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O HOMO ACADEMICUS NAS MALHAS DO DIGITAL: DISCURSOS,
PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DO INTELECTUAL E DO SABER
NA CIBERMÍDIA.
Mauricio Junior Rodrigues da Silva (Universidade de Franca)1
Maria Regina Momesso (Universidade de Franca)2
1. INTRODUÇÃO
[...] Se você é um intelectual, o ´tato´ é o melhor modo de referir-se à
covardia. Para remediar parcialmente a fragilidade humana, o intelectual
tem que seguir a trilha que leva ao malfeito. [...] (FULLER, 2006, p.29)
O trecho da obra O Intelectual de Steve Fuller (2006) nos faz refletir acerca
dessa figura que, segundo o autor, tem o poder de remediar a fragilidade humana
por meio do avesso, do malfeito: o intelectual. Ao longo da história, a intelectualidade
já esteve relacionada com os mais diversos setores da sociedade, como: o
eclesiástico, o científico, o artístico, o acadêmico etc. No campo filosófico, muitos
pensadores já se fiaram a estudar tal figura: Hegel, por exemplo, associa a
intelectualidade ao corpo burocrático do Estado, o pensador recusa o caráter
universalista que muito se imputou historicamente à figura; Lewis Feuer, por sua vez,
estabelece um liame entre o intelectual e as ideologias; no mesmo caminho,
Norberto Bobbio (1997) assevera que os intelectuais sempre existiram, sobretudo
em consonância ao poder ideológico. Segundo o pensador:
Embora com nomes diversos, os intelectuais sempre existiram, pois sempre
existiu, em todas as sociedades, ao lado do poder econômico e do poder
político, o poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o
poder político, jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens
materiais, dos quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder
econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de idéias, de
símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso
da palavra (o poder ideológico é extremamente dependente da natureza do
homem como animal falante). [...] (BOBBIO, 1997, p.11)
O sociólogo Pierre Bourdier (2008) também se dedicou a estudar tal temática.
Na obra Homo Academicus, o pensador propõe uma análise do habitus de
professores em ambientes universitários. A finalidade do estudo seria perceber como
se dá a organização do espaço universitário e o modo como esse ambiente
805
engendra uma luta de poder entre as várias disciplinas e o academismo do corpo
professoral. Por homo academicus, Bourdier entende o sujeito imbuído de saber
acadêmico, dito intelectualizado, que lida ou nutre a literatura, a filosofia, e as artes
em geral. O excerto a seguir explica o fundamento do poder universitário segundo
Bourdier (2008):
El poder propiamente universitario está fundado principalmente en el
dominio de los instrumentos de reproducción del cuerpo profesoral,jurado de
agregación, comité consultor de las universidades (que designa a los
profesores titulares), es decir, en la posesión de un capital que se adquiere
en la universidad, en particular en la École Norrnale, y que es detentado
principalmente por los profesores de la universidad -de la Sorbona-, en
especial de las disciplinas canónicas, con frecuencia hijos ellos mismos de
docentes, profesores de enseñanza secundaria o superior y sobre todo
maestros, Yvale casi exclusivamente dentro de los límites de la universidad
(francesa).3
Ao aludir tal obra, a presente pesquisa pretende se inserir nesse amplo
quadro de debates acerca do intelectual. Desse modo, se em Pierre Bourdier o
mesmo era esquadrinhado no contexto das grandes escolas francesas, neste
trabalho o intelectual 4 há de ser examinado em um ambiente fundamentalmente
contemporâneo: a cibermídia.
É de suma importância delimitar o significado do termo citado e distingui-lo da
rubrica “ciberespaço”. Para tal, Berguel & Berleant nos explicam que:
Cyberspace in this sense is the union of multimedia information sources
which are accessible through the digital networks by means of client-server
technologies. As a working characterization, we will refer to the entire body
of this multimedia information as cybermedia. Currently cybermedia consists
of audio information (e.g., Internet Talk Radio), video information (e.g., mpeg
videos), a-v programming (movies), 3-D images and animations (e.g.,
3DRender files), interactive algorithmic animations via telnet, conventional
text + graphics, and much more. Laboratory work is underway to bring the
entire spectrum of sensory information under the cybermedia rubric, with
digitized touch the next cybermedium.5
Pelo excerto é possível entender a cibermídia como um conjunto de mídias
digitais que não se restringem ao plano virtual, isto é, estendem-se a interfaces
externas como a telefonia celular móvel, as tecnologias wireless, os ciber centers, e
as lan houses (MCADAMS, 2008). Já ciberespaço pressupõe um imanente contato
com a realidade virtual. Malgrado essa proximidade conceitual, fica evidente que os
termos não se confundem. Para reiterar tais diferenças, é preponderante citar as
806
palavras de Maria Regina Momesso de Oliveira e Maria Silvia Olivi Louzada.
Segundo as autoras:
[Pode-se] afirmar que a cibermídia é diferente de ciberespaço, na medida
em que não tem necessidade, especificamente, da ´imersão´ em uma
realidade virtual. Ao contrário de ciberespaço, a experiência com a
cibermídia permite ao usuário distinguir a realidade física da digital, ou seja,
o ciberespaço é constituído de um espaço imaterial por onde trafega a
informação e independente da conexão de sentidos, enquanto cibermídia
precisa, obrigatoriamente, fazer um uso efetivo da informação vinda do
mundo real/material. (OLIVEIRA; LOUZADA, 2008, p. 202).
Feitas essas distinções, é valido mencionar que no campo da cibermídia
continuadamente irrompem-se diferentes práticas de discurso, que engendram
perspectivas distintas de representação e de identidade acerca do intelectual. Essa
variabilidade de práticas nos permite chegar ao escopo primacial da pesquisa, que é
perceber que mecanismos discursivos e efeitos de sentido são produzidos na
hodiernidade quando o assunto é a intelectualidade e o saber6.
Ao examinar tais mecanismos, é forçoso que se considere também as
condições de produção em que emergem tais discursos. Sobre a importância de tal
procedimento em nossa empresa, Hélia Oliveira esclarece que:
É inconcebível analisar um discurso desconsiderando as condições de
produção, uma vez que estão intimamente ligadas à constituição do
discurso. Isso quer dizer que o sentido de um enunciado depende das
condições históricas e sociais e da situação em que o sujeito que o produz
se encontra. As condições de produção do discurso também estão
relacionadas com as relações de poder e de lugar ocupado pelo sujeito do
discurso e pelos interlocutores, o que nos leva a acreditar que a força do
discurso de um locutor é determinada pela sua posição social. (OLIVEIRA,
s.d., Acesso em: 01 mai. 2010)
Ao considerar as referidas condições no contexto de análise proposto, a
representação
do
intelectual
ganha,
na
contemporaneidade,
características
peculiares, distintas das concepções clássicas que se tem do mesmo. Desse modo,
pode-se dizer que com o advento de novas tecnologias, o saber e intelectualidade
ganham cada vez mais representações em âmbitos cada vez mais distintos.
Mauricio Salles Brasil, na assertiva a seguir, apresenta a posição de Foucault acerca
do intelectual nesse contexto da modernidade líquida:
Para Foucault o intelectual moderno ideal para o figurino dos nossos dias,
não é mais portador de valores universais, ele é agora alguém que ocupa
posição específica, eu diria também estratégica, na sociedade; um
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combatente pela verdade ou em torno da verdade; estabelecendo regras
(método) para distinguir com maior precisão possível o verdadeiro do falso
dentro de uma perspectiva de verdade/poder. Para Foucault não há espaço
para exercícios utópicos em torno da verdade, pois ela não seria concebida
sem um sistema de poder que a sustentasse, aquilo que ele chamou de o
Regime da Verdade. (SALLES BRASIL, 2009)
As palavras de Salles Brasil (2009) sobre Foucault indicam que, na
modernidade líquida (BAUMAN, 2005), a representação da intelectual enquanto um
indivíduo engajado, militante, pautado por um regime de verdade, perdeu espaço
para uma variabilidade de representações que, nas práticas discursivas, dificultam o
estabelecimento de caracterizações fechadas e de pouca variação.
Frente a essa variabilidade representativa, optou-se por eleger como corpus
do trabalho e - textos do site CPFL Cultura7, um ambiente virtual que lida com o
saber intelectualizado e que se mostra amplamente propício a verificar as
representações hodiernas que se tem da intelectualidade.
A CPFL Cultura é um órgão da CPFL Energia surgido em 2003 com intuito de
divulgar eventos, palestras, espetáculos artísticos que a instituição promove e
patrocina. Num primeiro contato com o site, chama logo a atenção o modo como o
sítio é apresentado na subseção O que é da seção Institucional. Consta na mesma
que "a CPFL Cultura não é apenas um espaço, mas um conceito" (O QUE, s.d.,
Acesso: em 10 mai. 2010). Cumpre, portanto, ao presente trabalho analisar que
conceito é este que sítio julga ser.
Fundado no desígnio de pesquisa citado, parte-se da hipótese de que a
cibermídia, esse conjunto de mídias digitais em ambientes híbridos fixos ou móveis,
traz consigo - por meio dos sítios virtuais - inúmeros dispositivos de ordem
estratégica determinantes à produção ou à reprodução de saberes nesses
ambientes. Aliás, essa inferência mostra claramente como os enunciados não
devem ser tomados em seu sentido literal, mas postos em consonância a um lugar
histórico. Sobre tal premissa, Eni Orlandi (2005) ao citar Pecheux (1983) nos ensina
que:
[...] as palavras não têm um sentido ligado a sua literalidade, o sentido é
sempre uma palavra por outra, ele existe nas relações de metáfora
(transferência) acontecendo nas formações discursivas que são seu lugar
histórico provisório. De tal maneira que, em conseqüência, toda descrição
está exposta ao equívoco da língua: todo enunciado é intrinsecamente
suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar
discursivamente de seu sentido para derivar para um outro´. (PÊCHEUX,
1983, p. 53, apud ORLANDI, 2005, p.11).
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O excerto acima representa o suporte teórico utilizado na presente pesquisa.
Para ser mais preciso, adotou-se como arcabouço teórico e metodológico
perspectivas lingüísticas derivadas da Análise do Discurso (AD), de linha francesa,
baseada em Michel Pêcheux e Michel Foucault, sobretudo ao considerar que o
sujeito constitui-se por meio de práticas discursivas. É interessante perceber que
nesse horizonte do sujeito - de acordo com Jacques Guilhamou (2004) - o método
da AD, por meio de uma transvaloração discursiva, supera os limites da
materialidade e empirismo lingüístico. Segundo o pesquisador francês:
[...] le geste inaugural de l’analyse de discours enclenche une
transvaluation, au sens où s’impose d’emblée et se maintient, dans
l’approche discursive des matériaux empiriques construits à l’horizon d’un
sujet émancipateur, un lien consubstantiel entre la matérialité de la langue et
la discursivité de l’archive. (GUILHAMOU, 2004, Acesso em: 01 mai. 2010)8
Dito de outro modo, pode-se atinar que para a AD o sujeito não se acha
subsumido somente pela língua, como também pela ideologia, pela História e pelo
inconsciente. No excerto de Michel Foucault é possível observar essa perspectiva
segundo a qual o sujeito se constrói por meio de práticas de sujeição posta na
cultura e na História:
É preciso distinguir. Em primeiro lugar, eu efetivamente penso que não há
um sujeito soberano, fundamentador, uma forma universal de sujeito que se
poderia encontrar em qualquer lugar. Sou muito cético e muito hostil a esta
concepção de sujeito. Penso, ao contrário, que o sujeito se constitui através
de práticas de sujeição, ou, de uma maneira mais autônoma, através das
práticas de liberação, de liberdade, como na Antigüidade, a partir, é claro,
de um certo número de regras, estilos, convenções, que se encontram no
meio cultural. (FOUCAULT, 2005)
Essa fundamentação teórica é certamente pertinente para a análise de um
complexo objeto de estudo, como é o saber, em meio tão variável e de difícil
categorização como é o da cibermídia. Poder esquadrinhar as dimensões
conceituais do saber - dito intelectualizado - nesse campo se apresenta não só como
um desafio teórico, como também uma possibilidade de contribuir para uma
problematização em um meio que ganha cada vez mais relevância na vida hodierna.
Observa-se a importância de trabalhos como este não só em virtude da
existência de poucos estudos sobre o tema, mas principalmente por ser um tema
adstrito à contemporaneidade, e como parte desta, mostra um entrecruzamento
809
multidisciplinar de distintas e relevantes áreas do saber como a lingüística, a história,
o jornalismo, a filosofia, etc.
Portanto, é a esperança deste artigo explorar de modo satisfatório todas as
idéias propostas para poder abordar este complexo e almo tema.
2. CPFL CULTURA & ENERGIA: UM BREVE HISTÓRICO
Antes de iniciar a análise das formações discursivas que permeiam o site da
CPFL Cultura, é preponderante que se trace um histórico do mesmo.
O sítio é parte da CPFL Cultura, uma instituição vinculada à Companhia
Paulista de Força e Luz, que foi construída com a finalidade de incentivar, divulgar
ou patrocinar eventos culturais. O grupo CPFL Energia surgiu em 1912 a partir da
junção de quatro pequenas empresas de energia que atuavam no interior paulista. A
empresa ampliou seu campo de atuação quando:
[...] em 1927 a companhia foi adquirida pela American & Foreign Power
(Amforp), – empresa do grupo norte-americano Electric Bond & Share
Corporation (Ebasco), ligado a General Eletrict, permanecendo sob seu
controle até 1964, quando passou ao controle da Eletrobrás, do governo
Federal. Em 1975, o controle acionário da CPFL Paulista foi transferido para
a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), do governo do Estado de São
9
Paulo.
No ano de 1997, a CPFL Energia deixou de ser uma empresa pública, por
meio de um processo de privatização, e passou a ser controlada pela "VBC Energia
(Grupo Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa), pelo Fundo de Pensão dos
Funcionários do Banco do Brasil (Previ), e pela Bonaire Participações (que reúne os
fundos de pensão Funcesp, Sistel, Petros e Sabesprev)."10
Com essa reformulação em sua gestão, discursivamente a empresa passou a
se pautar por uma fala de maior participação social. Prova disso é que a empresa
instituiu, em 2003, a CPFL Cultura. Segundo o sítio da empresa: "[A CPFL Cultura
se constitui enquanto] um amplo programa cultural que promove reflexões sobre os
desafios e oportunidades da contemporaneidade.” 11
A programação cultural da empresa iniciou com uma parceria com a Tv
Cultura para a transmissão do Café Filosófico, "[um] ponto de encontro dos mais
renomados intelectuais com os mais diversos públicos, onde se organizam teorias e
810
onde informações são transformadas em conhecimento."12. Graças às transmissões
dos encontros pela Tv , os encontros do Café Filosófico ganharam maior divulgação
e popularidade. Essas transmissões também ajudaram a robustecer a CPFL Cultura
como uma importante empresa no trato com a intelectualidade e com o saber.
Transcorridos sete anos desde sua criação, a empresa, com encontros e palestras
anteriormente restritos à cidade de Campinas, ampliou seu campo de atuação e
chegou a mais seis cidades: Bauru, Caxias do Sul, Santos, São Paulo, Sorocaba e
Ribeirão Preto.
Alguns números postados pelo sítio da CPFL Cultura retratam a importância
da empresa no trato com a cultura e com o saber. Eis os números que o sítio
apresenta:
- 5 anos de atividade;
- 2,5 mil atividades realizadas;
- Mais de 400 mil freqüentadores;
- 260 programas editados, 4 exibições semanais na TV, com 150 mil
telespectadores por exibição na Grande São Paulo (fonte: IBOPE);
- Mais de mil registros em vídeo no acervo.13
Além dessas importantes formas de divulgação, uma forma específica, não
citada, nos chama a atenção: sítio da CPFL Cultura. Eis o objeto a ser analisado
pelo presente trabalho.
3. CPFL CULTURA E A INTELECTUALIDADE: MAIS DO MESMO?
A fim de perquirir acerca das possíveis representações do intelectual no
campo da internet optou-se por observar como no sítio virtual da CPFL Cultura, esse
sujeito, dito intelectualizado, vindo de ambientes eruditos e acadêmicos se mostra
discursivamente.
Logo em sua tela de apresentação, o site CPFL Cultura mostra um mosaico
de fotos relacionadas aos eventos que a instituição patrocina ou divulga. Esses
eventos envolvem desde a apresentação dos vídeos dos Cafés Filosóficos, até
informações sobre teatro, concertos e televisão.
As cores que adornam o sítio aduzem uma suave combinação entre o violeta,
o verde, o azul e o vermelho, sobrepujadas por um branco que se sobreleva no
ambiente. Essa junção sugere a construção de um efeito de sentido de um ambiente
811
calmo, denotado por uma amena combinação de cores, que supostamente
propiciam uma construção visual de um ambiente imparcial, por vezes até inerme.
Essa breve análise do não-verbal, como nos dispomos a fazer ao analisar as
cores, representa a mais completa utilização da "caixa de ferramentas foucaultiana"
como sugere Maria do Rosário Gregolin (2008, p. 33)
[...] uma análise de discursos pensada a partir da caixa de ferramentas
foucaultiana deve ser um projeto que proponha compreender a formação, a
circulação, a transformação das práticas discursivas. Essas práticas têm
natureza semiológica, são verbais e não-verbais: são elas que Foucault
propõe analisar quando fala em “outras arqueologias” e se refere à pintura
[...] (GREGOLIN, 2008, p. 33, grifo nosso)
Justificada a opção de análise, é preponderante retomar a descrição da tela
inicial. Nesta, por meio das fotos que moldam o mosaico citado, há um realçamento
da imagem dos filósofos ou pensadores com palestras ou apresentações em
destaque na semana. Ademais, há uma barra de ferramentas horizontal que propicia
ao usuário um contato com os conteúdos oferecidos pelo sítio. Dividida em quatro
partes a paleta conta com as seguintes seções: Institucional; Programação, na qual
há uma datação dos principais eventos a serem apresentados; Multimídia, onde é
possível encontrar vídeos, entrevistas, podcasts; e Ao vivo, que abre a possibilidade
de acesso em tempo real às principais palestras que sítio divulga.
Na seção Institucional, há uma apresentação do programa da instituição, além
de uma exposição das formas de participação, de acesso, da composição da equipe
da empresa, das principais dúvidas relacionadas ao programa e um tour virtual dos
espaços disponíveis para os eventos. Para disponibilizar esses conteúdos, a referida
seção se divida em sete subseções: O que é; Como participar; Como chegar; Tour
virtual; Equipe; Imprensa; e Dúvidas.
Para iniciar a análise, é preponderante mencionar o modo como o sítio é
apresentado na subseção O que é da seção Institucional. Consta na mesma que:
[...] a CPFL Cultura não é apenas um espaço, mas um conceito. [...]
A CPFL Cultura prima pela multiplicidade, o diálogo e a diferença e, desta
maneira, busca cruzar as fronteiras dos públicos, das disciplinas e das
visões de mundo para refletir, experienciar e inventar o contemporâneo.14
Pelo enunciado, fica evidente a fala de uma instituição que se pretende neutra,
democrática. Tal formação discursiva se evidencia pela utilização dos vocábulos
812
“multiplicidade”, “diálogo”, e “diferença". Essa FD 15 é própria de um momento
histórico em que se exige adoção de uma atuação sócio-ambiental das empresas.
Segundo SILVA & QUELHAS (2006), no mundo contemporâneo:
É crescente a valorização das questões ambientais no segmento
empresarial, atendendo às novas exigências legais, de mercado e da
sociedade em geral. O enfoque econômico, antes preponderante no
planejamento, vem sendo substituído por um conceito mais amplo de
desenvolvimento sustentável [...] (SILVA & QUELHAS, 2006, p. 385)
A citação apresentada mostra como para que uma empresa adquira uma boa
fama empresarial na contemporaneidade não basta que ela simplesmente apresente
bons produtos ou serviços adequados, mas que ela atue em respeito aos
componentes sociais, ambientais e culturais. Ainda segundo SILVA & QUELHAS
(2006), o termo sustentabilidade não se reduz ao campo ambiental:
O conceito de desenvolvimento sustentável vem se aprimorando ao longo
do tempo, num processo contínuo de reavaliação da sociedade em relação
ao crescimento econômico e meio ambiente. Seus princípios devem
corresponder aos anseios da própria sociedade, refletindo seu contexto
socioeconômico e cultural. Por seu lado, o segmento corporativo tem
buscado o equilíbrio entre o que é viável em termos econômicos e o que é
ecologicamente sustentável e socialmente desejável. (SILVA & QUELHAS,
2006, p. 393).
Essa contextura justifica a fala do sítio. O excerto a seguir extraído da
subseção O que é confirma tal ilação:
Todas as atividades realizadas pela CPFL Cultura são gratuitas. A
programação é aberta a todas as correntes de pensamento, sem
predominância de nenhuma ideologia, a fim de contribuir para o
aproveitamento das possibilidades do tempo presente e planejamento futuro.
Sustentabilidade e responsabilidade corporativa fazem parte da estratégia
da CPFL Energia. Além de agir para promover e disseminar a cultura no
País, a empresa incorpora o desenvolvimento sustentável e inclusivo em
sua visão e em suas atividades. A CPFL Cultura é um dos principais
programas de responsabilidade corporativa da empresa e a elaboração de
seu conteúdo contribui para o desenvolvimento de modelos mais
sustentáveis e inclusivos de desenvolvimento.16
Ao enunciar os vocábulos “sustentabilidade” e “responsabilidade corporativa”,
a empresa pretende criar o sentido de uma instituição responsável socialmente. Fica
evidente a FD da responsabilidade social empresarial. O lugar discursivo que advém
dessa formação representa um discurso propagandístico hodierno, no qual é
813
preponderante que uma empresa se apresente discursivamente enquanto neutra,
sem ideologias, para que possa ter maior visibilidade mercadológica.
Essa
enunciação
própria
do
campo
empresarial
e
publicitário
da
contemporaneidade, cria o efeito de sentido de uma empresa preocupada com a
questão mercadológica, na qual para que a mesma tenha uma boa imagem é
preponderante que ela se mostre socialmente responsável e incentivadora da cultura.
Sobre as condições de possibilidade de recepção, o usuário ou internauta que
se tem acesso ao sítio, tende a ver a empresa de forma positiva, e enquanto uma
instituição incentivadora do saber e da cultura. Assim, a posição discursiva que o site
se imputa é a da democracia, do saber sem paradigmas, sem dogmas.
Em tal FD, o intelectual aparece como mero joguete do discurso
propagandístico da empresa. Não que o mesmo seja um "pau-mandado" com o
intuito de propagandear abertamente o discurso da empresa nas palestras. Ao
contrário, esse servilismo só se torna aparente no âmbito discursivo, onde ressurte o
jogo entre saber e poder. Segundo Foucault o poder:
[...] não é em si mesmo uma violência que, às vezes, se esconderia, ou
consentimento que, implicitamente, se reconduziria. Ele é um conjunto de
ações sobre ações possíveis; ele opera sobre o campo de possibilidades
onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos; ele incita, induz,
desvia, facilita, ou torna mais difícil, amplia ou limita, torna mais ou menos
provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente, mas é sempre uma
maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou
são suscetíveis de agir. Uma ação sobre ações. (FOUCAULT, 1995, p. 243)
Chama a atenção que o intelectual que aparece no sítio se mostra como um
sujeito que segue os mesmos ditames discursivos da empresa, e desse modo,
também se apresenta “sem dogmas”, pretensamente democrático, quase apolítico.
Essa posição neutra perpassa uma prática discursiva contida ao sítio, e que se
estende a um modus operandi do intelectual na contemporaneidade. Isso fica
evidente pelas palavras de Semeraro (2006, apud VATTIMO, 1996, p. 182), segundo
o qual, na contemporaneidade:
[...] a figura do intelectual "engajado" entra em declínio e fala-se cada vez
menos de intelectuais "orgânicos", das "classes" trabalhadoras, de
"militantes" e de educadores populares. Por toda parte, despontam gestores,
intelectuais céticos e políticos pragmáticos. As convicções de princípio, a
visão de conjunto e a revolução são suplantadas pela incerteza e o
pensamento da "errância", pelo gosto do particular e o narcisismo privado.
(VATTIMO, 1996, p. 182, apud, SEMERARO, 2006)
814
Pelo excerto é possível perceber que a representação contida no sítio difere
no que tange à forma, da representação clássica da intelectualidade: caracterizada
em geral pelo sujeito que se mostra como uma figura orgânica, politizada, engajada
com questões de classe, de partido, etc. Ao mesmo em que existe tal evidente
distinção, há também uma semelhança quanto à função: uma vez que segundo o
sítio é tarefa do mesmo "iluminar o caos contemporâneo e trazer material para
pensar nossos afetos e conflitos". (QUEM, s.d., Acesso em: 10 mai. 2010). Isto quer
dizer que embora exista essa distinção quanto à politização do intelectual, há uma
semelhança no que concerne à sua função: de suscitar o avesso, o diferente. Em
outros termos, a representação do intelectual na contemporaneidade não tem uma
forma estática, cerceada a uma função política. Mas ao contrário, uma das FDs que
se destacam no site mostra o mesmo como um democrata, como um sujeito quase
um apolítico, mas que ainda detém com a premissa de ser a luz no fim do túnel, ou
como diz Steve Fuller (2006, p. 29): de ser "a trilha que leva ao malfeito".
4. CONCLUSÃO
Concluímos este artigo ressaltando a importância do tema analisado, tanto
por este perpassar um campo de crescente influência na hodiernidade, tanto pela
pouca quantidade de estudos sobre o mesmo.
A finalidade do presente trabalho foi suscitar formas de como a
intelectualidade e o saber são tratados discursivamente no cenário da internet.
Utilizou-se como corpus e - textos da subseção O que é? do site CPFL Cultura.
Textos que nos auxiliaram a compreender como o discurso de uma empresa –
percebido por meio do site - subsume a um momento histórico de enunciação em
que se demanda discursos propagandísticos como estes.
A partir do fora apresentado foi também possível notar como a estratégia de
criar um discurso pretensamente inerme e democrático, de sustentabilidade, de
apoio ao saber, corrobora na construção de efeitos de sentido de uma empresa dita
moderna, preocupada com demandas culturais, sociais, e de sustentabilidade.
O problema é que esses efeitos ocultam estratégias discursivas que trazem
consigo uma posição instituidora do saber, que determina quais falas intelectuais
815
participarão dos encontros, dos cafés, e divulgação midiática. Em outros termos, ao
cumprir com uma demanda empresarial moderna e se enveredar no campo da
cultura, da intelectualidade e do saber, o sítio acaba por padronizar conceitos e
instituir estratégias de saber em um meio com um potencial de saber amplamente
iconoclasta: a cibermídia.
Diante de tal padronização, a figura do intelectual aparece como mero joguete
na estratégia de empresa moderna. Como fora dito, não que o mesmo seja um
"fâmulo" com a obrigação de propagandear abertamente o discurso da empresa nas
palestras. Ao contrário, esse servilismo só se torna perceptível no campo discursivo.
E como exposto no final do capítulo anterior, apesar do intelectual atuar
discursivamente em consonância ao discurso do sítio, no que tange à sua
funcionalidade, o intelectual contemporâneo não se difere da figura clássica que era
imbuído dentre outras coisas de problematizar o mundo que o cerca: assim,
observadas as devidas distinções, haveria um pouco do mais do mesmo.
No que concerne às condições de possibilidade de recepção, o usuário
comum do sítio acaba por ter pouca ou nenhuma interferência nos conteúdos
apresentados. Situação que demonstra como um saber tratado a priori como
democrático se apresenta, na verdade, de forma completamente institucionalizada.
Essa institucionalização engendra a possibilidade de se pensar em consonância com
o pensamento foucaultiano e afirmar a que cibermídia é mais um meio onde há um
continuo deslocamento de subjetividades, que possibilitam ao homem um múltiplo
contato com subjetividades distintas, e que o fazem cada vez mais um produto de
construções históricas.
Ao concluir, espera-se que o presente artigo tenha traçado satisfatoriamente
as bases para o entendimento do tema abordado, e desta forma, possibilitado uma
macro visão exemplificativa de como a cibermídia atua na abordagem da
intelectualidade e do saber.
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816
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01 mar. 2010
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Linguística da Unifran, discente
pesquisador do grupo de pesquisa GTEDI, UNIFRAN.
2
Doutora, Coordenadora, Docente e pesquisadora da Programa de Pós-Graduação - Mestrado em
Linguística da Unifran, e pesquisadora do grupo de pesquisa GTEDI, UNIFRAN.
3
O poder propriamente universitário está fundado principalmente no domínio dos instrumentos de
reprodução do corpo professoral, jurado de agregação, comitê consulttivo das universidade ( que
designa os professores titulares), ou seja, na posse de um capital que se adquire na universidade,
especialmente na École Normale, e que é exercido principalmente pelos professores da Universidade
de Sorbonne, em especial das disciplinas canônicas, muitas vezes filhos de docentes, professores de
ensino secundário ou superior, e especialmente os professores, que atuam quase exclusivamente
dentro da universidade (francesa). (BOURDIER, 2006, p. 136, tradução nossa)
4
No presente trabalho o intelectual é pensado enquanto um construto discursivo, histórico e cultural.
5
Ciberespaço, nesse sentido, é a união de fontes de informação multimídias que são acessíveis
através das redes digitais por meio de tecnologias de cliente-servidor. Como um trabalho de
caracterização, nos referimos a todo o corpo da informação multimídia, como CyberMedia.
Atualmente a CyberMedia é composta por informações de áudio (por exemplo, Internet Talk Radio)
por exemplo, informações (vídeo, vídeos mpeg), programação av filmes), imagens 3D e animações
(por exemplo, os arquivos 3DRender), animações interativas algorítmicas via telnet, o texto
convencional + gráficos,e muito mais. O trabalho do laboratório está em andamento para trazer todo o
espectro de sentidos informação sob a rubrica CyberMedia [...].(BERGHEL; BERLEANT, 1994.,
Acesso em: 06 mai. 2010, tradução nossa)
6
O saber tomado enquanto objeto no presente trabalho não diz respeito a formas de conhecimento
ordinárias, dadas no dia-a-dia, ou no simples contato de um indivíduo com sua realidade. Esse
vocábulo é aqui circunscrito ao saber dito intelectual, acadêmico, associado às artes, à filosofia, à
literatura, e à cultura erudita de um modo geral (GUILHAMOU, 2004, Acesso em : 01 mai. 2010,
tradução nossa).
7
Não serão analisados textos virtuais de todo o sítio, apenas da seção chamada Institucional, na
subseção O que é: uma parte do site dedicada à apresentação de seu espaço virtual e da filosofia da
empresa CPFL Cultura.
8
[…] o gesto inaugural da análise do discurso envolve uma transmutação, no sentido que
imediatamente se destaca e que permanece na abordagem discursiva do material empírico produzido
no horizonte de um sujeito emancipado, uma ligação consubstancial entre materialidade da língua e a
discursividade do arquivo.
9
CPFL
ENERGIA.
História.
Disponível
em:
<http://www.cpfl.com.br/HistóriaCPFLEnergia/tabid/106/Default.aspx>. Acesso em: 01 mai. 2010
10
Ibidem. Disponível em: <http://www.cpfl.com.br/HistóriaCPFLEnergia/tabid/106/Default.aspx>
Acesso em: 02 mai. 2010
11
CPFL CULTURA. O que é. Institucional. Disponível em: <http://www.cpflcultura.com.br/site/o-quee/>. Acesso em: 02 mai. 2010
12
Ibidem.
13
Ibidem.
14
Ibidem.
15
A partir desse ponto utilizaremos o termo “FD” para designer as formações discursivas.
16
CPFL CULTURA. Loc. Cit. Disponível em: <http://www.cpflcultura.com.br/site/o-que-e/>. Acesso em:
02 mar. 2010.
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