Maio | 2012
O impacto da variação dos termos de troca sobre as contas externas
A mudança de preços relativos na pauta de exportação nos últimos anos teve impacto importante sobre a balança comercial, com reflexos favoráveis sobre
resultado em transações correntes do balanço de pagamentos. Essa evolução das contas externas, dentre outros fatores, proporcionou a melhora no perfil do passivo
externo do país e contribuiu para a redução dos riscos de financiamento da conta corrente. Nosso objetivo neste comentário é fazer uma breve discussão sobre os
determinantes da variação dos termos de troca nesse período e seu impacto sobre as contas externas do país.
A aceleração do crescimento das economias emergentes a partir de 2003, sobretudo, as asiáticas e, em especial, a chinesa, contribuiu para o forte aumento
da demanda por diversas commodities, tendo resultado em prolongado período de alta de preços das commodities. Entre 2003 e 2007, o mundo cresceu em média
4,5% ao ano e os países asiáticos emergentes contribuíram com cerca de três quartos deste resultado, cabendo à China contribuição de 40% ao registrar um
crescimento médio de 11,7% ao ano. Na média deste período, o crescimento chinês se mostrou mais forte que o antecipado. Tomando as projeções do FMI em seu
relatório sobre as perspectivas para a economia global em abril de cada ano, a expectativa de crescimento médio do país foi de 8,8%, ou seja, um desvio de cerca de
3,0 pontos percentuais.
Os elevados investimentos em infraestrutura requeridos para atender o movimento de migração chinês do campo para a cidade intensificou a utilização de
metais naquele país. Esta expansão da demanda por metais diante dos reduzidos níveis de estoques e da limitada capacidade de oferta exerceram papel determinante
na elevação dos preços neste grupo. Dentre as commodities de energia, o excesso de capacidade no setor de petróleo, formado durante o longo período de preços
deprimidos e de baixos investimentos, foi rapidamente absorvido resultando na aceleração dos preços. Além do mais, a alta dos preços do petróleo e o consequente
incentivo ao aumento da produção de biocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa, num contexto de reduzidos estoques de cereais, contribuíram para a alta dos
preços das commodities agrícolas.
A trajetória de alta de preços só foi interrompida em meados de 2008 com a crise financeira global que se seguiu à quebra do Lehman Brothers. Entretanto, o
forte ciclo de recuperação da atividade global entre 2009 e 2010, novamente liderado pelas economias emergentes, voltou a impulsionar os preços, levando-os no
início de 2011 para próximo de seus máximos históricos.
A alta dos preços das commodities se refletiu sobre as exportações brasileiras. Entre 2002 e 2011, as exportações quadruplicaram, tendo a alta dos preços
correspondido a cerca de 65% deste resultado. Neste período, o peso das commodities em nossa pauta de exportações subiu de 45% para 60%, com destaque para o
minério de ferro, petróleo, complexo soja, açúcar e carnes.
Os preços de importação também subiram no período. Entretanto, deve-se destacar que parte importante desta alta esteve associada à forte elevação dos
preços de derivados do petróleo (350%), enquanto os demais produtos registraram alta mais moderada (60%). A menor pressão de alta sobre os preços
manufaturados parece refletir o impacto da expansão da oferta global destes produtos resultante da integração dos países do leste asiático ao comércio mundial,
tendo como destaque a aprovação da China como país-membro da Organização Mundial do Comércio em 2001.
A elevação dos termos de troca se intensificou a partir de 2007. A média dos termos de troca entre 2003-2006 ficou praticamente estável em relação ao
período de 1999-2002. Entre o início de 2007 e agosto de 2008, maior nível antes da concordata do Lehman Brothers, a média avançou 8% em relação ao período 20032006. Por fim, a maior aceleração dos termos de troca ocorreu no período pós-Lehman, tendo a média do período 2009-2011 avançado 14% em relação a 2007-2008.
Adotando-se uma hipótese bastante simplificadora de que os preços de exportação e de importação tivessem se mantido constantes aos níveis médios de
2006, sem os devidos ajustes nas quantidades, o saldo comercial ao final de 2011, superavitário em US$ 30 bilhões, teria sido deficitário em US$ 20 bilhões.
Considerando as projeções de analistas de mercado do levantamento feito pelo Banco Central (Focus), o saldo comercial médio anual entre 2003 e 2007 de US$ 38
bilhões superou em US$ 10 bilhões em média as expectativas feitas ao início de cada ano.
Maio | 2012
A forte desvalorização cambial no segundo semestre de 2002 e início de 2003, combinada com a aceleração da renda mundial, teve forte impacto sobre as
contas externas, resultando na reversão dos déficits em transações correntes e consequente redução das necessidades de financiamento do balanço de
pagamentos. A partir de 2006, esta melhora nas contas externas foi reforçada pelo movimento mais significativo dos termos de troca.
Este ajuste nas contas externas, associado com a então sólida condução da política econômica, contribuiu para a percepção de um cenário mais favorável
para o Brasil por parte de investidores domésticos e internacionais, auxiliando o processo recomposição de reservas pelo Banco Central e de mudança de composição
do passivo externo. Esta última correspondeu à substituição de dívidas contratuais por investimentos. Dessa forma, a participação dos investimentos estrangeiros
diretos e ações no estoque do passivo se ampliou de 40% em 2002 para 63% em 2011, tornando o fluxo de rendas mais associado ao ciclo econômico doméstico.
Desde o início de 2011, com exceção dos preços do petróleo, que se mantém pressionados por questões geopolíticas, os preços das commodities seguem
trajetória de queda diante das incertezas em relação às perspectivas econômicas e financeiras para a economia mundial e quanto à intensidade da desaceleração do
crescimento da China. Com isso, espera-se ampliação do déficit em transações correntes derivada da redução do saldo comercial. Apesar das condições de
financiamento do déficit em transações correntes permanecerem relativamente confortáveis, o câmbio tende a se desvalorizar, caso o cenário global se torne mais
adverso. Por sua vez, a desvalorização cambial reduz o fluxo de rendas do balanço de pagamentos, uma vez que os lucros das empresas são auferidos em reais,
atenuando os riscos de financiamento das contas externas.
Em resumo, o efeito da variação dos termos de troca sobre as contas externas é importante e uma eventual reversão desse ciclo de alta dos preços das
commodities tem potenciais efeitos sobre o saldo comercial e a taxa de câmbio. Entretanto, a acumulação de reservas e a substancial mudança do passivo externo,
refletida na melhora dos indicadores de sustentabilidade externa do país, tendem a suavizar os efeitos da reversão dos preços sobre a economia.
Eduardo Marques
Economista do Opportunity e Mestre em Finanças e Economia Empresarial pela EPGE-FGV.
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