O EFEITO PASS-THROUGH DA TAXA DE CÂMBIO SOBRE OS PREÇOS AGRÍCOLAS CLEYZER ADRIAN CUNHA (1) ; ALEX AIRES CUNHA (2) . 1.UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, GOIANIA, GO, BRASIL; 2.UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA, VIÇOSA, MG, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL COMERCIALIZAÇÃO, MERCADOS E PREÇOS AGRÍCOLAS O EFEITO PASS-THROUGH DA TAXA DE CÂMBIO SOBRE OS PREÇOS AGRÍCOLAS Resumo: O objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos da taxa de câmbio sobre os preços agrícolas no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Para isto utilizou-se testes de raiz unitária, co-integração e causalidade. Dentre os principais resultados destaca-se: 1) os resultados mostram que existe uma relação de equilíbrio de longo prazo entre a taxa de câmbio e os preços agrícolas; 2) prevalece o efeito pass-through da taxa de câmbio sobre os preços agrícolas, ou seja, os movimentos passados da taxa de câmbio afetam o comportamento dos preços no presente ( hipótese de causalidade com uma defasagem). Palavras-chaves: taxa de câmbio, preços agrícolas, efeito pass-through Abstract: The objective of this paper is to analyze the effects pass-through of the exchange rate on the agricultural prices in Brazil. The results indicate: 1) there is relationship of balance of long period among the variables; 2) The last movements of the exchange rate affect the behavior of the prices in the present. The study period was January of 2000 to December of 2004. Keywords: The exchange rate, agricultural prices and effects pass-through 1. INTRODUÇÃO O regime cambial brasileiro foi muito distinto ao longo dos anos 90. Primeiramente, adotou-se em 1990 o regime de taxas flutuantes com crescente conversibilidade. Posteriormente, deslocou-se para o regime de taxa de câmbio fixa e alta conversibilidade, com a predominância do enfoque das metas reais. A partir de 1994, com a implantação do Plano Real adotou-se a âncora cambial, com a taxa fixa em um regime de bandas cambiais (crawlingpeg) buscando a estabilização dos preços. Finalmente, com a crise financeira de 1999, o câmbio foi liberado para flutuar sem a intervenção direta do governo. A taxa de câmbio é o indicador das trocas entre as economias, ou seja, ela tende a afetar os bens tradable e os non-tradable, de forma a implicar maior ou menor competitividade, assim como alocação intersetorial dos recursos produtivos na economia. A taxa de câmbio apreciada ou valorizada implica perdas de competitividade dos produtos internos vis-à-vis os externos, ou seja, os importadores são favorecidos enquanto se penalizam os exportadores. Em contrapartida, no caso inverso, ou seja, a taxa de câmbio depreciada ou desvalorizada, leva a ganhos para os exportadores e perda para os importadores. Desta forma, para o setor agrícola, a apreciação da taxa de câmbio implica em perda de competitividade das commodities agrícolas; a depreciação, por sua vez, implica em ganho de competitividade. Este trabalho teve como objetivo principal investigar, empiricamente, os efeitos da taxa de cambio sobre os preços agrícolas e industriais, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Utilizou-se na analise testes de raiz unitária, co-integração e teste de causalidade. O trabalho buscou mostrar que efeitos na taxa de câmbio precedem efeitos sobre os preços agrícolas e que também existe uma relação de integração ou de equilíbrio de longo prazo entre essas variáveis. Assim, o presente trabalho está dividido em três partes além desta introdução, na primeira parte é apresentado a metodologia, na segunda apresentam-se os resultados e discussões e no final apresentam-se as considerações finais. 2. METODOLOGIA 2.1.TESTES DE RAIZ UNITARIA KWIATKOWSKI, PHILLIPS, SCHMIDT E SHIN (KPSS) Antes de estimar o modelo de co-integração de JOHANSEN (1988) e de causalidade de GRANGER (1969), deve-se analisar a estacionariedade das séries temporais em questão para não incorrer em uma regressão espúria, o que pode invalidar os resultados estimados. Para GUJARATI (2000), processo estocástico pode ser chamado de estacionário se sua média e variância forem constantes ao longo do tempo e se o valor da co-variância entre dois períodos de tempo depender apenas da defasagem entre esses períodos e não do período atual, no qual a variância é calculada. A série temporal precisa ser diferenciada d vezes para se tornar estacionária, então se diz que ela é integrada de ordem d ou I(d). Se a série temporal for integrada de I(0), dizse que ela é estacionária em nível e uma serie de ordem 1 é estacionaria I(1). Assim, a ordem de integração de uma série temporal pode ser verificada por diversos testes de raiz unitária. Dentre os mais utilizados, citam-se como exemplos os de Dickey-Fuller Aumentado (ADF) e o de Phillips-Perron (PP) e Kwiatkowski, Phillips, Schmidt e Shin (KPSS). Nesse trabalho optou-se por utilizar o teste KPSS (1992) que pode ser formalizado pela seguinte expressão: Y t= δX t+u t (1) em que Y t é a variável para a qual será analisada a estacionariedade e X t é a variável exógena. O teste estatístico é baseado nos resíduos oriundos da equação (1), pelo teste de LM (Maximoverossimilhança) : LM = ∑ S (t ) 2 t T 2 fo (2) em que fo é o estimador espectral de freqüência zero ( frequency zero spectrum estimator ) dos resíduos e S (t ) é a função de resíduos cumulativa denotada por: t ^ S (t ) =∑ u t r =1 (3) O teste KPSS difere dos demais testes de raiz unitária, pois deve-se aceitar a hipótese nula para que a serie temporal seja estacionaria. 2.2. CO-INTEGRAÇÃO Quando duas séries econômicas são co-integradas, diz-se que estas possuem relação estável de longo prazo. Essas variáveis devem ter a mesma ordem de integração, ou seja, se uma série Y for I(1), a outra X deve ser também I(1) para serem co-integradas. Forças de equilíbrio tendem a fazer com que essas variáveis caminhem juntas, no longo prazo. O teste de ENGLE e GRANGER (1987), para co-integração consiste em verificar se et da equação (4) é estacionário. Y1t = + 2 ou seja, se et = Y1t - 0 0 Y2 + ... + - 2 YKt + et K Y2t - ... - k (4) Ykt é I(0). Assim, o resíduo et será testado (teste de raiz unitária), para se observar se o et é o não-estacionário. Entretanto, o teste de raiz unitária para co-integração requer distribuições especiais diferentes daquelas de um simples teste raiz unitária. Essas distribuições encontram-se tabeladas em ENGLE e GRANGER (1987). Segundo JOHANSEN (1988), pode-se adotar a seguinte forma para estimar as relações de co-integração: ∆Y t =φ1 ∆Y t −1+... +φ p −1 ∆Y tp +1+ ηY t −1+e t (5) em que Yt é um vetor (kx1) de varáveis estocásticas; et são os erros; e e / = αβ , em que são matrizes (k x r), sendo r o posto da matriz (η ), que é igual ao número de vetores de co-integração linearmente independentes. O número de relações (vetores) de co-integração é igual ao número de raízes características ( ) de η estatisticamente diferentes de zero. Podem ocorrer as seguintes possibilidades: a) r = k, então o vetor Yt é estacionário; b) r = 0, então ∆Y t é estacionário; e c) 0 < r < k, então existem matrizes α e β , tais que / = αβ . JOHANSEN e JUSELIUS (1990) indicaram o teste do traço e o teste do auto-valor máximo. Os valores críticos de ambos os testes são utilizados para verificar a existência do número máximo de vetores de co-integração. Segundo ENDERS (1995), o teste estatístico de traço é dado pela seguinte expressão algébrica: P(ro) = T ∑ro+1 Ln (1 −λ i ) n em que ro = 0, 1, ..., k-1, quando i (6) é o i-ésimo auto-valor; P é a estatística de traço e T é o número de observações. O teste de traço testa a seguinte hipótese: Ho: r ro HA: r > ro Segundo ENDERS (1995), o teste do auto-valor máximo é dado pela seguinte expressão algébrica: P (ro, ro + 1) = T ln (1 - ro+1 ) (7) em que se testa a seguinte hipótese: Ho: r = ro HA: r = ro + 1 OSTERWALD-LENUM (1992) tabelou os valores críticos para modelos com até 11 variáveis, com termo constante ou não. Utilizaram-se, neste trabalho, os valores críticos calculados por esse autor. 2.3. CAUSALIDADE DE GRANGER A precedência temporal entre series econômicas pode ser investigada pela utilização do teste de causalidade proposto por Granger (1969). Cabe ressaltar que o teste não propicia inferências do tipo causa e efeito do ponto de vista econômico. Desta forma, se X causa Y no sentido de Granger (precedência) se o passado de X ajuda a prever Y. O teste de causalidade de Granger pode ser aplicado a variáveis estacionárias. Segundo GUJARATI (2000), o teste de causalidade de Granger supõe que as informações relevantes para a previsão das respectivas variáveis em analise estejam contidas exclusivamente nos dados de series temporais destas variáveis. Então o teste envolve a estimativa das equações (8) e (9), utilizando as variáveis taxa de câmbio (TC) e preço agrícola (PA): n n i =1 j =1 TC t = ∑ α i PA t −1 + ∑ β j TC t − j +u 1t PAt = (8) m m i =1 j =1 ∑ δ i PAt −i + ∑ φ jTC t − j +u 2t (9) A equação 8 mostra que a TC no período t relaciona com os valores passados de TC e de PA. Já a equação 9 evidencia que o valor presente de PA relaciona com os passados de PA e de TC. Os termos de erros u1t e u 2t são não correlacionados. A definição do tamanho do lag ou defasagem do modelo mostra qual seria o período de tempo mais longo para que o movimento de uma variável ajude a prever movimentos da outra variável. Para escolher corretamente o número de defasagens no modelo, pode –se usar os critérios de de Schwarz Criterion (SC) e de Akaike Information Criterion (AIC). De acordo com BACHI (1995) apud LUKTEPOHL (1991), o teste de SC é mais parcimonioso que o teste de AIC. 2.4. FONTE DE DADOS Para a analise empírica, consideraram-se as seguintes variáveis: PA= índice de preços agrícolas no atacado, base 2000 =100 e a taxa de câmbio efetiva, base (2000 =100) e correspondem ao período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Os dados foram coletados junto ao Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada (IPEA). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com base nos resultados apresentados na Tabela 1 pode-se concluir que as duas séries não são estacionárias, em nível, pois se rejeita hipótese nula de estacionariesdade. Em contrapartida, pode-se afirmar que tais séries são integradas de ordem I(1), pois aceitase a hipótese nula a 1% de probabilidade. Conclui-se que todos os testes posteriores devem ser efetuados com as series diferenciadas uma vez ou d(1). Tabela 1- Teste de estacionariedade KPSS para as series TC e PA no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Valor calculado Valor calculado Valor crítico Valor crítico Valor crítico Série PA KPSS para I(0) KPSS para I(1) 0,916 0,095 KPSS (1%) 0,739 KPSS (5%) KPSS(10%) 0,463 0,347 TC 0,218 0,103 0,739 0,463 0,347 Fonte: dados da pesquisa Nota: O teste KPSS deve-se aceitar a hipótese nula para que a serie temporal seja estacionaria. Segundo GUJARATI (2000), o número de defasagens a serem consideradas nos modelos co-integração e causalidade são importantes, pois um número excessivo de defasagens implica perda de graus de liberdade dos modelos. Na Tabela 2, apresentam-se os critérios para o máximo de uma defasagen, pois defasagens muitos extensas podem levar a estimativas imprecisas dos parâmetros. Pelo critério de SC e AIC haveria uma defasagem. De acordo com os testes utilizou-se um lag nos modelos de co-integraçao e de causalidade. Tabela 2 - Critérios de informação para escolha do número de defasagens (P) P 0 1 2 3 4 Fonte: dados da pesquisa AIC(P) SC(P) 11,151 10,290* 10,421 10,536 10,589 11,224 10,509* 10,786 11,047 11,246 Nota: * indica o menor valor do critério como sendo o numero de defasagem do modelo. Então, utilizou-se uma defasagem no teste das relações de co-integração. As relações de co-integração foram definidas a partir do teste de JOHANSEN E JUSELIUS (1990), podem ser evidenciados na Tabela 3. Tabela 3 - Teste de JOHANSEN E JUSELIUS (1990) para as relações de co-integração. Hipótese nula R=0 R 1 Eigenvalue 0,332 0,169 Estatística do Valor crítico Valor crítico traço 33,572* 10,565* (5%) 15,41 3,76 (1%) 20,04 6,65 Fonte: dados da pesquisa Pela Tabela 3, verifica-se que a estatística de traço mostra que se rejeita as hipóteses nulas de R = 0 e de R 1 aos níveis de 1% e 5% de significância, podendo-se concluir que há ao menos uma relação de co-integração ou relação de longo prazo ligando as duas séries. Na Figura 1, evidenciam-se as primeiras diferenças das series TC e PA no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. 15 10 5 0 -5 -10 -15 -20 2001 2002 D TC 2003 2004 D P Fonte: dados da pesquisa Figura 1: Primeiras diferenças das series TC e PA no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Pela analise da figura, ocorre a confirmação do resultado do teste de co-integracao de JOHANSEN E JUSELIUS (1990), pois a primeira diferença das series são estacionarias e apresentam relação de equilíbrio de longo prazo. O teste de Granger apresentado na Tabela 4 procurou mostrar a precedência temporal entre TC e PA. Na literatura econômica, prevalece a hipótese que a taxa de câmbio precede efeitos sobre os preços agrícola. Esse efeito é conhecido como repasse cambial ou efeito pass-through. Tabela 4- Resultados dos testes de causalidade de Granger para as variáveis TC e PA no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Teste Hipótese nula Estatística F Lag Probabilidade 1 DP não causa DTC 0,32896 1 0,56861 2 DTC não causa DP 19,2232 1 0,000053 Fonte: dados da pesquisa De acordo com a Tabela 4, os resultados do teste de causalidade mostram que a que a hipótese nula (H0) de que DPA não causa DTC no sentido de Granger não foi rejeitada. Conclui-se que os preços agrícolas não afetam os movimentos da taxa de câmbio. Já a hipótese nula (H0) de que DTC não causa DPA foi rejeitada, então se conclui que os efeitos nos preços agrícolas são precedidos pelos movimentos da taxa de câmbio no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Assim, prevalece o efeito pass-through da taxa de câmbio sobre os preços agrícolas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dentre os principais resultados destaca-se: 1) os resultados mostram que existe uma relação de equilíbrio de longo prazo entre a taxa de câmbio e os preços agrícolas; 2) prevalece o efeito pass-through da taxa de câmbio sobre os preços agrícolas, ou seja, os movimentos passados da taxa de câmbio afetam o comportamento dos preços no presente. A hipótese de causalidade de Granger apresentou-se com uma defasagem conforme os testes de AIC e SC. Para a conjuntura brasileira de janeiro de 2000 a dezembro de 2004, a partir do exposto neste trabalho, evidencia-se que a agricultura tem efeitos diretos da política cambial. A resposta de uma defasagem encontrada neste trabalho pode ser explicada pelo fato de que a agricultura apresentar comportamento de preços flexíveis ( flex price). 5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACCHI, M.R.P. Integracao, co-integração e modelo de correção de erro: uma introdução. Universidade Federal de Vicosa, 1995, Mimeo. DORNBUSCH, R., STANLEY, F. Macroeconomia. 5.ed. São Paulo: Makron, 1991. ENGLE, R. F.; GRANGER, C.W.J. Co-integration and error correction representation, estimation and testing. Econometrica, n. 55, p. 251-276, 1987. EVIEWS 4.1. User's guide. 2002. GRANGER, C. W. J. Investigating causal relations by econometric models and cross-spectral methods, Econometrica 37, 424—438, 1969. GUJARATI, D.N. Econometria básica. 3.ed. São Paulo: Markron Books, 2000. 830 p. INSTITUTO DE PESQUISA EM ECONOMIA APLICADA - IPEA. Informações econômicas. [10 junho 2005]. (www.ipeadata.gov.br). JOHANSEN, S. Statistical analysis of cointegration vectors. 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