I ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E BARRAGENS
08 a 10 de junho de 2005 – UFRJ – Rio de Janeiro (RJ)
Mesa Redonda: PROCESSOS DE DECISÃO, PLANEJAMENTO E
ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS – EXPERIÊNCIA BRASILEIRA.
PROCESSO DE DECISÃO, INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO.
POSSIBILIDADES E LIMITES DA LEGISLAÇÃO
Participantes: Célio Bermann (USP), João Akira Omoto (MPF), Maurício
Tolmasquim (EPE), Luiz Felipe Kuns (Ibama) e Joceli Andriolli (MAB)
Organização: IPPUR/UFRJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional / Universidade Federal do Rio de Janeiro - 2005
Inicialmente gostaria de ressaltar a que este é de fato momento bastante
oportuno para a realização de um encontro como este, que obtiva discutir o
problema da construção de barragens e seus impactos sobre o meio social.
O estabelecimento de um novo modelo para o setor elétrico (Leis No.
10.847/04 e 10.848/04, aliado à anunciada perspectiva de crescimento
econômico para os próximos anos, aponta para um cenário onde estão
previstas construções de inúmeras barragens, sendo oportuna uma avaliação
do contexto político, econômico e social, numa perspectiva histórica, assim
como uma avaliação crítica acerca desse novo modelo.
Se de um lado, a geração de energia é importante para o
desenvolvimento do país, de outro, é importante o estabelecimento de
mecanismos que garantam o adequado tratamento dos impactos ambientais e
sociais advindos da opção pela hidreletricidade.
Vemos que o licenciamento ambiental muitas vezes é usado para
legitimar a construção do empreendimento, já que há prevalência do
argumento político-econômico sobre o argumento técnico ambiental.
A monumentalidade dos empreendimentos hidrelétricos e de seus
impactos é de difícil apreensão, sendo que, ainda que dispuséssemos de
estudos socioambientais de boa qualidade, seria impossível prever os impactos
em seu totalidade, portanto, por maiores que sejam as compensações e
mitigações desses impactos, estas serão sempre insuficientes.
Esse é o cenário que se nos apresenta sendo que será necessário muito
trabalho para sua mudança.
Percebemos que a construção de usinas hidrelétricas, pela grandiosidade
de seus impactos, precisa ser mais discutida com a sociedade, nesse tipo de
empreendimento é fundamental a prevalência do princípio democrático, com a
garantia do acesso à informação.
O Minitério Público Federal, por meio de seu GT – Licenciamento
Ambiental de Grandes Empreendimentos, vinculado à 4a e 6a. CCR, tem
estudado a questão, tendo chegado a algumas conclusões que eu gostaria de
compartilhar com os senhores.
Estamos trabalhando há aproximadamente 03 (três) anos, tendo sido
realizadas mais de uma dúzia de reuniões, ocasiões em que estivemos com os
mais variados setores da administração pública federal: Ministério do Meio
Ambiente (MMA), Ministério de Minas e Energia (MME), Instutito Brasileiro
de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Nacional do Índio
(Funai), Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
Ministério do Planejamento, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),
Agência Nacional de Águas (ANA), entre outros.
Pudemos perceber que na construção de novos empreendimentos
hidrelétricos há prevalência do argumento econômico, sempre na justificativa
da necessidade de crescimento, na maior parte das vezes pouco sustentável,
cujos benefícios quase nunca alcançam as populações impactadas.
Apenas a título de exemplo, para os senhores terem uma idéia, um dos
maiores problemas dos grupos indígenas impactados pelo setor elétrico é
exatamente o pagamento das contas da energia elétrica por eles consumida.
O estado brasileiro chegou ao absurdo de utilizar recursos naturais em
territórios indígenas para fins de geração de energia elétrica sem prever a
possibilidade de acesso a esse bem por parte dos grupos impactados.
Mas, por óbvio, não apenas populações indígenas são impactadas.
As pessoas que mais sofrem os impactos da construção de barragens
são os pobres, pessoas de baixa renda, populações de quilombolas, pequenos
proprietários rurais, populações ribeirinhas, pescadores, etc.
Pessoas que têm pouca visibilidade na sociedade, pois vivem à sua
margem, e que ganham alguma visibilidade quando impactadas por um grande
empreendimento, pois se tornam um problema: suas diferenças e dificuldades
ficam evidentes no curso do processo do licenciamento ambiental, que
obviamente não dispõe de instrumentos para lidar com a elas.
Para entendermos a problemática do licenciamento ambiental e dos
impactos sociais decorrentes das barragens precisamos fazer uma pequena
digressão histórica.
O Direito Ambiental é disciplina recente, tendo como marco histórico a
conferência de meio ambiente das Nações Unidas, realizada em Estocolmo no
ano de 1972, a partir de quando começam a ser estabelecidas as estruturas
visando a formação de um sistema para a proteção ambiental.
Como reflexo de uma onda verde que passa a percorrer o mundo, em
1981 é editada a Lei No. 6.938, que estabelece a chamada Política Nacional do
Meio Ambiente, instituindo a avaliação de impactos ambientais e o
licenciamento ambiental, assim introduzindo no Brasil estes dois
instrumentos, que são de origem norte americana, e que foram desenvolvidos
no final da década de 60, com o objetivo precípio de controle de poluição e
degradação ambiental, a partir de uma visão preservacionista.
Naquela época, final da década de 60, sequer se falava em
desenvolvimento sustentável, cujo conceito só passa a ser conhecido em 1987,
quase 20 anos depois.
Parelalemente a isso, constrói-se o socioambientalismo no Brasil, que
reconhece que o meio ambiente não está separado do homem e de seus modos
de vida, mas com este interage.
A Constituição Federal de 1988 vem consagrar o conceito e princípios
socioambientais, estabelecendo dispositivos protetivos do meio ambiente e do
patrimônio cultural brasileiro, material e imaterial, entre eles as formas de
expressão, os modos de criar, fazer e viver; os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, arqueológico, ecológico e etc; e mais adiante, já
tendo antecipado a importância do meio ambiente social, reconhece a
constituição, expressamente, o modo de vida peculiar das sociedades
indígenas e das sociedades de quilombos, outorgando-lhes o direito de
viverem e se reproduzirem segundo seus usos costumes e tradições, em
território próprio.
Se os senhores me acompanharam, bem perceberam o que aconteceu no
Brasil: copiamos um modelo de licenciamento ambiental que não considera a
realidade de direitos socioambientais brasileira.
E não considera por que?
Porque de fato não dispõe de instrumentos para fazer face a ela. Assim,
licenciamos e autorizamos a construção de empreendimentos da magnitude de
usinas hidrelétricas no Brasil, com base em instrumentos – a AIA e o
Licenciamento Ambiental – que não estão aptos a considerar a realidade
socioambiental brasileira, por que desenvolvidos sob contexto histórico e
político totalmente estranhos a ela.
O que é mais grave é que sequer têm sido feitos esforços para adaptar
tais instrumentos à realidade nacional.
Se de um lado muitas questões que surgem no âmbito do licenciamento
ambiental são decorrentes da ausência do estado no atendimento às
necessidades básicas das populações impactadas, de outro, existe uma sorte de
variáveis socioambientais e culturais das quais ele passa ao largo.
O licenciamento de grandes empreendimentos é conduzido do ponto de
vista quase que exclusivamente preservacionista, mal dando conta de atender a
esta finalidade, pouco considerando os impactos sociais decorrentes do
empreendimento.
Os estudos ambientais são de qualidade bastante duvidosa, não dando
conta sequer de levantar adequadamente os impactos sobre meio bio-físico,
veja-se por exemplo o caso da UHE de Barra Grande/SC, cujos estudos
omitiram a existência de uma grande área de floresta de araucárias.
Falta pessoal especializado a fazer as corretas avaliações dos impactos
desses empreendimentos sobre populações humanas. Para se ter uma idéia do
que estou falando, tome-se como exemplo o concurso do Ibama para a
contratação de analistas ambientais, em andamento: nele exige-se do
candidato apenas noções de antropologia cultural e noções de sociologia geral
e brasileira, conhecimentos insuficientes para atender às complexidades que as
avaliações de impactos sociais exigem.
Pudemos constatar, ainda, que apesar da reconhecida plurietnicidade da
sociedade brasileira, pouco ou nenhum valor é dado à participação de
instituições como Funai e Fundação Cultural Palmares, órgãos normalmente
alijados dos processos de decisão.
Isso tem resultado em estudos ambientais que na quase totalidade das
vezes desconsideram impactos sobre populações indígenas, quilombolas ou
outras populações tradicionais, isso sem falar em outras populações humanas.
As avaliações de impactos sobre meio antrópico são praticamente
inexistentes, e quando realizadas estão longe de alcançar a complexidade de
interações possíveis entre o homem e o meio ambiente, presentes numa
sociedade plural e heterogênea como a brasileira.
Objetivando corrigir falhas como estas o Ministério Público Federal está
propondo ao órgão licenciador, Ibama, que os termos de referência,
documento que orienta os estudos de impactos ambientais, sejam submetidos
previamente aos diversos órgãos federais e estaduais aptos a opinarem sobre
os possíveis impactos decorrentes do emprendimento.
Mais ! Entendemos que isso não basta !
Acreditamos que é necessária a participação da sociedade ainda nesta
fase embrionária do processo, antes de serem iniciados os estudos.
Faz-se necessário, portanto, que antes de serem aprovados os termos de
referência, os mesmos sejam submetidos a audiências públicas, assim, grupos
sociais que não tem representação ou visibilidade teriam condições de
manifestar-se ainda no início do processo de decisão, evitando ou ao menos
diminuindo a realização de estudos com graves omissões de impactos
sócioambientais.
Antes da definição das áreas de influência direta e indireta do
empreendimento contaríamos com a contribuição de outros atores sociais, e
dessa forma teríamos melhores chances de obtermos resultados mais
satisfatórios nos estudos de impactos ambientais.
Ainda, precisaríamos garantir a participação de órgãos como a Funai,
Fundação Palmares e Iphan em todas as fases do processo de licenciamento
ambiental, abrindo espaço para suas avaliações e pareceres, que devem sim,
vincular a concessão das licenças ambientais.
Vemos ainda, a necessidade de qualificação das audiências públicas, no
mais das vezes realizadas como mero exercício de formalidade processual,
servindo exclusivamente para legitimar decisões já anteriormente deliberadas.
Se o objetivo das audiências públicas é informar a sociedade e colher
dela suas contribuições para o enriquecimento do processo, é inadmissível que
elas sejam realizadas quando os estudos ambientais são flagrantemente
omissos quanto a impactos já conhecidos; quando houve inadequada definição
da área de influência do empreendimento; quando não foram considerados
impactos sobre populações tradicionais; quando o RIMA não corresponde às
conclusões a que chegou o EIA ou é escrito em linguagem pouco acessível ao
público em geral.
Feitas essas considerações quanto aos estudos ambientais, o
licenciamento ambiental e a pouco importância dada aos impactos sociais,
passo a algumas rápidas considerações quanto ao novo modelo do setor
elétrico e quanto aos estudos de bacia hidrográfica e a avaliação ambiental
estratégica.
E fato que o Brasil planeja pouco e planeja mal, e quando planeja o faz
sem inserir a variável ambiental.
A chamada transversalidade, segundo a qual a variável ambiental deve
ser considerada em todas as ações governamentais, ainda é obra de ficção.
Temos de reconhecer, todavia, que um dos poucos setores preocupados
com o planejamento de suas ações é exatamente o setor elétrico, sendo certo
que o faz muito por conta das pressões econômicas e sociais que sofre.
Também, é certo que nos últimos anos esse setor vem sofrendo com a
falta de planejamento, tendo por isso editado esse novo modelo que traz
importantes mudanças.
A maior delas é o resgate para o governo do planejamento do setor, pois
pelo antigo modelo a iniciativa privada é que determinava quais suas
prioridades de investimento, já que havia certa liberdade na escolha dos
empreendimentos a serem implantados, ficando nas mãos do setor privado
todo o processo, antes e depois da obtenção da licença prévia ambiental.
Com o novo modelo e a criação da Empresa de Pesquisa Enérgita
(EPE), o governo retoma para si o controle do setor, determina quais são os
empreendimentos a serem implantados, realiza os estudos ambientais e obtém
a licença prévia, somente indo a leilão o empreendimento já licenciado.
Se de um lado experimentamos avanços, visto que o novo modelo traz
aspectos, a primeira vista positivos, de outro, a transição entre os dois modelos
tem nos causado uma certa apreensão.
A EPE ainda não dispõe de técnicos para a realização dos estudos
ambientais, tendo se socorrido na contratação de empresas de consultoria,
possivelmente aquelas mesmas que desenvolviam os estudos para o
empreendedor privado, estudos estes reconhecidamente de baixa qualidade,
isso quando não fraudulentos.
Tememos, ainda, que haja perda de qualidade no processo de
licenciamento ambiental, que se pretende tornar mais célere, com a definição
de prazos cada vez mais reduzidos, veja, por exemplo, a IN no. 65, editada
recentemente pelo Ibama, que trata exclusivamente do licenciamento
ambiental para o setor elétrico.
Ou seja, as deficiências dos estudos ambientais e do licenciamento
podem ter apenas mudado de mãos, passado do setor privado para o público.
Quanto ao estudo de bacias hidrográficas, estamos tendo alguns
avanços, juntamente com o Novo Modelo passou-se a reconhecer a
necessidade de realização de estudos de bacia para a implantação de
aproveitamentos hidrelétricos, uma antiga reivindicação.
Ironicamente, as omissões dos estudos ambientais da UHE de Barra
Grande favoreceram a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) que determinou a realização de estudo da Bacia do Rio Uruguai ou
Pelotas, ainda que tardiamente.
Outras experiências vêm sendo realizadas, como os estudos do trecho
Sudoeste da Bacia do Rio Araguaia, no Estado de Goiás.
Neste contexto precisamos
entendemos de máxima importância.
fazer
algumas
considerações,
que
Os estudos realizados no âmbito de uma bacia hidrográfica são
fundamental instrumento da política nacional do meio ambiente, instrumento
de planejamento e gestão a subsidiar a tomada de decisão dos órgãos do poder
executivo encarregados de planejar o setor.
Deve produzir uma fotografia panorâmica do contexto socioambiental
em que está inserida a obra, buscando avaliar os múltiplos usos da água e a
suportabilidade socioambiental do ecossistema, de modo a subsidiar a decisão
a ser tomada.
Ressaltamos, contudo, que o estudo de bacia não dispensa a realização
do EIA/RIMA, sendo certo que uma vez tomada a decisão de implantar um
empreendimento hidrelétrico em determinada bacia hidrográfica, os estudos
de impactos ambientais não exigirão apenas uma mera fotografia panorâmica
daquele contexto, mas sim o detalhamento das interferências do
empreendimento sobre o meio socioambiental, não bastando mais aquela visão
superficial que se exige na fase de planejamento.
Lembramos, ainda, que nos termos da Resolução Conama No. 01/86, os
estudos ambientais sempre considerarão como área de influência do
empreendimento, a bacia hidrográfica. Uma coisa é o estudo de bacia do ponto
de vista do planejamento estratégico setorial, outra coisa é o estudo de bacia
como área de influência do empreendimento, são duas coisas distintas e temos
que estar atentos a essa diferença, uma na fase de planejamento outra na fase
de projeto.
A atenção a estas questões levantadas, no meu ponto de vista, é
fundamental para a qualificação de todo o processo.
A construção de barragens implica em avaliações bastante complexas,
tanto do ponto de vista econômico e ambiental, quanto no aspecto social, já
que interdependentes, exigindo seriedade no seu tratamento.
É necessário acompanhar atentamente a transição para o Novo Modelo
do setor elétrico, instalação da EPE, redifinição dos prazos do Licenciamento
Ambiental, sistematização dos estudos de bacias hidrográficas, de modo a
evitar que erros do passado sejam repetidos.
Temos hoje no brasil um excelente aparato legislativo a respaldar as
populações atingidas por barragens, todavia, isso não basta.
A simples edição de leis que garantam direitos ambientais e sociais, não
é suficiente, é necessária uma reformulação do pensamento das instituições
encarregadas de aplicá-las, para que esses direitos se tornem realidade.
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1º I Encontro de Ciências Sociais e Barragens