CONTEXTUALIZANDO O SERVIÇO SOCIAL PARA UMA ANÁLISE DA
CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL
Cleonilda S. T. Dallago
Resumo: Adjacente às mudanças societárias das últimas décadas, também ocorreu
mudanças significativas nos valores dos Códigos de Ética do Serviço Social, a qual
interferiu diretamente na direção social da profissão. Estas mudanças expressam
esforços ao Serviço Social, na busca de fundamentação teórico-metodológica, éticopolítico e técnico-operativo que dê novas estratégias de ação, as quais muitas vezes
eram desenvolvidas de forma a-crítica. Nesta trajetória histórica, pode-se perceber a
evolução e a importância atribuída à dimensão ética-política, pois a reflexão ética dada
à profissão demanda a explicitação de seus elementos básicos constitutivos, sua base
filosófica, teórica-metodológica e os seus princípios e valores ético-político subjacentes
de um projeto profissional que vem sendo discutido e definido historicamente. Esta
condição possibilita à categoria, um posicionamento crítico para desmistificar e romper
com o cerne conservador presente no interior do Serviço Social, mas para tal é preciso
que se adquira uma base teórico-metodológica consistente, para que o profissional
assistente social possa posicionar-se criticamente no enfrentamento cotidiano das
tensões geradas na contradição capital/trabalho, desvelando, analisando e propondo
ações que respondam pelos valores expressos no projeto ético-político profissional.
Palavras-chave: direção social; valores éticos profissionais; projeto ético-político
profissional.
1. INTRODUÇÃO
O limiar do século XXI nos obriga a pensar as concepções e os rumos do
desenvolvimento econômico e social em âmbito mundial e nacional. É uma exigência e
ao mesmo tempo um desafio analisar as condições sócio-econômicas que sucederam
os últimos anos, principalmente por se tratar de uma década que acarretou
transformações categóricas na área social, econômica e política, refletindo diretamente
no projeto profissional do Serviço Social.
Portanto, compreender a construção do projeto ético-político do Serviço Social
na atualidade significa compreender as mudanças que vieram ocorrendo na
intervenção profissional do assistente social, como também, a crise capitalista, suas
manifestações e mudanças, não apenas na esfera da economia e da política, mas a
sua repercussão no campo do conhecimento, das idéias e dos valores, uma vez que,
há um imperialismo cultural articulado através dos meios de comunicação e da
publicidade, onde apontam para o consumismo e para o individualismo.
Assiste-se na atualidade, uma mescla fortíssima entre globalização e
neoliberalização da economia, porém não devemos entende-las como palavras da
moda, mas como um processo de acirramento da competitividade e exclusão, próprias
do capitalismo. A globalização - livre comércio entre os paises - e o neoliberalismo, de
uma forma ou de outra atinge a cada um de nós, seja o profissional intelectual ou
braçal, visto que, a competição torna-se exigência de mercado e conseqüentemente
traz consigo a desvalorização do trabalhador com uma exacerbada exploração de sua
força de trabalho.
Diante de todos os acontecimentos e alterações geradas por esta lógica
neoliberal, acredita-se que é de extrema gravidade a que gira em torno da
desqualificação do Estado no que tange a área social, na medida em que esta ideologia
quer criar um Estado com funções mínimas em relação ao social e máximas para o
capital. Assim, vivenciamos a priorização das metas de privatizações; a liberalização da
economia;
o
desaparecimento
dos
programas
sociais
em
conjunto
com
o
desaparecimento de campos de trabalhos com vínculos formais. Logo, se tem a
organização de novos padrões de produção, os quais fazem crescer o abismo social, a
exclusão social, econômica, política e cultural da classe que vive do trabalho.
Notavelmente, inserido neste contexto de transformações, encontra-se o
exercício profissional do assistente social, pois além de fazer parte da força de trabalho
assalariado precisa redefinir seu perfil profissional às novas exigências societárias, uma
vez que, atua no bojo da contradição entre capital e trabalho, logo se encontra na
tensão entre o processo de produção da desigualdade, da rebeldia e da resistência.
Entende-se assim, que na medida em que avança o desenvolvimento capitalista,
modificam-se as formas de exploração da força de trabalho e conseqüentemente as
formas de agir do Serviço Social frente às expressões da “questão social”.
Portanto, são nestas condições sociais, políticas e econômicas que as
dimensões do projeto ético-político do Serviço Social vão se construindo, visto que, um
projeto profissional é a expressão de pátio de lutas, não é dado a priori, de uma
intencionalidade abstrata, desvinculado da realidade concreta. Ao contrario, este projeto
deve ser gestado no interior dessa realidade, ele se constrói e se consolida na trajetória
histórica de uma determinada profissão. Segundo Iamamoto (2001, p.141), “a
consolidação do projeto ético-político profissional que vem sendo construído requer
remar na contracorrente, andar no contravento, alinhando forças que impulsionem
mudanças na rota dos ventos e das marés na vida em sociedade”.
Dando seqüência a concepção desta autora, acredita-se que,:
os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem
os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus
objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos)
para o exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais
e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços.
(NETTO, 1999, p.95)
Portanto, compreender as mudanças que vieram ocorrendo nas relações sociais
e na profissão, no seu significado social remete a compreensão de que nas últimas
décadas o Serviço Social vem passando por um processo de renovação, nesta luta por
uma intervenção profissional que rompa de vez com o conservadorismo profissional, e
consiga realmente passar uma imagem socialmente de comprometimento com a classe
trabalhadora.
Pode-se dizer que o projeto ético-político que o Código de Ética do Serviço
Social de 1993 assinala (liberdade e justiça social), é limitado pela estruturação da
sociedade capitalista que se direciona aos interesses de um projeto societário
individualista e excludente. Limites estes evidentes na trajetória do capitalismo e no
avanço do neoliberalismo na década de 1990. As transformações societárias trazem
alterações no mundo do trabalho, nas instituições, no Estado, nas profissões; o
conseqüente acirramento da exclusão social acarretando no desemprego, na
concentração de renda na exploração da força de trabalho, reflete na profissão, nas
condições de vida, e na prática do profissional assistente social, voltada ao
enfrentamento das seqüelas da “questão social”.
De fato, devido à inserção do Serviço Social na divisão técnica e social do
trabalho, a ação profissional se depara com diversos limites e contradições. No entanto
isso ocorre em qualquer espaço institucional e requer um profissional comprometido
com o projeto ético-político da profissão, que tem em seu núcleo o reconhecimento da
liberdade como valor central - liberdade concedida historicamente, como possibilidade
de escolhas entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a
emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. (NETTO, 1999, p.104).
Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo pesquisar os caminhos
percorridos por alguns profissionais na luta para mudar a direção social da profissão e
construir um novo caminhar, uma intervenção profissional com respaldo em um projeto
ético-político profissional que esteja em sintonia com a classe trabalhadora.
Metodologicamente, foi realizada a pesquisa bibliográfica, entendendo que esta “é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos.” (GIL, 1994, p. 72). Assim, foi necessárias a exploração das fontes
bibliográficas, leituras do material, seleção e fichamentos dos textos que deram
fundamentação teórica a esse estudo.
2. SERVIÇO SOCIAL E SEU PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL
Mundialmente, a origem do Serviço Social como profissão está marcada pelo
desenvolvimento das relações capitalistas. É em um cenário de contradições e conflitos
que se gesta a profissão.
No Brasil, a história da criação do Serviço Social está vinculada ao pensamento
católico, inspirado numa prática humanitária mistificada pela ilusão de servir. Segundo
Iamamoto e Carvalho (1995, p.129), “surge da iniciativa particular de grupos e frações
de classe, que se manifestam, principalmente, por intermédio da Igreja Católica”.
Assim, o Serviço Social nasce de um objetivo de intervir no conflito capital x trabalho,
estabelecendo estratégias de enfrentamento para a “questão social”. Surge de uma
necessidade tipicamente capitalista e traz como objetivo norteador intervir nos conflitos
oriundos dos antagonismos das classes sociais, como um dos mecanismos de
manutenção da ordem burguesa constituída.
Desta forma, o Serviço Social traz em seu cerne o objetivo de “remediar as
deficiências dos indivíduos e das coletividades; quando se dirige ao ajustamento de um
determinado quadro, ele o faz para sanar deficiências acidentais, decorrentes de certas
circunstâncias, e não de um defeito estrutural”. (Ibid, p.208-209). Na sociedade
capitalista estas deficiências são consideradas como disfunções de responsabilidade do
indivíduo, e não próprias das relações sociais que correspondem à forma como está
organizada a sociedade. Logo, a classe dominante e o Estado, por um longo período,
se utilizam desta profissão para manipular e legitimar sua ideologia e seu poder sobre a
classe trabalhadora.
Portanto, o Serviço Social brasileiro, em um primeiro momento naturaliza as
desigualdades sociais do sistema que o rege, atuando como amenizador de conflitos
desta relação de classes, pauta-se em valores filosófico metafísico (neotomismo) que o
leva a apreender a sociedade de forma determinista, fatalista e a-histórica, onde a
liberdade proclamada não passa de uma “pseudoliberdade”, a qual condiciona os
homens a uma eterna redoma que é construída e apresentada como insuprimível.
Busca também, fundamentação teórico-metodológica e ético-política do padrão NorteAmericano, que entendia que a dinâmica social deveria se desenvolver através da
ordem, equilíbrio e adequação, ou seja, deve-se formar indivíduos passivos diante das
contradições do sistema social.
Porém, a dialética da história mostrou que a complexidade das relações sociais
trouxe a tona na instância da profissão, um movimento significativo, o Movimento de
Reconceituação do Serviço Social - este é um marco histórico no processo de
redefinição da atuação e da forma de pensar da profissão. Esse movimento tem
profunda relação com as realidades sócio-políticas dos países da América Latina.
Assim, até meados da década de 1960, o Serviço Social estava atraído pelos
projetos de desenvolvimento da sociedade capitalista e acreditava que, se os indivíduos
estivessem imbuídos do espírito de desenvolvimento superariam a condição de atraso
que o país se encontrava. Neste momento histórico, “o objeto de intervenção
profissional se configura pelas disfunções individuais e sociais; os objetivos se voltam
para a integração social, não se verificando divergências entre os objetivos
institucionais e os profissionais [...]. (SILVA e SILVA, 2002, p.28).
Porém, em 1964 a ditadura se instala no Brasil, trazendo em seu discurso a
recuperação da ordem e a contensão de todas as formas possíveis de conflitos de
classes, mais uma vez, em alguns espaços de trabalho se exigindo do Serviço Social
uma atuação voltada na produção de indivíduos submissos e adequados ao regime
ditatorial.
Conforme aponta Silva e Silva (2002), com a ditadura agrava-se a “questão
social”, visto que, não era somente a classe trabalhadora que estava insatisfeita, e o
governo precisava do apoio de toda a sociedade para garantir o nível de concentração
de renda e capital. Logo, se instituem mecanismos para mostrar vantagens do regime
ditatorial, ampliando as políticas sociais que possibilitam a aproximação do cotidiano
dos trabalhadores. Assim,:
É fundamental destacar que o padrão intervencionista do Estado brasileiro,
gestado no pós-30, se intensifica durante o modelo de desenvolvimento
assumido na ditadura militar. Além da intervenção na área social, com
ampliação de programas e do aparato institucional, o Estado passa a
controlar, profundamente, a relação capital-trabalho. Controla os sindicatos e
institui políticas salariais, transformando-se, inclusive, num grande empresário,
que passa a assumir e a dinamizar os setores estratégicos da economia que
não propiciavam retornos lucrativos imediatos, [...]. (Ibid. p.30)
Portanto, com a ampliação das políticas sociais, expande-se o mercado de
trabalho do Serviço Social, de forma particular nas instituições públicas, na expectativa
que a profissão seja o agente de implantação e controle da ordem, reafirmando o
pensamento da classe dominante.
Todo esse movimento, faz surgir descontentamentos no meio profissional do
Serviço Social, se começa a pensar e fazer críticas a esta forma de atuação, que
adequa e reproduz às diretrizes sócio-políticas impostas pela ditadura. Essa crítica se
expande e se configura no desenvolvimento histórico do Movimento de Reconceituação
do Serviço Social, um movimento renovador do Serviço Social que surge na América
Latina, a partir da década de 1960, como manifestação de contrariedade com o
denominado “Serviço Social tradicional”. Segundo Silva e Silva (Ibid, p.89),:
O Movimento de Reconceituação vem, portanto questionar as estruturas
sociais, surgindo um Serviço Social com uma prática vinculada às lutas e
interesses das classes populares. Ao se estabelecer a possibilidade do vínculo
da prática do Serviço Social com as classes populares, indica-se a perspectiva
de transformação social enquanto exigência da própria realidade social, dada
a situação de dominação e exploração política-econômica em que vivem essas
classes. Tal perspectiva implica, para o Serviço Social, colocar como horizonte
de sua prática o movimento de transformação da própria realidade.
Portanto, este movimento assume uma configuração histórica e dinâmica no
contexto da profissão, consistindo na construção e reconstrução de alternativas de
ação profissional. Resulta em vários encontros e seminários, para buscar novas
referencias teórico-metodológico que a profissão carecia: 1967-Encontro de Araxá em
Minas Gerais; 1968-Encontro Latino Americano na Colômbia; 1970-Encontro de
Teresópolis.
No limiar dos anos 1970, diante da crise produtiva internacional do capital - que
no Brasil repercute no decorrer dos anos 1980 -, da perversidade do regime ditatorial,
refletindo-se na desenfreada e contínua taxa de desemprego e no gritante índice de
miserabilidade que assolava o país. Diante de tais condições, o Serviço Social, aos
poucos, assume uma posição que defende, por conseguinte, a classe trabalhadora,
passando a se inserir nas lutas reivindicatórias da mesma.
Todo esse movimento, traz pela primeira vez ao Serviço Social uma
aproximação com a concepção marxista; o que a princípio, teve uma interpretação
equivocada, mas que desencadeou um processo de intenção de ruptura com as bases
tradicionais e conservadoras que perpassam a profissão desde sua criação. Pode-se
proferir que de tal intenção, possibilitou significativos avanços e, embora com certos
retrocessos, participou efetivamente da ampliação dos direitos sociais nunca antes
conquistados no Brasil.
3. TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E SERVIÇO SOCIAL
A crise da acumulação do capital teve seu início nos anos 70, enfatizando-se
nos anos 90 com os processos de reestruturação produtiva e de ajustes estruturais.
Pode-se dizer, que nas últimas décadas as relações sociais e de trabalho sofreram
profundas modificações, principalmente no que diz respeito às privatizações, por ser
este um dos maiores responsáveis pelo alargamento do desemprego, do contrato
temporário e, conseqüentemente, do aumento da desigualdade e da exclusão social.
Portanto, as transformações societárias ampliaram a complexidade das relações
de trabalho estabelecida. Segundo Antunes (2000), os novos padrões de organização e
gerenciamento, oriundas
das transformações no mundo do trabalho, teve a
substituição dos padrões rígidos Taylorista/Fordista substituídos por padrões mais
flexíveis como o Toyotismo, que propõe a flexibilização da produção, opera com
estoque mínimo se adaptando a atender com rapidez às novas exigências do mercado,
implicando na flexibilização e até mesmo, na eliminação dos direitos trabalhistas.
Estas transformações não refletem apenas nas relações de trabalho, provocam
modificações também na vida cotidiana do trabalhador, como: nos direitos, na
educação, no lazer e na vida privada, acentuando, cada vez mais, a concentração do
capital, aumentando assim, as contradições sociais.
Concomitante a essas mudanças socioeconômicas, a profissão Serviço Social
passa a difundir uma nova direção à razão de ser da profissão, onde redirecionou os
valores do Código de Ética, que se constitui em um direcionamento a prática
profissional. Pode-se dizer que os códigos de ética anteriores ao de 1986 (códigos de
1947, 1965 e 1975), estavam marcados por um caráter prescritivo idealista, enquanto
que o Código de Ética Profissional de 1986, referendando Barroco (2000, p.119-120),
“representa um avanço, em dado momento histórico, inserindo-se no âmbito das
discussões éticas contemporâneas, na busca de uma ética que possa responder aos
desafios da sociedade. [busca] (...) uma prática que tenha como pressuposto o real, e
não modelos ideais abstratos”. Mas, um profissional com capacidade teóricometodológica, ético-política e técnico-operativo, que lhes dê fundamentação para uma
análise de conjuntura, que possa compreender os princípios e valores que orientam as
normas morais como condições sócio-econômicas e culturais de cada momento
histórico, uma vez que, a supervalorização de tais valores mediatiza a racionalização do
sentimento preconceituoso e exclui a possibilidade da apreensão do movimento
dialético da realidade.
Parafraseando Iamamoto (2001), pode-se dizer que os anos 1980 marcaram
uma travessia de maturidade intelectual e profissional dos assistentes sociais, onde se
vivencia a busca da qualificação profissional, o crescimento da produção científica, a
prioridade à pesquisa, a reformulação curricular em 1982 e na reformulação do Código
de Ética de 1986.
Apesar do avanço com a reformulação do Código de Ética, muitos profissionais,
encontraram dificuldades no cotidiano profissional, havendo assim, a necessidade de
revisão no sentido de articular a normalização e a prática do assistente social com
valores éticos voltados para a identificação da historicidade dos interesses de classes.
Logo, um código de ética origina-se de necessidades sócio-históricas, resultante de
uma trajetória que indica um rumo ético-político para a prática profissional.
Tal movimentação profissional fomenta a preocupação da reformulação deste
código de 1986, tendo em vista uma prática competente e articulada aos interesses
populares, no sentido de viabilizar e ampliar os direitos sociais para a conquista e
consolidação da cidadania e da democracia, valores estes fundamentados no último
Código de Ética do Serviço Social de 1993, que traz em seus princípios:
-
Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas a ele
inerentes: autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
-
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
-
Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a
sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, políticos e sociais das
classes trabalhadoras;
-
Defesa
do
aprofundamento
da
democracia,
enquanto
socialização
da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
-
Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de modo a assegurar a
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
-
Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão
das diferenças;
-
Garantia do pluralismo, por meio do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões teóricas, e do compromisso com o
constante aprimoramento intelectual;
-
Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma
nova ordem societária, sem dominação - exploração de classe, etnia e gênero;
-
Articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que
partilhem dos princípios desse Código e com a luta geral dos trabalhadores;
-
Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual na perspectiva da competência profissional;
-
Exercício do Serviço Social, sem ser discriminado, nem discriminar por questão
de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção
sexual, idade e condições físicas.
Analisar como estes princípios rebatem no projeto profissional, e descortina um
Serviço Social comprometido e empenhado em discutir, refletir e esclarecer
posicionamentos que integram a dimensão do Projeto Ético-Político Profissional do
Serviço Social, nos remete a compreensão de que este projeto político profissional:
[...] desde a década de 1980, vem sendo coletivamente construído pela
categoria dos assistentes sociais. Projeto profissional comprometido com a
defesa dos direitos sociais, da cidadania, da esfera pública no horizonte da
ampliação progressiva da democratização da política e da economia na
sociedade. Projeto político profissional que se materializou no Código de Ética
do Assistente Social, na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço
Social (Lei 8662/93), ambas em 1993, assim como na nova proposta de
Diretrizes para o Curso de Serviço Social da Associação Brasileira de Ensino
em Serviço Social - ABESS [hoje ABEPSS] - de 1996, que redimensiona a
formação profissional para fazer frente a esse novo cenário histórico.
(IAMAMOTO, 2001, p.113).
Assim, entender este novo cenário faz parte da intervenção profissional do
Serviço Social, é de suma importância compreender que neste novo cenário a classe
burguesa implantou e implementou, com diferentes modos e períodos, o receituário
ideo-político neoliberal e a mundialização do capital financeiro, contribuindo,
decisivamente para que a reestruturação produtiva sedimentasse suas bases com mais
facilidade e com retorno lucrativo, ampliando cada vez mais a concentração do capital.
Tal movimento neoliberal, conforme Batista (2002), por meio de ações que o
sustentam, direcionou a centralidade de suas metas para a implantação do projeto de
reforma do Estado, onde seus procedimentos pautaram-se em: diminuir o investimento
público em políticas sociais; aplicar de forma contínua e desregulada no mercado
financeiro e produtivo, investimentos do fundo público; reformar a área administrativa,
implementando: o plano de demissão voluntária, programa de terceirização, a não
realização de concursos públicos em diferentes áreas do Estado; reforma da
previdência social; programa de privatização das empresas Estatais; flexibilização das
leis trabalhistas que regulam e controlam a relação conflituosa entre capital-trabalho.
Estas ações atingiram diretamente a força de trabalho, onde uma reestruturação
na racionalidade da organização do trabalho foi colocada em cena, causando impactos
em dois sentidos: na dimensão operacional-técnica e na dimensão organizacional.
Segundo Batista (2002), o conjunto tecnológico e científico colocado ao alcance dos
capitalistas ganham nova forma: a eletromecânica foi substituída pela eletrônica; o
processo de automação ampliou qualitativamente o ajuste nos equipamentos por meio
da informática, e no campo de produção de ponta, novos materiais são colocados à
disposição da produção. Já a base organizacional, esta foi atingida em sua lógica e
forma de ser, possibilitando que os princípios da flexibilidade organizacional
ampliassem o campo de convencimento e adesão às empresas. Todas esses
mudanças de regras de mercado exigem dos trabalhadores mais dinamicidade em suas
ações, um trabalhador polivalente, multifuncional, com qualidade técnica, criatividade
intelectual e concordância com o projeto que está em vigor.
Todo esse movimento, de novos desdobramentos do desenvolvimento
capitalista, traz a tona novo expressões da “questão social”, atingindo diretamente a
classe trabalhadora e refletindo na corporação teórico-metodológico, ético-político e
técnico-operativo das profissões. Nos locais públicos e privados evidenciam, em
especifico na profissão Serviço Social, alterações no espaço sócio-ocupacional de
trabalho, na relação contratual e na formação profissional. Estas mudanças do mercado
e da formação profissional estão alterando o perfil profissional dos assistentes sociais,
visto que, no mesmo espaço de trabalho, local em que as empresas propõem
transformar os trabalhadores em parceiros das mesmas, elaboram-se projetos,
programas que se encarregam de retirar dos próprios trabalhadores os direitos
conquistados.
É nesse contexto que a profissão Serviço Social é convocada a responder às
novas exigências do mercado. No entanto, os assistentes sociais vêm encontrando
dificuldades para responder as novas exigências de desemprego, seleção de pobreza,
responsabilidade social, qualidade total dentro das empresas, uma vez, que a categoria
profissional não vem conseguindo antecipar-se aos fatos e ainda tem que vencer um
grande obstáculo, os valores conservadores, encravados nas bases das relações
profissionais desde sua origem. Convive também, com a necessidade de uma maior
articulação das entidades representativas entre elas a ABEPSS, CFESS e CRESS.
Assim, não basta somente detectar, sinalizar os ditos novos desafios e apontalos, é necessário compreender sua origem e seu desenvolvimento, e isto só é possível
se o profissional colocar seu ensejo na história, apropriando-se do referencial teóricometodológico crítico e estar comprometido com um projeto profissional e societário.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Que direção social se quer legitimar?
Pode-se dizer que o projeto ético-político que o Código de Ética do Serviço
Social de 1993 assinala (liberdade e justiça social), é limitado pela estruturação da
sociedade capitalista que se direciona aos interesses de um projeto societário
individualista e excludente. Limites evidentes na trajetória do capitalismo e no avanço
do neoliberalismo na década de 1990. As transformações societárias trazem alterações
no mundo do trabalho, nas instituições, no Estado, nas profissões; o conseqüente
acirramento da exclusão social acarretando no desemprego, na concentração de renda
na exploração da força de trabalho, reflete na profissão, nas condições de vida, e na
prática do profissional assistente social, voltada ao enfrentamento das seqüelas da
“questão social”.
De fato, devido à inserção do Serviço Social na divisão técnica e social do
trabalho, a ação profissional se depara com diversos limites e contradições. No entanto
isso ocorre em qualquer espaço institucional e requer um profissional comprometido
com o projeto ético-político da profissão:
[...] que tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central
- liberdade concedida historicamente, como possibilidade de escolhas entre
alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação
e a plena expansão dos indivíduos sociais. (NETTO, 1999, p.104).
Este é o grande desafio que se coloca aos profissionais que praticam e
anseiam pela democracia: elaborar meios, alternativas profissionais que, não somente
enfrentem as expressões da “questão social” - decifrando o contexto do qual elas
emergem -, como também criem respostas de enfrentamento para as mais diversas
formas de injustiças sociais praticadas, as quais, resultam no adensamento dessas
expressões. Pode-se, contudo, dizer que esta é, hoje, a razão de ser do Serviço Social
e que, indubitavelmente, não é a única, mas hegemônica e, concretizar este projeto não
é tarefa fácil, mas é possível, a partir do momento em que se conquiste, se pode dizer,
se eduque para romper a falta de consciência política e de classe que se paira em
muitos trabalhadores, assim como igualmente, em muitos profissionais assistentes
sociais.
Sob estes valores, de acordo com Batista (2002), coloca-se em proeminência
que é essencial uma direção social profissional que crie o novo, ou seja, que permita
que a história comece a ser percebida enquanto campo de batalha, que seus princípios
não sejam simplesmente postos sob a lógica do mundo das necessidades, mas, ao
contrário, que priorizem e instaurem o movimento concreto da liberdade.
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contextualizando o serviço social para uma análise da