A Defasagem da Transmissão da Política Monetária para Preços
Considerando sua natureza incerta e
variável, as defasagens dos efeitos da política
monetária sobre a atividade e os preços constituem
preocupação constante para os formuladores de
política monetária. Dentre os diversos canais mais
frequentemente apontados como relevantes para a
transmissão da política monetária, o canal da
demanda, o canal externo e o canal das expectativas
recebem atenção especial do Banco Central, pois
historicamente se mostraram os mais efetivos, a
despeito da importância crescente do canal do crédito
nos últimos anos. Este boxe aborda a questão das
defasagens na transmissão da política monetária na
economia brasileira, com especial destaque para
estimativas obtidas a partir de modelos estruturais
em uso no Banco Central.
De certa forma, o canal da demanda reflete
o arranjo institucional do setor produtivo, no sentido
de que o lag de transmissão é determinado pela
longevidade dos contratos firmados entre os agentes
(empresas, pessoas e governos) e pelas fricções que
retardam a transferência dos efeitos das mudanças
ao longo da cadeia produtiva. O canal de câmbio se
apóia essencialmente em duas condições de não
arbitragem: uma no mercado de ativos e outra no
mercado de bens internacionalmente transacionáveis.
Devido a custos de transação relativamente menores,
o primeiro mecanismo, em princípio, operaria de
forma rápida, entretanto, devido às dificuldades em
se avaliar com precisão os riscos associados tanto a
ativos domésticos quanto a estrangeiros, não
constitui tarefa simples identificar oportunidades de
arbitragem. Isso torna altamente imprevisíveis
movimentos da taxa de câmbio potencialmente
influenciados pelo funcionamento dos mercados de
ativos. Por sua vez, o canal das expectativas – as
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quais em modelos com expectativas racionais são
diretamente implicadas pela estrutura da economia
– talvez, dos três, seja o de entendimento mais fácil.
Não obstante, o grau de incerteza que esse canal
acrescenta à análise é significativo – embora as
evidências para o caso brasileiro sugiram que as
expectativas respondem de forma importante a
decisões de política monetária 1 .
Como resultado da maturidade das
instituições brasileiras e da percepção, de certa forma
generalizada, de consolidação do processo de
estabilidade macroeconômica, as expectativas quanto
à evolução da economia brasileira se mostram
ancoradas no terreno positivo. Esse fenômeno pôde ser
exemplificado pela resistência mostrada pela economia
brasileira aos impactos da recente crise nos mercados
financeiros internacionais. Com efeito, a deterioração
que as expectativas sobre a atividade, sobre a taxa de
câmbio e sobre os prêmios de títulos soberanos
brasileiros experimentaram se deu em níveis bem
menores, se comparados aos verificados em outras
ocasiões mesmo quando os choques foram de
magnitude inferior. Em tais circunstâncias, com
expectativas mais bem ancoradas, portanto, menos
voláteis, cresce a importância relativa do canal da
demanda.
Como exposto em boxes e outros trabalhos
anteriormente publicados pelo Banco Central, a
transmissão da política monetária para preços, por
intermédio do canal da demanda, se dá em duas
etapas. Inicialmente, por meio do mecanismo
descrito na Curva de Investimento e Poupança
(Curva IS2 ), um alívio monetário caracterizado pela
redução da taxa básica de juros da economia (Selic)
ocasiona um ajuste nas taxas de juros de longo prazo,
ou seja, reduz as taxas. Isso permite que indivíduos
e firmas financiem consumo e investimento a um
custo menor, o que, por fim, resulta em elevação da
demanda agregada. De acordo com estimativas
efetuadas pelo Banco Central, nos últimos anos o
efeito máximo levaria algo como dois a três
trimestres para se materializar. Em um segundo
1/ Ver, por exemplo, A. S. Bevilaqua, M. Mesquita e A. Minella (2007), “Brazil: taming inflation expectations”, Banco Central do Brasil,
Working Paper Series n. 129; F. A. Carvalho e A. Minella (2009), “Market Forecasts in Brazil: performance and determinants”, Banco Central
do Brasil, Working Paper Series n. 185.
2/ IS do inglês Investment and Savings.
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passo, conforme descrito pela Curva de Phillips, o
aumento da demanda – ante a capacidade de oferta,
supostamente constante, haja vista que o intervalo
de tempo considerado não seria suficiente para a
maturação de novos investimentos – ocasiona
pressão altista sobre os preços no mercado de bens e
de serviços. Devido à rigidez de contratos de
fornecimento e de contratos salariais, o efeito
máximo também não seria contemporâneo e, de
acordo com estimativas do Banco Central, levaria
em torno de três a quatro trimestres para se
materializar.
Gráfico 1: Defasagem do Canal de Demanda
Valores mínimo, médio e máximo estimados
2006
2007
2008
2009
Os modelos estruturais de pequeno porte
utilizados pelo Banco Central têm na equação da
demanda agregada (Curva IS) e na de oferta agregada
(Curva de Phillips) duas de suas principais estruturas.
O Gráfico 1, elaborado a partir de um conjunto
variado de especificações tanto para a IS quanto para
a Curva de Phillips, ilustra de que forma as
defasagens – mínima, média e máxima – dos efeitos
da política monetária sobre preços evoluíram nos
últimos anos. Para tanto são considerados em
conjunto os efeitos das taxas de juros sobre a
demanda agregada e desta sobre os preços.
Note-se que, nos últimos anos, houve
incremento na defasagem, o que pode ser
consequência do alargamento temporal dos contratos
verificado no mesmo período. A propósito,
considerando que o atual ciclo de afrouxamento
monetário teve início em janeiro de 2009, seus efeitos
máximos sobre a atividade ocorrerão no próximo
semestre e, sobre preços, por volta do final deste
ano e início de 2010.
Essa relevante questão também pode ser
avaliada sob o prisma dos modelos estruturais de
médio porte utilizados pelo Banco Central. Esses
modelos permitem decompor os efeitos totais da
política monetária nas parcelas vinculadas aos três
canais acima citados: canal de câmbio, canal das
expectativas e canal de demanda 3 . De acordo com
os modelos de médio porte, as defasagens que
mudanças na taxa Selic levariam para ter efeito
3/ No modelo médio, o canal de demanda é representado pelos canais de taxas de juros relevantes para consumo e investimento. Para maiores
detalhes, ver André Minella e Nelson F. Souza-Sobrinho (2009). “Monetary Channels in Brazil through the Lens of a Semi-Structural Model”.
Banco Central do Brasil Working Paper Series n. 181.
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máximo sobre o produto e sobre a inflação, com base
em informações relativas ao período de metas de
inflação, situam-se em torno de três a quatro e de
cinco a seis trimestres, respectivamente 4 . Além disso,
três pontos merecem ser destacados: (1) não se
identificam discrepâncias marcantes entres as
estimativas de defasagens fornecidas pelos modelos
estruturais pequenos e as fornecidas pelos modelos
estruturais de médio porte; (2) o efeito da política
monetária transitando pelo canal das expectativas
ocorre relativamente mais rápido do que nos demais;
e (3) de acordo com os modelos estruturais de médio
porte as defasagens do canal de câmbio se mostram
relativamente longas, diferentemente do que sugere
o senso comum, o que leva a crer que o canal de
câmbio opera mais intensamente via mercado de bens
transacionáveis do que via mercado de ativos.
Para concluir, note-se que as estimativas
apresentadas neste boxe referem-se ao ponto de
máximo da influência do canal da demanda sobre a
atividade e os preços, e não ao seu início, que, do
ponto de vista da significância estatística, ocorre em
torno de um a dois e de dois a três trimestres sobre
demanda e preços, respectivamente.
4/ Grosso modo, esses intervalos podem ser vistos como as defasagens médias para o período 1999/2008.
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