AS TECNOLOGIAS SOCIAIS E MODOS JURÍDICOS PARA ESTABELECER
ORIGEM, AUTORIAS E USOS AUTORIZADOS
Contribuição à I Conferência Internacional de Tecnologia Social , Anhembi, SP,
17 – 20/11/2004
©
Eury Pereira Luna -filho1
Introdução
Apresentam-se as idéias pr eliminares que foram expostas originalmente durante a
Mesa Redonda 3, no dia 19 de novembro de 2004, sobre o tema “
Registro
(Patente Social e Propriedade Intelectual), difusão e transferência de TS “.
Conceito de Tecnologias Sociais
Tecnologias Sociais (TS) definem-se como em documentos da I Conferência
Internacional de Tecnologia Social: "o conjunto de técnicas e processos
associados a formas de organização coletiva e estratégias de desenvolvimento
capazes de produzir soluções tecnológicas que contribu am para a inclusão social
e melhoria da qualidade de vida".
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EURY PEREIRA LUNA FILHO, advogado; graduou -se pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, em 1976;
pós-graduado lato sensu em documentação científica (1978, IBICT/UFRJ); em Instituições Políticas e Econômicas das
Comunidades Européias (1979, Istituto di Studi Europei Alcide De Gasperi ); especialista em políticas públicas e gestão
governamental (1988, ENAP/FUNCEP); em direito tributário (1998, ICAT/AEUDF); em gestão ambiental e ordenamento
territorial (2001, CIORD/UnB); integra a Comissão de Comunicação e Informática do Instituto dos Advogados Brasileiros –
IAB, desde 2003;
e fez parte da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão de Relações In ternacionais, da OAB-
Seccional do Distrito Federal.
Integra a Procuradoria Federal no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, chefiando o
Serviço de Suporte à Propriedade Intelectual. Atua nas áreas de Propriedade Intelectua l (Patentes, Marcas, proteção ao
nome de domínio, registro de Software, contratos de transferência de tecnologia), direito do meio ambiente, contratos e
licitações públicas, direito tributário, e no contencioso. Possui experiência internacional em comerci alização de fármacos,
em proteção da propriedade intelectual, e em processo judicial contencioso. Possui artigos publicados nas áreas de sua
atuação profissional, na Revista da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Revista Forense, Revista de
Direito Público, Revista Jurídica Consulex, e no Boletim de Direito Administrativo.
Princípios jurídicos da proteção à Propriedade Intelectual
A propriedade intelectual desdobra-se em Propriedade Industrial e Direitos
autorais.
A primeira compreende a proteção às concepções utilitárias, práticas,
voltadas á solução de problemas de natureza técnica originados no fazer humano;
reconhece ainda a proteção de sinais distintivos de atividades econômicas, como
as marcas de comércio e de serviço e a proteção às denominações geográficas;
reprime a concorrência desleal, prevê proteção ao segredo industrial ou comercial,
aos contratos de franquia e aos de cessão e transferência de conhecimentos
tecnológicos.
Destaca-se o fato de o sistema de proteção à Propriedade Industrial ter um
histórico evolutivo secular e seus primórdios serem identificáveis já na Idade
Média e Renascimento, sendo um marco legislativo histórico o Estatuto Veneziano
de Patentes de 1474. Modernamente, a proteção das invenções industriais pelo
sistema patentário envolve, a priori, para cada objeto protegido, o atendimento
prévio aos pré-requisitos da novidade absoluta da técnica inventada, da sua
utilidade na solução de um problema técnico, da aplicabilidade industrial dessa
solução para sua reprodutibilidade e, fin almente, o da inventividade ou nãoobviedade, consistindo na demonstração de esforço criativo além da mera
combinação de elementos conhecidos e efeitos esperados. Os sistemas jurídicos
nacionais modernos adotam tais pré-requisitos como condição para obter o título
jurídico conferido conforme os preceitos legais e reconhecer proteção às
invenções industriais.
O sistema de proteção aos direitos autorais e conexos – de mais recente
sistematização, coetânea à Constituição Norte-americana, à Revolução Francesa
e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 - prescinde da
demonstração do preenchimento aos pré-requisitos acima indicados, próprios da
propriedade industrial, privilegiando então o reconhecimento do direito moral de
autoria e de nomeação do autor e a vinculação deste à sua obra; e restrito a
proteger as concepções de natureza artística, científica, estética, e a sua
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exploração econômica.
Obras utilitárias serão, por definição e princípio,
atribuídas à esfera dos direitos de propriedade industrial antes que elegê -las para
proteção sob a égide do direito autoral ou dos princípios de copyright.
Para assegurar a observância aos pré -requisitos da proteção patentária, as
Administrações
estatais
instituem
e
mantêm
estruturas
burocráticas
e
procedimentos administrativos formais para a atribuição de direitos sobre a
propriedade industrial quesão outorgados ao cabo de exame formal rigoroso e
complexo, sujeito sempre à revisão judicial posterior, se houver necessidade. Os
direitos autorais nascem pela própria manifestação exterior da obra, uma vez
reconhecida sua autoria.
Ambos os direitos de propriedade intelectual são
limitados no tempo, embora patentes tenham um prazo não superior, em geral, a
vinte anos2, enquanto os direitos patrimoniais de autor e direitos conexos são
assegurados desde a concepção e divulgação, e por mais um período de setenta
anos com início após a morte do autor.
Característica dos objetos discriminados e regulados pela legislação da
propriedade intelectual é constituíre m estes bens imateriais, incorpóreos ou
intangíveis, que não se confundem com a sua expressão deles materializada, ou
o suporte utilizado; e sua multiplicação ou reprodutibilidade não limitar, modificar
ou reduzir o direito do autor ou do seu titular. Es ta característica de imaterialidade
do bem ou do direito sobre este bem é uma implicação também do fato de que os
bens sobre os quais os direitos de propriedade intelectual são exercidos poderem
ser copiados ou poderem circular ou ser disseminados sem dimi nuição ou
restrição ao patrimônio original do autor ou do titular, embora a cópia ou a
circulação desautorizada ou irrestrita reduzam o valor comercial ou de troca do
bem ou o potencial de ganho com sua exploração, para o autor ou titular.
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A proteção a uma categoria de inventos, conferida pela patente de modelo de utilidade, dura quinze anos. E
registros de desenho industrial têm duração inicial de dez anos e admita a prorrogação por períodos
sucessivos de cinco anos, até o máximo de mais quinze anos acrescidos ao de duração inicial.
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Proteção à prop riedade industrial e a aplicação e disseminação das tecnologias
sociais
Por suas características, as denominadas tecnologias sociais, envolvem
necessariamente um conjunto indeterminado de potenciais usuários, coletiva e ou
comunitariamente considerados; e são ainda preferencialmente concebidas para
aproveitar recursos obtidos a baixo custo e de uso e aplicação simplificados, que
podem muitas vezes resultar mais de formas da organização do trabalho coletivo
ou de uso e acesso a recursos econômicos, da informação direcionada e focada
para compreensão de soluções conhecidas e tradicionais, e menos da aplicação
sistemática de novos conhecimentos e de desenvolvimentos complexos da
aplicação de conhecimentos de alto nível científico e tecnológico e da obtenção d e
soluções originais, a serem geridas de modo proprietário e de forma centralizada e
exclusiva.
No entanto, a gestão das TS, e com isso a otimização do seu uso,
a
disseminação ótima delas para ampliar os benefícios sociais decorrentes de mais
economia de energia, inclusive humana, aplicada à produção, do aproveitamento
de recursos naturais escassos (água, solo, sementes, espécies e cultivos
tradicionais), podem prescindir da sistemática legal da propriedade intelectual,
embora não possam prescindir de controles que assegurem o acesso coletivo às
mesmas, a disseminação e o uso por quem delas vá se beneficiar ao menos custo
possível, ou se frustará o potencial das TS de desenvolvimento sócio-econômico
coletivo.
A gestão e o desenvolvimento das aplicações de TS podem suscitar questões,
dificuldades e problemas que terão melhor ou pior solução institucionalizada e
legal, e nem mesmo prescindir de soluções legalmente mediadas.
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Melhorar a gestão, disseminação e desenvolvimento das TS
Melhorar a gestão a disseminação e o desenvolvimento na aplicação das TS pode
suscitar questões de aprimoramento do controle dos fins, métodos e
procedimentos para ampliar o acesso e a disseminação das TS.
TS não implicam necessariamente no uso exclusivo de tecnologias ou téc nicas de
baixa agregação de conhecimento tecnológico ou científico.
TS por definição
apenas não envolvem complexas indagações e pesquisas para responder a
complexas demandas produtivas. TS poderão envolver, ou não, direitos autorais,
direitos de propriedade industrial, o custeio de serviços e a alocação de recursos,
com reflexos sobre os dispêndios aí envolvidos e sobre a origem destes, portanto,
exigindo que se assegure tais investimentos não sejam desviados ou não ocorram
desvios de seu uso e destinaç ão ou apropriações indevidas ou indesejáveis.
Portanto, fórmulas jurídicas, gestão de direitos e de ativos também serão exigidos
para a boa disseminação e o desenvolvimento das aplicações de TS.
Um possível modo de combinar tais exigências e recursos j urídicos pode estar, em
primeiro lugar, na necessidade de sistematizar tanto a identificação e o
conhecimento prévios das TS existentes, das novas TS possíveis de gerar e
conceber, e das aplicações de umas e outras.
Um sistema organizado, centralizado ou não, necessariamente capaz de
estabelecer fluxos de comunicação e interação internos e externos, deverá ser
proposto e mantido. O sistema de registro de direitos autorais e de concessão de
títulos jurídicos às invenções é um sistema organizado de catalog ação e seleção
de conhecimento e informação potencialmente acessível aos interessados.
Um modo de identificação e de atração de insumos necessários ao sistema
proposto, mediante algum estímulo material, concreto e individual, deverá ser
concebido. A outorga de direitos exclusivos de exploração de obras intelectuais e
de soluções técnicas é, reconhecidamente, o mecanismo de estimulo econômico e
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individual que a prática social e humana desenvolveu. Um sistema de premiação
regular, constante, e amplamente publicizado trará resultados concretos.
E
porque representará uma premiação, quer atribuindo reconhecimento e prestígio,
associado ou não a compensações materiais, possibilitará ao ente que outorgue a
premiação estabelecer regras contratuais (opondo -se a regras estatutárias,
prefixadas, rígidas e gerais que resultam normalmente da lei) mais flexíveis, na
medida exata de seus objetivos e interesses. Possíveis, ainda, de adaptação e
revisão permanentemente.
A atribuição também de uma chancela pública – uma espécie de marca ou de
certificação de qualidade – aliada a um eficiente sistema de aplicação,
disseminação e disponibilização das TS reconhecidas completará a gestão
sistemática, institucionalizada das TS.
O estudo e o desenvolvimento do esboço de sistematização de um procedimento
institucional de gestão das TS possibilitará aperfeiçoar a proposta desse sistema
que estaria estruturada nos seguintes aspectos ou formatação: um núcleo gestor,
possivelmente descentralizado;
um estímulo material para atra ir e identificar
propostas de aplicação de TS;
um conjunto privado de regras próprias de
organização desse sistema de gestão, incluindo um procedimento público de
certificação ou qualificação de TS.
O controle possível de ser exercido sobre a disseminação e o uso dessas
tecnologias sociais passará assim pela determinação da origem ou procedência
certificada das mesmas, pelo reconhecimento de uma autoria individual,
compartilhada ou coletiva, e pela regulamentação autônoma de um procedimento
formal de a utorização para o uso consentido das TS certificadas.
Redigido e revisado em 22/11/2004, pelo autor .
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