CONTEXTUALIZANDO O SERVIÇO SOCIAL PARA UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL Cleonilda S. T. Dallago Resumo: Adjacente às mudanças societárias das últimas décadas, também ocorreu mudanças significativas nos valores dos Códigos de Ética do Serviço Social, a qual interferiu diretamente na direção social da profissão. Estas mudanças expressam esforços ao Serviço Social, na busca de fundamentação teórico-metodológica, éticopolítico e técnico-operativo que dê novas estratégias de ação, as quais muitas vezes eram desenvolvidas de forma a-crítica. Nesta trajetória histórica, pode-se perceber a evolução e a importância atribuída à dimensão ética-política, pois a reflexão ética dada à profissão demanda a explicitação de seus elementos básicos constitutivos, sua base filosófica, teórica-metodológica e os seus princípios e valores ético-político subjacentes de um projeto profissional que vem sendo discutido e definido historicamente. Esta condição possibilita à categoria, um posicionamento crítico para desmistificar e romper com o cerne conservador presente no interior do Serviço Social, mas para tal é preciso que se adquira uma base teórico-metodológica consistente, para que o profissional assistente social possa posicionar-se criticamente no enfrentamento cotidiano das tensões geradas na contradição capital/trabalho, desvelando, analisando e propondo ações que respondam pelos valores expressos no projeto ético-político profissional. Palavras-chave: direção social; valores éticos profissionais; projeto ético-político profissional. 1. INTRODUÇÃO O limiar do século XXI nos obriga a pensar as concepções e os rumos do desenvolvimento econômico e social em âmbito mundial e nacional. É uma exigência e ao mesmo tempo um desafio analisar as condições sócio-econômicas que sucederam os últimos anos, principalmente por se tratar de uma década que acarretou transformações categóricas na área social, econômica e política, refletindo diretamente no projeto profissional do Serviço Social. Portanto, compreender a construção do projeto ético-político do Serviço Social na atualidade significa compreender as mudanças que vieram ocorrendo na intervenção profissional do assistente social, como também, a crise capitalista, suas manifestações e mudanças, não apenas na esfera da economia e da política, mas a sua repercussão no campo do conhecimento, das idéias e dos valores, uma vez que, há um imperialismo cultural articulado através dos meios de comunicação e da publicidade, onde apontam para o consumismo e para o individualismo. Assiste-se na atualidade, uma mescla fortíssima entre globalização e neoliberalização da economia, porém não devemos entende-las como palavras da moda, mas como um processo de acirramento da competitividade e exclusão, próprias do capitalismo. A globalização - livre comércio entre os paises - e o neoliberalismo, de uma forma ou de outra atinge a cada um de nós, seja o profissional intelectual ou braçal, visto que, a competição torna-se exigência de mercado e conseqüentemente traz consigo a desvalorização do trabalhador com uma exacerbada exploração de sua força de trabalho. Diante de todos os acontecimentos e alterações geradas por esta lógica neoliberal, acredita-se que é de extrema gravidade a que gira em torno da desqualificação do Estado no que tange a área social, na medida em que esta ideologia quer criar um Estado com funções mínimas em relação ao social e máximas para o capital. Assim, vivenciamos a priorização das metas de privatizações; a liberalização da economia; o desaparecimento dos programas sociais em conjunto com o desaparecimento de campos de trabalhos com vínculos formais. Logo, se tem a organização de novos padrões de produção, os quais fazem crescer o abismo social, a exclusão social, econômica, política e cultural da classe que vive do trabalho. Notavelmente, inserido neste contexto de transformações, encontra-se o exercício profissional do assistente social, pois além de fazer parte da força de trabalho assalariado precisa redefinir seu perfil profissional às novas exigências societárias, uma vez que, atua no bojo da contradição entre capital e trabalho, logo se encontra na tensão entre o processo de produção da desigualdade, da rebeldia e da resistência. Entende-se assim, que na medida em que avança o desenvolvimento capitalista, modificam-se as formas de exploração da força de trabalho e conseqüentemente as formas de agir do Serviço Social frente às expressões da “questão social”. Portanto, são nestas condições sociais, políticas e econômicas que as dimensões do projeto ético-político do Serviço Social vão se construindo, visto que, um projeto profissional é a expressão de pátio de lutas, não é dado a priori, de uma intencionalidade abstrata, desvinculado da realidade concreta. Ao contrario, este projeto deve ser gestado no interior dessa realidade, ele se constrói e se consolida na trajetória histórica de uma determinada profissão. Segundo Iamamoto (2001, p.141), “a consolidação do projeto ético-político profissional que vem sendo construído requer remar na contracorrente, andar no contravento, alinhando forças que impulsionem mudanças na rota dos ventos e das marés na vida em sociedade”. Dando seqüência a concepção desta autora, acredita-se que,: os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços. (NETTO, 1999, p.95) Portanto, compreender as mudanças que vieram ocorrendo nas relações sociais e na profissão, no seu significado social remete a compreensão de que nas últimas décadas o Serviço Social vem passando por um processo de renovação, nesta luta por uma intervenção profissional que rompa de vez com o conservadorismo profissional, e consiga realmente passar uma imagem socialmente de comprometimento com a classe trabalhadora. Pode-se dizer que o projeto ético-político que o Código de Ética do Serviço Social de 1993 assinala (liberdade e justiça social), é limitado pela estruturação da sociedade capitalista que se direciona aos interesses de um projeto societário individualista e excludente. Limites estes evidentes na trajetória do capitalismo e no avanço do neoliberalismo na década de 1990. As transformações societárias trazem alterações no mundo do trabalho, nas instituições, no Estado, nas profissões; o conseqüente acirramento da exclusão social acarretando no desemprego, na concentração de renda na exploração da força de trabalho, reflete na profissão, nas condições de vida, e na prática do profissional assistente social, voltada ao enfrentamento das seqüelas da “questão social”. De fato, devido à inserção do Serviço Social na divisão técnica e social do trabalho, a ação profissional se depara com diversos limites e contradições. No entanto isso ocorre em qualquer espaço institucional e requer um profissional comprometido com o projeto ético-político da profissão, que tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central - liberdade concedida historicamente, como possibilidade de escolhas entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. (NETTO, 1999, p.104). Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo pesquisar os caminhos percorridos por alguns profissionais na luta para mudar a direção social da profissão e construir um novo caminhar, uma intervenção profissional com respaldo em um projeto ético-político profissional que esteja em sintonia com a classe trabalhadora. Metodologicamente, foi realizada a pesquisa bibliográfica, entendendo que esta “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” (GIL, 1994, p. 72). Assim, foi necessárias a exploração das fontes bibliográficas, leituras do material, seleção e fichamentos dos textos que deram fundamentação teórica a esse estudo. 2. SERVIÇO SOCIAL E SEU PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL Mundialmente, a origem do Serviço Social como profissão está marcada pelo desenvolvimento das relações capitalistas. É em um cenário de contradições e conflitos que se gesta a profissão. No Brasil, a história da criação do Serviço Social está vinculada ao pensamento católico, inspirado numa prática humanitária mistificada pela ilusão de servir. Segundo Iamamoto e Carvalho (1995, p.129), “surge da iniciativa particular de grupos e frações de classe, que se manifestam, principalmente, por intermédio da Igreja Católica”. Assim, o Serviço Social nasce de um objetivo de intervir no conflito capital x trabalho, estabelecendo estratégias de enfrentamento para a “questão social”. Surge de uma necessidade tipicamente capitalista e traz como objetivo norteador intervir nos conflitos oriundos dos antagonismos das classes sociais, como um dos mecanismos de manutenção da ordem burguesa constituída. Desta forma, o Serviço Social traz em seu cerne o objetivo de “remediar as deficiências dos indivíduos e das coletividades; quando se dirige ao ajustamento de um determinado quadro, ele o faz para sanar deficiências acidentais, decorrentes de certas circunstâncias, e não de um defeito estrutural”. (Ibid, p.208-209). Na sociedade capitalista estas deficiências são consideradas como disfunções de responsabilidade do indivíduo, e não próprias das relações sociais que correspondem à forma como está organizada a sociedade. Logo, a classe dominante e o Estado, por um longo período, se utilizam desta profissão para manipular e legitimar sua ideologia e seu poder sobre a classe trabalhadora. Portanto, o Serviço Social brasileiro, em um primeiro momento naturaliza as desigualdades sociais do sistema que o rege, atuando como amenizador de conflitos desta relação de classes, pauta-se em valores filosófico metafísico (neotomismo) que o leva a apreender a sociedade de forma determinista, fatalista e a-histórica, onde a liberdade proclamada não passa de uma “pseudoliberdade”, a qual condiciona os homens a uma eterna redoma que é construída e apresentada como insuprimível. Busca também, fundamentação teórico-metodológica e ético-política do padrão NorteAmericano, que entendia que a dinâmica social deveria se desenvolver através da ordem, equilíbrio e adequação, ou seja, deve-se formar indivíduos passivos diante das contradições do sistema social. Porém, a dialética da história mostrou que a complexidade das relações sociais trouxe a tona na instância da profissão, um movimento significativo, o Movimento de Reconceituação do Serviço Social - este é um marco histórico no processo de redefinição da atuação e da forma de pensar da profissão. Esse movimento tem profunda relação com as realidades sócio-políticas dos países da América Latina. Assim, até meados da década de 1960, o Serviço Social estava atraído pelos projetos de desenvolvimento da sociedade capitalista e acreditava que, se os indivíduos estivessem imbuídos do espírito de desenvolvimento superariam a condição de atraso que o país se encontrava. Neste momento histórico, “o objeto de intervenção profissional se configura pelas disfunções individuais e sociais; os objetivos se voltam para a integração social, não se verificando divergências entre os objetivos institucionais e os profissionais [...]. (SILVA e SILVA, 2002, p.28). Porém, em 1964 a ditadura se instala no Brasil, trazendo em seu discurso a recuperação da ordem e a contensão de todas as formas possíveis de conflitos de classes, mais uma vez, em alguns espaços de trabalho se exigindo do Serviço Social uma atuação voltada na produção de indivíduos submissos e adequados ao regime ditatorial. Conforme aponta Silva e Silva (2002), com a ditadura agrava-se a “questão social”, visto que, não era somente a classe trabalhadora que estava insatisfeita, e o governo precisava do apoio de toda a sociedade para garantir o nível de concentração de renda e capital. Logo, se instituem mecanismos para mostrar vantagens do regime ditatorial, ampliando as políticas sociais que possibilitam a aproximação do cotidiano dos trabalhadores. Assim,: É fundamental destacar que o padrão intervencionista do Estado brasileiro, gestado no pós-30, se intensifica durante o modelo de desenvolvimento assumido na ditadura militar. Além da intervenção na área social, com ampliação de programas e do aparato institucional, o Estado passa a controlar, profundamente, a relação capital-trabalho. Controla os sindicatos e institui políticas salariais, transformando-se, inclusive, num grande empresário, que passa a assumir e a dinamizar os setores estratégicos da economia que não propiciavam retornos lucrativos imediatos, [...]. (Ibid. p.30) Portanto, com a ampliação das políticas sociais, expande-se o mercado de trabalho do Serviço Social, de forma particular nas instituições públicas, na expectativa que a profissão seja o agente de implantação e controle da ordem, reafirmando o pensamento da classe dominante. Todo esse movimento, faz surgir descontentamentos no meio profissional do Serviço Social, se começa a pensar e fazer críticas a esta forma de atuação, que adequa e reproduz às diretrizes sócio-políticas impostas pela ditadura. Essa crítica se expande e se configura no desenvolvimento histórico do Movimento de Reconceituação do Serviço Social, um movimento renovador do Serviço Social que surge na América Latina, a partir da década de 1960, como manifestação de contrariedade com o denominado “Serviço Social tradicional”. Segundo Silva e Silva (Ibid, p.89),: O Movimento de Reconceituação vem, portanto questionar as estruturas sociais, surgindo um Serviço Social com uma prática vinculada às lutas e interesses das classes populares. Ao se estabelecer a possibilidade do vínculo da prática do Serviço Social com as classes populares, indica-se a perspectiva de transformação social enquanto exigência da própria realidade social, dada a situação de dominação e exploração política-econômica em que vivem essas classes. Tal perspectiva implica, para o Serviço Social, colocar como horizonte de sua prática o movimento de transformação da própria realidade. Portanto, este movimento assume uma configuração histórica e dinâmica no contexto da profissão, consistindo na construção e reconstrução de alternativas de ação profissional. Resulta em vários encontros e seminários, para buscar novas referencias teórico-metodológico que a profissão carecia: 1967-Encontro de Araxá em Minas Gerais; 1968-Encontro Latino Americano na Colômbia; 1970-Encontro de Teresópolis. No limiar dos anos 1970, diante da crise produtiva internacional do capital - que no Brasil repercute no decorrer dos anos 1980 -, da perversidade do regime ditatorial, refletindo-se na desenfreada e contínua taxa de desemprego e no gritante índice de miserabilidade que assolava o país. Diante de tais condições, o Serviço Social, aos poucos, assume uma posição que defende, por conseguinte, a classe trabalhadora, passando a se inserir nas lutas reivindicatórias da mesma. Todo esse movimento, traz pela primeira vez ao Serviço Social uma aproximação com a concepção marxista; o que a princípio, teve uma interpretação equivocada, mas que desencadeou um processo de intenção de ruptura com as bases tradicionais e conservadoras que perpassam a profissão desde sua criação. Pode-se proferir que de tal intenção, possibilitou significativos avanços e, embora com certos retrocessos, participou efetivamente da ampliação dos direitos sociais nunca antes conquistados no Brasil. 3. TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E SERVIÇO SOCIAL A crise da acumulação do capital teve seu início nos anos 70, enfatizando-se nos anos 90 com os processos de reestruturação produtiva e de ajustes estruturais. Pode-se dizer, que nas últimas décadas as relações sociais e de trabalho sofreram profundas modificações, principalmente no que diz respeito às privatizações, por ser este um dos maiores responsáveis pelo alargamento do desemprego, do contrato temporário e, conseqüentemente, do aumento da desigualdade e da exclusão social. Portanto, as transformações societárias ampliaram a complexidade das relações de trabalho estabelecida. Segundo Antunes (2000), os novos padrões de organização e gerenciamento, oriundas das transformações no mundo do trabalho, teve a substituição dos padrões rígidos Taylorista/Fordista substituídos por padrões mais flexíveis como o Toyotismo, que propõe a flexibilização da produção, opera com estoque mínimo se adaptando a atender com rapidez às novas exigências do mercado, implicando na flexibilização e até mesmo, na eliminação dos direitos trabalhistas. Estas transformações não refletem apenas nas relações de trabalho, provocam modificações também na vida cotidiana do trabalhador, como: nos direitos, na educação, no lazer e na vida privada, acentuando, cada vez mais, a concentração do capital, aumentando assim, as contradições sociais. Concomitante a essas mudanças socioeconômicas, a profissão Serviço Social passa a difundir uma nova direção à razão de ser da profissão, onde redirecionou os valores do Código de Ética, que se constitui em um direcionamento a prática profissional. Pode-se dizer que os códigos de ética anteriores ao de 1986 (códigos de 1947, 1965 e 1975), estavam marcados por um caráter prescritivo idealista, enquanto que o Código de Ética Profissional de 1986, referendando Barroco (2000, p.119-120), “representa um avanço, em dado momento histórico, inserindo-se no âmbito das discussões éticas contemporâneas, na busca de uma ética que possa responder aos desafios da sociedade. [busca] (...) uma prática que tenha como pressuposto o real, e não modelos ideais abstratos”. Mas, um profissional com capacidade teóricometodológica, ético-política e técnico-operativo, que lhes dê fundamentação para uma análise de conjuntura, que possa compreender os princípios e valores que orientam as normas morais como condições sócio-econômicas e culturais de cada momento histórico, uma vez que, a supervalorização de tais valores mediatiza a racionalização do sentimento preconceituoso e exclui a possibilidade da apreensão do movimento dialético da realidade. Parafraseando Iamamoto (2001), pode-se dizer que os anos 1980 marcaram uma travessia de maturidade intelectual e profissional dos assistentes sociais, onde se vivencia a busca da qualificação profissional, o crescimento da produção científica, a prioridade à pesquisa, a reformulação curricular em 1982 e na reformulação do Código de Ética de 1986. Apesar do avanço com a reformulação do Código de Ética, muitos profissionais, encontraram dificuldades no cotidiano profissional, havendo assim, a necessidade de revisão no sentido de articular a normalização e a prática do assistente social com valores éticos voltados para a identificação da historicidade dos interesses de classes. Logo, um código de ética origina-se de necessidades sócio-históricas, resultante de uma trajetória que indica um rumo ético-político para a prática profissional. Tal movimentação profissional fomenta a preocupação da reformulação deste código de 1986, tendo em vista uma prática competente e articulada aos interesses populares, no sentido de viabilizar e ampliar os direitos sociais para a conquista e consolidação da cidadania e da democracia, valores estes fundamentados no último Código de Ética do Serviço Social de 1993, que traz em seus princípios: - Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas a ele inerentes: autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; - Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; - Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras; - Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; - Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de modo a assegurar a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; - Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; - Garantia do pluralismo, por meio do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e do compromisso com o constante aprimoramento intelectual; - Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação - exploração de classe, etnia e gênero; - Articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios desse Código e com a luta geral dos trabalhadores; - Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual na perspectiva da competência profissional; - Exercício do Serviço Social, sem ser discriminado, nem discriminar por questão de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condições físicas. Analisar como estes princípios rebatem no projeto profissional, e descortina um Serviço Social comprometido e empenhado em discutir, refletir e esclarecer posicionamentos que integram a dimensão do Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social, nos remete a compreensão de que este projeto político profissional: [...] desde a década de 1980, vem sendo coletivamente construído pela categoria dos assistentes sociais. Projeto profissional comprometido com a defesa dos direitos sociais, da cidadania, da esfera pública no horizonte da ampliação progressiva da democratização da política e da economia na sociedade. Projeto político profissional que se materializou no Código de Ética do Assistente Social, na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço Social (Lei 8662/93), ambas em 1993, assim como na nova proposta de Diretrizes para o Curso de Serviço Social da Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS [hoje ABEPSS] - de 1996, que redimensiona a formação profissional para fazer frente a esse novo cenário histórico. (IAMAMOTO, 2001, p.113). Assim, entender este novo cenário faz parte da intervenção profissional do Serviço Social, é de suma importância compreender que neste novo cenário a classe burguesa implantou e implementou, com diferentes modos e períodos, o receituário ideo-político neoliberal e a mundialização do capital financeiro, contribuindo, decisivamente para que a reestruturação produtiva sedimentasse suas bases com mais facilidade e com retorno lucrativo, ampliando cada vez mais a concentração do capital. Tal movimento neoliberal, conforme Batista (2002), por meio de ações que o sustentam, direcionou a centralidade de suas metas para a implantação do projeto de reforma do Estado, onde seus procedimentos pautaram-se em: diminuir o investimento público em políticas sociais; aplicar de forma contínua e desregulada no mercado financeiro e produtivo, investimentos do fundo público; reformar a área administrativa, implementando: o plano de demissão voluntária, programa de terceirização, a não realização de concursos públicos em diferentes áreas do Estado; reforma da previdência social; programa de privatização das empresas Estatais; flexibilização das leis trabalhistas que regulam e controlam a relação conflituosa entre capital-trabalho. Estas ações atingiram diretamente a força de trabalho, onde uma reestruturação na racionalidade da organização do trabalho foi colocada em cena, causando impactos em dois sentidos: na dimensão operacional-técnica e na dimensão organizacional. Segundo Batista (2002), o conjunto tecnológico e científico colocado ao alcance dos capitalistas ganham nova forma: a eletromecânica foi substituída pela eletrônica; o processo de automação ampliou qualitativamente o ajuste nos equipamentos por meio da informática, e no campo de produção de ponta, novos materiais são colocados à disposição da produção. Já a base organizacional, esta foi atingida em sua lógica e forma de ser, possibilitando que os princípios da flexibilidade organizacional ampliassem o campo de convencimento e adesão às empresas. Todas esses mudanças de regras de mercado exigem dos trabalhadores mais dinamicidade em suas ações, um trabalhador polivalente, multifuncional, com qualidade técnica, criatividade intelectual e concordância com o projeto que está em vigor. Todo esse movimento, de novos desdobramentos do desenvolvimento capitalista, traz a tona novo expressões da “questão social”, atingindo diretamente a classe trabalhadora e refletindo na corporação teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo das profissões. Nos locais públicos e privados evidenciam, em especifico na profissão Serviço Social, alterações no espaço sócio-ocupacional de trabalho, na relação contratual e na formação profissional. Estas mudanças do mercado e da formação profissional estão alterando o perfil profissional dos assistentes sociais, visto que, no mesmo espaço de trabalho, local em que as empresas propõem transformar os trabalhadores em parceiros das mesmas, elaboram-se projetos, programas que se encarregam de retirar dos próprios trabalhadores os direitos conquistados. É nesse contexto que a profissão Serviço Social é convocada a responder às novas exigências do mercado. No entanto, os assistentes sociais vêm encontrando dificuldades para responder as novas exigências de desemprego, seleção de pobreza, responsabilidade social, qualidade total dentro das empresas, uma vez, que a categoria profissional não vem conseguindo antecipar-se aos fatos e ainda tem que vencer um grande obstáculo, os valores conservadores, encravados nas bases das relações profissionais desde sua origem. Convive também, com a necessidade de uma maior articulação das entidades representativas entre elas a ABEPSS, CFESS e CRESS. Assim, não basta somente detectar, sinalizar os ditos novos desafios e apontalos, é necessário compreender sua origem e seu desenvolvimento, e isto só é possível se o profissional colocar seu ensejo na história, apropriando-se do referencial teóricometodológico crítico e estar comprometido com um projeto profissional e societário. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Que direção social se quer legitimar? Pode-se dizer que o projeto ético-político que o Código de Ética do Serviço Social de 1993 assinala (liberdade e justiça social), é limitado pela estruturação da sociedade capitalista que se direciona aos interesses de um projeto societário individualista e excludente. Limites evidentes na trajetória do capitalismo e no avanço do neoliberalismo na década de 1990. As transformações societárias trazem alterações no mundo do trabalho, nas instituições, no Estado, nas profissões; o conseqüente acirramento da exclusão social acarretando no desemprego, na concentração de renda na exploração da força de trabalho, reflete na profissão, nas condições de vida, e na prática do profissional assistente social, voltada ao enfrentamento das seqüelas da “questão social”. De fato, devido à inserção do Serviço Social na divisão técnica e social do trabalho, a ação profissional se depara com diversos limites e contradições. No entanto isso ocorre em qualquer espaço institucional e requer um profissional comprometido com o projeto ético-político da profissão: [...] que tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central - liberdade concedida historicamente, como possibilidade de escolhas entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. (NETTO, 1999, p.104). Este é o grande desafio que se coloca aos profissionais que praticam e anseiam pela democracia: elaborar meios, alternativas profissionais que, não somente enfrentem as expressões da “questão social” - decifrando o contexto do qual elas emergem -, como também criem respostas de enfrentamento para as mais diversas formas de injustiças sociais praticadas, as quais, resultam no adensamento dessas expressões. Pode-se, contudo, dizer que esta é, hoje, a razão de ser do Serviço Social e que, indubitavelmente, não é a única, mas hegemônica e, concretizar este projeto não é tarefa fácil, mas é possível, a partir do momento em que se conquiste, se pode dizer, se eduque para romper a falta de consciência política e de classe que se paira em muitos trabalhadores, assim como igualmente, em muitos profissionais assistentes sociais. Sob estes valores, de acordo com Batista (2002), coloca-se em proeminência que é essencial uma direção social profissional que crie o novo, ou seja, que permita que a história comece a ser percebida enquanto campo de batalha, que seus princípios não sejam simplesmente postos sob a lógica do mundo das necessidades, mas, ao contrário, que priorizem e instaurem o movimento concreto da liberdade. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 7ª ed., 2000. BARROCO. 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