Tecnologia: contra ou a favor do ser humano?(*)
Sonia de Souza
Nos sistemas tecnológicos do amanhã - rápidos. fluidos e
auto-reguladores - as máquinas lidarão com o fluxo de
materiais físicos: os homens com o fluxo de informação e
percepção. Máquinas irão cada vez mais realizaras tarefas
rotineiras; os homens, as tarefas intelectuais e criativas. As
máquinas, assim como os homens, em vez de ficarem
concentradas em fábricas gigantescas e cidades industriais,
estarão espalhadas através do globo, ligadas por um sistema
de comunicação, impressionantemente sensível, quase
instantâneo. O trabalho humano sairá da fábrica e do
escritório massificado, para a comunidade e o lar.
Alvin Toffler, O choque do futuro.
Se você ainda não leu, certamente já ouviu falar dos livros
Admirável mundo novo (Aldous Huxley), 1984 e A revolução dos
bichos (George Orwell), Fahrenheit 451 (Ray Bradbury) e
Walden II (Burrhus E. Skinncr). Todos descrevem sociedades
futuras dominadas pela máquina e pela tecnologia, organizadas
politicamente sob a força de regimes totalitários, em que o
homem é constantemente manipulado, condicionado e dirigido a
pensar, agir e sentir como um autômato, sem vontade própria e
sem liberdade.
Nesses livros os autores passam uma visão extremamente
pessimista de um mundo que resultou de um processo
inexorável do avanço tecnológico e é comandado e administrado
por entidades abstratas e dominadoras, do tipo Big Brother
(Grande Irmão), às quais os homens se submetem
fanaticamente, docilmente e zelosamente. Para exemplificar, eis
um pequeno trecho do livro 1984, de George Orwell (1979: 910):
O Ministério da Verdade - ou Miniver. em Novilíngua - era
completamente diferente de qualquer outro objeto visível. Era
uma enorme pirâmide de ativíssimo cimento branco, erguendose, terraço sobre terraco, trezentos metros sohre o solo. De onde
estava Winston conseguia ler, em letras elegantes colocadas na
fachada os três lemas do partido:
GUERRA É PAZ LIBERDADE É ESCRAVIDÃO IGNORÂNCIA
É FORÇA
[...] O Ministério do Amor era realmente atemorizante. Não tinha
janela alguma. ü'inston nunca estivera lá, nem a menos de um
quilômetro daquele edifício. Era um prédio impossível de entrar,
exceto em função oficial, e assim mesmo atravessando um
labirinto de rolos de arame farpado, portas de aço c ninhos de
metralhadoras. Até as rua.s que conduziam às suas barreiras
extemas eram percorridas por guardas de cara de Gorila e
fardas negras, armados de porretes articulados.
Alguns filmes de ficçào científica também veiculam uma visão
sombria do mundo de amanhã. A sociedade parece ter-se
tornado sucata de um tempo de opulência e de riqueza
proporcionadas pela tecnologia. Esta mostra-se, no futuro, falida
e desbaratada, fonte de miséria, fome, dor e mazelas para o
gênero humano. Exemplos de tais filmes são: Blade Rumner, o
caçador d~ andróides: a série Mad Max; The day, after,
Apocalipse now,: O ovo da serpente: 1984: entre outros.
Por outro lado, não há como negar o fascínio que a tecnologia
exerce sobre o ser humano, materializada em produtos caros e
sofisticados, atualmente verdadeiros símbolos do mundo
moderno. Quem, hoje, não nutre um desejo secreto de possuir
um telefone celular e utilizá-lo dirigindo um veículo monitorado
por um computador de bordo% Quem já não ficou sem dinheíro
no final de semana e dirigiu-se confortavelmente à cabine de um
Banco 24 Noras. aproveitando também para pagar algumas
contas e efetuar aplicações financeiras? Quem não se sente bem
ao passar um final de semana acampando no meio do mato e
sabendo que todo e qualquer recado será registrado em sua
secretária eletrônica e que seus programas prediletos na tevê
estarâo gravados no videocassete? Quem pode negar a
sensação prazerosa de andar pelas ruas ouvindo no walkman
suas músicas preferidas? Quem pode negar a economia de
tempo e de Iocomoção que se obtém com a utilização do Jax
para enviar mensagens e documentos, especialmente em
situaçôes de urgência? Quem ainda nâo experimentou a
praticidade de uma agenda etetrônica e de um notebook,
companheiros diários dos profissionais que atuam nas mais
diferentes áreas? Esses sào apenas alguns poucos exemplos de
inovações tecnológicas que fazem parte do cotidiano do homem
moderno ampliadas a cada dia pelas novas possibilidades da
informática.
No entanto. é necessário registrar o incômodo eausado nos
bancos, quando se tem pressa e o sistema fica fora do ar; a
dificuldade causada pelos inúmeros botões do controle remoto da
televisào. do videorassete e do aparelho de som nos diferentes
usuários de diferentes fai.~:as etárias: o desconforto provocado
pelo uso inicial do computador, geralmente acompanhado de
perdas de arquivos importantes.
E, nesse cenário no qual a tecnologia ocupa o lugar de destaque,
surge a seguinte questão: a tecnologia escraviza ou liberta o ser
humano? Atua contra ou a favor?
Ciência, técnica e tecnologia
Ciência, técnica e tecnologia são palavras relacionadas entre si;
ao se fazer referência a uma delas, inevitavelmente as demais
surgem em cena.
A ciência é uma das formas de conhecimento elaboradas pelo
ser humano para compreender racional e objetivamente o
mundo com a finalidade de nele poder intervir em seu próprio
benefício. \osa tomar a natureza inteligível ao apreender as
regularidades existentes em um conjunto de fenômenos; tais
regularidades são expressas posteriormente em leis e teorias
que traduzem o esforço do homem em conhecer e explicar tudo
o que é - ou seja, tudo o que existe natural ou necessariamente.
Técnica. assim como tecnologia. provém do grego techne, que
significa "arte" ou "habilidade'. Embora procedam da mesma raiz
etimológica, técnica e tecnologia têm sido empregadas em
sentidos diversos.
Técnica
A parte material de uma arte ou ciência. Conjunto dos processas
21e uma arte ou ciência (Diz-se em geral do aproveitamento
racional e prático dos recursos naturais, e especialmente da
aplicação das leis da natureza pata satisfazer as necessidades
humanas) (Caldas Aulete, 1958: 4887).
Tecnologia
Tratado das artes em geral. O conjunto dos processos especiais
relativos a uma determinada arte ou indústria. Explicação dos
termos próprios das artes, ofícios. Linguagem especial das
ciências, indústrias, artes, etc. Ciência que trata dos métodos e do
desenvolvimento das artes industriais (CaIdas Aulete, 1958:
4887).
Na verdade, nâo há consenso sobre o significado último de
técnica e tecnologia entre os diferentes autores que tratam do
assunto. Assim, toma-se oportuno relacionar os sentidós mais
usuais de tais termos. procurando verificar as relações existentes
entre os componentes da tríade ciência, técnica e ternologia.
Origem da ciéncia e da técnica
A origem remota da ciência e da técnica se encontra no medo
que o ser humano sentiu no seu énfre~tamento com a natureza e
no desejo de poder, a fim de submetê-la e utilizá-la a seu favor.
Aos primeiros seres humanos. diante das tempestades, dos raios
e trovôes. diante do temor despertado pelos animais ferozes que
os rondavam, só restava buscar poder para combater o poder
maior e esmagador das forças naturais. Aos poucos, as soluçòes
mágicas, as soluçôes míticas e os rituais religiosos foram
substituídos por conhecimentos e hahilidades utilizados na busca
do poder do homem sobre a natureza. Ironicamente. na visão de
Regis de Morais (1988: 49), o maior problema que hoje o
homem enfrenta é `'nâo ter poder sobre seu próprio poder: o
homem perdeu o controle sobre suas possibílidades".
Para Severino, a origem da técnica também resulta da
intervençâo do homem na natureza. Enquanto a adaptação dos
demais seres vivos à natureza resulta de um código genético
previamente determinado, o ser humano cria meios e
instrumentos que prolongam. agilizam e versatilizam os seus
órgãos de sentidos e os membros de seu corpo, para retirar da
natureza o que é necessário à sua sobrevivência. provocando
também uma adaptaçâo da natureza a si mesmo:
Essa é a origem da técnica. pela qual os homens criam
ferramentas e instrumentos mediante os quais vâcr interferir na
natureza para transfortná-la em seu benefício. Ao atuarem assim
sobre a natureza. os homens vào transformando-a. fazendo com
que ela se adapte. até cetto ponto. às suas necessidades.
Enquanto os demais seres vivos u adaptam às condiÇ«es
of~recidas pela natureza, os homens. emhora necessitem da
mesma forma se aclequar a eln. vào conseguindo que ela
também se adapte a eles (Severino. 1992: 153 ).
A ciëncia precede a técnica ou a técnica conduziu ao
desenvolvimento das ciências? Para Vargas (1990: 3-12), a
técnica como um simples saber-fazer manual é uma atividade
humana tão antiga quanto a própria linguagem, surgindo
juntamente com ela "na aurora da humanidade":
A térnica é assim uma atividade humana baseada num
aprendizado simbólico; isto se dá quando na mente do fahricante
forma-se a imagem do objeto fabricado. A paleoetnologia atual
vem demonstrando euidéncias claras desse processo. Por isso é
que ela pode aperfeicoar-se ao longo dos anos: pois traz consigo
a propriedade dos símholos lingüísticos de. associando-se entre
si. denotarem situaçòes e objetos nowos a serem im·entados
(Vargas. 1990: 5).
A técnica evoluiu de um estado mítico, onde os segredos do
saber-fazer instrumentos eram revelados aos homens pelos
deuses, até o estado artesanal, onde o mestre. pessoa individual
e autor dos processos técnicos, passou a ensinála aos
aprendizes. de geraçào a geração:
categoria do saber, a térnica, à categoria do fazer. Não no sentido
de que esta se reduza a uma pura ativ·idade mecànica, mas
porque constituída de um conjunto de nomias destinadas a dirigir
efiazmente a açào a uma determinada Fmalidade.
Esse sentido geral da técnica é restrito às normas que
possibilitam e facilitam o domínio do homem sobre a natureza, ou
seja, às térnicas de produção. Aí entram, por exemplo, as
térnicas agrícolas, industriais, de automação, da cibenética, etc.
Tecnologia: Versão elaborada da técnica
Cabe agora um exame mais detalhado do terceiro elemento da
tríade, a tecnologia, tema polêmico e recente, objeto de estudo e
reflexão ndo só de cientistas, mas de filósofos particularmente
interessados no assunto.
Quando se quer ampliar os conhecimentos relativos a um
determinado tema, nada mais útil do que começar verificando
como os especialistas conceituam o termo em questào.
Segundo Kneller ( 1980: 245-6):
A tecnolof;ia é essencialmente uma atividade prãtiCa, a qual
consiste mais em alterar do que em compreender o mundo.
Onde a ciéncia persegue a verdade. a ternologia prega a
eficiéncia. Enquanto a ciéncia procura formular as leis a que a
natureza ohedece, a tecnologia utiliza essas formulaçìx~s par.~
criar implementos e aparelhos quc façam a naturezv of~edecer
ao homem. Tal conw a ciéncia. entretanto. a tecnolcr gia é uma
entidade imensamente complexa que consiste em fenómenos de
muitas espécies - agentea. instituic8es. produtos, conhecimentos,
técnicas. etc. I...] Analisoa como uma atividade historicamente em
desenvolvimento para a construcào de máquinas e outros
anefatos. im~ençào de técnicas e processos. cria~ão e
transformacào de materiais e organizaçào de trahalho. dc modo
a satisfazer necessidades hwnanas.
Para Medeiros e Medeiros (1993: ~-S) `a tecnologia é o
conhecimento utilizado na criaçào ou aperfeiçoamento de
produtos e sen,iços, ou melhor, a tecnologia é o conjunto de
conhecimentos, práticos ou científicos, aplicados à obtençào.
distribuiçâo e comercializaçào de bens e serviços".
Segundo esses autores, a tecnolo~ia está presente em todos os
setores da vida humana, permeando as diversas atividades
humanas, com o intuito de satisfazer desejos e necessidades,
substituir, aliviar ou simplificar o esforço físico e mental
despendidos na realizaçào das mais diferentes tarefas, bem
como liberar energias para tarefas mais criativas e interessantes.
No entanto, alertam para os possíveis danos resultantes do mau
uso da tecnologia, como o desemprego e a destruiÇào do meio
ambiente. Técnica e.tecnologia, na visâo desses autores, não sâo
sinônimos, embora mantenham entre si um certo parentesco:
A técnica está as.sociada à nopo do `fazer, isto é. habilidade ou
arte inata ao homem. A tecnologia une essa habilidade natural
aos conhecimentos - práticos ou científicos - que foram sendo
acumulados ao longo dos anos. Os estudiosos afimaam que a
técnica resolve os prohlemas fundamentais do homem. A
tecnologia satisfaz tamhém seus deseios le sonhos). [...] .A
tecnologia possui significado próprio. Ela nào é o estudo da
técnica. mas sim sua versão mais elahorada. [...J .A tecnologia
não se confunde (...] com os prcxlutos que aiuda a fahricar. Ela é
maís ahstrata (ou menos palpável) e incorpora a arte, a cultura,
os conhecimentos e as térnicas do país que investiu' muito tempo
e dinheiro para chegar a um determinado estágio de
desenvolvimento intelectual e material (Medeiros e Medeiros,
1993: 9, 12, 32 e 33).
A ciência, por sua vez, tem sido a grande aliada do
desenvolvimento tecnológico:
É o conhecimento científico que está na base da fabricação de
artigos mais refinados e no deserivolvimento de métodos e
processos avançados em áreas como saúde, agricultura e
transporte. [...1 A maioria dos cientistas tem os pés solidamente
fincados no chào de universidades e centros de pesquisa, onde
se investem bilhões de dólares na criaçào de produtos que vào
ser amplamente consumidos. A tecnologia não é mais fruto de
sonhos'ou delírios individuais. como bem demonstra o exemplo
dos criativos japoneses: resulta de políticas defmidas e de
programas de trabalho muito bem-estruturados (Ibidem: 18).
A tecnologia é hoje um produto submetido às leis do mercado e à
aprovacão de consumidores cada vez mais exigentes. É uma
mercadoria especial, nem sempre disponível nas prateleiras, e
sua comercialização ou transferência, muitas vezes, é fruto de
demoradas negociações e transações.
Vargas (1990: 3) faz uma séria crítica à concepção da tecnologia
como mercadoria que se vende e/ou se compra. A seu ver, a
tecnologia é cultura que se adquire à medida que os homens
evoluem:
A tecnologial não poderá ser entendida como mercadoria que se
vende ou compra, mas sim como saber que se aprende: isto é,
cultura. Note-se que cultura é constituída pelo acervo de saberes,
anes e aenças de um povo, quando esse acervo é subordinado à
unidade de ponto de vista que o caracteri~a como tal. Assim, a
ternolog'ta é cultura quando unificada a todas as outras
manifestaçì~es sapienciais e anística-s de um determinado povo.
Mas, quando ela é entendida como objeto ~solado de transaçòes
comerciais. não pode mais ser considerada cultura.
Para Mammana (1990: 13), "hoje há uma crença generalizada
de que a tecnologia é uma espécie de poçâo mágica que pode
ser engarrafada e transportada de um lado para outro e, quando
inàlada por uma naçào subdesenvolvida, é capaz de libertar-lhe
o espírito do desenvolvimento econômico ".
Segundo esse autor, tecnologia deveria nomear a ciência que
estuda a técnica. Sendó a técnica arte ou ofício, tecnologia
deveria ser uma das ciências antropológicas. No entanto, hoje
confunde-se a ciência com o seu objeto de estudo e tal confusão
"beneficia somente aqueles que fazem, como na Idade Média se
fez com as indulgências, do místico intangível um comércio
rentável" (Mammana, 1990: 14).
Na verdade, a tecnologia em si mesma não é boa nem má. 0
uso que se faz dela, no entanto, pode trazer benefícios ou
prejuízos para a humanidade. Diversos autores concordam com
a concepção da técnica como um recurso do qual os homens se
utilizam para um aproveitamento mais benéfico, eficaz e eficiente
da natureza para sua sobrevivência e subsistência. Sob essa
óptica, a técnica é vista como uma extensão do processo de
adaptaçâo do ser humano à natureza: a relação do homem com
a natureza é mediada pela técnica, relaçào essa geralmente
revestida de um aspecto harmonioso, graças à intervenção
positiva da técnica.
No entanto, a tecnologia tem sido alvo de críticas, por ser
considerada dominação inconseqüente da natureza, a setviço de
interesses comerciais, industtiais, militares, entre outros, muitas
vezes inescrupulosos, cujos resultados podem ser prejudiciais ao
homem. A esse respeito, sào muito oportunas as afirmaçòes de
Buzzi e Severino. O primeiro (1987: 84-7) escreve:
A térnica é, pois, uma modalidade de verdade, a revelaçào de
aspeaos escondidos da velha natureza que vivemos. Nela se
manifestam os entes que nos cercam, que andam junto a nós
desde sempre no escondimento.
Conseqüentemente, a técnica nào só produz uma revelaçào
fantástica da natureza. Produz também nossa maneira de morar.
Produz a nossa habitação, o nosso aconchego na tetra, a nossa
compreensào da natureza.
A modemidade, porém, está mais na tecnologia que na térnica.
(...)
A tecnologia é o Leviatà da modernidade. Levtatà que comanda.
Quem dirige e encomenda a pesquisa científica é hoje a
tecnolog'ta. Por isso, as universidades perderam em grande
pane o senso da ciéncia. Perdeu-o também o próprio cientista,
que está encarregado de pesquisar dentro de amplos programas
cuja finalidade ele desconhece. Quer dizer, pesquisa sem ver a
finalidade da pesquisa. Hà pesquisas encomendadas por centros
de tecnologia e feitas sem que os cientistas jamais saibam de sua
finalidade.
A ternologia plasmou a sociedade modema como industrial. I...l
O que a tecnologia vai fazer com a energia acumulada,
armazenada e controlada? Vai produzir arlefatos, máguimrs e
produ~os químicos que a natureza nem sequer produz. E nesta
produçào está a diferenCa maior entre a técnica e a ternologia.
Esta se vale da ciéncia para inspecionar e dominar a natureza,
para constrangé-la a comportar-se segundo o programa da
vontade de dominaçào.
Severino (1992: 184), ao mesmo tempo que destaca a
importância do desenvolvimento da ciência e da técnica para o
progresso da humanidade, adverte para os perigos advindos da
"instrumentalizacão da razão":
E a ciéncia, que pretendia lihertar os homens dos determinismos
da natureza, das doenças. da miséria. acabou se transformando
numa nova fomta de opressào para os mesmos homens! A
razào que construía a ciéncia. de razào libertadora, como
queriam os pensadores modemos, acabou se transformando em
razào instrumental que, por meio de seu controle lógicotecnológico. implantou uma tecnocracia: toda a vida humana é
coriduzida e detemtinada pelos padròes térnicos impostos pela
ciéncia. E o que é pior, o poder da ciéncia e da técnica passa a
ser controlado e usado por grupos humanos na defesa de seus
interesses particulares. Ele se transformou num instrumento fone
e adequado para a dominação e a exploraçào políticaa? A vida
das pessoas nào é mais referida a critérios éticos e políticos. mas
a critérios puramente térnicos! 1...] Como se tudo se submetesse
às regras da produçào industrial.
No que diz respeito à tríade ciência, técnica e tecnologia, é
possível perceber três posicionamentos distintos: otimismo e
entusiasmo crescentes: pessimismo sombrio; e uma atitude de
moderação, que convida à utffização das três quando 0 resultado
é proveitoso; e recomenda cautela e prudência, quando
prejudicial ao homem e ao meio ambiente.
A ternologia é um fenômeno recente na história da humanidade.
Surge a partir da primeira revoluçào industrial, ocorüda entre o
final do século XVIII e início do século ~X e seu mérito reside na
substituição da força fisica do homem pela energia da máquina
(inicialmente pela utilização do vapor e posteriormente pela
utilizapo da eletricidade) no processo de produçâo.
Tecnologia: um salto libertador
Atualmente se presencia a ocorrência da segunda revolução
industrial, apoiada em uma 'tríade revolucionária microeletrônica, microbiologia e energia nuclear" - e que tem
,
g
g
q
como característica fundamental a ampliação das capacidades
intelectuais do homem, substituídos por autômatos, além da
eliminação bem-sucedida do trabalho humano na produção e
nos serviços.
Segundo Adam Schaff, pensador maraista polonês, a primeira e
a segunda revoluçâo industrial se assemelham no que diz
respeito à ocorrência de um "salto qualitativo operado no
desenvolvimento da tecnologia da produção°. No entanto, se a
primeira revolução facilitou e incrementou o rendimento do
trabalho humano, a segunda tem como finalidade a elimina~ào
total desse trabalho.
Na visão desse autor (1993: 22-3):
Isso significa, por um lado. a liberta~ào do homem da maldiçào
divina do Velho Testamento, segundo a qual ele deveria ganhar o
pão de cada dia com o suor do seu rosto: por outro lado. todavia.
esta nova revoluçào coloca uma série de problemas sociais
ligados à necessidade de se encontrar uma instituiçào que possa
substituir o trabalho humano tradicional, seja como fonte de renda
que permita ao homem satisfazer suas necessidades materiais,
seja como fonte tradicional de "sentido de vida', entendido como
fundamental para a saàsfaçào das suas necessidades nãomateriais, isto é. das suas necessidades espirituais.
Schaff companilha com outros autores a visào otimista acerca da
ternologia. Embora o desemprego estrutural (perda do emprego
em decorrência da automação e da robotizaÇâo da produção e
dos serviços produzidas pela revoluçào da microeletrônica) seja
um fenômeno inerente à efetivaçào da segunda revoluçào
industrial, ela-'conduzirá a uma sociedade em que haverá um
bem-estar sem precedentes para o conjunto da populaçào
(incluindo as pessoas afetadas pelo desemprego estrutural) como
também alcançará um nível sem precedentes do conhecimento
humano do mundo" (Schaff, 1993: 1~3).
Para os otimistas, é através da tecnologia que o homem
recuperará a felicidade e a soberania sobre a natureza tal como
havia antes da expulsâo do Paraíso.
Enguita f 1991: 230-1) relata de uma forma extremamente bemhumorada o entusiasmo e o afà daqueles que vëem na
tecnologia um recurso quase mágico para libertar o homem
moderno de tudo aquilo que é desagradável, rotineiro,
estressante, em especial o trabalho:
,
p
Para os moderados, a saída está no meio-tetmo, isto é, no
encontro de soluções que permitam prever e minimizar as
diFculdades, os problemas e os riscos próprios de tudo aquilo
que é novo, em especial do que se denomina inovaçâo
tecnológica.
- Talvez não seja possível voltar a beber das águas de um rio
como 0 Tietê, em virtude da poluição: no entanto, seria bastante
t'azoável se os pei~:es pudessem voltar a viver em suas águas.
- Talvez nào seja possível estancar o processo de automaçâo e
robotizaÇão das indústrias e dos escritórios: no entanto, é
necessário controlar a velocidade de introdução de novas
tecnologias para que o homem se adapte a essas mudanças e
sejam a\,aliados criteriosamente os impactos de tais
transformaçôes sobre o meio ambiente.
- Talvez nào seja possível evitar o "desemprego estrutural",
porém, podese pensar na redução da jornada de trabalho como
altemativa para manter grande parte da população no sistema
produtivo.
- Talvez nào seja possí\'el recuperar o que se perdeu da camada
de ozônio. mas é importante e necessário encontrar saídas para
a eliminaçâo dos gases poluentes.
Esses sào apenas alguns esemplos de posturas assumidas
pelos moderados diante da tecnolol;ia. Na \'erdade, nào se trata
de impedir o advento da modernidade. mas de se saber em que
medida aderir às maravilhas da "terceira onda" trazidas no hojo
da tecnologia. responsabilidade individual e social dos homens e
das diyersas instituiçòes sociais que compartilham hoje a
existência de um mundo transformado pela segunda revolução
industrial:
A tecnologia alimenta a engenharia. a indústria e a agricultura. c
é alimentada pelas ci~ncias aplicadas e estas pclas ciéncias
hásicas. nlas nào há um contato direto entre essas várias
instàncias. Entre elas há o que se ¡x~de chamar de "filtros
sociais". constituídos ¡~or órgàos de educacào. de gerenciamento
e orientacào científicos e tecnoló~icos. comunidades científicav e
profissionais. e. tamhém. a opiniào púhlica e os governos. Sào
tais "filtros- que apressam ou retrasam o desem~olvimento
tecnológico e julgam a com~eniW cia ou adaptahilidade das
tecnologias. Enfim. sà~ esses tamhém que atuam como
instânciaç éticas para julgar o perigo ou a monlidade de uma
instânciaç éticas para julgar o perigo ou a monlidade de uma
determinada~açào tecnológica l\'argas, 1990: 8).
Norhert ü%iener (1970: 1~9). o "pai da cihemética". embora
ciente das dificuldades e emharaços que possam advir da
tecnologia. deposìta confiança e esperança na lucidez humana
capaz de encaminhar o desenvolvimento tecnológico de modo a
heneficiar a humanidade de forma positiva e satisfatória:
A nova rwoluçào industrial é. ¡x~is. uma espada de dois gumes.
I'ode ser usada para o henefício da humanidade. mas somente
se a humanidade sohreviver o hastante para ingressar num
perícxlo em que tal hcnefício seja ~Ossível. I'ode ser tamhém
usada para destruir a humanidade. e. se nào for empreFcida
inteligentemente, pcxle avançar muito nesse caminho. Há.
contudo. sinais esper.tyasos no horizonte.
No reino dos chips
A revolução microeletrõnica, a revolução da microbiologia e a
revoluçâo energética, denominadas `tríade revolucionária", são
os componentes básicos da segunda revolução industrial. Como
tudo que faz parte do mundo, apresentam efeitos positivos e
negativos.
Relógios de quartzo, calculadoras de bolso (nas suas mais
variadas e incrementadas versões), agendas eletrônicas,
televisão em cores, televisào a cabo, toca-discos laser, os
diversos utensílios domésticos (microondas. geladeira, freezer.
máquinas de lavar roupa e lou~a).,jaa. noteboo~t:s.
computadores (dos mais diferentes portes) sào produtos da
revolu~ão da microeletrônica.
As conquistas espaciais, a automação das indústrias e escritórios.
a utilizaçào de robôs nas linhas de montagem (especialmente da
indústria automobilística ), a moderna tecnologia militar apoiada
na energia termonuclear, tamhém resultam do avanco da
microeletrônica.
Sào inegáveis, sem dúvida, os benefícios dessas inovações
tecnológicas: economia de tempo e esforço na realização de
inúmeras atividades: maior produtividade com mais qualidade:
maior conforto e bem-estar. seja no lar ou no ambiente de
trabalho: indivíduos mais esclarecidos e universalmente instruídos
pela abundância de informações e acúmulo de conhecimentos à
disposiÇâo de todos na moderna sociedade informatizada.
Por outro lado. o mundo e a humanidade podem ser destruídos
p
em poucos segundos; o aumento desconfortável do desemprego
estrutural lança milhares de seres humanos a uma situaÇào de
ócio forçado e não-planejado: a possibilidade de armazenamento
de informaçves nos computadores torna o indivíduo mais
vulnerável e ameaÇa sua liberdade pessoal e sua privacidade: a
manipulaçào de toda uma sociedade por regimes totalitários,
bem como a massificação e uniformizaçào de padròes de
conduta, capazes de romper os limites geográficos de cada
nação. transformando o mundo numa imensa `aldeia global". são
riscos que ameaçam cotidianamente a eaistência do homem.
A clonagem dos seres
No limiar do século J~, a descoberta e gradual decifração do
código genético dos seres vivos e a possibilidade de o homem
interferir e dominar a natureza orgânica em geral. e inclusive o
seu próprio `eu". determinou uma revoluçâo no campo da
biologia, especialmente da microbiologia. da qua) resultou a
engenharia genética.
Taís avanços permitem ao homem modifìcar o código genético
inato de plantas e animais, bem como desenvolver novos
códigos. Tornam possível a produçào de novas variedades de
plantas e animais mais resistentes às doenças, mais adaptadas
às condições naturais desfavoráveis e mais ricas em
componentes necessários à subsistência do homem.
Dessa maneira, o combate à fome e à desnutrição encontra um
grande aliado no progresso da engenharia genética, que de
modo bastante eficaz também pode auxiliar o homem na luta
contra as doenças congênitas. Por outro lado, a revolução
microbiológica pode tomar realidade os pesadelos registrados
nos livros e filmes de ficçào científica:
Ingeréncia na personalidade humana, produção artificial de seres
humanos com diversas cancterísticas `encomendadas' com
antecedéncia (imaginemos, por exemplo, a -encomenda' de
seres "obedientes" a este ou àquele regime totalitário), ou
também a produçào de um ceno número de indivíduos idênticos
no que se refere às caraaerísticas físicas e mentais (através da
utilização da térnica do clone) (Schaff, 1993: ? W .
A revoluçào energética caracteriza-se pela descobetta de novas
fontes de energia, como a energia solar, a geotérmica e a
energia das marés (mares e oceanos), bem como pela
otimização das fontes tradicionais (eletricidade e petróleo) e das
fontes subaproveitadas, como a energia dos ventos e a das
correntes fluviais.
Na verdade, o progresso da humanidade depende em grande
parte do sucesso na busca de novos recursos energéticos, em
face da insuficiência e esgotamento dos atuais. No entanto, a
energia nuclear, a despeito de seus benefícios, não deixa de ser
uma constante ameaça à sobrevivência da espécie humana e do
próprio globo terrestre.
Sem dúvida. nào há como negar os efeitos positivos da
tecnologia, tanto quanto é preciso atentar para seus efeitos
negativos:
É estranho como tantas ìnovaçi~es bem-intencionadas acarretam
conseqüéncias variáveis. Por um lado. a medicina dobrou o
tempo médio de vida, eliminou numerosas doencas. aholiu
muitas formas de dor e forneceu os meios de efetivo controle da
natalidade. Por outro lado, ao controlar o número de mones,
criou uma explosão demográfica. a qual continua porque os
meios de controle da natalidade sào largamente ignorados. Na
agricultura, a `revolução verde" possibilita a aboliçào da fome;
entretanto. os alimentos nào sào distrihuídos igualmente, e muita
gente está morrendo de fome. ~os transportes, na construçào e
no suprimento de energia, as invenções melhoram a qualidade
de vida; contudo. a produpo energética e o motor de combustão
intema poluem o ar e a água. A energia nuclear toma possível
um holocausto nuclear: mas pode fomecer energia quando se
esgotarem as reservas de combustíveis fósseis. O computador
ameaça convener-se no Big Brother; no entanto, ele nos ajuda a
controlar complexos processos sociais. A hiologia molecular
acena com a esperança de aholir as doenças e criar um
suprimento permanente de alimentos, mas existe a possihilidade
de que. algum dia. seja usada para criar uma elite de génios
maléficos e uma multidão de seguidores embrutecidos (Futeller,
1980: 265).
Nem todo mundo vê na tecnologia a soluçâo para as dificuldades
que o homem enfrenta. Dluito pelo contrário, ela tem sido
apontada como a vilã da história da humanidade que caminha
para um futuro sombrio, egoísta e constantemente ameaçado
pela destruição engendrada pelas próprias inovações
ternológicas.
Nesse cenário pessimista, o homem aparece como a primeira
vítima de sua própria criação. A tecnologia escapa ao seu
controle, cai nas mãos de grupos minoritários, movidos por
interesses particulares, que a utilizam muitas vezes de forma
inescrupulosa para favorecer e beneficiar apenas um número
restrito de pessoas, em detrimento de uma maioria ingênua,
iludida e facilmente manipulável, seduzida por uns poucos
atrativos exercidos pelos produtos da moderna tecnologia.
Fala-se atualmente na cultura do ter em substituiÇão à cultura do
ser, como conseqüência direta do desenvolvimento tecnológico.
As necessidades essenciais dos homens sào substituídas por
desejos imediatos e efêmeros, sendo o homem avaliado não
mais em função do que ele é, mas em função do que tem ou
possui.
Comenta-se a respeito do "vazio existencial°, como resultado da
perda do sentido da vida em conseqüência da gradual extinção
de um de seus mais fortes referenciais, a saber, o trabalho. Mas
quem compartilha dessa visâo desalentadora acerca da
tecnologia esquece, em última instância, que ela é um produto do
homem e, como tal, está nas mãos de seus criadores e
operadores, e nào o inverso.
Nesse sentido, podemos concordar com Regis de Morais ( 1988:
166) quando afirma que "o grande problema da civilização
científico-tecnológica não é de ciência nem de técnica. É um
problema filosófico".
Cabe ao homem rever e reavaliar o encaminhamento do
desenvolvimento tecnológico, seguindo adiante com todas as
inovaçòes que lhe possam ser úteis e examinando os riscos que
ameaçam despersonalizar a si mesmo e descaraaerizar o
ambiente em que vive. Essa reflexâo em busca de uma
humanizaçâo da ternologia deve e pode ser mediada pela
filosofia, que fornecerá ao homem os subsídios necessários para
o estabelecimento de um novo modus r,,ivendi diante de um
processo de transformação irreversível.
Mais do que nunca a nova sociedade tecnólogica necessita de
homens críticos e criativos capazes de entender e direcionar de
forma responsável o processo de mudanças que ocorrem em
ritmo cada vez mais acelerado:
A ternologia do amanhà requer não milhòes de homens
levemente alfabetizados, prontos para trabalhar em uní.~.sono
em tarefas infinitamente rtpetitivas nem homens que recebem
em tarefas infinitamente rtpetitivas, nem homens que recebem
ordens sem piscar. con.scientes de que o pào se consegue com
a submi.ssào mecànica à autoridade, mas sim de homens que
possam fazer julgamentos críticos, que possam abrir caminho
através dos ambientes novos, que sejam rápidos na identificaçào
de novos relacionamentos numa sociedade em rápida mutaçào
(Toffler, 1970: 323-4).
A despeito das dificuldades que deverâo ser superadas em
função da gt~adual extinção do trabalho humano, em sua fomla
tradicional. e o conseqüente desemprego estrutural, é necessário
perceber nesse processo uma oportunidade de um homem com
mais tempo livre para investir em si mesmo, em busca de
maisconhecimento, autonotnia e criatividade, elementos
imprescindíveis na reconstrução de uma cultura novamente
embasada no ser e não mais no ter.
Quanto à automação propriamente dita, .ela representa o f m do
trabalho como necessidade de sobrevivéncia. Fecha-se. assim,
um ciclo hiscórico que durou dez mil anos e se irticiou com a
agricultura muscular. Com o término do trabalho finda-se,
também. a alienaçào dos frutos desse trabalho. Inicia-se a
Civilizaçào do Lazer. Pela primeira vez. em seu todo. a
humanidade vence a carência e conquista a abundància. É o
pleno domínio da natureza. Doravante todos os homens teoricamente podem ter acesso à reflexào, ao mundo da cultura e
à plena gratificaçâo (Muraro, 1974: 63).
A humanização da ternologia se fundamenta na ação livre e
responsável do homem na tomada de decisões para o
redirecionamento do seu próprio futuro. Está nas mãos de cada
homem em particular, e da sociedade como um todo. o destino
da humanidade e a possibilidade de uma existência pacífica e
hatmoniosa:
A sociedade informática proporcionar.í os pressupostos para uma
vida humana mais feliz: eliminaní aquilo que tem sido a principal
fonte da má qualidade de vida das massas na ordenaçào do
cotidiano: a miséria ou. pelo menos. a privaçào. Ahrird
possibilidades pact a plena auto-realizaçào da personalidade
humana. seja liberando o homem do árduo trabalho manual e do
monótono e repetitivo trahalho intelectual. seja lhe oferecendo
tempo livre necessário e um imenso progresso do conhecimento
disponível. suficientes para garantìr seu desenvolvimento. Desse
modo. o homem receberá tudo o que constitui o fundamento de
uma vida mais feliz. Todo o restante dependerá dele. de sua
atividade individual e social (Schaff. 1993: 154-5)
1. [Tecnologia: um risco inevitável]
A seguir. um texto didático de George üneller, que mostra a
interdependéncia entre ciëncia e tecnologia.
Hoje. ciência e tecnologia sào interdependentes. Da ciência. a
tecnologia deriva conhecimentos básicos. instrumentais e
técnicas. Da tecnologia a ciência' recebe instrumentos e
problemas para soluçâo. A ciência e a tecnologia interatuam no
domínio da ciência aplicada que é a investigaçào de problemas
cujas soluções se espera sejam tecnologicamente aplicáveis.
A tecnologia expressa e desenvolve os i·alores culturais
existentes. Padroniza até as vidas e os valores de seus usuários,
como no caso do relógio. da máquina a vapor. da linha de
montagem e do computador. Através de sua dinâmica interna. a
tecnologia faz exigências aos que a desenvolvem. Para a
organizaçào de seus maiores projetos cria burocracias. A
tecnologia habilita as pessoas a fazerem coisas que elas não
poderiam ter feito de outro modo. embora certas escolhas
tecnológicas excluam inevitavelmente outras. (Uma sociedade
que preferiu o automóvel particular ao transporte público terá
dificuldade em voltar atrás.) I~ào obstante, a tecnologia como tal
não é autônoma: ela é criada por seres humanos e está
suhordinada essencialmente aos valores culturais e decisões
govemamentais. [...]
O caminho mais sensato é almejar um progresso limitado e
manter seus inevitáveis custos em nível mínimo.
Alguma inovação tecnológica é essencial e desejável. Ela tem
sido necessária à modernização de todas as sociedades, e
habilitará a nossa a sobreviver e melhorar. O desenvolvimento de
novas ternologias deve ser encorajado e o treinamento de
tecnólogos imaginativos, promovido. (...]
A tecnologia não ficará sob controle social enquanto os partidos
políticos nâo propuserem diretrizes específicas para tal. Com
vistas à aceleraçâo desse processo, deverá haver o debate mais
amplo possível e a difusào de informa~ões.
Toda e qualquer faculdade humana pode ser mal usada. O
homem pode usar sua inteligência para escravizar um outro, sua
imaginação para ludibriar, sua eloqüência para trair. Mas, se nào
usasse essas faculdades, onde estaria% Usando seus poderes, o
homem amplia continuamente o âmbito de suas realiza~òes. A
tecnologia aumenta sua capacidade para fazê-lo.
A tecnologia pode criar ou destruir, tornar o homem mais
humano ou menos. Mas as civilizaçôes. como os indivíduos,
devem correr riscos se quiserem progredir. Se exercermos
prudência para minimizar os danos da tecnologia e incentivar ao
máximo seus benefícios, certamente valerá a pena aceitar o
risco.
I:x~a, G.F. A ciência como atir~idade humana. TraduÇào de
Antonio José de Souzt. Rio de laneiro.~São Paulo: Zahar;'Edusp,
1980. p. 269-'0.
2. [Conversando com as máquinas]
Para Schaff. há necessidade de uma renovaCão da `filosofia do
homem- ante os desafios da crise econômica e do
desenvolvimento tecnológico. Os meios de comunicação.
videotea-tos. computadores, hanco de dados, informações via
satélite ou fibra óptica. etc.. estão a serviço do homem, e não o
contrário.
Ao falar de influência da sociedade informática sobre o
desenvolvimento da cultura, referimo-nos principalmente às
novas possibilidades criadas para sua difusão.
É óbvio que o advento das novas técnicas de transmissão de
informações que é o traço mais característico da sociedade
informática - terá repercussões sobre a cultura. entendida no
sentido mais amplo do terma. A invençào do rádio promoveu a
cultura porque tornou possível - em especial com o advento dos
transístores - chegar aos lugares mais remotos e praticamente
inacessíveis. nào apenas com a difusão de notícia.s da
atualidade. mas também com programaç culturais de literatura.
música e teatro. A televisão trouxe uma mudança ainda mais
profunda a esse respeito; as palavnas sâo acompanhadas de
imagens, o que não apenas amplia os efeitos da palavra falada.
como, além disso. permite a transmissão de outros efeitos
estéticos não-verbais (obras de arte, paisagens de outros países.
dança. etcJ e de novos valore.s educativos (filmes científicos,
culturais. etc.).
Essas duas fontes de informação (denominadas corretamente de
meios de comunicação de massa) viram-se recentemente
meios de comunicação de massa) viram se recentemente
completadas por uma invenção nova e muito surpreendente, que
certamente revolucionará o ensino, em especial o autodidatismo.
Refiro-me à didática propiciada pelos "autômatos falantes" que
transmitem conhecimentos em diversos campos e estão
programados de forma a estabelecer um "diálogo" com o
estudante, fazendo-lhe perguntas e corrigindo as respostas
equivocadas. [...J
Se a educação contínua há de ser um dos métodos (talvez o
principal) capazes de garantir ocupações criativas às pessoas
estruturalmente desempregadas, então é fácil compreender a
extraordinária importância da difusão do conhecimento (que
constitui a base do processo social de aculturamento) por meio
de novas técnicas de ensino. Atualmente, todavia, tais técnicas
ainda estão no primeiro estágio de desenvolvimento, mas já é
possível intuir suas possibilidades futuras.
Apesar disso, esses professores autômatos são apenas um
produto secundário de algo que é muito mais importante nesse
campo: a tecnologia da informática. [...]
O computador é um produto do homem, portanto é parte da sua
cultura. Essa tecnologia está destinada a revolucionar o processo
de formação de cultura e hoje já testemunhamos o início dessa
revoluçâo. O computador servirá a muitos fins: como
supermemória artificial que aliviará bastante a carga de memória
humana hoje necessária, tomando assim muito mais fácil o
processo de ensino; como executor, com uma rapidez
surpreendente, de operaçôes combinatórias; como idealizador de
novos métodos de conhecimento humano em muitas disciplinas,
incluindo aquelas que no início se acreditava estarem fechadas
às técnicas informáticas (investigação histórica, jurisprudência,
etc.); como fator de um processo mais ágil de aprendizado e de
verificação dos conhecimentos do aluno , também por meio do
método da "conversação" com a máquina, etc.
ScruFr, Adam. A sociedade injorn~ática; as conseqüências
sociais da segunda revoluçào industrial. Traduçào de Carlos
Eduardo )ordào Machado e Luiz Arturo Obojes. 4. ed. São
Paulo: Bcasiliense/Unesp, 1993. p. 72-4.
3. Do Japão
O poeta Gilberto Gil mostra aqui uma visão romântica da
ternologia.
Do Japão
quero uma câmera de filmar sonhos pra registrar nas noites de
verão meu corpo astral, leve, feliz, risonho voando alto como um
gavião;
que filme dentro da minha cabeça todo pensamento raro que eu
mereça, toda ilusão a cores que apareça,
toda beleza de sonhar em vão.
Do Japão
quero também um trem-bala de coco pra atravessar túneis do
dissabor; quero um microcomputador barroco que seja louco e
desprograme a dor; visitar um templo zen-disbundista, conversar
com um samurai futurista que me dê pistas sobre o sol-nascente,
que me oriente sobre o novo amor.
Do Japão
quero uma gueixa que em poucos minutos da minha queixa faça
uma paixão, descubra novos sentimentos brutos
e enfeitiçaada tome um avião
e a gente vá viver num oütro mundo,
pra lá do terceiro ou quano ou quinto mundo, onde a rainha seja
uma açucena
e a divindade a pena do pavão.
Gil, Gilberto. "Do Japão" In: Gil, Gilberto. O eteno Deus.
Mudança. São Paulo: WEA, 1989.
PARA REFLETIR E RESPONDER
1. Comente a epígrafe do capítulo.
2. Estabeteça as possíveis relações entre ciência, técnica e
tecnologia.
3. A ciência, a térnica e a tecnologia, com suas armadilhas, vão
deswir o homèm~ O qüe você pensa sòbiè o tema.~ Faça uma
redação a respeito. 4. Identifique em seu grupó de trabalho.a
tendêncìa predominante: a fa
vor; còntcá oti yin ressaivás ém fetàçà~'ao piog,resso ternológico:
Faça uma síntese dos diferentes pontos de vista. Utílize também
as idéias do capítúlo e das Leituras Complementares.
5. Discuta: "No futuro, o professor será substituído por um
engenho automato .
6 Homem ou computador: quem vence a partida de xadrez ?
6. Homem ou computador: quem vence a partida de xadrez.?
Discuta as possibilidades.
7. É possível humanizar a ternologia? Explique.
8. Numa sociedade como a de hoje, dominada pela tecnologia e
pela sofisticação dos inswmentos à disposiçâo do homem, ainda
há lugar para a filosofia? Justifique sua resposta.
SUGESTÕES DE ATIVIDADES
l. A classe se divide em três grupos: o primeiro elaborará
argumentos que reforçam a visão otimista em relaÇào à
tecnologia; o segundo faz o mesmo em relaçàe à visào
pessimísta: e o terceiro. o mesmo com a visâo moderada. O
professor atuará como mediador do debate.
2. Recorte fotos de jornais e revistas e ilustre as principais idéias
evpostas no texto de hneller (Leituras Complementares>.
3. Discuta com os colegas o tema: "Tecno(ogia como sinónimo
de cultura". L'til'sze como apoio o texto de Vargas citado ao longo
do capitulo e o texto de Schaff (Leìturas Complementares ).
4. Assista ao filme Invasão de privacidade (Philip T~ovce, 1994 >
e discuta-o em classe. consìderando o que foi exposto no
capítulo.
5. Analise e comente a composiçâo Do,Japàv. de Gilberto Gil.
6. Selecione em um jornal ou revista a notícia sobre algum
avanço tecnológico. Depois. comente os benefícios e riscos
dessa inovaçào.
7. Em um livro lançado em 1990, Megatendências 2000,os
analistas norteamericanos John Naisbitt e Patricia Aburdene
enfocam as tendências de mudança. Existe um claro tom otimista
apontando para o início de uma nova conscientizaçâo em que as
pessoas se preocuparão mais com a qualidade de vida. Discuta
isso com seus colegas.
(*) SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Um outro olhar: filosofia.
São Paulo, FTD, 1995.
Texto 2 - Pierre Levy
Texto3 - Mirian Grinspun
Texto4 - Cazeaux
Texto12 -Millor
Veja as páginas da Faced que estamos fazendo em
tecnologia Flash e que estão ainda em teste:
Página Principal
Página da Diretoria
Página dos Departamentos
Dept1
Dept2
Dept3
Página dos Colegiados
Página da Pós-Graduação
Disciplinas Tecnológicas
Glupe
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Biblioteca João Antônio de Santana
FACED/UFBA
Educação e Tecnologias
Contemporâneas
Prof. Menandro Ramos
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Tecnologia: contra ou a favor do ser humano?(*) Sonia de Souza