O DIREITO, O FATO E O GATO DE SCHRÖDINGER
Liane Tabarelli Zavascki1
Resumo: Este trabalho pretende registrar apontamentos sobre o princípio da
incerteza aplicado ao Direito. Para tanto, a partir das contribuições de
Boaventura de Sousa Santos na primeira versão de sua obra “Um Discurso
sobre as Ciências” e das implicações da aplicação/análise da experiência física
do gato de Schrödinger, considerações serão tecidas acerca da temática da
incerteza e o Direito.
Palavras-chaves: Princípio da incerteza. Direito. Tarefa interpretativa.
Abstract: This paper intends to record notes about the uncertainty principle
applied to the law. To that end, based on the contributions of Boaventura de
Sousa Santos in the first version of his book "A Discourse on the Sciences and
the implications of the application / analysis of the physical experience of
Schrödinger's cat, considerations will be woven on the theme of uncertainty and
the Law.
Key-words: Uncertainty principle. Right. Interpretive task.
Sumário: 1. Noções Introdutórias. 2. Um Discurso sobre as Ciências de
Boaventura de Sousa Santos: Breve síntese da primeira versão da obra. 3.
Apreciação crítica da obra - Pontos fortes do documento. 4. O direito, o
fato e o gato de Schrödinger. 5. Considerações Finais. 6. Referências.
1. Noções Introdutórias
Este trabalho pretende registrar apontamentos sobre o princípio da
incerteza de Werner Heisenberg2 aplicado ao Direito. Nesse sentido, infere-se
que o homem contemporâneo é angustiado. Não se possui certezas. Em
verdade, tem-se afirmações de possíveis certezas. O elemento inafastável,
portanto, é o medo, e, em especial, o medo da incerteza.
1
Advogada, sócia do escritório Jane Berwanger Advogados. Ex-bolsista da CAPES de Estágio
Doutoral na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Processo: 5694/11-6).
Doutoranda em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito pela UNISC. Professora da PUC-RS.
Colaboradora da Assessoria Jurídica da FETAG-RS. Autora da obra “O Direito na Era
Globalizada: desafios e perspectivas” e de diversos capítulos de livros e artigos jurídicos.
Endereço eletrônico: [email protected]
2
O princípio da incerteza de Heisenberg consiste num enunciado da mecânica quântica,
formulado inicialmente em 1927 por Werner Heisenberg, impondo restrições à precisão com
que se podem efetuar medidas simultâneas de uma classe de pares de observáveis.
Disponível em: <www.pt.wikipedia.org> Acesso em: 21 jun. 2010.
1
Assim, a realidade jurídica atual é sempre mediada. Não há certeza
absoluta. Há a opção pela aceitação da realidade do intérprete. Norma é
significante. Depende do intérprete para significar.
Veja-se, pois, que o observador sempre influencia o objeto observado. O
juiz sempre influencia o processo. O intérprete, ao final, sempre influencia.
Destarte, a partir das contribuições de Boaventura de Sousa Santos na
primeira versão de sua obra “Um Discurso sobre as Ciências” e das
implicações da aplicação/análise da experiência física do gato de Schrödinger,
considerações serão tecidas acerca da temática da incerteza e o Direito.
Considerações, essas - registre-se - sem intuito exaustivo sobre a matéria.
2. Um Discurso sobre as Ciências de Boaventura de Sousa Santos: Breve
síntese da primeira versão da obra
O autor propõe, nesta obra, uma reflexão da epistemologia das ciências,
analisando o “Estado da Arte” e a produção do conhecimento científico no
âmbito das ciências naturais e ciências sociais.
Em um primeiro momento, Santos alerta para o fato de que as
descobertas científicas realizadas a partir do século XVI, desenvolvidas nos
séculos seguintes e consolidadas no século XIX, traduzem o quadro
epistemológico das ciências na atualidade. Adverte que a racionalidade
científica basicamente foi desenvolvida no domínio das ciências naturais e que,
somente no século XIX, este modelo de racionalidade se estende às ciências
sociais emergentes.
Acerca disso, o autor, valendo-se das lições de Thomas Kuhn sobre
paradigmas, refere que o paradigma dominante, o qual reproduz o modelo de
racionalidade da ciência moderna, baseia-se na observação e experimentação
rigorosa da natureza. Assim, o rigor científico se constata pelas medições.
Nessa linha, registra Santos que o que não se pode quantificar é
cientificamente irrelevante. Tem-se, pois, com isso, a importância da
metodologia. O método científico propicia a redução da complexidade, eis que
2
o
conhecimento
científico
demanda
divisões
e
classificações
para,
posteriormente, poder-se determinar relações sistemáticas entre aquilo que se
separou.
A crise desse paradigma dominante, nesse passo, é resultado de uma
pluralidade de condições, as quais interagem entre si. Cita o autor, para ilustrar
tal conjuntura, que a identificação dos limites do paradigma moderno é
resultado do grande avanço no conhecimento por ele mesmo propiciado.
Ademais, o próprio aprofundamento do conhecimento permitiu verificar a
fragilidade das estruturas em que o mesmo se sustenta.
Para Santos
o paradigma dominante sucedeu ao modelo do conhecimento
aristotélico e medieval. É totalitário porque não admite outras formas
de epistemologia que não se pautem pelos seus princípios. Baseia-se
na teoria heliocêntrica de Copérnico, nas leis das órbitas dos planetas
de Kepler, nas leis sobre a gravidade de Galileu e em tantas outras,
3
incluindo a da dúvida metódica de Descartes.
Santos adverte que 4 (quatro) condições teóricas provocaram essa crise,
quais sejam: 1. A Teoria da Relatividade de Einstein; 2. A mecânica quântica
de Heisenberg e Bohr; 3. A incompletude da matemática demonstrada por
Gödel; e, 4. A ordem a partir da desordem de Prigogine.
Einstein ao afirmar a relatividade da simultaneidade, distinguindo a
simultaneidade
de
acontecimentos
presentes
no
mesmo
lugar
e
a
simultaneidade de acontecimentos distantes, desconstrói a proposição até
então vigente da simultaneidade universal. Com isso, as noções de tempo e
espaço absolutos de Newton deixam de existir.
No que se refere à mecânica quântica de Heisenberg e Bohr, e, em
especial, ao Princípio da Incerteza de Heisenberg, tem-se o rompimento da
3
PEREIRA, Cristina Emília de Oliveira Lopes. Boaventura de Sousa Santos – “Um discurso
sobre as Ciências” - reflexão crítica sobre a obra. Disponível em: <
http://www.scribd.com/doc/19542688/Boaventura-Sousa-Santos-Um-discurso-sobre-asciencias-Reflexao-sobre-a-obra> Acesso em: 02 jul. 2010.
3
experimentação científica a partir de rigorosa separação entre sujeito
cognoscente e objeto cognoscível. Veja-se que o Princípio da Incerteza traduz
a idéia de que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a
dividimos para observar e medir. Assim, não é possível observar e medir um
objeto sem interferir nele. Um objeto que sai de um processo de medição não é
o mesmo que entrou. Logo, pois, o mecanicismo determinista é inviabilizado e
as Leis da Física se tornam tão-somente probabilísticas, eis que os resultados
a serem obtidos serão somente aproximados.
Os teoremas da incompletude e da inconsistência da matemática de
Gödel representam uma condição da crise paradigmática que questiona o rigor
científico da ciência matemática. Propõe que, mesmo se usando as regras da
lógica matemática, é possível formular proposições indecidíveis, proposições,
essas, que não se pode demonstrar e tampouco refutar. Em virtude disso, se
as leis da natureza fundamentam o seu rigor no rigor das formalizações
matemáticas em que se expressam, as investigações de Gödel sepultam a
idéia do fundamento do rigor matemático, eis que, ele próprio, carece de
fundamentação.
Por fim, a importância da teoria da ordem a partir da desordem de
Prigogine reside na nova concepção da matéria e da natureza. Isso em razão
de que a teoria das estruturas dissipativas e o princípio da “ordem através das
flutuações” estabelecem que em sistemas abertos, as transformações
irreversíveis e termodinâmicas são o resultado da interação de processos
microscópicos segundo uma lógica de auto-organização em uma situação de
não-equilíbrio.
Nesse cenário, propõe o autor que o paradigma emergente emerge
justamente nos sinais de crise do paradigma atual.
O paradigma emergente, destarte, estrutura-se em sínteses até agora
apresentadas por: a) Ilya Prigogine em a “nova aliança” e da metamorfose da
ciência; b) Fritjof Capra em a “nova física” e o Taoismo da física; c) Erich
Jantsch em o paradigma da auto-organização; d) Jürgen Habermas em a
4
sociedade comunicativa; e, e) o próprio autor, Boaventura de Sousa Santos em
o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente.
Feitas essas considerações, no item a seguir, serão realizados alguns
apontamentos acerca dos pontos fortes do documento ora apreciado. Veja-se.
3. Apreciação crítica da obra - Pontos fortes do documento
Instiga-se, com a leitura de Santos, a reflexão sobre o modo de se fazer
ciência. Adverte o autor, com maestria, que a separação rígida entre a
epistemologia das ciências naturais e a epistemologia das ciências sociais
implica um reducionismo que desprestigia a própria atividade científica. Esse
desprestígio da ciência se traduz no seu excesso de formalismo, rigor
metodológico e, precipuamente, na obtenção de resultados dissociados das
demandas da realidade.
O autor registra, com acerto, que as ponderações axiológicas, a
experiência empírica, os princípios éticos e os pré-juízos de valor do cientistapesquisador sempre o acompanharão, donde jamais se pode pretender obter
uma análise absolutamente isenta do objeto pesquisado. O pesquisador
contamina o objeto com sua visão de mundo e o objeto pesquisado é
reconhecível de forma diferenciada por pesquisadores distintos.
Tem-se, assim, que o determinismo mecanicista, o reducionismo da
ciência através do uso de um rigoroso método científico, o formalismo jurídico e
o excesso de dogmatismo na Ciência do Direito a empobrecem e a
desvinculam do cumprimento de sua função precípua: a regulação social.
Há que se repensar, pois, o modo de produção do saber científico na
atualidade, eis que, embora ainda aplicável na contemporaneidade, esse
conhecimento científico de novo nada possui e de modo muito pouco inovador
se apresenta.
É fundamental que dialoguem as ciências, que os saberes se
interconectem, que os teoremas e postulados sejam revistos em nome de um
5
caráter probabilístico, aproximativo e provisório, bem expresso no princípio da
falsificabilidade de Popper. Não há verdades absolutas e a ciência não pode ter
ainda a pretensão de apresentar respostas definitivas e cabais.
Vive-se, pois, em um sistema aberto, que é alimentado e alimenta-se com
outros sistemas que lhe são exteriores e interiores. Modifica e é modificado,
complexifica e reduz a complexidade, ou seja, é, simultaneamente, causa e
conseqüência, problema e solução, luz e escuridão.
Logo, há que se buscar dentro da própria realidade social a essência e
aparência científicas, as inúmeras verdades, provisórias e históricas, os
dogmas que evoluem pela sua flexibilização, enfim, a complexidade social
reproduzida
nas
experiências
empíricas,
científicas,
ametódicas,
plurimetódicas, singulares e coletivas, ímpares porque únicas.
A crise paradigmática instalada é muito bem retratada por Santos e o
paradigma emergente por ele proposto é o paradigma de um conhecimento
prudente para uma vida decente. Esse paradigma possui um conjunto de teses
de justificação comentadas pelo autor, isto é 1) Todo o conhecimento científiconatural é científico-social; 2) Todo o conhecimento é local e total; 3) Todo o
conhecimento é autoconhecimento; e, 4) Todo o conhecimento visa a
constituir-se em senso comum.
Registre-se, portanto, a necessidade de um paradigma científico ter de
ser também um paradigma social. A produção de um conhecimento científico
de vanguarda pressupõe aproximação entre as ciências, em especial naturais e
sociais. Dessa forma, as humanidades se enriquecerão, já que natureza e ser
humano não (con)vivem, necessariamente, numa perspectiva dualista. Por
outro lado, as experiências empíricas locais não podem ser desprestigiadas,
enquanto experiências científicas que também o são, já que a parcelização do
conhecimento é reducionista e arbitrária. O local e global devem dialogar e se
retro-alimentarem.
6
Ainda, esse paradigma emergente exige uma postura ativa do cientistapesquisador, eis que ele conduz a produção científica, mesmo que,
simultaneamente a isso, seja por um processo de autoconhecimento
conduzido.
O senso comum, ademais, completa o ciclo da produção de cientificidade
que emerge, pois as interfaces entre ser humano, cultura e sociedade são as
molas propulsoras de todo esse processo.
Por fim, saliente-se que a obra de Santos, de grande densidade, induz a
reflexão, mas deixa muitas questões em aberto. E é nisso que reside sua
magnitude. Em ciência, não há respostas definitivas, suficientes e completas.
Fazer ciência é uma trajetória, um processo de crescimento, descobertas e
autoconhecimento. Há probabilidades e aproximações. Depende do contexto.
Depende do momento histórico. Depende do observador. Depende do
momento vivido pelo observador. A riqueza está nas interrogações constantes
e intermitentes. Ratificar e refutar. Soluções indecidíveis. Não há ponto final.
Nessa linha de pensamento, a seguir, considerações serão tecidas sobre
a tarefa interpretativa da ciência jurídica, conjugando-se, de um lado, os
ensinamentos proferidos por Santos na obra analisada e, de outro, as
implicações da aplicação/análise da experiência física do gato de Schrödinger.
4. O direito, o fato e o gato de Schrödinger
Iniciam-se estes apontamentos com o registro de que o instrumento de
trabalho do jurista é a palavra. Seja ela escrita ou falada, fundamental é a
tarefa interpretativa para o exercício desse mister.
Diante disso, na dicção de Freitas, “jurista é aquele que, acima de tudo,
sabe eleger diretrizes supremas, notadamente as que compõem a tábua de
7
critérios interpretativos aptos a presidir todo e qualquer trabalho de aplicação
do Direito”.4
Desse modo, o intérprete “contamina” os fatos e os direitos que lhe
embasam o desenvolvimento do labor, sepultando o ideal kelseniano de pureza
da Ciência.5
Com isso, tem-se que, em verdade, o jurista não trabalha com direitos e
fatos e, sim, com versões dos direitos e versões dos fatos. Constroem-se,
assim, versões dos direitos e versões dos fatos que sustentam uma demanda,
as quais, inevitavelmente, carregam conotações valorativas, pré-concepções e
defesa de interesses desse intérprete.
Oportuno, nessa linha, invocar os ensinamentos de Gadamer, para quem
a verdade de um texto não estará na submissão incondicionada à opinião do
autor nem só nos preconceitos do intérprete, senão na fusão dos horizontes de
ambos, partindo do ponto atual da história do intérprete que se dirige ao
passado em que o autor expressou-se.6
Assim, a real finalidade da hermenêutica jurídica é “encontrar o Direito”
(seu sentido) na aplicação “produtiva” da norma, pois a compreensão não é um
simples ato reprodutivo do sentido original do texto, senão, também, produtivo.7
Portanto, está-se diante de incertezas. A visão do intérprete possibilita
recortes diferenciados. A atividade interpretativa, como propõe Freitas,
inexoravelmente envolve uma tarefa hierarquizante.8
4
FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese
constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - R. TCMG,
Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000. p. 18.
5
Vide KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
6
Para maiores esclarecimentos vide GADAMER, Hans-George. Verdad y Método. Tradução
de Ana Agud Aparicio y Rafael de Agapito. Salamanca: Sígueme, 1977.
7
Ibid., p. 366.
8
Nesse sentido, ver FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2010.
8
Veja-se que cada intérprete observa, pondera e hierarquiza distintamente,
ao se estar diante de inúmeros princípios e regras que são potencialmente
aplicáveis no caso concreto.
Nesse sentido, a experiência física de Schrödinger corrobora a utilização
do princípio da incerteza nessa seara, eis que, o gato pode estar vivo ou o gato
pode estar morto enquanto a caixa onde está o animal não for aberta. Logo, o
gato está vivo e morto, simultaneamente, para quem de fora observa o
experimento. Porém, ao abrir a caixa, o intérprete define se ele está vivo ou
morto.9
Pode-se inferir, destarte, que há 2 (dois) “gatos”, pois o direito é um gato
e o fato outro. Isso porque não há certeza em nenhum deles, o que permite
seja afirmado que a certeza pode ser encontrada justamente na insegurança.
Aproximam-se disso as contribuições de Chäim Perelman no que se
refere à noção de auditório10 e Jürgen Habermas com sua comunidade de
intérpretes11. Isso em virtude de que toda argumentação, a qual visa ao
convencimento, é articulada para seduzir o interlocutor, um auditório. Dessa
forma, argumenta-se, a partir de versões dos fatos e versões dos direitos que
se interpreta, edificando-se a argumentação para persuadir o auditório ouvinte
ou encontrar ressonância dessas ideias na comunidade de intérpretes.
9
O gato de Schrödinger é um experimento mental, freqüentemente descrito como um
paradoxo, desenvolvido pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935. Isso ilustra o que ele
observou como o problema da interpretação de Copenhague da mecânica quântica sendo
aplicado a objetos do dia-a-dia, no exemplo de um gato que pode estar vivo ou morto,
dependendo de um evento aleatório precedente. Experiência do gato de Schrödinger: Um gato,
junto com um frasco contendo veneno, é posto em uma caixa lacrada protegida contra
incoerência quântica induzida pelo ambiente. Se um contador Geiger detectar radiação então o
frasco é quebrado, liberando o veneno que mata o gato. A mecânica quântica sugere que
depois de um tempo o gato está simultaneamente vivo e morto. Mas, quando olha-se dentro da
caixa, apenas se vê o gato ou vivo ou morto, não uma mistura de vivo e morto. Fonte:
Disponível em: <www.pt.wikipedia.org> Acesso em: 21 jun. 2010.
10
Vide PERELMAN, Chäim. Tratado da Argumentação. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
11
Nesse sentido, ver HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. Tomos I e II.
Madrid: Taurus, 1999.
9
Ademais, e por derradeiro, interessante pontuar também aqui as
possíveis implicações da interpretação existencialista do pensamento de
Sartre12 (que dialoga com Heidegger13), intelectual do Existencialismo, filosofia
que proclama a total liberdade do ser humano.
Tem-se, com isso, que
[...] O hermenêutico é justamente o elemento ontológico da
compreensão, enquanto ela radica na própria existência. O ser é um
em si mesmo hermenêutico, enquanto nele reside uma précompreensão, fundamento da toda posterior hermenêutica. A
compreensão é o modo de ser, enquanto existência. A compreensão
é um existencial, é o existencial fundamental em que reside nele
próprio, a própria abertura. O ser é, portanto, em si mesmo
hermenêutico, enquanto sempre se movimente numa compreensão
do próprio ser. A compreensão prévia de sua existência já demonstra
14
uma presença da idéia do ser em geral.
Portanto, ratifica-se que, a depender do intérprete, as concepções de
existência e de mundo diferem, incluindo-se, pois, a interpretação do mundo
jurídico, seus direitos e seus fatos. O gato está vivo ou morto dependendo da
observação do intérprete. Os direitos adquirem vida - mesmo que por meio de
releituras - ou são definitivamente sepultados no ordenamento em razão
daquele que os interpreta.
5. Considerações Finais
Feitos esses registros, pondere-se que, a partir das reflexões sobre a
experiência física do gato de Schrödinger, tanto o direito como o fato
interpretáveis são considerados “gatos”. Não há certeza em nenhum dos dois.
Depende o intérprete. Assim, se o Direito é um sistema, a norma jurídica é um
atrator para o discurso. Por outro lado, todo o discurso tem uma
intencionalidade. O interesse do interlocutor.
12
Para maiores esclarecimentos vide SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 13 ed. Petrópolis:
Vozes, 2005.
13
Ver HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante
Schuback. Coleção Pensamento Humano. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora
Universitária São Francisco, 2006.
14
Ibid., p. 89.
10
Dessa forma, o sistema é indeterminista, mas determinável no caso
concreto. A aparente desordem revela racionalidade. Ela é axiológica,
intersubjetiva. Compreenda-se, por fim, que, às vezes, certeza é insegurança.
6. Referências
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2010.
FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos
de exegese constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais - R. TCMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000.
GADAMER, Hans-George. Verdad y Método. Tradução de Ana Agud Aparicio
y Rafael de Agapito. Salamanca: Sígueme, 1977.
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. Tomos I e II. Madrid:
Taurus, 1999.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá
Cavalcante Schuback. Coleção Pensamento Humano. Petrópolis: Vozes;
Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado.
5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PERELMAN, Chäim. Tratado da Argumentação. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
PEREIRA, Cristina Emília de Oliveira Lopes. Boaventura de Sousa Santos –
“Um discurso sobre as Ciências” - reflexão crítica sobre a obra. Disponível em:
<
http://www.scribd.com/doc/19542688/Boaventura-Sousa-Santos-Umdiscurso-sobre-as-ciencias-Reflexao-sobre-a-obra> Acesso em: 02 jul.
2010.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
Site consultado: <www.pt.wikipedia.org> Acesso em: 21 jun. 2010.
11
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O DIREITO, O FATO E O GATO DE SCHRÖDINGER Liane Tabarelli