C: 339,6
23,04, R15: 477,5  97,89, R30: 374,8 47,51, RL: 352  51,67 ng/ml)
(Figura 14).
TSH (ng/ml)
1.5
1.0
*
*
R15
R30
0.5
0.0
C
RL
Figura 10 – Concentração sérica de TSH em ng/ml. Os resultados estão expressos
como média  erro padrão da média. C (n=9), R15 (n=10), R30 (n=13), RL (n=10),
sendo n = número de ratos. * P<0,05 vs. C e RL. C (controle), R15 (restrição 15 dias),
R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
71
10
*
T4 (g/dl)
8
6
4
2
0
C
R15
R30
RL
Figura 11 – Concentração sérica de T4 total em g/dl. Os resultados estão expressos
como média  erro padrão da média. C (n=14), R15 (n=10), R30 (n=14), RL (n=16),
sendo n = número de ratos. * P<0,05 vs. demais grupos. C (controle), R15 (restrição
15 dias), R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
80
T3 (ng/dl)
60
*
*
R15
R30
40
20
0
C
RL
Figura 12 – Concentração sérica de T3 total em ng/dl. Os resultados estão expressos
como média  erro padrão da média. C (n=14), R15 (n=12), R30 (n=15), RL (n=16),
sendo n = número de ratos. * P<0,05 vs C e RL. C (controle), R15 (restrição 15 dias),
R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
72
Leptina (ng/ml)
15
10
*
5
*
0
C
R15
R30
RL
Figura 13 – Concentração sérica de leptina em ng/dl. Os resultados estão expressos
como média  erro padrão da média. C (n=11), R15 (n=12), R30 (n=12), RL (n=16),
sendo n = número de ratos. * P<0,05 vs. C e RL. C (controle), R15 (restrição 15 dias),
R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
Corticosterona (ng/ml)
600
*
400
200
0
C
R15
R30
RL
Figura 13 – Concentração sérica de corticosterona em ng/ml. (*) representa valores
estatisticamente diferentes. Os resultados estão expressos como média  erro padrão
da média. C (n=11), R15 (n=12), R30 (n=12), RL (n=10), sendo n = número de ratos. *
P<0,05 vs. controle. C (controle), R15 (restrição 15 dias), R30 (restrição 30 dias) e RL
(realimentação).
73
4.4. ATIVIDADE DAS ENZIMAS DESIODASE TIPO 1 E TIPO 2
Como a desiodação periférica do T4 é de grande importância para a
disponibilidade do T3 para os diferentes tecidos, mensuramos a atividade da
D1 na hipófise, fígado e rim, e da D2 na hipófise e no BAT.
A restrição alimentar em ambos os tempos, 15 e 30 dias, foi capaz de
reduzir a atividade da D1 na hipófise e, a realimentação não reverteu esta
redução (C: 1,85 0,16, R15: 1,03  0,10, R30: 1,10 0,06, RL: 1,16 0,07
pmoles rT3. min-1.mg-1 de proteína) (Figura 15A). A atividade da D1 hepática
reduziu após a restrição alimentar por 15 ou 30 dias e foi normalizada após a
realimentação (C: 71,5 5,53, R15: 52,6  2,73, R30: 52,4 4,25, RL: 77,7
7,54 pmoles rT3. min-1.mg-1 de proteína) (Figura 15B). No entanto, a atividade
da D1 renal (C: 121,9 14,2, R15: 99,7  14,04, R30: 101,1 14,4, RL: 125,9
16,05 pmoles rT3. min-1.mg-1 de proteína) não apresentou diferença
significativa entre os grupos (Figura 15C).
Observamos ainda, que a atividade da D2 não apresentou diferença
significativa entre os grupos no tecido adiposo marrom (C: 1,75 0,24, R15:
1,31  0,15, R30: 1,29 0,2, RL: 1,51 0,14 fmoles T4/mg-1.min-1 de proteína)
(Figura 16A), entretanto na hipófise, a restrição alimentar reduziu a atividade da
enzima D2 e a realimentação normalizou sua atividade aos níveis do controle
(C: 5,96 0,85; R15: 4,33  0,67, R30: 2,23 0,36, RL: 4,7 0,99 fmoles
T4.min-1.mg-1 de proteína) (Figura 16B).
3.0
(A) Hipófise
2.5
2.0
1.5
Atividade D1
(pmoles rT3.min-1.mg-1de proteína)
100
80
#
40
20
0
C
R15
R15
R30
RL
0.0
120
60
*
0.5
(B) Fígado
#
*
1.0
C
140
*
R30
RL
Atividade D1
(pmoles rT3.min-1.mg-1de proteína)
Atividade D1
(pmoles rT3.min-1.mg-1 de proteína)
74
(C) Rim
250
200
150
100
50
0
C
R15
R30
Figura 15 – Atividade da desiodase tipo 1 na hipófise (A), no fígado (B) e no rim (C)
em pmoles rT3.min-1.mg-1 de ptn. Os resultados estão expressos como média  erro
padrão da média. C (n=10), R15 (n=14), R30 (n=14), RL (n=15), sendo n = número de
ratos. * P<0,05 vs. controle. # P<0,05 vs. C e RL. C (controle), R15 (restrição 15 dias),
R30 (restrição 30 dias) e RL (realimentação).
RL
(A) BAT
2.5
2.0
1.5
1.0
0.5
0.0
C
R15
R30
RL
Atividade D2
(fmoles T4.min-1.mg-1 de proteína)
Atividade D2
(fmoles T4.min-1.mg-1 de proteína)
75
(B) Hipófise
8
6
*
4
*
2
0
C
R15
R30
Figura 16 – Atividade da desiodase tipo 2 no BAT (A) e na hipófise (B) em fmoles
T4.min-1.mg-1 de proteína. Os resultados estão expressos como média  erro padrão
da média. C (n=10), R15 (n=13), R30 (n=14), RL (n=14), sendo n = número de ratos.
*P<0,05 vs. C. C (controle), R15 (restrição 15 dias), R30 (restrição 30 dias) e RL
(realimentação).
4.5. EXPRESSÃO DO RNAm DOS NEUROPEPTÍDEOS HIPOTALÂMICOS
Os neuropeptídeos hipotalâmicos estão relacionados ao controle da
ingestão alimentar e do gasto energético. Com o objetivo de estudar a
influência do nosso tratamento sobre estes peptídeos, analisamos a expressão
do NPY e AgRP (peptideos orexigênicos), da POMC e do CART (peptídeos
anorexigênicos), expressos no núcleo arqueado, assim como expressão do
neuro-hormônio TRH, expresso no núcleo paraventricular.
Após a restrição alimentar por 15 e 30 dias houve aumento da expressão
dos peptídeos orexigênicos, NPY e AgRP, e redução da expressão dos
RL
76
peptídeos anorexigênicos, POMC e CART. Somente no grupo que permaneceu
em restrição por 15 dias apresentou redução da expressão do TRH. A
realimentação restabeleceu as expressões de todos os peptídeos estudados
(TRH - C: 1 0,1; R15: 0,57 0,05; R30: 0,79 0,1 e RL: 0,78 0,10; NPY –
C: 1 0,04; R15: 1,820,28; R30: 2,10 0,36 e RL: 1,08 0,06; AgRP – C: 1
0,09; R15: 1,73 0,26; R30: 2,09  0,3 e RL: 1,37 0,22) POMC – C: 1
0,15; R15: 0,48 0,09; R30: 0,52 0,06 e RL: 0,86 0,17; CART – C: 1
0,10;
R15: 0,62 0,08; R30: 0,66 0,07 e RL: 0,96 0,71) (Figura 17).
RNAm TRH
2.0
(A) TRH
77
1.5
1.0
*
0.5
0.0
C
R15
R30
RL
(B) NPY
(C) AgRP
3
*
2
*
*
RNAm AgRP
RNAm NPY
3
1
0
*
2
1
0
C
R15
R30
RL
C
R15
(D) POMC
RL
(E) CART
1.5
1.0
#
#
(A) TRH
0.5
RNAm CART
1.5
RNAm POMC
R30
1.0
#
#
R15
R30
0.5
0.0
0.0
C
R15
R30
RL
C
RL
Figura 17 – Expressão relativa (normalizada pela média dos valores do grupo
controle) do RNAm do TRH (A), NPY (B), AgRP (C), POMC (D) e CART (E) no
hipotálamo. Os resultados estão expressos como média  erro padrão da média. *
P<0,05 vs C. # P<0,05 vs C e RL. C(n=8), R15 (n=8), R30 (n=6) e RL (n=8), sendo n=
número de ratos. C (controle), R15 (restrição 15 dias), R30 (restrição 30 dias) e RL
(realimentação).
78
DISCUSSÃO
Os hormônios tireoideos e a leptina participam diretamente do processo
de regulação da ingestão e da massa corporal, desempenhando importante
papel na modulação do balanço energético. No entanto, a relação entre estes
hormônios e os mecanismos de controle da massa corporal, especialmente
após a realimentação, ainda é pouco compreendida.
Já está bem documentada na literatura a existência de mecanismos
homeostáticos, em especial a redução da TMB, que operam na resistência à
perda de peso corporal durante a privação energética, o que comumente
resulta em uma fase de realimentação (Bjorntorp & Yang, 1982). Estudos
demonstram ainda que as alterações endócrinas ocorridas durante a restrição
alimentar persistem após a restauração do peso corporal (Kinzing e cols., 2007
& 2009).
No presente estudo, inicialmente verificou-se as alterações de massa e
composição corporais em ratos submetidos à restrição alimentar e posterior
realimentação. Para isso, utilizou-se um modelo experimental que evidencia o
efeito de 40% de restrição alimentar, por 15 ou 30 dias, além da realimentação,
em que os animais foram submetidos a 15 dias de restrição alimentar, seguidos
de 15 dias de ingestão ad libitum, sendo estes tratamentos comparados ao
grupo controle, que não possui qualquer alteração na ingestão alimentar.
Observou-se que a massa e o conteúdo de gordura corporais foram reduzidos
com ambos os tempos de restrição. A gordura retroperitoneal foi reduzida de
maneira tempo dependente, sendo assim o grupo em restrição por 30 dias
79
apresentou menor conteúdo adiposo retroperitoneal quando comparado ao
grupo em restrição alimentar por 15 dias. Como já descrito por diversos
autores, a restrição alimentar é uma abordagem eficiente para a redução da
massa e do conteúdo de gordura corporais, tanto em modelos de estudos em
animais como em humanos (Araujo e cols., 2008; Passadore e cols., 2004,
Redman e cols., 2007; Weiss & Holloszy, 2007). A gordura epididimal também
foi reduzida com a restrição alimentar em ambos os tempos, porém não foi de
maneira tempo dependente como observado na gordura retroperitoneal, o que
pode ser devido ao fato, de nos ratos assim como nos humanos, a gordura
corporal ser estocada em diferentes regiões com função, composição e
celularidade distintas, e a alteração da reserva adiposa ser modulada por esta
diferença regional (Boqué e cols., 2009). Isto sugere que a gordura
retroperitoneal está mais relacionada às alterações metabólicas, enquanto a
gordura epididimal parece ter maior relação com a proteção da região gonadal.
A eficiência alimentar dos animais em restrição aumentou após 15 dias
de tratamento, uma vez que eles ingerem a mesma quantidade de ração ao
longo do tratamento e a taxa de perda de massa corporal é reduzida após o
sexto dia de restrição alimentar, sugerindo que neste momento há atuação de
mecanismos homeostáticos que atuam na resistência à perda de massa
corporal, o que torna os animais em restrição mais eficientes. No entanto,
quando iniciada a realimentação, o grupo RL apresenta eficiência alimentar
significativamente maior que o grupo controle, sugerindo que este grupo
necessita de um consumo de energia menor para manter a sua massa
corporal, o que se mantém até o sexto dia de realimentação, quando este
80
parâmetro é restabelecido. Este resultado corrobora achados de Bjorntorp &
Yang (1982) que demonstraram que após um jejum de 65 horas, os animais
realimentados por 8 dias apresentaram um aumento de 5 vezes da eficiência
alimentar quando comparados ao controle, o que demonstra que estes animais
necessitam de 1/5 da ingestão alimentar do controle para manter a sua massa
corporal.
É conhecida a capacidade da realimentação de reverter a redução de
massa e de tecido adiposo obtidos com a restrição calórica, o que está
relacionado ao quadro de hiperfagia instalado logo no início da realimentação
(Björntorp & Yang 1982; Harris e cols., 1986; Robin e cols., 2008). No presente
estudo, os conteúdos adiposos retroperitoneal e epididimal, a massa corporal e
a ingestão alimentar foram restabelecidos, não diferindo do grupo controle no
final da realimentação. Com base nestes resultados, entende-se que a
regulação da massa e da ingestão alimentar é finamente ajustada por
mecanismos fisiológicos de forma a preservar um set-point.
Para melhor entender tais mecanismos fisiológicos, analisou-se a
concentração sérica de leptina que é um hormônio notadamente correlacionado
à adiposidade corporal e ao controle do balanço energético, por regular tanto a
ingestão como o gasto de energia (Masuzaki e cols., 1997). Verificou-se que os
animais submetidos à restrição alimentar em ambos os tempos apresentaram
redução da leptina sérica quando comparados ao grupo controle, em
contrapartida, o grupo realimentado apresentou a concentração sérica de
leptina restabelecida, o que se correlaciona à adiposidade corporal nos
diferentes grupos. Estes resultados relacionam-se aos achados de Sucajtys-
81
Szulc e cols. (2009) que demonstraram que os níveis de RNAm da leptina no
tecido adiposo diminuíram significativamente após 30 dias de restrição
alimentar e voltaram parcialmente ao normal após dois dias de realimentação,
associando-se ao aumento da leptina sérica.
A ingestão alimentar é outro importante regulador da concentração
sérica de leptina. Sob condições de privação energética, como acontece na
restrição alimentar, há significativa redução de leptina, independente de haver
mudança significativa no conteúdo adiposo (Ahima & Flier, 2000; Reidy &
Weber, 2000; Considine, 2001). Isto se deve, pelo menos em parte, à insulina,
que é capaz de estimular diretamente a expressão de leptina em adipócitos
isolados e elevar os níveis séricos de leptina quando injetada em roedores
(Ahima & Flier, 2000). Alguns estudos demonstram que após 24 horas de jejum
há redução da leptina sérica com restauração dos níveis 4 a 5 horas depois da
realimentação, indicando que a glicemia ou a insulinemia exercem importante
efeito estimulatório sobre a produção de leptina (Reidy & Weber, 2000;
Considine, 2001).
Pode-se concluir então que a ingestão alimentar é um importante
regulador da leptina sérica em curto prazo, atuando durante o período inicial de
privação energética, quando o conteúdo adiposo ainda não está alterado. E,
em longo prazo, o conteúdo de adiposidade reduzido é o principal determinante
da diminuição da leptina sérica. Desta forma, tanto o conteúdo de adiposidade
corporal como a ingestão alimentar regulam a concentração sérica de leptina.
No entanto, os níveis séricos de leptina também regulam a ingestão
alimentar. O rápido decréscimo da leptina sérica em animais sob restrição
82
alimentar parece ser um sinal para estimular a ingestão na situação de
realimentação (Chilliard e cols., 2001). Isto sugere que a hiperfagia
apresentada pelos animais nos primeiros dias de realimentação está associada
à queda dos níveis plasmáticos de leptina durante a restrição alimentar.
A leptina atua ativando neurônios hipotalâmicos localizados em
diferentes núcleos como o ventromedial, o dorsomedial e, ainda, nos circuitos
neuronais do tronco cerebral que regulam o comportamento alimentar e o
balanço energético (Ahima e cols., 2000).
Está bem descrito na literatura que baixas concentrações de leptina
aumentam a expressão dos peptídeos orexigênicos (NPY/AgRP) e reduzem a
expressão
dos
peptídeos
anorexigênicos
(POMC/CART)
no
núcleo
hipotalâmico arqueado, além de reduzir também a expressão do TRH no
núcleo paraventricular, sendo a reposição de leptina capaz de reverter estas
alterações (Ahima & Flier, 2000, Ahima & Osei, 2004, Jéquier, 2002, Fekete e
cols., 2006).
Este estudo demonstrou que a expressão dos peptídeos orexigênicos
NPY e AgRP foi aumentada e a expressão dos peptídeos anorexigênicos,
CART e POMC foi reduzida, após a restrição nos tempos avaliados, o que
relaciona-se à redução da concentração sérica de leptina, corroborando os
achados da literatura (Fekete e cols., 2006). Estes resultados relacionam-se
também à hiperfagia apresentada no início da realimentação, quando os
animais que estavam em restrição alimentar têm acesso livre à ração.
A restrição alimentar por 30 dias não mostrou-se eficiente na redução da
expressão do TRH no hipotálamo, achado este contraditório, visto que, a
83
concentração sérica de leptina apresentou-se diminuída, a expressão dos
peptídeos orexigênicos mostrou-se aumentada e a expressão dos peptídeos
anorexigênicos reduzida no hipotálamo, desta forma, seria coerente uma
redução da expressão do TRH, neuro-hormônio com função pró-termogênica e
anorexigênica. No entanto, no decorrer desta discussão buscaremos
possibilidades para melhor explicarmos este resultado.
A expressão dos peptídeos anorexigênicos, POMC e CART, foram
restabelecidas após a realimentação, apresentando um aumento de 79% e
56%, respectivamente, quando comparado ao grupo restrição por 15 dias. A
expressão dos peptídeos orexigênicos, NPY e AgRP, foi reduzida em 21% e
22%, respectivamente no grupo realimentado. A restauração da leptina sérica
neste grupo também normalizou a expressão hipotalâmica de TRH.
A deficiência de leptina durante a privação alimentar está associada à
redução da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide (Ahima & Flier, 2000).
Os hormônios tireoideos são os principais reguladores da taxa metabólica
basal, modulando o gasto energético em resposta às alterações da ingestão
energética (Onur e cols., 2005).
Por este motivo, avaliou-se o efeito da privação energética nos grupos
R15 e R30 sobre a função tireoidea, onde foi possível verificar uma redução
significativa das concentrações séricas de TSH, T4 e T3, corroborando estudos
feitos com ratos Wistar machos que demonstraram que com a restrição
alimentar de 40% durante 25 ou 30 dias houve uma redução dos níveis séricos
dos hormônios citados (Araújo e cols., 2008 & 2009). Vale ressaltar que alguns
estudos relacionando privação energética e hormônios tireoideos apresentam
84
resultados conflitantes, o que se deve a fatores como, tempo e intensidade da
restrição alimentar adotados, e a espécie utilizada no estudo.
No presente estudo, obsevou-se redução da leptina sérica durante a
restrição alimentar que, por sua vez, estaria alterando o eixo hipotálamohipófise-tireoide, através da redução da síntese hipotalâmica de TRH,
corroborando achados de Krotkiewski (2002). Este parece ser um dos
mecanismos envolvidos na supressão do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide,
determinando a diminuição sérica de T3 e T4, durante a restrição alimentar
(Ahima & Flier, 2000). No entanto, pouco se sabe sobre a regulação central e
periférica da função tireoidea durante a realimentação.
Os níveis séricos de TSH, reduzidos durante a restrição, foram
normalizados após a realimentação, no entanto os níveis séricos de T4
permaneceram reduzidos. Isto sugere que o estímulo do TSH sobre a glândula
tireoide após 15 dias de realimentação não foi capaz de alterar os níveis
séricos de T4, o que pode ser devido à redução da bioatividade do TSH ou à
redução da responsividade da glândula tireóide a este hormônio, sugerindo que
a glândula precise de um período mais longo para restabelecer a síntese
normal de T4. Outra possibilidade é um aumento no clearence de T4,
reduzindo sua concentração sérica e normalizando o T3 plasmático, o que
pode ter sido gerado pelo aumento da atividade das iodotironinas desiodases.
O mecanismo central não é exclusivo, há também o envolvimento das
desiodases nos tecidos periféricos, onde o T4 é convertido a T3 e outras
iodotironinas. Esta metabolização periférica dos hormônios tireoideos pode ser
alterada durante a restrição alimentar e pouco se sabe sobre sua regulação
85
após a realimentação. A conversão do T4 a T3 é catalisada pelas enzimas D1
e D2, sendo por isso alvos de nossos estudos. Vale ressaltar que este estudo
não avaliou as vias de metabolização inativadora, como a atividade da D3 e os
processos de sulfatação ou glicuronidação dos hormônios tireoideos que
também poderiam estar envolvidos na redução do T4 sérico.
A atividade da desiodase tipo 1 é modulada pela dieta (Bianco e cols.,
2002), e por isso durante a restrição alimentar observa-se diminuição de sua
atividade. Em ratos, camundongos e seres humanos, os hormônios tireoideos
são os mais potentes reguladores da D1 hepática, renal e hipofisária induzindo
o aumento da sua atividade e estimulando a sua transcrição gênica (Berry e
cols.,1991; Körhle, 1999). Além dos hormônios da tireoide, a leptina também
influencia a atividade da D1, conforme demonstrado por vários autores (Lisboa
e cols., 2006; Cabanellas e cols., 2006; Araujo e cols., 2009).
No presente estudo, durante a restrição alimentar em ambos os tempos
houve diminuição da atividade da D1 hipofisária, o que acompanha tanto a
redução de leptina como de hormônios tireoideos, corroborando achados
anteriores que demonstram que em situações de balanço energético negativo,
como na restrição alimentar, observa-se redução da leptina circulante, bem
como, diminuição do T3 circulante relativo ao T4 e aumento do rT3, o que pode
ser interpretado como modificações na conversão extra-tireoidea de T4 em T3
pela D1 (Bianco e cols., 2002). O grupo realimentação manteve a redução da
atividade da D1 na hipófise observada durante a restrição alimentar por 15
dias. Mais estudos são necessários para o entendimento da regulação desta
enzima após a realimentação.
86
A atividade da D1 hepática também esteve reduzida após a restrição
alimentar, e foi normalizada após a realimentação. Já foi demonstrado em
estudos anteriores do nosso grupo que a redução da atividade da D1 hepática
durante a restrição alimentar é secundária à redução dos hormônios da
tireóide, pois, ao administrarmos T4 em animais submetidos a 30 dias de
restrição alimentar, observamos restauração dos níveis circulantes de T3 e
consequente aumento na atividade da D1 (Araujo e cols, 2008).
Após a realimentação, a atividade desta enzima foi restaurada, o que
pode estar relacionado ao restabelecimento da concentração sérica de T3, um
de seus principais reguladores. Além disto, este resultado corrobora estudos
recentes de nosso grupo que demonstram que a administração de leptina por
10 dias em animais submetidos à restrição alimentar é capaz de restabelecer a
atividade da D1 hepática e renal, mesmo com a concentração sérica de T4
ainda não restabelecida (Araújo e cols., 2009).
No rim, apesar da diferença não ser estatisticamente significativa entre
os grupos, é possível observar queda da atividade da D1 nos grupos em
restrição, acompanhando o mesmo perfil da D1 hepática, o que pode estar
contribuindo também para a redução dos níveis séricos de T4. No tecido
adiposo marrom, a atividade da D2 também não apresentou diferença
significativa entre os grupos, apesar de também observarmos queda de sua
atividade durante a restrição e um aumento após a realimentação, ambos não
significativos.
Já na hipófise, houve redução da atividade da enzima D2 com a
restrição e normalização após a realimentação. Boelen e cols. (2006)
87
demonstraram que a administração de leptina após o jejum é capaz de
restaurar a expressão da D2 na hipófise em 8 horas, enquanto a
realimentação, que também resultou no aumento dos níveis séricos de leptina,
restaurou em 4 horas, indicando que outros sinais relacionados à ingestão,
além do exercido pela leptina per se, são necessários para modular a
expressão da D2.
Outra possível explicação para este resultado é que a D2 hipofisária
parece ser regulada negativamente pelo rT3,
que apresenta concentração
sérica aumentada durante a privação energética, sugerindo que os grupos R15
e R30 podem ter a atividade da D2 na hipófise reduzida pelo aumento do rT3
plasmático, o que seria restabelecido após a realimentação com a
normalização do rT3, uma vez que a privação energética é cessada (Oberkotte
e cols., 1992; Cettour-Rose e cols., 2005).
Apesar dos níveis séricos de T4 ainda estarem reduzidos após a
realimentação, os níveis séricos de T3 estão normais, sugerindo que a
restauração da leptina sérica pode ter contribuído para a normalização da
conversão de T4 em T3 na periferia, com a restauração da atividade da D1
hepática e da D2 hipofisária.
A redução da concentração sérica de T3 durante a restrição alimentar
pode ser ainda explicada pela sulfatação, uma outra forma de metabolismo dos
hormônios tireoideos, que promove a sua inativação. Neste caso, a desiodação
do anel interno do T3 ou T4 sulfatados pela D1 estaria aumentada, enquanto a
desiodação do anel externo do T4 sulfatado estaria reduzida. Durante a
privação energética, a sulfatação do T4 está aumentada, desta forma, a taxa
88
de desiodação do anel externo do T4 sulfatado está quase indetectável,
reduzindo a produção de T3, enquanto a do anel interno está aumentada cerca
de 130 vezes, aumentando a produção de rT3 sulfatado (Maglich e cols.,
2004).
Está bem descrito na literatura que em situações de balanço energético
negativo, as concentrações séricas de corticosterona, hormônio relacionado ao
estresse produzido pela adrenal, aumentam, enquanto, os níveis séricos de
leptina, hormônio relacionado ao status metabólico produzido pelo tecido
adiposo, diminuem. A hipercorticosteronemia observada após a privação
energética está relacionada à redução da atividade da corticosterona redutase,
enzima hepática que atua na degradação deste hormônio (Woodward e cols.,
1991).
No jejum, a inversão das concentrações séricas entre leptina e
corticosterona parece regular positivamente a expressão da atividade da D2
hipotalâmica, aumentando a conversão local de T4 a T3 no hipotálamo, o que
leva à redução da expressão de TRH, através do mecanismo de
retroalimentação negativa gerado pelo aumento de T3 local. A reposição de
leptina em ratos durante o jejum reverte o aumento de corticosterona, bem
como o efeito do jejum sobre o TRH (Coppola e cols., 2005). Portanto, visouse neste estudo avaliar a concentração sérica da corticosterona.
Como podemos observar em nossos resultados, a corticosterona
circulante aumentou significativamente após 15 dias de restrição alimentar, e
apresentou-se restabelecida após a realimentação, corroborando os achados
de Coppola e cols. (2005). No entanto, após 30 dias de restrição, os níveis
89
séricos de corticosterona não apresentaram-se aumentados, o que pode ter
ocorrido devido aos diferentes tempos de privação energética impostos aos
grupos, sendo a restrição de 15 dias, mais aguda e a restrição de 30 dias,
crônica, havendo uma possível adaptação destes animais à privação
energética. Até porque os estudos citados anteriormente (Coppola e cols.,
2005; Woodward e cols., 1991) foram feitos durante uma situação de privação
energética drástica, o jejum, tratando-se portanto de uma condição diferente da
encontrada após 30 dias de restrição alimentar.
O grupo R30 além de apresentar a corticosterona sérica normal,
apresentou também a expressão do TRH no hipotálamo inalterada em relação
ao controle. Isto sugere uma possível regulação da expressão do TRH pela
corticosterona. Sabe-se que a corticosterona também regula a síntese de TSH
pela hipófise. Como neste grupo, o shift entre leptina e corticosterona não está
ocorrendo, isto poderia justificar a expressão normal do TRH no hipotálamo
destes animais, já que a atividade da D2 hipotalâmica não estaria aumentada.
A normalização do TSH neste grupo pode ainda não ter ocorrido por uma
questão temporal ou uma outra possibilidade é que a responsividade da
hipófise ao TRH esteja comprometida.
Após a realimentação, observamos uma normalização da corticosterona
plasmática, uma vez que a restrição alimentar, situação de estresse em
questão, foi cessada. Além disto, este grupo apresentou a leptina sérica e a
expressão
do
TRH hipotalâmico
restabelecidas,
o
que
sugere
uma
normalização da D2 no hipotálamo.
Nossos resultados demonstram que, apesar da normalização da massa
90
corporal e da adiposidade após a realimentação, há manutenção de
importantes alterações metabólicas obtidas durante a restrição alimentar, como
a redução do T4 sérico e da D1 hipofisária. Estes parâmetros parecem não ter
sido normalizados por uma questão temporal, ou seja, com o aumento do
tempo de realimentação, provavelmente haverá o restabelecimento destas
alterações. Isto sugere que as alterações endócrinas e metabólicas que visam
à normalização do balanço energético ocorrem em momentos diferentes após a
realimentação.
Além disto, podemos observar que a massa corporal ideal resulta do fino
controle central da ingestão alimentar e do gasto energético. Os mecanismos
homeostáticos que buscam o equilíbrio do balanço energético durante a
restrição alimentar mostraram-se atuantes na busca do set-point após a
realimentação.
Desta forma, podemos concluir que a descoberta dos mecanismos que
controlam o ―ponderostato‖ provavelmente resultarão em abordagens mais
eficientes para a regulação da massa corporal.
91
CONCLUSÃO
 As alterações da função tireoidea decorrentes da restrição alimentar são
parcialmente revertidas após 15 dias de realimentação, pois o T4 sérico
permanece diminuído, apesar de leptinemia normal. Esses dados estão
de acordo com resultados prévios de nosso grupo nos quais a
normalização da leptina sérica não foi capaz de reverter à diminuição do
T4 em animais submetidos à restrição alimentar, demonstrando que a
diminuição da leptina não é a principal causa do T4 reduzido nestas
situações;
 As iodotironinas desiodases hepática (D1) e hipofisária (D1 e D2) são
reguladas durante a restrição alimentar de forma tecido específica. A D1
hepática e a D2 hipofisária parecem ser positivamente reguladas pela
leptina de forma predominante, embora a D1 hipofisária pareça ser
regulada por outros fatores ainda desconhecidos.
 Durante os períodos de 15 e 30 dias de restrição alimentar de 40%, os
neuropeptídeos
hipotalâmicos
orexigênicos
e
anorexigênicos
se
comportaram como anteriormente descrito na literatura nos modelos de
jejum.
 A regulação do mRNA do TRH hipotalâmico parece estar mais
relacionada aos níveis de corticosterona do que os de leptina, pois o
TRH está normalizado aos 30 dias de restrição alimentar, embora a
leptinemia permaneça reduzida.
92
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PERSPECTIVAS FUTURAS
No presente estudo podemos observar que o início da realimentação é
acompanhado de um aumento linear da massa corporal e o seu final é
representado por redução do ganho de massa, desta maneira torna-se
importante analisar a função tireóidea (incluindo a concentração sérica de
rT3) e os mecanismos de controle de massa corporal em diferentes
tempos de realimentação.
Para elucidarmos os mecanismos pelos quais a realimentação
aumenta os níveis séricos de T3 e TSH, sem alterar a concentração de T4,
precisamos avaliar alguns parâmetros da biossíntese hormonal como:
atividade da enzima TPO, função do co-transportador Na+/I¯ (NIS) e a
atividade da enzima DuOx. Além de avaliarmos a bioatividade do TSH, bem
como o metabolismo dos hormônios tireóideos, onde visamos avaliar a
atividade das iodotironinas desiodases do tipo 1 tireoidea e do tipo 2
hipotalâmica.
Para aferirmos o gasto energético, o segundo componente do balanço
energético regulado pela leptina e pelos hormônios tireóideos, avaliaremos a
atividade motora espontânea e o consumo de oxigênio.
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monique da silva leandro efeito da realimentação sobre a função