Ana Paula Berberian Vieira da Silva
Psicogênese da Linguagem
Oral e Escrita
2.ª edição
Edição revisada
IESDE BRASIL S/A
Curitiba
2013
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direitos autorais.
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S578p
2. ed.
Silva, Ana Paula Berberian Vieira da
Psicogênese da linguagem oral e escrita / Ana Paula Berberian Vieira da Silva ; organização IESDE BRASIL S/A. - 2. ed. rev. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL, 2013.
106 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3659-2
1. Alfabetização. 2. Linguagem e línguas - Estudo e ensino. 3. Escrita. 4. Leitura. I.
Iesde Brasil. II. Título.
13-00378
CDD: 372.4
CDU: 373.3.046-021.64
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19/04/2013 19/04/2013
Capa: IESDE BRASIL S/A
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Sumário
Apresentação . ..........................................................................................................................5
Concepções de linguagem .......................................................................................................7
Questão norteadora: o que é a linguagem?...................................................................................................7
Linguagem, cultura e poder (parte 1) . ...................................................................................13
Questão norteadora: de que forma dimensões culturais e políticas constituem a linguagem?...................13
Linguagem, cultura e poder (parte 2) . ...................................................................................19
Questão norteadora: de que forma dimensões culturais e políticas constituem a linguagem?...................19
A linguagem não é neutra nem seus sentidos transparentes.......................................................................20
Teorias de aquisição da linguagem (parte 1) .........................................................................23
Questão norteadora: como se adquire a linguagem?..................................................................................23
Comportamentalismo..................................................................................................................................23
Inatismo......................................................................................................................................................25
Teorias de aquisição da linguagem (parte 2) .........................................................................29
Questão norteadora: como se adquire a linguagem?..................................................................................29
Cognitivismo...............................................................................................................................................29
Interacionismo............................................................................................................................................30
Aquisição da linguagem oral..................................................................................................35
Questão norteadora: como a criança adquire a linguagem oral?................................................................35
Aquisição da linguagem escrita (parte 1)................................................................................39
Questão norteadora: como as experiências de leitura e escrita vivenciadas pelo adulto e pela criança
(grau de letramento) interferem no processo de aquisição da linguagem escrita por parte da criança?.....39
Aquisição da linguagem escrita (parte 2)................................................................................45
Questão norteadora: como a criança se constitui autora de suas produções de leitura escrita?.................45
Aquisição da linguagem escrita (parte 3)................................................................................49
Questão norteadora: quais são as relações estabelecidas entre a oralidade e a escrita e como essas
relações interferem no processo de aquisição da leitura e escrita?.............................................................49
Aquisição da linguagem escrita (parte 4)................................................................................53
Questão norteadora:
como é possível apreender as singularidades presentes nos processos de aquisição da escrita?...............53
O normal e o patológico na linguagem...................................................................................57
Questão norteadora:
como definir o que é normal e o que é patológico quando tratamos de linguagem oral e escrita?............57
Problemas relativos à aquisição da linguagem oral (parte 1).................................................63
Questão norteadora: como lidar com as regularidades e particularidades que caracterizam crianças que
encontram dificuldades no desenvolvimento das linguagens oral e escrita?..............................................63
Questão norteadora: no que consiste o quadro denominado retardo de aquisição da linguagem?.............64
Problemas relativos à aquisição da linguagem oral (parte 2).................................................69
Questão norteadora: no que consiste o quadro denominado distúrbio fonológico?...................................69
Problemas relativos à aquisição da linguagem oral (parte 3).................................................73
Questão norteadora: no que consiste o quadro denominado gagueira?......................................................73
Problemas relativos à aquisição da escrita (parte 1)...............................................................77
Questão norteadora:
como são constituídos os problemas de escrita que incidem sobre seus aspectos formais?.......................77
Problemas relativos à aquisição da escrita (parte 2)...............................................................83
Questão norteadora:
por que grande parte da população brasileira tem uma relação negativa com a leitura e escrita?.............83
Como contribuir para que a leitura e a escrita façam parte da vida das pessoas?......................................85
Problemas relativos à aquisição da escrita (parte 3)...............................................................87
Questão norteadora: como são constituídos
os problemas de escrita e leitura que incidem sobre seus aspectos semânticos e estruturais?...................87
Como lidar com as dificuldades de interpretação na leitura apresentadas pelas crianças?........................89
Problemas relativos à aquisição da escrita (parte 4)...............................................................91
Questão norteadora: como são constituídos os
problemas de escrita que incidem sobre seus aspectos semânticos e estruturais?......................................91
Como lidar com as dificuldades de elaboração textual apresentadas pelas crianças?................................92
Linguagem e fracasso escolar.................................................................................................95
Questão norteadora:
de que forma questões relativas ao domínio da linguagem interferem no fracasso escolar?.....................95
Linguagem: fracasso ou sucesso escolar.................................................................................99
Questão norteadora: de que forma podemos
atuar para que todos tenham acesso e domínio das linguagens oral e escrita?...........................................99
Referências............................................................................................................................103
Apresentação
O
material aqui presente tem por objetivo servir como apoio didático para as videoaulas da
disciplina Psicogênese da Linguagem Oral e Escrita, do curso de Especialização em Psicopedagogia. A presente disciplina tem por objetivo aprofundar conhecimentos acerca
de aspectos relacionados à aquisição da linguagem oral e escrita, bem como de possíveis problemas
que possam ocorrer ao longo desses processos. Para tanto, organizamos nossas aulas a partir das
seguintes temáticas:
as principais concepções de linguagem;
modelos teóricos que explicam os processos de aquisição de linguagem oral e escrita;
possíveis problemas que ocorrem na aquisição da linguagem oral e escrita;
as relações entre linguagem e fracasso escolar.
Visando o direcionamento de nossas discussões em torno dessas temáticas, elaboramos para
cada aula questões norteadoras. Além de tais questões e dos conteúdos teóricos, tal material prevê
atividades e dicas de leitura que deverão ser desenvolvidas pelos alunos para maior aprofundamento de seus conhecimentos.
Esperamos que este material contribua para o entendimento dos processos de aquisição da linguagem oral e escrita e, portanto, subsidie propostas e práticas que resultem, efetivamente, no domínio de tais modalidades de linguagem por parte daqueles a quem dirigimos nosso trabalho.
Bom curso!
Concepções
de linguagem
Ana Paula Berberian Vieira da Silva*
Questão norteadora: o que é a linguagem?
C
onforme as pessoas crescem, elas passam, de maneira geral, a falar
e a escrever sem se indagarem acerca do que a linguagem significa.
Se uma reflexão mais sistemática em torno dessa questão não é pré-requisito para que as pessoas adquiram a fala e a escrita, tal indagação é imprescindível para quem atua, direta ou indiretamente, com o processo de ensino
e aprendizagem dessas modalidades de linguagem.
Por que fazemos tal afirmação?
Primeiro, porque barreiras e limitações se colocam para o profissional que
pretende ensinar algo que não reflete o que representa.
Segundo, porque partimos do pressuposto de que a aquisição da linguagem
e do conhecimento são processos que caminham paralelamente.
Terceiro, porque os diferentes métodos de ensino e de reabilitação pressupõem diferentes modos de conceber o sujeito, a linguagem e a aprendizagem.
Assim, a possibilidade de fazermos escolhas de forma consciente e crítica implica a identificação de tais diferenças e o reconhecimento de suas posições.
Para aqueles que ainda não refletiram sobre em que consiste a linguagem,
como as pessoas a adquirem, qual o seu papel em nossa sociedade e para aqueles
que já iniciaram essas reflexões mas necessitam aprofundá-las, fazemos um convite para participarem ativamente desse curso.
É fundamental fazer algumas considerações relativas aos termos que serão
utilizados em nossas aulas. Ao utilizarmos a palavra linguagem estaremos nos
referindo às suas diversas modalidades, ou seja, à linguagem falada, à escrita, à
corporal. Para especificarmos uma ou outra forma de sua realização, adotaremos
termos como linguagem oral, fala, oralidade ou, ainda, linguagem escrita, leitura
e escrita.
Agora vamos verificar como as suas posições se situam em relação aos estudos que vêm sendo elaborados, especialmente nos campos do conhecimento que
têm como objeto de análise e intervenção a linguagem oral e escrita, ou seja, a linguística, a educação e a fonoaudiologia. Podemos perceber que, de maneira geral,
tais estudos se opõem ou se aproximam, conforme as posições que assumem em
relação à concepção de linguagem. Nesse sentido, identificamos três perspectivas
predominantes:
*Pós-doutora pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em
História pela Pontifícia
Universidade
Católica
de São Paulo (PUC-SP).
Mestre em Distúrbios da
Comunicação pela PUC-SP. Especialista em Linguagem pelo Conselho
regional de Fonoaudiologia (CRFA). Graduada
em Fonoaudiologia pela
PUC-SP.
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Concepções de linguagem
Abordagens acerca da Linguagem
Linguagem = comunicação
Linguagem = representação
Linguagem = prática social
Linguagem = comunicação
Conceber a linguagem como comunicação significa estar de acordo com o
pressuposto de que ela existe para que as pessoas possam transmitir ao(s) outro(s)
sentimentos, pensamentos e conhecimentos, ou seja, de que ela é um instrumento
de comunicação. Com base nessa perspectiva instrumental, a linguagem é tratada
como um sistema de código.
Conceber a linguagem como comunicação significa, também, acreditar que
ela se processa a partir do seguinte mecanismo:
Emissor
Mensagem
Receptor
Código
Como podemos notar a partir dessa abordagem, a efetivação da linguagem
pressupõe que exista um sujeito-emissor, uma mensagem a ser transmitida, um
instrumento-código capaz de transmitir a mensagem e, por fim, um sujeito-receptor para recebê-la. Dessa maneira, a linguagem, como algo externo aos sujeitos, é
considerada como um código estável, imutável e fixo que deve ser aprendido para
que a comunicação se efetive. Enfim, a linguagem é abordada como um produto
acabado que se transmite de geração a geração.
Linguagem = representação
Pensar a linguagem como representação significa acreditar que ela tem a
função de representar, de dar forma a conceitos e significados que têm uma existência prévia no pensamento dos indivíduos. Nessa direção, as linguagens oral e
escrita são veículos de conteúdos e significados que se encontram num nível mais
primário e interno dos sujeitos.
Cabe ressaltar que a noção de representação, central em diferentes campos
de conhecimento como da Psicologia e da Educação, não está restrita apenas à linguagem, mas a qualquer atividade mental. A capacidade de representação é aqui
concebida como inerente ao ser humano e como um fenômeno psíquico, ligado à
consciência e que ocorre intencionalmente. Ligado à consciência porque consiste
num processo cognitivo que teria o sujeito em sua origem. Intencional, porque as
representações, em razão de sua origem, seriam passíveis de compreensão, uma
vez que geradas por motivações explicáveis.
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As premissas que orientam a noção da linguagem enquanto representação,
foram descritas com clareza por Mota (1995, p. 82):
Concepções de linguagem
o sujeito (da Psicologia) está na origem de suas representações, que resultam dos procedimentos de percepção e generalização mediante os quais esse sujeito chega a conhecer as
coisas do mundo; assim, o papel do outro é descartado ou relativizado nesse processo;
as representações são fonte de verdade, pois parte-se da possibilidade de sua adequação
à coisa representada;
os processos cognitivos têm uma existência prévia e são determinantes das interferências da linguagem na construção de representações;
a linguagem oral e escrita são veículos de representações e, assim como as outras coisas
do mundo, também podem ser objetivadas e representadas.
Assim, a partir da linguagem, os indivíduos representam ideias ou significados supostamente presentes no seu entendimento. Tais representações são constituídas por imagens, símbolos, que evocam o que deve ser representado, sem que
sejam transformados pelos sujeitos.
Apresentadas as principais ideias que norteiam as concepções de linguagem
como comunicação e como representação, propomos uma reflexão acerca de algumas questões:
1. Será que falamos e escrevemos apenas para nos comunicar?
2. Se a função da linguagem é representar ou comunicar pensamentos, conhecimentos, informações, como esses aspectos são constituídos?
3. A linguagem serve para comunicar verdades ou mentiras ou para provocar efeitos e transformações em nós mesmos, nos outros e na realidade?
Para enfrentar e buscar respostas a essas questões, propomos um desafio
teórico. Esse desafio foi, inicialmente, proposto por Claudia Lemos (linguista brasileira, cujas posições teóricas têm sido tomadas como referência em âmbito nacional e internacional) e assumido por nós.
O desafio é tomar como objeto de estudo a linguagem enquanto atividade do
sujeito, e enfrentar assim a indeterminação, a mudança e a heterogeneidade desse
objeto que se refaz a cada instância de seu uso (LEMOS, 1992, p. 14).
Linguagem = prática social
Certamente a linguagem é utilizada como instrumento de comunicação, por ela comunicamos aos outros nossas experiências e estabelecemos com os outros laços “contratuais”
porque interagimos e nos compreendemos, influenciamos os outros com nossas opções
relativas ao modo peculiar de ver e sentir o mundo, com decisões consequentes sobre o
modo de atuar nele. Mas se queremos imaginar esse comportamento como uma ação livre
e ativa e criadora, suscetível de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenções e as
heranças, processo em crise de quem é agente e não mero receptáculo da cultura, temos
então que aprendê-la nessa relação instável de interioridade e exterioridade, de diálogo e
solilóquio: antes de ser para a comunicação a linguagem é para a elaboração; antes de ser
mensagem, a linguagem é construção do pensamento; e antes de ser veículo de sentimentos, ideias, emoções, aspirações, a linguagem é um processo criador em que organizamos
e informamos as nossas experiências. (FRANCHI, 1992, p. 9-39)
Estudos que concebem a linguagem enquanto prática social oferecem elementos para compreender que, apesar de a comunicação e representação constituírem-se como funções da linguagem, elas não definem a sua natureza. Em outras
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Concepções de linguagem
palavras, podemos representar ou comunicar a partir da linguagem, contudo, a
linguagem implica um fenômeno que extrapola tais funções. Concebe-se, portanto, a linguagem como uma atividade constitutiva dos sujeitos, das relações sociais
e das formas de organização da sociedade.
Assim, contrariando as visões instrumentais ou de representação, entendese que a linguagem não está subordinada ao pensamento, tampouco decorre deste,
uma vez que tem função estruturante e organizadora. A partir dessa perspectiva,
nega-se o papel central atribuído à percepção e à cognição que, dadas como uma
herança genética, comandariam a apreensão do objeto situado fora: a linguagem
em suas modalidades oral e escrita. Entende-se, ainda, que não há possibilidade
de aquisição de conteúdos cognitivos ou domínios do pensamento fora da linguagem, nem possibilidades integrais de linguagem fora de processos interativos
humanos.
Como um dos teóricos que considera que a linguagem deve ser abordada
como constitutiva dos processos de significação e dos sujeitos, podemos destacar
Bakthin. Ao conceber o homem como ser da linguagem, entende que a consciência e o pensamento têm como possibilidades as diferentes modalidades de linguagem, e que estas não se estabelecem fora dos signos sociais, mediadores das
inúmeras e complexas interações sociais.
Conforme Bakthin (1986, p. 113),
[...] a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre
mim numa extremidade, na outra se apoia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor, que constitui e organiza a atividade mental do
sujeito, enfim, que a nomeia e determina sua orientação.
Ao atribuir um papel de destaque à linguagem na formação da consciência
e da personalidade, ao abordar a cognição e a psique como constituídas a partir
de processos dialógicos e de significação, sujeitas às contingências próprias das
relações intersubjetivas e sociais, Vygotsky (1989a) também oferece explicações
acerca das funções organizadora e reguladora da linguagem.
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Elabore uma síntese dos temas abordados na aula. Sugerimos que descreva as principais noções
e aspectos que caracterizam as concepções de linguagem como comunicação, como representação e como prática social.
Concepções de linguagem
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Concepções de linguagem
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