UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS – CCL I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA Anais Organizadores: Prof. Dr. Adolpho Queiroz Profa. Dra. Angela Schaun Profa. Dra. Esmeralda Rizzo Profa. Dra. Marialva Barbosa ISSN 2177-4595 29 e 30 de abril de 2010 São Paulo – SP I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais INSTITUTO PREBITERIANO MACKENZIE ENTIDADE MANTENEDORA Diretor Presidente: Dr. Adilson Vieira Diretor de Planejamento e Finanças: Prof. Solano Portela Diretor de Ensino e Desenvolvimento: Dr. Cleverson Pereira de Almeida Diretor de Administração e Gestão de Pessoas: Prof. Ms. Gilson Alberto Novaes UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Chanceler: Dr. Augustus Nicodemos Gomes Lopes Reitor: Dr. Manassés Claudino Fonteles Vice-Reitor: Dr. Pedro Ronzelli Júnior Decanato Acadêmico: Dr. Ademar Pereira Decanato de Extensão: Dra. Helena Bonito Couto Pereira Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação: Dra. Sandra Maria Dotto Stump CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS Diretora: Profa. Dra. Esmeralda Rizzo Coordenador do Curso de Comunicação Social: Habilitação: Jornalismo: Prof. Ms. Osvaldo Takaoki Hattori Coordenador do Curso de Propaganda, Publicidade e Criação: Prof. Ms. Marcos Nepomuceno Duarte Coordenador do Curso de Letras: Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães 2 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais REALIZAÇÃO Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM Centro de Comunicações e Letras - CCL Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia - ALCAR APOIO Globo Universidade INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Cátedra/UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional Cátedra/FENAJ/UFSC de Jornalismo FEEVALE Agência Only-One Site: http://www.mackenzie.br/1historiamidiasudeste.html E-mail: [email protected] 3 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais COMISSÃO ORGANIZADORA PRESIDENTE Prof. Dr. Adolpho Queiroz COORDENAÇÃO GERAL Profa. Dra. Angela Schaun COMISSÃO ORGANIZADORA Profa. Dra. Marialva Barbosa – Presidente da Rede ALCAR Prof. Dr. Adolpho Queiroz – Coordenador Geral do I ALCAR - Sudeste Profa. Dra. Esmeralda Rizzo – Diretora do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie Profa. Dra. Angela Schaun – Coordenadora de Pesquisa do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Ms. Osvaldo Hattori – Coordenador do Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Ms. Marcos Nepomuceno - Coordenador do Curso de Publicidade, Propaganda e Criação da Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Dr. Alexandre Huady - Coordenador do Curso de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie COMISSÃO CIENTÍFICA Profa. Dra. Marialva Barbosa – Presidente da Rede ALCAR Prof. Dr. Adolpho Queiroz – Coordenador Geral do I ALCAR - Sudeste Profa. Dra. Angela Schaun – Coordenadora de Pesquisa do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM Profa. Dra. Letícia Costa – Universidade de Taubaté - UNITAU Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo – Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM Profa. Dra. Marli dos Santos – Universidade Metodista de São Paulo - UMESP Profa. Ms. Lenize Villaça – Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM Prof. Ms. Francisco Periago - Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM Prof. Dr. Irineu Guerrini – Faculdade Cásper Líbero Prof. Dra. Maria Cristina Gobbi – Universidade Estadual Paulista UNESP – Bauru Profa. Dra. Rosana Schwartz – Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM SECRETARIA EXECUTIVA Marli Aulucci - UPM 4 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais APOIO TÉCNICO Eliel Fonseca – Estagiário – CCL/UPM Karoline Ceconi – Secretária – CCL/UPM Mayra Gomes Rosa Bortone – Estagiário – CCL/UPM Natanael Rolim Vieira – Estagiário – CCL/UPM Ana Lúcia de Souza Lopes – Secretária – CCL/UPM Janaina Santiago – Estagiária – CCL/UPM Rosana Matos – CCL/UPM EDITORAÇÃO Marli Aulucci – CCL/UPM Joana Célia Figueiredo Cunha – Editora Mackenzie SUPORTE DE INFORMÁTICA Marli Aulucci – CCL/UPM Daniel Arndt Alves – DTI/UPM AGÊNCIA JÚNIOR DE COMUNICAÇÃO MACKENZIE Rafael Amorim, Erika Gregory, Carlos Fojo, Luiza Schilagi,Guilherme Moraes, Kamila Camargo, Larissa Bertin, Leonardo Calixto, Luisa Amalfi, Camila Pons, Luiza Gobbo, Lícia Blumenschein, Victor Ruiz, Yuri, Ana Carolina, Brian Carravieri, Damazio Polak, João Lovis, Thomás Santos. AGÊNCIA ONLY-ONE Guilherme Goriel, Brian Carravieri, Renato Tsukahara, Thomás Santos e Wilian Ferreira. CERIMONIAL Prof. Ms. Marcos Nepomuceno Duarte COMISSÃO DISCENTE DE APOIO E RECEPÇÃO Alice Barros, Daniel Nogueira; Ellen Lopes; Gabriela de Souza; Gean Gonçalves; Graziela Passos; Gustavo Alves; Hayala Siqueira; Ines Carvalho; Izabelle Mundim; Joyce Menegazzo; José Humberto Assola; Júlio Cézar Pacheco; Larissa de Albuquerque; Mariana Mesquita; Rachel Costa; Ruda Cordaro; Thaize Carvalho; Thales da Silva; Thiago Moura; Thiene Moltini; Ytálo Panham, Mayra Figueiredo, Zaira Lins, Julia Saleme, Ivan Rolfsen. 5 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais AGRADECIMENTOS Apresentamos nossa profunda gratidão: À Universidade Presbiteriana Mackenzie e a todos os participantes, proponentes de trabalhos, aos conferencistas, aos membros das mesas-redondas, aos coordenadores das sessões de apresentação de trabalhos pela confiança depositada na realização do congresso. À Profª Drª Esmeralda Rizzo, Diretora do Centro de Comunicação e Letras e à Profª. Drª. Angela Schaun, Coordenadora de Pesquisa, pelo total apoio e confiança. À Comissão Científica, pelo apoio científico. Aos professores Pareceristas, pela inestimável contribuição. A todos os professores que participaram das Comissões Internas, cujo apoio foi fundamental para a realização do evento. A todos que colaboraram direta ou indiretamente para a realização deste Encontro, nosso sincero muito obrigado! 6 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA Ao sediar o I CONGRESSO DE HISTÓRIA DA MÍDIA DA REGIÃO SUDESTE, a UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE tem a honra e a oportunidade de começar a escrever mais um capítulo de uma história nova sobre histórias já vividas ou passadas. Ou quem sabe mesmo, antecipar-se à própria história. O tempo assim o dirá !!! A decisão da Associação Brasileira de Pesquisadores da História da Mídia, que emergiu de uma rede de pesquisa que se denominou Rede ALCAR, em homenagem ao pioneiro da pesquisa sobre a história da imprensa no Brasil, o jornalista Alfredo de Carvalho, de realizar em anos alternados ao seu congresso anual, os primeiros Congressos Regionais, começa, a partir daqui, a configurar-se como uma estratégia bem sucedida de fomentar o diálogo e a produção científica sobre lacunas da história da comunicação no Brasil. Ocupando justamente a lacuna do distanciamento geográfico entre as regiões deste imenso território chamado Brasil. Com esta decisão, realizamos então neste mês de abril de 2010, uma primeira tentativa de reunir pesquisadores paulistas, mineiros, cariocas/fluminenses e capixabas, para darem seus testemunhos de como cresceu o interesse na região e no país, para que novas histórias sobre o jornalismo impresso em jornais e revistas, agências e campanhas publicitárias, experiências no campo áudio visual com o rádio e a televisão especialmente e as novas ondas da internet, sejam transformadas em capítulos novos de uma história a ser recontada e reconstruída. O movimento pela reconstrução da história da comunicação no Brasil surgiu tendo como pano de fundo a celebração do bicentenário da chegada – tardia, é bom que se diga! – da imprensa ao Brasil em 2008. Ele foi ganhando novas configurações com a realização de encontros, congressos, a edição de livros, a publicação de novos olhares sobre a influência e a importância desta nova história que estava latente, mas buscava inspiração e espaço para ser recontada. E, ao ser recontado, difundido entre as novas gerações de pesquisadores, estudantes e profissionais que fazem da arte de comunicar, a sua profissão e compromisso de vida. Com a descentralização dos congressos e a criação destes espaços regionais, a Rede ALCAR certamente ampliará suas oportunidades de conseguir o intento de chegar às novas gerações e, com a sua produção intensa, criar novos repertórios, necessários à atualização deste campo do conhecimento. Este primeiro congresso regional Sudeste trás, por si, mais do que o compromisso dos pesquisadores ,estudantes e profissionais, o compromisso de que, entre nós, o interesse pela história da nossa própria cultura, refletida através dos meios de comunicação, é um método eficaz para dimensionarmos os nossos compromissos nos campos do ensino e da pesquisa. Com as novas histórias recontadas, vamos, aos poucos, reconhecendo o papel, o talento, a contribuição de 7 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais atores que a escreveram e a forjaram, em tempos de outras e imensas dificuldades e que nos legaram apreço e honra para o nosso ofício. Queremos agradecer a todos aqueles que se empenharam para que o Congresso fosse bem recebido pela comunidade científica e pelo mercado profissional. E que as histórias que começamos a recontar neste CD, sejam estimuladoras para que pesquisadores e profissionais as reproduzam em sala de aula,pelo espaço virtual e com elas encantem os nossos alunos. Com ele, reabrimos o espaço para contar histórias. Este congresso representa para a nossa região o termo clássico de abertura de muitas histórias. “Era uma vez...em S~o Paulo,em abril de 2010...” E nos ajude, através da Rede ALCAR e resgatar a história, a memória e os compromissos da comunicação com a sociedade brasileira. “E quem quiser, que conte outra história”! São Paulo, 29 de abril de 2010. Esmeralda Rizzo, Diretora do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Adolpho Queiroz, Presidente do I Congresso de História da Mídia da Região Sudeste, Angela Schaun, Coordenadora Geral do I Congresso de História da Mídia da Região Sudeste e Coordenadora de Pesquisa do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Desejamos a todos um bom Congresso! Comissão Organizadora 8 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais PROGRAMA DA REUNIÃO CIENTÍFICA DIA HORÁRIO LOCAL ATIVIDADES 29/04 16h às 19h Aud. Rev. Wilson de Souza Lopes Rua Piauí, 143 11º andar Credenciamento 30/04 19h Aud. Rev. Wilson de Souza Lopes Solenidade de Abertura 20h Aud. Rev. Wilson de Souza Lopes Conferência Inaugural Profa. Dra. Mirta Varela (Profa. de História da Universidade de Buenos Aires – Argentina) 9h às 12h Aud. Rev. Wilson de Souza Lopes Mesa-Redonda: MEMÓRIA DA MÍDIA E GLOBALIZAÇÃO Moderador: Profa. Dra. Angela Schaun, Coord. de Pesquisa do CCL - UPM Jornalista Monica Villela Grayley (Coord. Dep. Multimídia da ONU-NY-USA) Prof. Dr. José Marques de Melo – UMESP – Jornalismo Impresso Profa. Dra. Sandra Reimão – USP – História da Televisão 11h30 às 12h30 Aud. Rev. Wilson de Souza Lopes Rua Piauí, 143 3º andar LANÇAMENTO DOS LIVROS Coleção Imprensa Brasileira: personagens que fizeram a História – Prof. Dr. José Marques de Melo – Ed. Da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. A História da TV Gazeta – Elmo Francfort – Ed. da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. História Cultural da Imprensa – Brasil 1800-1900 – Profa. Dra. Marialva Barbosa – Ed.Mauad. Sotaques Regionais da Propaganda – Adolpho Queiroz – Ed. Arte e Ciência. 14h às 18h GT 1 Prédio 36 sala 201 GRUPO DE TRABALHO GT 1 – HISTÓRIA DO JORNALISMO Coord.: Profa. Dra. Letícia Costa – UNITAU A história das Coberturas Eleitorais nos Jornais Brasileiros Maria de Jesus Daiane Rufino Leal Desde 1886 o Diário do Rio Claro Adolpho Queiroz, Luciana Nicoleti, Silvia Venturoli e Vivaldo Stephan Junior Jornalismo Literário: uma discussão sobre a verdade dos fatos Francilene de Oliveira Silva 9 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Mídia Regional: a constituição dos veículos impressos da área da Nova Alta Paulista Ieda Cristina Borges Monteiro Lobato, jornalista do Vale do Paraíba Francisco de Assis Perspectivas Históricas do Jornalismo Do Literário ao New Journalism chegando à polêmica do Jornalismo Gonzo Wilson Krette Júnior O Jornal como Tribuna: a voz de Francisca Senhorinha da Motta Diniz Aparecida Maria Nunes Tópico Epistolar e Linguagem Telegráfica na Inauguração do Canal de Suez: uma análise das matérias do New York Times e do Diário de Notícias de Lisboa. 1869-1870. José Maurício Saldanha Álvarez A Revisão do Papel Feminino na Educação e Cultura dos Anos 1930 e 1940: Um Estudo de Caso do Vespertino Paulistano A Gazeta Profa. Dra. Gisely Valentim Vaz Coelho Hime De Tobias Peucer a Galtung & Ruge: um olhar para as sistematizações históricas do conceito de valor-notícia Marcos Paulo da Silva 14h às 18h GT 2 Prédio 36 sala 202 GRUPO DE TRABALHO GT2 – HISTÓRIA DA PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL Coord.: Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo A Análise do Discurso das Peças Publicitárias de Empresas de Telefonia Móvel, Direcionadas a Jovens Universitários Denio Dias Arrais A História de uma Marca: do local ao desterritorializado Fernanda Mayer dos Santos Souza; Flávia Mayer dos Santos Souza Marketing & Moda Maria Teresa Sokolowski Pioneiros da Publicidade nas Cidades de São Paulo e Piracicaba: João Castaldi e Manoel de Oliveira Adolpho Queiroz A Comunicação através dos Tempos José Estevão Favaro; Petra Sanchez Sanchez CTI Jornal: análise das características de um jornal de empresa Robson Bastos da Silva; Viviane Fushimi; Aline Fernanda Lima 10 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A Publicidade Brasileira e os Anos 1960-70: a revolução criativa Lourdes Malerba Gabrielli Mito, Simbolismo e outros Ingredientes do Marketing Político Daniel Galindo; Rose Mara Vidal de Souza Reclames em Ação: memórias da publicidade brasileira Éldi Marisol Saucedo Teorias da Comunicação e Relações Públicas: reflexões sobre um diálogo possível Sandro Takeshi Munakata da Silva; Regina Rossetti Publicidade na Televisão Brasileira: um estudo de seu convívio nas últimas décadas Alexandre Mutran Uso de Ferramentas de Comunicação Digital na Gestão de Municípios: estudo de caso de São José dos Campos – SP Monica Franchi Carniello 14h às 18h GT 3 Prédio 36 sala 301 GRUPO DE TRABALHO GT 3 – HISTÓRIA DA MÍDIA IMPRESSA Coord.: Profa. Dra. Marli dos Santos - UMESP A política no Diário Mercantil nos Anos Pré-Golpe de 1964 Carolina Guedes Soares; Fernanda Pires Alvarenga Fernandes A História do Jornalismo Impresso no Litoral Norte Paulista Bruna Vieira Guimarães; Ricardo Reis Hiar Dupla Repórter-Fotógrafo na Revista O Cruzeiro e sua Influência no Jornalismo Brasileiro Gleissieli Souza Oliveira A Tipografia e seu Impacto na Modernidade Julio Cesar Lemes de Castro O Design Gráfico Brasileiro Revelado no Crivo do Tempo Isabel Orestes Silveira; Antonio Andrade Uma Breve História das Histórias em Quadrinhos no Brasil e na Argentina. Alberto Ricardo Pessoa O Elegante Mundo de Rio Ana Luiza F. Cerbino; Beatriz Cerbino 11 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 14h às 18h GT 4 Prédio 36 sala 302 GRUPO DE TRABALHO GT 4 – HISTÓRIA DA MÍDIA SONORA Coord.: Profa. Ms. Lenize Cardoso Villaça – UPM/FMU Audiolivro: uma arte nascente César Augusto Dionísio Panorama das Emissoras de Rádio Presentes em Boa Vista Andréia Rego Rádio em Botucatu: 70 anos de história Adriana M. Donini Programas Portugueses em Rádios de São Paulo: a memória e seus códigos Adriana M. Donini O Remédio é Muito Bom. O Moço do Rádio Falou! O Rádio e a Propaganda de Medicamentos no Brasil. Paula Renata Camargo Jesus As Eleições Norte-Americanas nas Ondas do Rádio Brasileiro: a cobertura de Caio Blinder no Jornal da Manhã da Jovem Pan Thybor Malusá Brogio 14h às 18h GT 5 Prédio 36 sala 303 GRUPO DE TRABALHO GT 5 – HISTÓRIA DA MÍDIA VISUAL E AUDIOVISUAL Coord.: Prof. Ms. Francisco Redondo Periago – UPM Cidade e Memória: a construção da identidade urbana pela narrativa audiovisual Christina Ferraz Musse; Mariana Ferraz Musse Sobre Televisão e Experimentação Artística: Eduardo Coutinho e o Globo Repórter Gilberto Alexandre Sobrinho Televisão, Democracia e Propaganda Política no Brasil Rose Mara Vidal de Souza 14h às 18h GT 6 Prédio 36 sala 204 GRUPO DE TRABALHO GT 6 – HISTÓRIA DA MÍDIA DIGITAL Coord.: Prof. Dr. Irineu Guerrini – Faculdade Cásper Líbero Roteiristas Virando Histórias: trajetória brasileira do autor oculto Glaucia Eneida Davino Vídeo Institucional: o audiovisual na comunicação organizacional Leonardo Carlim 12 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 14h às 18h GT 7 Prédio 36 sala 203 GRUPO DE TRABALHO GT 7 – HISTÓRIA DA MÍDIA ALTERNATIVA Coord.: Profa. Dra. Maria Cristina Gobbi – UNESP/Bauru A Escritura Marginal como Expressão de Resistência Social Marco Antonio Bin História de uma Comunicação Possível: censura política, jornalismo e imprensa alternativa no Brasil do regime militar 1964-1980 Alice Mitika Koshiyama Em Defesa da Comunicação Popular: a experiência do Jornal Pastoral da Criança Cristiane Oliveira Reimberg A Ideia de um Jornal dos Pobres: primórdios do jornalismo alternativo Rafael Duarte Oliveira Venâncio 14h às 18h GT 8 Prédio 36 sala 101 GRUPO DE TRABALHO GT 8 – HISTORIOGRAFIA DA MÍDIA Coord.: Profa. Dra. Rosana Schwartz – UPM A Origem e a Evolução da Narrativa como parte da História da Mídia Julia Stateri Historiografia, Gênero, Imagens e Cultura Brasileira Rosana Schwartz; Vanessa Molina As Comparações entre o Atual e a História nas Narrativas Jornalísticas e a Constituição da Historiografia do Presente a partir de seu Outro Eliza Bachega Casadei GAROTAS PROPAGANDA Maria Elisa Vercesi de Albuquerque Os Lanterneiros na Era Vargas: construção imagética de um jornal anarquista (1933-1935) Maria Emilia Martins Pinto Os Olhos de Argos: novas mídias e privacidade Patrício Dugnani Corpo, Mídia e História: o carnaval, suas “concentrações” e a espetacularização da imagem do centenário da imigração japonesa em 2008. José Mauricio Conrado Moreira da Silva; Alexandre Huady Torres Guimarães; Regina Wilke e Silvia C. Cristina 13 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 19h às 21h Aud. Rev. Wilson de Souza Lopes Rua Piauí, 143 – 11º andar Mesa de Encerramento Tema: HISTÓRIA, LITERATURA, FILOSOFIA E MÍDIA Moderador: Prof. Dr. Adolpho Queiroz - UPM Profa. Dra. Marialva Barbosa -Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Tuiuti – Curitiba/PR. Profa. Dra. Marisa Lajolo – Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras – UPM Profa. Dra. Marcia Tiburi – Profa. do Programa de PósGraduação em Educação, Arte e História da Cultura – UPM Prof. Dr. Frederico Alexandre Hecker – UPM/UNESP 14 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais SUMÁRIO Apresentação 7 Programação 9 Grupos de Trabalhos 20 GT 1 – HISTÓRIA DO JORNALISMO 21 A história das Coberturas Eleitorais nos Jornais Brasileiros Maria de Jesus Daiane Rufino Leal 22 Desde 1886 o Diário do Rio Claro Adolpho Queiroz, Luciana Nicoleti, Silvia Venturoli e Vivaldo Stephan Junior 35 Jornalismo Literário: uma discussão sobre a verdade dos fatos Francilene de Oliveira Silva 54 Mídia Regional: a constituição dos veículos impressos da área da Nova Alta Paulista Ieda Cristina Borges 61 Monteiro Lobato, jornalista do Vale do Paraíba Francisco de Assis 72 Perspectivas Históricas do Jornalismo Do Literário ao New Journalism chegando à polêmica do Jornalismo Gonzo Wilson Krette Júnior 88 O Jornal como Tribuna: a voz de Francisca Senhorinha da Motta Diniz Aparecida Maria Nunes 105 Tópico Epistolar e Linguagem Telegráfica na Inauguração do Canal de Suez: uma análise das matérias do New York Times e do Diário de Notícias de Lisboa. 1869-1870. José Maurício Saldanha Álvarez 114 A Revisão do Papel Feminino na Educação e Cultura dos Anos 1930 e 1940: Um Estudo de Caso do Vespertino Paulistano A Gazeta Gisely Valentim Vaz Coelho 124 15 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais De Tobias Peucer a Galtung & Ruge: um olhar para as sistematizações históricas do conceito de valor-notícia Marcos Paulo da Silva 137 GT2 – HISTÓRIA DA PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL 147 A Análise do Discurso das Peças Publicitárias de Empresas de Telefonia Móvel, Direcionadas a Jovens Universitários Denio Dias Arrais 148 A História de uma Marca: do local ao desterritorializado Fernanda Mayer dos Santos Souza; Flávia Mayer dos Santos Souza 157 Marketing & Moda Maria Teresa Sokolowski 169 Pioneiros da Publicidade nas Cidades de São Paulo e Piracicaba: João Castaldi e Manoel de Oliveira Adolpho Queiroz 180 A Comunicação através dos Tempos José Estevão Favaro; Petra Sanchez Sanchez 200 CTI Jornal: análise das características de um jornal de empresa Robson Bastos da Silva; Viviane Fushimi e Aline Fernanda Lima 208 A Publicidade Brasileira e os Anos 1960-70: a revolução criativa Lourdes Malerba Gabrielli 218 Mito, Simbolismo e outros Ingredientes do Marketing Político Daniel Galindo; Rose Mara Vidal de Souza 231 Reclames em Ação: memórias da publicidade brasileira Éldi Marisol Saucedo 243 Teorias da Comunicação e Relações Públicas: reflexões sobre um diálogo possível Sandro Takeshi Munakata da Silva; Regina Rossetti 253 Publicidade na Televisão Brasileira: um estudo de seu convívio nas últimas décadas Alexandre Mutran 265 16 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Uso de Ferramentas de Comunicação Digital na Gestão de Municípios: estudo de caso de São José dos Campos – SP Monica Franchi Carniello 275 GT 3 – HISTÓRIA DA MÍDIA IMPRESSA 291 A política no Diário Mercantil nos Anos Pré-Golpe de 1964 Carolina Guedes Soares; Fernanda Pires Alvarenga Fernandes 292 A História do Jornalismo Impresso no Litoral Norte Paulista Bruna Vieira Guimarães; Ricardo Reis Hiar 304 Dupla Repórter-Fotógrafo na Revista O Cruzeiro e sua Influência no Jornalismo Brasileiro Gleissieli Souza Oliveira 313 A Tipografia e seu Impacto na Modernidade Julio Cesar Lemes de Castro 320 O Design Gráfico Brasileiro Revelado no Crivo do Tempo Isabel Orestes Silveira; Antonio Andrade 330 Uma Breve História das Histórias em Quadrinhos no Brasil e na Argentina Alberto Ricardo Pessoa 342 O Elegante Mundo de Rio Ana Luiza F. Cerbino; Beatriz Cerbino 351 GT 4 – HISTÓRIA DA MÍDIA SONORA 361 Audiolivro: uma arte nascente César Augusto Dionísio 362 Panorama das Emissoras de Rádio Presentes em Boa Vista Andréia Rego 369 Rádio em Botucatu: 70 anos de história Adriana M. Donini 378 Programas Portugueses em Rádios de São Paulo: a memória e seus códigos Mônica Rebecca Ferrari Nunes 390 17 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 401 O Remédio é Muito Bom. O Moço do Rádio Falou! O Rádio e a Propaganda de Medicamentos no Brasil. Paula Renata Camargo Jesus As Eleições Norte-Americanas nas Ondas do Rádio Brasileiro: a cobertura de Caio Blinder no Jornal da Manhã da Jovem Pan Thybor Malusá Brogio 407 GT 5 – HISTÓRIA DA MÍDIA VISUAL E AUDIOVISUAL 419 Cidade e Memória: a construção da identidade urbana pela narrativa audiovisual Christina Ferraz Musse; Mariana Ferraz Musse 420 Sobre Televisão e Experimentação Artística: Eduardo Coutinho e o Globo Repórter Gilberto Alexandre Sobrinho 429 Televisão, Democracia e Propaganda Política no Brasil Rose Mara Vidal de Souza 438 GT 6 – HISTÓRIA DA MÍDIA DIGITAL 450 Roteiristas Virando Histórias: trajetória brasileira do autor oculto Glaucia Eneida Davino 451 Vídeo Institucional: o audiovisual na comunicação organizacional Leonardo Carlim 464 GT 7 – HISTÓRIA DA MÍDIA ALTERNATIVA 477 A Escritura Marginal como Expressão de Resistência Social Marco Antonio Bin 478 História de uma Comunicação Possível: censura política, jornalismo e imprensa alternativa no Brasil do regime militar 1964-1980 Alice Mitika Koshiyama 487 Em Defesa da Comunicação Popular: a experiência do Jornal Pastoral da Criança Cristiane Oliveira Reimberg 495 18 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A Idéia de um Jornal dos Pobres: primórdios do jornalismo alternativo Rafael Duarte Oliveira Venancio 507 GT 8 – HISTORIOGRAFIA DA MÍDIA 520 A Origem e a Evolução da Narrativa como parte da História da Mídia Julia Stateri 521 Historiografia, Gênero, Imagens e Cultura Brasileira Rosana Schwartz; Vanessa Molina 532 As Comparações entre o Atual e a História nas Narrativas Jornalísticas e a Constituição da Historiografia do Presente a partir de seu Outro Eliza Bachega Casadei 540 Garotas Propaganda Maria Elisa Vercesi de Albuquerque 553 Os Lanterneiros na Era Vargas: construção imagética de um jornal anarquista (1933-1935) Maria Emilia Martins Pinto 567 Os Olhos de Argos: novas mídias e privacidade Patrício Dugnani 576 Corpo, Mídia e História: o carnaval, suas “concentrações” e a espetacularização da imagem do centenário da imigração japonesa em 2008. José Mauricio Conrado Moreira da Silva; Alexandre Huady; Regina Wilke; Silvia C. Cristina 585 19 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais G RUPOS DE TRABALHOS 20 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais G T – 1 HISTÓRIA DO JORNALISMO 21 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A HISTÓRIA BRASILEIROS1 DAS COBERTURAS ELEITORAIS NOS JORNAIS Maria de Jesus Daiane Rufino LEAL Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Universidade Metodista de São Paulo - SP 1. Introdução Ao longo da história brasileira, os jornais impressos influíram diretamente no debate político, seja em períodos eleitorais ou não. No século XIX, quando o jornal era o único instrumento midiático, sua presença na vida pública e na discussão dos rumos nacionais foi essencial. Mesmo em um país de iletrados, o jornalismo essencialmente opinativo conseguiu romper os limites e atingir a população para a difusão de ideais revolucionários. No século XX, as invenções tecnológicas mudaram o fazer jornalístico, o aparecimento de outras mídias tirou a unanimidade do jornal, no entanto não aniquilou o mais antigo meio de comunicação de massa do mundo. A persistência do jornal reafirma a sentença de que novas mídias não põem fim a mídias mais velhas, obriga-as a efetuar mudanças. Foi assim com o rádio e a televisão, as conseqüências do aparecimento da internet para a imprensa ainda não foram suficientemente estudadas ou concluídas. Convivendo com outras mídias, o jornalismo impresso ainda é importante para o relacionamento com os formadores de opinião e para pautar outros veículos como a televisão e a internet. Apesar de abranger um universo bem menor de pessoas, o que é notícia em um jornal é sempre reproduzido pelos outros meios. O caráter documental e histórico é outra vantagem do jornal impresso, o conteúdo publicado nas páginas dos jornais entra para a história, visto que esta é uma das fontes mais consultadas por pesquisadores das diversas áreas das ciências sociais e humanas. Kuttz e Luyten (1982) relacionam as vantagens do jornal impresso para as campanhas eleitorais. Apesar de sua análise ter sido feita na década de 80, seus conceitos ainda são pertinentes para os dias atuais. Segundo o autor as vantagens do jornal são: aliar a imagem (foto) a escrita; suas mensagens são de cunho duradouro e servem como documento; sua estrutura permite tratar de minúcias, apresentar prós e contras. Sobre imprensa e política no Brasil, esta relação data das origens do jornalismo, quando o país ainda era colônia de Portugal. O primeiro jornal a circular 1 Artigo para o Grupo de Trabalho sobre Jornalismo no I Congresso de História da Mídia do Sudeste realizado nos dias 29 e 30 de abril na Universidade Mackenzie em São Paulo. 22 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais no Brasil, o Correio Brasilense, impresso em Londres, sob o comando de Hipólito da Costa, era mantido com auxílio financeiro do governo Inglês. Na história da imprensa tupiniquim, a política foi sempre o principal assunto e razão para a existência dos primeiros jornais. No período pré-independência muitos periódicos surgiram alimentados pela disputa política entre absolutistas e liberais, a exemplo do que acontecia na Europa. A República, o federalismo, a abolição da escravatura foram alimentadas pelas disputas de idéias tendo o jornal como arena principal. Um destes exemplos fora a fundação do primeiro jornal Republicano do país, a Gazeta Pernambucana, por José Cipriano Barata. Durante a Constituinte da Independência de 1823 outros jornais surgiram com o propósito de debater os rumos do país. Entre eles, o Tifis Pernambucano, periódico fundado por Frei Caneca que fazia críticas ao Império. O Tamoio, de José Bonifácio de Andrade e Silva, que fazia oposição ao governo e aos democratas. Durante o período de Regência (de 1831 a 1840) os jornais impulsionaram duas das muitas revoltas que aconteceram em diversos estados contra o centralismo. A Sabinada (Bahia) e a Revolta Praieira (Pernambuco). A primeira apoiada pelo médico Sabino Vieira, dono do jornal Novo Diário da Bahia e a segunda apoiada pelo jornal recifense O Diário Novo. Desde o Brasil Colônia até os dias atuais os jornais fazem parte da história política do país, não somente como espaço de relato dos acontecimentos, mas como agentes ativos nos processos de disputa política. 2. Primeira República: a imprensa protagonista no processo eleitoral Esta primeira fase de democracia brasileira, que acontece no começo do século XIX, compreendeu um momento de luta pela implantação da República. As campanhas eleitorais tinham como pano de fundo a defesa de modelos de governo que melhor atenderiam a necessidade de construção de uma nova nação. No primeiro governo republicano do presidente Marechal Deodoro da Fonseca, a imprensa foi usada essencialmente para a divulgação dos princípios republicanos. O primeiro presidente do Brasil contou com o apoio de intelectuais e jornalistas que souberam fazer uso dos jornais na defesa do novo modelo de governo. Guimarães (2007) relaciona os propagandistas da República que tiveram influência para a consolidação do governo de Deodoro da Fonseca: Quintino Bocaiúva – jornalista, escreveu o Manifesto republicano de 1870 com a colaboração de outros republicanos. O texto foi publicado no jornal A 23 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais República. Considerado por Sodré (1977, p 287) como “[...] a figura mais importante do periodismo republicano [...]”. Silva Jardim – na campanha de Marechal Deodoro, ao invés das tradicionais reuniões fechadas, ele realizava manifestações abertas, os comícios. Usou muito a publicação de artigos em jornais na defesa da República. Rui Barbosa – contribuiu com a publicação de artigos onde defendia o federalismo e criticava a monarquia. Benjamin Constant – convenceu Deodoro a liderar o golpe da Proclamação. Assumiu o Ministério da Guerra e o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Apesar de ter o apoio da maioria dos jornais, Marechal Deodoro da Fonseca teve que enfrentar os jornais opositores que defendiam a volta da Monarquia. Ele não hesitou e usou de artifícios ditatoriais para conter a manifestações. Jornalistas monarquistas chegaram a ser presos por terem participado de um levante com intenção de recolocar D.Pedro II no trono. As charges em jornais e revistas foram instrumentos de deboche e zombaria na política, fato que costumava irritar o presidente Deodoro. Os principais caricaturistas e chargistas da época foram: Ângelo Agostini, Bento Barbosa e Benedito Bastos Barreto Belmonte. As charges ocupavam o lugar do que seriam atualmente das fotografias. Esta já existia, mas não se podia transportá-la para as páginas do jornal. Na campanha de Deodoro a presidente dois jornais tiveram funções essenciais: A Tribuna, que foi usado contra Deodoro e O País, que tinha Quintino Bocaiúva como redator-chefe, deu amplo apoio, publicando artigos opinativos, pagos pelos autores, na defesa da candidatura. Outros jornais importantes do período: O Estado de S.Paulo, Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio. Na eleição de Campos Salles, em 1896, a temática republicana também era o tema principal nos jornais brasileiros. “Campos Sales foi um dos membros do movimento republicano que mais acreditou e investiu na imprensa”. (CORTE REAL, 2005, p 53). Como presidente do Brasil, Campos Salles dedicou-se muito a imprensa, tanto financeiramente como intelectualmente. Antes de assumir a presidência, depois de eleito, Campos Salles fez uma viagem a Europa e levou um redator do Jornal do Comercio, o jornalista Tobias Monteiro, que escreveu depois um livro com detalhes da viagem. 24 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Em seu governo, ele também sofreu com a oposição de jornais e jornalistas. A liberdade de imprensa possibilitava a publicação de criticas ao governo através de textos, charges e caricaturas. Entre os críticos estavam Ruy Barbosa em seu jornal A Imprensa e José do Patrocínio em Cidade do Rio. (CORTE REAL, 2005, p 61). Em seu livro ‘Da Propaganda à Presidência’, Campos Salles (1998 apud Corte real, 2005) expressa de maneira relativamente clara que, como Presidente da República dedicou a manutenção de uma verba secreta governamental para “compra” de jornalistas. Prática ainda comum nos dias de hoje. No livro ele argumenta que esta prática era comum desde a monarquia, quando eram usados os “fundos secretos do Tesouro para o serviço da imprensa”. A partir de 1870 outros temas começaram a aparecer na imprensa como a escravidão, questão religiosa, eleitoral, federativa, militar e o próprio regime político. Sodré (1977) diz que questões e reformas refletiam-se na imprensa e esta ampliava a sua influência. Os principais jornais da época eram A Província de São Paulo, que em 1889 passou a ser denominado de O Estado de São Paulo sob a bandeira Republicana e o Jornal do Brasil, fundado em 1891, no Rio de Janeiro. Mas em todas as regiões do país surgiam jornais, no ano de 1902, na região do Vale do Paraíba, no auge da produção cafeeira, os periódicos com a bandeira republicana apoiavam o candidato a presidente da República Rodrigues Alves. Nas eleições de 1902 os jornais costumavam fazer campanha para que os eleitores comparecessem na votação. O Partido Republicano, sigla de Rodrigues Alves era quem comandava a campanha de convocação dos eleitores como estratégia para vencer as eleições. Por outro lado, os jornais monarquistas como O Estado de São Paulo ignoravam o assunto eleições. Os presidentes republicanos que sucederam Campos Sales: Rodrigues Alves e Afonso Pena deram continuidade as estratégias de relacionamento com a imprensa tanto nas campanhas quando durante o governo. Como candidato único nas eleições de 1906, o mineiro Affonso Penna, usou os jornais para divulgar seu programa de governo. Neste ano, dois jornais tiveram destaque no processo eleitoral: o Correio da Manhã e O Paiz. Segundo Sodré (1977) o Correio da Manhã desempenhou papel de quebrar a uniformidade política dos gabinetes, levantou o clamor das camadas populares, defendendo a pequena burguesia. O Paiz era ligado às elites da Velha República, em defesa dos interesses da política do café com leite. Ainda na política do café-com-leite, a campanha de 1922 que levou Arthur Bernardes à Presidência da República, se apresentou como uma das mais “disputadas” da Primeira República. 25 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais No começo dos anos 20 do século passado, as forças políticas dos estados do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro estavam descontentes com a política café-com-leite. Para combater a hegemonia de Minas e São Paulo, lançaram à candidatura de Nilo Peçanha a presidente do Brasil na chapa Reação Republicana contra o candidato de Minas, Arthur Bernardes. Os estados descontentes não pouparam no uso de ataques na imprensa. Segundo Torrezam (2008), o grande abalo à candidatura de Arthur Bernardes veio quando o Correio da Manhã publicou cartas que tinham autoria atribuída ao candidato. As cartas ofendiam as classes armadas, incitando uma crise militar. Uma semana depois das publicações no jornal carioca, Bernardes viajou para o Rio de Janeiro para ler sua plataforma de governo, foi recebido com chuva de tomates e ovos podres. Ele negou a autoria das cartas, a população e o Exercito se dividiram entre os que acreditavam na inocência de Bernardes e os que pediam a renúncia de sua candidatura. A marca registrada do Correio da Manhã era jornalismo opinativo levado ao extremo. O periódico empreendeu campanha descarada contra Arthur Bernardes, mostrando exemplos de má administração do candidato desde os tempos iniciais da sua carreira política como deputado em Viçosa (MG). Já o Diário de Minas atuou na defesa de Arthur Bernardes, o jornal rebateu, inclusive, a acusação de que as cartas publicadas pelo Correio da Manhã eram de autoria de Bernardes. (TORREZAM, 2008). Um mês antes das eleições, um fato novo veio a ajudar na campanha de Arthur Bernardes: o senador Ruy Barbosa, figura influente na política mundial, até então neutro no processo eleitoral, saiu em defesa de Bernardes. Suas declarações foram reproduzidas pelos jornais de todo o país e em países como a França e Espanha. Depois das declarações de apóio, Ruy Barbosa também passou a ser alvo de críticas por parte do Correio da Manhã. Outra estratégia usada pelo Diário de Minas, foi a publicação, há 11 dias da eleição, de uma prévia contagem de votos possíveis para os candidatos à presidência, dando vantagem para Arthur Bernardes. Esta prática ainda é usada por partidos políticos, mas com o aval das técnicas modernas de pesquisa eleitoral. Neste período os jornais foram fundamentais para a conscientização da população com direito a voto para a importância de comparecer as urnas. Um movimento da imprensa, encabeçada pelo Diário de Minas, propagou o alistamento eleitoral e fez com que muitos fossem votar. Neste período, para votar era preciso comprovar posses. O jornal conseguiu com que “o voto fosse promovido de ato cívico e patriótico, a ato heróico”. (TORREZAM, 2008, p 57). 26 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Na campanha eleitoral de 1926, o candidato Washington Luis, o “Dr. Estradeiro”, inovou no relacionamento com a imprensa, com a produç~o de notícias para jornais não-simpatizantes e divulgação pelo jornal do Partido Republicano Paulista (PRB) “Correio Paulistano”. (FRANCO, 2008, p 134) 3. Era Vargas: Jornais Controlados Na primeira metade dos anos 40 o país vivia sob a Ditadura de Getúlio Vargas, instaurada em 1937 e que permaneceu até 1945. Este momento histórico, conhecido como Estado Novo é marcado pelo cerceamento da liberdade de imprensa e pela ação da censura e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939. Além de ter usado com freqüência o radio e o cinema para propaganda política, Getúlio Vargas fez uso da imprensa, que foi o foco da censura no período. O governo exerceu a coerção e o controle para que a imprensa se enquadrasse dentro das circunstancias do regime. O governo tratou de criar a Agencia Nacional com a função de produzir artigos doutrinários com intenção de induzir o leitor à simpatia com o Regime. A fotografia de Vargas foi amplamente divulgada nos jornais no período. A propaganda servia ainda para estabelecer uma aliança com sindicatos, criando um controle ideológico nas entidades trabalhistas, através da compreensão do processo histórico, que pudesse auxiliar na manipulação da opinião pública. Entre as atrocidades cometidas contra a imprensa, houve o episódio de 25 de março de 1940 de invasão do prédio sede do jornal Estado de São Paulo, sob a alegação de que estariam acontecendo reuniões contra o governo. O Estado impediu a família Mesquita de administrar o jornal e o mesmo passou a ser dirigido pelo governo. Foi no Estado Novo que o povo passou a ser visto como uma massa uniforme, o novo governo vê a população como uma multidão irracional. O poder vigente buscava a construção de um ideal de nação onde prevalece a idéia de direcionamento político e intelectual dos que ocupam posição dominante em face do restante da população. O governo vê nos meios de comunicação um instrumento para difundir o conhecimento e noções, orientação a população vista como uma massa amorfa. A imprensa adquire, assim, um papel de educação. “No Estado Novo, o pilar para a construç~o de um projeto de identidade nacional foi a inclusão, via formulação discursiva e ideológica, do grupo urbano em maior crescimento nas cidades: os trabalhadores. E também para realizar esta proposta, a aç~o dos meios de comunicaç~o”. (BARBOSA, p 110). 27 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Neste cenário, as alianças com os dirigentes da imprensa eram importantes porque o governo queria a cooptação daqueles que possuíam o discurso e também a disseminação de uma nova visão de mundo. Percebe-se ainda o alinhamento dos dirigentes das principais publicações com o regime. Os que não aderiram ao regime sofreram perseguições, mas no geral houvera mais acordos e relações conjuntas entre o governo e a imprensa do que divergências. Para conquistar proprietários de meios de comunicação e jornalistas, o governo isenta estes profissionais do imposto de renda e financia inteiramente o papel para impressão para os jornais que apóiam o governo. Para a construção do consenso o governo usa a coerção, primeiro, da própria imprensa. No Brasil, nos anos 40, o Estado é seduzido para controlar a opinião pública a partir dos instrumentos de ação totalitária obtidos em 1937 por meio da ditadura. Incorpora ao seu ‘patrimônio jornais e emissoras de r|dio, cria um padr~o próprio de informação escrita e falada, além de recorrer, quando convém, à censura prévia de textos, imagens, espetáculos e diversões. (BAHIA, 1990 p 229). A imprensa cumpre o papel, por vontade própria ou por coerção, de tornar visível a simbologia de um líder que fala por esta massa, Getúlio Vargas aparece como o representante da vontade dos trabalhadores. Ele é a personificação do poder e a imprensa ajuda na construção da imagem mítica da soberania da sociedade política sobre o conjunto da sociedade. “O lugar de operacionalizaç~o da linguagem e da ideologia estado novista é a imprensa e os novos meios de comunicaç~o, sobretudo, o radio”. (BARBOSA, 2007, p 113). 3.1. A atuação do DIP A censura à imprensa no Estado Novo tinha dimensões macroscópicas. Através de um aparelho burocrático organizado, o governo acompanhava todo o material que era produzido pelos meios de comunicação e tinha o poder de autorizar ou vetar a sua publicação. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) representou o ápice da censura escancarada implantada pela Ditadura de Vargas. Este órgão foi, na verdade uma evolução de outros departamentos que ensaiavam o controle sobre o jornalismo e a publicidade. O DIP foi criado em 1939, como órgão subordinado diretamente ao presidente da República e ao Ministério da Justiça. Suas funções não se restringem a censura, sua tarefa maior era difundir a ideologia estadonovista, fazendo dela o discurso de toda a sociedade brasileira no período. Entre as funções do DIP estava a de autorizar, a cada mês, a devolução dos depósitos efetuados pelas empresas jornalísticas para a importação de papel, quando demonstrada a utilidade pública dos jornais, aqui entendido como a 28 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais divulgação das idéias do governo. O sistema de financiamento para compra do papel era uma forma de controlar e pressionar a imprensa. Qualquer manifestação rebelde por parte dos periódicos, o governo cortava o papel e a verba publicitária. O DIP controla ainda o registro dos jornais, das emissoras de rádio, dos serviços de alto-falantes, das revistas; ordena a prisão de jornalistas; fecha jornais; dita o que pode ou não ser publicado. Os jornalistas também tinham que obter registro no órgão, sob a justificativa de que exerciam função de caráter público. A exemplo de toda a máquina estatal, o DIP tinha uma grande estrutura. Dentro do órgão havia a Divisão de Imprensa, responsável por vigiar a produção discursiva dos impressos. Via DIP, o governo consegue cooptar os donos dos veículos de comunicação. As verbas oficiais, repassadas pelo Departamento, engordam os jornais, revistas, agências de notícias, emissoras de rádio. O governo ajuda ainda com subsídios para importação de equipamentos gráficos. (BAHIA, p 230). No mesmo ano em que o DIP foi criado, o governo publicou um decreto tornando a transmiss~o do programa “Hora do Brasil” obrigatória em qualquer estabelecimento comercial que possuísse aparelho de radiodifusão. Os jornais têm o papel de propagar o programa entre a população, o jornal A Manhã, por exemplo, faz entrevistas e sondagens sobre a opinião da população o sobre programa. A Agência Nacional, outro órgão do setor de comunicação do governo, funcionava como um jornal e dispunha de grande equipe com redatores, repórteres, tradutores. Assim grande parte do que se publicava nos jornais provinha da Agência. O regime de censura a imprensa permanece até fevereiro de 1945. Em 1946, uma nova Constituição é promulgada, através de uma Assembléia Constituinte. No novo texto é restabelecida a livre manifestação do pensamento sem dependência da censura. 4. Segunda República: Publicidade Eleitoral nos Jornais Os presidentes que sucederam Getúlio Vargas herdaram muitos dos artifícios do ex-presidente para conquistar popularidade. O mais emblemático dos presidentes, após Getúlio, o mineiro Juscelino Kubistchek, soube usar a imprensa para construir sua carreira política e articular sua candidatura a presidente. Segundo Picolin (2001), Juscelino conseguiu espaço para sair candidato a partir de articulações na imprensa. Em uma entrevista após a morte de Vargas aos Diários Associados ele disse que era o momento de se discutir eleições e forçou o debate no meio político. As constantes viagens de Juscelino, como governador de 29 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Minas, ao interior de seu Estado e a outros Estados brasileiros chamou a atenção dos jornais que diziam que ele estava em plena campanha eleitoral, mesmo antes da morte de Vargas. Como estratégias de campanha, Juscelino publicava anúncios em jornais de São Paulo com divulgação de entrevistas que iria ser transmitida por emissoras de televisão. Os recursos para publicação dos anúncios tinham patrocínio do capital privado, nacional e estrangeiro. A própria agenda de campanha de Juscelino mostra como ele priorizava a imprensa, em suas visitas as diversas cidades brasileiras sempre estavam incluídos horários para entrevistas a jornais locais. Além disto, a sua equipe publica anúncios dos comícios nos jornais da cidade onde iria acontecer o evento. Os jornais também foram muito úteis na campanha de Janio Quadros, em 1960. Os periódicos publicavam matérias pagas pelos comitês eleitorais, que reforçavam o texto com ilustrações da “vassoura”. “O instrumento janista foi assunto de artigos jornalísticos pelo qual os autores teciam comentários sobre a popularidade e a significaç~o do símbolo maior de Janio”. (GROSSI, 2001, p 63) Em sua pesquisa, Grossi constatou que jornais de todo o Brasil apoiavam Janio, entre estes os jornais O Povo (Fortaleza – CE), Diário Serrano (Cruz Alta – RS), Correio do Povo (Recife - PE), O Leste Mineiro (MG). Segundo o autor, os jornais do interior do Brasil davam apoio ao candidato, conforme a relação do jornal com lideranças políticas locais. “Tanto nos jornais do interior como das capitais eram veiculados anúncios publicitários dos candidatos. Essas propagandas políticas alimentavam a arrecadação publicitária dos periódicos, com grandes anúncios, que chegavam a tomar uma p|gina inteira”. (p 131). Jornais de alguns países também publicaram artigos comentando a campanha de Janio: El Mundo (Venezuela); La Prensa e La Nacion (Argentina); Moçambique Ilustrado (Moçambique). 5. Ditadura Militar: anos de chumbo para a imprensa As campanhas presidenciais do período do Regime Militar (1964 – 1985) eram feitas com suporte da censura e sufocamento das críticas. Naquele momento a televisão afirmava sua importância na comunicação de massa com a ampliação de sua abrangência em todo o território nacional. No entanto, os jornais ainda continuam sendo instrumentos relevantes para a comunicação política. A maioria dos jornais foi favorável a queda do presidente João Goulart e, inclusive, contribuiu com o Golpe de 1964, que chamou de “Revoluç~o”. 30 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A propaganda ideológica veiculada no período anterior ao Golpe tinha na elaboração da realidade mais convincente: a de que a administração militar seria uma revolução no sentido de sublevação, de valorização do trabalhador e do bem estar social, protegendo do comunismo os valores mais caros para a sociedade brasileira: a família, o direito de propriedade e a religião. (SAKAI, 2005, p 97). Em cima destes conceitos foi construída a imagem de Castelo Branco, primeiro presidente do novo Regime. Antes de deixar o Planalto, Castelo Branco aprovou a nova Lei de Segurança Nacional, que proibia ações e propaganda no campo político, econômico, psicossocial e militar. Em 9 de janeiro de 1967 aprovouse a Lei 5259, a Lei de Imprensa, que admitia a apreensão de jornais e revistas pelo Ministério da Justiça. No ano seguinte, a decretação do Ato Institucional-5, determinou a prisão de centenas de jornalistas. Um manual distribuído a imprensa indicava que cassados não podiam falar sobre política, nem os jornais poderiam criticar os Atos Institucionais. Nos anos de Chumbo os governos militares usaram o discurso jornalístico como uma das formas de difundir a propaganda ideológica. O discurso que era propagado como independente e neutro era um meio eficiente de propagação das idéias do governo ou da classe dominante. Um personagem principal para a comunicação deste período foi o marketeiro Coronel Octávio Pereira da Costa, considerado o mago da ditadura militar brasileira. Ele comandou a Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp) da Presidência da República entre os anos de 1969 a 1973. Foi tenente de infantaria, participando de campanha na Itália durante a II Guerra Mundial. Como general, comandou a 6ª Região Militar em Salvador (BA), após deixar a chefia da Aerp. Foi professor e conferencista e defendia nos artigos, que escrevia aos jornais, a posição militar perante a necessidade do golpe de 1964. Em uma análise das revistas Veja e Manchete e do jornal Folha de São Paulo, Carrilho (2005) observou que, no governo de Médice, o terceiro presidente do Regime Militar, “[...] houve o desenvolvimento de uma grande campanha de propaganda ideológica, com uma elaboraç~o minuciosa e uma difus~o precisa”. (p 176). Segundo a pesquisa citada, os discursos da imprensa que apresentavam Médice à população tinham características persuasivas. Usava frases de efeito e citações poéticas. Além de atitude de desqualificação do adversário, identificada como ação de contra-propaganda. As informações sobre grupos de oposição que chegavam à população eram contrariados pela comunicação oficial. No quarto governo Militar, do presidente Ernesto Geisel, os militares usaram parte da mídia nacional para promover uma campanha de propaganda 31 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais ideológica que buscou apresentar aos brasileiros de forma didática e positiva, informações pessoais, familiares e profissionais do presidente. (BAREL, 2007, p 170). Os demais presidentes militares, Costa e Silva e João Baptista Figueiredo usaram estratégias de comunicação similares a estas relatadas aqui. O objetivo sempre era o de persuasão da população através de uma propaganda que difundia a administração militar como a melhor para o país. 6. Redemocratização: Campanhas Profissionalizadas O primeiro candidato civil pós 64, mas ainda eleito com votação em Colégio eleitoral, Tancredo Neves não exerceu o mandato de presidente devido sua morte, mas entrou para a história como um dos principais articuladores da campanha pelas Diretas. A campanha de Tancredo para presidente da República e as ‘Diretas J|’, como ficou conhecida a campanha pela instituição do voto direto no país, têm muito em comum. Da experiência com o movimento pelas Diretas, a campanha de Tancredo herdou o estilo das peças publicitárias e o envolvimento da massa populacional. Durante a campanha de Tancredo Neves, os jornais tiveram o papel de veiculação dos anúncios publicitários, além da publicação de artigos. A assessoria do candidato também trabalhou com o envio de releases para as redações. O vice de Tancredo Neves, José Sarney ocupou o seu lugar na presidência da República. Este maranhense que já havia sido governador do seu estado natal, fez uma gestão tendo entre as prioridades, a comunicação. A primeira eleição direta do Brasil pós 64 aconteceu somente em 1992, saindo vitorioso o ex-governador do Estado de Alagoas, Fernando Collor de Melo. A imagem deste candidato e sua projeção no cenário político nacional foi construída na mídia enquanto Collor ainda era governador de Alagoas, os jornais deram contribuição importante no processo. Ricardo Costa (2001) relatou em sua pesquisa de Mestrado que uma série de reportagens publicadas no período de 1986 a 1989 nos principais veículos impressos do país, ajudaram Collor a ficar conhecido nacionalmente. Eram, em geral, matérias grandes e com destaque considerável para um dos Estados mais pobres do país. As ações do ent~o governador na “caça aos maraj|s” ganhou a simpatia da mídia. No período considerado na pesquisa de Costa (2001) eram comuns a publicação nos jornais de entrevistas com o governador sobre os mais diversos 32 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais assuntos da vida pública do país. Nas reportagens Collor estava sempre opinando sobre os rumos governo, do país. Fazia críticas constantes ao governo Sarney e ao Plano Verão. Falava sempre em modernização e moralização do estado de Alagoas. Os jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, O Estado de São Paulo publicaram muitas matérias com tom positivo para Fernando Collor. A ajudinha da imprensa foi fundamental para a candidatura e vitória de Collor. Esta estratégia faz parte da lógica da valorização dos sujeitos políticos ao invés da política. Citando Sennett (1995), Pitthan (2007) afirma que as pessoas estariam mais interessadas na vida do político do que nas suas crenças. “A espetacularização do poder político significa a absorção pela política de uma lógica produtiva da mídia comandada pelo entretenimento”. (p 123) A imprensa confirma-se então como eficiente na elaboração de mitos, na construção de imagens de pessoas públicas e, principalmente, na projeção de líderes políticos. Mesmo quando estes líderes não conseguem êxito na disputa de cargos majoritários, a exposição midiática lhes permite ascensão pública. Um destes casos, é o da senadora Heloísa Helena, candidata a presidente do Brasil nas eleições de 2006. No Brasil contemporâneo, das campanhas de eleições diretas, onde todos os brasileiros têm direito a voto, o jornal impresso continua a ser instrumento relevante para a conquista deste eleitorado. Mesmo tendo perdido força diante da televisão e agora da internet, não se pode subestimar o poder dos jornais para a vida política do país. 7. Conclusões O jornal foi ator essencial na campanha pela Proclamação da República e pela conquista democrática, nas campanhas das Diretas Já. Jornais são sempre referências importantes para medir a popularidade internacional de um político. O que sai nos principais jornais do mundo a televisão brasileira repercute. Compreende-se ainda que o jornal têm ampla influência na classe política nos dias atuais. É um instrumento eficiente para este diálogo, é capaz de levantar questões e até provocar adversários. Capaz de projetar nomes e ajudar a vencer eleições. Referências Bibliográficas AMARAL, Karla Cristina de Castro. Getúlio Vargas: o criador de ilusões. Dissertação de Mestrado. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2001. 33 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais BAHIA, Juarez. 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O prelo surgia em caixotes transportados ainda em lombadas morosas. Comentariava-se o próximo aparecimento da imprensa nesses suaves dias de maio de 1872. De então até a presente data, cerca de 70 periódicos diversos viram a luz nas terras de S. Jo~o.” (FERRAZ, 1922). Portanto, nos primeiros 50 anos da história da imprensa escrita de Rio Claro. Periodicamente a imprensa em Rio Claro vem sendo estudada desde 1898, quando Lafayette Toledo tentou dar uma visão da imprensa na capital e no interior do Estado (CAMARGO, 1986). A bibliografia cita as datas de maio de 1872 (FERRAZ, 1922) e janeiro de 1873 (COSTA,1953) como início de circulaç~o do bisseman|rio “Echo do Povo”, o primeiro jornal de São João do Rio Claro. Circulava nas quintas-feiras e domingos, conforme indica a edição de 23 de fevereiro de 1873, do acervo do Arquivo do Município de Rio Claro. Depois do Echo do Povo vieram outros tantos: Estrella D’Oeste - julho de 1873, o Rio-Clarense - setembro de 1874, O Correio do Sertão - janeiro de 1874, O Caipira - novembro 1875, O Futuro - janeiro de 1876, Gazeta Rio-Clarense - julho de 1877, O Trem - outubro de 1877, o Apha - janeiro de 1878, Jornal a Infância - registro em 1879; O Correio do Oeste em 1880, O Correio de Rio Claro - 1881, O Tempo - julho de 1882, Século XIX - abril de 1886, Diário do Rio Claro - setembro de 1886; O RioClarense - 1887. Em 1888 circularam: O Grêmio, Tiradentes, o Typógrafo e Treze de 35 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Maio. Já em 1889 ano da Proclamação da República, apareceram Commercio do Rio Claro e o Correio do Rio Claro. O La Libertá surge em 1891, Gazeta do Rio Claro – em julho de 1892. Em 1894 surgem na imprensa local: O Raio, O Século, Correio da Tarde e Jasmim. Em 1895 surgiram: O Rio Claro, Gazetinha e Espumas. No ano seguinte apareceram o Buffo, O município, A Corujá e A Bomba. A Gazeta do Commercio surge em 1897. O Rio Claro, a Pérola, Cidade do Rio Claro, L`Indipendente, O Martelo e o Prego nasceram em 1900. E o Rio-Clarinho em 1903. (FITTIPALDI, 1986). Uma passagem importante do pioneiro Echo do Povo descrita por FITTIPALDI (1986) foi justamente o seu fechamento que aconteceu em novembro de 1873, quando seu proprietário e fundador Nicanor Rodrigues Paz foi preso por abuso de liberdade de imprensa. Sua pena foi de 4 meses de reclusão. Estes foram os últimos periódicos surgidos no século XIX, antecedendo mais de uma centena de outros títulos que apareceriam ao longo do século XX. (FITTIPALDI, 1986). Nestes mais de 130 anos, dezenas de títulos fizeram a história da imprensa escrita em Rio Claro, que chegou ao ano 2002 representada pelo centenário Diário do Rio Claro (1886), Cidade de Rio Claro (1935) – também de circulação diária, os semanários Jornal Regional (1990), Jornal do Povo (1999), Tribuna 2000 (2000) e Udy Magalhães Special´s (2000). Este um semanário social que fechou as portas na edição 176 em 25 de maio de 2002, quando este material estava em fase final de elaboração. Alguns dias depois, o Jornal do Povo também encerrou suas atividades. O único centenário Em primeiro de setembro de 1886, surge no cenário da imprensa de Rio Claro, o primeiro jornal de circulação diária, denominado Diário do Rio Claro, hoje o terceiro mais antigo jornal diário em circulação no Estado de São Paulo. O Diário do Rio Claro é oriundo do semanário O Tempo, folha bissemanal, imparcial e noticiosa, que começou a circular em 1º de julho de 1882. “O Tempo era absolutamente alheio a lutas políticas e tinha por programa apenas a defesa dos interesses municipais, qualquer que fosse a forma sob a qual eles se apresentassem. O Tempo foi dirigido por Francisco de Assis Salles, pelo bacharel Eduardo de Camargo Neves, por Pedro Augusto do Carmo e finalmente, a partir de março de 1886, por José David Teixeira. Seus escritórios e tipografia ficavam na Rua do Regente Feijó (atual Avenida 2), nº 3. Encerrou suas publicações com o número 373, a 22 de agosto de 1886, dando lugar ao Di|rio do Rio Claro”. (FITTIPALDI, 1986). O Diário do Rio Claro teve como fundador e primeiro proprietário o Major José David Teixeira que, negociou a compra do semanário com o seu patrão, Dr. Eduardo de Camargo Neves, que estava desinteressado em continuar com o jornal O Tempo. Em 1º. de setembro de 1886, O Tempo passa a se chamar Diário do Rio Claro e ganha periodicidade diária. Naquela época, a tipografia funcionava na 36 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Avenida 2 número 68. O relato da origem do Diário também foi obtido através de entrevista com o jornalista Paulo Jodate David, neto do Major David, aos autores (maio, 2002). Os primeiros anos do jornal foram marcados pelas campanhas explícitas a favor da abolição da escravatura e pela proclamação da República (FITTIPALDI, 1986). Apesar da divulgação de que o Diário era um jornal imparcial e noticioso, o Major José David Teixeira era um republicano, garante seu neto Jodate David. O surgimento do jornal Diário acontece simultaneamente a acontecimentos importantes da época, caso do movimento republicano (PEREIRA, 1985). Um documento extremamente significativo para a vida do Diário do Rio Claro foi registrado nas páginas do jornal Século XIX. Este registro é raro e pode comprovar a empolgação e expectativas que cercavam o aparecimento do Diário. O Século XIX, jornal rio-clarense literário e noticioso de publicação quinzenal, noticiou quarta-feira, primeiro de setembro de 1886 em sua primeira p|gina: “Surge hora { tona da popularidade, um jornal diário que será a prova mais exuberante do crescente desenvolvimento de nossa cidade”. A mais antiga edição do Jornal Diário do Rio Claro mantida em arquivo, é de 4 de março de 1894, e est| no acervo do Museu Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga”, no município de Rio Claro. Seu estado de conservaç~o compromete a leitura e manuseio do material. A parte inferior está fragmentada e em alguns pontos a edição recebeu aplicações de fita adesiva incolor. De valor histórico inestimável, o exemplar traz em sua testeira o nome em destaque de José David Teixeira como diretor do jornal e logo abaixo a inscriç~o: “Domingo, 4 de março de 1894 – n. 44 – Anno VII”. Essa informaç~o, pelo que se verifica, levanta uma curiosidade. Sendo um periódico diário, como poderia em seu sétimo ano de existência estar circulando sua 44ª. edição? Teria naquele domingo o jornal cometido um equívoco no registro do número da edição? Não é o que parece quando se analisa outro raríssimo exemplar do século XIX dos dois únicos em arquivo. Editado 116 dias depois, o exemplar tem o número de edição 131. Na opinião do jornalista José Rosa Garcia, editor do Diário do Rio Claro no final do século XX, naquela época a numeração das edições era zerada a cada final de ano. Isto também ocorreu na edição de seu centenário em 31 de agosto de 1986, quando o jornal Diário circulou com 64 páginas repletas de notícias sobre sua história e do município. O Diário do Rio Claro recomeçou a contagem de suas edições que estava então no número 28.561. Com 115 anos de história e periodicidade diária (circula de terça-feira a domingo), se tivesse mantido uma única numeração, o jornal estaria ultrapassando a marca de 35 mil edições. A edição de hoje, 06 de julho de 2002, quando este material é finalizado, tem o número 4.791. Com base na sua mais antiga edição encontrada no município (04 de março de 1894) é possível constatar que o Diário tinha sua gráfica e escritório na Avenida 1, número 35, e que muito cedo sua circulação extrapolava os limites do município, 37 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais uma vez que a assinatura anual naquele seu sétimo ano de vida, custava 16$000 “para a cidade” e 18$000 “para fora”. O notici|rio também avançava os limites de Rio Claro, informando – por exemplo – sobre boatos em Portugal do movimento republicano no norte do país, conforme notícia reproduzida do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Na primeira página da referida edição, junto a poesias e versos, um “Decreto Sério” assinado pelo vice-presidente da República dos Estados-Unidos do Brazil e que dizia da necessidade de “punir, imediatamente, e com o máximo rigor, os graves crimes que atentam contra a consolidação da República, o restabelecimento da paz e a sustentaç~o do princípio da autoridade”. Em vários momentos, o jornal Diário do Rio Claro destacou sua condição de quarto mais antigo jornal diário em circulação no Estado de São Paulo. Com o fim do título Diário Popular, que em agosto de 2001 passou a ser Diário de São Paulo, o Diário do Rio Claro sobe uma posição neste ranking, ficando atrás somente do O Estado de São Paulo, fundado em abril de 1875 e do Tribuna do Norte (de Pindamonhangaba), que começou em junho de 1882. A análise é feita com base em levantamento (1995) da Fundação Cásper Líbero. Entre tantos títulos que surgiram nos 130 anos de história da imprensa de Rio Claro, o Diário é um dos poucos sobreviventes e o único centenário. A condição de jornal diário sempre deu ao Diário do Rio Claro uma import}ncia muito grande na comunidade. “As pessoas ficavam aguardando a notícia”, relata o Paulo Jodate David. “O Major ia até a Estaç~o Ferrovi|ria onde colhia algumas informações, os nomes de quem estava chegando ou saindo em viagem e também conseguia colaborações financeiras para a sustentação do jornal”. Essa prática pode ser comprovada através da edição de número 11.084, de 3 de maio de 1927 - a única existente no acervo da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo. O jornal anuncia na p|gina 2 em “Notas do Dia”, os nomes de três pessoas que foram a São Paulo, uma a Jundiaí e duas a Campinas, bem como o nome de três que haviam regressado a Rio Claro. Na mesma página, o jornal registrou o aniversário de seu fundador com o texto: “faz anos hoje o nosso velho e prezado director sr. Major José David Teixeira. É com intima satisfação que, contra sua vontade, e mesmo ás suas ocultas, trazemos a notícia do seu natalício para as colunas do jornal que, há mais de quarenta anos fundou, e incansável, vencendo todos os obstáculos, dirige até a presente data, verificando como merecida recompensa, alias, que o premio melhor do seu abnegado esforço, plenamente se comprova na extraordin|ria acceitaç~o que tem o “Di|rio” n~o só em todo o município de Rio Claro como em muitos outros e, geralmente, no Estado. Ao nosso director aqui deixamos as expressões do nosso apreço e do nosso afectto, com votos de vida prolongada e sempre prospera e feliz”. Ainda na edição guardada em São Paulo, o Diário publicou um edital do prefeito dando 3 dias para que o propriet|rio de uma “cabra nova com leite” fosse 38 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais retirar o animal que estava “preso”. Publicou também edital e protesto de duplicata, nota de falecimento, anunciava o filme “N|ufragos da Vida” em exibiç~o no Variedades e Phenix e uma notícia sobre a ata da reunião da Comissão de Festejos e exposição, realizada em 1º. de maio, para a comemoração do centenário de Rio Claro que aconteceria em 24 de junho daquele ano. A notícia sobre o centenário diz que seriam convidados os estudantes, a Companhia Paulista receberia agradecimento pela concessão de redução de 50% nos preços das passagens, mandariam imprimir circulares para serem enviadas ao jornal do Estado pedindo apoio, na publicação de notícias referentes ao certame. Na reunião, diz a notícia, J. Romeu Ferraz comunicou que estivera visitando os jornais de São Paulo e que todos se colocaram à disposição da Comissão para a propaganda das festas e prometeram publicar páginas em homenagem a cidade no dia do seu aniversário. Na edição 14.003 do dia 17 de março de 1934, sábado, o jornal Diário do Rio Claro anunciava o falecimento de seu fundador. Quando voltou a circular, na quartafeira – 21 de março, e em várias outras edições subseqüentes, o Diário continuava de luto e fazia menção às manifestações de pesar da comunidade pelo seu fundador. No dia 22, publicou 51 linhas com mais de cem nomes de famílias que enviaram flores pela morte do Major David. O Major David O fundador do Diário do Rio Claro nasceu em Campinas, no dia 3 de maio de 1.858. “Era filho do senhor David José Teixeira que de Campinas transferiu-se para Rio Claro com sua família, a fim de dedicar-se à sua profissão de barbeiro. Assim muito jovem ainda, o filho de José David, que era dotado de inteligência rara, após terminar os seus estudos primários em Campinas, onde se sobressaiu entre os alunos seus colegas, pela facilidade em aprender as lições, foi ajudar o pai na barbearia de Rio Claro. Naquele mister, nas horas vagas, lia constantemente livros de literatura para aperfeiçoar-se no trato da língua portuguesa e na arte de escrever. Com essa bagagem, foi trabalhar como tipógrafo na oficina dos jornais “O Tipógrafo” e o “Tempo”, editados na tipografia do Dr. Eduardo de Camargo Neves. No ambiente dos jornais e pelas constantes leituras de bons livros, projetou-se na pequena tipografia e logo em seguida entre os estudiosos da cidade, o que lhe valeu o cargo de “Inspetor das Escolas do Município”, o qual ocupou com brilhantismo e dedicação por vários anos. Nas suas atribuições conseguiu guardar dinheiro e em março do ano de 1886, com apenas 25 anos de idade, compra de Eduardo de Camargo Neves o jornal “O Tempo” e a 1º. de setembro do mesmo ano, começa a rod|-lo sob o nome de “Di|rio do Rio Claro”. 39 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais José David, ao seu tempo, escrevia diariamente o artigo de fundo e as colunas “Troco Miúdo” e “Cabriolas”, colunas humorísticas apreciadas pelos leitores do jornal; não raro, mostrando a sua veia poética, publicava poesias de sua lavra. Além de jornalismo, fez também política nesta cidade, em agosto de 1892 foi eleito pelo partido Republicano “Sallista” vereador { C}mara de Rio Claro, por maioria de votos sobre os seus companheiros de chapa. Não quis tomar posse do cargo, renunciando o mandato por motivos não explicados; foi então convocado o seu suplente, o Cel. Joaquim Augusto de Salles, chefe do partido político e que, não conseguira eleger-se. Juntamente com Alfredo Ellis, Lucas do Prado, Cerqueira César, Barão de Grão Mogol e Eduardo de Camargo Neves, por pregações em recintos fechados e no seu jornal, batalhava em prol da extinção da escravatura em Rio Claro, o que conseguiu oficialmente da Câmara Municipal, a 5 de fevereiro de 1888. Naquela data, Rio Claro, com 98 dias de antecipaç~o { “Lei \urea”, dava liberdade aos seus escravos, graças as pregações revolucionárias das personalidades acima citadas e ao concurso do “Di|rio do Rio Claro”, pelo seu Redator e Diretor José David Teixeira. Faleceu esse ilustre jornalista em nossa cidade no dia 16 de março de 1934; em sua homenagem a Câmara de 1956, pela Lei no. 442 de 27 de agosto, deu o nome de “Major José David Teixeira”, ao logradouro público fronteiriço ao Cemitério de S~o Jo~o Batista” (PENTEADO, 1977). Ainda que utilizasse a denominaç~o “Major”, José David Teixeira nunca foi ligado aos setores militares, relata o neto Jodate. Foi com “muita tristeza” e certamente profissionalismo que “redatores, colaboradores e demais funcion|rios” anunciaram na ediç~o 14.003 do dia 17 de março de 1934 - um sábado, a morte do “velho e querido diretor desta folha”, ocorrida {s 23 horas do dia anterior, “vitimado por traiçoeira syncope cardíaca”. Convidavam para o enterro que aconteceria no Cemitério Municipal. Trecho de uma das notícias de primeira p|gina, dizia “...conforta-nos registrar que, antes da meia noite, a casa de residência da família do nosso diretor era pequena para conter a imensa porção de gente que foi ali fazer a ultima visita ao batalhador incansável e herói do jornalismo estadual”. Na parte superior da página e na inferior, foram colocadas tarjas pretas que tomavam a página de um lado ao outro. Vale frisar que o falecimento se deu no final da noite e notícia de página inteira saiu já no dia seguinte no Diário do Rio Claro. O Cemitério Municipal de Rio Claro, onde está enterrado, confirma que o Major David foi sepultado em 17 de março de 1934, aos 76 anos. 40 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais “O Major José David nasceu a 3 de maio de 1858 e foi casado com D. Sebastiana Cordeiro David, deixando os seguintes filhos: D. Maria David Leite, casada com José Campos Leite, aqui residente; dr. Athos David Teixeira, advogado em Bauru, casado com D. Orazilia Rocha Campos David Teixeira; Dr. José David Filho, juiz de direito de Assis, casado com D. Judith S. David; Jodate David, casado com D. Paschoalina Bonini David; senhoritas Zoraide; Cecy e Davina David. Era irmão dos srs. Luiz David, socio da casa Paiva, residente em S. Paulo; Affonso David, funccionario da C. Paulista, aqui residente; Dyonisio David Teixeira, funcionário da Sorocabana e D. Joaninha David Teixeira. Era tio das professoras Eliza e Olga David Texeira, David, Mario, Mecenas e Octavio David Teixeira, todos aqui domiciliados. O extinto deixa muitos netos. O enterramento dar-se-á hoje ás 17 horas, sahindo o feretro da Rua 5 n.o 122”. – dizia nota de primeira página daquela edição de 17 de março de 1934. Tradição familiar Com a morte do Major David em março de 1934, seu filho Jodate David assume o comando do jornal. Mas, um acidente de carro na estrada Corumbataí-Rio Claro quando retornava do casamento do amigo Silvio Venturoli (tio de Silvia Venturoli, autora deste trabalho), lhe tiraria a vida no dia 27 de maio do mesmo ano, ou seja, 72 dias após a morte de seu pai, o Major David. “O carro foi de encontro a uma árvore e papai que era muito gordo n~o resistiu ao impacto”, conta Paulo Jodate David, neto do Major David e que, naquele dia, completava 21 dias de vida. A redatora-gerente passou a ser então Cecy David, também filha do fundador, que tinha ao seu lado suas duas irmãs – Zoraide e Davina. “Pouco mais tarde, eu e minha irm~ Mara também ingressamos na redaç~o”, conta Paulo Jodate David. “Foi uma caminhada gostosa. Acho que o jornal se constituiu num instrumento de ajuda na construção de Rio Claro. Todos trabalhávamos com total dedicaç~o e amor ao Di|rio”, recorda a jornalista Maria Antonia David, a Mara. A condiç~o de empresa familiar foi o sustent|culo do jornal Di|rio. “Todos cuid|vamos daquilo como um verdadeiro filho”, diz Jodate. Mas também foi, segundo o próprio Jodate, o motivo da sua venda ao empresário Geraldo Leonardo Zanello no final de 1980. “O jornal tinha muitos herdeiros. Eram 27 ao todo e muitos começaram a exigir participação financeira. Sem inventário e com a morte do meu tio que era desembargador e cuidava dos negócios, a situação ficou muito apertada e para resolver o problema colocamos o Diário à venda. Não tivemos outra alternativa senão vendê-lo e dividir o dinheiro para cada um dos herdeiros. Fui pessoalmente a São Paulo entregar a parte de um parente que nem sequer imaginava ter algum direito naquilo”, relatou Jodate. O jornalista Marcus Vinícius Amato, em entrevista aos autores, declara ter sido um dos intermediários desta venda. Conta que o Diário esteve muito próximo 41 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais de ir para as mãos do empresário Mário Sassaki, dono da empresa de ônibus Viação Cidade Azul. “Eles chegaram a elaborar uma minuta de contrato de 23 milhões da moeda corrente, mas antes que a venda fosse efetuada, conversei com o Zanello que ofereceu 28 milhões. Então, a Dona Mara (Maria Antonia David, neta do Major David) na condição de herdeira entrou com o pedido de opção de compra. A venda ao Sassaki foi interrompida e o Zanello terminou comprando o Di|rio” relata Marcus Vinícius. Após 94 anos sob o comando da família David Teixeira, o Diário integra, então, o Grupo Zanello que tinha também no município de Rio Claro uma concessionária de veículos (a Rival), uma empresa de viagens (a ZF Tur), um haras (Piconzé) e uma emissora de rádio (a Itapuã FM). Em 1º. de janeiro de 1981, o novo proprietário assumiu a direção do jornal, tendo ao seu lado a esposa Jacira Russo Zanello. Na redação, a nova fase do jornal é marcada por uma grande rotatividade no quadro de funcionários. Nos últimos 21 anos, por lá passaram, entre outros, Afonso Celso Bovo, Alessandra Ramos, Ana Murbach, André Luis Gallo, Adriana de Cássia Brás de Oliveira, Andréa Moraes, Antonio Sérgio Pitton, Benone Julião Solha Ribeiro, Carlos Curcio, Claudete Atibaia, Cristina Vasquez, Edmar Ferreira, Elaine Knothe, Eraldo Rocha, Helena Monteiro, Irineu de Castro, Ivo Rosalen, Jane Spadari, Jayme Pecorari, Jéferson Augusto, João Batista Pimentel Neto, Joceli Meyer, José Afonso Baldissera, José Geraldo Leite Penteado (Bidu), José Luiz Libertucci, José Roberto Sant´Anna, José Rosa Garcia, Karine Rossi dos Santos, Luiz Wehmuth Neto, Mara David, Marcos César L. de Abreu, Marcos Correa, Marcos Moitta, Marcus Vinícius Amato, Mariângela Fabri, Marisa de Lúcia, Natalino Marrach Junior, Neuzeli Morais Galindo, Nilce Franco Bueno, Noriel Spadari, Paulo Jodate David, Paulo Marcondes, Paulo Roberto Botão, Percy de Oliveira, Rogéria Cristina Ribeiro, Rondon de Castro, Selma Momesso, Sérgio Carnevale, Sérgio Oliveira, Sérgio Santoro, Sidney Navas (Zóca), Silvia Venturoli, Solange Zanão, Wagner Weber e Waleska Wehmuth. Evolução gráfica No início da história do Diário, a velha Marinoni fazia impressões planas, exigindo que o papel fosse colocado folha a folha e depois dobrado manualmente. “O major David fazia compra di|ria de papel na Tipografia Conrado, muitas vezes com dinheiro conseguido de colaboradores. A outra parte do dinheiro vinha dos anunciantes e dos assinantes”, relata Jodate. Segundo ele, a lista de assinantes era definida pelo Major. “Muitas vezes a pessoa começava a receber o jornal sem ter solicitado assinatura. Depois recebia a conta, acabava pagando e ficando assinante. Era assim que meu avô fazia”, diz Jodate. 42 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais “O jornal saia diariamente menos quando faltava energia elétrica e quando a vetusta impressora Marinoni se negava a trabalhar. Quem passasse altas horas da noite pela sede do jornal, ouvia, saindo do fundo da oficina, o ritmado blém-blém da velha e resfolegante impressora clamando por substituiç~o” (PEREIRA, 1985). As compras de papel em bobinas só passaram a serem feitas muito depois quando o jornal comprou de uma gráfica de São Paulo uma impressora Royal – 2 páginas – plana. O jornal só compraria uma impressora rotativa em 1976, quando o Jornal de Piracicaba – de município que fica a 30 quilômetros de Rio Claro – se desfez de antigos equipamentos para implantar o off-set. “Compramos uma rotativa 4 p|ginas e 2 linotipos”, diz Jodate. A rotativa foi estreada no novo prédio na Avenida 2, onde o jornal ainda funciona. “Resolvemos sair da Rua 5 porque o jornal estava crescendo e precisava de espaço. Compramos um terreno na Avenida 2 e, enquanto a obra não ficava pronta, improvisei um barracão em minha casa – Avenida 6, 430, no centro da cidade – para instalar a impressora Royal. As oficinas continuaram na Rua 5. As ramas iam prontas para serem impressas l| em casa”, relata Jodate. Foi assim durante quase um ano, até que o jornal mudou sua redação e oficina para a Avenida 2. Na Rua 5 foi mantido um balcão de anúncios, que ainda funciona. Na consulta ao acervo do jornal Diário é possível se resgatar com detalhes fatos que marcaram a vida do município, seu cotidiano, a evolução gráfica do jornal e os costumes de épocas. Em 3 de maio de 1927, por exemplo, publicou anúncio dos distribuidores Caetano e Castellano sobre a navalha de segurança Valet Auto Strop, no qual, pela ilustração em clichê, é possível se concluir que as tais navalhas são os atuais aparelhos de barbear. Na edição de 10 de setembro de 1946, está a notícia da presença do time de futebol profissional da S.E. Palmeiras para um jogo amistoso com a Seleção Rio-clarense no dia 8 de setembro. “Após a chegada da delegaç~o do Palmeiras, teve início o programa organizado pela C.C.E., destacando-se o seguinte: aperitivo no Excelsior, oferecido pelo sr. Antonio Padula Neto; visita a Cervejaria Rio Claro; almoço; visita ao Horto Florestal; jogos; jantar no Hotel Municipal, e regresso pelo trem das 19.14 hs”, dizia. O Palmeiras venceu por 4 a 1. Em 30 de março de 1954, o Diário estampou Boletim Oficial da Prefeitura de Rio Claro de número 22 em página inteira. “Equilibrar a receita com a despesa era o drama que se repetia todo fim de mês. A assinatura do jornal não dava para cobrir os gastos, que eram muitos. Não fossem os anunciantes e os contratos mantidos com a Prefeitura, para a regular publicação das atas da Câmara, dos balancetes, dos alvarás e atos do prefeito, o jornal de há muito teria o destino inglório e efêmero de tantos congêneres do nosso Interior” (PEREIRA, 1985). Em 26 de maio de 1954, dedicou toda a segunda p|gina para a programação dos cinemas Excelsior e Tabajara, com 5 fotografias em clichês enviados pelas distribuidoras de filmes. No dia 3 do mês seguinte, trouxe uma fotojornalismo de uma nutricionista da Walita concedendo entrevista em Ribeirão Preto. Em 29 de junho de 1957, o Diário circulou com novo tamanho de páginas, 43 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais passando de 41x28 cm para 50x33 cm de mancha. No ano de 1966, imprimiu em suas oficinas o bissemanal Tribuna Esportiva, dirigida por Paulo Jodate David e Armando Luis Bonani e que circulou de 9 de julho daquele ano até 1967 (MACHADO, 1978). Em 1972, sob direção de José Antonio Carlos David Chagas, começou a circular encartado no Diário o suplemento dominical Encontro, que encerrou atividades em 1975. Chagas avalia como o mais extraordinário material cultural que surgiu na imprensa de Rio Claro, conforme relato aos autores. O Encontro abria espaço para as manifestações culturais, enfocando arte, cinema, literatura e muito mais. Entre seus colaboradores, Carlos Drumond de Andrade, recorda Chagas. Conforme relato de Paulo Jodate David, não era costume dar crédito aos profissionais de fotografia, embora reconheça a importância do trabalho que desenvolveram Artibano Spedo, Rodolfo Copriva, Arnaldo Costa, José Libertucci, Eraldo Rocha e Hiroo Matsushita, profissionais que durante muitos anos registraram com suas lentes boa parte da história de Rio Claro e tiveram suas fotos publicadas nas páginas do Diário. As fotográficas só apareceram com maior destaque na década de 70, quando o jornal abriu espaço às colunas sociais, conforme recorda o jornalista Marcus Vinícius Amato, que foi o colunista social no período de 1975 a 1980. “As fotos eram levadas a Campinas para a confecç~o dos clichês”, relata Jodate. Segundo ele, um funcionário do jornal – em geral às sextas-feiras – ia de trem até Campinas e retornava no mesmo dia com os clichês das fotografias que seriam utilizadas nas edições seguintes. “Para baratear custos, tínhamos um arquivo dos clichês de assuntos e de pessoas que poderiam voltar a ser notícia”, conta Jodate. “Quando compramos a clicheria tudo ficou mais f|cil e barato e o arquivo de clichê foi ampliado”, recorda. J| as fotografias eram arquivadas em caixas de sapato conforme o assunto. Com clicheria própria, o jornal podia realizar “reportagens fotogr|ficas” e dar nova abordagem {s notícias policiais e esportivas. Em 28 de outubro de 1975, o Diário publicou fotografias do jogo de futebol profissional do Velo Clube contra o Palmeiras, em São João da Boa Vista, e do Rio Claro contra o São José, em Rio Claro. Os dois jogos terminaram 0 a 0. Em 9 de novembro do mesmo ano, a parte social deu 4 páginas para o baile de debutantes, que teve o estilista Clodovil como patrono e a presença do jornalista Blota Junior. Em 29 de junho de 1977, o jornal publicou fotografia de um “velho cadeieiro” com o rádio portátil que tentara furtar na Casa Edisom. Antes mesmo de passar à impressão offset, o jornal Diário experimentou a glória de circular com páginas coloridas. Num esforço que necessariamente incluía desde redatores e o pessoal da oficina até os entregadores, em várias oportunidades algumas edições especiais de Natal ou ano novo, aniversário de Rio Claro ou do jornal, circularam com três cores. Comparado ao das impressoras atuais, era artesanal o trabalho feito pelo impressor Euclides Secco, o Cridão, e seus ajudantes. (Crid~o foi sucessor de L|zaro Carneiro, “impressor do Di|rio durante mais de 40 anos”, diz Jodate). As cores eram aplicadas separadamente, exigindo, portanto, que o jornal fosse rodado três vezes. Para que tudo estivesse pronto em tempo de circular na data festiva, algumas páginas eram impressas com até 30 dias 44 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais de antecedência. Mesmo a primeira página, por ser colorida, era feita muitos dias antes. As notícias do dia iam para a página 2 e 4, umas das poucas que rodavam na véspera da circulação do jornal, conforme depoimento de Jodate. Tendo como fonte de renda maior, uma concessionária no ramo de automóveis, o empresário Geraldo Leonardo Zanello, segundo o médico e jornalista Luiz Wehmuth Neto – diretor de redação no Diário de 1974 a 1983 - tinha como carrear recursos de um ramo para o outro. Assim imprimiu um novo ritmo de investimento ao jornal. Ritmo que só aparece efetivamente em 1983 dois anos após a compra do jornal, quando o Diário adquire em um leilão uma impressora off-set por 200 mil dólares, de procedência do Mato Grosso. O jornal começa a rodar em off-set no mesmo ano de 1983, dias antes do previsto, pois o eixo da máquina rotoplana quebrou e o concerto demoraria cerca de dois dias. “Entre não sair e adiantar a inauguração do off-set, optamos pela antecipaç~o da estréia do novo equipamento”, relata Wehmuth. Ele recorda que o sistema de preparação das matérias já vinha sendo treinado para rodar em off-set. Isso acontecia com o suplemento especial de domingo, cuja composição em chumbo, passava para o fotolito que elaborava as chapas e rodava no jornal de Piracicaba. Em 27 de outubro de 1983, o Diário do Rio Claro publicou na primeira página uma fotografia da impressora off-set com o seguinte texto: “Ontem o Di|rio iniciou sua impressão em off-set confeccionando o Boletim Informativo do Departamento de Urologia da Associaç~o Paulista de Medicina, o “URO Informes”, tendo como editor responsável o médico urologista Dr. Geraldo E. Faria. Os resultados foram extremamente favoráveis e, dentro de alguns dias toda a edição do Diário passará neste sistema, apresentando o que há de melhor em impressão de jornal e em velocidade. O resultado de todo este trabalho cabe a equipe do Diário e ao responsável pela montagem, Dagoberto Graziani, da Gutenberg”. No dia seguinte, circulou a primeira edição do Diário com fotografias em off-set. Também em 27 de outubro de 1983, o Di|rio anunciava flash de reportagens da r|dio Itapu~, “com detalhes no dia seguinte nas p|ginas do Di|rio”. Em 4 de dezembro de 1983, encartou o suplemento “Domingo”, um tablóide com 32 p|ginas produzido por sua redação. No natal de 1984, circulou a primeira edição off-set em cores, com o desenho de um Papai Noel cobrindo quase toda a primeira página. Em 2 de junho de 1992, trouxe ampla reportagem da ECO-92, inclusive com textos bilíngües português/inglês, e distribuiu a edição na reunião que foi realizada no Rio de Janeiro com representantes de países de quase todo o mundo. Outro investimento feito logo após a compra da impressora off-set, de acordo com Wehmuth, foi a compra de máquinas IBM composer, a maior novidade da época e que veio facilitar e agilizar o sistema off-set. “Grande parte da composição dos textos, porém, continuou sendo feita em linotipo e os títulos com os antigos tipos da gr|fica”, relata o jornalista José Afonso Baldissera que, 45 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais juntamente com Wehmuth, participou diretamente de todo o processo de implantação do sistema off-set no Diário. Em dezembro de 1993, o jornal adquire os primeiros computadores, e passaria a ser informatizado em janeiro de 1994. Letra a letra Enquanto os redatores e colaboradores do jornal eram pessoas de prestígio na sociedade, os trabalhadores das oficinas cumpriam tarefa árdua para colocar o jornal na rua todos os dias. Essa era a rotina do jornal antes do off-set, relembram Jodate e Baldissera. O trabalho de montagem nas páginas começava logo pela manhã, sendo finalizado – quando tudo corria bem – no início da noite. Nesses dois períodos, manhã e tarde, trabalhavam os linotipistas e os paginadores. Os linotipistas operavam a linotype, máquina de compor os textos (inventada pelo alemão Ottmar Mergenthaler nos EUA em 1884, dois anos antes da fundação do Diário). A composição das linhas era feita em chumbo derretido na caldeira da própria linotipo. O chumbo era comprado em barras da Futmond, empresa situada próxima à Estação da Luz em São Paulo. A linotipo funcionava com matrizes, pequenas formas em latão que se soltavam de uma barra de armazenamento de acordo com a letra correspondente àquela acionada pelo linotipista no teclado da linotipo. Cada matriz (forma) era um caracter e iam se juntando até completarem a linha do texto. Eram então transportadas por um braço da máquina até a boca da caldeira, onde recebiam uma pequena quantia de chumbo derretido - neste momento ocorria a fundição da linha que tinha altura de 2 cm, comprimento de 8 cm e espessura de 3mm. O texto na linotipo era composto linha a linha. Todos em altíssima temperatura e, evidentemente, demoravam a serem manuseadas pelos paginadores sem o risco de desconforto nas mãos. A alta temperatura das barrinhas (linhas), por sinal, foi muitas vezes utilizada por funcionários da oficina para pregarem “peças” em quem estava em visita para conhecer o funcionamento gráfico do jornal. Jodate conta que “os gr|ficos faziam seu serviço com grande dedicaç~o. Muitos, como o linotipista Antonio Canela e o Buzólio, chegavam a dormir no jornal. Iam para casa uma ou duas vezes por semana”. Na história do jornal, segundo Jodate, houve muitos casos de gráficos que trabalhavam durante o dia em tipografias como a Costa, Brasil e Conrado, e à noite estavam nas oficinas do Diário. O primeiro serviço dos paginadores era desmontar as páginas, com a atenção em preservar os anúncios que seriam publicados novamente. Artigos que o editor julgava importante, também eram preservados. No desmonte das páginas, os tipos utilizados nos títulos e anúncios eram criteriosamente distribuídos nas caixas que ficavam sobre as bancadas de madeira próximas às linotipos. As linhas eram derretidas para reaproveitamento do chumbo que era transformado em novas 46 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais barras ali mesmo nas oficinas. Após algumas reutilizações, o material era armazenado em latões e coletados pela fabricante para nova reciclagem. Antes do desmonte, as páginas eram limpas com gasolina e estopa para a retirada do excesso de tinta resultante da impressão da noite anterior. Arquivo histórico Em 1º. de setembro de 1946, quando completou 60 anos, o jornal Diário do Rio Claro ofereceu a seus leitores uma edição com 60 páginas, uma para cada ano de vida. Vários anunciantes cumprimentavam o jornal pela data ou simplesmente divulgavam seu produto na edição especial. Uma página da Companhia Cervejaria Rio Claro destacava “...como sua principal fabricaç~o Caracu – a pequenina mas gigante cerveja do Brasil”. Na coluna “Rio Claro antigo”, a redaç~o dizia que “...o noticiário que destacamos do exemplar do Diário do ano de 1890, devemos uma retificação: essas notícias foram publicadas há 56 anos e não 46, como se destaca...”. Na mesma ediç~o e coluna, foi publicada uma fotografia de 1908 de trecho da Avenida 1 do município. Em v|rias p|ginas, sob o título “Os modernos e belos prédios residenciais” foram publicadas fotografias como a da residência “do Sr. José Pereira, uma das mais ricas e magníficas”, localizada em frente { praça central da cidade e que na década de 90, após anos de abandono, seria demolida para dar lugar a um estacionamento de veículos, ainda em funcionamento. Na primeira p|gina da ediç~o do dia 5 de setembro, a única notícia era o “Sexagésimo anivers|rio do Di|rio” na qual o jornal agradecia os cumprimentos pelo anivers|rio. Entre os agradecimentos, à diretoria do Grupo Ginástico Rioclarense que oferecera “uma garrafa do delicioso vinho do Porto”, “...e o galante Ruy Norberto” que enviou “uma garrafa do fino Licor Strega”. E mais: “A popular Salsicharia Princeza do Oeste e Açougue Barretos, de propriedade dos srs. Eichemberger & Souza, estabelecida a Rua I, ns. 1620 e 1622 e escritório à Rua 1 n. 1614, enviou-nos um quilo da saborosa salsicha de sua fabricaç~o”. “E {s 18 horas, voltou a R|dio Clube Rio Claro a prestar homenagem ao “Di|rio” com um programa de músicas finas”, registrou o jornal. “Foi uma época muito especial. Todos nós da família fazíamos tudo com muito amor pelo jornal e pela cidade”, recorda a jornalista Maria Antonia David, a Mara. Foi Mara a responsável por um dos grandes eventos realizados pelo Diário no final da década de 40. “Na Festa da Rainha da Cidade Azul, trouxemos uma caravana com mais de 20 artistas famosos da R|dio Nacional, do Rio de Janeiro”, relata. Com o Caderno Especial, encarte lançado em 1975 para retratar o cotidiano e personalidades de Rio Claro, o jornal Diário do Rio Claro inicia a territorialização da notícia. O suplemento, segundo Luiz Wehmuth, permitia voz às personagens do cotidiano da cidade, retratando suas atitudes pitorescas e folclóricas. Nas décadas de 80 e 90, a comunidade passou a ter novo espaço com a coluna Diário nos bairros 47 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais que trazia colaborações de universidade, setores religiosos e da população em geral. Em sua edição de 21 de janeiro de 1977, uma sexta-feira, o Diário do Rio Claro anunciava para domingo a inauguraç~o do Distrito Industrial: “...o Distrito Industrial, sem dúvida alguma, marca a administração do Prefeito Oreste (Armando) Giovanni como voltada para o progresso e desenvolvimento de Rio Claro...”. O empreendimento marcaria o advento de uma nova fase de expansão do município. Na década de 70, a influência do jornal Diário nos acontecimentos sociais era tanta que Vinícius e Jodate, em companhia de Luiz Roberto Macha e João Carlos Ferreira – o João Bola Sete, se tornaram sócios de vários casas noturnas. “Restaurante Casebre, Stonage Disco Dance, Restaurante A Toca, Disco 17 e Téte a Téte. Comandávamos todos estes e o jornal evidentemente dava retaguarda de marketing”, relata Marcus Vinícius. “O Brasil descobriu Rio Claro pelos eventos sociais que promovíamos”, relata Marcus Vinícius. “E eu tive meu nome mudado para Marcus Vinícius de Rio Claro, pois em todas as festas que comparecia – e foram muitas – era assim apresentado”, recorda. Acontecimentos importantes para o município de Rio Claro mereceram edições especiais, caracterizadas por maior número de anunciantes, que faziam mensagem específica ao fato comemorado. Foi assim em 1977, quando Rio Claro recebeu a visita do presidente da república Ernesto Geisel na comemoração do seu sesquicentenário, visita que começou a ser divulgada pelo Diário em sua edição de 11 de fevereiro daquele ano com a manchete “Presidente Geisel poder| presidir as comemorações do Sesquicenten|rio no dia 24 de junho” e que mereceu destaque de primeira p|gina com 8 fotografias e, em um dos textos, a afirmaç~o “a derrota do derrotismo” numa alus~o ao sucesso da visita e a n~o ocorrência de manifestações contrárias ao presidente. Segundo o jornal, até a véspera da visita, havia um clima de negativismo. Na mesma edição de cobertura da visita está registrado, porém, que o Campus da UNESP no bairro Bela Vista foi inaugurado sem a presença de estudantes. Em 12 de junho de 1977, em página interna o jornal traz a Coluna Maçônica, assinada por Hiram Abbi. Dois dias depois, na ata da sessão da Câmara de Vereadores, uma indicação do “vereador Benedito José Zaine sugerindo desapropriar terreno para a construção de local para a instalação de circos, parques, quermesses, exposiç~o, feiras, etc” e do vereador M|rio Além pedindo isenç~o de IPTU para os ex-combatentes do Movimento Constitucionalista de 1932. Segundo a Prefeitura de Rio Claro, o município tem interesse em implantar um centro de convenções e exposições e, inclusive, vem discutindo o assunto. 48 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A censura de Vargas e da ditadura militar “Depois de lido, pedimos | V.S. subscriptar este número do “Di|rio” a um dos rio-clarenses que já partiram, entregando-o na agencia do Correio Militar do M.M.D.C., aqui installada no Instituto Comercial”. Este anúncio foi publicado na primeira página do jornal durante o Movimento Constitucionalista de 1932 que teve grande participação de rio-clarenses. O jornal não comemorou seu 46º aniversário em setembro daquele ano, pois, segundo noticiou, entendia que a situação era “delicada e gravíssima” e tinha “esperança pela breve terminaç~o do movimento revolucionário com a victoria de S. Paulo pela Justiça, pela Ordem e pelo Direito dentro do Brasil unido e Forte!”. “Naquele glorioso movimento, Rio Claro compareceu com mais de trezentos voluntários que daqui partiram deixando os seus afazeres, esposas, filhos, noivas e familiares! Em todas as frentes de combate, esteve o soldado rio-clarense honrando a sua cidade, na defesa da lei e da ordem!” (PENETADO, 1984). O jornalista José Roberto Sant’Ana – atual editor do jornal Cidade de Rio Claro, fala do movimento em Rio Claro. “As reuniões eram realizadas no Grupo Gin|stico e promovidas pela Associação Comercial, presidida por Humberto Cartolano. Em Rio Claro não houve concentração de combates. A experiência mais direta foi vivida na Companhia Paulista de Estradas de Ferro, bombardeada por aviões federais, conhecidos por vermelhinhos”. (SANT´ANA, 2002). Em 29 de setembro, uma quinta-feira, o Diário noticiou em sua primeira p|gina: “Um avi~o da dictadura lançou hontem três bombas sobre a nossa cidade”. “N~o houve, felizmente victima alguma, como também n~o houve dannos”. E o texto dizia: “Hontem, |s 13 horas, um dos aviões da dictadura, provavelmente o mesmo que há oito dias tem voado sobre a nossa cidade, reapareceu sobre Rio Claro, e, desta vez, não para effeito de evoluções inoffensivas, mas para lançar contra nós três bombas successivas, rematando o seu feito com uma rajada de metralhadora. Uma dessas bombas explodiu na esplanada de vagões de cargas da Companhia Paulista, distante, aliás, das officinas desta; outra, em um terreno aberto do bairro Cidade Nova, e, finalmente, a terceira, em meio do Horto Florestal”. No sábado daquela mesma semana, dia 1o. de outubro, o Diário trouxe em manchete o fim do movimento: “Na expectativa da Paz. Foram suspensas, hontem, as hostilidades em todas as frentes de combate”. Na edição 13.639 de 4 de outubro, terça-feira, o Di|rio informava: “Por escassez de papel, cujo stock está terminado, só damos hoje duas páginas, sendo provável que só quinta-feira circule novamente o Di|rio”. O jornal, no entanto, só voltaria a circular em 27 de outubro, pois na noite daquele 4 de outubro descontentes com o apoio dado pelo Diário ao Movimento Constitucionalista setores ligados ao Governo de Getúlio Vargas protagonizaram um acontecimento 49 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais que marcou sua história. “Entusiasmada com a vitória de Getúlio, a populaç~o foi para frente do Diário. João Fina tentou no discurso que desistissem da idéia de invadir o jornal. Ele argumentou que a imprensa tinha o direito de se manifestar, mas infelizmente n~o convenceu a todos”, conta o advogado Ruy Pignataro Fina, filho de João Fina Sobrinho – getulista, advogado e diretor do “O Fígaro”, jornal que circulou em Rio Claro a partir de 1921, tendo Rui Barbosa e Olavo Bilac entre seus colaboradores. O jornal que funcionava na Avenida 2 em frente ao Jardim Público, no prédio em que hoje está a sede da Secretaria Municipal de Saúde, teve todos os caracteres de chumbo misturados (empastelaram os tipos) e o arquivo de jornais de quase cinqüenta anos, queimado. Quando voltou a circular, 23 dias depois, numa quinta-feira, o Diário estava na edição 13.640, tinha novo prédio e uma posição clara sobre a cobertura que daria aos fatos políticos, conforme noticiou em primeira p|gina. “Após um interregno de vinte e poucos dias – o bastante para que adaptássemos as nossas officinas no prédio para o qual as trasladamos – reapparece hoje o Di|rio do Rio Claro”. “É do conhecimento de todos em geral, que seriamos forçados, após o sucesso da noite de 4 do corrente, a interromper a publicação do nosso jornal por alguns dias, ou por uma semana, pelo menos magnífica opportnidade para uma reforma geral na velha Marinoni. Hoje, installado no prédio da rua 5 nº 103, entre as avenidas 1 e 3, o Diário volta a circular, prometendo manter-se como se estão mantendo todos os grandes orgãos da capital do Estado e de outras importantes cidades do interior: alheio ao passado, alheio á actualidade, mesmo até que nos venha a tão almejada garantia constitucional. Seremos noticiosos e informativos quanto possível, abstendo-nos, no entanto, de commentarios nem sempre bem comprehendidos”. Na mesma p|gina, trouxe texto “em homenagem aos soldados rio-clarenses” no qual afirmava: “Dizer-se da grandiosidade desse movimento que empolgou o Brasil todo, o mundo inteiro, seria repetir o que muitos j| têm dito”. E em 24 de novembro daquele ano, anunciou em primeira p|gina o exílio do “eminente sr. Dr. Pedro de Toledo, que foi governador do nosso Estado durante o glorioso movimento constitucionalista e um dos principais chefes civis da revolução com que S. Paulo assombrou o paiz inteiro”. Outros jornais rio-clarenses também sofreram represálias no regime ditatorial do presidente Getúlio Vargas. “O jornal O Aspirante interrompeu sua publicação em dezembro de 1932, quando seus diretores foram detidos por motivos políticos. Reapareceu em 1933, com o nome de O Almirante, que teve vida efêmera. O Jornal Commercio de Rio Claro, nos primeiros dias de outubro de 1932, foi empastelado pelos simpatizantes do governo ditatorial, não mais voltando a circular”. (MACHADO, 1978) No final da década de 70, a responsabilidade social da diretoria do jornal causou dores de cabeça ao diretor Paulo Jodate David que foi chamado à Campinas, onde ouviu de um militar a seguinte frase: “O combate {s drogas é assunto exclusivo da segurança nacional”. No mesmo dia, de volta a Rio Claro, Jodate determinou o fim da campanha que o jornal vinha realizando com artigos de 50 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais colaboradores e matérias jornalísticas, pelo combate {s drogas. “O problema era o tr|fico e consumo de maconha, tinha gente sendo presa”, em sua explicaç~o Jodate deixa margem para se concluir que a reclamação dos militares era, na verdade, de aspecto político. O acervo O que restou das edições do jornal Diário do Rio Claro no município de Rio Claro pode ser encontrado em dois locais. No Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro “Oscar de Arruda Penteado” (Av. 3, 568 – Centro – Telefones (19) 534-4118/526-7170, e-mail – [email protected] / http://arquivo.guiarioclaro.com.br), estão as coleções completas a partir de 1946, edições avulsas de 1926 a 1961 e coleções incompletas de 1933 a 1945. No Museu Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga” (Av. 2, 572 – Centro – Telefone (19) 534-3788) encontra-se o acervo doado pela família Haik ao Diário nos anos 50, o qual foi entregue ao Museu em junho de 1976. Este acervo é composto por coleções dos anos: 1931, 1934, 1935, 1939, 1942, 1943, 1944, 1946 a 1956. Também estão no Museu, duas edições raríssimas de 1894 e a coleção completa do ano 1932, com registros valiosos sobre a participação de Rio Claro no Movimento Constitucionalista. As edições que retratam a Revolução de 32 são parte do acervo pessoal de Lourenço Haik, comerciante tradicional da cidade que em 1957, conforme conta seu filho Nicolau, doou o acervo aos diretores do Diário. Lourenço, que faleceu em 1958, fez também uma coleção do jornal O Estado de São Paulo no período da Revolução e de conflitos mundiais. Na Biblioteca Municipal Mário Andrade, em São Paulo, está arquivada a edição de 03 de maio de 1927. O Município de Rio Claro A história de Rio Claro é marcada por fatos e personagens que influenciaram na história do Estado de São Paulo e do próprio país. É tido como município pioneiro no abolicionismo e o segundo do Brasil a possuir iluminação pública. Foi importante produtor de café e, por conseqüência, também responsável pela expansão da ferrovia no interior paulista. O desenvolvimento econômico de Rio Claro ainda mantém traços da trajetória iniciada no século XIX, quando a ferrovia impulsionou o surgimento da variada atividade comercial e industrial. “A Estrada de Ferro aqui chegou a 11 de agosto de 1876” (PENTEADO, 1984) . O município que era rota dos bandeirantes que seguiam para Cuiabá em busca de ouro no século XVIII, teve seus primeiros moradores somente no século XIX. Em 1817 foram demarcadas as primeiras sesmarias e em 1822 teve início a formaç~o do seu povoado no “Curral dos Pereiras”, entre os rios Ribeir~o Claro e Corumbataí, próximo ao Córrego da Servidão. No início, o povoado chamou-se São 51 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais João Batista do Rio Claro e finalmente, em 1905, apenas Rio Claro (PENTEADO, 1984). Em 1830 o povoado possuía aproximadamente 20 casas. Em 1855 tinha cerca de 30 mil habitantes e em 1859 foi criada a comarca de Rio Claro, composta de alguns distritos que mais tarde se desmembraram, ganhando autonomia, tornandose municípios (PENTEADO,1984). O município está integrado a uma vasta e moderna rede de transporte e comunicações, através da qual desenvolve intensas atividades econômicas na indústria, comércio e serviços. É servida pelas rodovias: Washington Luiz, Anhangüera, Bandeirantes, Wilson Finardi e Fausto Santomauro. Comunica-se intensamente com outras grandes cidades da região, caso de Limeira, Piracicaba, São Carlos e Campinas. A população de 168.087 habitantes (IBGE, 2001) é formada em sua maioria por descendentes de imigrantes europeus, sobretudo, italianos e alemães. Rio Claro tem rede de água, afastamento de esgoto e coleta de lixo em 100% da área urbana e distritos. A coleta seletiva de lixo e o tratamento de esgoto atendem a 30% das moradias. Sua economia é baseada na produção agrícola com destaque para a cana-de-açúcar e uma indústria diversificada que reúne grandes empresas, como Tubos e Conexões Tigre, Multibrás, Tatuzinho 3 Fazendas, RiclamFábrica de Balas São João e Owens Corning-Fiberglas. Juntamente com os municípios de Cordeirópolis e Santa Gertrudes, Rio Claro forma o maior pólo cerâmico da América Latina. Rio Claro é uma das poucas cidades no Brasil que concentra um número tão expressivo de empresas fornecedoras de insumos para o setor da carne (Revista Nacional da Carne, nº 297, Ano XXVI). Praticamente seus mais de 120 bairros têm área verde. A 3 quilômetros da região central está a sede da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade (a primeira do Estado). Rio Claro tem uma orquestra sinfônica e outra filarmônica. Dois campi da Universidade Estadual Paulista – UNESP, e as Faculdades Claretianas estão entre os destaques do setor de ensino, que tem 95,3 % de alfabetização, índice superior às médias estadual (93,3) e nacional (87,2) (IBGE, 2000). A cantora e intérprete Dalva de Oliveira e o Deputado Ulysses da Silveira Guimarães estão entre os mais ilustres rio-clarenses. Dalva de Oliveira tem seu busto na praça inaugurada no ano 2000 e que leva seu nome, sendo local de seresta nas tardes de domingo. Ulysses Guimarães empresta seu nome à uma grande avenida no Bairro Bela Vista e tem seu busto na Praça da Liberdade, onde todos os anos são iniciadas as comemorações da Semana Ulysses Guimarães. Com ruas planas, Rio Claro está entre os municípios brasileiros com o maior número de bicicletas. Quase a totalidade das vias públicas é identificada por número e os quarteirões simetricamente desenhados formam um tabuleiro de xadrez. 52 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Considerações Finais Nas pesquisas realizadas nos arquivos das edições do jornal Diário do Rio Claro, verificamos o vasto material disponível para novos trabalhos acadêmicos em diversas áreas de conhecimento. Um levantamento mais detalhado poderá, por exemplo, indicar a evolução da fotografia no jornalismo, bem como as estratégias utilizadas pela empresa em busca de expansão no mercado. Na coluna de cinema, o jornal, desde muito cedo, trouxe anúncios dos filmes em cartaz nas salas de Rio Claro. O movimento constitucionalista de 1932, que recebeu significativa adesão da comunidade rio-clarense, também está retratado nas páginas do Diário. Outra possibilidade de pesquisa identificada foi a de se aferir a evolução da imprensa escrita e o espaço utilizado pelo município em jornais de outras localidades. O dia-adia de Rio Claro pode ser resgatado e recontado, através de uma análise criteriosa dos registros contidos nas páginas do Diário do Rio Claro na cultura, política, esportes, economia e demais setores. Nota: Em vários telefonemas ao jornal Diário do Rio Claro e em duas vezes por e-mail, buscamos agendar entrevista e/ou informações atuais do Diário. O máximo que conseguimos foi falar com a gerência e pessoas da redação, sem, porém, obter as informações pretendidas. Referências Bibliograficas FERRAZ, J.R. – “Apparecimento da imprensa”. In: - Historia do Rio Claro: a sua vida, os seus costumes e os seus homens. São Paulo, Typographia Hennies Irmãos, 1922. p. 74-76. FITTIPALDI, F. C. - A imprensa rio-clarense no século XIX. Arquivo do Município de Rio Claro, 1986. MACHADO, I.L. (coord.). Rio Claro sesquicentenária. Rio Claro, Museu Histórico e Pedagógico Amador Bueno da Veiga, 1978. PENTEADO, O. A. – “Major José David Teixeira”. In: Vultos da história rioclarense: resumos biográficos. 1ª ed. 1977. p. 145-147 PENTEADO, O. A. Miscelânea. Arquivo do Município de Rio Claro “Oscar de Arruda Penteado”, 1984. PEREIRA, A. “O jornalista José David Teixeira”. In: - Coisas da nossa história. Rio Claro, Arquivo do Município de Rio Claro, 1985. p. 49-50. 53 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais JORNALISMO LITERÁRIO: UMA DISCUSSÃO SOBRE A VERDADE DOS FATOS Francilene de Oliveira SILVA Universidade Metodista de São Paulo2 O Jornalismo dá conta da realidade. O Romance dá conta da ficção. Esta afirmação permaneceu verdadeira por muitos anos até que Truman Capote a colocou em xeque com a publicação de A Sangue Frio. Nos “Agradecimentos” do livro Truman revela: “Todo o material por mim utilizado nesse livro, quando n~o é fruto de minha observação direta, provém de arquivos oficiais ou resulta das minhas entrevistas com pessoas diretamente interessadas nessa história, entrevistas que, na maioria dos casos, repetiram-se por tempo indefinido. (...)”. A Sangue Frio representa uma revolução tanto na literatura como no jornalismo porque é classificado como um romance não-ficcional. Capote escreveu uma reportagem utilizando elementos da literatura, em especial do romance Realismo Social, para prender a atenção do leitor. Tudo começou em 1959. Truman tomou conhecimento do assassinato brutal da família Clutter pelo jornal. Ele ligou para a revista The New York, pois gostaria de fazer a cobertura do caso para mostrar como a pequena Holcomb lidava com um acontecimento tão cruel. Chegando à cidade, acompanhado de Harper Lee, uma escritora que trabalharia com a pesquisa de sua reportagem, viu que a história era complexa e que, talvez, estivesse ali uma trama maior do que imaginava. Truman se aproxima, então, de pessoas-chave para o entendimento do assassinato de Herbert Clutter, Bonnie Fox e de seus filhos Kenyon e Nancy: Alvin Dewey, investigador responsável pelo caso; Bob, o namorado da adolescente, Susan Kidwell, melhor amiga de Nancy, além de outros personagens ligados à família. Porém, o que mais chama atenção na narrativa é a forma de abordagem. Truman não intimida seus locutores com gravadores - ele mesmo diz que tem uma memória excelente, no filme Capote (2005) -, se põe no lugar do outro como quando, em busca de informações, numa conversa com Susan se mostra para a interlocutora: “Quando eu era criança também era vítima de preconceitos” (Capote era baixinho, gay e possuía jeito afetado). Ela o encara e vai buscar um elemento precioso para a reportagem, o diário da adolescente. Da mesma maneira, se aproxima do investigador Dewey, pois a esposa do mesmo era fã de seus livros. Truman, então, vai colecionando informações para montar, aos poucos, o quebra-cabeça da história. Interrogado por um jornalista, em Paris, na ocasião do lançamento da tradução francesa de seu livro, Truman Capote disse textualmente: Projetei escrever o que vocês costumam chamar um roman-verité, e nesse particular temos um postulado artístico. Sou romancista, mas há dez anos pratico o 2 Este trabalho está destinado ao GT1 - História do Jornalismo 54 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais jornalismo, ou seja, a reportagem. Julguei que se conseguisse compor um livro em que se harmonizassem as técnicas do jornalismo – trabalho preciso e acurado em todos os detalhes – e as técnicas da criação puramente romanesca, o resultado poderia ser fascinante: narrativa de um acontecimento real, porém, beneficiando-se do trabalho em maior profundidade do ficcionista, e por conseguinte, do vigor da obra de imaginaç~o” (LEWIN, 1966). Truman utiliza-se do vigor da obra de imaginação ou utiliza-se também da imaginação. Se em algum trecho algo foi inventado, a obra deixa de ser jornalística para ser romance baseado ou inspirado em fatos reais, pois o jornalismo prima, acima de tudo, pela veracidade dos fatos. No entanto, o romancista-jornalista inventou em A Sangue Frio. Segundo o biógrafo de Capote, Gerald Clarke, após narrar o enforcamento dos acusados, Truman traz uma cena de alívio para a narrativa, mas que não aconteceu, um encontro entre o investigador Dewey e Susan, a amiga de Nancy, diante do túmulo da família Clutter. Eles mantêm um diálogo ameno e nostálgico. Para o co-criador da Academia Brasileira de Educação e Jornalismo Literário (ABJL) e do site TextoVivo, Sérgio Vilas Boas: Capote escorregou. No Texto Vivo, defendemos a exatidão, doa a quem doer. Se Capote reconstituísse a cena baseado em alguma evidência ou registro, tudo bem. Mas não parece ter sido o caso. Clarke levanta suspeitas de invenção mesmo. E o único mandamento de qualquer narrativa de não-ficção é exatamente “n~o inventar situações, lugares, objetos e pessoas”. Passados mais de 35 anos, contudo, esse pecado não deverá derrubar o mito criado em torno de Capote e sua obra. Certas informações vieram à tona talvez já sem efeito. Mesmo na época do lançamento do livro não havia grandes expectativas estéticas em relação aos chamados livros de não-ficção. Nos anos 1960 não existia uma Literatura de NãoFicção (socialmente aceita, como hoje) com regras e princípios. Então, Capote violou o mandamento que diz “pessoas reais, em lugares reais, em situações reais”. Quem lê obras de Jornalismo Literário atualmente sempre poderá se perguntar se aquilo aconteceu mesmo (sim, às vezes a realidade supera a ficção) e se foi daquele jeito. Algumas descrições, diálogos, monólogos e digressões feitas a partir de reconstituições responsáveis podem parecer tão hiper-realistas quanto uma obra de ficção premeditada. (VILAS BOAS, 2009: web). Capote inventou. Sendo assim, rigidamente, sua obra não deve ser classificada como jornalismo literário, mas como ficção. No entanto, exceções são feitas em regras. Talvez essa seja uma, por Capote ser o primeiro a criar algo novo com tanta intensidade e fôlego, por mostrar caminhos alternativos para o jornalismo, por continuar sendo referencial para jornalistas-escritores. Vilas Boas também o redime: “A Sangue Frio é mesmo monumental em seu processo. Capote entrevistou, bisbilhotou, esmiuçou, interpretou; relacionou-se com os policiais e com os criminosos; reconstruiu em detalhes diálogos, geografias, feições, pensamentos, temperamentos e lembranças” (VILAS BOAS, 2009, web). 55 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Antes de escrever A Sangue Frio, Truman Capote publicou uma série de romances incluindo A Mink of One’s Own, Miriam, My Side of the Matter, Preacher’s Legend, Shut a Final Door e The Walls are Cold, publicadas trimestralmente em revistas conhecidas como a Harper’s Bazaar, The Atlantic Monthly, Mademoiselle e The New Yorker. Em 1946, o conto Miriam, publicado pela Mademoiselle, ganhou o O.Henry Award (melhor conto inédito). No entanto, o primeiro romance foi o aclamado Breakfast at Tiffany’s (Bonequinha de luxo), publicado em 1958. Um ano depois, Capote começa sua investigação em Holcomb. Além de se aproximar dos parentes e amigos da família Clutter, Capote passa a conversar com os acusados, principalmente com Perry Smith. Ele dedica um capítulo inteiro para descrever sua personalidade e características físicas. O autor passou muitas horas ouvindo Perry, ia visitá-lo na prisão e costurou laços de amizade. A publicação do primeiro capítulo do livro saiu na New Yorker em 25 de setembro de 1965, seis anos depois de começarem as investigações. A demora foi maior, no entanto, porque Capote esperava o grande final. A execução da pena dos assassinos, o que também lhe causava angústia porque se ligou afetivamente a um deles. Assim que o capítulo foi lançado, a New Yorker esgotou nas bancas de jornal. E em janeiro de 1966, é publicado o livro com título original In Cold Blood que inicia um novo gênero denominado por ele non-fiction novel (romance de não-ficção). O romance de nãoficção foi criticado porque naquela época, segundo Tom Wolfe (2005), havia uma clara distinção entre os jornalistas e os romancistas, vistos como soberanos, ainda nos anos 50. [...] a White Horse Tavern, na rua Hudson...Ah! [...] o local era estritamente voltado para romancistas, para pessoas que estavam escrevendo um romance, e pessoas que estavam cortejando O Romance. Não havia lugar para jornalistas, a menos que ali estivesse no papel de futuro romancista ou simples cortesão dos grandes. Não existia algo como um jornalista literário trabalhando para revistas ou jornais populares. Se um jornalista aspirava a status literário, o melhor era ter o bom senso e a coragem de abandonar a imprensa popular e tentar entrar par a grande liga. (WOLFE, 2005: p.18). Nesta época, mal imaginavam os romancistas que os jornalistas “roubariam” do romance o principal acontecimento da literatura sendo que obras como a A Sangue Frio foram narradas da seguinte forma: Dewey colocou uma chave na porta da frente da casa dos Clutter. A casa estava quente no seu interior, pois o aquecimento não fora desligado e os quartos cheiravam a cera de limão, parecendo desocupados apenas temporariamente. Como se fosse domingo e, a qualquer momento, a família fosse chegar da igreja. As herdeiras Sras. English e Sra. M. Jarchow haviam enchido um caminhão com roupas e mobílias; no entanto a atmosfera de uma casa ainda habitada não se fôra de todo. No sal~o, uma música continuava aberta em cima do piano: comin’Thru’ The Rye. No 56 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais corredor, um chapéu Stetson, cinza, manchado de suor – era de Herb – pendurado no cabide. No quarto de Kenyon, em cima, numa estante por sôbre a sua cama, as lentes dos óculos do menino morto refletiam o brilho da luz. (CAPOTE, p.175) O livro tem várias cenas que mostram a vida privada e sentimentos dos personagens, inclusive dos assassinos, que são humanizados. Porém, antes de A Sangue Frio ser lançado, outros jornalistas utilizavam a mesma técnica, só que em reportagens menores publicadas em revistas. A crítica ao estilo continuava. O próprio Tom Wolfe (2005), certa vez, ao ler a matéria de Gay Talese “Joe Louis: o rei na meia-idade”, publicada na Esquire, em 1962, teve a seguinte reação: Minha reação instintiva, defensiva, foi achar que o sujeito tinha viajado, como se diz... improvisado, inventado o diálogo... Nossa, ele talvez tenha criado cenas inteiras, o nojento inescrupuloso... O engraçado é que essa foi precisamente a reação que incontáveis jornalistas e intelectuais da literatura teriam ao longo dos nove anos seguintes, à medida que o Novo Jornalismo ganhava força. Os filhos da mãe estão inventando! (Estou lhe dizendo, Ump, é uma bola com efeito que ele está lançando...) A reportagem realmente estilosa era algo com que ninguém sabia lidar, uma vez que ninguém costumava pensar que a reportagem tinha uma dimensão estética. (WOLFE, 2005: p.22) Além de Gay Talese, outros repórteres começaram a utilizar recursos da literatura em seus textos como Jimmy Breslin na coluna do jornal Herald Tribune na década de 60. Jimmy era um jornalista que saía para a rua, ele escrevia como conto, a vida real. Esses jornalistas estavam escrevendo não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. Era possível utilizar de tudo, inclusive o fluxo de consciência para emocionar o leitor. Como características do romance, eles utilizaram-se do uso de cenas, diálogos, descrições, acompanhamento e, principalmente, a forma como retrataram a vida subjetiva e emocional dos personagens. Essas características demandavam uma matéria mais investigativa e que permitia, na não-ficção, usar cenas inteiras, diálogos intensos e extensos, ponto de vista do personagem e monólogo interior. Mas como? Como um jornalista pôde ir tão fundo na alma dos protagonistas de sua história revelando pensamentos íntimos, gestos precisos? Truman Capote, apesar de nunca ter sido premiado com A Sangue Frio, inventou a fórmula do Jornalismo Literário, que depois foi seguido por autores como Gay Talese (Fama e Anonimato, Os Mafiosos), Tom Wolfe (O teste do ácido do refresco elétrico) e utilizados com maestria pelos premiados Norman Mailer e pelos jornalistas do Caso Watergate Carl Bernstein e Bob Woodward que, logo depois, lançaram o livro Todos os Homens do Presidente. Woodward já escreveu 12 livros não-ficcionais que foram bestsellers. Bernstein também se tornou escritor, recentemente lançou o livro A Woman in Charge: The Life of Hillary Rodham Clinton. 57 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Norman Mailer deu um impulso à não-ficção criativa. Dois anos depois do lançamento do livro de Capote, escreveu Os degraus do Pentágono, um livro de memórias, um velho gênero da não-ficção, que depois veio a ser publicado com o título Os exércitos da Noite. A obra não teve grande impacto jornalístico, nem Mailer teve o sucesso popular de Capote, no entanto, era estimado dentro da comunidade liter|ria. Para Wolfe (2005, p. 48) “ele vinha sendo classificado com certa condescendência como jornalista, porque seu trabalho de não-ficção, sobretudo para a Esquire, era, evidentemente, seu melhor trabalho”. Mas, os romancistas da época n~o admitiam serem ‘rebaixados’ ao grau de jornalistas, por isso Mailer deu um subtítulo para seu livro “O romance como história; a história como romance”. “Ali estava mais um romancista que se voltara para alguma forma de maldito jornalismo, independente do nome que se desse a isso, e não só revitalizara sua reputação, mas chegara a um ponto mais alto do que nunca antes na vida” (WOLFE, 2005, p.48). O primeiro best-seller de Mailer aconteceu em 1948 com Os nus e os mortos, uma obra sobre a Segunda Guerra Mundial. Em O super-homem vai ao supermercado, ele acompanha as convenções políticas dos partidos Democratas e Republicanos entre 1960 e 1968. Em 1973, escreveu uma biografia sobre Marilyn Monroe que causou polêmicas. Mailer sempre foi eclético em sua carreira, possui 18 obras classificadas como não-ficção, mas também possui número significativo de obras ficcionais como A canção do Carrasco, baseada na vida do assassino Gary Gimore, que ganhou um Pulitzer em 1980. Outro grande nome que entra no rol dos jornalistas literários é Ryszard Kapuściński, jornalista e escritor polaco que cobriu guerras, golpes e revoluções na África, Ásia, Europa e América para a Polska Agencja Prasowa onde foi correspondente internacional. Kapuściński sempre escreveu livros de elevado teor literário fazendo retrato psicológico dos personagens e utilizando figuras de estilo. Porém, uma obra recém-lançada na Polônia “Kapuściński Non-Fiction”, de Artur Domoslawski, acusa o lendário jornalista de transpor a fronteira entre verdade e ficção em seus livros. Se tudo o que Kapuściński escreveu for verdade, ele fez amizade com Che Guevara na Bolívia, Salvador Allende no Chile e Patrice Lumumba no Congo. O biógrafo questiona e afirma que Kapuściński ficcionava muitas de suas reportagens para ganhar maior dramatismo. Em entrevista ao di|rio brit}nico ‘The Guardian’, o autor exemplificou duas descobertas dos três anos em que refez os passos do jornalista. Em Uganda, Kapuscinski descrevera que os peixes no lago Vitória estavam gordos de tanto comer restos dos corpos de vítimas do ditador Idi Amin. Na verdade, eles estavam maiores por conta da fartura de alimento provocada por uma cheia no rio Nilo. Em outro caso, o polonês relatou com crueza um massacre ocorrido no México em 1968. A biografia alega que Kapuscinski sequer estava no México. Guevara? 58 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Lumumba? De acordo com Domoslawski, essas amizades nunca existiram. (MENA, 2010, p: E3). Morto em 2007, Kapuściński chegou a ser chamado de “o maior repórter do mundo”. No seu livro mais famoso O Imperador (2005), o jornalista trata do declínio do regime etíope de Hailé Selassié I, na Etiópia. Neste livro, há uma mescla de realidade e ficção. Nem todos os personagens podem ser identificados, pois seus nomes aparecem apenas com as iniciais que não correspondem aos dos funcionários do palácio. Não há como negar, no entanto, o valor da obra que reflete sobre o poder e autoridade alcançando o caráter universal da literatura. Em outro livro Ébano-febre africana (2001), o jornalista conta a história de Lumumba, líder africano herói da libertação do Congo do colonialismo belga. Para o biógrafo, na primeira vez em que Kapuściński viajou para a \frica o líder do Congo j| tinha sido assassinado. A amizade com Che Guevara também é contestada. Tanto a biografia de Truman Capote como a de Kapuściński levantam dúvidas sobre a verdade dos fatos ali relatados. É importante ressaltar que as técnicas ficcionais podem ser utilizadas para trazer graça ao texto, mas a história jamais pode ser inventada. É importante também lembrar e colocar sob suspeitas as afirmações dos biógrafos. Muitos questionaram Gerald Clarke porque a biografia saiu depois da morte de Capote. E a viúva de Kapuściński, Alicjia, tentou que o Tribunal de Varsóvia impedisse a distribuição do livro. Juarez Bahia (1971) diz que há diferença entre artigos de jornal e páginas de literatura, pois no primeiro existe a preocupação de informar e no segundo uma preocupação com a criação. Essa diferença, porém, não impede que os gêneros se complementem e casem de maneira harmoniosa, desde que não interfiram na espinha dorsal de cada um deles. No caso do jornalismo, a realidade dos fatos; e da literatura, o estilo e criatividade na maneira de narrar, como vem confirmar o próprio Juarez Bahia. Ainda que tomada no sentido mais clássico, literatura também pode ser jornalismo. Por meio de seus veículos e principalmente por meio da palavra impressa o jornalismo produz uma literatura sob pressão, mas concreta do que formal limitada ao tempo e ao espaço de que dispõe o jornalista na sua atividade diária, mas nem por isso uma literatura menos válida ou uma subliteratura como se quiz (sic) no passado (BAHIA, 1971: p. 49). A Academia Brasileira de Educação e Jornalismo Literário trabalha com sete pilares que compõem os textos e romances não-ficcionais e dentro deles estão a exatidão e a responsabilidade (os outros são imersão, criatividade, humanização, estilo e simbolismo). A realidade dos fatos é imprescindível para uma obra ser considerada jornalística, por isso a tênue fronteira entre ficção e não-ficção não deve ser ultrapassada sob pena de se mudar obras da prateleira de “jornalismo liter|rio” para a de “romances ficcionais”. Essa afirmação não vem em defesa da objetividade, pois a realidade é complexa (MORIN, 2008) e, dentro dela, há espaço 59 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais para a subjetividade. A afirmação prima pela verdade dos acontecimentos, mesmo que ela venha impregnada pelas percepções subjetivas dos autores. Referências bibliográficas BAHIA, Juarez. Jornalismo informação comunicação. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1971. CAPOTE. Truman. A Sangue Frio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. CLARKE, Gerald. Capote: a biography. New York: Carroll & Graf Publi, 2005. DEARBORN, Mary. Mailer: a biografy. New York: Houghton Mifflin, 1999. KAPUSCINSKI, Ryszard. O Imperador: a queda de um autocrata. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. ____________. Ébano febre africana. Porto: Campo das Letras, 2001. LEWIN, Willy. O romance-verdade de Truman Capote. In Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 10/12/66. MENA, Fernanda. Biografia sugere que Kapuscinsk mentia em textos. In Ilustrada. Folha de S. Paulo. P. E4, terça-feira, 16 de março de 2010. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento. 14ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. VILAS BOAS, Sérgio. Fatos e ficções a sangue frio. Disponível em http://sergiovilasboas.com.br/ensaios/f_f_sangue_frio.pdf. Acesso em 16 de março de 2010. WOLFE, Tom. Radical Chic e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Referências filmográficas MILLER, Bennett. Capote. EUA: 2005. 1h38min 60 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais MÍDIA REGIONAL: A CONSTITUIÇÃO DOS VEÍCULOS IMPRESSOS DA ÁREA DA NOVA ALTA PAULISTA Ieda Cristina BORGES Jornalista, Mestre em Comunicação pela Universidade de Marília/SP, Professora das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI) – Adamantina/SP. Introdução Os estudos comunicacionais abordam temáticas relacionadas às regiões de divulgação dos centros urbanos onde se localizam os conglomerados midiáticos. As pesquisas nesse campo ainda são insuficientes para obter um mapeamento da imprensa brasileira, para a composição de sua identidade. Nas discussões entre a imprensa local e regional, a escassez de publicações que mapeiem a mídia interiorana paulista é um fator significativo para a necessidade do estabelecimento destes parâmetros históricos. O presente trabalho pretende ser uma contribuição para suprir essa carência de estudos específicos sobre o perfil da imprensa regional paulista, particularmente da Nova Alta Paulista. É necessário, portanto, desenvolver pesquisas que permitam identificar o perfil da mídia impressa do interior paulista, o que conduziria à compreensão do meio em seu próprio núcleo, tornando-se objeto de investigação para os cursos de comunicação, com ênfase para a delimitação de comparativos entre modelos locais e aqueles que são adotados como referência nos estudos da área e afins. A pesquisa realizada nos 31 municípios e integrantes da Associação dos Municípios da Nova Alta Paulista (AMNAP). São localidades urbanas geograficamente constituintes da 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo – Alta Sorocabana e 11ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, a Alta Paulista. Foram analisadas a constituição dos 27 jornais existentes nestas localidades e formadoras da mídia impressa regional. Os dados coletados no período de 01 de dezembro de 2007 a 31 de março de 2008, foram analisados e possibilitaram traçar o perfil destes veículos impressos regionais referentes à constituição empresarial e redacional destas estruturas midiáticas. Optou-se pela utilização do método exploratório e descritivo e aplicação de questionários abertos e fechados no levantamento das fontes primárias de informação, ou seja, as empresas jornalísticas da Região da Nova Alta Paulista. Destaca-se a conceituação da mídia local e regional e sua abrangência num sentido macro do jornalismo, mostrando o quanto a globalização proporcionou a volta do olhar para o local, revalorizando os grupos regionais, respeitando-se suas 61 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais especificidades e características únicas. Mapear a mídia impressa da área da Nova Alta Paulista significa apresentar suas particularidades em sua presença no espaço midiático regional. Jornalismo e sua dimensão social O jornalismo é um tema de maior relevância na sociedade contemporânea, por isso é mais grave do que pacífica a responsabilidade do jornalismo na formação da história nacional. Mais do que a simples apreensão de momentos passíveis de um relato, o jornalismo possui uma faceta histórica na sociedade, como peça fundamental no registro de acontecimentos. Para pesquisadores das teorias do jornalismo, mais especificamente os portugueses como Traquina (2004, p.206), é entendido como uma prática social, que estabelece relações com o mundo simbólico e com o mundo material dos indivíduos. Quer seja quer n~o, o jornalismo é um “Quarto Poder” que, [...], sustenta o poder instituído [...] não é um campo fechado; pode ser mobilizado por movimentos sociais e contestatórios que sabem criar estratégias de comunicação que seduzem numa luta simbólica jogada nas sociedades democráticas. [...] Enquanto o pólo ideológico define jornalismo como um serviço público, o pólo econômico define jornalismo como um negócio [...]. (TRAQUINA, 2004, p. 206-207) Como um dos meios de comunicação de massa, é um importante instrumento para difusão cultural. Esse papel assume maior ou menor dimensão em face das necessidades e das prioridades sociais. Estas considerações são importantes para estabelecer a relação entre: memória e história, na construção do jornalismo regional no interior do oeste paulista. Afinal, esta carência de estudos comunicacionais tem relação direta com questões entre memória e mídia. O registro de acontecimentos em jornais impressos está diretamente vinculado à necessidade do homem de se relacionar com o espaço onde vive. Assim, pode ser considerado como arte, técnica e ciência e teve sua importância defendida por Thomas Jefferson, em 1787 (apud BAHIA, 1990, p. 10), “se me fosse dado decidir se devemos ter um governo sem jornais, ou jornais sem governo, eu não hesitaria um momento em escolher esta última alternativa”. O jornalismo apresenta-se como um órgão formador de opinião, como um cristalizador de visões acerca do real. Assim, vários autores têm procurado demonstrar como os meios de comunicação de massa, e mais especificamente os jornais, ocupam um lugar privilegiado enquanto formadores e armazenadores da memória social. 62 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Com base nestas colocações, apresentam-se os jornais impressos como locais de memória, sendo passível na atual constituição dos conglomerados urbanos a íntima relação entre os conteúdos dos discursos midiáticos e a produção da memória. E quais são os jornais na região interiorana paulista e sob quais linhas editoriais são definidos os conteúdos informacionais no espaço midiático da Nova Alta Paulista? As particularidades da mídia regional e local É necessário verificar e apontar as especificidades e características próprias de cada regi~o e os registros locais. Na vis~o de Sousa (2006, p. 10), “a globalizaç~o proporcionou a volta do olhar para o local, revalorizando os grupos regionais”. Enquanto que essa mesma a globalização das comunicações coloca em relação os contrastes do mundo atual, acelera também o contraste da própria comunicação: a convivência entre a sua tendência à internacionalização e a tendência à regionalização, ou entre a sua nacionalização/estadualização e a sua regionalização. Com o mundo globalizado e capitalista, cria-se nos indivíduos a necessidade de buscar informações que atendam aos seus interesses. Mídia local existe desde que surgiram os meios de comunicação de massa. Historicamente o jornal, o rádio e a televisão ao nascer, atingem apenas um raio de abrangência local ou regional. Alguns destes meios de comunicação desenvolvem seu potencial de alcance nacional ou internacional, outros permanecem locais. (PERUZZO, 2005, p. 69) Entende-se por jornalismo regional aquele que assume a identidade de um determinado grupo, isto é, a produção jornalística voltada para uma comunidade, para um grupo que tem um local em comum. A valorização dos meios de comunicação, em nível local, ocorre no auge do processo de globalização iniciado na década de 80. Não se resume simplesmente ao jornalismo feito em regiões específicas. É possível identificá-lo em grandes veículos de comunicação, que circulam no país inteiro e em publicações internacionais direcionadas a grupos de imigrantes. [...] sendo o Brasil caracterizado por uma regional consequência de sua vastidão territorial e da tendência isolacionista, demarcando historicamente os contornos da república Federativa, torna-se imprescindível avaliar criticamente as tendências vigentes. (MELO, 1998, p. 13) Um outro conceito a ser atribuído é o de um jornalismo regional voltado para um público específico, com características comuns, ligado ou não por um espaço geográfico, em que os integrantes desse público possam ter acesso a informações que os conectem ou os remetam ao local de origem ou a elementos específicos dos contextos que constituíram suas identidades, bem como de suas bases sociais e culturais. 63 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Para o pesquisador Queiroz (2002, p.4), a situação é histórica e infelizmente cíclica: Desde que o então Ministro da Justiça e depois, Presidente da República, Manuel de Campos Salles, no começo do século XX estabeleceu as balizas para um relacionamento de poder da imprensa a interesses de governos, políticos e partidos no Brasil – ao oferecer aos empresários, desde aquela época, empréstimos para a compra de equipamentos, construção de prédios ou mesmo estimular o empreguismo – [...] lançou as bases para a dependência entre o jornalismo e o Poder constituído no Brasil. Trata-se de uma história lamentável que vem se repetindo ao longo dos últimos anos. (QUEIROZ, 2002, p. 4). Neste empreendedorismo, nota-se um dado significativo na constituição destas empresas jornalísticas: a absorção e/ou fusão de jornais concorrentes no mercado local e em alguns casos, com pretensões de abertura a um público direcionado ao mercado regional. Os veículos analisados neste trabalho caracterizam-se como jornais regionais ou jornais do interior e, por isso, possuem características próprias que se destacam se comparadas aos dos jornais dos grandes centros, principalmente no tocante a sua constituição administrativa e redacional. Isso comprova o argumento da pesquisadora Cicília Peruzzo (2005, p. 78), no qual: O meio de comunicação local tem a possibilidade de mostrar melhor do que qualquer outro a vida em determinadas regiões, municípios, cidades, vilas, bairros, zonas rurais etc. [...]. As pessoas acompanham os acontecimentos de forma mais direta, pela vivência ou presença pessoal, o que possibilita o confronto entre os fatos e sua versão midiática de forma mais natural. (PERUZZO, 2005, p. 78). Com a reestruturação administrativa estes novos espaços midiáticos locais/regionais vislumbram adotar uma postura editorial característica, trata-se da tentativa de conferir aos leitores uma oportunidade de um diferencial. A proximidade é mais ou menos explorada e valorizada dependendo da estratégia editorial do meio de comunicação. Quando os objetivos principais dos meios de comunicação local e regional giram em torno da exploração da mídia apenas em benefício pessoal e empresarial imediatos, sem a incorporação prioritária dos princípios éticos e de responsabilidade social, dificilmente se pratica comunicação de proximidade. (PERUZZO, 2003, p.84). Mas a presença no mercado editorial é exigente. Muitas destas publicações regionais/locais resistem por um determinado período, mas os altos custos de produção não possibilitam o estabelecimento diante das dificuldades financeiras para garantir a periodicidade da circulação. As relações com o poder público são em sua grande maioria, fonte de recursos determinantes para a permanência neste segmento editorial. Marini (1998) reforça a ausência, em alguns casos, do amadurecimento da temática global e local na definição das pautas dos veículos impressos regionais, Os jornais regionais ouviram o galo cantar, mas não sabem aonde. Ainda não chegaram a um equilíbrio da receita "visão global com ação local". A visão global ainda é entendida como a reprodução [...], nesses jornais, o noticiário local ainda peca pelo provincianismo, pela visão estreita que termina nos 64 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais limites do município. A poluição de um rio é vista tão somente como uma ameaça para o abastecimento de água da cidade. Um olho global sobre os assuntos locais e outro local sobre os temas globais - esse é o desafio em fase ainda embrionária nos jornais regionais. Será o próximo passo na evolução. (MARINI, 1998) O espaço urbano: Nova Alta Paulista Em alguns casos, as empresas jornalísticas desta área urbana em análise, são fontes primárias e secundárias para a coleta de informações. Traçar uma análise deste mapeamento da mídia regional da Nova Alta Paulista é algo necessário para justificar as novas facetas no processo de comunicação mediada pelos periódicos nesta microrregião paulista. Os levantamentos foram baseados na pesquisa da mídia impressa dos 31 municípios que constituem a conhecida área da Nova Alta Paulista. Os dados geográficos baseiam-se na classificação da Associação dos Municípios da Nova Alta Paulista (AMNAP). Oficialmente, são os seguintes as cidades estabelecidas no espaço territorial da Nova Alta Paulista: Adamantina, Arco - Íris, Bastos, Dracena, Flora Rica, Flórida Paulista, Herculândia, Iacri, Inúbia Paulista, Irapuru, Junqueirópolis, Lucélia, Mariápolis, Monte Castelo, Nova Guataporanga, Osvaldo Cruz, Ouro Verde, Pacaembu, Panorama, Parapuã, Paulicéia, Pracinha, Queiroz, Quintana, Rinópolis, Sagres, Salmorão, Santa Mercedes, São João do Pau d`Alho, Tupã e Tupi Paulista. (vide Fig. 2) Os municípios da área delimitada integram-se a duas Regiões Administrativas (RA) do Estado de São Paulo: Presidente Prudente denominada Alta Sorocabana (sede da 10ª Região) e por Marília denominada Alta Paulista (sede da 11ª Região). Tratar da mídia regional implica, obrigatoriamente, em abordar a criação da AMNAP, para justificar o delineamento deste objeto de estudo na delimitação da mídia impressa nestas 31 localidades. Criada em 20 de julho de 1977, “constitui-se na principal representação política de trinta municípios localizados no estremo Oeste Paulista.” (GIL, 2006/2007, p.7). A Associação dos Municípios da Nova Alta Paulista (AMNAP) é a principal representação política regional. Dedicou-se atenção à sua trajetória, suas ações e suas estratégias por reconhecer o seu envolvimento com o desenvolvimento regional. Ela foi criada em 1977, ainda num contexto político marcado pelos governos militares, porém já na fase de esgotamento do nacional desenvolvimentismo. As dificuldades impostas pela pouca expressividade da economia regional, num contexto nacional e externo igualmente desfavorável, impuseram a necessidade de se pensar soluções, e elas não viriam por si só. Aumentava a visão de conjunto e o desconforto impelia para a busca de respostas políticas em todas as instâncias, sendo a mais próxima os governos municipais. A essa época, a Nova Alta 65 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Paulista foi percebendo o seu isolamento e sentindo as conseqüências de uma política local mais comprometida com interesses parcializados do que com propostas abrangentes e voltadas ao bem-comum. (GIL, 2007, p. 191) Figura 1: Área da Nova Alta Paulista (municípios constituintes da AMNAP). Fonte: Elaborado a partir de dados fornecidos pelo IGC, 2003. A história do interior paulista na área em estudo é construída, em grande parte, a partir das publicações nos jornais impressos. Em sua tese, Gil (2007, p. 65/67) cita pelo menos dez profissionais de áreas distintas que desenvolveram entre 1989 a 2004, estudos científicos, teses, dissertações, monografias e artigos cuja temática era o extremo oeste paulista e a formação da região analisada por este trabalho. E, em diversos momentos, foram os jornais impressos de épocas diferenciadas, as fontes para tais pesquisas. Exatamente por isso, que dentro da diversidade de fatos ocorridos diariamente, o profissional jornalista, neste espaço midiático denominado jornal tem por obrigação ética, fazer um recorte isento nas informações que chegam à redação para serem apuradas e publicadas. […] o jornalismo regional deve investir no aprimoramento do seu sentido crítico. Creio que mais opiniões, mais debates fazem falta e que o jornalismo meramente noticioso e factual não contribui para o aperfeiçoamento de um jornalismo mais dinâmico. E, sem dúvida, o grande mérito do jornalismo regional é sobreviver como empresa. Fazer jornal, do ponto de vista empresarial, é um desafio. […] o jornalismo impresso possui características operacionais que o transformam em um produto industrialmente caro. (QUEIROZ, 2002, p. 7). É uma realidade presente no dia-a-dia dos jornais pesquisados, mas isso não justifica algumas omissões e ausências quando o assunto em pauta e a ineficácia e ineficiência de órgãos públicos e entidades empresariais patronais. Assim, conhecer a constituição jurídica da mídia em estudo é relevante para compreender as linhas 66 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais editoriais adotadas pelos veículos impressos da área da Nova Alta Paulista. Este é o objetivo do próximo capítulo. Os veículos impressos da área da Nova Alta Paulista A imprensa interiorana paulista possui uma estrutura racionalizada, restrita a uma pequena equipe responsável pela sua operacionalização, além de aparato técnico limitado. Segundo pesquisador José Marques de Melo (1998, p.17), o Estado de São Paulo concentra praticamente a metade de títulos da imprensa brasileira, mas h| carência de estudos no sentido de identificar suas características, “a imprensa do interior de São Paulo tem sido pouco estudada e por isso é pouco conhecida no ambiente acadêmico”. Os registros dos veículos impressos na área da Nova Alta Paulista são raros. Para traçar o panorama da mídia impressa local e regional, fazem-se necessárias consultas às principais fontes especializadas como Associação Paulista de Jornais (APJ), Associação dos Jornais do Interior do Estado de São Paulo (Adjori), Associação Brasileira de Jornais do Interior (Abrajori) e Associação dos Jornais Diários do Interior do Estado de São Paulo (Adiesp). A maior dificuldade enfrentada para examinar a mídia nas regiões está relacionada com a obtenção dos dados primários, que são os mais difíceis e dependem de pesquisa rigorosa, uma vez que os dados existentes são, às vezes conflitantes. Pode-se observar nas obras consultadas grandes diferenças, dependendo da fonte utilizada. (FADUL; GOBBY, 2006, p. 29) Das quatro entidades citadas, apenas a APJ possui site e disponibiliza as informações referentes aos seus associados. E, na pesquisa realizada junto à entidade, não consta nenhum veículo impresso da Nova Alta Paulista. A entidade representativa da categoria dos profissionais jornalistas: Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), inaugurou oficialmente, em 25 de janeiro de 2008, a Delegacia Regional Oeste Paulista do SJSP, na cidade de Presidente Prudente/SP. A entidade realiza atendimento e representações aos profissionais de 88 cidades. Para fins de pesquisa, foram considerados os critérios de produção local e não distribuição regional. A análise dos dados demonstra a prevalência nos jornais impressos da região da Nova Alta Paulista, de sócios na Direção de Redação dos jornais da Nova Alta Paulista não graduados na área de comunicação. Os índices mostram apenas 25% com registro (Mtb) da categoria diplomado, os demais estão categorizados entre os registros de provisionado, precário e ainda, 14% na condição de inexistente. 67 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Outro ponto em destaque na pesquisa é a proximidade da relação entre jornalistas diplomados responsáveis pela edição representando 39,4% e na condição de precários totalizando 35,7%. Vale ressaltar a responsabilidade legal do profissional ao responder por todo processo produtivo da edição do jornal. Os jornalistas provisionados, neste caso, são 21,4% e ainda aponta 3,5% para as publicações em que o jornalista responsável não está em nenhuma das categorias relacionadas anteriormente. Nota-se que alguns veículos de comunicação impressa tanto da capital quanto do interior, especificamente da região em análise, a presença na redação dos jornalistas precários. Segundo dados do SJSP, isso implica na prática de tabelas salariais inferiores aos valores estipulados através das negociações com os sindicatos patronais da área. E, ainda, significa a possibilidade da publicação de um material jornalístico sem qualidade técnica e, especialmente, sem qualquer compromisso com a ética estabelecida pela legislação da profissão. Conclusão Comprova-se a existência de uma imprensa interiorana deficitária e restrita a aparato técnico e estrutura racionalizada, bem como limitada e reduzida equipe operacional para a publicação de suas edições. Em contrapartida, diante a precariedade das redações quanto ao número de jornalistas diplomados e a ausência de uma estrutura adequada, a cobertura jornalística da área urbana destas localidades fica comprometida e desprovida de um serviço que atenda suas necessidades. Nota-se uma readequação das publicações quanto ao formato e a editoração das publicações regionais. Observa-se que os jornais buscaram promover investimentos, assimilando características e tecnologias adotadas nos grandes veículos jornalísticos do país. Percebe-se neste estudo, que o surgimento dos veículos impressos no interior paulista tem uma faceta peculiar, estar acompanhada de iniciativas pessoais e, geralmente, repletas de idealismo. Posteriormente, no entanto, observa-se que a estrutura organizacional e de divisão das atividades exige dos administradores outros níveis de responsabilidade no gerenciamento da atividade comercial. Em alguns casos, os periódicos regionais dedicam mais de 50% de seu espaço para anúncios. Um agravante é a precarização do mercado jornalístico regional. Há um processo de profissionalização, mas com um contraponto entre o número de instituições de ensino superior com graduação em Comunicação Social – Habilitação 68 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais em Jornalismo na região, em relação ao número de jornalistas diplomados contratados nas redações dos veículos impressos na Nova Alta Paulista. Mesmo com as dificuldades de levantamento de informações, as considerações finais apontam para a identidade regional dos veículos impressos em estudo. E, propõe-se a um passo inicial no aprofundamento da representatividade destes espaços midiáticos para a população da Nova Alta Paulista. São apontamentos ainda preliminares, de uma pesquisa mais aprofundada e ampla, para uma etapa acadêmica posterior, mantendo-se a temática da comunicação regional no Estado de São Referências Bibliográficas BAHIA, J. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. 4.ed. São Paulo:Ática, 1990.1v. __________Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. 4.ed. São Paulo: Ática, 1990. 2v. CAMPONEZ, C. Jornalismo de proximidade. rituais de comunicação na imprensa regional. Portugal: Imprensa de Coimbra Ltda, 2002. DECRETO n.º 83.284 de 13 de março de 1979 Disponível em: <http://www.ojornalista.com.br/decretos2.as>. Acesso em 10 nov.2007. DORNELLES, Beatriz. Jornalismo “Comunitário” em cidades do interior – uma radiografia das empresas jornalísticas: administração, comercialização, edição e opinião dos leitores. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzato, 2004. DUARTE, J. BARROS, A. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. FADUL, A e GOBBY, M. C. 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Popularmente conhecido por sua obra literária infantil, que deu origem à série de TV Sítio do Picapau Amarelo5, o escritor deu grandes contribuições não só a esse segmento editorial, como também a toda a indústria de livros do Brasil, promovendo – num momento sócio e culturalmente propício (KOSHIYAMA, 2006, p. 16) – avanços significativos no setor, com suas próprias obras ou com a publicação de outros autores brasileiros e estrangeiros. Criador de personagens que povoam, ainda hoje, o imaginário brasileiro – como a serelepe boneca de pano Emília ou o polêmico Jeca Tatu – Lobato tornou-se uma espécie de “mito” nacional, tendo sua imagem relacionada, principalmente, a um ser inquieto por mudanças e ávido pelo progresso. Em sua trajetória e em sua obra, ele deixou diluídas essas características. No livro América, por exemplo, ele afirmou que “um país se faz com homens e livros” (LOBATO, 1966, p. 45), transparecendo sua veia de editor e de homem interessado no desenvolvimento humano. Para além da literatura, cabe lembrar, também, que foi ele um dos principais entusiastas da nacionalista campanha pelo petróleo6, mesmo este fato 4 Doutorando e Mestre em Comunicação Social e especialista em Jornalismo Cultural pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Jornalista formado pela Universidade de Taubaté (Unitau) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (Nupec), na mesma instituição. Membro do grupo Pensamento Comunicacional Latino-Americano, vinculado à Cátedra Unesco/Metodista de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. Editor da revista Acervo Online de Mídia Regional e secretário-executivo do grupo de pesquisa Gêneros Jornalísticos, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). 5 A extensa literatura infantil escrita por Lobato, de 1920 – com seu livro de estreia nesse gênero, A menina do nariz arrebitado – até 1947, foi transformada, por quatro emissoras do país, em programa televisivo voltado às crianças. A primeira experiência foi a da Rede Tupi (1952-1962), seguida da TV Cultura (1964) e da TV Bandeirantes (1967-1969). Mas, sem dúvida, a produção mais marcante foi a da Rede Globo, responsável por duas versões da série (1977-1986 e 2001-2007). 6 No início da década de 1930, Lobato – recém-chegado dos Estados Unidos – incentivou a criação de companhias brasileiras destinadas à exploração do petróleo. Porém, seu entusiasmo, marcado por 72 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais tendo sido responsável por sua prisão e pelo declínio de sua carreira (LAJOLO, 2000, p. 76-78). Para o senso comum, Monteiro Lobato foi um homem à frente do seu tempo. Tendo vivido “numa época marcada por uma série de transformações”, em que “o mundo buscava caminhos diferentes, em nome do progresso” (MARÇOLLA, 2005, p. 173), ele deu vários alertas para o crescimento do Brasil, valendo-se dos dispositivos que tinha à mão – em especial, os jornais e os livros. Não por acaso, o sociólogo Gilberto Freyre (apud NUNES, 2000, p. 5) chegou a dizer que “a figura do escritor havia de guardá-la não apenas a história literária do Brasil, mas também a história do nosso povo e da nacionalidade brasileira”. Frente a essas constatações, importa dizer que a compreensão das perspectivas intelectuais de Lobato não pode deixar de lado um espaço que foi significativo para a difusão de suas ideias e para a formação de um homem crítico e, de certo modo, destemido: ou seja, a imprensa deve necessariamente ser incorporada ao debate suscitado à margem da obra lobatiana. Afinal, foi nesse “palco” – mais especificamente em jornais impressos – que ele encontrou, em diferentes fases de sua vida, lugar propício para expressar suas opiniões, além, é claro, de “divulgar o seu nome e atingir um objetivo maior, que era vender os seus livros”, como bem observam Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da Silva (1999, p. 44). O relato que segue coloca em discussão a figura do Lobato jornalista, com enfoque maior no cenário que marcou o início de sua atuação na imprensa: o Vale do Paraíba Paulista, região onde está localizada Taubaté, sua cidade natal. Trata-se de um ensaio, elaborado à luz de pesquisa bibliográfica, que tem a modesta – mas, ao mesmo tempo, ambiciosa – intenção de descortinar um complexo campo de investigação historiográfica, que pode contribuir para novos olhares a respeito da formação intelectual do escritor. A inquietação que motivou o desenvolvimento deste trabalho parte de dois pontos fundamentais: 1) a percepção de que a vertente jornalística da trajetória de Monteiro Lobato pouco foi explorada até o final do século passado, ficando restrita, até o momento, a poucas produções acadêmicas, as quais urgem ser articuladas; e 2) a identificação de que foi no interior de São Paulo – e não na capital – que ele foi introduzido no campo das letras. Como complemento, há de se destacar que aquilo um forte apelo nacionalista, transformou-se em uma polêmica briga com o então presidente Getúlio Vargas, que impôs uma série de obstáculos às explorações petrolíferas. Como revela Marisa Lajolo (2000, p. 76), “no balanço que faz de sua campanha pelo petróleo, Monteiro Lobato atribui seu fracasso a razões políticas: para ele, o Departamento Nacional de Produção Mineral e o Conselho Nacional do Petróleo [criado em 1938, depois que técnicos do governo averiguaram a existência de ‘ouro negro’ no interior da Bahia] estavam comprometidos com os interesses dos trustes internacionais do petróleo”. O escritor registrou sua indignaç~o a respeito do fato em, pelo menos, duas obras: no livro para adultos O escândalo do petróleo (1936) – censurado em 1937, mas cujas primeiras edições foram esgotadas assim que publicadas – e no infantil O poço do Visconde (1938). 73 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais que fez o jornalista-escritor, isto é, a passagem da imprensa periódica para os livros, foi uma característica que marcou a época em que jornalismo e literatura caminhavam juntos. Para finalizar este intróito, vale revelar uma motivação pessoal do autor7: revisitar Monteiro Lobato sob o prisma da região valeparaibana consiste em novo aporte que se espera oferecer ao acervo do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (NUPEC), criado, em 1996, no Departamento de Comunicação Social da Universidade de Taubaté (UNITAU), e que tem como principal foco de estudos a mídia regional e suas interfaces, principalmente no que diz respeito aos aspectos históricos desse contexto8. Biografia sucinta Como foi dito anteriormente, Lobato nasceu em Taubaté (SP), no dia 18 de abril de 1882. Seus pais – o fazendeiro José Bento Marcondes Lobato e dona Olympia Augusta Monteiro Lobato, filha do também fazendeiro Joaquim Francisco Monteiro, que recebera o título de Barão e, depois, de Visconde de Tremembé (CAVALHEIRO, 1955a, p. 22) – batizaram-no e o registraram com o nome de José Renato Monteiro Lobato. Aos 11 anos, no entanto, ele decidiu substituir o “Renato” por “Bento”, na intenç~o de herdar uma bengala de seu pai, na qual haviam sido gravadas as iniciais J.B.M.L. Assim, “eliminou o R que atrapalhava o seu sonho de portar a bengala. E com um cartão enfeitado com flores, comunica à sua mãe o novo nome” (MARÇOLLA, 2005, p. 174). Na infância, o menino Juca – como era comumente chamado – “foi crescendo diferente dos outros garotos”. Sempre com “a cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito além da janela do quarto”, “seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro, junto ao Largo do Teatro, em Taubaté, onde passava horas folheando a Revista Ilustrada e o 7 Este trabalho est| ideologicamente apoiado naquilo que se convencionou chamar de “paradigma do conhecimento científico”, que complexifica a construção da episteme, inserindo, em sua essência, a percepção de que o pesquisador – ou o “sujeito do conhecimento”, para os que preferirem tal nomenclatura – sempre está presente e interfere no processo de construção do saber científico. Deixam-se de lado, assim, as perspectivas de integral racionalização do conhecimento (BOURDIEU, 2005). 8 Ainda cabem aqui, como complemento, outras duas colocações: 1) a discussão sobre a performance de Monteiro Lobato como jornalista, motivada pelo Nupec, teve início no trânsito entre os séculos 20 e 21, com dois trabalhos assinados por Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da Silva, integrantes do referido grupo de pesquisa (OLIVEIRA & SILVA, 1999; 2000); e 2) nos últimos anos, o autor do presente trabalho tem se dedicado a pensar a representatividade dos jornalistas do Vale do Paraíba na formação da imprensa regional; como resultado concreto das discussões, publicou dois livros com o teor de entrevistas concedidas por jornalistas da “velha guarda” – Memórias da Mídia Taubateana, assinado em coautoria com Eliane Freire de Oliveira (Taubaté, Papel Brasil, 2006) e Jornalistas do Vale do Paraíba: experiência e memória, coorganizado com Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da Silva (Rio de Janeiro, Oficina de Livros, 2009) –, além de artigos em periódicos científicos. 74 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Jornal des Voyages” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 27). Como era de costume, naquela época, o menino aprendeu “as primeiras letras” com a m~e, aos quatro ou cinco anos de idade. Já alfabetizado, teve um professor particular: Joviano Barbosa. Aos sete anos, ingressou no Colégio do Professor L. Kennedy, recém-instalado em Taubaté. Depois, passou pelo Colégio Americano, pelo Colégio Paulista e pelo São João Evangelista, todos em sua terra natal (CAVALHEIRO, 1955a, p. 23-25; NUNES, 2000, p. 6). Em 1895, fez as malas e seguiu para São Paulo. Seu destino: o Instituto Ciências e Letras, onde prestou exames que permitiram sua matrícula no curso preparatório para o ingresso no ensino superior. Porém, “é reprovado em Português e tem de arrepiar caminho: volta para Taubaté e para o Colégio Paulista. E é lá que estréia na letra impressa, como colaborador de O Guarany9, improvisado jornalzinho estudantil” (LAJOLO, 2000, p. 14). Lobato retornou a São Paulo em 1896. Aprovado nos exames, foi matriculado como interno no Instituto de Ciências e Letras. Permaneceu ali durante três anos, reprovando apenas uma vez, em Latim. Durante esse período, colabora com jornais estudantis – O Patriota e A Pátria –, sob o pseudônimo de Gustavo Lannes, o qual também utiliza para assinar artigos que circulam em “jornaizinhos” editados em Taubaté10. Além disso, afirma seu principal biógrafo que, “n~o contente em colaborar nas fôlhas dos colegas e da terra, funda o próprio jornal, que intitula de ‘H2O’. Era um jornalzinho manuscrito, lido pelo próprio autor todos os s|bados, no recreio, dentro de um quadrado de defesa” (CAVALHEIRO, 1955a, p. 52). Num espaço de pouco menos de um ano, entre 13 de junho de 1898 e 21 de junho de 1899, Lobato perdeu o pai e a mãe, respectivamente (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 88). Órfão, aos 17 anos, sua guarda – bem como a de suas irmãs, Ester e Judite – foi assumida pelo Visconde de Tremembé, que decidiu seu futuro. “Atropelando uma presuntiva vocaç~o do neto pelas BelasArtes, o visconde obriga-o a matricular-se na Faculdade de Direito, curso onde, naquele tempo, desaguavam os filhos da aristocracia brasileira” (LAJOLO, 2000, p. 16). O curso superior foi realizado na Faculdade de Direito do Largo São 9 Há outros autores, como Edgard Cavalheiro e Cassiano Nunes, que grafam o nome do jornal com a letra “i” no final: O Guarani. 10 É de Edgard Cavalheiro (1955a, p. 52) a afirmação de que Lobato, no período de 1896 a 1899, colaborava à distância com pequenos jornais de sua terra natal. Todavia, há de se observar que nenhum outro registro menciona tal feito e que o próprio Cavalheiro não diz quais são essas publicações. Entende-se, assim, que o biógrafo não deve ter localizado nenhum exemplar desses jornais – os quais, muito provavelmente, eram manuscritos –, valendo-se de registros orais para fazer tal assertiva. Além disso, o H20, por ele aludido, também não é identificado por outros autores. O provável motivo é que não se tratava exatamente de uma publicação jornalística, mas, sim, de uma brincadeira de estudantes (talvez levada a sério). 75 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Francisco, em São Paulo, cidade onde residiu de 1900 até 1905. Nesse último ano, mais precisamente no mês de janeiro, regressou a Taubaté, onde começou a namorar Maria da Pureza de Castro Natividade, a quem sempre chamou de Purezinha e com quem se casou, em 1908. Tiveram quatro filhos: Martha, Edgard, Guilherme e Ruth. Notoriedade e destaque, Monteiro Lobato já obtinha nessa época [1908]. Promotor público em Areias, uma cidade tranqüila, onde nada acontecia e sobrava muito tempo para ele dedicar-se à leitura e aos artigos escritos para jornais. Essa vida pacata não duraria por muito tempo. Lobato, aos 29 anos, herda as terras de Taubaté, juntamente com suas irmãs, por causa da morte de seu avô, o Visconde de Tremembé. Era o ano de 1911 [...]. Diante desse fato, Lobato abandona a vida pacata em Areias, muda-se com a família para assumir a fazenda Buquira [...]. Ao mesmo tempo, envolve-se em um negócio de estradas de ferro e abre um externato, em Taubaté. A versatilidade de Lobato é sua marca registrada. Sempre à frente de seu tempo, em busca de modernidade (MARÇOLLA, 2002, p. 78). Lobato residiu em Taubaté de 1911 até 1916 (CAVALHEIRO, 1955a, p. 197). Naquele ano, após vender a fazenda que herdara do avô – motivado pela decadência da produção cafeeira –, mudou-se como a família para São Paulo, onde fixou morada – com exceção dos períodos em que permaneceu fora do país – até sua morte, no dia 4 de setembro de 1948. Ao longo de sua vida, Monteiro Lobato publicou bem mais de 50 livros de sua autoria, que se revezam entre literatura infantil e literatura para adultos. Também traduziu outro considerável montante, além de ter deixado várias obras avulsas, publicadas originalmente na imprensa, principalmente nos jornais O Povo, Minarete e Jornal de Taubaté, editados no Vale do Paraíba (CAVALHEIRO, 1995b, p. 741-763). No dizer de Ros}ngela Marçolla (2002, p. 94), Lobato sempre “questionou, buscou respostas. Colocou suas palavras na boca da boneca Emília, que ainda fala até os dias de hoje”. N~o só da Emília, obviamente. Suas palavras, por muito tempo, ecoaram em páginas de jornais e revistas, com textos que ele fazia questão de assinar com seu próprio nome ou, então, com pseudônimos. Foi assim que se formou a imagem do jornalista que aqui se pretende evocar. Lobato jornalista O desempenho de Monteiro Lobato como escritor, tradutor e/ou editor de livros já foi – embora talvez não em todas as suas possíveis facetas – devidamente analisado por intelectuais brasileiros – tanto por aqueles vinculados a instituições acadêmicas, quanto pelos que se dedicaram a explorar a vida e a obra do escritor taubateano sem vínculos com as cátedras universitárias. Na lista dessas contribuições, estão inseridos, por exemplo, os emblemáticos trabalhos de Alice Mitika Koshiyama (2006), Marisa Lajolo (2000; 200911), Cassiano Nunes (2000) e 11 Esse segundo livro, datado de 2009, foi organizado em parceria com João Luís Ceccantini. 76 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Alaor Barbosa (1996), fontes inesgotáveis de discussões que dão visibilidade ao trabalho exercido por Lobato junto à indústria do livro e que reivindicam o reconhecimento pelas inovações que ele promoveu no sistema literário no país. Também não se pode deixar de mencionar obras que oferecem um panorama amplo e aprofundado sobre sua trajetória, em tom de biografias. Fazem parte desse rol, principalmente, a densa obra de Edgard Cavaleiro (1955a; 1955b) – dividida em dois volumes e que, provavelmente, constitui-se como o material mais difundido e completo sobre o assunto – e o trabalho realizado por Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta (1998) – o qual, além de apresentar uma minuciosa cronologia, recupera um rico acervo de fotografias e fac-símiles de muitas obras originais já fora de circulação. Os debates acerca da obra lobatiana ainda são complementados por reflexões de cunho sociopolítico, tais como o breve volume O último sonho de Monteiro Lobato: o georgismo12, de Cassiano Nunes (1983), e uma edição especial dos Cadernos da PUC-RJ, datada de 1982, que se dedica exclusivamente aos contributos oferecidos por Lobato à literatura infantil, com ênfase no caráter ideológico de seus textos. Há também, certamente, iniciativas esporádicas e dispersas pelas bibliotecas das universidades brasileiras, geralmente em bancos de teses, dissertações e monografias dos cursos de Letras. Isso sem contar recortes dados por outras áreas ou subáreas do conhecimento, como é o caso da Folkcomunicação13, devidamente resgatada no trabalho de Rosângela Marçolla (2002), que identifica marcas de tradição oral nos livros infantis do escritor. 12 Cabe explicar que o referido texto esboça a predileção do escritor taubateano pelas ideias do economista político Henry George (1839-1897), cuja filosofia promulga que a cada um é dono daquilo que consegue criar, mas tudo aquilo que é proporcionado pela natureza pertence a toda a humanidade. Numa carta que escreveu a um jornal paulistano, em fevereiro de 1948 – ano de sua morte –, Lobato afirmou o seguinte: “Sou georgista, meu caro. Convenci-me de tal forma da verdade das teorias econômicas de Henry George que por mais que me esforce não consigo substituí-las pelas de Karl Marx. Admiro a lógica tremenda de Marx, e talvez Marx esteja certo, mas na minha intuição a verdadeira verdade está com Henry George. E justamente, e apenas por causa do meu georgismo, não tive a honra de alistar-me no Partido Comunista Brasileiro, nem pude aceitar o convite de Prestes para entrar na chapa de candidatos à deputação federal em 1946. Não entrei para o Partido nem para a Câmara porque seria trair minhas idéias georgistas. De que modo ser um perfeito deputado comunista, se lá no fundo do meu coração eu ponho George acima de Marx? Sou muito leal, meu caro. Minha divisa é a que prego para as crianças: aquele verso de Shakespeare – ‘E isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo!’” (NUNES, 1983, p. 8). 13 “A Folkcomunicaç~o constitui uma disciplina científica dedicada ao ‘estudo dos agentes e dos meios populares de informaç~o de fatos e express~o de idéias’, como bem a definiu seu fundador, Luiz Beltrão, na tese de doutoramento defendida em 1967 na Universidade de Brasília. Seu objeto de estudo situa-se na fronteira entre o Folclore (resgate e interpretação da cultura popular) e a Cultura de Massa (difusão industrial de símbolos por meios mecânicos ou eletrônicos destinados a audiências amplas, anônimas e heterogêneas). Se o Folclore compreende formas interpessoais ou grupais de manifestação cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a Folkcomunicação caracteriza-se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em linguagem popular, mensagens previamente vinculadas pela indústria cultural” (MARQUES DE MELO, 2004, p. 11). 77 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Assim sendo, não é difícil perceber que discussões a respeito de Monteiro Lobato escritor, intelectual, editor e empresário da indústria editorial podem ser facilmente localizadas. O mesmo, todavia, não se pode dizer da faceta jornalística do taubateano. Não que muitas das obras aqui mencionadas deixem de mencionar suas atividades junto aos órgãos de imprensa. Porém, deve-se destacar que são poucas as referências que se debruçam exclusivamente sobre esse item. Os primeiros dos poucos subsídios de que se tem notícia, nesse sentido, são os artigos de Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da Silva, mencionados anteriormente. Importa assinalar que foram eles os primeiros a deixar registrado que a figura do Lobato jornalista nunca recebeu a mesma atenção dos pesquisadores, se comparado às outras frentes de atuação que marcaram sua vida. [Monteiro Lobato] escreveu, ao longo de 52 anos, em mais de 20 jornais e revistas do país e exterior. Diferente do escritor, o jornalista não possui uma análise mais aprofundada desta produção intelectual. Alguns textos estão catalogados em diversas biografias, mas não há uma obra que reúna todo o material, principalmente artigos publicados nos pequenos jornais do interior, no início da carreira (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 43). Um dos motivos aos quais Oliveira e Silva atribuíam, no final da década de 1990, a carência de uma interpretação densa sobre o jornalista Monteiro Lobato é o fato de ele ter utilizado muitos pseudônimos para escrever em jornais, inclusive alguns femininos14, o que poderia dificultar um levantamento completo de sua produção na imprensa periódica. Mesmo sem se voltar para um trabalho de garimparem e de catalogação do material disperso em vários veículos jornalísticos, esses autores conseguiram, num segundo momento, identificar vestígios da visão crítica de Monteiro Lobato sobre as questões que envolviam, na primeira metade do século 20, temas socioambientais e que refletem, em considerável parcela, os modelos atuais do conceito de cidadania, ligado à construção de uma identidade brasileira15 (OLIVEIRA & SILVA, 2000, p. 44). Se os pesquisadores da Universidade de Taubaté soaram o alarde de que era “preciso resgatar esse lado pouco conhecido e divulgado” de Lobato, com a realizaç~o de “um estudo sistem|tico da sua obra jornalística, com a finalidade de 14 Os autores citam os seguintes pseudônimos: “Mem Bugalho Pataburro”, “Lobatoyewsky”, “Josbem”, “Edelweiss”, “Hélio Burma”, “Rodanto Cor-de-Rosa” e “Olga Lima” (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 43). Porém, deixam claro que essa lista não incorpora todos os nomes que Lobato inventou. Nas palavras de Edgard Cavalheiro (1955a, p. 87), “o próprio Lobato confessava n~o poder precisar quantos pseudônimos usou. Dizia nunca ter havido escolha nos mesmos, pois não eram pseudônimos filhos da vaidade e sim de uma grande vergonha de aparecer em público com a cara natural”. 15 Para a realização desse segundo estudo, os autores tomaram como base o livro A onda verde, publicado em 1921. 78 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais entendê-lo como um topo” (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 54), n~o se pode deixar de reconhecer que foi Thiago Alves Valente, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Assis (SP), que conseguiu cumprir tal façanha. Entusiasta da obra lobatiana16, ele dedicou seu doutoramento ao foco aqui destacado, defendendo, em 2009, a tese Monteiro Lobato nas páginas do jornal: um estudo dos artigos publicados em O Estado de S. Paulo (1913-1923). Antes disso, o autor havia publicado um modesto trabalho intitulado Monteiro Lobato, jornalista, nos anais do 6º Congresso de Leitura do Brasil, realizado em 2007, em Campinas (SP). Naquele material, notadamente seu projeto de pesquisa para o desenvolvimento da tese, Valente (2007, p. 10) insere Lobato num momento sócio-histórico datado, procurando ancoragens teóricas para problematizar o cenário de atuação do jornalista. A resposta a suas indagações, obviamente, não aparece naquele paper. Emerge, mais recentemente, no resultado final da tese. Selecionando como corpus de an|lise os textos que Lobato publicou n’O Estado de S. Paulo, de 1913 a 1923 – época de “consolidaç~o” ou “profissionalizaç~o” da imprensa, no seu entender (VALENTE, 2009, p. 12) –, o jovem doutor confirma as percepções de Oliveira e Silva (1999, p. 45), que sinalizaram a simpatia de Lobato por aquele jornal, devido “{ sua condiç~o de oposicionista ao governo”. Thiago Valente percebe, ainda, que Monteiro Lobato conseguia transitar livremente entre as funções de literato, jornalista e editor, buscando, em cada uma delas, elementos que pudessem suprir lacunas que uma ou outra não pudesse dar conta. Por isso mesmo, nunca deixou de ser nenhum dos três. Sempre foi os três. Além disso, o autor chega à conclusão de que as ideias e os ideais esboçados pelo jornalista naquele periódico17 não fogem aos interesses do próprio jornal e, muito provavelmente, de outros intelectuais da época. Lobato não estava sozinho em sua empreitada por um país melhor, mais rico, mais eficiente. O ideário do jornal em que começara a escrever em 1913, mas cujos textos realmente passaram à história da literatura com os artigos de 1914, era comum ao neto do Visconde, bem como aos demais membros do grupo de O Estado. Longe de imaginar uma relação de subserviência, os “sapos” da redação eram, sem dúvida, a alma do periódico nas primeiras décadas do século XX. O que não significava abrir mão do objeto comercialmente viável (VALENTE, 2009, p. 256). 16 Logo na introdução de sua tese, Thiago Valente (2009, p. 11) explica que, em seu mestrado, dedicou-se ao estudo sistemático do livro infantil A chave do tamanho, publicado em 1942. Conforme informações de seu Currículo Lattes, disponível na plataforma homônima do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sua dissertação, que recebeu o título Uma chave para A chave do tamanho, de Monteiro Lobato, foi defendida em 2004, no Mestrado em Letras da Unesp de Assis, sob orientação do prof. Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini. 17 É importante explicar que, antes de começar a escrever para O Estado de S.Paulo, em 1913, “seus primeiros artigos na grande imprensa saíram na Tribuna, de Santos, em 1909, e no Correio Paulistano, órgão do PRP – Partido Republicano Paulista” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 102). 79 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Ainda é preciso dizer que, além contribuições de Oliveira e Silva e de Valente, Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta dedicaram um capítulo inteiro de seu livro à relação de Lobato com a imprensa. Ali|s, é curioso destacar que a referida unidade carrega o sugestivo título “Sapo de redaç~o”, fazendo alus~o ao “jarg~o utilizado para definir os que compareciam à redaç~o quase todas as noites e l| ficavam até alta madrugada” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 102). Se há um comum acordo entre os autores aqui revisitados é o de que a relação de Lobato com a imprensa – ou, mais precisamente, com a função de jornalista – era, por vezes, contraditória. Em alguns momentos, ele fazia questão de atuar como “sapo de redaç~o”, deixando o gabinete de trabalho para conhecer determinado fato no local de seu acontecimento, como ocorreu na ocasião em que se dedicou a escrever sobre as queimadas – em seu polêmico artigo “Uma velha praga”18, de 1914 – ou, em 1918, quando foi ouvir in loco as reclamações dos agricultores que perderam seus cafezais por conta de uma forte geada que assolou o interior de São Paulo. Por outro lado, houve vezes em que parecia desestimulado a dar continuidade ao trabalho jornalístico, como na ocasião em que reclamou a Godofredo Rangel19 – numa das cartas que costumava trocar com o amigo – que só escrevia em jornal “sob influência da indignaç~o” e que, por isso, sentia que n~o servia para jornal. As circunstâncias, porém, não tardariam a desmenti-lo. Durante a gripe espanhola que assolou São Paulo no segundo semestre de 1918, tirando de campo toda a cúpula do Estado, Lobato se veria na contingência de assumir o comando. O primeiro a cair doente foi Nestor Pestana, seguido por Plínio Barreto e Pinheiro Júnior. Com a direção fora de combate, ele desdobra-se em redator-chefe, secretário e editor, garantindo a circulação do jornal (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 102). Lobato deixou claro que servia, sim, para o jornalismo, embora considerasse, de certo modo, inconveniente a obrigatoriedade de escrever todos os dias (com ou sem vontade). Por conta disso, depois da experiência no fechamento de algumas edições d’O Estadão, ele resolveu focar seu trabalho numa publicação que n~o fosse di|ria. Assim, “intensifica seu trabalho na Revista do Brasil20, onde desde o terceiro número vinha colaborando com contos e artigos” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 108) e a qual adquire pouco tempo depois, ainda em 191821. 18 Preocupado com as queimadas que costumeiramente eram feitas próximo à fazenda Buquira – aquela que herdara do avô –, Lobato escreveu um artigo em tom de desabafo, publicado pelo Estadão em 12 de novembro de 1914. 19 Carta escrita logo após a publicação da reportagem sobre as geadas no interior de São Paulo. 20 Nota do autor: a Revista do Brasil foi criada em setembro de 1915, por meio de sociedade anônima formada por 60 acionistas, a maioria ligada ao grupo d’O Estado de S. Paulo. 21 A compra da Revista do Brasil por Monteiro Lobato é descrita por Azevedo, Camargos e Sacchetta (2006, p. 120) da seguinte maneira: “Como n~o admite a idéia de se submeter a um chefe que n~o fosse ele próprio, resolve concretizar a compra, efetivada em junho de 1918, através de escritura 80 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais De volta à tentativa de organizar os referenciais existentes a respeito do assunto que aqui interessa destacar, vale dizer que Nelson Werneck Sodré, em sua antológica obra sobre a história da imprensa brasileira, também dá atenção ao trabalho que Monteiro Lobato desenvolveu em publicações paulistas. Para o autor, o ponto de partida para o entendimento desse fato é a repercuss~o do artigo “Uma velha praga”, de 1914. No seu entendimento, é a partir daí que o fazendeiro José Bento Monteiro Lobato foi enviando ao jornal o que tinha na gaveta e novas coisas que escrevia, contos e artigos, e o público se foi habituando a admirar o seu estilo fácil, correntio, simples, claro, muito diferente do dos escritores que colaboravam nas folhas da época. Quando deu por si, o fazendeiro estava em S. Paulo, a dirigir a Revista do Brasil, a escrever e a editar livros, e sobretudo a revolucionar, sem pensar na coisa, a produção, comércio e distribuição de livros em todo o país (SODRÉ, 1999, p. 324-343). Nos trabalhos assinados por Rosângela Marçolla (2002; 2005), também há referências ao Lobato jornalista. A autora reforça, além de alguns pontos outrora mencionados, o gosto que ele cultivava pelos pseudônimos, bem como o trabalho que realizava para a revista Fon-Fon, desenhando caricaturas. Fernando Morais (2002, p. 147) ainda menciona o jornalista na biografia que escreveu a respeito de Assis Chateaubriand, revelando sua participação no grupo do magnata durante a década de 1920. Afirma, porém, que não obstante admirasse o trabalho de Monteiro Lobato, Chateaubriand queixava-se “da falta de assiduidade e do comportamento boêmio do escritor paulista”, que mantinha, j| em 1927, a mesma fixação pelo ambiente das redações. Conforme o registro de Morais, Lobato aparecia n’O Jornal – com o qual colaborou regularmente por mais de um ano – para entregar sua coluna, e ali ficava, horas e horas, conversando e “cavaqueando com os colegas”. O percurso de Monteiro Lobato, pela imprensa, não é linear. É marcado por idas e vindas, por momentos em que ele realmente atuava como jornalista e por outros em que tão-somente fazia dos jornais um espaço para publicar sua produção literária. Os caminhos cruzados não são de se estranhar. Naquela época, como lembram Oliveira e Silva (1999, p. 53-54), “jornalismo e literatura andavam juntos, n~o havendo basicamente grandes diferenças”. Porém, ainda atestam os autores que, “polemista por natureza, [Lobato] encontrou nesse veículo [ou seja, o jornal impresso] o espaço para discutir e projetar suas idéias como empresário da indústria cultural e um intelectual org}nico ligado ao sistema”. passada no 1º Tabelionato da capital, de Filinto Lopes. Por cinco contos de réis, Lobato adquiria o seu ativo – incluindo móveis, o estoque de exemplares e o título, avaliados em torno de três contos –, além de um passivo que girava por volta dos dezessete contos. Nesse mesmo mês, através do texto do seu presidente, Ricardo Severo, a Revista do Brasil informa os leitores sobre a transferência: ‘Monteiro Lobato será um continuador leal, com fé e entusiasmo, tomando o encargo com a obstinaç~o quixotesca de prosseguir um ideal, assim como nós outros’”. 81 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Cabe dizer, ainda, que apesar de o artigo “Uma velha praga” ser considerado um divisor de águas na trajetória de Lobato, tamanha – como foi dito – a sua repercussão, seria inocente pensar que foi só a partir daí – ou seja, depois de 1914 – que o taubateano, de fato, tenha “‘entrado’ para o jornalismo”, como bem coloca Valente (2009, p.123). Aceitar essa idéia, conforme o autor, “n~o é somente desconsiderar toda sua vivência anterior com o veículo jornalístico, mas também esquecer de certa desenvoltura com que h| tempos transitava no meio editorial”. Por isso mesmo, revela-se ser mais do que necessário revisitar os primeiros passos dados por Lobato no terreno da imprensa, para que não se corra o risco de voltar à mesma dedução equivocada de alguns autores. Recorte oportuno: o Vale do Paraíba Muito embora tenha sido na Pauliceia que Monteiro Lobato conquistou notoriedade na imprensa, foi na região do Vale do Paraíba que ele se inseriu no campo do jornalismo. A primeira experiência – amadora, obviamente – ocorreu ainda na adolescência, quando estudava no Colégio Paulista, em Taubaté, como já mencionado aqui. “Nesta escola, terminou os primeiros estudos e lançou um jornalzinho, o Guarani, em que publicou suas lucubrações, aos quatorze anos. Usou ent~o seus primeiros pseudônimos” (NUNES, 2000, p. 6). Todavia, e sem dúvida, é no período em que cursou Direito22, em São Paulo (de 1900 a 1904), que o jornalista-escritor começou dar contribuições mais significativas à imprensa de sua região. Na época, era comum que os estudantes formassem grupos de discussões sobre assuntos das mais diferentes naturezas; um desses grupos, fundado por Lobato e por seus colegas, era o “Cen|culo”, que reuniu, entre outros, Godofredo Rangel – seu amigo por toda a vida –, Ricardo Gonçalves – que se suicidou em 1916, cuja morte o amigo taubateano confessadamente chorou (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 96) – e Edgard Jordão, a quem Lobato homenageou dando seu nome a um dos filhos que teve com Purezinha. Conta Alaor Barbosa (1996, p. 23) que praticamente todas essas figuras escreviam em jornais da cidade de São Paulo e de outras cidades paulistas (Pindamonhangaba e Caçapava23). Um desses jornais foi o Minarete: nele os membros do Cenáculo, principalmente Monteiro Lobato, publicaram a maioria de suas primícias literárias. O Minarete existiu durante quatro anos (de 1903 a 1907), em Pindamonhangaba. “Minarete” foi o apelido que Ricardo Gonçalves deu a uma república de 22 É curioso observar como Edgard Cavalheiro (1955a, p. 62) refere-se ao desempenho do jornalistaescritor nesse período: “A passagem de Monteiro Lobato pela Academia ser| marcada por poucos acontecimentos: uma conferência, um discurso, meia dúzia de artigos nos órgãos estudantis, e nada mais. Como estudante, não foi bom nem mau; o Direito pouco lhe interessava. Estudava o necessário para passar nos exames”. 23 Nota do autor: Pindamonhangaba e Caçapava são cidades do Vale do Paraíba. 82 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais estudantes, em São Paulo – um “chalé”, nas palavras de Barbosa (1996, p. 23) –, a qual ele e Lobato frequentaram por um curto período. Foi nesse lugar, inclusive, que Godofredo Rangel – que ali já residia – passou a integrar o Cenáculo24. Inspirado nesse ambiente, Benjamin Pinheiro – j| formado em Direito e “decidido a pôr abaixo o situacionismo político de Pindamonhangaba”, na ambiç~o de eleger-se prefeito25 –, criou um jornal homônimo na referida cidade valeparaibana, contando com o apoio Lobato e de seus companheiros, que utilizavam a folha para fazer críticas ao governo e à República (NUNES, 2000, p. 9). Na verdade, o Minarete26 era resultado de um antigo sonho do grupo de estudantes, que, descontentes com “os jornais bem comportados da capital”, almejavam um espaço no qual, “com absoluta liberdade, pudessem dizer o que bem desejassem”. Assim foi feito. Os colaboradores redigiam os textos em S~o Paulo e os encaminhavam a Pinheiro que, vez ou outra, enviava-lhes cartas nesse tom: “Zé Bento: Preciso de um artigo bastante severo, atacando a Câmara por causa duma racha na parede do teatro. E outro sôbre o capim que j| nas ruas” (CAVALHEIRO, 1955a, p. 85-86). Interessante, também, é a definição dada por Cavalheiro (1955a, p. 88) ao Minarete: um “enigma indecifr|vel para os leitores da pequena cidade do interior”. Ao que tudo indica, naquele jornal, n~o havia “nada, absolutamente nada, que pudesse interessar [a] um fazendeiro, [a] um negociante, nem [a] mesmo um botic|rio mexeriqueiro”. Edgard Cavalheiro (1955a, p. 92) explica, ainda, que as colaborações de Lobato para o Minarete dividiam-se entre literatura – com vários contos que, posteriormente, foram recuperados e refeitos para serem incluídos em livros (em Cidades Mortas, de 1919, por exemplo) – e artigos opinativos sobre temas variados, como fumo, boemia, futebol, entre outros. “Por vêzes envereda pelo terreno filosófico, enfronhando-se em altas considerações metafísicas, em artigos mais trabalhados”. O historiador taubateano Gilberto Martins (apud OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 44) afirmou, num documento que preparou à época das comemorações pelo centenário do nascimento de Lobato, em 1982, que os leitores de Pindamonhangaba chegaram a ter, em ralação ao que era publicado no Minarete, “}nsia de vômito diante de tanta esquizofrenia liter|ria. Muitos números eram devolvidos, com serm~o { parte”. Nessa mesma época, o jornalista colaborou com O Povo – fundado em março de 1903, em Caçapava, por José Pereira de Matos e Sinésio Passos –, sendo 24 Afirma Alaor Barbosa (1996, p. 23) que, na história da literatura brasileira, o Cenáculo também ficou conhecido como “Grupo do Minarete”. 25 De fato, Pinheiro conseguiu ser eleito, em 1905. 26 O nome do jornal foi sugestão de Lobato. Segundo Cavalheiro (1955a, p. 86), ele disse assim disse a Benjamin Pinheiro: “— Pois dê ao jornal o nome de ‘Minarete’ [...] No primeiro número explicaremos aos povos o que é minarete – aquelas esguias tôrres das gentes islâmicas, de cujo tôpo, ao cair da tarde, os muezins convocam os fiéis à prece. Um jornal é um minarete de cujo tôpo o jornalista dá milho às galinhas da assinatura e venda avulsa. Fica muito bem êsse nome – e é nome que não está estragado”. 83 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais responsável, inclusive, pela elaboração de seu cabeçalho (CAVALHEIRO, 1955a, p. 73). Durante essa fase, assegura Edmir Nogueira dos Santos (1988), Lobato se sobressai como “homem político, preocupado com a situaç~o” e como escritor que apostava na ironia. Tanto é que, no jornal caçapavense, ele publicou o primeiro capítulo27 de uma novela intitulada “Os Lambe-Feras”, mas que n~o foi l| muito bem vista pelos leitores. A respeito da série, sabe-se que o diretor do jornal, Pereira de Matos, “n~o se atreveu a prosseguir” com a publicaç~o dos demais capítulos, tendo em vista as queixas dos assinantes e de outras partes interessadas. “A press~o maior partia naturalmente da Igreja, pois a abertura de ‘Os Lambe-Feras’ representa violenta diatribe contra os Padres, que o autor chama de ‘mulheres pelo vestu|rio’ e ‘suínos no julgarem o asseio incompatível com a vida de santidade’” (CAVALHEIRO, 1955a, p. 103). Edmir Santos (1988) destaca que Lobato colaborou com o Minarete e com O Povo numa conjuntura em que era comum os intelectuais buscarem na imprensa “um meio de divulgaç~o de seus trabalhos”. O autor também identifica que, nas primeiras décadas do século 20, o Vale do Paraíba era um cenário propício para o exercício de um jornalismo crítico e opinativo, uma vez que a região passava por um difícil momento, herdado do regime imperial. A monocultura do café desmoronava, era o período que antecipava o renascimento da região com a introdução da cultura de arroz e as instalações industriais. A política valeparaibana era dominada pela oligarquia cafeeira, que relutava para manter-se no poder. Na verdade, a política esteve dividia entre pequenos grupos proprietários de terra e marcou um período de brigas acirradas (SANTOS, 1988). Além dos jornais aqui mencionados, Oliveira e Silva (1999, p. 61) identificam, na lista de veículos28 com os quais Lobato colaborou, outras três publicações da região: Jornal de Taubaté (Taubaté), Revista Parahyba (Caçapava) e Tribuna do Norte (Pindamonhangaba). Cavalheiro (1955a, p. 161), por sua vez, ainda menciona que o jornalista publicou artigos n’O Taubateano (Taubaté) e em “inúmeros outros jornaizinhos interioranos”, muitos dos quais, provavelmente, eram editados em municípios do Vale do Paraíba. Foi em 1905 que Monteiro Lobato começou a escrever para o Jornal de Taubaté. Tendo acabado de regressar à terra natal, após o término da faculdade, ele passa a assinar a crítica de arte daquela publicação (AZEVEDO; CAMARGOS; 27 Por conta da decis~o do propriet|rio d’O Povo, Lobato teve de publicar os demais capítulos no jornal Onze de Agosto, editado em São Paulo pelo Centro Acadêmico 11 de Agosto 28 São eles: O Guarani, Minarete, O Povo, O Combatente, Onze de Agosto, Jornal de Taubaté, O Estado de S. Paulo, Revista Fon-Fon, A Tribuna, Correio Paulistano, A Cigarra, Revista Parahyba, Revista do Brasil, O Estadinho, Revista Revue de L’Amérique Latine, O Jornal, Diário de São Paulo, A Manhã, Tribuna do Norte, Agência de Notícias União Jornalística Brasileira, La Prensa, Jornal de São Paulo e Revista Fundamentos (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 61). 84 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais SACCHETTA, 1998, p. 89), na qual também faz circular, em 1906, uma série de poemas dedicados a Purezinha (CAVALHEIRO, 1955a, p. 124). Quase não há referências a respeito da relação do jornalista com a Revista Parahyba. Criada em 1917, ela parece ter recebido sua colaboração logo de início, pois Azevedo, Camargos e Sacchetta (1998, p. 97) dizem que, a partir da terceira edição, é Lobato quem desenha suas capas. A revista também é mencionada por Cavalheiro (1955a, p. 200), quando este elenca os órgãos de imprensa pelos quais o escritor passou antes de publicar seus textos em livros. Nota-se, também, a falta de considerações sólidas acerca da possível atuação de Monteiro Lobato nos jornais Tribuna do Norte e O Taubateano. Oliveira e Silva (1999, p. 51) apenas citam que ele escreve para o primeiro desses, em 1931; quanto ao segundo veículo, citado por Cavalheiro (1955a, p. 161; p. 200), não há indicação de quando o jornalista publicou materiais em suas páginas e nem tampouco de qual era o teor dos seus escritos. Considerações finais Parece correto o pensamento de Oliveira e Silva (1999, p. 53), quando afirmam que Lobato “soube tirar proveito desse lado profissional”, ou seja, da atuaç~o jornalística. “Caso n~o tivesse acesso aos jornais, possivelmente o escritor demoraria muito mais tempo para se tornar conhecido”. A conclus~o dos autores caminha na mesma direção das considerações de Koshiyama (2006, p. 59), que, ao mencionar a remuneração que Lobato começou a receber O Estado de S. Paulo, em 1914, adverte o seguinte: “Lobato estava agora enxergando um motivo mais atraente que a possível remuneração pelos artigos que escrevia para O Estado. O principal motivo de escrever para esse jornal era o número de leitores que conseguia atingir”. Sendo assim, se a historiografia brasileira está – ou se estava, caso sejam consideradas as recentes publicações há pouco revistas, as quais preenchem parte da lacuna – em débito com a memória do jornalista Monteiro Lobato, certamente não é por falta de indicadores que sinalizem seu elo com a imprensa. As próprias datas acenam para o valor dessa relação. Afinal de contas, seu ingresso no jornalismo deu-se ainda na adolescência – com O Guarani – ou, formalmente, aos 21 anos, quando passou a colaborar com o Minarete e com O Povo. Seu primeiro livro – Urupês –, no entanto, só foi publicado em 1918, quando o jornalista-escritor já contava 36 anos (CAVALHEIRO, 1955a, p. 199). Durante um considerável intervalo de tempo, portanto, Lobato utilizou apenas jornais e revistas para publicar seus trabalhos. Dessa maneira, entrelaçou, logo de início, duas de suas principais vertentes: a do jornalista e a do escritor. Por essa razão e em virtude de todas as considerações tecidas até aqui, é que se reforça mais uma vez, que parece ser pouco possível compreender a obra de tal figura sem 85 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais dedicar especial atenção a esses dois pontos de sua biografia. Ao encerrar estas linhas, é bom esclarecer que a discussão em torno do desempenho de Monteiro Lobato como jornalista do Vale do Paraíba não está esgotada. Como já foi destacado, há vários trabalhos que ainda necessitam ser elaborados, como, por exemplo, o levantamento de informações acerca do trabalho desenvolvido por ele junto à Revista Parahyba, à Tribuna do Norte e a O Taubateano; o mapeamento de seus pseudônimos, com a possibilidade, talvez, de alinhar seus usos à natureza das abordagens; a análise dos textos publicados na região, a fim de identificar suas temáticas e observar as fronteiras que separam o jornalismo da literatura, entre outros. Compreender o perfil e a história de Monteiro Lobato, de fato, não é tarefa simples. Mas, ao mesmo tempo, não deixa de apresentar-se como proposta instigante. Referências Bibliográficas AZEVEDO, Carmen Lucia; CAMARGOS, Marcia; SACCHETTA, Vladimir. Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia. 2. Ed. São Paulo: SENAC-SP, 1998. BARBOSA, Alaor. O ficcionista Monteiro Lobato. São Paulo: Brasiliense, 1996. BOURDIEU, Pierre. Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. CADERNOS DA PUC-RJ. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1982. (Série Letras – Sobre Monteiro Lobato). CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato: vida e obra. v. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955a. ________. Monteiro Lobato: vida e obra. v. 2. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955b. KOSHIYAMA, Alice Mitika. Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor. 2. ed. São Paulo: Edusp, Com-Arte, 2006. LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. 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Monteiro Lobato nas páginas do jornal: um estudo dos artigos publicados em O Estado de S. Paulo (1913-1923). 2009. 277 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2009. ________. Monteiro Lobato, jornalista. In: Congresso de Leitura do Brasil, 16., 2007, Campinas. No mundo há muitas armadilhas e é preciso saber quebrá-las: anais eletrônicos. Campinas: Associação de Leitura do Brasil, Universidade Estadual de Campinas, 2007. 87 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DO JORNALISMO DO LITERÁRIO AO NEW JOURNALISM CHEGANDO À POLÊMICA DO JORNALISMO GONZO Wilson KRETTE JR. Possui graduação em Jornalismo (1997), especialização em Gestão Educacional (2002), Mestrado em Letras (2006) e é Doutorando no Programa de Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009). Gestor Educacional e Professor Universitário. 1. O discurso jornalístico No Brasil, o Jornalismo Literário recebeu definições díspares pelos teóricos. Alguns entenderam-no como o período da história do jornalismo em que os escritores assumiram cargos importantes na direção de um jornal, como articulistas, cronistas ou autores de folhetins. Outros identificam esse gênero como uma narrativa que se apropria de alguns conceitos da literatura, incorporando-os aos textos das reportagens. Esta é a linhagem com a qual nos identificamos, ou seja, entendemos como Jornalismo Literário toda e qualquer narrativa que utiliza recursos da literatura em textos jornalísticos. Sobre o New Journalism ou Novo Jornalismo, os teóricos apontam que tal gênero teve sua origem nos Estados Unidos. Eles se referem à geração de jornalistas e também escritores norte-americanos dos anos 60, capitaneada por Gay Talese e Tom Wolfe, entre outros. Apesar de ter surgido nas redações de jornais americanos, conforme descreveremos a seguir, o gênero se espalhou rapidamente e ganhou adeptos em todo o mundo. No Brasil, em 1966, o gênero é reconhecido por alguns teóricos como tendo influenciado as reportagens da então revista Realidade e também do Jornal da Tarde. Por conta disso, além de apresentarmos os conceitos desse gênero, ainda mostraremos suas influências, ainda que pontuais, nesses dois veículos de comunicação. Por fim, abordaremos o Jornalismo Gonzo, até então, ainda pouco estudado pelos teóricos. A bibliografia a respeito do tema é escassa, o que, de um lado, dificultou esta pesquisa e, por outro, reafirmou a sua necessidade. Alguns teóricos o definem como sendo uma versão mais radical do New Journalism (PENA, 2003, p. 56). Isto é, ele se apropria dos conceitos do New Journalism e apresenta características complementares. Por conta disso, entendemos o Jornalismo Gonzo como um gênero do discurso jornalístico, apesar de alguns teóricos não o reconhecerem como tal. O argumento apresentado por esses teóricos é que o JG está na contramão dos fundamentos do jornalismo que preza pela tão questionável objetividade e neutralidade do jornalista em suas reportagens. Mas, mesmo sem o reconhecimento de algumas correntes teóricas, o JG vem ganhando cada vez mais espaço em jornais, revistas de grande circulação e em websites. 88 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 1.1 - Literatura e jornalismo: evolução e confluências Antes de abordarmos os conceitos e as características do Jornalismo Literário, apresentaremos uma perspectiva histórica do desenvolvimento do jornalismo e da literatura de folhetim, que nos ajudará a entender a influência da Literatura na imprensa detectada a partir dos séculos XVIII e XIX. Ciro Marcondes Filho (2002) traça um quadro evolutivo da imprensa de 1631 aos dias atuais para definir em que período histórico inicia-se a influência da literatura no jornalismo. A chamada pré-história do jornalismo deu-se, de acordo com o autor, de 1631 a 1789. A produção dos jornais era artesanal e a forma assemelhava-se ao livro. No período seguinte, de 1789 a 1830, surgem as primeiras influências da literatura na imprensa da época. O conteúdo dos jornais tinha, essencialmente, cunho literário e político. Os textos tinham teor assumidamente crítico e a imprensa, de modo geral, era comandada por escritores, políticos e intelectuais. Já no período seguinte, com o denominado segundo jornalismo, de 1830 a 1900, inicia-se o processo de massificação da imprensa, com a multiplicação de publicações e o início da profissionalização dos jornalistas. Nessa época, iniciouse a exploração da publicidade, como meio de sustentação financeira dos jornais, que passaram a assumir características mercantilistas. O terceiro jornalismo, de 1900 a 1960, caracterizou-se pela chamada imprensa monopolista. Fortes grupos editoriais monopolizavam o mercado editorial brasileiro. O período também marcou as grandes tiragens, aumentando a aceitação do leitor pelos veículos de comunicação. O quarto e último período definido pelo autor vai de 1960 até os dias atuais. A principal marca foi o desenvolvimento da informação eletrônica e interativa, que imprimiu velocidade na transmissão de informação, valorização cada vez mais do visual e a crise da imprensa escrita. O fato de os escritores de prestígio da época ocuparem posição de comando nas redações, principalmente de 1789 a 1830, determinando a linguagem e o conteúdo dos jornais, foi determinante para o surgimento do folhetim, um estilo discursivo que é a marca fundamental da confluência entre jornalismo e literatura. Os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível. O jornal do comércio pagava as colaborações entre 30 e 60 mil réis; o Correio da manhã, a 50 (...) toda a melhor literatura brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala pela imprensa. (SODRÉ, 1977, p. 28). Um dos principais gêneros, responsáveis por esta migração dos escritores para a imprensa, foi o folhetim. O termo que vem do francês feuilleton foi utilizado pela primeira vez no Journal des Débats e tinha como principal característica um tipo 89 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais de suplemento dedicado à crítica literária e a assuntos diversos, marca fundamental da confluência entre jornalismo e literatura. A partir das décadas de 1830 e 1840, a imprensa adquiriu caráter mais capitalista e popular, com o lançamento de publicações de narrativas literárias, o que impulsionou as vendas e, conseqüentemente, passou a atingir um número cada vez maior de leitores, dando à imprensa a tão almejada visibilidade social. Muitos críticos alocam o folhetim como herdeiro do romance realista ou, na verdade, como uma diferente forma de veiculação dos mesmos preceitos. E como o realismo pode ser visto muito mais como uma atitude estética do que como um gênero, tal aproximação é bastante factível. Se o conteúdo das obras expressava a necessidade de conhecer a nova ordem social vigente, nada mais justo do que a simbiose como o Jornalismo, também um retrato da época. (PENA, 2006, p. 29). Algumas características apresentadas a seguir garantem ao gênero folhetim a exclusividade narrativa do Jornalismo Literário: - Linguagem simples e acessível a todas as classes sociais; - Homogeneização cultural, recurso utilizado para facilitar a compreensão com o uso freqüente de estereótipos e clichês, histórias de adultérios e amores impossíveis, com o objetivo de arrancar lágrimas dos leitores; - Plot ou ponto de virada do roteiro: no momento culminante da história, a ação era interrompida e só continuada a partir do próximo capítulo, que só seria resolvido na edição seguinte do jornal; - Estética da redundância: os escritores usavam o recurso da repetição de fatos passados para que o novo leitor pudesse entender a história e acompanhá-la a partir daí; - Intervenção constante dos leitores na história, por meio de cartas que eram enviadas à redação sugerindo novos personagens, desfechos diferentes aos do planejado pelo escritor, por exemplo. Apesar das críticas que recebia, por conta de sua narrativa popularesca, o folhetim ganhou reconhecimento de importantes críticos, como Edgar Morin e Arnold Hauser. Para o filósofo francês Edgar Morin, “o estilo era socializante, na medida em que destrói as barreiras sociais, dirigindo-se ao pobre e ao rico, ao culto e ao ignorante, descrevendo com realismo a condição de vida dos deserdados e a opulência dos grandes, abrindo os olhos do leitor para as injustiças mais gritantes”. (Apud FREITAS, 2002, p. 118). 90 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Para o autor de História Social da Literatura, o crítico Arnold Hauser, “o romance de folhetim significou uma democratização sem precedentes da Literatura e um nivelamento quase absoluto do público leitor. Nunca uma arte foi tão unanimemente reconhecida por tão diferentes estratos sociais e culturais, e recebida com sentimentos t~o similares.” (Apud CHILÓN, 1999, p. 91). Essas características consagraram vários escritores da história da literatura universal, que tiveram participação efetiva nos jornais da época, seja como articulistas ou como escritores de folhetins. Na França, o maior destaque foi Honoré de Balzac; Victor Hugo, autor de Os Miseráveis; e Alexandre Dumas, que publicou no jornal Le Siècle um dos maiores clássicos da literatura mundial, Os três mosqueteiros. Na Inglaterra, Charles Dickens fazia reportagens-denúncias sobre o parlamento inglês. Em Portugal, Camilo Castelo Branco e Júlio Diniz publicaram seus romances, em formas de folhetim, nos jornais República, A Capital, Diário de Notícias, Diário Popular e Diário de Lisboa. Na Rússia, grandes escritores também tiveram suas histórias publicadas em folhetins, como foi o caso de Fiódor M. Dostoiévski e Liev Tolstoi. No Brasil, em 1897, o jornalista e escritor Euclides da Cunha pode ser considerado um dos precursores, após a publicação de um artigo no jornal O Estado de São Paulo sobre o povoado de Canudos. Ele foi enviado como correspondente para cobrir dois meses de guerra no sertão baiano, de onde enviou 25 reportagens ao jornal. Mais tarde, em 1902, publicou Os Sertões, que rapidamente se transformou num best seller, traduzido para várias outras línguas, e um dos clássicos da literatura brasileira. Machado de Assis também foi uma importante figura da época para o Jornalismo Literário. Ele colaborou intensamente nos jornais como cronista, contista, poeta e crítico literário, tornando-se respeitado como intelectual antes mesmo de se firmar como grande romancista. Outros grandes escritores brasileiros da época passaram pela imprensa, como, por exemplo, José de Alencar, Aloísio de Azevedo, Raul Pompéia, Joaquim Manoel de Macedo, Visconde de Taunay, entre outros. A literatura e a imprensa confundem-se até os primeiros anos do século XX. Muitos dos jornais abrem espaço para a arte literária, produzem seus folhetins, publicam suplementos literários. É como se os veículos jornalísticos se transformassem numa indústria periodizadora da literatura da época. Esse aspecto divulgador, oportunidade inovadora de chegar à coletividade, é o fator que atrai os escritores. (LIMA, 2004, p. 174). Na década de 1950, a narrativa literária deixa de ter destaque na imprensa e passa a ocupar um espaço restrito, dedicado aos suplementos ou cadernos 91 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais literários, como eram chamados. Porém, essas publicações assim como o restante do conteúdo publicado nos jornais deixaram de ter as características de narração liter|ria para dar lugar ao chamado “jornalismo moderno”, que preza pela objetividade e a concisão nos textos. Foi nessa época que surgiram métodos como o lide (lead) e a pirâmide invertida, que passaram a fazer parte das características do texto jornalístico. Na história da imprensa mundial, alguns jornais mantiveram, em destaque, suplementos literários, como é o caso do Le Monde, na França, que publicava o caderno Le Monde des Livres. Ainda na França, o jornal Libération mantém o suplemento Les Livres. O Inglês The Times publica o centenário The Times Literary Supplement, que tinha a participação de grandes escritores e articulistas, como Virginia Woolf e Charles Morgan. Em Portugal, alguns dos importantes suplementos publicados foram o DN Jovem, no Diário de Notícias; Mil Folhas, no jornal Público; e o Livros e autores, no Diário de Lisboa. No Brasil, curiosamente, o título dos suplementos não trazem a palavra livro, como é o caso do caderno Mais!, da Folha de S.Paulo; o caderno Idéias, do Jornal do Brasil; e Proza e Verso, no O Globo. O jornal O Estado de São Paulo não possui um suplemento exclusivo para esta função, apenas uma seção de livros. Por meio dessa perspectiva histórica apresentada, que traçou um paralelo entre a evolução do jornalismo e sua confluência com a literatura, foi possível entender que desde o século XVIII a literatura esteve presente na imprensa, principalmente sob dois aspectos: os escritores que passaram a trabalhar no jornal, em busca de maior visibilidade; e também quando o jornalismo se apropria dos recursos literários para reportar melhor a realidade. Isso ocorreu desde a publicação dos primeiros folhetins e é percebido até os dias atuais. É importante ainda ressaltar os mecanismos de estrutura da reportagem que foram substituídos. No lugar da informação bruta e condensada, o Jornalismo Literário propõe ampliar e potencializar os recursos do próprio jornalismo. Podemse enumerar alguns conceitos básicos que fazem parte de uma narrativa do Jornalismo Literário. Segundo Felipe Pena, estudioso da área de Comunicação Social (PENA, p.14), as marcas são as seguintes: 1) O jornalista adepto deste gênero não despreza as técnicas convencionais de narrativa jornalística. Ele as desenvolve de tal forma que consegue incorporar a narrativa literária em suas reportagens, mas continua sempre fiel à apuração rigorosa dos fatos, à observação atenta, à abordagem ética, entre outros fatores; 2) O apuro de observar a realidade sob um outro ângulo. O JL é um gênero comumente empregado em diversas mídias de todo o mundo, como jornais, revistas e websites. Porém, sua utilização é cercada de controvérsias. No âmbito da doutrina jornalística tradicional, esse gênero não tem aceitabilidade garantida. O argumento apresentado é que o 92 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais gênero se distancia da tão almejada objetividade e neutralidade jornalística nas suas mais diversas expressões, como na notícia ou reportagem – correspondendo a uma forma de discurso da imprensa do passado, quando ainda não havia regulamentações e contornos jornalísticos delimitados. Um dos procedimentos mais importantes para os jornalistas literários é a imersão profunda no tema, objeto ou personagem sobre o qual vai escrever. O gênero vem de longa data. No Brasil, em 1897, o jornalista e escritor Euclides da Cunha pode ser considerado um dos precursores, com a cobertura da guerra de Canudos para O Estado de São Paulo e a posterior publicação, em 1902, de Os sertões. Em 1960, nos Estados Unidos, o gênero iniciou sua expansão e ganhou reconhecimento do leitor. Se comparado com o jornalismo tradicional, que busca a objetividade da narrativa, o discurso do Jornalismo Literário não tem a preocupação de legitimar-se através da utilização de recursos de controle da subjetividade, mas sim de verossimilhança. Ao se basear na imersão do jornalista-enunciador na realidade a ser transmitida ao alocutário, o Jornalismo Literário tem como maior compromisso interpretar os fatos jornalísticos de forma integral e irrestrita e retratar toda a subjetividade necess|ria { revelaç~o do conteúdo objetivo: “o verossímil encontra-se em direta relação ao efeito de real discursivamente construído. E credibilidade é sua contrapartida na ausência de uma verdade em plenitude” (GOMES, 2000, p. 30). 1.2 - O New Journalism: a subjetividade de forma objetiva Há controvérsias quanto ao marco inicial do New Journalism. Alguns teóricos, como o professor Carlos Rogé, um estudioso do assunto, afirmam que o termo foi utilizado pela primeira vez em 1887. Já o jornalista e escritor Tom Wolfe, um dos precursores do NJ, afirma que desconhece quem classificou o gênero e quando isso ocorreu. De qualquer forma, foi em 1962 que Tom Wolfe19 iniciou a publicação de reportagens que o transformariam numa das figuras-chave do NJ, no jornal New 18. O termo, segundo o professor Carlos Rogé, foi utilizado pela primeira em 1887, porém, de forma jocosa para desqualificar o jornalista britânico WT Stead, editor da Pall Mall Gazette. Em uma de suas reportagens, ele negociou a compra de uma garota de 13 anos da própria mãe para denunciar a prostituição infantil. Por conta dessa atitude, o jornalista foi preso por dois meses e foi duramente criticado pela imprensa de um modo geral, que o intitulou de novo jornalista. O jornalista e escritor, Tom Wolfe, doutorou-se em estudos americanos pela Universidade de Yale. Escreveu livros de jornalismo e ficção, como Fogueira das Vaidades e Um homem por inteiro, entre outros. É considerado um dos precursores 93 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais do New Journalism. Em 1975, publica o livro The New Journalism, uma espécie de manifesto do gênero e, em seguida, Radical chique, o Novo Jornalismo. York Herald Tribune. A partir daí, o gênero despontou, nos Estados Unidos, como fruto de um período marcado por forte contestação social e cultural. É importante observar que não se trata de um gênero absolutamente inédito, e sim parte da evolução do Jornalismo Literário, uma vez que busca inspiração na literatura de realismo social e nas manifestações literárias de caráter informativo e factual e, portanto, jornalístico. Talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um romance.(...) O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. Era isso – e mais. Era a descoberta de que é possível na não-ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto... para excitar tanto intelectual como emocionalmente o leitor. (WOLFE, p. 28) O jornalista Gay Talese, um dos importantes expoentes do gênero, caracteriza o NJ como “uma abordagem mais imaginativa da reportagem, possibilitando ao autor inserir-se na narrativa se assim o desejar, como fazem muitos escritores, ou assumir o papel de um observador neutro, como os outros preferem” (TALESE, 2004, p. 9). O New Journalism incorporou os recursos literários ao costumeiro trabalho de apuração e registro jornalísticos. Tom Wolfe (1975) enumera quatro principais características do NJ: reconstituir a história narrada cena a cena; apresentar as cenas pelos pontos de vista de diferentes personagens; a utilização de símbolos de status; e registrar diálogos completos, editando-os o mínimo possível. O jornalista explica que a construção cena a cena é necessária para a contextualização dos fatos, numa sucessão de eventos cuja seqüência e encadeamento formavam o chamado quadro dinâmico da narrativa. No que diz respeito aos símbolos de status, o objetivo é descrever detalhadamente os ambientes, de forma objetiva, bem como os comportamentos, expressões faciais, hábitos, costumes, vestuário, decoração, enfim, tudo para que o leitor consiga se transportar e vivenciar como se fosse um observador real do acontecimento narrado. O emprego de diálogos busca uma aproximação com a linguagem oral. Isso ocorre por meio da transcrição fiel das falas entre o repórter e o entrevistado, consideradas importantes para o entendimento da matéria. 94 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Por último, Wolfe considera que o emprego aberto do ponto de vista e das impressões pessoais do enunciador corresponde a uma subjetividade declarada, que deixa explícita ao leitor que se trata da opinião de um narrador que presenciou o fato. Fazer reportagens nunca se torna mais fácil porque já fiz muitas. O problema inicial é sempre abordar gente completamente desconhecida, penetrar em sua vida de algum modo, fazer perguntas que você não tem nenhum direito natural de esperar que sejam respondidas, pedir para ver coisas que não são para você ver, e assim por diante. (WOLFE, p. 83) Dessa forma, o gênero vai ganhando novos adeptos e se expandindo, uma vez que realiza imersões cada vez mais profundas no cotidiano da sociedade americana, em constante ebulição e em processo de conflitos sociais e culturais, bem como no universo íntimo dos personagens, sejam eles de destaque ou pessoas comuns da sociedade, mas que tenham uma história interessante para ser contada. O gênero reforça a insatisfação de muitos profissionais da imprensa com as regras de objetividade do texto jornalístico, expressas, principalmente, na figura do lead, um parágrafo-padrão de abertura. Eu tinha a sensação, certa ou errada, de fazer coisas que ninguém havia feito antes no jornalismo. Costumava imaginar a sensação dos leitores ao encontrar tudo aquilo rolando num suplemento dominical. E gostava da idéia. Tenho certeza de que muitos que faziam experiência com artigos para revistas, começaram a sentir a mesma coisa. (...) Eles tinham desenvolvido o hábito de passar dias, às vezes semanas, com as pessoas sobre as quais escreviam. Tinham de reunir todo o material que o jornalista convencional procurava – e ir além. (...) a idéia era dar a descrição objetiva completa, mais alguma coisa (...) especificamente, a vida subjetiva ou emocional dos personagens. (WOLFE, p. 37) O jornalista e escritor Truman Capote também é considerado uma figura importante para a consolidação do NJ. Isso ocorre quando ele publica, em capítulos, a reportagem intitulada A sangue frio, em 1965, na revista The New Yorker. A trágica história de dois bandidos que assassinaram uma família em uma zona rural do Kansas, nos Estados Unidos, é resultado de uma investigação de vários meses do autor. Capote recriou diálogos interiores e reconstruiu a atmosfera de cada cena. No ano seguinte, a mesma história é publicada em formato de livro-reportagem e alcança grande sucesso de vendagem, o que colabora com a consolidação do New Journalism (PENA, p. 53). Nesse período, o NJ inicia, então, um processo de expansão que começa pelos jornais Herald Tribune, como já havíamos citado; Daily News e The New York Times. Algumas revistas dominicais de alguns periódicos também dão espaço ao gênero, como a New York e as consideradas mais independentes The New Yorker e Esquire. Mais tarde, será lançado o livro-reportagem, como abordarmos. 95 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O gênero também rompe as fronteiras dos Estados Unidos e chega rapidamente a outros países como, o Brasil. Aqui, a revista Realidade, considerada um dos marcos de transformação da imprensa brasileira foi a primeira sofrer influências do gêneros. Por conta de sua importância nesse cenário e da ruptura para com o próprio texto do jornal e da revista até então empregado na imprensa brasileira, o referido periódico imprimia também um novo estilo editorial no país. A revista trazia a abordagem de temas comportamentais considerados polêmicos como drogas, racismo, prostituição, entre outros. Há um certo consenso entre historiadores e jornalistas sobre o caráter de vanguarda da revista. O professor e pesquisador Edvaldo Pereira Lima, por exemplo, considera a revista Realidade a mais significativa experiência estilística vivida pelo jornalismo brasileiro. Em suas palavras: Realidade primou pelo texto solto que rompia com as fórmulas tradicionais do jornalismo no Brasil (...) Não encontramos nas edições até 1968 propostas tão radicais quanto o fluxo de consciência, por exemplo. Geralmente, também não havia alternância entre vários pontos de vista numa mesma matéria (...) uma das características do “estilo Realidade” é que não havia estilo uniforme padrão. Cada profissional que procurasse a sua forma de expressão, mais indicada para cada circunstância. Por isso as reportagens tinham seu toque de individualidade e o que dava unidade de estilo à revista é que todos primavam pela experimentação estética. Realidade era uma revista de sabor, as matérias tinham de encontrar a sua forma de canalizar e reproduzir o contato visceral com a vida. (LIMA, 2004, p.230) Para justificar a importância desse veículo e apontar traços do New Journalism em suas reportagens, o acervo do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo revelou grandes surpresas e contribuições a esta pesquisa. Lá foi encontrado um depoimento histórico de José Hamilton Ribeiro, redadorchefe da Revista Realidade. Os trechos relatados a seguir foram extraídos, na íntegra, do depoimento desse jornalista ao jornal Unidade, ano I, nº 8, em março de 1976. Era abril de 1966, e o convite para Realidade já vinha até com pauta pronta: - Você vai ser preto por um mês. A proposta dessa reportagem: eu me submeteria a um tratamento médico que me deixaria preto e, como preto, viveria normalmente durante um mês – uma proposta entusiasmante e irrecusável, ia ser uma das características da nova revista: matérias nascidas em grande criatividade e para serem “vividas” profunda e corajosamente. E depois transcritas com toda “verdade” possível. Daí o nome: Realidade. (...) Arranjei primeiro um dermatologista da USP, em São Paulo, que ia – através de remédios, de banhos de infra-vermelho e outros recursos - fazer minha pele escurecer. Não deu certo. Tentei um professor da Medicina de Ribeirão Preto, também não deu certo. Como eu não conseguia ficar preto por dentro, resolvemos tentar por fora: o maior maquiador brasileiro me fez um imenso crioulo por uma noite, e foi até divertido; mas não deu matéria. Realidade exigia muito mais. 96 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Minha primeira reportagem na revista “furou”, mas o “amor” repórter-revista já estava selado. Eu iria viver, em Realidade, os meus mais emocionantes, mais premiados e mais dramáticos dias de jornalista brasileiro.” (RIBEIRO, 1976) Mais à frente, José Hamilton Ribeiro passou de repórter a vítima de seu próprio estilo de reportagem. Ele acabou virando notícia de capa em uma das edições da publicação. Pautado para a cobertura da guerra do Vietnã, pisou em uma mina terrestre que detonou, levando uma de suas pernas. A reportagem de Ribeiro foi o dramático diário de sua tragédia pessoal, na qual relatava, em detalhes, os horrores de uma guerra. Nas entrevistas apresentadas, é possível identificar as marcas conceituais do New Journalism. O repórter aparecia imerso dos pés à cabeça no real. Por conta dessa proposta ousada e inovadora de se fazer jornalismo na época, Realidade ganhou sete prêmios Esso de Jornalismo.23 Um deles foi por conta de uma edição especial da revista sobre a Amazônia, em 1972. De acordo com o próprio site do referido prêmio,24 “esta reportagem foi uma das mais completas descrições já feitas do universo amazônico, mobilizou 16 jornalistas em deslocamentos mata a dentro e visitas a mais de uma centena de cidades, num percurso maior que o de uma viagem à Lua. Da Amazônia, trouxeram 30 mil fotografias, incontáveis relatos de uma visão de contrastes onde 1,5 milhão de pessoas vivia uma existência de miséria sobre a riqueza mitológica do solo”. 1.3 - Jornalismo Gonzo: a versão mais radical do New Journalism Como já foi dito anteriormente, os gêneros do discurso jornalístico apresentados neste trabalho não se excluem, tampouco têm limites rígidos definidos. Eles se complementam ao se apropriarem das características dos outros e ao apresentarem sempre aspectos novos, o que permite diferenciá-los. Quer dizer, o JL absorve os elementos da narrativa literária, pois incorpora aspectos de sua própria natureza e consolida-se num gênero altamente difundido atualmente, como já foi notado. Num passo seguinte, o New Journalism se apropria de todas as características do Jornalismo Literário e apresenta outras, inéditas, para sua composição. Dentre as inovações, podem-se destacar as seguintes: imersão completa do jornalista no fato a ser narrado de tal modo que pudesse recriar em sua narrativa todos os ângulos da história, a reprodução fiel dos diálogos dos personagens e a descrição objetiva do local com requintes de detalhes No começo da segunda metade da década de 1960, quando o New Journalism estava em alta, surge paralelo a este gênero, o Jornalismo Gonzo ou Gonzo Journalism. O gênero também absorve características do Jornalismo Literário e ainda do New Journalism e apresenta outras inerentes a sua própria configuração. O JG se trata de uma vertente do New Journalism, criada e popularizada por Hunter S. Thompson, repórter da revista americana Rolling Stone. O gênero se expandiu rapidamente por outros veículos, principalmente revistas como 97 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Playboy, Rolling Stone, San Francisco Chronicle, Esquire, Vanity Fair, entre outras. Ele extrapolou as publicações norte-americanas e influenciou diversas outras pelo mundo afora, inclusive o Brasil. Mesmo com essa rápida ascensão nos veículos de comunicação, a bibliografia a respeito do tema é escassa. O assunto aparece em algumas obras que tratam do Jornalismo Literário, mas apenas em capítulos específicos. Também denominado jornalismo fora-da-lei, jornalismo alternativo e cubismo literário, o gênero criado por Thompson tem como principal característica a ruptura com os padrões convencionais do jornalismo. Como ele mesmo define: Jornalismo Gonzo consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo de elaboração da matéria. Não se procura um personagem para a história; o autor é o próprio personagem. Tudo que for narrado é a partir da visão do jornalista. Irreverência, sarcasmo, exageros e opinião também são características do Jornalismo Gonzo. Na verdade, a principal característica dessa vertente é escancarar a questão da impossível isenção jornalística tanto cobrada, elogiada e sonhada pelos manuais de redação. (THOMPSON, 2004b) Hunter S. Thompson identifica pelo menos três características essenciais a esse gênero jornalístico: 1) O processo de captação dos fatos não se restringe apenas à observação e à apuração dos fatos. O jornalista gonzo deve vivenciar a experiência, tornando-se parte do objeto de sua reportagem, podendo, inclusive, alterar o destino da história; 2) É permitido o uso de personagens e situações fictícias na história caso contribua para o aumento do nível de informação ao leitor; 3) A narração deve ser feita sempre na primeira pessoa. A intenção é imprimir legitimidade às histórias contadas pelo jornalista, transformando-o numa espécie de jornalismo confessional. Nota-se que tais parâmetros fogem completamente do apregoado no moderno jornalismo, marcado pelos parâmetros do lead e da pirâmide invertida. A palavra lide provém do inglês lead, que significa “comando”, “primeiro lugar”, “lidear, “guiar”, “induzir”, “encabeçar”. O lead é o primeiro parágrafo da notícia em jornalismo impresso, ainda que possa haver outros leads em seu corpo. O lead torna possível, ao leitor que normalmente dispõe de pouco tempo, tomar conhecimento do fundamental de uma notícia de forma rápida e condensada leitura do primeiro par|grafo. Sua leitura pode também “fisgar” o interesse do leitor e persuadi-lo a ler até o final, mas não se pode correr o risco. No moderno jornalismo, essa técnica foi aplicada por facilidades comerciais. Ela facilita a diagramação e a paginação: se a matéria estourar, em razão de espaços maiores destinados à publicidade (o que sustenta qualquer publicação, de fato), podem ser cortadas as suas linhas de baixo para cima, sem prejudicar o sentido do texto. Como recomenda Luiz Amaral em seu manual de jornalismo: “Os 98 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais fatos principais encabeçam o texto; vêm, em seguida, os fatos de importância intermediária; e o final do texto comporta, apenas, informações que, de nenhum modo, alteram a compreens~o da notícia” (AMARAL, 1969, p. 200). O lead deve informar quem fez o quê, a quem, quando, onde, como, por que e para quê. Para o jornalista e pesquisador Nilson Lage, na obra Estrutura da notícia, o lead é uma proposição completa no sentido aristotélico, já que contém: o sujeito, um sintagma nominal; o predicado, ou seja, um sintagma verbal; e as circunstâncias ou sintagmas circunstanciais. Segundo essas regras, um lead não pode ser começado por verbo, mas sim pelo sintagma nominal ou circunstancial mais importante (LAGE, 1985, p. 31). Para o Manual da “Folha de S.Paulo”, a abertura ideal de uma matéria se dá com um lead noticioso, capaz de “responder {s questões principais em torno de um fato”. Além de Lage, outros estudiosos como Francisco Karam (2000), também acreditam que as bases da notícia estruturada como pirâmide invertida estariam na Antigüidade greco-romana. Cícero, na obra De Inventione, relaciona aspectos essenciais para que a comunicação fosse transmitida com a melhor eficácia possível. Para isso deveriam ser respondidas as seguintes indagações: quem (quis/persona), o quê (quid/factum), onde (ubi/locus), como (admodum/modus), quando (quando/tempus), com que meios ou instrumentos (quibus adminiculis/facultas) e por quê (cur/causa)? Dessa forma, Cícero teria instituído o paradigma da exposição dos acontecimentos. A origem da pirâmide invertida e do lead é reivindicada por norteamericanos e ingleses. A primeira notícia redigida com essa estrutura teria sido no The New York Times, em 1861. No Brasil, o lead foi utilizado pela primeira vez na redação do jornal Diário Carioca, sob a chefia de redação de Pompeu de Souza e ao chefe de reportagem Luís Paulistano, conforme relato o historiador Nelson Werneck Sodré (1977, p. 396). Contrariando todas essas práticas, o JG se propagou pela mídia impressa brasileira e não só ela. O JG está difundido em diversas mídias: jornal, revista, televisão e internet. Os blogs também se tornaram grandes divulgadores desse gênero, pois permitem ao usuário publicar tanto diários virtuais quanto matérias jornalísticas específicas na rede mundial de computadores. O gênero tem como um dos mais importantes representantes no Brasil o jornalista Arthur Veríssimo, da revista Trip. Em entrevista publicada no site do Observatório da imprensa, um importante e reconhecido canal de discussão da imprensa brasileira, Arthur Veríssimo aponta algumas características do JG sob a ótica de um repórter que se dedica, exclusivamente, a explorar em suas reportagens os conceitos mais marcantes desse gênero. 99 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Destacamos a seguir alguns trechos da entrevista realizada com o jornalista. Seu depoimento revela, por si só, alguns traços marcantes da práxis do JG, como o sarcasmo, a provocação e a irreverência. O gonzo que a gente recriou dentro das possibilidades editoriais da Trip foi fazer um tipo de jornalismo que fosse degustativo para os jovens. Pois é entretenimento aquilo. Antropologia com entretenimento. Sempre querendo saber até onde pode chegar esse tipo de jornalismo. É preciso entrar no corpo a corpo, aí é que você aprende realmente. No tipo de reportagem que faço, tento resgatar grandes pesquisadores, como Marco Pólo, Darwin e outros. (...) Eu tento levar uma reportagem que mexa com os sentidos. Tento buscar sempre um jeito de despertar. Tirar a pessoa do lugar comum. Por exemplo, ele está no metrô lendo a matéria, no avião, na privada, criando ruídos dentro dela. Senão, pra que é que eu estou fazendo alguma coisa? (...) Um cara que me influenciou bastante foi o Gilberto Felisberto Vasconcellos. Um cara top é Cláudio Tognolli, com as suas investigações. E outro foi Pepe Escobar, que também me influenciou muito e que, pra mim, é um ícone do jornalismo brasileiro. E assim vai. A turma do Pasquim remete muito ao Jornalismo Gonzo. Eu devorava esse jornal, as revistas Manchete, Realidade (...). Na verdade, eu acho que a gente deve produzir, fotografar, se pautar, pagar e temos, às vezes, que maquiar as situações. (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA.Disponível em: www.observatoriodaimprensa.com.br) A narração em primeira pessoa, uma das características do Jornalismo Gonzo, aproxima o locutor do fato narrado, imprimindo maior legitimidade à narração. O subjetivismo tão criticado pelas escolas tradicionais de jornalismo aqui é posto de forma explícita, porque o locutor narra e incorpora à matéria todas as suas impressões pessoais. Mais do que um narrador sincero, a utilização da primeira pessoa implica na subjetividade explícita. Na opinião de muitos historiadores e especialistas em comunicação social, foi efêmera a fase de apropriação do padrão alternativo por parte da grande imprensa no Brasil. Ela se resumiu às experiências dos anos 70. Hoje as regras de mercado e a influência norte-americana imperam: Além das implicações políticas, o abandono do imaginário alternativo pelo novo Projeto Folha marca a ascensão de todo um novo imaginário, auto-proclamado pós-moderno, que contém entre seus elementos definidores a própria rejeição da possibilidade da utopia, da necessidade de uma ética. (KUCINSKI, 1991, p. 127) 100 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Dessa forma, consideramos que o Jornalismo Gonzo vai na contramão da maré de modernização da imprensa brasileira, que desvaloriza o jornalismo romântico e de profundidade. O Jornalismo Gonzo desmascara o simulacro de realidade imposta pela grande mídia e faz relembrar a m|xima lingüística de que o homem só existe “na” e “pela” linguagem. A palavra reflete os fatos, mas também os prismatiza. A reportagem gonzo oferece ao leitor aventura e conhecimento. E a verdadeira viagem não consiste em chegar a novas terras, mas em ver com novos olhos. Referências Bibliográficas AGUILERA, Octavio. La literatura em el periodismo. Madrid: Paraninfo, 1992. AMARAL, Luiz. Técnica de jornal e periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. AUSTIN, J.L. Quand dire, c’est faire. Paris: Seuil, 1970. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BOND, F. Fraser. Introdução ao jornalismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1962. BOYNTON, Robert. The New New Journalism. New York: Vintage, 2005. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978. CAPOTE, Truman. A Sangue Frio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. CASTRO, Gustavo; GALENO, Alex. Jornalismo e literatura. São Paulo: Escrituras,2002. CHILÓN, Albert. Literatura y periodismo. Barcelona: Aldeia Global, 1999. CHOMSKY, Noam. Syntactic structures. New York: The Hague / Mouton, 1957. COSERIU, Eugenio. Princípios de semántica estructural. 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Determinados títulos já traziam no nome o público-alvo ao qual se destinavam (Jornal das famílias), um adorno feminino (O espelho das brasileiras) ou algo que identificasse o universo da mulher (Correio das modas). Mas, apesar dessa estratégia e da segmentação do mercado, muitos desses veículos eram fundados e dirigidos por homens e, não raro, as matérias eram ainda escritas por redatores que adotavam pseudônimos femininos para conferir autenticidade às publicações. É o caso do escritor Cláudio de Souza que assinava os editoriais da Revista feminina (1914-1936), publicada em São Paulo e distribuída em todo o Brasil, sob o pseudônimo de Ana Rita Malheiros. A contrapartida também se dá, quando algumas mulheres mais ousadas resolveram publicar, décadas mais tarde, suas idéias e seus textos literários. Como tal produção – a feita por mulheres – era vista com descaso pela sociedade, muitas se apresentavam com identidade masculina. No entanto, na segunda metade do século XIX, a luta pelo direito à educação das moças e a mobilização pelo voto da mulher motivaram, ao mesmo 29 Docente e pesquisadora da Universidade Federal de Alfenas – Unifal/MG 105 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais tempo, a criação de veículos de expressão feminista e a voz de mulheres que fizeram da imprensa a tribuna para angariar simpatizantes às causas adotadas. Por essa ocasião, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco já contavam com uma imprensa combativa e atuante. Ao contrário do jornalismo praticado em Minas Gerais, que ainda era conservador, talvez, pela imprensa ter surgido por tais terras de maneira tímida e demorada, muitas vezes sustentada pelo debate político e pela luta de poder. Razão essa que também explica a profusão de periódicos e a vida efêmera da maioria deles. Mas existem exceções. O astro de Minas, de São João Del Rei, por exemplo, circulou de 1827 a 1839 e saía as terças, quintas e sábados. E é da mesma tipografia que surge O mentor das brasileiras (18291839), o primeiro periódico mineiro voltado ao público feminino, a exemplo do precursor carioca O espelho diamantino, lançado em 1827. De tendência políticoliberal, O mentor das brasileiras era feito por mulheres. Impetuoso, o jornal não poupava nem D. Pedro I, a quem registrou severas críticas em meio a assuntos relacionados à literatura e educação. Nas suas 129 edições, o Mentor já, naquela época, vale ressaltar, se destacava por defender a presença feminina na vida pública. A cidade de Campanha, a mais antiga do sul de Minas Gerais, no entanto, foi uma das primeiras localidades brasileiras a possuir imprensa e a instaurar a prática do debate político por meio das páginas dos jornais. Alguns de seus periódicos, inclusive, chegaram a adquirir projeção nacional nos oitocentos. Portanto, desde o surgimento do Opinião campanhense, em 1832, até o advento de Colombo (18731875), periódico representativo do Partido Republicano do sul das Minas, pode-se ler as inquietações que motivaram a passagem da escravatura à abolição, do Império à República, e a luta pela igualdade de direitos para o sexo feminino. Durante os oitocentos, a cidade de Campanha se tornou o centro propagador das idéias separatistas. Personalidades eminentes, políticos e escritores uniram-se através de projetos parlamentares e da imprensa, para insuflar a proposta de desmembramento do território sul mineiro, a fim de criar nova unidade administrativa na região. Para tanto, O monitor sul mineiro, monarquista e conservador, semanário dirigido por Bernardo Saturnino da Veiga e seus irmãos, no período de 1872 a 1896, teria, entre outras propostas de sua linha editorial, o objetivo de propagar o movimento separatista no sul de Minas. Nesse cenário de lutas políticas e atento ao projeto civilizatório, amplamente adotado na Europa, de veicular na imprensa valores e idéias capazes de sensibilizar o público leitor, surge o semanário O sexo feminino, contemporâneo a O monitor sul mineiro, igualmente combativo e de proposta bem definida: a emancipação da mulher pela educação intelectual. 106 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 2. Francisca e seu semanário De reconhecida cultura e ousadia, amiga de D. Pedro II, a professora primária Francisca Senhorinha da Motta Diniz lança, edita e redige com regularidade seu seman|rio, “dedicado aos interesses da mulher”, com a tiragem de 800 exemplares, todos vendidos por assinatura, naquele 1873, na cidade de Campanha. Apesar de ser referência na imprensa feminina, citada inclusive por Gondin da Fonseca como uma das primeiras feministas brasileiras, pouco se sabe sobre Francisca Senhorinha. As escassas informações biográficas registram apenas que a professora é natural de São João Del Rei e filha de Eduardo Gonçalves da Motta Ramos e de Gertrudes Alves de Mello Ramos. E que, de seu casamento com o advogado José Joaquim da Silva Diniz, teve duas filhas: Albertina e Elisa. Mesmo longe da efervescência cultural e política da corte no Rio de Janeiro, Francisca Senhorinha não se intimida em lançar seu jornal de combate no interior mineiro. E diante de uma “feliz coincidência”, como ela mesma expressa em texto de apresentação do primeiro número, quando então se comemorava 51 anos de liberdade ao jugo colonial, a data – 7 de setembro - também serviria para marcar uma época não menos memorável, conforme frisa a jornalista: a independência do sexo feminino. Empreendedora, Francisca Senhorinha não só idealiza seu semanário, definindo a linha editorial, como se arrisca a divulgar suas idéias na imprensa, mediante um jornal que já levava no nome – O sexo feminino – a sua proposta ideológica. Francisca, portanto, não se limita aos papéis de esposa e professora. Acredita que através da mídia daquele tempo poderia mobilizar mais simpatizantes para a bandeira de emancipação da mulher. Por isso, aproveita a tipografia do marido José Joaquim, também proprietário do jornal O Monarchista, para lançar seu semanário em quatro páginas, obedecendo ao padrão gráfico da época. A proposta de Francisca Senhorinha não era nova. Seguia, de certa forma, a linha de outros periódicos antecessores seus, como O jornal das senhoras, fundado em 1º de janeiro de 1852, pela argentina Joana Paula Manso de Noronha e O belo sexo, em 1862, redigido por Julia de Albuquerque Sandy Aguiar. Ambos editados no Rio de Janeiro. E em São Paulo, Josefina Álvares de Azevedo lança A família, em 1863. Vale relembrar que, na primeira metade do século XIX, já havia, mesmo que timidamente, uma imprensa direcionada à mulher no Brasil. É o caso de O espelho diamantino, no Rio de Janeiro, e O espelho das brasileiras, em Recife. Mas todos eles fundados e dirigidos por homens. O ambiente da corte no Rio de Janeiro parecia ser propício para o surgimento de outros jornais, ainda que de vida efêmera, na linha reivindicatória dos direitos das mulheres. E foi justamente nesse cenário de lutas entre-séculos que se destaca o espírito de iniciativa de Francisca Senhorinha que nos permite saber mais sobre as próprias mulheres e das estratégias que adotaram para se 107 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais expressar publicamente – num tempo em que o acesso ao conhecimento e à ilustração era privilégio de uma elite sobretudo masculina. No entanto, conforme Maria Lúcia Palhares-Burke, a imprensa oitocentista fazia parte do cotidiano tanto de letrados quanto de analfabetos. Em 1872, apenas um quinto da população livre era instruída. Mas havia o hábito da leitura dos jornais em voz alta, o que favorecia o acesso ao debate de idéias pelos não-alfabetizados, que acabavam sendo mobilizados pela ideologia da mídia da época. Francisca Senhorinha estava ciente de possíveis retaliações assim que circulasse o primeiro número de O sexo feminino. E tal era a força expressiva de seu discurso que, logo na primeira p|gina da ediç~o inaugural, sob o título “A educaç~o da mulher”, a jornalista adverte estar preparada para reações irônicas e perseguições infundadas. Ela escreve: Zombem muito embora os pessimistas do aparecimento de um novo órgão de imprensa – O Sexo Feminino; tapem os olhos os indiferentes para não verem a luz do progresso, que, qual pedra desprendida do rochedo alcantilado, rola violentamente sem poder ser impedida em seu curso; riam os curiosos seu riso sardônico de reprovação à idéia que ora surge brilhante no horizonte da cidade de Campanha; agourem bem ou mal o nascimento, vida e morte do Sexo Feminino; persigam os retrógrados com seus ditérios de chufa e mofa nossas conterrâneas, chamando-as de utopistas: O Sexo Feminino aparece. Há de lutar e lutar até morrer; morrerá talvez, mas sua morte será gloriosa e a posteridade julgará o perseguidor e o perseguido.30 E foi assim que o jornal O sexo feminino acabou se constituindo em um dos periódicos do gênero de maior duração e sucesso. Sua trajetória passou por três fases. A primeira, de 07 de setembro de 1873 a 07 de setembro de 1874, em Campanha da Princesa, Minas Gerais, com assinantes em diferentes cidades, totalizando 45 edições. A segunda fase, de 22 de julho de 1875 a 02 de abril de 1876, na cidade do Rio de Janeiro, para onde Francisca Senhorinha se transfere com a família e onde também, é importante esclarecer, foram impressos mais quatro mil exemplares dos primeiros dez números para atender os novos assinantes cariocas. Nesse período, o jornal passa inicialmente a ser impresso na Tipografia e Livraria de Lombaerts e filhos, localizada na Rua dos Ourives nº 7. Os Lombaerts editavam o periódico La saison31, que trazia pinturas, gravuras e grande número de moldes para moda. Para 30 A ortografia foi atualizada. O livreiro Jean Baptiste Lombaerts, juntamente com seu filho, Henri Gustave – ao contrário dos irmãos Laemmert, Eduardo e Henrique, que editavam O correio das modas, além de dominarem o mercado de livros –, optaram por trabalhar com jornais e revistas importadas. A Livraria e Tipografia Lombaerts era a responsável pela importação e revenda no Brasil do periódico francês La saison, 31 108 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais quem assinasse conjuntamente O sexo feminino e La saison, que vinha com uma versão em língua portuguesa, explicando o texto francês, tinha redução no preço. Mas, em 17 de outubro de 1875, a edição de nº 12 do periódico de Francisca passa a ser impressa na Tipografia Americana, na Rua dos Ourives nº 9. A segunda fase do periódico completa, assim, 22 edições, quando Francisca anuncia aos seus assinantes que o jornal terá sua periodicidade modificada para mensal, pelo fato de ter sido acometida pela febre amarela, junto com a família, e, por isso, ficaria ausente da Corte temporariamente. Na terceira fase do jornal, de 02 de junho de 1889 a 18 de agosto de 1889, totalizando 8 edições, Francisca já se encontra na Rua do Lavradio nº 101. E o jornal passa a ser impresso na Tipografia de Machado & C., da rua Gonçalves Dias nº 28. Depois disso, a redatora se entusiasma com a Proclamação da República e altera o nome do periódico para O quinze de novembro do sexo feminino, com periodicidade quinzenal, a partir de 15 de dezembro de 1889, em sua edição de nº 12, com sede na capital federal, da Rua do Lavradio novamente, mas no nº 24, transferindo tempos depois a redação para a Rua do Senador Euzebio nº 78, quando, então, passa a defender com maior empenho o direito das mulheres ao estudo secundário e ao trabalho. É por essa ocasião, pois, que a jornalista passa a denunciar a educação mesquinha oferecida às meninas. Nessa fase do jornal, a última edição resgatada, data de 30 de setembro de 1890. E, nesse período, o jornal é impresso na Tipografia Montenegro, da rua Nova do Ouvidor nº 16, primeiramente, e, depois, na Mont’Alverne a Vapor, da Uruguaiana nº 43. 3. Francisca e suas paginas Mas, voltando ao lançamento do jornal em 1873 e aos editoriais polêmicos escritos pela própria Francisca, sua grande luta, podemos dizer, na imprensa, foi a de encontrar um veículo capaz de propagar a necessidade de educação da mulher, que não podia ficar restrita ao mero papel decorativo do lar, como “boneca de luxo”. A fim de explicitar seu raciocínio, Francisca Senhorinha, ainda nesse primeiro editorial, frisa: O século XIX, século das luzes, não se findará sem que os homens se convençam de que mais da metade dos males que os oprimem é devida ao descuido que eles tem tido da impresso por Gustave Lyon Societé Anonyme em Paris. Segundo Marlyse Meyer, La saison circulou no Brasil entre 1872 e 1878. Periódico de prestígio que publicava a moda de Paris, La saison, no Brasil, vinha acompanhada de um suplemento em português, produzido por Lombaerts. Mas foi somente em 15 de janeiro de 1879 que o livreiro passou a editar uma versão brasileira, chamada A estação: jornal ilustrado para a família, lançada no Rio de Janeiro. A Estação dividia-se em duas partes: o “Jornal de modas” e a “Parte liter|ria”. A primeira era importada, traduzida da revista alem~ Die Modenwelt , publicada pela editora Lipperheide de Berlim. A parte literária, por exemplo, contou com a publicação em forma de folhetim do romance Quincas Borba, de Machado de Assis. 109 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais educação das mulheres, e ao falso suposto de pensarem que a mulher não passa de um traste em casa. É importante observar que O sexo feminino mantém discurso coerente com a proposta apresentada no título do semanário, definindo ainda seu público-alvo – a mulher – em época na qual a indústria cultural não tinha se constituído nem se segmentado. Mas que, atendendo a uma característica própria da estética da imprensa feminina de combate, já deixa evidente o conceito de imprensa sexuada, ao conclamar a interlocutora para as lutas aos direitos e às responsabilidades das mulheres, como o direito à alfabetização, à escola secundária e aos estudos superiores, direito às carreiras proibidas e ao trabalho remunerado. Francisca incita, então, sua leitora a olhar para si mesma e a definir o papel que a mulher representa na sociedade. Diz ser a mulher dotada das mesmas faculdades do homem e que, para ser também boa mãe de família, deve instruir-se. Por isso conclama sua interlocutora (ou seu interlocutor) a vir para a imprensa, para reagir contra o despotismo masculino. Admite que é somente pela discussão, notadamente a veiculada pela imprensa, que serão capazes de persuadir a opinião pública até a conquista do ideal de emancipação da mulher. Os ideais difundidos por Francisca Senhorinha tiveram a acolhida de outros órgãos da imprensa brasileira. A redatora, inclusive, fez questão de agradecer nas próprias páginas de O sexo feminino as matérias que fizeram referência ao seu jornal. Por essas notas de agradecimento, se percebe a teia dos relacionamentos travados entre Francisca e os editores de outros periódicos representativos dos oitocentos, bem como da repercussão de certas pautas. A República, O Itajubá, Diário de Minas, Echo de Minas, Mosquito e os campanhenses Monitor sul mineiro, Monarchista e Colombo foram alguns dos que teceram comentários sobre o trabalho editorial da professora. Francisca, em alguns momentos, chegava a publicar o texto original de outros jornais sobre a importância de sua iniciativa em defender a educação da mulher. É o caso da adesão manifestada pelo jornal República (edição nº 744), que enaltece os serviços prestados pelo semanário não somente ao sexo feminino, mas também ao país, preconizando até, caso se prestasse o apoio necessário a Francisca, estar Campanha na vanguarda do progresso mineiro. A matéria fala do entusiasmo com que a editora se lança na arena da imprensa e da firmeza com que discute a causa da mulher, na luta para adquirir instrução e para se libertar do ambiente opressor em que vive, cercada de preconceitos, de falta de recursos e inclusive de “mortífero sarcasmo”. O par|grafo inicial do texto, contudo, merece ainda atenção pelo perfil que delineia da editora de O sexo feminino. Acompanhemos, pois: Com prazer registramos hoje em nossas colunas um fato que vem confirmar essas verdades: apenas a Escola do Povo ergue a voz em favor dos direitos da mulher, a 110 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais cidade de Campanha, em Minas Gerais, vê surgir na imprensa um órgão intitulado O Sexo Feminino, para sustentar aquelas idéias: e, o que mais é, esse periódico é redigido por uma senhora, uma distinta professora, auxiliada em seu empenho por muitas outras senhoras distintas daquele torrão tão feliz que já tinha filhas capazes de sentir e de sustentar os seus direitos. É importante ressaltar que a repercussão favorável à criação de O sexo feminino pelos periódicos representativos da imprensa oitocentista tinha homens por redatores e profissionais da expressão de um Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo e Manuel Vieira Ferreira. Além do mais, Francisca Senhorinha revela ser detentora de uma rede de relacionamentos privilegiada, que corrobora seu trabalho e seu prestígio. Francisca tinha contatos com pessoas influentes da Corte e, por meio da troca de periódicos, mantinha aproximações com vários intelectuais, a exemplo de José Carlos Rodrigues, editor do jornal O novo mundo, publicado nos Estados Unidos. O semanário também designava espaço a produções literárias, muitas vezes traduzidas do francês pelas filhas de Francisca: Albertina e Amélia32. Outras mulheres colaboravam igualmente com artigos ou poemas, que sempre obedeciam à linha editorial do semanário, ancorada em temas referentes à religião, educação e emancipação da mulher. Mas, a poetisa Narcisa Amália de Campos, abolicionista simpatizante de Nísia Floresta, é colaboradora constante e das mais importantes na luta pelos direitos da mulher e dos oprimidos em geral. A poetisa de Nebulosas, considerada ainda a primeira mulher a se profissionalizar como jornalista no Brasil, foi uma das personalidades que recebeu a admiração expressa de Francisca, na edição de 11 de outubro de 1873, de O sexo feminino. Narcisa Amália é elogiada como “uma das penas mais h|beis que tem aparecido na imprensa di|ria da Corte”, sendo poetisa distinta, literata não vulgar e talento transcendental. Narcisa Amália, finaliza Francisca Senhorinha, “est| acima de qualquer elogio que a pena mais bem aparada possa tecer”. Palavras essas que v~o ao encontro, de alguma maneira, das de Machado de Assis que também enaltecia a “pena delicada e fina” com que Narcisa escrevia. Depois da proclamação da República, porém, o entusiasmo de Francisca Senhorinha cede à desilusão manifesta com os novos tempos, cujos propagandistas republicanos asseguravam a legitimação dos direitos femininos. Mas, meses depois, a própria Francisca anunciava nas páginas de seu jornal que a República havia mostrado a sua verdadeira face, qual seja, a da manutenção dos preconceitos e das práticas discriminatórias contra a mulher, motivando um retrocesso. 32 Não se sabe ainda quantas filhas de fato Francisca Senhorinha teve. Alguns dicionários comentam que, de seu casamento com José Joaquim da Silva, teve duas filhas: Albertina Diniz e Elisa Diniz Machado Coelho. Mas, nas páginas de O sexo feminino, aparece o nome de Amélia A. Diniz, assinando artigos em nome do jornal, traduzindo textos do francês juntamente com Albertina Diniz, em cujo crédito de autoria aparece explicitamente “pelas irm~s”, e ainda como professora de piano e música. 111 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Conclusão O surgimento do periódico O sexo feminino não foi por acaso e, de certa maneira, refletiu os processos de interiorização da imprensa em Minas Gerais, com o declínio da extração de minérios de ouro nas cidades que se desenvolveram em função desse tipo de economia. A localização privilegiada da cidade de Campanha, região de confluência de cariocas, paulistas e mineiros; a vinda de intelectuais e políticos da Corte para o sul de Minas; a dinâmica da luta pelo poder; o desenvolvimento da técnica nos setores da comunicação e do transporte; a necessidade de se reposicionar a economia de mercado e da mão-de-obra feminina; e a adesão às idéias iluministas de melhor instrução para o cidadão foram alguns dos fatores que permitiram o trabalho de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz no jornal O sexo feminino. O discurso inflamado da jornalista oitocentista expressa nitidamente sua ideologia. A materialidade lingüística da produç~o desse “seman|rio dedicado aos interesses da mulher”, orgulhosamente expresso no cabeçalho da publicaç~o, abaixo da denominação do periódico, indica não somente a postura política de sua idealizadora e de seus colaboradores, já que alguns homens eram simpatizantes da bandeira defendida por Francisca, mas também a visão de mundo de certo grupo social em determinado espaço/tempo. Foucault nos ensina que os diferentes modos de se produzir um discurso levam em conta os espaços sociais, históricos e ideológicos nos quais se insere o sujeito enunciador. Ora, mediante o recorte dos discursos publicados no semanário de Dona Francisca Senhorinha, é possível delinear sentidos para as mulheres dos oitocentos, sobretudo para as que estavam imersas nos anseios daquilo que caracterizaria o novo século. Principalmente a quebra de silêncios e de submissão a que estava condenada a mulher. As páginas de O sexo feminino reproduziram o que já ecoava no espírito de seus interlocutores: a necessidade de rescindir o ideal normativo do discurso masculino. A sociedade com seus avanços não mais podia sustentar a imagem da mulher meramente reprodutora e adorno de salão. A mãe de família, tão bem enaltecida por Rousseau, para cumprir seu destino, deveria agora se instruir e adotar a educação como meio de conscientização de seus direitos e deveres. E é para essas mulheres, além de outras nas cidades de Lorena, Rio Preto, São Paulo, Bagagem, Três Pontas e aos que recebiam as permutas do periódico em demais localidades de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Madri e Nova Iorque, incluindo o imperador Dom Pedro II e a princesa Isabel, como assinantes especiais, que Dona Francisca Senhorinha apresentou suas idéias que se somariam a dos abolicionistas e republicanos. 112 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Tais interlocutores, na verdade, creditaram a Francisca o papel de porta-voz de outras mulheres, corroborando a função assumida, de antemão, pela própria editora do semanário campanhense. Mais ainda: como o jornal não somente denunciava a condição subalterna da mulher na sociedade patriarcal, mas também nitidamente apregoava o direito feminino à educação, à co-protagonista da sociedade familiar e à gestora do patrimônio amealhado, esses aspectos todos, aliados ao desejo de ter voz e de ser cidadã, luta que já estava eclodindo a favor do sufrágio feminino, garantiram a longa vida de O sexo feminino, que conseguiu sobreviver por duas décadas, acompanhando episódios significativos da história brasileira: o governo de D. Pedro II, o advento da república e a abolição da escravatura. Contemporâneos a todos esses clamores da sociedade, o jornal, Dona Francisca, suas colaboradoras e seus leitores, ao lutarem pela emancipação feminina, estavam, de fato, todos imersos numa zona de conflito: a fronteira entre o espaço privado e o espaço público, cujos protagonistas eram, respectivamente, a mulher e o homem. Assim, materializando a voz feminina através da imprensa, em espaço que até então era negado à mulher, o jornal de Dona Francisca cumpre o papel que a sociedade lhe conferiu. Referências Bibliográficas BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895. BUITONI, Dulcília Helena Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher na imprensa feminina brasileira. São Paulo: Loyola, 1981. BUITONI, Dulcília Helena Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1986. BURMEISTER, Herman. Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Livraria Martins, 1952. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. GONÇALVES, João Luiz Traverso. A geografia da imprensa em Minas Gerais no século XIX: uma conexão com as redes de cidades da província. Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2001. HAHNER, June E. 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In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano III, 1898, pp. 169-249. TÓPICO EPISTOLAR E LINGUAGEM TELEGRÁFICA NA INAUGURAÇÃO DO CANAL DE SUEZ: UMA ANÁLISE DAS MATÉRIAS DO NEW YORK TIMES E DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS DE LISBOA. 1869-1870. José Maurício Saldanha ÁLVAREZ Departamento de Estados Culturais e Mídia Universidade Federal Fluminense, RJ. I. Por volta de 1869 quando o canal de Suez foi inaugurado numa celebração que assombrou o público ao custo de dois milhões de dólares, o mundo vivia um momento de fastígio diante dos resultados da dupla revolução. A revolução política e das idéias disseminou os ideais liberais e favoreceu a migração de idéias e cultura, consolidando o projeto moderno em ascensão com sua racionalidade e crescente domínio sobre a natureza (Harvey, 1990, p.12). Surgiram países novos e se consolidou uma economia em rede e de comércio multilateral. A revolução industrial dividiu o mundo num recorte assimétrico tendo por um lado países industriais e dotados de fortes redes bancárias e, por outro, países produtores das matérias primas e importadores de bens industriais. Ao lado de condições de profunda miserabilidade, escravidão e baixos salários, se refletia o brilho de eventos resultantes da técnica que mudavam decididamente a face do mundo. Uma revolução nas comunicações ostentava Correios velozes disseminando 114 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais notícias e produtos; o telégrafo transformou os eventos locais em eventos mundiais, acelerou as informações militares, bancárias, pessoais, governamentais jornalísticas. Fez de quem o detinha poderoso e temido, capaz de decidir e intervir velozmente, ganhar tempo, dinheiro, poder, espaço (Harvey, 1990, p. 80). A navegação a vapor devassava mares e rios e as ferrovias com suas malhas conectavam o interior de continentes antes indevassáveis; abria vastas regiões interioranas ao comércio, ao conhecimento do mundo. Arquiteturas feitas em metal como o Palácio de Cristal, inaugurado com a primeira exposição mundial em 1851, em Londres, podiam atravessar os continentes para serem edificados num lugar e serem removidos para outro. Entre outros projetos nascidos da suprema positividade da engenharia propulsora do progresso estava a ligação por meio de um canal no Egito, ligando o Mar Vermelho ao Mediterrâneo. Tratava-se de um projeto acalentado milenarmente e que agora era concretizado pela técnica industrial e pelo gênio organizacional de um diplomata francês, o Sr Ferdinand de Lesseps. Enquanto isso a ampliação da escolaridade e ascensão das classes medias e a necessidade diária de informar-se, transformou a noticia numa mercadoria valorizada e publicada nos jornais. Em países mais industrializados como a GrãBretanha e os Estados Unidos, país saído de uma guerra civil, a imprensa se havia tornado o quarto poder (Burke, Briggs, 2006, p.192). A demanda crescente por informação fez surgir entre 1835 e 1880 inúmeras agências de noticias que de ramificavam pelo mundo (Owen, Purdey, 2009, p.36). Recursos advindos da publicidade fez crescer as rendas das empresas jornalísticas levando-as a reduzir os preços dos jornais e aumentar as tiragens, a aperfeiçoar sua estrutura empresarial. Em 1857 o emprego de papel feito de polpa de árvores reduziu drasticamente o preço deste insumo. Na década de 1860 as impressoras rotativas se aperfeiçoaram permitindo em 1868, imprimir 36.000 exemplares por hora (Thompson, 1998, p.7475). Os jornais rapidamente se profissionalizaram e colocaram seus correspondentes cobrindo eventos no mundo inteiro para atender a forme de noticia de seu público leitor aproveitando-se das conexões mais rápidas que fizeram o mundo “encolher”. Finalmente, nas vésperas da inauguração do canal de Suez em novembro de 1869, dois jornalistas dirigem-se ao Cairo, Egito, para cobrir esse que se propalava como o evento do século. Um deles chamado Ward era um norteamericano, correspondente do New York Times, e o outro era um também jovem e promissor escritor português, José Maria Eça de Queirós (1845-1900), egresso da Universidade de Coimbra e correspondente do Diário de Notícias, de Lisboa. Serão suas matérias e olhares o corpus analisado por este artigo. II Ao longo do século das certezas jornalismo e os jornalistas dispunham de duas táticas para disseminar a noticia. Uma delas era a forma de carta que se mostrava peculiar aos ambientes europeus, em especial na França, cuja cultura 115 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais influenciava largamente a península ibérica. A reportagem que Eça de Queiroz escreveu sobre a inauguração do Canal foi realizada nessa tática. Em contrapartida, o jornalista norte-americano Ward, correspondente do N.Y. Times, presente como o português às mesmas celebrações, remeteu ao seu periódico uma matéria dominada pela idéia central da noticia. Este procedimento se tornou o credo da imprensa norte-americana (Hazel-Garcia, 1989, p. 60). A matéria do periódico norteamericano foi publicada no dia vinte de dezembro em Nova Iorque, enquanto a de Eça só foi estampada em janeiro de 1870, no Diário de Notícias sem que os leitores a tivessem por superada (Monica, 2003, p.88). A forma mais sucinta como os jornalistas norte-americano americano redigiam suas notícias fundamenta-se em muitas diferenças sócio-culturais em relação ao ambiente europeu e ibérico. O periodismo ianque neste recorte era estruturado como uma empresa numa economia industrial em vertiginosa expansão. Pautava-se por processos gerenciais incorporando um novo tipo de profissional cuja grande escola foi à cobertura dada as operações militares durante a guerra civil. Nesse processo o jornalista empregou largamente o telegrafo economizando as palavras, sendo sintético no informar suas notícias num jogo locutório onde se evitavam ferir a susceptibilidade das famílias e do público leitor no desenrolar das operações militares. No entanto esse estilo telegráfico que se atribui indistintamente a imprensa norte-americana não parece gozar de unanimidade entre os estudiosos. A narrativa produzida por um escritor é pautada pelas normas do estatuto literário com suas regras e cânones cujo emprego de ornatos estilísticos resulta num texto não propositivo. No periodismo norte-americano entre 1830 e 1890, a representaç~o de uma verdade “objetiva” n~o comprometida, n~opartidária, aparentemente fez com que o texto jornalístico se deslocasse dos arraiais da literatura (Frus, 1994, p.2). Doug Underwood analisando as conexões entre o liter|rio e o “jornalístico” nos Estados Unidos demonstrou o antecedente da prática oposta já no jornalismo britânico do século XVIII. Nesse tempo jornalistas escritores de grande nomeada como Fielding e Defoe redigiram uma excelente ficção baseadas em fatos. Alguns definem suas novelas como “pseudo factuais”. Underwood assinala também que recentemente autores do porte de um Capote ou Wolfe empregam as estratégias da escrita do denominado “new journalism”. O que significa escrever sob a inspiraç~o do “fact and ficcion”. Dessa forma da metade do século XIX em diante, apesar da tradição do texto telegráfico, o realismo literário constrói sólida base no periodismo norte-americano onde atuam: “journalist-literary figures (...)including Stephen Crane, Norris, Dreiser, and London are key figures in ussherind contemporary literary atitudes with their focus uppon the gritty details of urban life, the brutality of warfare and the bealk worldviews that rose out of Darwinism, industrialization, and the coming of modern imperialism”( 2008, p.29). Enquanto jornalistas e jornais norte-americanos apesar da ambígua relação com o poder, pareciam afastar-se do esquema opinativo, na França, e 116 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais mesmo em Portugal e no Brasil, os escritores tiveram no periódico um espaço para o contato e reconhecimento com seu público, além da atuação política. Zeldin, analisado a cultura francesa do século XIX, cita um traço peculiar que pode estar presente na cultura portuguesa (e brasileira) deste contexto que é a predileção pelo modo literário em jornalismo e uma rejeição, ao menos por algumas décadas, ao império “telegr|fico” dos fatos. Parece que ser típico da imprensa francesa o apreço aos argumentos a abstração, a recusa da realidade, as palavras à verdade, ao cartesianismo, à retórica, à generalização precipitadas, classificam, peroram, são duros de personalidade e não admitem que o mundo e a nação possam mover-se sem sua concordância (Zeldin, 2005). Hazel-Garcia argumenta que a crítica à conduta moral e ética dos jornalistas norte-americanos se intensificou depois de 1850 cuja profissão era equivalente na opini~o de um indignado crítico a de um “brothel-keeping or liquor seling” (HazelGarcia, p.187). Nesse mesmo recorte jornalistas franceses também não desfrutavam de um bom conceito no seio de sua sociedade. O dicionário Larousse os descreve como portadores de hábitos tão corrompidos que poderiam destruir um bom escritor (Zeldin, p.505). Em contrapartida, o jornalismo norte-americano aparentemente exercia seu papel de maneira pragmática sem encantar ou distrair seu público, sem cortejá-lo politicamente, mas o provia de informação de primeira ordem graças aos seus formidáveis apetrechos. Uma das razões que potencializava esse desempenho é que periódicos norte-americanos eram dotados de uma superfície informativa mais ampla para a prática da noticia. (Chalaby, p. 31) Enquanto os jornais franceses dispunham de quatro páginas apenas os americanos empregavam muitas mais (Idem, p.32). Quando Eça de Queiros estreou no jornalismo em 1867, dirigindo e redigindo ele mesmo o Distrito de Évora, este era uma “folha bissemanal de quatro p|ginas” (Peixinho, 2007, p. 24). Por outro lado essa estratégia escritural veloz e objetiva da notícia norte americana parece dever-se a um background similar a ambos os lados do Atlântico de fala inglesa. A Grã-Bretanha vitoriana e a sociedade em movimento norteamericana (após a Guerra civil de 1860-1865) se familiarizavam com as conquistas tecnológicas. Suas atividades financeiras e econômicas, inclusive a comunicação, se consolidavam velozmente em rede. Esta parece ser a afirmação de alguns estudiosos para quem o a vida moderna coexistiria com uma nova forma de perceber a realidade. A noção de rede denomina, ao contrário das européias, um close corporation, o que enfatiza junto ao seu público familiarizado com tecnologia, um senso discursivo que se inclina para o texto jornalístico “telegr|fico” e objetivo desprezando as formas literárias na imprensa. Daí alguns estudiosos suporem que a superioridade do periodismo americano residiria em dois suportes sendo o primeiro o da tecnologia e o segundo na objetividade e na velocidade com que seus profissionais informam. Em 1867, dois anos antes da inauguração do Canal, no transcurso da Exposição Universal de 1867, em Paris, graças ao envio das notícias pelo cabo 117 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais submarino, os americanos leram na manhã do dia seguinte a cobertura que seus correspondentes fizeram sobre o evento. Enquanto isso os leitores britânicos tiveram de aguardar por dois dias até que, finalmente, os despachos fossem redigidos. Como se depreende, num mundo cada vez mais acelerado, uma escrita telegráfica, porém substancial provava ser um instrumento adequado para deixar seus leitores não apenas informados, mas de alguma forma protagonistas desses eventos. Menke assinala que no ambiente da imprensa britânica e o da norteamericana é preciso levar em conta três elementos básicos: o de network, o de information, e o de flux. Para os protagonistas da informação e da ficção tais como cientistas, sábios, e novelistas incluídos, a rede tornar-se uma construção capaz de operar as trocas entre o subjacente oculto no mundo moderno e aquilo que é o visível (Menke, 2008, 15). Da mesma forma que a norte-americana, foi uma sociedade urbana, percorrida pela tecnologia, vincada pelo que Foucault denomina de estruturas disciplinares que estruturam e modelam. Uma sociedade assim requer a uma modalidade de informação do ponto de vista epistêmico que se comporte como uma presença abstrata no mundo. Para tanto precisa produzir um discurso capaz de consolidar uma forma realista de aprender o mundo e que se transfere para a uma estratégia realista de narrar esse mundo. O emprego discursivo de conceitos chaves como inteligência e conhecimento é essencial numa sociedade que difunde conhecimento de maneira abundante através de mecanismos sociais como escolaridade universal, escolas, museus e material didático. Esse alicerce prático e estruturado em rede, na opinião de Rauch, sugere a irresistível ascensão do sentimento realista que numa acepção de Bourdieu recompõe o mundo, ou melhor, passa a ser o próprio mundo, sendo o realismo o gênero dominante na ficção anglo-saxão do século XIX (idem, 2008, 17). Consolida-se nesse momento o que Chalaby denominou de prática discursiva moderna como uma invenção do jornalismo anglo-americano (idem, p.37). No entanto McNair, assim como Underwood, refuta essa pretensa objetividade e isenção em relação ao jornalismo norte americano empregava a matéria prima que chegava sob a forma de mensagens telegr|ficas no “wire service” (McNair, 1994, p.25). Hazel-Garcia por seu turno afirma que esta express~o “objetividade” só apareceu na critica jornalística nos final do XIX ou nas primeiras décadas do século XX (1989 p; 98). O jornal americano era relativamente isento uma vez que jamais abandonou seu papel político. A propalada objetividade pode ser um efeito discursivo alegar-se que a realidade era quem ditava as normas. Que a um jornalista não cabia criar o mundo e sim narrá-lo sinteticamente a partir dos traços e barras recebidos. Mindich sustenta que esse paradigma iniciado em torno dos anos 1830 atingiu seu auge nos anos 1890 e justamente no N.Y. Times “and other papers that shared the ‘objetive’ paradgima what we reconize as the traits of ‘objetivity’ wher as Will show, all in place (1993, p. 10).” 118 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Na França quase todos os grandes os escritores foram jornalistas como uma opção clara, permitindo ainda estabelecer uma hierarquia das praticas discursivas uma vez que a modernização se fez de forma progressiva (Zeldin, 1993, p. 223, Peixinho, 2007, p.21) E nesse caso, fundava-se igualmente uma assimetria entre o texto literário e o dos jornalistas, entre escritores e jornalistas com a nítida supremacia dos primeiros cujo papel opinativo era acentuado (Chalaby, 2003, p.38). Nessa direção de opinativos, não se deve descurar da persistência de sua tradição de libelistas que datava do século XVIII (Thogmartin, p.66). IV. O canal de Suez representou um embate da modernidade. A questão começou em 1798 quando Napoleão Bonaparte seguindo as determinações do governo do Diretório invadiu o Egito. Tratava-se de um lance destinado a ameaçar a Inglaterra no sensível ponto da sua industrialização: o comércio com a Índia. O Egito foi transformado num campo de batalha das potencias européias. Mesmo derrotado por Lord Nelson em Aboukir, Napoleão lançou as bases do moderno projeto de um canal no Suez. No Egito por volta de 1800, um soldado albanês que combateu Napoleão, chamado Mohamed Ali, tornou-se Quediva, ou governante do Egito, acalentando um projeto de modernização independente. A dinastia dos quedivas deu prosseguimento ao projeto com Tawfik e Ismail a quem coube inaugurar a obra. Seduzido pela Europa, dividido entre as pressões inglesas e francesas Ismail realizará gastos ensandecidos levando o Egito à bancarrota precipitando uma revolução nacional que culminará com a invasão inglesa em 1882. V. Como correspondente de um influente jornal nova-iorquino, Ward abriu a matéria dispondo no topo da página uma sucessão de tópicos telegráficos como “Passagem bem sucedida e definitiva da frota de inauguraç~o” seguido de “Congratulations to M. Lesseps from americans present” . Em seguida uma indagaç~o especulativa: “ Is the work a complet sucess?” E encerrou o bloco alertando que as conclusões só serão produzidas após exame cuidadoso. Saído da guerra civil e refletindo os pontos de vistas de um país agressivo, Ward dispõe a inauguraç~o do Canal como o resultado de um conflito oculto: “England and Turkey the principal suferers - France a gainer.” Para ele, a inauguração antes de ser uma festa era “ othe severest test to wich it can be submitted - has ended in complete success”. Ele se coloca como protagonista, transitando no território da ação onde se forja a notícia. Ao informar do risco de encalhe num trecho de pouca água do orgulhou-se que “as I have before stated” . O texto de Ward é objetivo, trazendo sempre pesos, medidas, nomes, datas, cifras. Assim descreveu a viagem que fez “ About noon, of the 19th the anchors were weigned ,, and the squadron began to get under way, headed , as before, by the Aigle and The Greif.” Logo num único parágrafo descortina todo o desenrolar dos acontecimentos, informando que a “passagem inicial do canal de Suez foi o mais severo teste feito até aqui e terminou com um enorme sucesso, e a derradeira “fête (sic)” de uma sucess~o de cerimônias programadas, acabou na última noite sob a forma de um baile realizado no palácio do Viceroi em Kars El Nil”.(NY Times, 1863, pdf, Google books, 2010). 119 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Ao se encerrarem as festas Ward regressou ao Cairo enfrentando na ferrovia contratempos similares aos que Eça e Resende experimentaram no referido trajeto. Ele informou que uma correspondência abundante foi entregue ao senhor Lesseps tornado o telegrafo muito ocupado. “ Copies of that messages will undoubtelly reach the Times by cable and I shall not therefore pause to transcribe any of them.” Ele transcreve uma carta enviada por vários cidadãos norteamericanos e “the principal signers are also grouped in a photography by Desire” para que o senhor Lesseps pudesse ver “how his transatlantic admires appeared”. Na carta os cidadãos americanos congratulam Lesseps pelo estrondoso sucesso e afirmam que o povo dos Estados Unidos segue com muito interesse entusiasmo os empreendimentos dessa naturez, capazes de incrementar o contato entre as nações dilatando o comércio mundial. O canal removia barreiras que eram inimigas das nações. A carta é concluída expressando sentimento liberais e iluminados, repleto de boas intenções: “ Religion, civilization, comerce and enlightened govern ought to be promoted thereby”.Ward faz um balanço das relações entre o Egito do Quediva Ismail e a França que, nos bastidores, envidou esforços para que a obra de Lesseps fosse bem sucedida. Um dos entusiastas de Lesseps o Imperador Napoleão III, durante a guerra civil nos Estados Unidos, tentara uma desastrada aventura expansionista no México de Benito Juarez. No final da matéria Ward brandiu a cartilha do destino manifesto e profetizou, o que aliás era prática utópica peculiar ao século XIX (Bénichou,2001, p.529). Apesar do entusiasmo norte-americano pelo Canal da Suez, cabia ao seu poderoso país – escreveu Ward - construir uma enorme marinha para dominar os mares exatamente porque sua privilegiada posição continental conferia aos americanos sua “splendid communication with the Orient , our own great seaport on the Californian coast , and our Pacific Railway to distribute with San Francisco receives. The Suez canal “ prossegue ele podia ser “an exemple and a lesson” mas o destino manifesto reservava aos Estados Unidos fazerem um canal na America Central, “and another twenty years will see the Isthmus os Darien sundwred and South America like Africa , a mighty island.” VI Em contraposição a este alegado estilo telegráfico Eça redigiu numa opção epistolar opinativa, colorida presente em sua prática jornalística desde sua passagem no Distrito de Évora, periódico que dirigiu aos 21 anos de idade em 1866 (Mónica, 2001,p.47). O emprego dessa modalidade de escrita está associado à própria maneira como um jornal europeu era feito e para que público se dirigia. O emprego da prática epistolar dava a entender a seu publico leitor que desfrutava do privilégio de uma leitura confidencial. Para Apezarena a “carta” transformava os destinat|rios em “personas perfectamente identificadas em su condición” (2005, p.50). Por serem letradas constituindo o terreno ideal para que, de acordo com Siskin, transcorresse o este autor denomina de “proliferaç~o,” ou seja, a capacidade de cada leitor se transformar em multiplicador do texto (Siskin, 1999, p.4). 120 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O jornalismo francês e o português no século XIX empregaram preferencialmente a modalidade carta cuja forma peculiar de recepção se torna ao mesmo tempo intimista, informativa e, sobretudo, pessoal, e interativa. A carta nos arraiais europeus se tornou um eficaz espaço de debates e um “suporte de textos ensaísticos” cujo “car|ter” era dialógico (Peixinho, 2008,p.75). Por outro lado prossegue Peixinho, a “partir da profissionalizaç~o do jornalismo desde meados do século XIX, é o próprio jornal quem alimenta as temáticas, quem dita os conteúdos das trocas epistolares.” Dessa forma se processa uma interaç~o entre a carta, “escrita da esfera privada” e sua divulgaç~o no jornal, como elemento formador da opinião pública (Idem,2008, p.75). Para Peixinho, se estabelece uma relação especial entre o autor “com o publico leitor, desencadeada pelo modo epistolar, parece-nos ser precisamente uma das pistas” porque estabelece uma maneira de transitar com a carta tanto na redação como na recepção romanesca. Como explicitou Altman ao referir-se { “epistolary mediation”, cujo emprego “given the letter’s function as a conector between two distant points, as a bridge between sender and receiver (Altman, 1982, p.22). A abertura das cartas de Eça sobre a inauguração do canal de Suez é uma referencia poética e nostálgica de um tempo recente, mas que já se mostra distante, perdido nas brumas da memória: “Acedo da melhor vontade ao seu desejo de que lhe escreva a história real das festas de Suez . Conto-lhe, porém, simplesmente e descarnadamente, o que me ficou em memória daqueles dias confusos e cheios de acontecimentos, tanto mais que as festas de Suez estão para mim entre duas grandes recordações – o Cairo e Jerusalém.” Eça de Queiroz e um amigo, o futuro cunhado, o Conde de Resende chegaram em Alexandria no dia 5 de novembro e dirigiram-se ao Cairo pela ferrovia. Após uma estadia divertida gozando “o sossego do deserto e das ruínas” na moderna gare do Cairo pegaram o trem para Alexandria envolvidos numa “confus~o irritante” fruto da imprevidência dos organizadores ou dos administradores da ferrovia, descurando-se n~o se deu conta de que “trezentos convidados”além de suas bagagens n~o caberiam dentro de vinte vagões ferrovi|rios “t~o estreitos quanto bancos de réus”. Finalmente seu drogman, o núbio Jonas Ali, obteve para os dois jovens portugueses empregando ardis obteve “uma carruagem de segunda classe miseravelmente desmoronada, dois lugares empoeirados.” No dia da inauguraç~o j| em “Porto Said cheio de gente coberto de bandeiras, todo ruidoso dos tiros de canh~o e dos hurras da marinhagem”. A cidade soturna de ruas e casa feitas { ligeira e de viver incerto e irregular mudou, “tendo no seu porto as esquadras da Europa, cheios de flâmulas, de arcos, de flores, de músicas de café improvisadas, de barracas de acampamento, de uniformes, tinha um belo e poderoso aspecto de vida”. Havia um enorme numero de navios de guerra e civis vindos da Europa para celebrar. “Estavam aí as esquadras francesas do levante, a esquadra italiana, os navios suecos, holandeses, alemães russos, os iates dos príncipes, os vapores egípcios a frota do paxá. as fragatas espanholas, a Aigle com a imperatriz eugenia, o Mamoudeb com o Quediva,” e muitos outros barcos. A profusão de navios presentes fez do ancoradouro uma cidade flutuante, 121 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais onde se realizavam “bailes a bordo dos navios, jantares, visitas trocadas, recepções, passeios a remo, serenatas nos escaleres. De tudo isso saia uma luz, um ruído, um fluído de vida poderosamente original (...) Ao outro dia, os navios começaram a mover-se lentamente voltando a proa para um ponto da baia de Porto Said, onde se erguiam como dois umbrais de uma porta, dois obeliscos pintados de vermelho. Era a entrada do canal de Suez.” VII. Conclusão. Poucos dias após essa cerimônia, um jornalista norteamericano entrevistou ao presidente Ulisses Grant numa Washington ainda enlutada pela guerra civil que ceifou 600.000 vidas. Diante do sucesso europeu do empreendimento em Suez, declarou US Grant que nada o faria mais feliz do que “a commend as american canal in American soil, to the americam people”(Nills, 2008, p.44). Ward e Eça enviaram a seus periódicos pelos meios disponíveis suas matérias redigidas seguindo deferentes sensibilidades. A inauguração do canal de Suez era um acontecimento mundial midiatizado, uma vez que inúmeros países enviaram seus correspondentes cobri-lo. O jornal estava se tornando cada vez mais, ao longo do século XIX um elemento determinante na vida social. Ao mesmo tempo em que os frutos da dupla revolução se desenvolviam, em que as rápidas mudanças dos transportes e da tecnologia de comunicação tornavam o mundo menor e mais conectado, o consumo de noticias seguia o incremento do consumismo mas albergava outro sentimento. O de integrar uma coletividade mundial na medida em que a rede de tecnologia como o cabo submarino e outros implementos, tornava o mundo menor e conectado em redes. Assim sendo os jornais e o jornalismo estava no topo das transformações, não apenas técnicas com as velozes rotativas, mas na forma de redigir e de apresentar a noticia. Se a imprensa européia se modernizava e incorporava práticas anglo-saxônicas, fica-nos a impressão de que afirmar que o jornalismo norte americano era vazado somente no estilo telegráfico parece ser empobrecedor, haja vista a enorme quantidade de escritores que militam em suas páginas, resultando na arte de bem informar, informar com precisão sim, mas com brilho e opinando. Referências Bibliográficas APEZARENA, José, Periodismo al oído. Los confidenciales: de las cartas manuscritas a internet. Barcelona, Mondadori, 2005. BURKE, Peter, BRIGGS, Asa, Uma história social da mídia. De Gutenberg as internet., 2 a Edição, Rio de Janeiro, Zahar editor, 2006, P.192. BÉNICHOU, Paul, El tiempo de los profetas. Doctrinas de la era românica. México, Fondo de cultura econômica,2001. 122 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais CHALABY, Jean, O jornalismo como invenção anglo-americana. Comparação com o desenvolvimento do jornalismo frances e anglo-americano. 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A REVISÃO DO PAPEL FEMININO NA EDUCAÇÃO E CULTURA DOS ANOS 1930 E 1940: UM ESTUDO DE CASO DO VESPERTINO PAULISTANO A GAZETA Gisely Valentim Vaz Coelho HIME33 FMU, São Paulo, SP Para saber onde e em que trabalha a mulher nos anos 1930 e, sobretudo, se sua produção é representativa na área cultural, basta consultar o diário paulistano A Gazeta, à época, um dos jornais mais modernos do ponto de vista editorial e material, na América Latina. O vespertino valoriza a inserção feminina no mercado de trabalho, registrando todas as conquistas: das novas profissões às atuações de destaque, prêmios e avanços nas ciências, artes e tecnologia no mundo todo. Os registros vêm sob a forma de artigos, notas, fotolegendas e reportagens, e não se restringem à seção feminina. Articulista habitué da primeira página do diário, Medeiros e Albuquerque é um dos maiores incentivadores da participação feminina em todas as áreas e, conseqüentemente, da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Àqueles que, nos debates da Constituinte, em 1933, opõem à concessão plena de direitos o fato da compleição física feminina ser, em geral, mais frágil que a masculina, responde: “N~o h| ligaç~o alguma entre força e gozo de direitos. Para ser capaz de gozar de um direito não é preciso que alguém seja dotado de um certo grau de força (MEDEIROS E ALBUQUERQUE, 1934: 1)34”. Faz eco ao irm~o o médico Maurício 33 Trabalho apresentado no GT1 História do Jornalismo. 34 Fundador da Cadeira 22 da Academia Brasileira de Letras, José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque foi jornalista, professor, político, contista, poeta, orador, romancista, teatrólogo, ensaísta e memorialista. 124 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais de Medeiros35, também articulista contumaz da primeira página, com suas reflexões sobre a revisão necessária do papel social da mulher, tendo em vista as problemáticas propostas pelo mundo moderno. Aproveitando, por exemplo, a polêmica americana sobre o ingresso da mulher no funcionalismo público, que, aliás, pouco tempo depois, também se registraria no Brasil, afirma: A antiga concepção kaiseriana, segundo a qual a mulher tinha um destino fixado por três K. K. K. (kindern, kuchen, kirche – filhos, cozinha e igreja) ficou inteiramente distraída pela aspereza da conquista do pão quotidiano. A mulher entrou para o rol dos trabalhadores e, pouco a pouco, foi aí fazendo um lugar, em que os direitos tiveram de ser igualados aos do homem (MEDEIROS,1937: 1). Conforme afirma Gaston Richard, “a organizaç~o na luta pelo trabalho que sucedeu aos esforços isolados de algumas mulheres em busca de um ganha-pão (RICHARD, 1909: 174.)” é o que caracteriza o início do movimento feminista no século XX. A posição dos articulistas afina-se perfeitamente ao posicionamento d’A Gazeta, para quem a questão do trabalho feminino está incontestavelmente atrelada à comprovação da capacidade intelectual feminina no mesmo plano da masculina e à luta pela conquista da igualdade de direitos políticos e civis. No início dos anos 1930, durante a campanha pelo voto feminino, destaca a crescente atividade profissional feminina – um dos grandes argumentos em favor dos direitos políticos femininos: posto que a mulher passa a exercer atividades produtivas fora do âmbito doméstico, deve-se conferir a ela os direitos de cidadã. A Atuação Feminina no Campo Cultural A Gazeta valoriza as iniciativas artísticas femininas, privilegiando os movimentos de vanguarda e os talentos do País e Exterior. É o caso de Annita Malfatti36 que, no início da carreira, desperta enorme polêmica junto à crítica, mas, nos anos 1930, é apontada como uma das principais representantes do Modernismo, então já consolidado como movimento nacional, nas Artes Plásticas, unido por fortes laços ao irmão francês, fruto da convivência entre artistas brasileiros e francófonos, sobretudo durante a estada do poeta suíço Blaise Cendrars ao País. O intercâmbio com a cultura francesa, neste campo, estreitar-se-á ainda mais com o acordo assinado pelo então ministro da Educação Gustavo Capanema, em 1940, com Charles Despiau para organizar e dirigir uma Escola Nacional de Escultura, independente da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro (SUPPO, 1999: 321). Em entrevista ao jornal em 1933, Annita expõe detalhadamente o programa de seus cursos de História da Arte, sublinhados como 35 Membro da Academia Brasileira de Letras, Maurício de Medeiros foi médico, jornalista, professor, escritor e político. Exerceu o cargo de Ministro da Saúde nos governos de Nereu Ramos e de Juscelino Kubitschek. 36 Pintora, desenhista, gravadora e professora, foi uma das pioneiras artistas brasileiras modernistas, tendo sido uma das expositoras da mostra, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, que fazia parte da Semana de Arte Moderna de 1922. 125 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais um marco na “nova era artística” paulistana37. A crítica é pródiga em elogios, destacando o arrojo e a qualidade de seu trabalho: Annita Malfatti é uma das figuras mais interessantes da moderna pintura brasileira. Quando ainda em S~o Paulo a palavra “modernismo” era recebida sob severas reservas e os v|rios cultores dessa “escola”, olhados com indisfarç|vel desconfiança – mesmo pela gente mais em dia com as conquistas artísticas do Velho Mundo – Annita já arrostava a crítica indígena, apresentando-nos trabalhos de audaciosa realização pictória, mas em cujo fundo se percebia, facilmente, um espírito alimentado de cultura e apaixonada (sic) pela sua arte. (...) Impôs-se, afinal, como uma das mais expressivas organizações artísticas do nosso tempo38. A projeção de nossas artistas no Exterior é muito valorizada pelo vespertino. A cantora lírica Bidu Sayão, cuja carreira de sucesso na Europa e nos Estados Unidos – onde se radicou – projetou o nome do Brasil em todo mundo, tem lugar cativo nas páginas do jornal, que utiliza das fotolegendas às reportagens para manter o público paulistano informado sobre suas atividades39. O mesmo se dá com as pianistas Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro, que trilham carreira de sucesso na Europa, no final da década de 1930, e, com a Guerra, transferem-se para os Estados Unidos40. Em 1940, Magda, em tournée pelo Brasil, é convidada por Cásper Líbero a ministrar curso de aperfeiçoamento e interpretação, bissemanal e gratuito, patrocinado pelo jornal41. A pianista aceita e, a partir de então, apresentase periodicamente no Auditório d’A Gazeta, além do Teatro Municipal. Simultaneamente ao curso de piano, A Gazeta oferece um curso de dicção e declamação, ministrado por Vera Korene, sociétaire da Comédie Française. É notório o destaque que tem a dicção à época. Para se ter idéia, a articulista Elza, discorrendo sobre os aspectos relevantes na formação profissional de uma jovem, destaca: “Seria esse, sem dúvida, um curso de grande importância para todas as jovens, pelas que escolhem na vida a carreira do magistério e mesmo para qualquer outro ramo na vida”. E vai além: Na França, depois que uma jovem terminou o seu curso, qualquer que ele seja, segue um outro de conversação – não de dicção ou de declamação propriamente – mas de modulação da voz. É como se fosse um exercício da palavra, para que, no 37 Uma nova era artística em São Paulo – Annita Malfatti, em entrevista à Gazeta, expõe o que vão ser os seus cursos de História da Arte In A Gazeta, 31 de março de 1933, p. 2. 38 Exposição Annita Malfatti, de C. In A Gazeta, 16 de novembro de 1935, p.5. A assinatura – simplesmente C – e o estilo do texto levam a crer que o autor seria o próprio Cásper Líbero, diretorproprietário do jornal. 39 Em fevereiro de 1938, por exemplo, saem diariamente fotolegendas com breves informações sobre os espetáculos estrelados pela cantora. 40 A partir de 1937, A Gazeta acompanha de perto a trajetória de Guiomar Novaes no Exterior. Em 1938, registra com júbilo o sucesso de crítica da temporada no Carnegie Hall (EUA), apresentando-se como solista da Filarmônica de Nova Iorque. Mais informações em Do-Ré-Mi In A Gazeta, 7 de outubro de 1938, p. 6. 41 Ver Auditório da Gazeta In A Gazeta, 13 de setembro de 1940, p. 1. 126 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais futuro, ela possa ser usada como uma arma, pelo seu tom envolvente e de persuasão (ELZA,1936: 10). Deve-se ressaltar que a vinda da atriz russo-francesa ao Brasil situa-se num período de especial concentração de esforços para expansão e consolidação da cultura francesa no País. Como sublinha Hugo Rogélio Suppo: Dans les années 1930 le SOFE considère l’action de l’Alliance Française une priorité et lui augmente progressivement les importantes subvensions qui lui accorde chaque année. Par exemple, em 1937-1938, lors de l’augmentation de budget destine au SOFE La priorité est pour le Brésil, aux Lycées français et { l’Alliance Française. Les résultats de “L’Enqûete sur les moyens concrets pour développer l’influence française em Amérique Latine”, réalise em 1938 par le SOFE, confirme la nécessité de soutenir l’Alliance Française de façon prioritaire. Dans les années 30 seront crées, { côté de l’Alliance de Rio de Janeiro, la plus ancienne au Brésil, fondée em 1886, trois autres: à São Paulo, em 1934; Porto Alegre, em 1936; et Curitiba, em 1937 (SUPPO, 1999: 285). É em 1936 que o ministro Capanema cria uma Comissão de Belas Artes que tem, entre outros objetivos, aperfeiçoar o teatro brasileiro, em todos os aspectos: do roteiro à direção, passando por cenário e figurinos. Para tanto, solicita o apoio de Robert Garric, professor de Literatura na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Brasil. O vespertino valoriza a atuação das atrizes estrangeiras, sejam elas de um teatro mais intelectualizado como a Comédia Francesa, sejam do teatro de revista, como a também francesa Mistinguette, famosa por suas belas pernas. Curiosamente, porém, as brasileiras são praticamente esquecidas, apesar das críticas abertas ao preconceito em relação à profissão de atriz. À época, o embaixador francês D’Ormesson escandalizara-se com a franca preferência do público brasileiro pelas vedetes popularizadas pelo cinema (SUPPO, 1999: 322). De fato, espaço maior ganham as atrizes e as roteiristas do cinema nacional! Impressionada com a influência do cinema nos costumes brasileiros, a equipe d’A Gazeta dedica vários artigos à reflexão sobre os efeitos do novo veículo, entre inúmeras fotolegendas, notas e reportagens sobre artistas e produções cinematográficas. Com o crescimento do mercado, multiplicam-se os concursos promovidos pelas empresas do setor e pelos governos, revelando o talento feminino não apenas para a interpretação, mas para roteiro e direção. 127 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Em 1934, a Fox, uma das grandes empresas cinematográficas norteamericanas, movimenta os países da América Latina, do México e da Espanha com um dos maiores concursos de todos os tempos: o “Cine Mundial – Fox”, cujo objetivo é descobrir novos e talentosos roteiristas. O vencedor teria seu roteiro filmado, além de receber um prêmio de 500 dólares. O evento contou com diversos patrocinadores locais, entre os quais, A Gazeta que patrocinou o concurso em São Paulo. Os cinco argumentos finalistas foram: Em plena loucura, da brasileira Júlia Fonseca Guimarães, El págaro verde, do México, Casa de Dios, do Chile, Arlette, da Espanha, e El carnet 1012523 – do qual não encontramos registro do país de origem. Para orgulho dos brasileiros, venceu Júlia, filha de brasileiros, nascida em Paris, e residente no Rio de Janeiro. Conforme registrou o vespertino: Em plena loucura juntava ao fácil e ameno de seu desenvolvimento, e ao engenhoso do argumento, uma qualidade que ressaltava desde logo: seu humorismo. Pouquíssimas comédias encontrou o júri entre os milhares de originais que recebeu. A nota predominante era o dramático. Entre os temas cômicos, porém, Em plena loucura resultava sendo o melhor42. Júlia enviou quatro argumentos ao concurso: três dramas e a comédia premiada. Apesar de ser sua primeira experiência com roteiro cinematográfico, dedica-se à literatura: (...) já escrevera alguma coisa, mas em francês, língua que me é absolutamente familiar, em razão mesmo de minha primeira educação (...). Fui colaboradora de O Bazar, a bela revista infelizmente desaparecida. (...) Com ele [o prêmio] se me abre um caminho novo, que entretanto há muito sonhava eu trilhar, na minha qualidade de escritora. Acredito que após esses outros trabalhos meus poderão ser aceitos. Sou professora de francês e literatura e, portanto, sinto-me bem no métier43. A Capacidade Literária Feminina Posta em Prova De fato, entre os diversos campos artísticos, o que registra significativo interesse feminino e desperta proporcional polêmica é a literatura. A Gazeta incentiva as iniciativas femininas por meio do registro minucioso das conquistas no Brasil e no mundo. Em 1935, enaltece Gabriella Mistral, como “um dos expoentes da poesia sul-americana”, ressaltando o reconhecimento da intelectualidade espanhola por aquela que é a consulesa do Chile em Madri44. Em 1937, festeja a participação da escritora francesa Collete em uma sessão do Instituto de França que, a exemplo da Academia Goncourt, “a despeito do espírito moderno de seus dez membros45”, também não admite mulheres, debalde as campanhas da imprensa para eleger a 42 “Em plena loucura” – O argumento do concurso “Cine Mundial – Fox” – Palavras de sua autora d. Júlia Fonseca Guimarães In A Gazeta, 23 de outubro de 1934, p. 8. 43 Idem. 44 Letras sul-americanas In A Gazeta, 24 de julho de 1935, p. 8. 45 Um fato inédito – Collete assistiu a uma sessão do Instituto de França! In A Gazeta, 24 de novembro de 1937, p. 4. 128 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais condessa de Noailles e a própria Collete, alfineta. A participação da escritora só foi possível por pertencer à Academia Real da Bélgica, convocada pelo Instituto para a ocasião. Neste período, abundam as referências sobre a literatura francesa, reflexo da intensa campanha empreendida pelo Governo Francês, antes do início da Guerra, que reúne um conjunto de medidas a saber: doação de livros científicos e literários às principais bibliotecas do País – incluindo a Biblioteca Nacional e a biblioteca da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, cujo corpo docente é majoritariamente francês -, divulgação dos catálogos das livrarias francesas – sobretudo, a Garnier, com sede no Rio de Janeiro -, criação de uma biblioteca circulante no Rio de Janeiro e em São Paulo e criação de uma biblioteca na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), cujo presidente, Herbert Moses, é declaradamente um entusiasta francófono (SUPPO, 1999: 288-308). A aproximação com a França, porém, não impede que, em 1938, o vespertino festeje a atribuição do Prêmio Nobel de Literatura à escritora americana Pearl Buck46. Os artigos e críticas favoráveis à produção literária feminina, de ficção e científica, como a que avalia História do Brasil, de Maria Paes de Barros (1933: 7), multiplicam-se: Não é sem espanto que os nossos homens de letras manuseiam a História do Brasil, de (...) Maria Paes de Barros. As críticas aparecidas ultimamente, sobre esse magnífico trabalho, mal conseguem dissimular a espécie de pasmo generalizado. O caso é fácil de explicar. Até agora, em nossas letras, a atividade feminina se tem limitado a novelas, a romances e livros de versos. Estes, sobretudo, são produzidos com abundância. O número de poetizas é hoje incalculável. Raras das nossas patrícias se atiram às obras de investigação, aos gêneros que demandam estudo aprofundado e capacidade de análise (...). Sente-se através dessas p|ginas o “honesto estudo” a que aludia o grande épico lusitano. E a sra. Maria Paes de Barros se incorpora ao núcleo dos nossos insignes historiadores, Rocha Pombo, Capistrano de Abreu, João Ribeiro, Tobias Monteiro. (...) Ora, a sra. Maria Paes de Barros surpreende precisamente pelo que nos revela dessa capacidade superior. Sua História do Brasil não foi escrita na vertigem das improvisações literárias, visando o sucesso ruidoso e instantâneo. Linha a linha, página a pagina, o leitor avisado percebe aqui o aturado labor de quem se atirou a uma empresa grandiosa e nela se houve com o ânimo grave dos obreiros probidosos. (...) História do Brasil honra a cultura paulista, nobilita a inteligência feminina em nosso país e põe em destaque um nome que, coisa rara em nossa terra, sai da penumbra e se projeta em plena notoriedade, sem ter, antes, realizado a longa, dolorosa, decepcionante odisséia da glória intelectual. Para comprovar o talento feminino na produção literária, A Gazeta produziu diversos textos, que buscam legitimar a capacidade intelectual feminina, entre eles, 46 Venceu o Prêmio Nobel de Literatura In A Gazeta, 19 de novembro de 1938, p. 7. 129 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais a série Biografia de mulheres célebres47, mistura de história e avaliação do comportamento de personagens de destaque na política e literatura. O primeiro artigo desta série retrata a escritora francesa George Sand, cujas obras são vistas como “produtos de uma inteligência culta”, “misto de romantismo e revolta, sempre se debatendo contra a aranha negra das injustiças sociais48”. Na seqüência, são retratadas Mme. de Staël, Helen Keller e Isabel, rainha de Portugal. Por sua vez, no artigo Francisca Júlia, homem ou mulher?, Antonio Constantino (1941: 2) retoma a polêmica gerada pelo aparecimento da poetisa nas letras nacionais, quando muitos chegaram a levantar a possibilidade de que um homem estaria se escondendo por detrás do pseudônimo, pois uma mulher jamais seria capaz de demonstrar tamanho talento literário: Caso sério, na literatura nacional, o aparecimento de Francisca Júlia, poetisa dos Mármores. No início, quiseram muitos lhe negar talento e, ainda, beleza de arte. (...) Mas em relação à versejadora paulista se observava a resistência dos grupos arraigados aos derramamentos a Casemiro de Abreu. Sobretudo, a raiva de ver a glória sorrir à mulher, que se punha na evidência como artista de versos sem jaça. No bestunto dos censores, (...) não podia nunca entrar a certeza de que a perfeição não tem sexo. Francisca Júlia assustava os líderes do intelectualismo brasileiro (...). Como admitir, pois, a audácia da mulher que criava obras primas, conquistando, por isso mesmo, o título de maior expressão no parnasianismo? Combateram-na em vão. O bom senso reagiu. Vergonha, pretender anular os méritos de quem, na arte da forma, ombreava com Raimundo, com Alberto e com Bilac. (...) (...) Ela surgiu com individualidade única, dona de arte que nunca se imaginara na mulher dos trópicos. Nem misticismo, nem libertinagens. Muito menos a pirotecnia das estrofes sem fundo e o transbordamento do lirismo para violão. (...) (CONSTANTINO, 1941: 2). O debate sobre a capacidade feminina também é o centro de A mulher e a literatura - Haverá diferença entre o escritor e a escritora? 49, onde se reproduz uma pesquisa realizada pelo semanário parisiense Les Nouvelles Littéraires, entre famosos escritores franceses. Nela, o acadêmico Edmond Jaloux classifica como arbitrárias as diferenças que costumam ser indicadas entre o talento dos homens e das mulheres. A verdade é que as mulheres podem ter qualidades viris, da mesma forma que os homens são às vezes dotados de uma sensibilidade toda feminina. Uma coisa que não posso aceitar é serem as mulheres desprovidas do sentido da abstração, principalmente quando vejo as jovens se classificarem em primeiro lugar nos concursos de filosofia e Mme. Joliot Curie realizar tão magníficas pesquisas científicas. Não devemos continuar a endossar certas opiniões de fundo medieval, segundo as quais o 47 Esta série foi publicada na Página Feminina de novembro de 1934 a janeiro de 1935. Biografia de mulheres célebres In A Gazeta, 19 de novembro de 1934, p. 8. 49 A mulher e a literatura - Haverá diferença entre o escritor e a escritora? In A Gazeta, 17 de novembro de 1939, p. 6. 48 130 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais homem e a mulher constituem tipos absolutos. Cada ser traz em si elementos masculinos e femininos: é bom não esquecer de que temos pai e mãe50. Essa declaração remete-nos às reflexões de Simone de Beauvoir que, vinte anos depois, estimulariam os debates sobre gênero e suas elaborações culturais, caracterizando o arrojo do posicionamento editorial do vespertino. O melhor exemplo de legitimação do talento literário feminino, porém, é a crítica sobre o primeiro romance de Mietta Santiago, Maria Ausência. Nela, ganha destaque a cartaprefácio de Oswald de Andrade, que destaca: Todas as revoltas que uma mulher inteligente é capaz de pensar no Brasil estão no seu livro. Ele é um libelo sufocante. A armadura da sociedade colonial, prolongada através de costumes e leis até hoje, esboroa diante do veredito que resulta. (...) Você realiza no país da literatura de vegetação rasteira, uma raide de altura. O seu livro é uma urgência. Para mostrar que há outra dimensão, além da fixada nos anedotários correntes do nosso romance. Você traz para as nossas letras a verticalidade (SANTIAGO, 1941: 2). No início da década de 1940, a página 2 do vespertino reserva diariamente espaço para a crítica literária. E, nesta seção, a produção feminina – como demonstram os dois artigos selecionados – é bastante valorizada, assumindo A Gazeta não apenas a defesa da capacidade intelectual feminina, mas utilizando essa defesa como argumento na luta pela conquista da igualdade de direitos das mulheres brasileiras. A Atuação Feminina no Campo das Ciências Nos anos 1930, a produção científica feminina prodigalizou-se, o que se comprova pela leitura dos tratados científicos da época. A Gazeta poupa-nos esse trabalho ao fazer-lhe um registro minucioso, ressaltando a relevância de sua atuação, valorizando os prêmios recebidos e promovendo conferências com personalidades internacionais. Destacam-se, sobretudo, as atuações em campos até então vedados à mulher, como é o das Ciências Exatas, consideradas incompreensíveis { inteligência feminina. Em 1936, o vespertino reclama: “sempre se tem negado que as mulheres tenham talento matemático, apesar dos exemplos das mulheres astrônomas apresentados pelos feministas51”. E contra-ataca: “no Congresso Matemático Internacional, que acaba de se reunir na capital da Noruega, figuraram nada menos de 180 mulheres matemáticas: (...) as mulheres alcançaram a terça parte do total de seus membros52”. Entre as atuações de destaque, sublinha-se a extensa cobertura dos trabalhos de Mme. Marie Curie, celebrada como a cientista mais importante e merecidamente ilustre do mundo. Seu passamento, em julho de 1934, é motivo de 50 Idem. Mulheres matemáticas In A Gazeta, 17 de agosto de 1936, p. 8. 52 Idem. 51 131 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais extrema tristeza, marcante na reportagem com retrospectiva de seu trabalho, fundamental para a pesquisa sobre a cura do câncer53. A filha, Irene Curie Joliot, também é citada com freqüência, pela relevância em Química, conquistando o Nobel neste campo, em 1935, prêmio que partilhou com o marido, cientista. O vespertino comemora54, como o faz sempre nestas ocasiões. Basta conferir a reportagem sobre outra química, desta vez, brasileira, a quem foi conferido o prêmio São Lucas, instituído pela Academia Nacional de Medicina e que constitui a mais alta distinção na mais alta entidade médica brasileira. Chefe do Laboratório Químico-Farmacêutico do Instituto Conde Lara – o que já se trata de um referencial de destaque e pioneirismo, Helena Possólo tem vários trabalhos publicados, inclusive no Exterior55. A passagem de personalidades pelo Brasil merece especial atenção. Em 1934, uma extensa reportagem ocupa a página 5, sobre a visita a São Paulo da escritora e cientista sueca dra. Hanna Rydh Munk af Rosenschioeld para proferir uma série de conferências sobre a Suécia antiga e moderna, além de coletar dados para um livro, incentivando o intercâmbio intelectual entre o Brasil e sua terra natal. O texto destaca: “é uma das personalidades mais em evidência nas letras e ciências da pátria de Gustavo V. Pertence à Academia Sueca de Letras, História e Antigüidade, sendo a primeira mulher56 que consegue uma poltrona durante a existência de 200 anos dessa instituição57”. E continua com um relato detalhado de seu currículo: recebeu o grande prêmio do International Federation of University Women’s, para estudar a idade da pedra paleolítica na Espanha e França; iniciou escavações e explorações na Suécia; como attachée temporaire do Museu de St. Germain, em Lage (França), realizou inúmeras viagens de estudos a quase todos os países da Europa, além da Palestina, Egito e África do Norte; faz parte de grande número de outras instituições e associações científicas de seu país, da Alemanha e da França. No ano seguinte, São Paulo recebe a visita de várias figuras de relevo na Medicina e Higiene sul-americanas que vieram participar do Congresso de Higiene 53 Morreu hoje cedo, em Paris, a mulher mais ilustre do mundo – Mme. Marie Curie faleceu aos 67 anos, depois de uma vida toda dedicada à cura do cancro In A Gazeta, 4 de julho de 1934, p. 3. 54 Prêmios Nobel – Os vencedores dos prêmios de Física, Química e medicina deste ano In A Gazeta, 16 de novembro de 1935, p.4. 55 Atividades científicas – Conferido o prêmio “São Lucas” à química Helena Possólo In A Gazeta, 10 de outubro de 1940, p. 4. 56 Apesar da resistência da Academia Sueca de Letras, História e Antigüidades em aceitar uma mulher em seus quadros, a Suécia, desde 1870, admite mulheres nas faculdades de medicina e, no início do século XX, concede a elas os mesmos direitos que aos homens. No final do século já existem professoras nas faculdades de Matemática e Medicina. Na mesma época, as professoras do equivalente ao Ensino Fundamental e Médio, que somam um contingente de 63% do quadro, fazem parte dos conselhos de supervisão (espécie de conselho administrativo). Para maiores informações, ver G. Richard. La Femme dans l'Histoire; Étude sur l'Évolution de la Condition Sociale de la Femme, op. cit., pp. 199-200. 57 Uma cientista sueca em São Paulo – Encontra-se em nossa capital a dra. Hanna Rosenschioeld In A Gazeta, 22 de março de 1934, p. 5. 132 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Mental, entre elas, a dra. Paulina Luisi, cientista uruguaia de renome internacional. O vespertino sublinha: Pioneira do movimento feminista na sua pátria, a dra. Paulina Luisi, além de médica notável é um espírito de facetas múltiplas (...). Corajosa, dinâmica e dotada de uma energia rara, (...) há 20 anos que vem trabalhando tenazmente em prol dos centros de saúde na República Oriental (...). Animadoras das mais altas idéias e tendo tomado parte destacada em numerosos congressos internacionais, (...) conta cerca de 40 anos de cátedra na Faculdade de Medicina de Montevidéu e uma bagagem deveras apreciável de obras consagradas à higiene e medicina social especialmente58. A Educação Feminina para o Trabalho A mulher deve ser educada para o lar. Para ser boa esposa, boa mãe e boa dona de casa. Esse pensamento norteou por muito tempo a mentalidade brasileira, sobretudo nas décadas de 1930 e 1940, como deixa transparecer a leitura d’A Gazeta. Diante, porém, dos novos papéis que a mulher começa a desempenhar no mundo inteiro, ensaiam-se algumas mudanças. Para ser boa esposa, boa mãe e boa dona de casa, não basta conhecer profundamente os misteres domésticos. É preciso também se informar e se instruir. A partir de meados da década de 1930, tal confronto de papéis torna-se evidente nas páginas do vespertino, seja por intermédio dos artigos que debatem a educação feminina, seja pela própria pauta de educação selecionada. Na cobertura diária, ganham destaque dos cursos de aprimoramento na execução das tarefas domésticas às bolsas de estudo oferecidas pelo governo norte-americano para aprimoramento universitário59. Em agosto de 1936, por exemplo, o jornal convocava as “senhoras de preparo acadêmico” a concorrer a uma bolsa de estudos oferecida pela American Association of University Women, para se aprimorarem em sua área de atuação, uma vez que é exigida a conclusão do curso universitário60. Um aspecto importante são os campos de atuação contemplados pela bolsa: educação, pesquisas científicas, biblioteconomia, trabalho 58 Dra. Paulina Luisi – Uma curiosa individualidade uruguaia de projeção mundial In A Gazeta, 23 de outubro de 1935, p. 3. 59 Os Estados Unidos foram um dos primeiros países a conceder às mulheres o direito ao ensino universitário, após a Guerra da Secessão, no final do século XIX (ver G. Richard. La Femme dans l'Histoire; Étude sur l'Évolution de la Condition Sociale de la Femme, op. cit., p. 175). 60 Às senhoras de preparo acadêmico – Bolsa de estudo da Associação Universitária Feminina dos Estados Unidos In A Gazeta, 18 de agosto de 1936, p. 8. 133 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais de previsão social, saúde pública e higiene – ou seja, atividades ainda relacionadas aos papéis de mãe e esposa. Segundo Carmen Barroso (1982), A freqüência das explicações de caráter biológico, como justificativa das condições de desigualdade encontradas no ensino, foi paulatinamente mudando de tônica na primeira metade deste século, tendo-se deslocado do componente orgânico para a referência às capacidades inatas, que abrangem não apenas as características físicas e genéricas, mas as próprias formas de ser e de comportar-se dos indivíduos. As diferenças naturais servem também para emprestar ao conceito de vocação um sentido que leva a consagrar a ordem estabelecida. Os cursos de nível médio e profissional, com currículos que devem atender às especificidades da condição feminina, não só contribuem para reforçar-lhes as desigualdades educacionais, como devem também preparar a mulher para determinadas profissões consideradas mais adequadas ao seu próprio sexo. As diferenças ditas naturais, aliadas ao conceito de vocação, acompanham agora o discurso sobre a importância do trabalho da mulher, que cresce em função das condições históricas que conduziram à expansão do surto industrial, determinando uma absorção de maior parcela da força de trabalho feminina em determinados setores de emprego (BARROSO, 1982: 52). A importância dada às atividades profissionais que refletem os chamados papéis femininos não diminui, contudo, a valorização da capacidade intelectual feminina, de um desempenho brilhante. É o caso de Anita Castilho Cabral61, vencedora do concurso de técnico de educação, cujo prêmio foi uma bolsa de estudos de aperfeiçoamento em Northampton (Massachussets – Estados Unidos). O destaque que se dá a Anita não pode ser limitado ao fato de ser professora, uma atividade reconhecida como feminina, mas deve ser creditado ao seu valor como profissional. Professora de Psicologia Educacional da Escola Normal Caetano de Campos e assistente da cadeira de Psicologia da Seção de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, ela foi recomendada pelo dr. Rubião Meira, então reitor da Universidade de São Paulo; dr. Fernando de Azevedo, atual diretor da Faculdade de Filosofia; dr. Lourenço Filho, professor da Universidade do Brasil e diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; professor Jean Maugué e Paul Arbousse-Bastide, da Universidade de São Paulo, e pelo dr. Edmundo Miranda Jordão, presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros e consultor jurídico da embaixada norte-americana – todos nomes que atestam a qualidade de seu trabalho. A instrução é valorizada, desde a mais primária, como os cursos de alfabetização. Uma nota divulgada na Página Feminina, em 1937, elogia a iniciativa do rei Zogú, da Albânia, concedendo um crédito para sustentar em todas as localidades do reino cursos especiais destinados às mulheres analfabetas. O vespertino comenta: “Felizmente, n~o h| rinc~o da terra onde as novas idéias não criem raízes, permitindo assim que a mulher ocupe na vida social o lugar que lhe corresponde62”. 61 Bolsa de estudo a uma jovem paulista – A srta. Anita Castilho Cabral, vencedora do concurso de técnico de educação, seguirá este mês para os Estados Unidos In A Gazeta, 2 de agosto de 1941, p. 5. 62 Na terra do rei Zogú In A Gazeta, 13 de setembro de 1937, p. 10. 134 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Que lugar seria esse? O jornal reflete as dúvidas e as contradições da “sociedade moderna”, como ele próprio a chama, nos artigos publicados sobre a educação e o trabalho feminino. De fato, se, por um lado, muitas vezes, ressalta que “Os costumes na sociedade muito se têm transformado. E, nessas mudanças, tem sido reservado { mulher um papel importante (ELZA, 1936: 8)”, por outro, esse papel freqüentemente ainda aparece vinculado às funções familiares. Neste artigo dedicado à reflexão sobre a importância da educação feminina, a articulista Elza Fortes horroriza-se ao se lembrar do tempo em que a mulher era renegada à mais completa ignorância: Não está muito distante de nós a época em que se dizia ser supérfluo ensinar e instruir as mulheres. Além dos deveres caseiros, dos diversos pontos de costura e bordado e, quando muito, o saber tocar uma valsinha ou uma canção ao piano, nada mais era destinado às mulheres... Julgava-se até prejudicial e impróprio que conhecessem os princípios mais elementares da leitura e da escrita (ELZA, 1936: 8). Ao refletir sobre os institutos profissionais do Rio de Janeiro, Maurício de Medeiros lança uma nova luz sobre a atribuição feminina das tarefas domésticas, que seria obscurecida pelos movimentos feministas e só seria retomada nos últimos anos do século XX: os cuidados com o lar devem ser vistos com praticidade. Fazem parte da vida e como tal merecem o devido preparo. Daí a recomendação de incluir um curso de artes domésticas nas escolas primárias (MEDEIROS, 1938: 1.). Ao tocar na questão, Maurício de Medeiros destaca um aspecto que, na segunda metade da década de 1930, aparece constantemente nos debates relativos ao perfil da mulher moderna: em contraposição à tradicional – e conservadora – valorização dos papéis de esposa, mãe e dona-de-casa, surge uma tendência de depreciação ao exercício exclusivo desses papéis. Mas, se dá espaço àqueles que defendem a modernização apenas dos papéis femininos, por outro lado, o vespertino valoriza a revisão desses papéis tradicionais, por meio da abertura de novas frentes no mercado de trabalho. Daí as matérias sobre as novas profissões e as conquistas profissionais, como também o destaque que é dado a iniciativas como a do governo turco que, em 1936, emite duas séries de selos em homenagem à mulher: a primeira representa as novas profissões femininas aviadora, agente de polícia, estenografa etc., enquanto a segunda é consagrada às laureadas do Prêmio Nobel: Marie Curie, Grazie Deledda, Berta Von Stuttner, Jane Adams, Selma Lagerlof, Sigrid Undset e Chapman Catt. Os selos são vendidos em benefício da Aliança Internacional Feminina. O jornal ressalta que “até na Turquia, onde a mulher foi por séculos e séculos oculta atrás dos véus que as escondiam do mundo exterior, as filhas de Eva já abandonaram os costumes ancestrais para ingressar, também elas, nas Escolas e Universidades...63” e a aç~o governamental é o próprio reconhecimento da capacidade profissional feminina. 63 Até na Turquia In A Gazeta, 14 de dezembro de 1936, p. 14. 135 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Referências Bibliográficas BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1980. BUITONI, Dulcília Helena Schroeder. Imprensa Feminina, São Paulo, Ática, 1986. _________. Mulher de Papel: a Representação da Mulher na Imprensa Feminina Brasileira, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, 1982. COSTA, Albertina de Oliveira & BRUSCHINI, Cristina (org.). Uma Questão de Gênero, Editora Rosa dos Ventos/Fundação Carlos Chagas. FURLANI, Lúcia Maria Teixeira. 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Neste sentido, a concepção de valor-notícia (ou critério de noticiabilidade), umbilicalmente ligada à problemática da seleção noticiosa, divide opiniões no âmbito teórico-metodológico a respeito de sua abrangência e sistematização. Conforme alerta Nelson Traquina (2008, p. 62), “diversos estudos sobre o jornalismo demonstram que os jornalistas têm uma enorme dificuldade em explicar o que é notícia, de explicitar quais são seus critérios de noticiabilidade, para além de respostas vagas do tipo ‘o que é importante’ e/ou ‘o que interessa ao público’”. Na contramão das controvérsias, o próprio autor português oferece uma definição lúcida do conceito: Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico; isto é, possuir valor como notícia. Assim, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo ‘valor-notícia’. (TRAQUINA, 2008, p. 63). 64 Trabalho encaminhado ao GT 1 – História do Jornalismo do I Encontro de História da Mídia do Sudeste, realizado entre os dias 29 e 30 de abril de 2010, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. 65 Jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus BauruSP. Doutorando em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 137 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A definição conceitual de noticiabilidade, entretanto, não elimina o campo jornalístico de uma das principais indagações sobre o assunto: como ocorre a definição de tais critérios ou, em outros termos, como os acontecimentos, de fato, tornam-se notícia? Neste cenário, a delimitação do conceito de noticiabilidade carece de complementação a partir do aprimoramento teórico dos critérios que antecedem e caracterizam a seleção de notícias. Em última instância, não basta questionar o porquê de as notícias se caracterizarem como tais, mas – ainda além – quais os motivos que levam determinados assuntos a receberem a valoração de notícias em detrimentos de outros. A proposta deste artigo é lançar luz – por meio de uma revisão bibliográfica crítica – sobre algumas das principais sistematizações históricas em torno da concepção de valor-notícia. O objetivo é localizá-las em um plano contextual, ressaltando suas contribuições para a formatação – que se prolonga até a contemporaneidade – de um quadro conceitual amplo e complexo sobre o assunto. A idéia de existência de uma tipologia própria para os critérios de noticiabilidade remete a Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge, pioneiros em apresentar, na década de 1960, uma lista sistematizada de valores-notícia – motivo que concede aos pesquisadores dinamarqueses o status de referência nos estudos da área. Contudo, muito antes de o assunto integrar a arena dos debates acadêmicos que abordam a prática jornalística no século XX, esboços da concepção de noticiabilidade já eram indicados em trabalhos seminais, como é o caso da famosa tese de Tobias Peucer, defendida em 1690, na Alemanha. Apesar de aparentemente não ter pretendido uma teoria para o jornalismo, Peucer acabou por delinear importantes conceitos retomados séculos depois em pesquisas sobre o “fazer jornalístico”. O recorte empírico deste artigo consiste, portanto, nas contribuições históricas dadas por esses dois arcabouços conceituais aos estudos do jornalismo. Trata-se de concepções teóricas elaboradas em épocas históricas distintas, porém que – pelo pioneirismo – passaram a configurar marcos referenciais para a pesquisa acadêmica. 1.1 A contribuição histórica de Tobias Peucer O século XVII chegava ao fim quando na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o erudito Tobias Peucer, após estudar medicina e teologia, apresentou sua tese “De Relationibus Novellis”66, considerado o primeiro estudo teórico a abordar a noticiabilidade no mundo ocidental. Defendido em 1690, o estudo de Peucer delineou categorias de valores-notícia consideradas ainda hoje nos estudos de jornalismo. Porém, embora pioneira em definir tais categorias, a tese do autor 66 O estudo de Tobias Peucer tem suas principais partes traduzidas em língua portuguesa no texto “Tobias Peucer: o progenitor da Teoria do Jornalismo”, de Jorge Pedro Sousa, publicado no Brasil pela Universidade Federal de Santa Catarina. (SOUSA, 2004). 138 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais alemão não representa o primeiro estudo do século XVII a contribuir com questões teóricas sobre a prática jornalística. Na estruturação de sua argumentação, o próprio Peucer utiliza-se, conforme justifica Sousa (2004, p.35), de referências de autores clássicos e de seus contemporâneos: Na realidade, quando Peucer escreveu a sua tese, existiam já referentes teóricos da retórica, da filosofia, da história, da jurisprudência, da ética e da moral que se podiam aplicar ao jornalismo emergente. Alguns dos autores de que Peucer se serviu eram seus contemporâneos, mas outros remontavam à antiguidade grega e romana. (SOUSA, 2004, p.35) Neste cenário, a principal contribuição do estudo de Tobias Peucer para as reflexões atuais a respeito do jornalismo está na abordagem que o autor faz da vertente particularmente informativa “dos jornais que relatam acontecimentos, contam novidades, em suma, dão notícias, percepcionando, claramente, que a comunicação jornalística, embora possa ter outras finalidades, serve essencialmente para informar” (SOUSA, 2004, p. 36). Assim, o contexto da obra do autor alem~o é permeado por variáveis que marcam as primeiras experiências da atividade jornalística moderna. A reforma protestante iniciada no século XVI e o abalo que sua problemática provoca na autoridade da Igreja Católica propunham uma nova concepção de ética nas esferas do negócio e da política, proporcionando, por conseguinte, uma nova discussão sobre os assuntos de interesse público. No plano econômico, a sociedade ocidental dava os primeiros passos na direção da efervescência tecnológica que culminou na revolução industrial (com seus novos inventos e uma nova noção de velocidade). No plano político, florescia o debate de idéias que resultaria mais tarde no liberalismo. Este cenário, somado a fatores complementares e confluentes de diferentes ordens, propicia – entre outras modificações sociais – o desenvolvimento dos veículos que antecedem a imprensa periódica moderna67. Conforme aponta Sousa (2004), os principais fatores que complementam este pano de fundo no desenvolvimento da imprensa no século XVII são: a) O desenvolvimento da tipografia gutemberguiana, surgida no século XVI, por volta de 1540; b) A expansão da indústria do papel, que satisfaz a procura crescente de um suporte mais fiável do que o pergaminho ou o papiro para a indústria tipográfica; c) A vontade de alguns negociantes, muitos deles proprietários de tipografias, que começaram a ver nas notícias uma mercadoria capaz de gerar lucro; e) A necessidade de informações econômicas que alimentassem os negócios numa sociedade capitalista em expansão; g) (sic) O aumento dos fluxos de informação, a nível nacional e internacional, que retroalimenta o processo (as publicações aceleram os 67 Entende-se as publicações existentes na parte final século XVI e não os antecedentes remotos de tais publicações, como, por exemplo, as Efemérides gregas, as Actas Diurnas romanas ou ainda as crônicas e folhas volantes medievais (SOUSA, 2004). 139 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais fluxos de informação e estes, por sua vez, estimulam o aparecimento de novas publicações). (SOUSA, 2004, p. 32-33). Os veículos que serviram de inspiração para o estudo de Tobias Peucer eram essencialmente heterogêneos e remetiam ainda às tradições da Idade Média. Embora inseridos em um ambiente de relativa efervescência, conforme apontado anteriormente, tal modelo de imprensa caracterizava-se pela moral dicotômica cristã. No entanto, a importância histórica desses periódicos, espécie de “compêndios noticiosos”, localiza-se no fato de antecederem – com características comuns – os jornais contemporâneos (SOUSA, 2004, p. 33). Em sua tese doutoral (que em muito difere das dimensões e da complexidade do modelo de doutoramento atual), Peucer utiliza 29 capítulos de pequenas dimensões (três ou quatro parágrafos) para delinear questões que ainda hoje são centrais nos estudos do jornalismo – entre elas, os conceitos de notícia e de noticiabilidade. A concepção de notícia trabalhada pelo autor alemão é essencialmente descritiva, embora universal e atual, e dilui-se em diferentes partes do trabalho (SOUSA, 2004, p. 36-37). Em resumo, segundo Tobias Peucer, as notícias constituem relatos expositivos e escritos; sobre singularidades; selecionados entre vários relatos possíveis segundo a sua importância; condicionados por fatores como o tempo; que se orientam para os acontecimentos; e que são novos, isto é, oferecem novidades, o que satisfaz a curiosidade humana (SOUSA, 2004, p. 37). Tais peculiaridades dialogam com questões contemporâneas relativas ao estudo do jornalismo, a exemplo dos constrangimentos sofridos no processo de seleção das notícias, da atividade de gatekeeping, do foco nos acontecimentos (em detrimento às problemáticas) e, sobretudo, da existência de critérios de noticiabilidade. Em seu estudo, Tobias Peucer, evidentemente, não se refere de forma clara à questão dos valores-notícia ou critérios de seleção de notícias. Contudo, conforme aponta Sousa (2004, p. 41), o erudito alemão tece diferentes considerações intuitivas sobre tais critérios, apresentando – ainda além – o esboço de uma lista sobre o deve e o que não deve ser tratado como notícia. Neste sentido, Peucer delineia, ainda em 1690, categorias sobre as quais as notícias devem versar: coisas acontecidas recentemente; fatos históricos importantes; temas de interesse cívico; acontecimentos insólitos; catástrofes; e o que se passa com as pessoas ilustres. Portanto, mesmo sem configurar-se uma obra de elevada sofisticação do ponto de vista acadêmico-reflexivo (em que pese também as condições históricas em que foi produzida), a tese “De Relationibus Novellis”, de Tobias Peucer, tem sua contundência localizada na abrangência de temáticas e questões, tais como a discussão em torno do conceito de valor-notícia, que – desde a década de 1960, mas ainda nos dias atuais – envolvem o debate teórico sobre o jornalismo. 140 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 1.2 O pioneirismo e a sistematização de Galtung e Ruge As categorias de valores-notícia esboçadas por Tobias Peucer ainda no século XVII foram sistematizadas de forma pioneira somente na década de 1960 por dois pesquisadores dinamarqueses: Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge68. Ao desenvolverem um estudo sobre a cobertura de três crises internacionais – Congo, Cuba e Chipre – em jornais estrangeiros, Galtung e Huge (1999) são os primeiros teóricos a reconhecer a existência de critérios de noticiabilidade como critérios suscetíveis de permitir a atribuição de valor noticioso a fatos e acontecimentos de forma a se sobrepor à subjetividade jornalística. Clássico por seu pioneirismo, o estudo de Galtung e Ruge é citado sempre quando em questão o debate em torno de uma tipologia para os valores-notícia no jornalismo. Os pesquisadores dinamarqueses partem do entendimento de que a comunicação noticiosa estrutura-se como uma cadeia, sendo esta iniciada a partir dos acontecimentos caóticos do mundo e encerrada na imagem pessoal produzida pelo receptor. Assim, focam-se na etapa inicial do processo: a percepção, a seleção e a construção de uma imagem dos acontecimentos pelos meios de comunicação, conforme ilustra o modelo gráfico: Figura 1 – Cadeia de comunicação noticiosa (Fonte: GALTUNG & RUGE, 1999, p. 62) A opção pela etapa inicial da cadeia de comunicação noticiosa é justificada pelos próprios autores: “Nós estamos interessados, na primeira parte desta cadeia, nos acontecimentos do mundo até à imagem da notícia, ou, para sermos mais específicos, à página impressa no jornal desde que os nossos dados se refiram a isso” (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 63). Em outros termos, Galtung e Ruge referemse a uma pergunta bastante pontual: como é que os acontecimentos se transformam em notícias? Em resposta ao questionamento e na tentativa de sistematização de uma lista de valores-notícias, buscam recurso na metáfora: Imagine-se que o mundo pode ser comparado a um enorme conjunto de estações de radiodifusoras, cada uma das quais a emitir o seu sinal ou o seu programa no seu próprio cumprimento de onda. (...) A emissão é contínua, correspondendo ao axioma de que está sempre a acontecer algo a qualquer pessoa no mundo. Mesmo que ela durma calmamente, o 68 O estudo original data de 1965: GALTUNG, J. e RUGE, M. The structure of foreign news. Journal of Internacional Peace Research, n.1, 1965. O texto foi traduzido e publicado em língua portuguesa, em 1999, com o título “A estrutura do notici|rio estrangeiro – A apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em jornais estrangeiros” como capítulo do livro organizado por Nelson Traquina: TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: questões, teorias e estórias. 2. Ed. Lisboa: Veja, 1999. 141 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais sono é um happening – o que escolhemos para considerar como “acontecimento” é determinado culturalmente. O conjunto de acontecimentos mundiais, então, é como a cacofonia que se obtém quando se procura sintonizar um posto num receptor de rádio, e sobretudo se isso for feito rapidamente em onda média ou onda curta. É óbvio que esta cacofonia não faz sentido, e só pode ser inteligível se um posto for sintonizado e escutado durante algum tempo antes de se passar para o seguinte. (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 63). Da comparação com a estrutura radiofônica, Galtung e Ruge (1999) ressaltam a necessidade da seleção (tal qual no dial de um aparelho de rádio) para que a informação espalhada pelo mundo se torne compreensível. Na seqüência, apresentam uma lista das implicações envolvidas no ato de seleção. Desta forma, a partir da metáfora, os pesquisadores dinamarqueses abstraem padrões da estrutura noticiosa e propõem uma listagem de doze critérios de noticiabilidade (quatro deles com subdivisões). Assim, para Galtung e Ruge (1999), os acontecimentos transformam-se em notícia conforme satisfazem as condições de: F1: Frequência F2: Amplitude F2.1: Intensidade absoluta F2.2: Aumento de intensidade F3: Inequivocidade F4: Significância F4.1: Proximidade cultural F4.2: Relevância F5: Consonância F5.1: Predicabilidade F5.2: Exigência F6: Imprevisibilidade F6.1: Impredicabilidade F6.2: Escassez F7: Co ntinuidade F8: Composição F9: Referência a nações de elite F10: Referência a pessoas de elite F11: Referência a pessoas F12: Referência a algo negativo (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 71) Tais fatores – destacam os autores dinamarqueses – não devem ser entendidos como independentes uns dos outros, mas a partir de inter-relações. Essas relações, por sua vez, possibilitam a formulação de três argumentos: 1. Quanto mais os acontecimentos satisfazerem os critérios mencionados, mais possibilidades terão de serem registrados como notícias (seleção); 2. Logo que uma notícia é selecionada, o que a torna noticiável de acordo com os fatores, será salientada (distorção); 142 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 3. Tanto o processo de seleção como o processo de distorção terão lugar em todas as fases da cadeia, desde o acontecimento até o leitor (repercussão). (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 71-72). Entendidos, então, numa perspectiva cumulativa, os doze fatores (ou critérios) de noticiabilidade passam a compor uma nova problemática: a maneira como são relacionados entre si na concepção de um produto final (a notícia). Para a solução de desse problema, Galtung e Ruge (1999), inspirados na perspectiva matemática69, sugerem duas hipóteses: Hipótese de aditividade: Quanto mais alta for a pontuação total de um acontecimento, maior será a probabilidade de se tornar notícia, e de se tornar manchete. Hipótese de complementaridade: Porém, um acontecimento não deve obviamente apresentar uma pontuação máxima de 12 para tornar-se manchete ou ser escolhido para integrar a página de um jornal. Os critérios de noticiabilidade podem ser combinados de diferentes maneiras, permitindo combinações de ordem fatorial. Desta forma, é a complementaridade dos fatores envolvidos que garante a possibilidade de um acontecimento tornar-se notícia, ou, em outras palavras, “se o acontecimento for baixo numa dimensão ou fator, ele pode compensar isso sendo alto noutro, e ainda ser notícia” (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73). Os valores-notícia, portanto, relacionam-se entre si e podem ser expressos pela seguinte fórmula: Figura 2 – Representação matemática da hipótese de complementaridade (Fonte: GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73) Pelas hipóteses de aditividade e de complementaridade, conforme ilustra a representação matemática, a probabilidade de seleção de um acontecimento e sua transformação em notícia devem ser entendidas a partir da relação entre as variáveis Fi e Fj, como explicam Galtung e Ruge (1999): 69 A obra de Johan Galtung – doutor em Matemática e Sociologia – sobre valores-notícia deixa transparecer as influências do autor pelo estudo das ciências exatas. Apesar do pioneirismo de seu estudo sobre noticiabilidade ter garantido sua referência nos estudos do jornalismo, Johan Galtung curiosamente ganhou destaque em sua carreira também na área de relações internacionais, atuando na mediação de conflitos entre países. 143 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O raciocínio é sempre o mesmo; se um acontecimento é baixo em Fi, então terá de ser elevado nalgum Fj para ser notícia. Para um Fi baixo, a probabilidade de um Fj ser alto é maior do que para um Fi elevado – uma vez que o Fi elevado já contribuiu para a pontuação total. De acordo com a hipótese aditiva, também existirão notícias em que ambos serão elevados, e aos quais será dada bastante relevância. Mas acontecimentos em que ambos sejam baixos não serão admitidos como notícias. (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73). Neste cenário, a listagem dos valores-notícia proposta por Galtung e Ruge (1999), bem como as hipóteses sequenciais para a interpretação da primeira etapa da cadeia de comunicação noticiosa apresentada (em outros termos, o modo como os acontecimentos tornam-se notícias), possibilita a elaboração de um quadro sistemático de distribuição dos acontecimentos de acordo com suas possibilidades de noticiabilidade (chamado pelos autores dinamarqueses de “quadro de tricotomia de acontecimentos de acordo com a noticiabilidade): Quadro 1 – Tricotomia de acontecimentos de acordo com a noticiabilidade Fi Fj Pontuação de noticiabilidade Tipo 1 Notícias Elevado Elevado 2 proeminentes Tipo 2 Notícias Elevado / Baixo / 1 vulgares Baixo Elevado Tipo 3 Acontecimentos Baixo Baixo 0 não-notícia (Fonte: GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73) O estudo de Galtung e Ruge (1999), como já indicado, consiste na primeira experiência teórica de elaboração de uma tipologia para os critérios de noticiabilidade no jornalismo. Decorre daí o fato de a pesquisa ter se tornado referência nos estudos comunicacionais que adotam jornais como recorte empírico. Contudo, o modo como os autores apresentam sua perspectiva, amparados em hipóteses que seguem relações matemáticas (o que revela uma ancoragem nos modelos positivista e funcionalista da ciência), enrijece as categorias de valoresnotícia e coloca o estudo em uma posição passível de revisões críticas a partir de abordagens mais elaboradas guiadas pela perspectiva culturalista. Considerações finais Por que as notícias são como são? O questionamento seminal deste trabalho – que foca-se especificamente em uma abordagem de cunho histórico – permanece latente nos estudos teóricos que se preocupam com o “fazer jornalístico”. Procurou-se, neste sentido, fornecer uma contribuição ao debate por meio da releitura de dois arcabouços teóricos clássicos que propiciam visões representativas para a definição histórica do conceito de noticiabilidade. 144 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A precariedade da elaboração reflexiva dos autores revisitados, sobretudo sob o ponto de vista das correntes que observam o jornalismo por uma ótica culturalista, deve ser entendida em um plano contextual (ou seja, vinculada aos parâmetros teóricos/metodológicos/científicos dos respectivos contextos históricos) e não retira o mérito referencial das pesquisas citadas. Como construções conceituais históricas, os valores-notícia somente recebem nos dias atuais o status de formulações teóricas complexas a partir de um longo embate dialético dado no campo do conhecimento. Desta forma, a constituição de uma grelha conceitual complexa a respeito da noticiabilidade que se projeta no cenário atual – viabilizada por formulações de diferentes ordens, das abordagens sociológicas contemporâneas às contribuições discursivas – deve também respeito, entre outras variáveis, às concepções clássicas de Tobias Peucer e Galtung & Ruge. Ademais, as sistematizações teóricas apresentadas neste trabalho tornam latentes ao menos outros dois pontos que merecem ser observados pelos estudos acadêmicos. Da formulação seminal de Tobias Peucer e de seu apontamento no século XVII sobre questões ainda contemporâneas (a exemplo dos constrangimentos sofridos no processo de seleção das notícias, da atividade de gatekeeping e do foco dos jornais nos acontecimentos em detrimento das problemáticas) ressalta-se um profícuo diálogo com o que Mitchell Stephens (1993) chama de “qualidades duradouras” do jornalismo, processo que permite { atividade noticiosa transpassar as possíveis determinações conjunturais de uma dada época (há algo de duradouro no jornalismo que se sobrepassa as peculiaridades históricas). Por fim, as formulações de ordem matemática de Galtung e Ruge devem ser observadas como representativas de um momento histórico hegemônico do funcionalismo no campo comunicacional e do paradigma positivista como modelo científico total. Assim, observado sob as lentes da epistemologia atual, a contribuição dos pesquisadores dinamarqueses reveste-se de uma pertinência diferenciada. Um olhar histórico para a questão permite verificar que são projetados em toda uma tradição da pesquisa acadêmica no campo comunicacional os mesmos reflexos das determinações funcionalistas que pautam Galtung e Ruge na década de 1960. Categorias clássicas de valores-notícia historicamente estabelecidas, estanques, por exemplo, perpassam décadas e continuam a frequentar bibliografias de estudos sobre o jornalismo. Tais categorias são admissíveis do ponto de vista operacional e técnico, contudo, em uma perspectiva antropológica (ou seja, a partir do entendimento do jornalismo como uma construção cultural) apresentam-se excessivamente reducionistas da prática social da atividade noticiosa. Por meio de uma abordagem teórico-metodológica de natureza culturalista, o jornalismo e a questão da noticiabilidade são inseridos em um quadro mais complexo e podem ser compreendidos como produtos de influência de variáveis de diferentes naturezas – econômica, política e, sobretudo, sociocultural. Ainda assim, a inserção da atividade jornalística em uma perspectiva análitica de maior 145 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais complexidade não retira a importância histórica das definições pioneiras da noticiabilidade de Tobias Peucer e Galtung & Ruge como marcos referenciais para o estudo acadêmico. Referências Bibliográficas GALTUNG, Johan, RUGE, Mari Holmboe. A estrutura do noticiário estrangeiro – A apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros. In: TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e estórias. 2.ed. Lisboa: Veja, 1999. SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó/Florianópolis: Argos/Letras Contemporâneas, 2002. SOUSA, Jorge Pedro. Tobias Peucer: Progenitor da Teoria do Jornalismo. In: Revista Estudos em Jornalismo e Mídia. UFSC, v.1, n.2, 2004. STEPHENS, Mitchell. Uma história das comunicações – Dos tantãs aos satélites. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1993. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística / uma comunidade interpretativa internacional. 2.ed. Florianópolis: Insular, 2008. WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. 8.ed. Lisboa: Editorial Presença, 2003. 146 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais G T2 HISTÓRIA DA PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL 147 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A ANÁLISE DO DISCURSO DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS DE EMPRESAS DE TELEFONIA MÓVEL, DIRECIONADAS A JOVENS UNIVERSITÁRIOS Denio Dias ARRAIS Escola superior de Propaganda e Marketing – ESPM – SP Programa de Mestrado Introdução Os estudiosos e pesquisadores significam um fato, um acontecimento, uma imagem ou um símbolo; por intermédio de análises. Uma maneira particular de analisar um fenômeno é através da linguagem. Essa forma de significação originou a Análise do Discurso, movimento que tem como palco principal a França nos anos de 1960 que viu nascer a Escola da Análise do Discurso de linha francesa pelas mãos de Pêcheux. Para Orlandi (2009, p.15), o estudo do discurso “procura compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constituído do homem e da sua história”. Schaff (1971, p.248) afirma que “A palavra é sempre uma operaç~o de pensamento, no sentido da experiência que o sujeito faz das significações das palavras, tanto sob forma de conceitos como sob forma de representações”. Tratase, portanto, de um cenário em que o sujeito é sujeitado por significações próprias – experiência – ou advindas de várias fontes de discurso, dentre elas a publicidade. A mídia apresenta narrativas elaboradas pela estratégia publicitária, que objetivam “chegar” ao indivíduo. Indivíduo este que ao receber a narrativa torna se sujeito. O discurso publicitário que se apresenta têm o sujeito como centro de suas manifestações; sujeito que, ao receber e produzir discursos trabalha com um referencial: uma memória discursiva própria, que compõe sua “bagagem” cultural e experiências resultantes das mediações que realiza em grupos sociais. Sobre este sujeito, Gregolin (2003 p.27) assim o descreve: O sujeito não é considerado como um ser individual, que produz discursos com liberdade: ele tem a ilusão de ser o dono de seu discurso, mas é apenas um efeito do ajustamento ideológico. O discurso é construído sobre um inserido, um pré-construído - um jálá -, que remete ao que todos sabem, aos conteúdos já colocados para o sujeito universal, aos conteúdos estabelecidos para a memória discursiva. Para Pêcheux (apud GREGOLIN, 2004, p.) “n~o h| sujeitos individuais no discurso, h| ‘formas-sujeito’, ou seja, um ajustamento do sujeito { ideologia” . Um conjunto de ideias próprias de um grupo ou do inconsciente coletivo, de uma época, e que traduzem uma situação histórica são entendidas como ideologias que determinam as narrativas e os diálogos presentes na sociedade. Assim, às estratégias publicitárias, via narrativas, procuram identificações com as ideologias existentes na sociedade de consumo contemporânea. 148 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A trama forjada pelas relações sociais, entre indivíduo-indivíduo, indivíduomercado e indivíduo-sociedade é conectada pela comunicação e contribuem para a formulação dos discursos presentes na publicidade. A Publicidade e o Discurso Os meios de produç~o utilizam “mecanismos” para divulgar seus produtos mercadorias, e um dos caminhos mais frequentes para isso é a publicidade. Esta se apropria de simbologias e ideologias a fim de desenvolver as narrativas existentes no texto publicit|rio. Para Bakhtin (1988, p. 32), “qualquer produto de consumo pode, da mesma forma, ser transformado em signo ideológico. O pão e o vinho, por exemplo, tornam-se símbolos religiosos no sacramento crist~o da comunh~o”. Os meios de comunicação têm o papel de levar ao indivíduo o discurso estruturado, que busca uma significação perante o público sujeitado pela mensagem. O anúncio apresentado na sequência é exemplo de uma campanha publicit|ria que tem em seu discurso a mensagem: “Também somos loucos por U2”. Em essência a Motorola - empresa fabricante de aparelhos celulares - coloca à disposição dos fãs de uma das bandas de pop-rock mais populares do Globo, modelos de aparelhos celulares que possuem o conteúdo da musical e clipes da banda. A “personalizaç~o” do produto traz significado para os f~s incondicionais e para simpatizantes da banda U2. Figura1. http://pdvnews.blogspot.com/2009/03/motorola-e-ogilvy-lancam-loucos-por-u.2-html Conforme mencionado anteriormente o slogan da campanha da Motorola “Também somos loucos por U2” procura evocar uma aproximação aos fãs da banda irlandesa U2, isso se faz através da narrativa que coloca a empresa na condição de um “igual” ou “t~o-fã-quanto”. Busca-se, assim, uma identificação com o fã através 149 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais do discurso e das imagens que a peça publicitária é apresentada na mídia. Segundo Baccega (2003, p.9), “na contemporaneidade, a realidade que nos cerca passou a ser conhecida e reconhecida a partir da mídia, sobretudo da televisão. Vivemos num mundo editado, e é com ele, nele e a partir dele que se constroem novas variáveis históricas”. A mídia colabora com a formaç~o da identidade – através da comunicação e do consumo - de cada um e também da sociedade como a conhecemos. De um lado, haverá o enunciado que encontra um correlato: o destinatário, em um processo que envolve a enunciação, que é assim entendido por Bakhtin, (2000, p. 356): O enunciado sempre tem um destinatário - com características variáveis, ele pode ser mais ou menos próximo, concreto, percebido com maior ou menor consciência - de quem o autor da produção verbal espera e presume uma compreensão responsiva. Este destinatário é o segundo - mais uma vez, não no sentido aritmético-. Porém, afora este destinatário - o segundo, o autor do enunciado, de modo mais ou menos consciente, pressupõe um superdestinatário superior - o terceiro -, cuja compreensão responsiva absolutamente exata é pressuposta seja num espaço metafísico, seja num tempo histórico afastado. Contudo, o uso de narrativas e imagens – símbolos - “afinam” a identificação com o grupo social que reconhece o sentido. Segundo Baudrillard (2000), a linguagem publicitária é conotação pura, e o discurso é sempre alegórico. Os rituais de consumo, os sistemas de modas e as significações são estudados pela publicidade. Para McCraken (2003,p.109): O sistema de modas é o instrumento de movimentação de significado um pouco mais complicado que a propaganda. No caso desta, o movimento é realizado pela agência de publicidade e por seus esforços em desprender o significado do mundo culturalmente constituído e transferi-lo para um bem de consumo, por meio de um anúncio... o processo dispõe de mais fonte de significado, agentes de transferência e meios de comunicação. Parte desta complexidade adicional pode ser capturada... para transferir o significado para os bens. Outra campanha, desta vez de uma operadora de telefonia móvel a Nextel, utiliza a imagem de inúmeras personalidades reconhecidas pelo jovem. Dentre elas, uma em particular tem uma afinidade maior com o jovem universitário. A escritora, roteirista e apresentadora Fernanda Young é uma das garotas-propagandas dessa operadora, que tem como mote “Converse sem limites”. Segundo Orlandi (2009, p. 12): “É pelo discurso que melhor se compreende a relaç~o entre linguagem/pensamento/mundo, porque o discurso é uma das instância materiais concretas - dessa relaç~o”. Conversar sem limites remete { liberdade de express~o e de conversaç~o, de poder se relacionar sem barreiras, “manifestações” estas desejadas pelo jovem que tem a formação de sua identidade elaborado pela comunicação e consumo. 150 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais No anúncio ao lado da foto de Fernanda Young, o texto traz a trajetória pessoal e profissional da apresentadora, caracterizada por sua personalidade forte e polêmica. Assim, a operadora apropria-se da notoriedade dela e de sua identificação com o público jovem, a fim de buscar a assimilação e o reconhecimento junto a um determinado grupo social. Fernanda Young tem como leitores de suas obras literárias e de seu programa televisivo (Irritando Fernanda Young — canal GNT), jovens em idade universitária. A campanha explora o retrospecto de vida de Fernanda Young, que alcançou notoriedade e sucesso, “rompendo limites”, que a coloca na condiç~o de pertencer ao chamado “Clube do Ilimitado”. A condiç~o de “estrelar” a campanha da Nextel se dá muito provavelmente pelo entendimento do anunciante em considerar que a protagonista tenha conseguido e conquistado em sua carreira algo notório pessoal e profissionalmente; característica que é percebida por quem a conhece. Com isso presume se que haja um diálogo entre a projeção e visibilidade social da protagonista e a sociedade - ou parte dela -, colabora com a narrativa do mote da campanha; gera significação, para Bakhtin, (2000, p. 290): o ouvinte que recebe e compreende a significação - lingüística - de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda - total ou parcialmente -, completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. Figura 2. http://www.propmark.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=56506&sid=2&tpl=printer view A exploração de estereótipos é presente nas narrativas publicitárias e no uso dos símbolos. Lippman (1972, p.158) revela que “o estereótipo, de fato, pode ser tão consciente e autorizadamente transmitido, em cada geração, de pai para filho que quase parece um fato biológico” Nesta campanha, é evidente a presença de estereótipos: o estilo de vida, do trabalho e de viver de Fernanda Young induz que é uma representante legítima da juventude contemporânea. Para Lippmann 151 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais (1972), as nossas opiniões se formam a partir do que os outros relataram e do que somos capazes de imaginar. A tragetória pública – e midiática – de Fernanda Young é destacada por esta peça publicitária, procurase vincular por meio da narrativa – “sem limites” – e de imagens /símbolos, a particular trajetoria pessoal e profissional de Fernanda Young, como uma pessoa “sem limites”. A campanha da Nextel, como mencionado anteriormente, tem outras personalidades ilustres que representam diversos segmentos da sociedade, como escritores, atletas, chefs de cozinha, empresários, cantores, além de outros. Outro a compor o “elenco de ilimitados” é o técnico de futebol Andrade, que comandou o time do Flamengo do Rio de Janeiro na conquista do Campeonato Brasileiro de futebol em 2009. A campanha constitui, assim, o uso de outro estereótipo muito comum no Brasil: o chamado “mundo do futebol”, envolvendo glórias, riquezas, sucesso e, neste caso, também as vitórias dentro do ambiente profissional; não só, provavelmente, pela notoriedade repentina em uma conquista esportiva importante, mas pelo signo que representa a conquista. Para Bakhtin (2000, p.51), “a significaç~o constitui a express~o da relaç~o do signo como realidade isolada, com uma outra realidade, por ela substituível, simboliz|vel”. “Uma linha de pode ser o fim. Ou o começo”. Além do estereótipo que acerca o meio futebolístico. Aqui temos também a presença do arquétipo do herói. Figura 3. http://mmimg.meioemensagem.com.br/galeria/gr_nextel_600.jpg Para Bakhtin (1981, p.3), A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características, mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Ela possui independência excepcional na estrutura da obra, é como se soasse ao lado da palavra do autor coadunado-se de modo especial com ela e com as vozes plenivalentes de outros heróis. Tanto Fernanda Young quanto Andrade, assim como os demais locutores de narrativas apresentadas pelo “clube do ilimitado”, evocam em sua falas o “heroísmo”, tornando o discurso uníssono de uma ideologia única e própria. 152 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais No ideário popular, de certa forma, uma manifestação do inconsciente coletivo é esta visão estereotipada de que o Brasil é o país do futebol. Nós, brasileiros, como sociedade, como sujeitos, somos sujeitados por discursos estereotipados; apelos a manifestações esportivas ou artísticas, principalmente futebol e carnaval, diante de olhares diferentes de outras sociedades. Para Bakhtin (2000, p.36): ainda que conseguíssemos apreender o todo de nossa consciência, no acabamento que ele adquire no outro, esse todo não poderia impor-se a nós e assegurar nosso próprio acabamento, nossa consciência o registraria e o superaria, assimilando-o a uma modalidade de sua unidade que, no essencial, é pré-dada e por-vir; a última palavra pertencerá sempre à nossa consciência e não à consciência do outro; quanto à nossa consciência, ela nunca dará a si mesma a ordem de seu próprio acabamento. Juventude estereotipada das campanhas de celulares Conforme o entendimento de Lippman (1972, p. 150), “um relato é o produto conjunto do conhecedor e do conhecimento no qual o papel do observador é sempre seletivo e geralmente criativo. Os fatos que vemos dependem da posição em que estamos colocados e dos h|bitos de nossos olhos”. As empresas operadoras de telefonia móvel e as fabricantes de aparelhos celulares se utilizam das estratégias publicitárias com o propósito de divulgar seus serviços e produtos. O público-alvo é o jovem -e por que não dizer- o jovem universitário. Nota-se o apelo das campanhas publicitárias, pois em sua grande maioria estão presentes personagens jovens desempenhando atividades do cotidiano, no passeio, no relacionamento social e afetivo, no trabalho, no ambiente de estudo e em inúmeras atividades das quais o jovem participa. Observa-se a utilização de imagens que contenham figuras que representam estereótipos. Na sequência, ha três peças publicitárias da operadora de telefonia celular Claro, que também utiliza a figura de jovens. Figura 4:http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html 153 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 5:http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html Figura 6: http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html Baccega (1998, p.90) entende que “o discurso é o lugar do encontro entre o lingüístico e as condições sócio-históricas constitutivas das significações, e a an|lise do discurso se constrói nesse encontro”. O discurso dos anúncios acima coloca o leitor (sujeito) na condição capaz de efetivar a portabilidade, isto é, de escolher a operadora que o apraz; seja por uma postura pessoal, seja por um novo atrativo tecnológico, o discurso apresenta a possibilidade de autonomia. Para Bakhtin (1988, p. 294), “nem todas as palavras se submetem da mesma forma, com a mesma facilidade, a essa apropriação, a essa apreensão e transformação em propriedade privada: muitas palavras teimosamente resistem, outras permanecem alheias, soam estranhas”. As frases apresentadas nos três anúncios: “A portabilidade de um sujeito Claro”, “Eu escolhi dizer a verdade” e “Eu escolhi a tecnologia 3G” s~o acompanhadas de imagens e símbolos/ imagens de estereótipos ligados à juventude urbana dos grandes centros. As estratégias publicitárias focam-se nos estereótipos que retratam a juventude; narrativas que se justificam em função de a grande maioria dos jovens serem ávidos por novidades que envolvam a comunicação, o entretenimento e as ações que facilitam ou favoreçam as relações em redes sociais. Bakhtin (1988, p.225) também afirma que o “discurso não reflete uma situação, ele é uma situação. Ele é uma enunciação que torna possível considerar a performance da voz que o anuncia e o contexto social em que é anunciado”. A 154 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais construção da narrativa e as enunciações envolvem concordâncias e discordâncias que produzem elaborações e reelaborações contínuas entre interlocutores; entre responsáveis pela produção das mensagens publicitárias e os jovens universitários consumidores de telefonia celular. Sociedade do Discurso Os discursos das campanhas publicitárias das empresas que operam a exploração direta ou indireta da telefonia celular com aparelhos ou serviços servemse do simbólico para construir suas narrativas. Sobre a produção simbólica, considera Bourdieu (1998, p. 12): “o campo de produç~o simbólica é um microcosmo da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produç~o”. S~o os interesses dos produtores do discurso, por meio dos anúncios publicitários, destinados aos receptores, que este artigo o entende como o jovem universitário. As inter relações existentes entre produtores e receptores colaboram para a formação de uma sociedade do discurso. Para Foucault (2009, p.40): é certo que n~o mais existem “sociedades de discurso”, com esse jogo ambíguo de segredo e de divulgação. Mas que ninguém se deixe enganar; mesmo na ordem do discurso verdadeiro, mesmo na ordem do discurso publicado e livre de qualquer ritual, se exercem ainda formas de apropriação de segredo e de não permutabilidade. O jovem universitário consumidor de telefonia móvel, ao ser abordado pelo discurso dos anúncios publicitários, tem sua identidade construída e supostamente também têm sua história escrita pela recepção das narrativas e pela experimentação do consumo. Sobre discurso e história, Baccega (1998, p.35) entende que: O discurso da história é a manifestação, elaborada no presente, por um indivíduo/sujeito que, ‘preso’ a uma determinada formaç~o ideológica/ formação discursiva – no caso a história -, debruça-se sobre o passado e na condição de sujeito ativo nesse processo de conhecimento, vai articular um determinado modo os fatos históricos, mostrando, nessa articulação, nesse enredamento, seu ponto de vista sobre a contemporaneidade e sua proposta de futuro. O discurso é tridimensional, constituído por Sociedade-História e linguagem. Sua produção se dá na história, numa sociedade, pela linguagem e pelo simbólico; é uma prática; uma ação do sujeito sobre o mundo. Assim, o discurso “se não sofrer os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter à língua e à história, ele n~o se constitui, ele n~o fala, ele n~o produz sentidos” (ORLANDI, 2009, p. 49). O sujeito – o jovem universitário – acompanha a história e a ideologia convergirem para a linguagem, mas não tem o controle de efeitos das narrativas. Segundo Orlandi (2009, p. 20), “o sujeito de linguagem é descentrado, pois é 155 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam”. Contudo, a construç~o da identidade deste sujeito é construída com as narrativas, e daí a importância da Análise do Discurso para compreensão deste fenômeno social. Referências Bibliográficas BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e linguagem: discursos e ciência. São Paulo: Editora Moderna, 1998. ______.Televisão e escola. Uma mediação possível? São Paulo: Editora SENAC, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiésvski. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1981. ______. Marxismo e filosofia da linguagem. 4ed. 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Coimbra: Amedina, 1971. 156 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Sites Acessados http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalPaginaEspecial.do?acao=&codItemCan al=1362&codigoVisao=4&nomeVisao=Cidad%E3o&nomeCanal=Telefonia%20Fixa& nomeItemCanal=Portabilidade. Acesso em 20/12/2009 http://gnt.globo.com/Irritando-Fernanda-Young/. Acesso em 18/12/2009 Figuras Figura 1 http://pdvnews.blogspot.com/2009/03/motorola-e-ogilvy-lancam-loucos-por-u.2html Acesso em 20/12/2009 Figura 2 http://www.propmark.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=56506&s id=2&tpl=printerview. Acesso em 18/12/2009 Figura 3 http://mmimg.meioemensagem.com.br/galeria/gr_nextel_600.jpg. 23/12/2009 Acesso em Figura 4, 5 e 6 http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html. Acesso em 10/01/2009 A HISTÓRIA DE UMA MARCA. DO LOCAL AO DESTERRIOLIZADO Fernanda Mayer dos Santos Souza70 Mestre em Administração - UFES Casa Universitário Vila Verlha - ES 1 Introdução O processo de consumo e o percurso de construção de marcas têm passado por uma série de transformações na contemporaneidade. Um dos fenômenos que contribui para esse cenário de mudanças é a globalização, mas, junto a ele, concorrem vários outros fatores. Este paper volta-se, justamente, para o estudo do processo de construção de uma marca. Para isso, a pesquisa encontra-se dividida em três momentos: a evolução do estudo da marca, o deslocamento da ênfase no comportamento do 70 Trabalho apresentado no GT História da Publicidade e Comunicação Institucional 157 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais consumidor para o processo de consumo e, em especial, o foco do presente artigo, a história da empresa Chocolates Garoto e sua marca. Na contemporaneidade, assiste-se a um processo de grandes mudanças no fenômeno de consumo. No cenário em que se vive hoje, o consumo transformou-se em um processo incessante e ininterrupto e, a reboque, uma série de aspectos passa por transformações. Com o aumento do consumo, a variedade dos produtos oferecidos amplia-se, tornando-se indispensável identificá-los. É a marca que passa, então, a cumprir tal tarefa. A marca torna-se, assim, elemento na construção social, ou seja, o processo pelo qual os consumidores passam a conhecer e a identificar as mercadorias se dá por intermédio desse elemento. Cabe a ela apelar a aspectos racionais como preço, tamanho e forma, bem como a questões emocionais, como status, sonho, personalização, prazer. Essa trajetória revela certo deslocamento no mundo das marcas, um percurso de distanciamento do tangível e de aproximação do intangível. Bauman (2001) contribui para a compreensão do contexto em que essa transformação ocorre. Para o autor, se o consumismo voltava-se para o estudo das necessidades do consumidor, na atualidade, envereda na dimensão do desejo, associando-se a uma entidade mais volátil. A migração das necessidades para os desejos sinaliza, dentre outros fatores, uma movimentação do que é intrínseco ao produto para algo extrínseco. “N~o se compra apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de mobiliário. A busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por receitas de vida é também uma variedade da m|xima import}ncia” (BAUMAN, 2001, p. 87). Em meio a esse cenário, as marcas remetem, então, a experiências prazerosas, a momentos de lazer, dentre outros apelos com grande carga emocional e sensorial, isto é, passam para a dimensão do imaterial, significando e prometendo receitas de vida. O presente paper objetiva, então, analisar o processo de construção da marca Chocolates Garoto no período compreendido entre 1956 e 2001. Busca compreender o percurso da referida marca que, ao longo do tempo, passa a incorporar diferentes repertórios de significados. 2. A Relação marca e consumo Selos, siglas e símbolos eram usados, desde a Antiguidade, para marcar e identificar animais, armas e utensílios. Estas marcas eram usadas, também, para a indicação da proveniência do produto agrícola ou manufaturado. Já na Idade Média, as marcas voltavam-se para o controle da quantidade e da qualidade da produção. 158 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Num cenário de grande variedade de produtos e intensa competitividade, a função da marca transforma-se. Mais do que sinalizar ao consumidor a origem do produto e proteger tanto o consumidor quanto a própria empresa fabricante, a marca constitui aspecto de diferenciação perante o mercado, influenciando no processo de compra. Torna-se necessário, também, refletir sobre os impactos no ambiente das marcas gerados pela globalização. O fenômeno da globalização tem correlação com a revolução tecnológica e ambos interferem nas decisões de marca. A possibilidade de estender as fronteiras para a comercialização de produtos e a avalanche informacional constituem aspectos que mudam a concorrência e a construção de marcas. Em função da competitividade, da necessidade de gerenciamento do volume de dados disponíveis ao consumidor, da oportunidade de alcançar outras regiões, países e, até mesmo, continentes, observa-se o crescimento do investimento nas marcas. Em meio a esse cenário desafiador, a marca tem sua carga simbólica potencializada, para representar “[...] uma conex~o simbólica e afetiva estabelecida entre uma organização, sua oferta material, intangível e aspiracional e as pessoas para as quais se destina” (PEREZ, 2004, p. 10). Pode-se afirmar, assim, que o conceito de marca passa por uma mutação, tornando-se mais refinado. Compreende-se a marca como uma construção sociocultural e, para alcançar o que desejam, as empresas devem recorrer a um conjunto de estratégias. Busca-se, com isso, o processo de criação de valor, sentido e símbolos. Entrementes, o valor n~o é o único atributo da marca. “Nesse contexto de consumo, as marcas assumem destaque nas relações de compra e venda, indo além da idéia de meras facilitadoras das transações comerciais para transformar-se em poderosos e complexos signos de posicionamento social e de ser no mundo” (PEREZ, 2004, p. 3). Marc Gobé (2002, p. 29), outro estudioso do tema, mostra a importância do aspecto emocional da marca. O futuro da criação de marcas é escutar as pessoas com atenção para desenvolver uma forte conexão com elas, apresentando-lhes soluções de melhoria de vida em seus mundos. No futuro, as empresas tradicionais não terão a capacidade de confiar na história de sua marca ou na dominância dos sistemas clássicos de distribuição: elas deverão focar a apresentação de marcas com forte conteúdo emocional. Para o autor, trabalhar com os aspectos emocionais da marca significa despertar sensações e sentimentos nos consumidores, o que, na atualidade, é condição básica para atrair ou manter clientes. Considera que Criar marcas é uma relação de pessoas para pessoas e não uma relação de fábrica para pessoas. Uma marca precisa ter qualidades humanas e valores emocionais – precisa ter 159 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais uma personalidade, expressando a cultura empresarial através de imagens que seduzem as pessoas. Se conseguirmos fazer que os consumidores queiram formar uma parceria com a marca, criamos com sucesso uma conexão emocional duradoura (GOBÉ, 2002, p. 378). Esses valores emocionais associados à marca serão fundamentais, pois influenciarão no processo de construção social, ou seja, o que os consumidores irão relacionar a este produto para que o item se torne essencial. Nessa perspectiva, Gobé (2002, p. 243) destaca que as marcas não são estáticas, possuem muitas facetas em suas personalidades, devendo estabelecer uma conex~o íntima com o estilo de vida do consumidor. “As marcas precisam transcender a forma linear, geralmente dirigida à onipresença, para conectar-se com os consumidores emocionalmente, de maneiras diferentes em tempos diferentes”. Essa metamorfose no universo da marca está diretamente ligada aos deslocamentos no mundo do consumo. Segundo Barbosa (2004), principalmente no início da década de 80, o consumo passa a ter um interesse sociológico, originando duas pressuposições teóricas. A primeira refere-se ao consumo como o centro no processo de reprodução social de qualquer sociedade, com isso, todo ato de consumo é compreendido como essencialmente cultural. A segunda pressuposição caracteriza a sociedade moderna contemporânea como uma sociedade de consumo, ou seja, o consumo passa a assumir uma função além da satisfação das necessidades. Nesse sentido, uma das características predominantes da sociedade de consumo é a insaciabilidade. O processo de consumo altera-se, os produtos ultrapassam as necessidades básicas e são desenvolvidos sistemas e práticas de comercialização para atingir novos mercados consumidores. Para Canclini (1997, p.53) consumo “é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriaç~o e os usos dos produtos”. Assim, o consumo passa a ser estudado de forma mais abrangente. “Consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usálos”, ou seja, a sociedade e o consumo est~o relacionados: um interfere no outro. Nesse contexto, o consumo, seja de caráter pragmático ou subjetivo, passa a ser uma atividade presente em toda sociedade. Transforma-se em um processo permanente, contínuo, logo que um desejo ou necessidade é satisfeito, já há outro desejo ou necessidade { espera, de maneira que “cada compra nos leva a uma nova desilusão, o que explica a nossa determinação de sempre achar novos produtos que sirvam como objetos de desejo a serem repostos” (BARBOSA, 2004, p. 53). O comportamento do consumidor torna-se um campo interdisciplinar, que leva a interpretações diferentes e nem sempre complementares. Segundo Canclini 160 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais (1997, p.15), as identidades dos indivíduos “configuram-se no consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir”. Sarlo (2006, p. 28, grifo da autora) sintetiza de modo contundente a relação entre consumo e identidade que permeia o cenário contemporâneo, ao afirmar que “[...] os objetos nos significam”. De acordo com Di Nallo (1999), a transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna é caracterizada pela liberação das relações e dos papéis construídos ao longo do tempo. Já a passagem da sociedade industrial para a sociedade contemporânea é caracterizada pela relação do papel econômicoocupacional no processo de construção e pela manutenção da identidade do sujeito, ou seja, é a transição da sociedade da centralidade para a sociedade da acentralidade. O processo de diferenciação simbólica e de crescente complexidade que caracterizou o desenvolvimento da sociedade contemporânea é a origem de profundas e importantes mudanças na dimensão existencial do indivíduo (DI NALLO, 1999). Essas considerações são complementadas por Barbosa (2004, p.56): A idéia de que o consumo ocupa na vida contemporânea o lugar de outras instituições que não possuem mais legitimidade para definirem o que somos e devemos ser – e, portanto, somos aquilo que possuímos, e como tal somos sujeitos desconstruíveis e permanentemente mutáveis – pode ser contraposta a uma outra perspectiva. Qual seja, o verdadeiro local da nossa identidade deve ser encontrado não nos produtos que consumimos ou naquilo que possuímos, mas na nossa reação a eles. Gradativamente, na sociedade contemporânea, o comportamento do consumidor migra para a valorização de fatores irracionais, como intuição, fantasia e emoção. Desta forma, os estudos relacionados ao tema comportamento ganham complexidade e acabam por se dedicar à compreensão dos aspectos emocionais. Sahlins (2003) pondera, nessa perspectiva, que os produtos não possuem apenas propriedades físicas, mas, também, valor de uso. A utilidade do produto não é apenas uma qualidade, mas uma significação das suas qualidades. Sem o consumo, o objeto não se completa como um produto: uma casa desocupada não é uma casa. Entretanto, o valor de uso não pode ser compreendido especificamente ao nível natural de “necessidades” e “desejos” – precisamente porque os homens não produzem simplesmente “habitaç~o” ou “abrigo”: eles produzem unidades de tipos definidos, como uma cabana de camponês ou o castelo de um nobre. […] Nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem (SAHLINS, 2003, p. 169 e 170). A organização da demanda fica, então, associada ao o simbolismo dos produtos. A decisão de comprar ou não deriva da significação do produto, ao 161 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais universo que ele representa, aspectos que estão impressos na construção de uma marca. 3. Percurso de Construção da Marca Chocolates Garoto Com o início das operações da Chocolates Garoto, no começo do século XX, pode-se dizer que a história da empresa, de certa forma, se entrelaça com a história capixaba, sendo considerada, então, por muito tempo, um dos símbolos fortes do Estado do Espírito Santo. Para compreender essa história, é necessário comentar o percurso de seu fundador. Assim, em 1921, o imigrante alemão Henrique Meyerfreund chega ao Brasil a procura de oportunidades para uma nova vida. Sem recursos e com apenas 20 anos, começa a trabalhar na região de Pancas, como auxiliar de um agrimensor francês que conhecera no navio em que viajou. Após um ano, ao contrair malária, tem de ser internado. Deixando o hospital, emprega-se na Torrefação Teutônia, mas, em paralelo, busca um negócio próprio e, então, identifica que em todo o Estado do Espírito Santo só existia uma fábrica de balas e doces. No ano de 1925, Henrique planeja abrir uma fábrica de balas. Compra máquinas de segunda mão na Alemanha e, dois anos depois, inicia a produção de balas, criando a fábrica Aymorés, em Vitória. No entanto, Henrique, além de enfrentar problemas técnicos, também tem o nome da empresa contestado, pois já existia um tradicional fabricante de biscoitos com esse nome. Por conseqüência, decide interromper o negócio e viaja para a Alemanha, em busca de capacitação técnica. De volta em 1929, arrenda e adapta um velho balcão em Vila Velha, Espírito Santo, iniciando a produção das primeiras balas de açúcar. O jovem Henrique faz praticamente tudo, da produção à venda. Os principais produtos fabricados são pimenta, balas, canela e fermento. As primeiras balas são vendidas por meninos, em tabuleiros, nos pontos de bonde de Vila Velha. Por isso, em pouco tempo, as balas da H. Meyerfreund & Cia. passam a ser chamadas pelos compradores de balas Garoto. Com a boa aceitação, rapidamente passam a ser distribuídas para casas comerciais, tanto da capital como das cidades do interior do Espírito Santo. Em 1934, Henrique recebe uma pequena herança dos seus pais que haviam ficado na Alemanha, montante utilizado na compra de máquinas para a produção de chocolates. Dois anos depois, consegue financiamento para montar uma fábrica mais moderna. A fábrica é instalada no bairro da Glória, local em que até hoje a Chocolates Garoto se encontra. 162 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Com a nova infra-estrutura e produtos à base de chocolate, a empresa entra numa fase de grande desenvolvimento, passando a vender seus produtos para todo o interior do Espírito Santo e parte dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Em 1938, H. Meyerfreund & Cia. ganha um novo sócio, Günther Zennig que, além de capitalizar a empresa, permite novos investimentos na modernização da estrutura produtiva e comercial, também trazendo novas ideias. No entanto, no período de 1939 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, a H. Meyerfreund & Cia. tem seu crescimento interrompido. Henrique, por ser alemão, é detido, mas, curiosamente, a fábrica mantém suas operações com o gerenciamento de interventores federais. Durante o período de guerra, muitas propriedades de alemães e italianos são destruídas. Acredita-se que a H. Meyerfreund & Cia. é poupada por já ter conquistado o respeito e admiração da comunidade, bem como por gerar vários empregos e ser vital para muitas famílias e para a própria economia do Espírito Santo. Com o final da guerra, a H. Meyerfreund & Cia. retoma seu crescimento. Novas máquinas são adquiridas na Inglaterra e os processos de produção passam a ser continuamente modernizados. Em 1948, os produtos da Garoto já chegam em outros estados brasileiros, especialmente da região nordeste. Em 1959, os bons resultados da empresa levam Henrique a tomar uma iniciativa inédita: 15% do lucro líquido da empresa passam a ser distribuídos aos funcionários, como gratificação de final de ano. Em 1962, a H. Meyerfreund & Cia. sofre uma grande perda, Zennig morre em um acidente aéreo. Naquele mesmo ano a H. Meyerfreund & Cia. transforma-se em uma sociedade anônima de capital fechado e passa a ser Chocolates Garoto S.A. Embora, apenas em 1962, a empresa tenha adotado oficialmente o nome Chocolates Garoto, desde a década de 30, as embalagens, tanto das balas quanto dos chocolates, já estampavam a marca Garoto. Ainda na década de 60, os filhos de Henrique Meyerfreund, Helmut e Ferdinand, passam a dividir as responsabilidades com o pai. Em 1973, com o falecimento de Henrique, Helmut assume a presidência da Chocolates Garoto. A partir de informações fornecidas pelo Centro de Documentação e Memória da Chocolates Garoto - CDM, a logomarca da Garoto foi criada em 1933. Há duas versões sobre sua criação. Na primeira comenta-se que o criador da logomarca foi Eugênio Sebastião Heinbeck, pessoa próxima da família Meyerfreund. Já na segunda versão, a logomarca foi criada pelo artista plástico capixaba Aldomário 163 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Pinto. Nenhuma das versões possuem comprovações, entretanto a primeira é confirmada por Helmut Meyerfreund71. Consta nos registros do CDM que a logomarca foi criada pelo artista plástico Aldomário Pinto e que há um desenho original, que pode ser visto ainda hoje na fachada e na chaminé da empresa, feito por Eugênio Sebastião Heinbeck. Helmut, entretanto, lembra de Heinbeck, mas não recorda de Aldomário Pinto. Figura 1 Desenho original pintado na fachada da Chocolates Garoto O mais importante é que esta logomarca resiste ao tempo, acompanhando a trajetória da empresa até os dias atuais. Algumas alterações ocorreram, mas as características do menino permaneceram. O CDM também tem alguns registros sobre o primeiro desenho, que teria sido feito pelo próprio Henrique Meyerfreund, no qual o personagem carregava uma bandeja de cacau, mas também não há comprovação. No anos 50, Günther Zennig aperfeiçoou a logomarca. A bandeja foi trocada pela placa com o nome Garoto escrito em sua superfície. Assim, com o tempo, o menino foi modificado de acordo com os estilos predominantes de cada época. Em 1999, foi criada uma nova logomarca. A identificação da empresa passa a ser o próprio nome Garoto, escrito dentro de um retângulo amarelo, cuja parte inferior assemelha-se a uma onda, na cor vermelha. O amarelo e o vermelho foram escolhidos por significarem vibração, energia e alegria. O formato do retângulo dá um significado de movimento, passando a harmonia das formas. Apenas em 2002, a logomarca recebe o de marca registrada, ano em que a Garoto obtém a concessão do registro de sua marca em outros países. Figura 2 Marca atual Faz parte desse trajeto para o resgate e análise da marca Garoto, a busca por informações e materiais disponíveis no CDM. Nesta tentativa de sistematização de uma série de eventos, de resgate de uma memória, os documentos que 71 Informação obtida a partir de contato telefônico mantido em 16/12/2005 com Helmut Meyerfreund. 164 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais constituem o corpus da presente pesquisa são jornais, revistas e periódicos arquivados que remontam à história da empresa desde 1956. A composição desta parte do estudo é, portanto, fruto de uma exaustiva pesquisa documental. Para o tratamento das informações obtidas nesta pesquisa, torna-se necessário elaborar uma tabela com a quantidade de reportagens publicadas sobre a Chocolates Garoto. Esse procedimento possibilita a melhor visualização dos temas e palavras-chave abordados nos documentos reunidos. A análise desse conteúdo, ocorrida em uma segundo etapa, permite a identificação dos momentos de evolução da marca Garoto. Consegue-se vislumbrar, então, três momentos que caracterizam esta evolução: 1º. Momento: passagem da marca associada ao nome da família, surgimento da marca Garoto cunhada pelo senso comum e consolidação regional; 2º. Momento: desenvolvimento da marca da empresa nacional e internacionalmente; 3º. Momento: desterritorialização da marca. Estes três momentos ficam bem ilustrados quando se estabelece uma correlação com a quantidade de reportagens veiculadas sobre a Garoto a partir de 1956 até 2001, sendo o primeiro período de 1956 a 1989, o segundo período de 1990 a 1997 e o terceiro período de 1998 a 2001. No primeiro momento, a marca usada era a abreviação do nome do dono da empresa, H. Meyerfreund & Cia. No entanto, a partir da década de 30, por causa dos garotos vendendo as balas da H. Meyerfreund & Cia., a empresa passa a ser conhecida por Garoto. Esse período caracteriza-se pela marca associada ao nome da família. Curiosamente, mesmo não sendo oficial, a partir da década de 30, os produtos possuíam como marca o desenho de um menino, com o nome Garoto destacado. Os funcionários do CDM contam aos visitantes que o sócio de Henrique Meyerfreund, Güther Zennig, propôs a mudança do nome, mas Henrique foi contra. Após um acidente aéreo, em que Zenning morreu, em homenagem ao amigo e sócio, o nome da empresa é modificado. A primeira propaganda arquivada no acervo do CDM, datada de março de 1956, assemelha-se a um convite do próprio dono da empresa para que os consumidores façam uma visita { empresa: “F|brica de Chocolates, bombons, balas, caramelos e pastilhas. Indo a Vitória ou Vila Velha, não se esqueça: visite a fábrica Garoto e compre para sua família e amigos, os bombons e balas Garoto. H. Meyerfreund e Cia.”. Observa-se, inclusive, que esse anúncio-convite traz a assinatura do proprietário da empresa. 165 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 3 Primeira propaganda registrada da Garoto Fonte: Jornal A voz da lavoura, março de 1956 Apenas em 1962, a empresa oficialmente passou a se chamar Chocolates Garoto. Até este ano a área de abrangência da empresa restringe-se ao Espírito Santo. As reportagens sobre a então H. Meyerfreund & Cia. são vinculadas ao desenvolvimento local e à família dos donos da empresa. Em síntese pode-se constatar que o primeiro momento de evolução da marca Garoto foi o período mais longo. O surgimento da marca Garoto ocorre pelo senso comum e o seu gerenciamento é muito pequeno, pois não era um assunto abordado na época. Percebe-se a simplicidade ao tratar da marca, uma vez que não há registro sobre o criador do primeiro desenho e a resistência do fundador em mudar o nome da empresa. No segundo momento, a partir da década de 90, os investimentos na Garoto intensificam-se, aumentando a diversidade de produtos. A empresa alcança repercussão nacional, sendo assunto em jornais do Nordeste, Sudeste, Sul e CentroOeste. São lançados vários produtos como Chocolate em Pó, Linha de Natal, nova embalagem da caixa do Serenata de Amor, nova embalagem do bombom Crocante, Talento, Barras de 30 gramas (Speed, Golf e Chocolate ao leite), Mundy e Personalidades. Tais lançamentos são divulgados como mídia espontânea, provavelmente, através de release enviado pelo Departamento de Comunicação da Garoto para diversos jornais e revistas. Neste período, o presidente da empresa é Helmut Meyerfreund, filho do fundador. O nome da empresa e o nome do presidente estão muito associados, várias reportagens sobre a Chocolates Garoto possuem foto do Helmut ou entrevista com ele. Pode-se considerar este momento como o período de grande desenvolvimento da Garoto. A empresa deixa de ser conhecida apenas 166 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais regionalmente, passando a ter destaque em todo o Brasil e no exterior, mas com o vínculo familiar ainda muito forte. No terceiro momento da marca, em 1998, há uma briga familiar e, o então presidente, Helmut Meyerfreund é destituído do comando da empresa. Com a nova presidência, a marca Garoto inicia um novo processo. O nome da família Meyerfreund vai aos poucos se afastando da empresa, principalmente, porque, em 2001, é confirmada a venda da fábrica. Percebe-se que, nesta fase, a marca Garoto, por já estar no mercado nacional há muito tempo e ter conseguido espaço internacionalmente, consolida-se, gozando de uma identidade própria. Passa a ter uma projeção independente da família e da empresa. De certa forma, o investimento necessário para fazer a marca ganhar força nessas novas fronteiras, acaba por apagar sua origem familiar, em Vila Velha. O momento é marcado por um processo de desterritorialização, de modo que a marca passa a ter um posicionamento forte para os consumidores independente de sua produção, ou seja, do local onde a fábrica está situada. O terceiro momento de evolução da marca Garoto é marcado pelas brigas familiares e pela troca da diretoria. Apesar disso, a empresa continua seu desenvolvimento, lançando vários produtos e investindo em campanhas de Páscoa e Natal, por exemplo. Nesse percurso, a marca Garoto deixa de ser reconhecida apenas como uma marca capixaba, sendo uma marca brasileira de chocolate. Consolida-se, então, a desterritorialização da marca. 4. Considerações Finais A análise dos documentos disponíveis no CDM possibilita a observação de três momentos determinantes na evolução da marca Garoto. Primeiramente, podese notar a aproximação forte da marca com o nome da família Meyerfreund, como se a fábrica fosse um dos membros da família. Nesse período, tem-se uma marca regional, do Espírito Santo. No segundo momento, a marca passa a ter conhecimento nacionalmente e alcança, também, outros países. Por fim, mo terceiro momento, a marca Garoto vivencia um estágio que transcende a fronteira da fábrica e do próprio ES. Do ponto de vista simbólico, o primeiro momento de evolução da marca Garoto é marcado tanto pela tradição paternalista de uma empresa que insiste em usar o nome tradicional da família, quanto pela imposição, por parte dos consumidores, de uma identidade mais popular, um nome mais palatável ao senso comum. Ao longo do tempo, a importância da empresa para o Espírito Santo cresce 167 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais tanto a ponto de ser considerada um símbolo do estado, motivo de orgulho para todo capixaba. Um dos fatos importantes que caracteriza o segundo momento é o aumento da popularidade da marca Garoto em várias regiões do Brasil. Outro destaque é a presença marcante do dono na empresa. Mesmo sendo uma marca de projeção nacional, o nome de Helmut Meyerfreund e da Garoto ainda estão muito associados. O terceiro momento de evolução da marca Garoto dá continuidade ao aumento da quantidade de reportagens publicadas sobre ela, sendo a maioria sobre lançamentos de seus produtos feitos de forma espontânea. No entanto, neste momento, a discussão sobre a venda da Garoto aumenta. De maneira simbólica, percebe-se o terceiro momento da marca Garoto como representativo de uma espécie de desterritorialização da marca, traduzida pela sua assimilação em nível nacional e internacional, deixando de ser associada, por um número cada vez mais expressivo de consumidores, com uma fábrica localizada no Estado do Espírito Santo. Atinge, portanto, um status no qual a marca fala por si só, atribuindo outros significados aos seus produtos. O significado da marca para seus consumidores transcende as dimensões local e familiar. Nesse estágio, pode-se afirmar que o Garoto emancipa-se, liberta-se da família, do seu estado de origem, percurso necessário à consolidação do processo de conquista do mundo. A marca aproxima-se, por conseqüência, de outro repertório de significações, que se encontra no âmbito do sensorial, do imaterial, do prazer. Referências Bibliográficas BARBOSA, Livia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. BAUMAN, Zigmnunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. CANCLINI, Néstor G. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. DI NALLO, Egeria. Meeting Points. São Paulo: Marcos Cobra, 1999. GOBÉ, Marc. A emoção das marcas: conectando marcas às pessoas. Rio de Janeiro: Campus, 2002. PEREZ, Clotilde. Signos da Marca: expressividade e sensorialidade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. 168 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais PINHO, J. B. O poder das marcas. São Paulo: Summus, 1996. SAHLINS, Marshall D. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. MARKETING & MODA Maria Teresa SOKOLOWSKI Professora da Faculdade Anhanguera de Piracicaba nos cursos de Pedagogia e Publicidade e Propaganda. Introdução Eu, Etiqueta Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório, Um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto Que nunca experimentei Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente, Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete, Meu isso, meu aquilo, Desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, Letras falantes, gritos visuais, Ordens de uso, abuso, reincidência, Costume, hábito, premência, Indispensabilidade, E fazem de mim homem-anúncio itinerante, Escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda 169 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Seja negar minha identidade, Trocá-la por mil, açambarcando Todas as marcas registradas, Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim-mesmo, Ser pensante, sentinte e solidário Com outros seres diversos e conscientes De sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, Ora vulgar ora bizarro, Em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória De minha anulação. Não sou – vê lá – anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago Para anunciar, para vender Em bares festas praias pérgulas piscinas, E bem à vista exibo esta etiqueta Global no corpo que desiste De ser veste e sandália de uma essência Tão viva, independente, Que moda ou suborno algum a compromete, Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam, E cada gesto, cada olhar, Cada vinco de roupa Resumia uma estética? Hoje sou costurado, sou tecido, Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrina me tiram, recolocam, Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signos de outros Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial, Peço que nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente. Carlos Drummond de Andrade Este artigo tem por objetivo contribuir para a compreensão das dimensões mercadológicas que envolvem o negócio da moda. 170 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Histórico da Moda O conceito de moda surgiu no século XV, entre o final da Idade Média e o início da Renascença. “ A raiz etimológica da palavra moda, introduzida na língua italiana em torno de 1650, é derivada do latim mos, que significa, costume, hábito, tradiç~o, boas maneiras, moralidade e, ainda, lei, tipo, regra.”72 No passado o conceito de moda era associado exclusivamente ao vestuário. Ao longo do tempo, os indivíduos e as sociedades têm usado o vestuário como forma de comunicação não-verbal para indicar ocupação, posição social, localidade, disponibilidade sexual ou afiliação a determinado grupo. Atualmente o conceito de moda é usado em vários segmentos como cosméticos, perfumes, relógios, óculos, canetas, jóias, telefones celulares, eletrodomésticos, viagens, automóveis e até para animais de estimação. Linha do tempo da moda 1830 – 1860 Invenção das máquinas de costura e tricô. 1870 – 1890 Lançamento da revista Vogue (em 1889). 1890 – 1910 No Brasil os padrões de “chic” vinham da França, e nossa tardia Belle Époque revelava nas roupas íntimas e nas toaletes para ir ao teatro ou ao sarau, a mesma forma alongada, enriquecida pelas linhas sinuosas do Art Noveau. Nos vestidos de passeio, os quadris apertados ganhavam enfeites drapejados, que dialogavam com as curvas fechadas das sombrinhas, a proteger do sol o rosto das jovens senhoras. Toda a roupa usada pelas pessoas de posse era importada. A elegância vencia o conforto, pois a moda européia era concebida para outro clima. 1910 – 1922 O zíper teve sua marca registrada. O século XX entrou em cena aos solavancos, como o automóvel. Artistas como Lasar Segall, Anita Malfati, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade discutiam o modernismo. O escultor Victor Brecheret cruzava o oceano em direção à Paris e trazia de lá novas idéias estéticas do Cubismo e Art Déco. Novidades para a 72 Citação extraída de Marketing e Moda - pág. 09. 171 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais decoração das casas e roupas mais de acordo com o espírito da época. As senhoras da sociedade não ousavam tanto, mas subiram os vestidos até os tornozelos e respiravam a libertação do espartilho. Nesse período aconteceu a Primeira Guerra Mundial. “É com a guerra a produção têxtil nacional, já que até então a elite brasileira considerava que somente os tecidos importados tinham qualidade e eram dignos de serem usados. As importações cessaram com o conflito na Europa e o Brasil, para suprir a lacuna dos tecidos, começou a fazer moda com o que vinha fabricado em seu próprio território. Em 1915, nossa indústria têxtil já supria cerca de três quartos da demanda nacional.”73 1922 – 1934 São Paulo era uma festa. Intelectuais, influenciados por Di Cavalcanti organizaram um evento pour épater: a Semana de Arte Moderna. As mulheres agitavam os vestidos curtos, de cinturas baixas e muitas franjas, ao som do charleston. As mãos se cruzavam e descruzavam sobre as meias coloridas de seda, ou balançavam os longos colares de cristal. No alto do braço, pulseiras tipo escrava, de marfim ou serpentes de ouro. Ondulavam as plumas e os leques. O ambiente era povoado pela sedução consciente dos gestos, conquista definitiva da estética feminina dos anos 20. O Modernismo incomodou nas casas clássicas de gosto eclético e decoração pesada. Pinturas geométrico-cubistas de Segall, móveis e tapeçaria em Art Déco, móveis da Bauhaus, sem dúvida estranhavam esse ambiente. O perfil feminino também era cortado nas linhas retas do cabelo à la garçom e o chapéu-toca, ou simplesmente “toque” protegia as cabeças femininas mais modernas. A carestia provocada pela crise do café e a quebra da bolsa de valores em 1929, com grande depressão, o desemprego e a redução de salários, transformaram a moda. Em tempos de guerra, as roupas extravagantes não ficavam bem. 1934 – 1946 Os nossos costureiros foram a Paris, em busca de Dior ou Givenchy, como fonte de inspiração para suas criações. Aos poucos começou a existir uma alta costura brasileira. As consumidoras brasileiras passaram a emprestar seu prestígio social aos ateliês de Dener, Mme. Rosita, Casa Vogue, Casa Canadá. A Du Pont desenvolveu o náilon. 73 Citação extraída de Marketing de Varejo - pág. 23. 172 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Deu-se a introdução de corantes sintéticos para tingir as novas fibras acrílicas e de poliéster. “A Segunda Guerra Mundial fez realmente o Brasil confeccionar peças prontas para o varejo de vestuário. Com o bloqueio das importações provocado pela guerra, acontece de as maisons – antigo nome das casas de varejo de moda para madames da época – começarem a fabricar roupas para a elite dentro de nosso país. É o início da confecção de roupa em grande escala, fora do âmbito das costureiras e modistas.”74 1946 – 1960 No pós-guerra o Brasil participou do processo mundial de reconstrução industrial, e uma certa euforia desenvolvimentista atingiu todos os campos. Progresso era a palavra-chave para São Paulo. O espírito moderno estava nos móveis da classe média, nas estampas dos vestidos, nos saltos dos sapatos e nas linhas arrojadas dos automóveis. A indústria têxtil dos anos 50 procurou adequar-se à praticidade da vida moderna, criando os tecidos sintéticos, que dispensavam o ferro de passar: nylon para as roupas leves, helanca para os maiôs, tergal para as saias plissadas e calças de vinco permanente. Foi nos anos 50 que as máquinas de lavar domésticas apareceram no mercado. Surgiu também a TV, como meio de comunicação de massa dominante. 1960 – 1974 O rock'n'roll rolava solto nas festas. Ela dançava de saia rodada, blusa de ban-lon, sapatilhas baixas, lencinho no pescoço, rabo de cavalo. Ele ajeitava o topete com muita brilhantina, corria o cinto nos ilhoses das calças Lee, subia a gola do blusão de couro preto e erguia sobrancelhas, como James Dean. No início dos anos 60 a Fenit organizava grandes desfiles, com a presença de costureiros franceses, em que a indústria têxtil mostrava suas novas criações. A Rhodia lançava nesses desfiles a moda brasileira para exportaç~o: “Brazilian Look”, “Brazilian Fashion”, “Brazilian Nature”. As roupas subiam e desciam, alargavam e estreitavam, trocavam ligeiro de canal. Moda saco, chemisier, évasés, tubinho, correntes douradas na cintura. Os cabelos se armavam e viravam as pontas para fora, tipo gatinho. Olhares, com 74 Citação extraída de Marketing e Varejo - pág.24. 173 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais muito delineador e rímel, ficaram existencialistas. Mary Quant economizava pano com a minissaia. Pernas largas nas pantalonas, pernas finas nas cigarette. O maiô perdeu pano na cintura e virou duas peças. O umbigo estava com tudo e a calça Saint-Tropez o deixava lá em cima. Os anos rebeldes consumiam de tudo. Todas as modas ficavam logo démodé. Os hippies deixavam o cabelo crescer. Moda andrógina, unissex. Todos de jeans e cabelos compridos, “caminhando contra o vento”. 1974 – 1990 Nos salões do Planalto, dez entre dez mulheres vestiam tailleur. Nas calçadas do Leblon, desfilavam bumbuns rechonchudos e pós-moldados em fibras sintéticas. Os points de rock pediam jeans, camiseta e, quem sabe, um blusão de couro. Os anos 80 foram tempos de exposição máxima do corpo feminino. Pelas areias desfilavam asa-delta e fios dentais sem pudor. Já os anos 90 trouxeram algo mais ardiloso: a sensualidade inusitada. Foi a volta do duas-peças e maiôs inteiros. Um outro jeito de prender os cabelos. Uma nova maneira de amarrar a canga – sempre estampadíssima. Um adereço surpreendente: cavalos marinhos ou estrela de mar? Enfim, uma sandália, uma bolsa de palha, uma água de colônia, um batom. E as saias? Nos anos 70, saias pelos calcanhares. Em meados dos 80, mostravam-se as pernas, e elas subiam cada vez mais. Não havia mais preocupação com os joelhos à vista e os comprimentos passaram a subir e descer, ao sabor da preferência pessoal. “Na década de 80 surgiu um modismo até ent~o inexistente: o culto ao corpo. Corridas na orla da praia e da lagoa, no Rio de Janeiro favoreciam o corpo perfeito. Jane Fonda estreava em vídeos, onde o lema era: tem que suar. Os tênis passaram a serem vistos fora das quadras e começaram a fazer parte de uma moda lançada nos anos 80: o sportwear. Agasalhos, leggings, moletons, tudo isso passava a fazer parte do vestuário das pessoas na moda do dia-a-dia.”75 75 Citação extraída de Marketing de Varejo – pág. 34. 174 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 2000 Novo Milênio. Então vale tudo, todas as combinações, todos os estilos. Aliás, o estilo próprio que faz a diferença. Não existe mais uma regra, um padrão de moda, o que existem são propostas para o consumidor, que está cada vez mais exigente, consomem aquilo que mais lhe agrada, muitas vezes pela marca, ou pelo grupo, pela cultura, enfim pelo universo em que está integrado. Cada “tribo” faz sua própria moda, essa que muitas vezes, serve para representar um estado de espírito, uma revolta, um protesto. Esse é o novo milênio mostrando “sua cara”, ou melhor, “suas caras”. Marketing e Moda Antes de associar marketing à moda, é importante colocar que as terminologias utilizadas respeitam os ambientes distintos, do reconhecimento do cliente e do consumidor. Essa diferença é muito mais que uma questão de enunciados. Porém, para o entendimento do marketing, observamos a seguinte evolução: cliente, usuário final e consumidor, o indivíduo que compra produtos para consumo próprio ou de terceiros. O ambiente da Moda é muito mais do que o tangível. Ao mesmo tempo em que para o marketing, a Moda também é um caso de amor intangível e muito antigo! O composto promocional, especificamente "comunicação", relaciona o produto, sua divulgação e o processo de consumo. Este processo depende do conhecimento anterior dos consumidores para que as mensagens possam estimular a percepção e reconhecimento. O conhecimento dos hábitos de consumo dentro do ambiente sócio-cultural e das individualidades é construído, principalmente, por experiências com a aquisição, consumo, satisfação e até superação de expectativas. “Um exame da história da moda e dos usos e costumes dos diferentes países revela que todas as sociedades, das mais primitivas às mais sofisticadas, usam roupas e ornamentos para transmitir informações sociais e pessoais. Assim como tentamos ler as expressões faciais das pessoas ao nosso redor, também lemos os sinais emitidos por suas roupas e inferimos, às vezes erroneamente, o tipo 175 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais de gente que são. Essa comunicação não verbal – a linguagem da moda – pode ser aprendida como qualquer outra linguagem.” 76 Assim sendo, o marketing tem, entre tantos objetivos, o de buscar nos consumidores os estados mais elevados de disposição de compra. É a busca constante de uma resposta cognitiva, afetiva ou comportamental, cuja estratégia central é colocar algo na mente do consumidor, que o faça mudar de atitude ou o conduza a agir de determinada forma. O marketing está em tudo que nos cerca. Nos móveis e artigos de decoração de casa, no carro, no computador, nos alimentos e até na escova de dente. Claro que as roupas não poderiam ficar de fora. Tudo está impregnado de marketing e é passível de moda, ou vice-versa. “Por meio de pesquisa e intuição, o marketing deve identificar as necessidades e os desejos do cliente, e desenvolver produtos cujo design e características signifiquem uma evolução. Isso implica criar o produto certo, comunicá-lo ao cliente, levá-lo até o comprador ou usuário por meio de canais de distribuição adequados que lhe ofereçam o máximo de conveniências possível, tudo isso com o menor preço.”77 O marketing afeta a vida de todos. É o meio pelo qual um padrão de vida é desenvolvido e apropriado pelas pessoas. Há uma enorme confusão entre marketing e vendas, mas, na verdade, o marketing ocorre antes, durante e depois do ato da venda. Marketing combina muitas atividades - pesquisa de mercado, desenvolvimento de produtos, distribuição, definição de preço, propaganda, venda pessoal, dentre outras - planejadas para melhorar e satisfazer as necessidades do consumidor e, ao mesmo tempo, atingir os objetivos da organização. Trata-se de uma filosofia que não cabe em um departamento. Não é uma função isolada: deve estar disseminada em toda a organização. Da recepcionista ao presidente, todos devem respirar a atmosfera de marketing. Mas o que é estar impregnado de marketing? Uma empresa que tenha profunda compreensão de seus clientes, mercado-alvo bem definido e habilidade de motivar seus empregados para alcançar seus objetivos estratégicos, é uma empresa que respira marketing. Indústria e estilistas perceberam esse fenômeno, seja ele capitaneado pela vaidade ou pela necessidade, e oferecem, a cada virada de estação, uma síntese do 76 77 Citação extraída de Fashion Design – pág. 34. Citação extraída de Marketing e Moda – pág. 27. 176 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais anseio da maioria das pessoas e de um grupo previamente definido. Trata-se de um sistema de renovação permanente das maneiras de se vestir e de se comportar, contextualizado no meio ambiente de cada cidadão. Daí brota a moda que, associada ao marketing, faz com que a roupa deixe de ser um mero pedaço de pano enrolado no corpo para ganhar dimensões amplas e se transformar numa espécie de carteira de identidade do cidadão.78 Marketing e Marca A imagem se sustenta na publicidade, visto que ela é um meio de expressão, de informação pela combinação de códigos que a compõem, gerando misturas verbais e não - verbais, onde um conjunto de regras, convencionalmente estabelecidas e adotadas, são interpretadas por uma determinada comunidade, podendo influir em seu comportamento, além de ser uma ferramenta de autonomia e não de passividade. É nesse universo que gravitam as marcas. Além da imagem, as marcas habitam o mundo dos sonhos, da fantasia e do desejo. As marcas, principalmente as dos produtos de moda, relacionam-se mais com o imaginário do que com a realidade. Mas, o qual o conceito de marca? “Marca é um design visual e/ou um nome dado a um produto ou serviço por uma organização a fim de diferenciá-la dos produtos concorrentes, assegurando aos consumidores que o produto será de alta qualidade e que esta ser| mantida “.79 Os anúncios de grandes marcas mostram o quanto é importante essa identidade que cada consumidor adota ou estabelece, através da identificação do seu público - alvo, dirigindo sua publicidade a eles, mostrando o verdadeiro papel do aspecto visual. Muitas dessas marcas, através desse mundo visual, passam para o consumidor, uma informação subliminar, muitas vezes sem textos ou falas, apenas com uma imagem, onde cada um pode representar de uma maneira. “Uma marca normalmente constrói sua reputaç~o e cria fidelidade para satisfazer as expectativas de seus consumidores no decorrer de muitos anos, sem deixar de anunciar suas qualidades exclusivas. Ao aderir a uma marca, muitos consumidores esperam se apropriar dessas qualidades.”80 Uma marca precisa ter algumas qualidades como instigar, além das qualidades inerentes ao produto, alguns benefícios intangíveis, como ação ou emoção. Ser inconfundível, fácil de pronunciar e ser rapidamente reconhecida e lembrada. As marcas, no setor de moda, vão além dos atributos físicos do produto, 78 Baseado em O Império do Efêmero – pág. 45 e 46. Citação extraída de Marketing e Moda – pág. 39. 80 Citação extraída de Fashion Design – pág. 31. 79 177 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais elas proporcionam uma imagem de qualidade e status. Além de vestir as pessoas, as marcas devem sugerir uma ideologia como paz, prazer ou consciência. O estudo das marcas é fundamental para a concepção do marketing de moda. A marca é o principal ativo de quem vende produtos de moda. Uma marca que possui baixa diferenciação terá baixa relevância para o consumidor. Portanto, “a essência do marketing de moda est| em criar diferenciação para a marca. Investir na comunicação da marca significa ampliar o conhecimento que o consumidor tem dela, mas isto não basta: é preciso despertar nele amor e paixão, ou seja, estima pela marca.”81 Considerações Finais Não há como negar: a moda está na moda. Andar bem vestido é fundamental e o consumidor paga o preço que for necessário para ficar elegante, nem que isso signifique estar levando um produto sem qualidade. O que parecia um futuro muito, muito distante acabou chegando. Veio o ano 2000, um novo milênio. E aí, o que há de novo? Para alguns pode até ser frustrante não encontrar pelas ruas gente vestindo roupas plastificadas ou metalizadas, quase robotizadas, como o cinema muitas vezes apostou. Na verdade, o futuro recomendado nos anos 60 só existiu lá, em meio às incertezas sobre o amanhã e o desejo de se rebelar do presente. Os estilistas descobriram, no corpo, um suporte eficiente para a criação. O jovem passou a fazer diferença e a expectativa em torno da ida do homem à Lua e as possibilidades que poderiam surgir tiveram efeitos imediatos na moda. Looks ultrapsicodelicos e geométricos tomaram conta dos guarda-roupas da era espacial. Tecidos de papel, Melinex metálico, craquelê, discos plásticos e metálicos unidos por argolas de metais, plásticos transparentes e couro brilhante são alguns dos materiais adotados pelos designers mais irreverentes. Em 1967, Paco Rabanne lançou uma radical coleção metálica e Courrèges – já tinha lançado em 64 roupas brancas, em quadrados, usadas com botas de pelica de cano alto – explorou tecidos vazados e geometrias no ano seguinte. Já Mary Quant assinou uma das grandes transformações no vestuário feminino do século, a minissaia, em 1965. O consumidor paga pela etiqueta da marca mais famosa e mais cara mesmo. A etiqueta, que antes era colocada por dentro das peças, agora é vista do lado de fora, muitas vezes, fazendo parte do modelo da roupa. Se ao longo dos séculos, a moda e a marca evoluíram nos seus aspectos comerciais, também o campo da publicidade sobre a moda evoluiu de forma 81 Citação extraída de Marketing e Moda – pág. 55. 178 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais decisiva. Antes eram os cartazes pintados por artistas, retratando mulheres e suas roupas em poses conservadoras. Com o advento da imprensa, a moda saiu do tradicional “marketing boca a boca” e ganhou as p|ginas dos jornais com os anúncios sobre costureiras e prestação de serviços. A chegada das primeiras revistas especializadas no Brasil, no século XX trouxeram para suas páginas impressas em preto e branco e depois em cores, propostas de anúncios onde a beleza e o bem estar da mulher eram realçadas. A chegada do rádio no Brasil nos anos 1930, fez com que a moda ganhasse os ares, os anúncios e os jingles de grandes magazines, o que ajudou a popularizar este tipo de comércio. Contudo foi com a televisão, a partir de 1950, que a moda se consolidou através da edição de desfiles de moda, programas de comentaristas especializados, concursos de moda e muita publicidade especializada – roupas, adereços, calçados, bijuterias, jóias, etc – dando ao apelo televisivo, maior glamour e oferecendo novas possibilidades de venda e visibilidade aos produtos. Por fim, no século XXI, com o advento da internet, moda, marca e publicidade compõem um triunvirato indispensável, onde a qualidade e o requinte andam velozmente em busca de novos nichos de mercado e abrindo-se a experimentos e conquistas para a fidelização destes públicos. Referências Bibliográficas BONADIO, Maria Claudia. Moda! Um perigo para as boas moças: estudo sobre a imagem feminina (1910-1930). Campinas: Unicamp, 1996. COBRA, Marcos. Marketing e moda. São Paulo: SENAC, 2007. DE LAURETS, Teresa. A tecnologia do gênero. In: Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. 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PIONEIROS DA PUBLICIDADE NAS CIDADES DE SÃO PAULO E PIRACICABA: JOÃO CASTALDI E MANOEL DE OLIVEIRA Adolpho QUEIROZ82 Universidade Presbiteriana Mackenzie Há pelo menos cinco ciclos sobre a história da propaganda e da publicidade nas cidades de São Paulo e Piracicaba a compor uma história que já dura alguns séculos. O primeiro ciclo foi o da tradição oral, em que viajantes religiosos e comerciantes vendiam suas idéias e produtos aos cidadãos através da palavra, de músicas confeccionadas e cantadas especialmente para estas ocasiões, bem como afixavam informações e cartazes em locais apropriados, os chamados bantos ou o seu similar jornalístico, o pasquim. Esta tradição durou pelo menos alguns séculos nas cidades, que ainda não possuíam outras formas de propagar idéias sobre os produtos e serviços da época. No segundo ciclo, já no século XIX, com o surgimento da imprensa, vão aparecer as mensagens escritas e difundidas pelos jornais impressos. Neste período difundem-se os pequenos anúncios e surgem as primeiras ilustrações impressas. O Farol Paulistano e A Província de São Paulo pontificam de forma inovadora para a época em São Paulo, enquanto O Piracicaba despontava como o pioneiro dos impressos na cidade do interior. O terceiro ciclo surge com a chegada das emissoras de rádio no Brasil, a partir de 7 de setembro de 1922. A mais antiga emissora de rádio da cidade de São Paulo é a Rádio Record, PRB-9, fundada em 1931. Ele se aperfeiçoa a partir das 12h45min horas do dia 28 de agosto de 1941, quando a Rádio Tupi de São Paulo anuncia a criaç~o do jornal falado “Repórter Esso”, patrocinado pela multinacional do petróleo e feito sob a supervisão das agências de publicidade Mc Cann Ericson. Em Piracicaba, a criação da rádio Difusora, em 12 de outubro de 1932 ampliou a divulgação no campo publicitário. 82 Adolpho Queiroz é Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Também é professor do Curso de Publicidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense/RJ. Ex-presidente e ex- Vice-Presidente da INTERCOM, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e também presidente da POLITICOM, Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político. 180 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O quarto ciclo surge pela iniciativa visionária de Assis Chateaubriand, que cria em 18 de setembro de 1950 a TV Tupi e através dela, passa a difundir anúncios pela televisão, primeiro utilizando-se das garotas propaganda e depois, com a chegada do vídeo - tape nos anos 60, a iniciar um processo de produção mais apurado. A primeira experiência piracicabana com a televisão ocorreu nos anos 60, com a criação de um canal local e uma fábrica de aparelhos, sob o comando do empresário Romeu Ítalo Ripoli. E, por fim, estamos em plena era dos anúncios virtuais, realizados pela internet, fazendo com que as cidades de São Paulo e Piracicaba atuem velozmente no sentido de criar campanhas cuja vida útil pode durar dias, horas ou até mesmo minutos A pasquinada de 1823 em Piracicaba83 Os antecedentes da história da imprensa e da publicidade em Piracicaba remontam aos dias entre 8 de março a 18 de abril de 1823. Naquela ocasião, uma série de cinco pasquins, manuscritos, apócrifos e distribuídos de mão em mão, denunciando a luta de cidadãos comuns contra as forças políticas da então Vila Nova da Constituição, nome que se dava à cidade naqueles tempos, para a ampliação da Rua Boa Vista – atualmente denominada Alferes José Caetano – entre a Rua do Concelho—atualmente Rua Prudente de Moraes – até o salto do Rio Piracicaba. Esta série, que teria originado o primeiro crime de imprensa na cidade, está atualmente sob a guarda do arquivo do Fórum “Francisco Morato”. “““ “A série teve o seguinte desenvolvimento: o primeiro número tinha como título “Quem defende a transitaç~o da Rua da Boa Vista”; o segundo pasquim dizia” Quem tem chamado o Brand~o de pichorreiro”; o segundo pasquim afirmava” Por causa de que papéis foram o Brand~o e o Teles a Itu”; no quarto número a polêmica prosseguia sob o título “Para o lado de quem os dois ferreiros abriram princípio de rua” e no quinto e último exemplar, publicava-se o” Hino ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”.84 83 Trechos do capitulo 2 da tese de doutorado do autor, “A trajetória do Jornal de Piracicaba, de 1900 a 1997”, S~o Bernardo do Campo, março de 1998, mimeo. 84 “Desafortunamente, encontra-se momentaneamente desaparecido o único exemplar, que por justificadas razões, se constitui numa das peças mais antigas da Imprensa paulista. O seu conteúdo pôde ser resgatado pela edição do Diário de Piracicaba de 01/08/1962, Quarto Caderno, página 1, onde consta o memorável trabalho de Jair Toledo Veiga intitulado” Crime de Imprensa em Piracicaba de 1823”, bem como partes substanciais do processo, mercê dos apontamentos daquele pesquisador. Outras referências podem ser encontradas em: l. Ofício de 15/09/1824 do Dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, próprio ao Maço A do Arquivo do Estado de São Paulo ou à página 179 da” História da Fundaç~o de Piracicaba”, de M|rio Neme, Editora do IHGP, 1974; 2. Di|rio de Piracicaba, ediç~o de 09/09/1962, Segundo Caderno, Primeira P|gina; 3.” Alfarr|bios” - Há 165 anos o primeiro crime de imprensa de Piracicaba” e em” Alfarr|bios - Piracicaba, também pioneira na Imprensa paulista”, publicados respectivamente nas edições de 13 a 17 /10/1980 e a 16 a 22/09/1988, de” A Província” – PERECIN, Marly Therezinha Germano,” Os versos” chinfrins” e o crime de ser 181 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Este quinto exemplar do pasquim tem sido objeto de diversas considerações na imprensa local, como o principal antecedente sobre a história da imprensa na cidade. Naquela ediç~o, o “Hino ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”, era composto por vinte e uma quadrinhas, entre as quais um estribilho que se repetia por sete vezes durante o hino/ provocação. Tem-se ampla informação de que, por conta das calorosas discussões para a promulgação da primeira Constituição do Brasil, especialmente na cidade do Rio de Janeiro e em algumas capitais, os pasquins, como objeto de comunicação, denúncia, esclarecimento ou debate apaixonado, eram mais frequentes e assíduos. Mas, como lembra Perecin, “... no Vale Médio do Tietê, o fenômeno é raro” 85 A edição desta série acabou se configurando no primeiro crime de imprensa de Piracicaba com a abertura de um inquérito no mês de abril de 1823, ordenada pelo então Juiz Ordinário, José Manuel Bueno, que teve um despacho positivo do Ouvidor pela Lei Bento Paes de Barros, de 11 de abril de 1823, tendo sido convidadas a depor trinta e seis testemunhas, cujos nomes e depoimentos constam no processo original. Os versos desta quinta edição, disponível para consulta, na visão de Perecin, “eram versos mal redigidos e deselegantes... evocando um momento onde a tônica dominante era dada pela primeira Constituinte, em tumultuado processo de elaboração daquela que deveria ser a primeira Carta Magna do país... os versos deste último e único exemplar conhecido denotam os ingredientes básicos de todo pasquim, a inconformidade perante uma determinada situação ou conjuntura política, induzida ao protesto picaresco, a irreverência, a comunicação se processando em exageros de linguagem descabida, carregada de erros grosseiros do idioma e da gramática, veiculando intimidação e ameaças veladas ou declaradas. ”86 O último pasquim da série apareceu especialmente numa taverna localizada na praça central, denominada “Venda do Fogo”, local onde paravam os tropeiros e ponto de encontro para grandes conversas e beberragens. Os pasquins foram escritos, segundo se supõe, por militantes do Partido dos 40 Coligados, políticos de origem absolutista, que compunham a oposição na Câmara Municipal da época e se contrapunham ferozmente aos liberais. Os “40 Coligados” tinham sido derrotados nas eleições de 1822 e nos versos endereçados povo em Piracicaba”, in” Notícia Bibliogr|fica e Histórica”, Editora da PUCCAMP, Campinas/SP, ano XXVIII, número 161, abril/junho de 1996, pg. 139 85 PERECIN, M.T. G, idem, página 138. 86 PERECIN, M.T. G, idem, pgs. 137/138. 182 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais aos populares que pleiteavam o prolongamento da Rua Boa Vista, manifestam sua irritação pela iniciativa vinda de pessoas simples do povo. Segundo Perecin, “... eles manifestavam sérios ressentimentos, invocando privilégios de nobreza mais antiga e enraizada, com o crédito de relevantes serviços prestados no passado... Parecia-lhes insuportável a interferência dos liberais em questões plebéias que lhes prejudicavam os interesses materiais. ”87 A iniciativa de solicitar à Câmara de Vereadores o apoio para ampliar a rua – para tanto, rompendo uma cerca feita pelos então proprietários da área – coube a um grupo de cidadãos, profissionais de ofícios comuns na época como ferreiros, ceramistas 88, carpinteiros. Estes cidadãos queriam não só expandir os seus negócios, como construir casas e alargar as fronteiras comerciais da cidade. O processo original aponta onze cidadãos como sendo vítimas dos versos caricaturais: João Manuel Carneiro Brandão, branco, 62 anos, ceramista; Francisco Telles Barreto, branco, 50 anos, ferreiro; Sebastião Leme da Costa, branco, 86 anos, carvoeiro; Antonio Leme da Costa, branco, 56 anos, pequeno produtor agrícola; Salvador Leme, pardo, produtor agrícola; Ignácio de Almeida Lara, alcaide da Vila e agricultor; Romão Alves de Oliveira, branco, 42 anos, comerciante de molhados, taverneiro dono da Venda do Fogo; Francisco José de Souza, pardo, 21 anos; Salvador Alvares Fragoso, branco, 46 anos, lavrador; Antonio de Campos bicudo, branco, 42 anos, negociante; Desidério José Luis da Motta, branco, 25 anos, carpinteiro. Segundo ainda Perecin, “Concluindo: destes onze, conhecemos a naturalidade de nove, dos quais apenas um declara ser nascido em Piracicaba. Destes mesmos onze, constatamos que oito era eminentemente “vítima urbanas”, os três artes~os (oleiro, ferreiro, caraopina), os dois negociadores, o alcaide e os dois que” viviam das suas agências”, embora estes três últimos também tivessem interesses rurais. Dos três agricultores, dois deles, pai e filho, possuíam interesses urbanos como fornecedores de carvão e certos trabalhos de ferraria. Porém, lembramos que Piracicaba, a exemplo das Vilas da época, possuía um estilo de vivência urbanorural. ”89 E aponta também, como suspeitos por terem escrito e distribuído os pasquins, o Tenente Coronel de Milícias Theobaldo da Fonseca e Souza, engenheiro (no sentido de ser proprietário de engenho) e latifundiário, um dos políticos mais 87 PERECIN, M.T.G. idem pg. 159 O termo “pichorreiro” deriva-se de pichorra, cerâmica, mas tem uma conotação pejorativa, que pode também significar poltrão ou covarde. 89 PERECIN, M.T.G., idem, pg. 142. 88 183 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais influentes no Partido dos 40 Coligados; os irmãos Carlos José Botelho e Alferes Manuel Joaquim Pinto de Arruda, igualmente Coligados, donos de engenho e proprietários de terra, ligados à nobreza colonial da época; Francisco José Machado, tabelião e escrivão da Câmara, de 25 anos; Antonio Sampaio de Barros era sacrist~o da igreja e propriet|rio da “Venda do Fogo”. Entre 24 de abril e 27 de maio, o então Juiz Ordinário, Manoel de Toledo e Silva, ouviu várias testemunhas e estudou o caso, sem, contudo encontrar provas suficientes, além do disse-me-disse e do ouvi dizer, visto que entre os acusados ficava difícil a apresentação de uma prova concreta, para os parâmetros de avaliação da época. Em sua sentença final, Toledo Silva conclui afirmando que “N~o procede { culpa de pessoa alguma!”. Fato confirmado três anos depois pelo Ouvidor Geral e Corregedor, Dr. Antonio de Almeida Silva Freire da Fonseca, que em 15 de setembro de 1826 afirmou “Julgo nula esta devassa por falta de prova!” A primeira sentença, contudo, transferiu aos responsáveis pela solicitação e iniciativa de ampliar a Rua Boa Vista, os custos processuais da ocasião, o que, segundo Perecin, ... restou aos peticionários, além dos dissabores e do pagamento das despesas atribuídas aos onze, ao Brandão coube a advertência da 19 ª. Quadrinha, ao Telles e ao Leme da Costa as advertências da 20 ª quadrinha. Humilhações. Não foi tudo. Às aspirações dos populares, o Direito das Gentes e à cidadania, contidas e espezinhadas, ainda restaram pendentes ameaças de violência a consumar-se no futuro. De sua ousadia em ser Povo nada sobrou, se n~o o ridículo dos versos na caricatura de um pasquim e o registro da memória. ” 90 Os primeiros tempos em Piracicaba As primeiras informações sobre o desenvolvimento da atividade da imprensa e da publicidade na cidade de Piracicaba foram localizadas apenas no ano de 1874, quando surgiu um jornal denominado “O Piracicaba”, propriedade da empresa Andrade Coelho & Cia., tendo como editor S.B. Andrade. Era publicado sempre às quartas-feiras e aos sábados.91 Ou como sugeriu Guerrini, “4 de julho - sob a redação do Dr. Brasílio Machado, surge em nossa terra o número inicial de” Piracicaba”, que foi o primeiro jornal editado na cidade. O Dr. Brasílio Machado era promotor público da comarca local. Cultor das letras, bom poeta e orador, foi autor da poesia” Piracicaba”, que deu { cidade o epíteto de” Noiva da Colina”. Compreendendo a necessidade do município, inaugurou a imprensa do burgo que muito amou. Piracicaba era propriedade de Andrade Coelho & Cia., tendo como editor S.B. Andrade. Publicava-se às quartas-feiras e aos 90 PERECIN, M.T.G., idem, pg. 163. GUERRINI, Leandro, “história de Piracicaba em Quadrinhos” ediç~o do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, volume 2, páginas 52/53. 91 184 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais sábados e seu preço de assinatura era de 10$000 anuais na cidade e 12$000 fora. Convém notar que, na época, a cidade ainda se chamava” Constituiç~o” e o título do órg~o seria influência forte do rio, um divisor marcante da tradição inconfundível que o Piracicaba representava. Na sua apresentação, dizia-se” Jornal imparcial, commercial e agrícula”. Saudou a populaç~o desta cidade, já tão adiantada em sua lavoura, commércio e indústria e considerou que o jornalismo é a luz, a vida, o progresso de todos os povos e Guttemberg o complemento de Jesus.” 92 A cidade tinha recém inaugurado a sua fábrica de tecidos, pertencente a Luis Vicente de Souza Queiroz, a Câmara Municipal cumprimentava a cidade pela inauguração da iluminação a querosene nas ruas e praças, que se estenderia até as dez horas da noite e os vapores comerciais que exploravam as águas do Rio Piracicaba, tinham notícias contínuas das suas atividades na cidade. Em 25 de outubro do ano seguinte, por obra de Brasílio Machado, “O Piracicaba” foi editado em inglês, para figurar numa exposiç~o industrial em Philadélphia, Estados Unidos. Depois disso, a outra notícia que se tem sobre a imprensa local é de 1 de outubro de 1876, quando outro jornal ,denominado “O Piracicabano” foi lançado. Segundo Guerrini, “l de outubro - Surgiu o primeiro número de O Piracicabano, o terceiro jornal da terra, na ordem de aparecimento. Era de propriedade de Joaquim Moreira Coelho, seu editor responsável. Pelo que a gente conclui, os dois anteriores e o presente eram uma só folha, isto é, mudavam os títulos e as datas, mas os tipos e o prelo eram os mesmos. Também é digno de registro o nome do jornal, não obstante a cidade chamar-se ainda Constituição. Colhemos esta informaç~o no Almanaque de Piracicaba para 1900.” 93 Inaugurando uma nova fase de expressão política e partidária, apresentado como o primeiro periódico bi-semanal a circular na cidade, “O Piracicabano” em seus editoriais procederá à discussão de propostas mais complexas daquele momento tais como representatividade dos governantes. Em 1 de outubro daquele ano, era publicado o primeiro número do jornal, atuando como tipógrafos José Pantaleão Lopes Rodrigues e Jorge Augusto Damasceno. É de 12 de janeiro de 1881 outra informação importante de Guerrini: “... 12 de janeiro - Para a história da imprensa local:” Leu-se um ofício do cidadão João Nepomuceno de Souza, comunicando a esta Camara ser ele editor responsável à publicação do jornal” Opini~o”, cuja tipografia se acha em sua residência { rua da Palma, número 24. Arquivese. ”94 92 GUERRINI, L., idem, pgs. 52/53 GUERRINI, L., idem, pgs. 60 e 61. 94 GUERRINI, L, idem, pg. 83 93 185 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Em 10 de junho de 1882, foi publicada a primeira ediç~o do jornal “Gazeta de Piracicaba”, o primeiro jornal di|rio de Piracicaba. “Liberdade de pensamento é responsabilidade do autor”. Esta frase, encabeçando o jornal “Gazeta de Piracicaba,em 10 de junho de 1882, foi o primeiro compromisso implícito da imprensa diária da cidade, que comemora nesta data os seus 106 anos de existência como jornal diário. Estão distantes da nossa realidade os compromissos daqueles dias, entretanto as preocupações com a cultura, teatro, os movimentos e lutas políticas, com a venda de gaiolas ou roupas, casas ou escravos, mas principalmente, o respeito à pluralidade de idéias que perpassavam a sociedade local há mais de um século, era um compromisso que se herdou da tradição liberal e que nos persegue até estes dias. Pouco maior que um tablóide, circulando as terças, quintas e sábados, este primeiro jornal diário da cidade mantinha, na sua primeira página artigos relacionados a temas diversos e compromissos filosóficos vários, que representavam o pensamento da época. A primeira manchete representava igualmente um vício. Falava do sucesso da apresentação de uma banda dirigida pelo maestro Antonio Gomes Escobar. A banda, entretanto, tinha se apresentado seis dias antes. Só que naqueles dias, a composição dos tipos de jornal era feita manualmente. As notícias não eram tantas assim, mas o jornal já representava um novo sintoma de progresso para a cidade.” 95 Outra constatação a partir do jornalismo diário que passou a ser praticado na cidade foi a sua aproximação com a maçonaria. “A maçonaria teve no passado, e mantém até hoje, influência discreta sobre as empresas de comunicação da cidade. E a história do jornalismo local, do romantismo à era da indústria cultural, tem evidentemente, características próprias, personagens, mas representa um elo importante para a compreensão da história do jornalismo brasileiro. Se a Gazeta surgiu como fruto da luta entre monarquistas e republicanos, a luta histórica entre conservadores e progressistas, outras publicações surgiram,dando à luta pelo poder político local, cor e sentidos próprios.” 96 O redator da “Gazeta” era Vitalino Ferraz do Amaral e a empresa, propriedade de Assis & Ferraz. Em 6 de fevereiro de 1885, o jornal foi vendido por Joaquim Borges aos profs. José Manuel de França Junior e augusto César de Arruda Castanho. Alguns dias depois, em 12 de abril, a “Gazeta” enfrenta o concorrente” O Piracicabano”, de forma inusitada, como nos relata Guerrini: “12 de abril - Consoante o registro competente, havia na cidade dois jornais, a Gazeta e O Piracicabano. Por 40$000 e 30$000 anuais, respectivamente, propunham-se ambos a publicar atos oficiais da municipalidade. Foi, entretanto aceita a proposta mais cara, da Gazeta, que conhecendo a oferta do colega citadino, ofereceu-se gratuitamente para fazer o trabalho em apreço.” 97 Ao participar da abertura de um evento denominado “Invent|rio da Imprensa Piracicabana, para alunos do sétimo semestre do Curso de jornalismo da 95 QUEIROZ, Adolpho C.F., “Piracicaba, 106 anos de imprensa di|ria”, Jornal de Piracicaba, 16 de junho de 1988. 96 idem 97 GUERRINI, L., idem. Pg.112 186 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Universidade Metodista de Piracicaba, em 9 de março de 1988, o jornalista, historiador e folclorista Jo~o Chiarini, assim definiu os objetivos da” Gazeta”: “O jornal era composto manualmente e surgiu como produto dos que acreditavam na República. Politicamente nada combativo, apareceu durante o regime monárquico, que tinha uma peculiaridade local: era representado por estes dois partidos, um encabeçado pelo Barão da Serra Negra e, outro, por seu genro Barão de Rezende. Preocupado quanto aos aspectos culturais da época, enfatizava o teatro e a literatura, sem deixar de abordar problemas locais. Lutava, por exemplo, para que a estrada de ferro chegasse ao município, o que acabou ocorrendo em 1894. Sua apresentação literária impressionava pelo requinte estilístico. O noticiário retratava acontecimentos sociais da época. Não possuía linha editorial rígida. As matérias assinadas refletiam a orientação impressa em sua primeira página. A Gazeta circulava com quatro páginas, sendo as duas últimas reservadas a anúncios de vendas de casas, gaiolas, roupas, escravos, etc. Sua diagramação seguia sempre o mesmo estilo: três colunas em cada página, variando somente as de publicidade feitas por reclamistas, responsáveis por suas ilustrações. O jornal possuía seção livre, destinada às pessoas interessadas em anúncios ou notas, os mais diversos desde falecimento a apresentação de orquestras. Trazia ainda uma coluna sobre Capivari, cidade vizinha, para onde eram enviados alguns exemplares.” 98 Temos finalmente notícias de um jornal de tendência monarquista intitulado “Jornal do Povo”, dirigido por Joaquim Luiz. E de um tablóide humorístico, denominado “O Bagre”, cujos exemplares s~o preservados através de microfilmes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Entre os episódios que marcaram a imprensa local no século XIX, um deles está registrado de forma peculiar por Guerrini, mostrando que “Em 26 de fevereiro - O Jornal do Povo, órgão citadino, era contrário, segundo a Gazeta de Piracicaba, à criação da freguesia ou paróquia de São Benedito, uma vez que a populaç~o da cidade n~o comportava a divis~o da antiga freguesia de Santo Antonio.” 99 Tem-se também, pelo relato de Gerrini, uma informação daquela que pode ter sido uma ediç~o extra do jornal “Gazeta de Piracicaba”, em 1891 , o da deposiç~o do então Presidente do Estado (atual Governador), Américo Brasiliense, desta forma: “19 de dezembro - Boletins distribuídos profusamente pelas ruas da cidade - talvez uma edição-extra da Gazeta de Piracicaba - davam conta ao povo da deposição do Dr. Américo Brasiliense do cargo de presidente do Estado, substituído que foi pelo Dr. João Alves de Cerqueira Cezar” 100 O fato causou constrangimento maior porque anteriormente, o Presidente do Estado (Governador), tinha sido o advogado ituano/piracicabano Prudente de Morais. 98 CHIARINI, Jo~o, “Invent|rio da imprensa Piracicabana”, boletim editado pelos alunos do Sétimo Semestre do Curso de Comunicação da UNIMEP, junho de 1988, número 8. 99 GUERRINI, Leandro, idem, pg. 180. 100 Idem, pg. 204. 187 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Em abril de 1893, ainda segundo Guerrini, pode estar outra pista sobre a prática do jornalismo diário na cidade, “11 de abril - O Jornal do Povo, órgão local, que defendia idéias monarquistas, com o Barão de Rezende no comando, passou a publicar-se diariamente. Se não nos enganamos, foi à primeira folha di|ria que contou nossa terra.” 101 De 1896, foi possível encontrar no mesmo autor, a informação sobre a primeira sessão de cinema ocorrida em Piracicaba. Num anúncio veiculado pela “Gazeta”, que dizia o seguinte: “18 de outubro - Primeiro anúncio de cinema publicado em Piracicaba, pela Gazeta, dizia” Ultima palavra da sciência! A maior maravilha do século! O cinematografo ou a fotographia animada. Vistas naturais animadas, da terra, do mar, do trem e dos navios! Quem não for cego deverá ver! Cenas e panoramas o que há de mais interessante! Entrada, 1$000. Cinco sessões, às 7, 7 e meia,8,8 e meia e 9 horas”.102 Outra informação significativa sobre a evolução na imprensa daqueles dias ocorre em 4 de outubro de 1898, e segundo Guerrini, “4 de outubro - Aniversário de Prudente de Morais, então presidente da república. A “Gazeta de Piracicaba” se apresentou em ediç~o melhorada, com o clichê do not|vel paulista coisa rara naqueles tempos. É um retrato a bico de pena, infelizmente de autor ignorado, mas fiel. ”103 De 1899, há dois acontecimentos importantes a registrar sobre a imprensa no final do século. Eles ocorreram entre os dias 5 e 6 de maio e foram assim assinalados na obra de Guerrini, “5 de maio - Faleceu nesta cidade o cidadão Leonídio Augusto de Souza Porto, natural de Sergipe e aqui se dedicara ao magistério. Redatoriava a” Gazeta de Piracicaba”, a qual, então, passou a ser dirigida pelo Dr. João Sampaio, 6 de maio - Deu o seu último número o “Jornal do Povo”, redatoriado por Joaquim Luiz, após alguns anos de existência sempre interrompida. Infelizmente não conseguimos descobrir ainda um só número desse órg~o. ”104 Pelos registros que se tem da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, estão microfilmados e lá guardados outros periódicos aos quais não se tem acesso em Piracicaba, mas, segundo consta, foram veiculados igualmente no século XIX, tais como “O Porvir”, cuja primeira ediç~o encontrada foi de 21 de maio de 1893, sendo editado pelo “Clube 4 de maio”; falava também do jornal “A Borboleta”, tendo sido encontrado um exemplar de julho de 1882; h| também “A Alvorada”, de junho de 1880;” A Democracia”, de julho de 1879. 101 Idem, pg.222. GUERRINI, L., idem, pg.263 103 idem, pg. 279 104 idem, pg. 286. 102 188 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Os jornais da época, portanto, eram porta-vozes dos primeiros passos de uma cidade que engatinhava. Por isso há tanto ineditismo em suas páginas: as primeiras escolas, os primeiros fonógrafos, o primeiro clichê, a primeira ferrovia, a primeira escola agrícola. Numa cidade plena de novidades, o Século XX despontava como promissor. E com ele, o desenvolvimento da imprensa tenderia a ser ainda muito mais representativo. Origens, diversidades e contradições No século XX, Piracicaba conheceu pelo menos oito jornais diários. O crescimento da cidade, aliado ao desenvolvimento tecnológico para a produção de jornais impressos, resultou num grande número de publicações, principalmente após a década de 60. De todos, foi o “Jornal de Piracicaba”, criado em 4 de agosto de 1900 o que tem tido vida perene, circulando ininterruptamente há 97 anos e prestes a ingressar no clube dos jornais centenários do estado de São Paulo.105 Sua criação foi liderada pelo engenheiro Buarque Macedo, então diretor da Fábrica de Tecidos Arethuzina, que teve na direção geral Alberto da Cunha Horta e a redação sob a condução do prof. Antonio Pinto de Almeida Ferraz. Era um sábado, 4 de agosto de 1900 quando foi veiculada sua primeira edição. A redação e as oficinas funcionavam no Largo do Teatro, número 1, o exemplar avulso custava 100 réis. Primeiras histórias em São Paulo A mais antiga fonte de pesquisa para conhecer as origens da publicidade na cidade est| impressa no primeiro jornal paulista, o “Farol Paulistano”, que tinha apenas quatro páginas, em formato pequeno, já publicava anúncios em suas edições. Depois dele, surge A Província, em 1875, como decorrência da articulação do movimento republicano no Estado, tendo sido o primeiro jornal a possuir venda avulsa dos seus exemplares, fato que até hoje é estampado num dos logotipos do jornal que mostra um homem a cavalo, com uma buzina de chifre na mão, anunciando o jornal pelas ruas da cidade. Seu nome era Bernardo Grégoire, que auxiliava na impressão do jornal e que ficou famoso e imortalizado na marca construída pelo artista plástico J. Wash Rodrigues, que criou o selo Ex-Libris, que o jornal ainda veicula, como tendo sido o pioneiro na venda pública do produto. Ao publicar o seu invent|rio “A S~o Paulo do tempo dos reclames”, o jornalista Pedro Yves admitiu que “poucos registros de propaganda havia em S~o Paulo e sequer as lojas colocavam letreiros, porque poucos sabiam ler, em pouco 105 Os demais jornais paulistas com mais de cem anos de atividades s~o: “Di|rio Popular”, 1884, publicado na cidade de S~o Paulo; “O Di|rio do Rio Claro”, 1886, publicado na cidade de Rio Claro;” O Pindamonhangabense”, 1890, publicado em Pindamonhangaba;” O Estado de S~o Paulo”, 1890, publicado na cidade de S~o Paulo e “A Tribuna”, 1894, publicado na cidade de Santos. 189 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais mais de um século a cidade explodiria em tamanho e riqueza. E a propaganda acompanharia essa evoluç~o”. (YVES, P. pg.55) O pesquisador igualmente mostrou que “ainda na primeira metade do século XIX, vindas do Rio de Janeiro, chegam a São Paulo as lavouras de café, que se espalham pelo Vale do Paraíba e daí para o Planalto Paulista. Uma era de riqueza estava por vir e os anúncios e reclames vão ofertar terras para a lavoura e implementos agrícolas. A São Paulo Railway (depois estrada de ferro Santosjundiaí), que vai transportar parte dessa riqueza, chega à capital em 1867. Trazem do porto as últimas novidades da Europa. A capital entra na rota da moda.” (YVES, P. pg.55) A abolição da escravatura de 13 de maio de 1888 força a substituição dos escravos pelos imigrantes europeus e os anúncios passam a ganhar novos formatos, com o uso de clichês “espécie de carimbos de chumbo que permitem reproduzir ilustrações. Muitos anúncios s~o de serviços oferecidos pelos imigrantes italianos.” (YVES, P., pg.58) É daquele período igualmente a criação de revistas como a Arara e a Vida Paulista, que funcionavam com o formato de revistas, mas que tinham como principal compromisso a difusão de publicidade. Veículos que sobrevieram graças aos anúncios que veiculavam. Mas foi a partir de 1900, como conta em seu artigo o portal Memória da Propaganda Nacional, “com o surgimento da Revista Semana, que se inicia uma nova fase com uma linguagem menos agressiva, atualidades e preocupações literárias. Muitos nomes de anunciantes tornaram-se famosos na época: Drogaria J.Amarante, Loteria São Paulo, Vinho Baruel, Leiteria Mandaqui.” São Paulo também é a cidade pioneira na instalação de uma agência de publicidade. Foram os profissionais e agenciadores de anúncios dos jornais impressos da época – especialmente do jornal O Estado de S.Paulo – João Castaldi e Jocelyn Benaton, que fundaram a primeira agência de publicidade que passou a funcionar na cidade e no Brasil. Sua origem jurídica é a empresa Castaldi & Benaton e o seu nome funcional passou ser “A Eclética”, que desde o mês de maio de 1914 passou a operar profissionalmente com o campo da publicidade. Até então, contou-me Júlio Cosi Filho, filho de um sócio que ingressou posteriormente na sociedade, Júlio Cosi, igualmente outro pioneiro no campo profissional, “os pequenos anúncios eram levados especialmente aos balcões de anúncios do Estadão, de forma pouco controlada. Foram o Castaldi e o Benaton que resolveram alugar um espaço para agenciar estes anúncios, dando-lhes forma redacional mais adequada e cobrando por isso, livrando o jornal do ônus de uma produção sem uniformidade nas páginas dos pequenos anúncios. Com o sucesso da investida, eles passaram também a oferecer os serviços de agenciamento e criação de forma mais profissional.” 190 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais São de 1941 uma das mais bem sucedidas campanhas publicitárias criadas em S~o Paulo, cujo “recall” existe ainda hoje. A criaç~o do personagem Jeca Tatu, pelo escritor Monteiro Lobato, que adoeceu e na época foi convencido pelo comerciante Candido Fontoura a experimentar o seu “Biotônico Fontoura”. Lobato melhorou e como retribuição criou o personagem que tinha se adoentado nas roças, contraindo o “bicho de pé” e que se fortalecia ao tomar o remédio do Dr.Fontoura. Lobato publicou na época 10 milhões de exemplares do seu almanaque, popularizando o tema e tornando o seu personagem e o seu produto, best-sellers da propaganda brasileira. Enquanto Fontoura fazia sucesso de um lado, em 1930, os irmãos Lever criavam a sua primeira fábrica na Vila Anastácio, a 12 quilômetros do centro de São Paulo. “Em pouco tempo estava no mercado o sab~o Sunlight made in Brazil” (Gessy Lever, 2001) e depois dele vieram empresas que se associaram aos irmãos Lever, como a Anderson Clayton e a Gessy, que passaram a fabricar manteigas, sabonetes e a investir maciçamente em radio-novelas e depois em telenovelas, associando a Gessy Lever à difusão destes produtos culturais que galvanizaram as audiências no Brasil dos anos 30, via rádio e depois dos anos 50, através das novelas pela televisão. Criação da revista Propaganda Foi em agosto de 1929 que surgiu a empresa pioneira na exibição de outdoors. Seu nome: Publix, em atividades até hoje, fundada por Amadeo Viggiani e Marta Paturan de Oliveira, que trabalhava de forma extremamente artesanal, pois os “anúncios eram pintados { m~o, o que favoreceu o desenvolvimento de toda uma escola de letristas e ilustradores de cartazes. Nos galpões das empresas, falavase um pouco de cada língua, pois muitos desses profissionais vinham de várias regiões do mundo, para trazer sua arte a um país que estava apenas aprendendo o que era industrializaç~o.” Eram tempos em que também os bondes passaram a veicular interna e externamente, cartazes anunciando diversos produtos. Fundado em 1929, o jornal “Di|rio de S.Paulo” foi respons|vel por uma interessante inovação no campo promocional na cidade de São Paulo, tendo sido o criador do primeiro concurso de vitrinas em 1930, quando se saiu vencedora a Casa Alem~. Segundo Pinho, “o Departamento de Publicidade do jornal incumbiu-se desta e de outras promoções, além de montar uma equipe própria para angariar anúncios”. 191 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O pioneirismo na televisão, PRF 3 A televisão no Brasil inicia-se sob o signo do improviso, em 18 de setembro de 1950, quando o jornalista Assis Chateaubriand importou equipamentos dos Estados Unidos, construiu as instalações físicas da nova emissora e quase às vésperas de sua inauguração, percebeu que lhe faltava um detalhe fundamental: não existiam no país receptores de televisão capazes de receber as mensagens da nova emissora. A primeira grande campanha publicitária da televisão brasileira não foi para vender perfumes ou serviços, mas para vender os próprios televisores. A cadeia de jornais de Chateaubriand passou a veicular intensamente a venda dos aparelhos de televisão, com o objetivo de popularizar a nova mídia. Com os primeiros programas, surgem as garotas propaganda, responsáveis pela informação ao vivo, referentes a produtos e serviços. Neide Alexandre, Idalina de Oliveira, Meire Nogueira, Maria Rosa, Odete Lara, Wilma Chandler, viveram as delícias e agruras do improviso diante das câmeras de televisão, enquanto vendiam mensagens de empresas como a Antarctica,Moinhos Santistas, Pratas Wolf e Sul América Seguros, entre outras Mas foi com a telenovela “O direito de Nascer” que os produtos da Gessy Lever estouraram nas vendas. A identificação dos personagens Albertinho Limonta, vivido primeiro pelo ator Amilton Fernandes e depois por Sérgio Cardoso e a empregada Isaura Bruno, dirigidos pelo jovem diretor José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que transformaram produtos como Omo, Rinso, Lux e Minerva em gêneros de primeira necessidade das donas de casa, sob o olhar triunfante da Gessy Lever. João Castaldi, o pioneiro da publicidade no Brasil Para recuperar a profissionalização do campo, é preciso recontar a história de um dos seus pioneiros, o publicitário e jornalista João Castaldi, criador da primeira agência de publicidade que se tem notícia no país. Ela se chamava “A Eclética”, foi fundada na cidade de S~o Paulo em 1914. Sua filha, Íris Castaldi mantém grande acervo contendo recortes de jornais e fotos do pai e encaminhou-os gentilmente para a confecção deste artigo. O segundo endereço da “Eclética” foi o Edifício Guinle, na rua Direita, número 10, onde a empresa alugou metade da sobreloja. Como primeiro sócio, Castaldi escolheu Jocelin Benaton. Ao grupo, incorporou-se posteriormente Eugênio Leuenroth. Pela proximidade de Castaldi com o jornal “O Estado de S.Paulo”, a agência atuou especialmente na captação de anúncios, desde os pequenos até os mais elaborados, para aquele jornal e também para o Diário Popular. 192 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Uma das primeiras batalhas de Castaldi foi conseguir junto aos jornais o pagamento de comissão/desconto de 20% pela captação e veiculação dos anúncios publicitários. A outra, de fixar a marca, também foi iniciativa de Castaldi, conforme ele mesmo escreveu em artigo publicado na revista “Propaganda”: ”... idealizei uma tabuleta que provocava aglomeração diante das nossas instalações: diversas cabeças de sábios gregos a apontar para o letreiro A Eclética”. Na época Castaldi também exercia a função de diretor-gerente do jornal “A Capital”, que funcionava em instalações contíguas {s da Eclética, onde a agência utilizava material tipográfico para construir lay-outs, compor os anúncios, tirar provas e apresentá-las aos clientes para aprovação. Não raro, quando o jornal imprimia algum material em cores, as provas apresentadas aos clientes eram coloridas. Desta ação circunstancial, surgiu a idéia do primeiro anúncio em cores publicado pela imprensa brasileira. Ele foi veiculado na primeira paginado jornal “O Estado de S.Paulo”, em sua edição de 30 de maio de 1915, para divulgar a chegada do Cimento Aalborg, da Dinamarca. A empresa anunciante era a Cássio Muniz & Cia. estabelecida na rua São Bento, nº 12. O anúncio era basicamente composto de um titulo “Cimento Aalborg, da Aslborg Portland Ciment Fabrik, Dinamarca”, um texto de três par|grafos, destacando as qualidades do produto, concluindo-se com a assinatura do cliente, Cássio Muniz & Cia, com endereço e telefone para contato. E foi publicado ao lado de outros pequenos anúncios, em preto e branco. Era bastante comum à época a veiculação de anúncios na primeira página dos jornais. É do próprio Castaldi, no artigo citado da revista “Propaganda”, o depoimento sobre este episódio, que reproduzo a seguir: “Entre os vários clientes que eu conquistara para trabalhos tipográficos, colaboração jornalística e convívio pessoal, contava-se o saudoso Cássio Muniz, cuja firma ainda hoje é uma das mais importantes de São Paulo. Era um cavalheiro sagaz, clarividente e progressista. Laços de simpatia mútuas nos ligaram. Cássio Muniz, pela sua organização, representava entre outras, a Fábrica de Cimento Aalborg. Certa feita recebeu dela enorme partida de cimento que necessitava colocar, mediante um impacto de propaganda, que hoje poderíamos chamar de promoção de vendas especial. Naturalmente eu exercia junto a esse cliente a função de contato da Eclética. Informado do problema a ser enfrentado pelo referido anunciante, pus-me a imaginar algo espetacular, algo fora do comum. Foi quando surgiu a idéia de publicar na primeira p|gina de “O Estado de S.Paulo” um anúncio a cores. Falei com o amigo Felinto, do “Estado”, falei com o cliente... De todo lado só encontrava atitudes de descrença e reprovaç~o...”. Um”. anúncio a cores?! Um jornal sério n~o publica anúncio a cores. Por outro lado, o cliente não concordava com o preço, que então orçava, se não me engano, entre 2 a 4 contos. Preparei a composição, tirei a prova. Fui mostrá-la a Cássio Muniz. A primeira reação foi de desagrado. A batalha estava quase perdida. Voltei à tipogafia, nova disposição de tipos e clichês. Nova prova. Esta já na cor em que apareceria no jornal. Tive que realizar o máximo de minhas forças para “vender” a idéia. Recorri a tudo que minha oratória pode lançar m~o. Afinal 193 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais o cliente foi vencido! Obtive o assentimento de Cássio Muniz para apresentação do trabalhoso anúncio em cores. Faltava, porém convencer o jornal. Nova argumentação. Novo empenho. Novo trabalho de venda. Afinal, depois de prolongados debates, que duraram dias e dias, a idéia maluca obteve aquiescência do vetusto jornal da paca Antonio Prado. Um dia, o anúncio a cores é rodado na primeira p|gina de “O Estado de S.Paulo”! A surpresa, o sucesso, foram imediatos. imediatos. indescritíveis. Todos a telefonar ao Cássio! Todos a gabá-lo! Era de ver com que satisfação, com que orgulho o cliente recebia os aplausos... Foi uma grande vitória que refletiu imediatamente, acelerando as vendas do Cimento Aalborg.” A profissionalização na área dava os seus primeiros passos. Castaldi, o velho jequitibá. João Castaldi nasceu em Campinas, em 16 de novembro de 1883, às 17 horas, conforme consta em seu registro de nascimento, filho de Afonso Castaldi dei Ruccillo e Cristina Castaldi, ambos italianos de nascimento. Iniciou sua trajetória na área de comunicação em 1896, com 13 anos de idade, como gráfico e depois como cronista social no jornal “Comércio de S~o Paulo”. Aos 15 anos, em 1898, passou a dirigir o Curso Gráfico do Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, de Campinas, cabendolhe ainda a responsabilidade da paginaç~o do primeiro número do jornal “Di|rio de Campinas”, de Antonio Sarmento. Em 1905 foi um dos fundadores da União dos Trabalhadores Gráficos e das Ligas de Resistência de defesa das aspirações sócio-econômicas da classe operária, tendo sido precursor nas defesas da justiça social e da organização sindical no país. Em 1908, viajou a França, onde permaneceu dois anos e aos Estados Unidos, onde permaneceu mais cinco anos, capacitando-se profissionalmente. Tinha ent~o 25 anos, j| era casado e possuía dois filhos. Nos EUA dirigiu o jornal “Las Novedades”, tendo trabalhado ainda em periódicos como “Le Progress” e “The New York World”. Organizou em terras norte-americanas a Universidade Popular de Newark e a Ordem Maçônica filhos da It|lia, da qual foi “vener|vel e delegado supremo”, tendo recebido do jornal “New York Times”, grandes elogios, por ter tido a iniciativa de desviar da delinqüência numerosos trabalhadores italianos. Aprendeu por lá o ofício da linotipia e era exímio montador dos equipamentos da empresa “Mergenthaler”. Em 1912 fundou o jornal “A Capital”, que entre outros méritos, teve o de reunir, durante o episódio da gripe Espanhola, em 1918, ajuda para mais de 35 mil pessoas. O jornal foi transformado em posto da Cruz Vermelha e conseguiu donativos, remédios, alimentos e encaminhamentos para tratamento adequado das pessoas. Também foi fundador da Associação Paulista de imprensa, Associação de imprensa do Interior, Sindicato das empresas proprietárias de jornais e revistas do Estado de São Paulo, da Sociedade Pan-Americana do Brasil, entre outras. Foi dele 194 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais igualmente a proposta, incluída na Constituição de 1946, de um artigo que isentava de impostos os jornalistas, escritores e professores, além da isenção de impostos para a compra de papéis destinados à impressão de jornais e de livros. Foi precursor também no campo da ética, criando em 1945 a União dos Jornalistas de São Paulo, que lutava especialmente pelo cumprimento da honra, da dignidade e a ética no campo profissional entre os homens da imprensa paulista. Foi casado duas vezes, a primeira com Nazareth Pastori Castaldi, com quem teve oito filhos (Íris, Afonso, Imaculada, Ainda, Orfeo, Amílcar, Ior Oreste e Flávio). E a segunda com Ema Gargano Castaldi, com quem teve mais dois filhos ( Nazareth e Ivan).De todos os 10 filhos, apenas Amílcar faleceu. Os demais deram ao “Velho Jequitib|”, apelido que o consagrou perante seus pares, 17 netos e 14 bisnetos. Castaldi faleceu em 18 de julho de 1974, aos 90 anos. Recebeu v|rias homenagens em vida, como o titulo de “Doutor Honoris Causa”, em Ciências Econômicas pela Academia Universal Constantiana e a Medalha da República “Bar~o do Rio Banco”. Post-mortem, em 22 de maço de 1975, através do decreto nº 11.892, recebeu do então prefeito de São Paulo, Miguel Colasuono, a denominação de seu nome, como Avenida (a antiga Eucaliptos, que começa na Avenida Santo Amaro e termina na Avenida Ibirapuera, no Jardim Novo Mundo, 30º subdistrito de São Paulo). Clientes pioneiros Entre os principais clientes da “Eclética” estavam a Ford e a Texaco. Um dos primeiros trabalhos da agência foi o de criar mapas para a Texaco mostrando onde estavam localizados os postos de gasolina nas principais estradas brasileiras. Além destas, trabalhou para o Sabonete Lux, sapólio Bom Ami, Guaraná Chapagne, Maisena Durye, Kolinos, Palmolive, Parker Pen, Gillette, Aveia Quacker, Biscoitos Aymoré e sabonetes Eucalol. Após a primeira fase sob o comando de Castaldi e Benaton, a empresa passa a ter novo desenvolvimento com a abertura de uma filial no Rio de Janeiro, já então sob a direção de Júlio Cosi e Eugênio Leuenrouth. Conforme lembrou em depoimento, Cosi afirmou que: “A Eclética serviu as contas mais importantes na época. Para a Ford, fiz uma viagem por todo o Brasil para fazer ligações nossas com os jornais do país e fazer com que os agentes da Ford se associassem à Ford, no cômputo das despesas de propaganda local. Surgiram então os primeiros contatos com os veículos dos estados e as primeiras autorizações de anúncios, prevendo tamanho, data, preço do anúncio e envio do comprovante. Com estes contatos surgiram às representações de alguns jornais, servindo assim “A Eclética” de modo leal às outras agências do ramo” 195 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O próprio Cosi lembra-se dos principais redatores e ilustradores contratados pela “Eclética” para darem forma aos anúncios da época. Entre eles, cita: “Nessas oportunidade, diversos escritores amigos eram solicitados por nós para o preparo dos textos. Citamos os poetas Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, romancistas como Orígenes Lessa, Antonio Ribeiro da Silva, Afonso Schimidt e Dieno Castanho. Para ilustrações, artistas como Voltolino, Belmonte, Moura, Lanzara, Ninno Borges, Vicente Caruso, Humberto Pacce, Guimarães, Jairo Ortiz, Peter Salm, Pery Campos, e outros” Outro pioneirismo da “Eclética” na época foi a utilizaç~o das malas-diretas, que segundo Cosi: “A Eclética fazia este tipo de propaganda e tinha um aparelhamento “addressograph” para endereçar sua própria mala direta e a de seus clientes”. A criação do primeiro anuário de propaganda, feita pela pioneira das agências, esbarrou num grande problema político, pois o Anuário da Imprensa Brasileira foi proibido pelo D.I.P., Departamento de Imprensa e Propaganda do governo, sob a direção de Lourival Fontes, já que aquele departamento, na época, também cuidava de publicar edição similar. Outra grande luta liderada por Cosi foi a de acabar com o preconceito dos comerciantes da época, que colocavam em seus estabelecimentos, cartazes com dizeres pejorativos, tais como, “N~o atendemos agentes de propaganda, nem damos esmolas” Esta iniciativa dos comerciantes fez com que os profissionais da época se esforçassem para divulgar os atributos positivos e estratégicos da propaganda e da publicidade como serviços essenciais ao bom funcionamento do comércio e da prestação de serviços, fazendo editar cadernos explicativos sobre o papel da atividade junto ao comércio, indústria e aos veículos. O pioneirismo de Manoel de Oliveira, o Gaúcho, em Piracicaba Com a evolução do jornalismo impresso na cidade, floresceram os pequenos anúncios de vendas de imóveis, remédios, prestação de serviços médicos, advogados, alfaiates, costureiras, etc. A existência da imprensa diária no final do século XIX amplia a presença da propaganda nos meios de comunicação locais. Contudo é no século XX que ela ganha maior força e representatividade. Para TAVARES, QUEIROZ, ZACARIA e GONÇALVES (1998), “nesta época a cidade passou por uma transformação mercadológica, resultado da abertura de grandes agências de propaganda. Entre elas destaca-se a Bazes, a primeira agência da cidade de Piracicaba, sendo pioneira em iniciativas mercadológicas e modernização, utilizando sistema de silk-screen fotográfico, criando e produzindo material 196 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais publicitário, entre brindes e promoções, como a que fez para celebrar o campeonato de futebol em 1970, quando vários banners foram fixados com as fotos da seleção brasileira tendo como suporte a Catedral de Santo Antonio ,de Piracicaba. A chegada de Renato Wagner a Piracicaba, como relatam AGUARI, QUEIROZ, GONÇALVES e ZACARIA (1998), “trazendo a experiência da Mc Cann Erickson implantou um novo conceito na cidade, estimulando a inauguração da sua própria agência, a Piracicaba Publicidade. E a partir de então passa a criar logotipos para diversas empresas e desenvolver trabalhos ligados às artes. Entre os seus clientes destacam-se o Restaurante Mirante e a Caninha Cavalinho A L.H promoções e Propaganda foi fundada no dia 22 de fevereiro de 1973, situa-se também entre as pioneiras e prestava serviços como o desenvolvimento de logotipos, mala-direta, planejamento gráfico e visual; e foi uma das grandes responsáveis pela modernização dos anúncios publicitários veiculados pelo Jornal de Piracicaba. Luiz Henrique da silva Lima e Iliana Athié de Lima, sócios-proprietários da empresa, contavam também com uma equipe de artes formada por Renato Cosentino e José Eduardo de Luca Cunha. Na década de 50, contudo, o pioneirismo na cidade é atribuído a Manoel de Souza Oliveira, o Gaúcho, que abriu em Piracicaba a sua empresa produzindo e locando painéis publicitários. Na ocasião existiam apenas duas empresas com o mesmo tipo de serviços na capital, a Pintex e a Novelli Além destas, Gaúcho também foi pioneiro no lançamento de carros de som na cidade, tendo sido candidato a vereador na cidade e inaugurado o sistema para divulgar a sua própria campanha. Segundo ALVES, (2008) “em 1945, o Gaúcho era responsável pela área de comunicação da Companhia siderúrgica Nacional, CSN, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. O apelido surgiu porque a maior parte dos seus colegas de trabalho era do Rio Grande do Sul e porque uma de suas telas chegou às mãos do Presidente Getúlio Vargas. Por ser exímio artista plástico, por diversas ocasiões presenteava os amigos com suas obras de arte. Foi aí que veio a vontade de se aprimorar inclusive como letrista e deixar para abrir o próprio negócio.” Ainda na reportagem que escreveu no Jornal de Piracicaba sobre o pioneiro, o jornalista Rodrigo Alves informa que “a cidade escolhida por Gaúcho foi Piracicaba porque ele precisava suprir a demanda da empresa francesa Societè Sucrerie Brésilienne, fabricante dos conhaques Napoleão (a mesma que havia adquirido o Engenho Central). Sua oficina funcionava num galpão na rua Santa Cruz entre as ruas XV de Novembro e Moraes Barros.” Num depoimento dado por seu filho, Luis Carlos de Oliveira, que hoje dirige os negócios da família, a Gaúcho Painéis, o pai também atendeu clientes do porte da Cinzano e da Martini & Rossi, Souza Cruz, Alpargatas, Codistil, entre outras. “Ele 197 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais instalava os painéis publicitários nas montanhas de rodovias como as que ligava São Paulo a Santos. Eu era muito criança, mas o acompanhava em algumas ocasiões. Para carregar os painéis a equipe percorria trilhas no meio das matas, chegando a andar quilômetros a pé com o material desmontado”, lembrou em entrevista a Alves (2208). E informou também, na mesma entrevista que “para fazer os painéis, Gaúcho tinha a ajuda da esposa Amires, que fazia as ilustrações das pinturas. Era um trabalho realmente artístico, de dar vida ao material. Ele conseguia fazer todo o trabalho sem deixar uma mancha de tinta na roupa.” Conclusões O surgimento da primeira agência de publicidade no país trouxe consigo a profissionalização do campo. Aos pioneiros devemos reverenciar a coragem e o empreendedorismo que superaram obstáculos, preconceitos e trouxeram um alto grau de criatividade nas relações entre o comércio e a indústria, os veículos e os profissionais. Hoje a publicidade movimenta boa parcela do PIB brasileiro, é reconhecida internacionalmente pelas suas qualidades e tem sua utilização largamente difundida. A fundação da Associação Brasileira de Propaganda e da Associação Paulista de Propaganda, no ano de 1937, marcou definitivamente a entrada dos profissionais na era de um relacionamento mais comprometido e qualificado com clientes e veículos. A partir delas um associativismo de qualidade tem conduzido o país a um patamar importante , que avança com a criação do capitulo brasileiro da International Advertising Association, em 1973 e depois com a Federação Nacional das Agências de Propaganda em 1979. Depois disso, em 1980, cria-se o Conar, Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária responsável pelo crescimento ético da profissão. O ensino de publicidade é outro fator estratégico fundamental para o desenvolvimento da atividade em nossos dias. São mais de 400 cursos de graduação nas várias regiões brasileiras, diversos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, cursos de especialização e aperfeiçoamento constante da área, que colocam o Brasil. Igualmente diversificada tem sido a produção de livros, sites especializados, revistas, jornais, que dão à área de publicidade e propaganda, notoriedade e amplitude de interesse como profissão e como ciência. A partir de João Castaldi, o velho jequitibá, a publicidade e a propaganda encontraram no Brasil um cenário fértil para o seu desenvolvimento e para a sua criatividade, transformando clientes, veículos e agências em parceiros insubstituíveis. 198 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais No interior, em Piracicaba a presença de uma pasquinada no século XVIII e a evolução até chegarmos à comunicação através da Internet, igualmente mudou o campo da publicidade, influenciando decisivamente empresários e as novas gerações de profissionais, estudantes e pesquisadores sobre o tema. Dos jingles inesquecíveis, Piracicaba tem uma contribuição importante, com relação à Caninha Tatuzinho, uma das empresas que mais investiu no campo publicitário. Ficou famosa a canção “Ai Tatu/ Tatuzinho/ Me abre a garrafa /E me d| um pouquinho” Referências Bibliográficas Alves, Rodrigo. Pioneirismo marca propaganda local, in Caderno Movimento, página 1, de 21/09/2008, Jornal de Piracicaba, SP, Gessy Lever, história e histórias de intimidade com o consumidor brasileiro, São Paulo, Unilever, 2001. Pinho. J.B. Trajetória e questões contemporâneas da publicidade brasileira. GTs da INTERCOM, 1995. Depoimentos. Documentos da Propaganda, Associação Paulista de Propaganda, São Paulo, 1973 Depoimento de Íris Castaldi, filha de João Castaldi, ao autor, 11/2005. Depoimento de Julio Cozzi Filho ao autor, em março de 2005. Pinheiro Agnaldo e Sabadin, Celso (organizadores). Outdoor,uma visão do meio por inteiro, Central de outdoor. São Paulo, 1990. Queiroz, Adolpho (organizador). Propaganda, história e modernidade. GT de Publicidade e Propaganda da Rede Alfredo de Carvalho, Editora Degaspari/Rede Alcar, Piracicaba, 2005. Sotaques regionais da propaganda, GT de Publicidade e Propaganda da Rede Alfredo de Carvalho, Editora Arte e Ciência, São Paulo, 2006. Machado, M.Berenice e Araújo, Denise Castilhos. (orgs) História, memória e reflexões da propaganda no Brasil. Editora Feevale,2009. Queiroz, Adolpho. Zacaria, Rosana e Gonçalves, J.Carlos T. Anais do 7º Congresso de Iniciação Científica da Universidade Metodista de Piracicaba, março de 1986, páginas 193/195 e 269/274. 199 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Queiroz, Adolpho. A trajetória do Jornal de Piracicaba, 1900-1997, mimeo, tese de doutorado – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1998. Yves, Pedro. Annuncios paulistanos. Editora referência, São Paulo, 2004. A COMUNICAÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS José Estevão FAVARO Universidade Presbiteriana Mackenzie Petra Sanchez SANCHEZ Universidade Presbiteriana Mackenzie O homem, desde o momento de sua criação, buscou comunicar-se e expressar suas idéias, visando satisfazer suas necessidades e desejos, mesmo que inicialmente de um modo tosco e agressivo e aos poucos de forma mais elaborada e criativa. Através da comunicação estimulou seus semelhantes e passou a ser por eles estimulado. Obteve e manipulou informações que lhe deram maiores poderes e lhe permitiram tornar-se mais competitivo e diferenciado. Figura 1 – Pintura de Michelangelo, Detalhe do teto da Capela Sistina – Vaticano Fonte: Coleção Grandes Impérios e Civilizações, o Mundo do Renascimento: arte e pensamento renovam a Europa (1997). Com o tempo, foi registrando sua presença no mundo. Em vista disso, desenvolveu meios para conseguir seu intento e os aprimorou paulatinamente. Segundo Hooker, não se pode apropriadamente falar em um único ponto de origem e vários pontos de evolução diacrônica, mas em métodos distintos e sociedades diversas: A raça humana adotou quatro métodos principais de estabelecer registros ou de transmitir informações: os pictogramas, a escrita analítica, os sinais silábicos e o alfabeto. Esta 200 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais lista que fizemos não implica uma hierarquia cujo ponto culminante seja o alfabeto. As chamadas sociedades “primitivas” que empregam pictografias podem ser t~o complexas em seus modos de pensamento quanto os usuários de outros métodos: mas se trata de uma ordem diversa de complexidade. As pictografias foram usadas sobretudo por comunidades de caçadores e de agricultores, cujos exemplos mais bem documentados são os índios norteamericanos. Os outros métodos se desenvolveram em economias mais complexas, detentoras de tecnologia mais avançada usualmente, portanto num meio urbano. Existe uma outra diferença, e essencial, entre o método pictográfico e os outros. As pictografias não têm referencia lingüística de qualquer espécie; retratam um acontecimento, ou transmitem uma mensagem, por meio de uma série de desenhos. Dificilmente se poderia dar a esse recurso o nome de escrita. (HOOKER, 1996, p. 9) Exemplo do que Hooker afirma é o conjunto de pictogramas registrados por pré-históricos habitantes da caverna de Lascaux, na França (Figura 2). Lá se encontram desenhos complexos e, ao mesmo tempo, primitivos, se comparados com outras civilizações de economia mais avançada, como é o caso dos antigos povos egípcios. Figura 2 - Teto da caverna de Lascaux, na França. Fonte: Coleção Grandes Impérios e Civilizações, França: uma civilização essencial (1997). Pode-se dizer que, desde os primórdios dos assentamentos humanos, a propaganda já era praticada, visto que um camponês poderia levar para o seu povoado, em sua carroça, produtos como frutas, e trocar, por exemplo, por agasalhos vendendo o restante a quem tivesse interesse e necessidade, mediante 201 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais uma oferta que era anunciada por meio de gritos e gestos. Tal fato estratégico encontra apoio nos relatos de Kotler e Armstrong106 (1991): Os mais antigos registros históricos nos dão notícia da propaganda. Arqueólogos trabalhando em países ao redor do Mar Mediterrâneo descobriram escritos anunciando vários eventos e ofertas. Os romanos pintavam as paredes para anunciar lutas de gladiadores, e os fenícios pintavam figuras promovendo seus artigos em grandes rochas ao longo de rotas movimentadas. Uma pintura em uma parede de Pompéia louvava um político e pedia votos ao povo. (KOTLER e ARMSTRONG, 1991, p. 304, apud BERTOLOMEU, 2002, p. 15). Entretanto, a propaganda, dentro no cenário mundial, cresceu de maneira significativa somente no final do século XIX ou início do século XX, conforme argumentava Vestergaard e Schroder em seus estudos sobre a linguagem da propaganda: O contexto social e institucional em que se situa a propaganda nos dias de hoje definiu-se, portanto, no início do século atual: mercadorias produzidas em massa, mercado de massa atingido através de publicações de massa, cuja fonte de renda mais importante é a propaganda, bem como uma indústria da propaganda responsável por todas as grandes contas. (VESTERGAARD E SCHRODER, 2000, p. 4) No Brasil, a necessidade de informar por meio da publicidade, de divulgar e apresentar características dos serviços prestados, seguiu esses mesmos padrões descritos por Vestergaard e Schroder, conforme lemos em Marcondes: Antes ainda do final do século XIX, uma nova série de serviços e produtos começa a se incorporar ao elenco de artigos que se anunciam. Lojas, hotéis, remédios e alguns produtos importados, trazidos por caixeiros-viajantes ou famílias ricas, passam a ocupar seu espaço. Na maioria dos casos, os anúncios consistiam em texto puro, mas datam já dessa época as primeiras ilustrações – trabalho original de artistas plásticos da época, que se transformaram assim no primeiro contato produtivo entre arte e propaganda. [...] O anúncio, formato tão habitual na mídia impressa contemporânea, nasce assim de uma colagem de recursos e manifestações pré-existentes e conhecidos. Da literatura e do jornalismo, a publicidade importou o texto: do desenho e da pintura, trouxe as ilustrações – dando origem ao universo conhecido das pessoas. Uma armadilha para assegurar eficácia aos objetivos publicitários de comunicar e vender. (MARCONDES, 2002, pp. 15-16) Com a disseminação da propaganda e com a criação dos cursos destinados à formação dos profissionais dessa área, iniciou-se também o desencontro quanto ao emprego de termos que, posteriormente, passaram a ser considerados sinônimos. Nos dias atuais, publicidade e propaganda são termos aceitos como sinônimos no mercado publicitário. Originalmente, porém, e nas definições que ainda podem ser encontradas nos dicionários de comunicação, esses vocábulos 106 KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1991 apud Bertolomeu, 2002 202 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais apresentam-se com diferenças significativas, advindas até mesmo da origem das palavras. Várias instituições de ensino superior divergem em relação à nomenclatura adotada para seus cursos. Algumas os caracterizam como sendo de Publicidade e Propaganda, outros, simplesmente de Propaganda. Nesse sentido, vale apresentar a definiç~o, do verbete “Propaganda”, incluída no Dicionário de Comunicação, de Rabaça e Barbosa. Porém, é preciso informar que esse mesmo dicionário registra o voc|bulo “Publicidade” como sinônimo de Propaganda, assim apresentado: Propaganda – (...) No Brasil e em alguns outros países de língua latina, as palavras propaganda e publicidade são geralmente usadas com o mesmo sentido, e esta tendência parece ser definitiva, independentemente das tentativas de definição que possamos elaborar em dicionários ou em livros acadêmicos. Em alguns aspectos, porém podem-se perceber algumas distinções no uso das duas palavras: em geral, não se fala em publicidade com relação à comunicação persuasiva de idéias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui objetivos ideológicos, comerciais etc.); por outro lado, a publicidade mostra-se mais abrangente no sentido de divulgação (tornar público, informar, sem que isso implique necessariamente em persuasão alheia). (...) a palavra publicidade, calcada no francês “publicité” e proveniente do latim “publicus” = público, foi registrada pela primeira vez em línguas modernas (pelo dicionário da Academia Francesa) com um sentido jurídico (publicidade de debates). Designando em princípio o “ato de divulgar, de tornar público”, a publicidade adquiriu no século 19, também um significado comercial: qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços, através de um anunciante identificado, com objetivos de interesse comercial (RABAÇA e BARBOSA, 1978, p. 378) A propaganda está presente em nosso cotidiano de uma forma intensa. A todo instante sofremos o impacto de diferentes tipos de mensagens veiculados em revistas ou jornais, em rádios, ou canais de televisão, seja quando navegamos pela internet seja quando olhamos para os cartazes nas ruas ou nos prédios. A propaganda pode assumir diferentes formatos, pode ser institucional, ser de um produto ou serviço, ser de exibição ou de classificados. Pode envolver quantias vultuosas ou ter um baixo valor de investimento. De qualquer maneira, entretanto, seu objetivo é sempre estimular e persuadir o consumidor a adquirir um produto de uma determinada marca ou utilizar determinado serviço, em detrimento de algum outro. Kotler, um dos mais conceituados autores, tido como referência quando o assunto é marketing, aceito tanto no meio acadêmico quanto no profissional, define marketing como [...] “um processo social por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociaç~o de produtos e serviços de valor com outros” (KOTLER, 2000, p. 30). Esse mesmo autor afirma ainda que a propaganda está inserida no mix de marketing, que é ”o conjunto de ferramentas de marketing que a empresa utiliza para perseguir seus objetivos de marketing no mercado” (KOTLER, 2000, p. 37). 203 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Propaganda e necessidades humanas Tendo em vista que a propaganda ocupa-se, de forma indireta, com necessidades ou supostas necessidades das pessoas, torna-se imprescindível conceituar o que engloba o termo “necessidades”. Entende-se por necessidades todas as exigências mínimas para satisfazer as condições materiais e morais da vida humana e as carências naturais do organismo humano. Por conseguinte, todas as pessoas têm desejos e necessidades que devem ser satisfeitos. Acontece que, muitas vezes, são levados a atendê-los se estiverem motivadas para eles. Dessa maneira, a propaganda não cria desejos ou necessidades; apenas explora motivacionalmente aquela que já se encontra latente nos consumidores. Kotler, discutindo a questão, esclarece que Maslow – que foi um teórico das necessidades humanas – apresenta motivações para as diferentes necessidades de modo a explicá-las como se fossem expostas numa hierarquia. Diz Kotler: A teoria de Maslow. Abraham Maslow queria explicar por que as pessoas são motivadas por necessidades específicas em determinadas épocas. Por que uma pessoa emprega tempo e energia considerável em segurança pessoal e outra em conseguir opinião favorável dos outros? A resposta de Maslow é que as necessidades humanas são dispostas em uma hierarquia, da mais urgente para a menos urgente. Em sua ordem de importância, elas são necessidades fisiológicas, necessidades de segurança, necessidades sociais, necessidades de estima e necessidades de auto-realizações. As pessoas tentam satisfazer suas necessidades mais importantes em primeiro lugar. Quando uma pessoa consegue satisfazer uma necessidade importante, essa necessidade deixa de ser um motivador corrente e a pessoa tenta satisfazer a próxima necessidade mais importante. Por exemplo, um homem que sente fome (necessidade 1) não tem interesse pelos últimos acontecimentos do mundo da arte (necessidade 5), não quer saber como é visto pelos outros (necessidade 3 ou 4) e tampouco está preocupado com a qualidade do ar que respira (necessidade 2). Mas quando ele tem comida suficiente, a próxima necessidade mais importante se salienta.” (KOTLER, 2000, pp. 194-195). A hierarquia das necessidades postuladas por Maslow foi segmentada em cinco níveis, dispostos numa pirâmide, cuja base é ocupada pela necessidade mais básica (necessidades fisiológicas) e o topo pela mais complexa (necessidade de auto-realização): 204 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 3 - Hierarquia das Necessidades de Maslow. Fonte: KOTLER, Philip - Administração de Marketing (2000). Ora, se vivemos em um país com características de consumismo exacerbado, em que encontramos pessoas de classes sociais diferentes, que estão em condições de consumir produtos diferentes – mais ou menos elitizados – posto que cada cidadão é motivado a satisfazer necessidades em diferentes graus hierárquicos, temos, então, um campo fértil para a propaganda. Caberá, agora, à propaganda, ou melhor, às pessoas ligadas a ela, mais especificamente aos mídias – profissionais que trabalham na área de mídia de agências ou na área de mídia das empresas, responsáveis pelo planejamento, negociação, execução e checagem da veiculação – mediante as pesquisas de mídia, encontrarem os meios de comunicação adequados para atingir os consumidores de uma forma eficaz e rentável para o investimento que se pretende fazer. Nesse momento, quando a definição e a utilização dos meios que compõem a estratégia e tática de mídia são definidas, para a elaboração do plano de mídia, algumas questões importantes merecem ser citadas: Qual é o objetivo de marketing do cliente? Qual é o objetivo de comunicação do cliente? O que será divulgado? Qual o seu objetivo de mídia? Quem é seu público-alvo? Qual é o período de veiculação da campanha? Em quais mercados geográficos a comunicação será exibida? Qual é a verba a ser investida? 205 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Com base nas respostas dessas perguntas e na sua melhor utilização, aliadas ao poder de negociação dos mídias, o profissional poderá obter um melhor ou pior resultado, uma maior ou menor otimização da verba a ser investida. A título de ilustração, cabe salientar que a verba investida nos últimos anos (base 2006 a 2009) tem apresentado aumento. A economia pode, naturalmente, provocar oscilações, como ocorrido no final de 2008, primeiro semestre de 2009, mas apresenta boas perspectivas para os próximos anos, frente à recuperação de investimentos observados no segundo semestre de 2009 e inicio do ano de 2010. INVESTIMENTO PUBLICITÁRIO EM MÍDIA107 ANO 2006 Investimento bilhões de reais 2007 em 17.4 2008 19.0 21.4 2009 22.2 Figura 4 – Resumo de faturamento bruto por meio em Reais – valores acumulados. Fonte: Projeto Intermeios 2007-2010. É importante ressaltar, dentre os aspectos apresentados para a elaboração do planejamento de mídia e de comunicação, as mudanças do perfil dos consumidores, que tem se tornado mais consciente, exigente, com maior poder de decisão sobre suas escolhas decorrente da maior variedade de produtos ofertados a eles, além da inserção das novas gerações de consumidores, principalmente a geração Y, com perfil multi tarefa, o que reduz sua atenção a atividades ou ações de comunicação que proporcionem pouco interesse; que nasceu basicamente junto com o advento da Internet e que considera essa plataforma amigável e imprescindível em seu dia a dia. É uma geração que tolera pouco a interrupção em sua programação, que utiliza recursos tecnológicos para montar sua própria grade de programas, e a faz de acordo com seu gosto ou voltada para atender sua disponibilidade de tempo. Ainda, decorrente dos avanços tecnológicos, tem a sua disposição novas formas de contato com a marca, como o telefone celular, sites de busca, de relacionamento, os advergames, a outernet, entre tantos outros. Esses fatores dificultam a execução do plano de mídia e das ações de marketing. O conhecimento do publico alvo e em como conseguir sua atenção, é preponderante para que se obtenha estratégias eficazes. As comunicações institucionais, organizacionais, de uma marca ou produto, cada vez mais vão se mantendo necessárias. A evolução dessa comunicação deve ser observada. Os povos, principalmente num momento de globalização como o 107 Valores obtidos nos relatórios www.projetointermeios.com.br. de investimento – Projeto Intermeios. Fonte: 206 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais que agora vivemos, precisam, cada vez mais, se comunicar, deixar suas marcas em suas cavernas, agora, digitais. Referências Bibliográficas COLEÇÃO Grandes Impérios e Civilizações, O mundo do renascimento: arte e pensamento renovam a Europa. Volume I, 1997 (p.87). COLEÇÃO(a) Grandes Impérios e Civilizações, França: uma civilização essencial. Volume I, 1997 (p. 22-23) HOOKER, J.T. Introdução in WALKER, C.B.F. et al. Lendo o Passado: do Cuneiforme ao Alfabeto. A história da escrita antiga. São Paulo: Melhoramentos/EDUSP, 1996 (p.9-17) KOTLER, Philip; Armstrong, Gary. Princípios de Marketing. Rio e Janeiro. PrenticeHall, 1991. KOTLER, Philip. Administração de Marketing. São Paulo: Ptentice-Hall, 2000 MARCONDES, Pyr. Uma História da Propaganda Brasileira. Rio de Janeiro, Ediouro, 2002. PROJETO INTERMEIOS. Investimento Publicitário por meio, acumulado. Relatórios de Investimento, 2006-2010. Disponível em: https://projetointermeios.com.br Acesso em 25/05/2010. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: CODECRI, 1978. VEESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A Linguagem da Propaganda. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 207 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais CTI JORNAL: ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DE UM JORNAL DE EMPRESA Robson Bastos da SILVA108 Universidade de Taubaté - UNITAU/ Universidade Santa Cecília – UNISANTA Viviane FUSHIMI109 Escola de Comunicação e Artes – USP/ Universidade de Taubaté – UNITAU Aline Fernanda LIMA110 Universidade de Taubaté - UNITAU Introdução A evolução histórica do Jornal Empresarial no Brasil, segundo Rego (1987, p. 26), foi estimulada pela Revolução Industrial ocorrida nos Estados Unidos e Europa e que tardiamente inicia-se no Brasil em 1930. As publicações empresariais firmam-se somente os anos de 1960 e historicamente, o “Boletim Light”, fundado pelos funcion|rios, em 1925 perdurou por três anos, a revista “General Motors”, criada pela empresa recém instalada no país, em 1926 e a revista “Nossa Estrada” de 1929, mantida pelos funcionários da Estrada de Ferro Sorocabanas iniciam a evolução destas publicações brasileiras. Porém, Rego (1987, p.27) afirma que “o ‘Boletim Light’, ‘Nossa Estrada’, n~o podem ser consideradas um exemplo típico de jornalismo empresarial: ambas as publicações constituíam iniciativas unilaterais dos empregados (apesar da anuência das empresas)”. Considerando a definiç~o de jornal empresarial como “Veículo impresso, periódico, de comunicação institucional, distribuído gratuitamente e dirigido ao público interno (funcionários e familiares) e/ou determinados segmentos do público externo (revendedores, acionistas, clientes, fornecedores, autoridades, imprensa, etc).” (RABAÇA & BARBOSA, 1995), dirigimos nosso estudo ao CTI Jornal, publicação empresarial da Companhia Taubaté Industrial, editada do início de 1937 até 1943, fonte noticiosa e cultural dos trabalhadores da empresa, bem como da sociedade da época. 108 Doutor em Comunicação e Semiótica – PUC/SP. Professor de História do Jornalismo e do Programa de Mestrado em Lingüística Aplicada UNITAU e Coordenador de Jornalismo UNISANTA. [email protected]. 109 Doutoranda e Mestre em Ciências da Comunicação ECA/USP – Professora de Planejamento Gráfico em Jornalismo, Metodologia da Pesquisa Aplicada à Comunicação e Comunicação Integrada UNITAU. [email protected] 110 Mestre em Comunicação Social UMESP – Professora de Teoria e Técnicas de Relações Públicas, Administração em Relações Públicas, Organização de Eventos e Relações Públicas Comunitárias. [email protected] 208 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Sobre a Companhia Taubaté Industrial (CTI), situada na o município de Taubaté, interior de São Paulo, região do Vale do Paraíba, encerrou suas atividades há 20 anos. Os prédios onde funcionavam seus teares hoje são ocupados por edifícios residenciais, comércios e pela Universidade de Taubaté. A torre principal, ocupada pelo setor de assistência social da Prefeitura, mantém em funcionamento um relógio que há mais de 50 anos informava as horas regularmente, que até os dias atuais é mantido em funcionamento e emite um apito que se ouve em quase toda a cidade, religiosamente nos seguintes horários: às 8h da manhã, ao meio-dia, às 14h e às 18h. Isso demonstra a relação existente entre a empresa e a sociedade que a abrigou por todos esses anos e até hoje a respeita e a mantém viva na memória. Pode-se considerar que o CTI Jornal tem papel fundamental nessa relação, já que os antigos funcionários ainda guardam estreita relação afetiva com a empresa. Sendo assim, o “CTI Jornal”, publicaç~o empresarial iniciada em 1937, pode ser considerada uma das pioneiras na produção de jornalismo empresarial, ao produzir uma publicação voltada para os funcionários da Companhia Taubaté Industrial (C.T.I.), uma das maiores indústrias têxteis da América Latina nessa época. Vale destacar que o Jornal foi criado por iniciativa de Oswaldo Barbosa Guisard (diretor da fábrica e jornalista) e Victor Barbosa Guisard (secretário); a primeira edição foi lançada em 15 de abril de 1937 e a última edição de número 137, em 20/12/1946. Inicialmente tinha uma tiragem de dois mil exemplares, chegando a três mil nas edições comemorativas. Quanto ao formato, era 46x33 cm, sendo cinco colunas fixas e fotografias em clichê de alta qualidade; o número de páginas era variável, nunca inferior a oito, e em algumas edições, no entanto, circulava com dezesseis ou até vinte e quatro páginas. Ao identificarmos elementos que caracterizam o jornal empresarial, verifica-se que, em grande parte ele atende às definições apontadas por Rego (1987) e Palma (1994), sintetizadas nos seguintes itens: • A serviço dos subsistemas técnicos e funcionais da empresa • Mínimo de oito páginas, periodicidade média (quinzenal, mensal ou bimestral), atualidade no período • Custeado pela empresa • Mais próximo do gênero interpretativo, intenso uso de matérias frias, entrevistas de interesse humano ou de cunho administrativo. Com base nestas definições, o estudo pretende verificar as características (conteúdos/funções) de jornal de empresa nos três exemplares analisados do CTI Jornal a partir dos pressupostos teóricos apresentados, permitindo trazer um entendimento sobre a estratégia utilizada para disseminar a ideologia empresarial e governamental da época. Assim, por meio de uma categorização de elementos 209 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais essenciais das publicações foi possível desenvolver uma sistemática de análise apresentada na metodologia do trabalho. Objetivos Este trabalho pretende realizar uma reflexão sobre o papel desempenhado pelo veículo jornalístico institucional - C.T.I. Jornal - como modelo de comunicação entre o empresariado e os empregados na primeira metade do século XX. Verificar a configuração deste jornal dentro das características praticadas atualmente pelo conceito de jornal empresarial. Foram consideradas as estratégias empresariais utilizadas pelo veículo para diminuir os conflitos e proporcionar soluções de interesse patronal. Metodologia Embasados pelos apontamentos documentais e bibliográficos apresentados sobre a Companhia Taubaté Industrial (CTI), sobre o CTI Jornal e sobre a conceituação e a caracterização do Jornal de Empresa, dirigimos, agora, nossa análise ao estudo do CTI Jornal, tendo como elemento norteador sete categorias de análise desenvolvidas, as quais indicam as características de um jornal de empresa, e que serão consideradas na análise do objeto de estudo CTI Jornal. Estas categorias foram estabelecidas a partir da contribuição de autores como Rego (1987), Palma (1994) e Rosa & Cunha (1999) em obras sobre jornalismo empresarial e jornal de empresa. Os exemplares escolhidos são a primeira edição, datada em 15 de abril de 1937, número que inaugura a trajetória de cerca de dez anos de existência do Jornal. O outro exemplar refere-se à uma edição intermediária do período em que o Jornal foi editado, a de número 37, publicada em 15 de maio de 1940 e, por fim, a edição de número 60, de 05 de maio de 1942, a qual trata sobre o falecimento de Felix Guisard, presidente da empresa e um dos idealizadores do Jornal. Ao indicar as categorias para análise do Jornal, tendo como referência a pesquisa já desenvolvida pelos autores acima citados, buscou-se identificar nos textos pesquisados elementos essências para a configuração de um jornal de empresa, considerando uma diversidade de elementos técnicos, textuais, lingüísticos, de gênero, mensagem, dentre outros. Sem a intenção de quantificar os elementos de an|lise, mas sobretudo “extrair [qualitativamente, de uma forma sistemática], os aspectos latentes da mensagem analisada” (JUNIOR, 2005, p.284), entendemos que nosso estudo caracteriza-se como uma abordagem de análise de conteúdo. Sendo assim, apresentamos as categorias de análise que servirão de orientação para a devida compreensão do CTI Jornal. 210 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 1. Objetivo do veículo: Informar sobre as ações/projetos da empresa; promover integração; ampliar a consciência, reforçar laços e gerar motivação. 2. Público: Público interno (funcionários e familiares) e outros segmentos importantes do público externo definidos pela empresa. 3. Periodicidade e Difusão: Rígida (semanal, quinzenal, mensal, bimestral ou trimestral). Um exemplar para cada pessoa, ou para cada duas pessoas. Gratuito. 4. Gêneros: Informativo (busca a objetividade da notícia, informação), Opinativo (emite opiniões e juízos de valor) e Interpretativo (apresenta os fatos e possibilita interpretações e livre formação de opinião por parte do leitor) 5. Linha editorial: Toda a definição de objetivos do veículo, de características do público-alvo, dos conteúdos e aspectos gráficos adequados à política da direção da empresa, considerando o empregado como ator do processo. 6. Categorias de Mensagens: Identificação dos tipos de conteúdos, segundo REGO (1987, p.170-187). São indicadas como: Jornalística: conteúdo aberto, ilimitado; Educacional: conteúdo dirigido ao funcionário, orientação doméstica; Entretenimento: recreação e Publicidade e Propaganda: pressão com fins comerciais e políticos. 7. Função da Linguagem (PALMA, 1994, p.152): Essencialmente Fática, pois cria providências ou cuidados de reforço da mensagem (frases curtas, diagramação, gráficos, ilustrações, dentre outros) Resultados e Discussões Para o entendimento do CTI Jornal enquanto jornal de empresa organizouse um processo de estudo e de análise que contempla, além da leitura do veículo, a identificação nas três edições (Nº1, Nº 37, Nº 60) das características de um Jornal de Empresa, aqui indicadas como categorias. A apresentação dos resultados da pesquisa se dará a partir da elaboração de um quadro ilustrativo que visa apresentar de forma objetiva e direta os elementos identificados seguida por uma breve reflexão. Assim, tem-se o nome da categoria, os conceitos à ela relacionados e a identificação dos dados nos três exemplares estudados. 211 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Categoria 1: Objetivo do Jornal Informar sobre as ações/projetos da empresa; promover integração; ampliar a consciência, reforçar laços e gerar motivação. Nº1: editorial apresenta a missão de harmonizar as classes patronais e trabalhadoras; capa conta a história do incêndio e recuperação da fábrica em 1898 Nº37: aniversariantes dos meses de abril e maio; homenagem aos veteranos ceteienses (galeria de fotos); cinquentenário da empresa (em 04/05/1940) CTI Jornal Nº60: capa, págs 2, 3, 6 informam sobre a morte de Felix Guisard págs 4, 5, 7, 8 artigos, poesias e cartas de personalidades e funcionários sobre a morte de Guisard Ao considerarmos o objetivo do jornal de empresa nas informações levantadas das edições estudadas, verifica-se certo direcionamento do conteúdo para as questões da empresa, como os dados da sua história, informações sobre seus membros e fundadores. Vale destacar, no entanto, o editorial da edição Nº 1, o qual explicita a razão de ser do Jornal, a de harmonizar as relações entre patrões e empregados, distanciando-se de um projeto informativo e motivacional como se prega. Categoria 2: Público Interno (funcionários e familiares) e segmentos importantes do público externo (empresa define) Nº1: no editorial apresenta o Jornal { “coletividade que moureja dentro dos muros da CTI e, consequentemente , por aç~o direta { sociedade local” CTI Jornal (no apogeu, cerca de funcionários) Nº37: na edição do 3º aniversário do Jornal, o editorial retoma o público do jornal “o meio oper|rio taubateano, tão pobre de instrução, há de ter as suas 2400 correntes de opini~o formadas” Nº60: agradecimentos da família de Felix Guisard aos “auxiliares e oper|rios da CTI” pela manifestações de pezar e as homenagens prestadas ao Chefe, convite para a missa de 7º dia No que se refere ao público para quem o Jornal de destina, verificamos em trechos retirados das edições estudadas que é clara a idéia de que o CTI Jornal é dirigido ao público interno, os funcion|rios ou “a comunidade que moureja dentro dos muros da CTI”, assim como para a sociedade local. Sabe-se que o Jornal era encaminhado a outras instituições, repartições públicas, órgãos de imprensa e companhias têxteis. O que se questiona, nesta reflexão, é a forma como se posiciona o funcion|rio, tido como “pobre de instruç~o”. 212 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Categoria 3: Periodicidade e Difusão Rígida (semanal, quinzenal, mensal, bimestral ou trimestral). Um exemplar para cada pessoa, ou para cada duas pessoas. Gratuito Nº 1: No expediente: circulação mensal, no dia 15 de cada mês; tiragem de 2000 exemplares; distribuição gratuita CTI Jornal Nº 37: No expediente: circulação mensal, no dia 15 de cada mês; tiragem de 2700 exemplares; cabeçalho indica “assinatura, ano 5$ - número avulso, $500 (exigência legal) Nº 60: Sem expediente; edição de 5 de abril de 1942, trata da morte de Felix Guisard (29/04). No cabeçalho: assinatura ano 5$000; número avulso $500 (exigência legal) O CTI Jornal circulava numa periodicidade mensal, atendendo à necessidade de regularidade de uma a publicação, numa difusão relevante (de 2000 a 3000 exemplares). A exceção aparece quando da existência de um fato relevante para a empresa, neste caso, a edição Nº 60 que trata da morte de Felix Guisard, presidente da companhia. Outra questão é a difusão do veículo, aqui analisada sob o aspecto das informações contidas no expediente, o que se verifica é a adoção de informações sobre custo da assinatura, uma exigência legal, que não se concretizava na realidade. Categoria 4: Gêneros informativo, opinativo e interpretativo 1. Informativo: objetividade da notícia, informação 2. Opinativo: opiniões, juízos de valor 3. Interpretativo: apresenta os fatos e possibilita interpretações e livre formação de opinião do leitor. CTI Jornal Nº1: (1) coluna social (aniversários, noivados, casamentos, enfermos); apresentação das seções do jornal; (2) editorial, colunas assinadas, artigos, crônica sobre teatro; (3) história da CTI e de seu fundador, Congresso Operário. Nº37: (1) coluna social (aniversários, noivados, casamentos, enfermos); apresentação de outros jornais recebidos, (2) editorial, colunas assinadas, ex. transportes e siderurgia, carta de D. André; viagem de Guisar ao Japão; (3) matéria sobre recenseamento e higiene, esportes Nº60: (1) nota sobre o aniversário da Rua 4 de março; (2) matérias, cartas assinadas (Monteiro Lobato), artigos, poesias, fotografias sobre a morte de Felix Guisard; (3) ofício-requerimento para a criação da Praça Felix Guisard. Na categoria gêneros (informativo, opinativo e interpretativo) buscamos entender um pouco sobre o conteúdo do Jornal e sua relação com os gêneros jornalísticos. Assim, verificamos a existência das três funções da informação. O informativo, identificado pelo ícone (1) diz respeito às notícias, os comunicados, os 213 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais quais são caracterizados por informações de ordem social, como noivados, casamentos e notas. O gênero opinativo (2), que agrupa mensagens que objetivam persuadir e orientar, pode ser percebido nos editoriais, nas colunas assinadas e outros textos que claramente expressam a opinião do autor (religião, questões políticas e sociais da época, defesa da figura de Felix Guisard). Já no gênero interpretativo (3), o das análises e explicações, característico deste tipo de veículo, verificam-se conteúdos relativos à dinâmica da fábrica, das questões que envolvem o bem-estar dos funcionários e da sociedade como um todo. Categoria 5: Linha editorial Relativo aos objetivos do veículo, características do público-alvo, conteúdos, características gráficas. Deve estar adequada à política da direção da empresa, considerando o empregado como ator do processo e sofrer o mínimo de mudanças. CTI Jornal (formato/projeto pouco alterados) Nº 1 e Nº 37: - textos e imagens voltadas para o contexto da fábrica, da educação dos operários e orientação a respeito dos temas sociais (política, religião e família) e de recreação. - fonte noticiosa e cultural dos trabalhadores da empresa - instrumento de controle e vigilância do operariado Nº 60: - especialmente editado para abordar a morte e destacar a figura ilustre de Felix Guisard na sociedade Esta categoria analisa a política que norteia a publicação institucional, considerando alguns aspectos que nem sempre estão expressos no conteúdo do Jornal. Na leitura do CTI Jornal, verifica-se, em alguns elementos textuais, que o veículo foi pensado como um importante instrumento de controle e vigilância do operariado, orientando para as posições administrativas, religiosas e políticas de suas lideranças dentro e fora da fábrica. Ao contrário do que se prevê num jornal de empresa atual, a promoção de dirigentes é uma constante. Deve-se entender a edição 60, no entanto, sob um outro aspecto. Trata-se de uma edição especial que aborda a morte de Felix Guisard e que objetiva claramente valorizar o dirigente como empres|rio e importante cidad~o, fugindo “um pouco” das orientações das outras edições. 214 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Categoria 6. Categorias de Mensagem 1. 2. 3. 4. Jornalística: conteúdo aberto, ilimitado. Educacional: conteúdo dirigido ao funcionário, orientação doméstica. Entretenimento: recreação Publicidade e Propaganda: pressão com fins comerciais e políticos Nº 1: (1) Artigo “Conheçamos o Brasil, (2) Apresentaç~o do Jornal e funç~o na empresa (seção técnica); (3) Esportes, cinema, circo e recreação na cidade; (4) Divulgação de serviço dentário, produtos como Emulsão de Escott; Congresso Operário da Ação Católica. CTI Jornal Nº 37: (1) Matéria sobre o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários; (2) Homenagem aos veteranos ; (3) Esportes, programação do Cine Palas, Humorismo, Cobras e Lagartos; (4) Publicidade da Casa Bancária, Remédios, Morim Taubaté e Ave Maria, Divulgação do novo comando da Força Policial do Estado. Nº 60: (1) Dados sobre a morte de Felix Guisard; (2) Não identificado, mas pode-se ler toda a abordagem sobre a morte de Felix Guisard; (3) seções Críticas e Humorismo, Cobras e Lagartos, (4) Não identificado; cartas das autoridades políticas, empresariais e religiosas. Tendo como base as categorias de mensagens citadas por Rego (1987, p.159) e desenvolvidas por Marques de Melo, as quais refletem sobre o tipo de conteúdo existente na publicação, buscamos identificar nas três edições estudadas aspectos jornalísticos, educativos, de entretenimento e de publicidade e propaganda utilizados. A partir de uma olhar cuidadoso das informações contidas nos jornais, fizemos nossas inferências a respeito dos conteúdos. Sendo assim, temse no aspecto jornalístico a presença de matérias de teor noticioso sobre questões da empresa e da sociedade. No aspecto educacional foi possível perceber a existência de mensagens normativas, com o objetivo de desenvolver aptidões. Deve-se ressaltar que, nos casos de valorização de funcionários (Homenagem aos veteranos) pressupõe-se um discurso implícito do “modelo a ser seguido”. A respeito do aspecto entretenimento, se percebe com clareza os espaços dirigidos para o lazer, a descontração, os quais ultrapassam a realidade da empresa, destacando fatos da cidade e das famílias de Taubaté (programação do cinema local, esportes, cultura, etc). Outro tipo de conteúdo trabalhado em Jornais de Empresa é o indicado como “Publicidade e Propaganda”, o qual se refere { garantia financeira e ou de existência de um espaço de publicidade dirigidos à publicação, elemento a ser regulamentado por cada empresa. O que se verifica no CTI Jornal neste aspecto é o uso do espaço para a publicidade de alguns produtos, estabelecimentos comerciais locais e acontecimentos importantes, mas principalmente a veiculação de imagens e textos do principal produto da empresa, o Morim Ave-Maria e Taubaté. 215 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Categoria 7. Função da Linguagem (Palma) Essencialmente Fática: providências ou cuidados de reforço da mensagem, como frases curtas, diagramação, gráficos, ilustrações, etc. Nº 1: Notas da redação, notas sobre o Tênis Clube Taubaté e aniversário de morte D. José, coluna social, fotografias de Felix Guisard e da fábrica, poemas, convocação para o Congresso Operário, publicidade de remédios e produtos da fábrica (Morim Ave-Maria) CTI Jornal Nº 37: Fotografias dos diretores da fábrica, fotografias dos veteranos ceteienses, publicidade de remédios e produtos da fábrica (Morim Ave-Maria), notas da redação, acróstico, charadas e piadas. Nº 60: Explora os títulos e palavras em função da abordagem da morte de Felix Guisard; destaque para capa com fotografia, páginas finais poesias e homenagens. Palma (1994, p.152), dentre outras funções de linguagem (expressiva, conotativa, poética), as quais respondem pela narrativa adequada das mensagens, destaca como extremamente importante no jornalismo empresarial, a função fática. Ela se refere aos inúmeros elementos utilizados para facilitar e manter o contato com o receptor. Na análise do CTI Jornal foi possível perceber nas edições estudadas que, embora sem nenhum conhecimento científico prévio dos seus editores a respeito desta questão, alguns elementos como fotografias, imagens, conteúdos breves e articulações de títulos são utilizados gerando um conjunto atrativo de textos e imagens. Considerações Finais Ao concluirmos a pesquisa desenvolvida, apresentamos um paralelo a respeito de outras questões fundamentais e características de um Jornal de Empresa indicadas pelos autores estudados, indicando aquilo que um jornal deve evitar em contraponto com o que foi identificado no CTI Jornal. Esta análise objetiva trazer novos elementos para nossa compreensão e adequada conclusão do estudo proposto. Segue: 216 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Padrão Jornal de Empresa CTI Jornal Deve Evitar: Enfoques lisongeiros e apaixonados Promoção gratuita dos chefes e diretores Publicação de documentos ou comunicados oficiais Ser burocrático Ter a imprensa diária como parâmetro Publicidade dos produtos da empresa (apenas valorizar) Preceder o nome com adjetivos e apresentar elogios Caracterizar-se como circular (espaço para direção dirigir-se aos empregados) Indicar paternalismo O que se verifica: Clara posição de defesa das ideologias políticas e religiosas da empresa (líderes) Extrema valorização de seu líder maior Em alguns casos publica atas, cartas, documentos da empresa Toma o modelo de jornalismo vigente Oferece espaço para publicidade de produtos farmacêuticos e profissionais da saúde e seus produtos, como o Morim Extrema adjetivação (pessoas, entidades, autoridades, situações) A fabrica como a mãe, Guisard como o pai e a CTI como a família. Por fim, ao considerarmos toda a explanação teórica, metodológica e as análises desenvolvidas chegamos a conclusão de que a Companhia Taubaté Industrial assumiu um desafio econômico e de comunicação ao produzir, nos anos 30 e 40 um Jornal de Empresa, o que a coloca como uma das pioneiras neste tipo de publicação. O CTI Jornal é prova de uma visão administrativa arrojada e socialmente engajada, já que os assuntos ultrapassavam os muros da empresa e cumpriam com o papel de integrar os funcionários da empresa, permitindo uma leitura sobre o contexto da fábrica. Por outro lado, é preciso afirmar que os conteúdos tratados apresentavam uma retórica emocional e ideologicamente dirigida, expressando um discurso autoritário, dirigindo a opinião do trabalhador para as questões administrativas, religiosas e, principalmente políticas, próprias do contexto do Estado Novo, governo Vargas. Nas páginas do C.T.I. Jornal era comum reconhecer a família ceteiense (diretoria, funcionários e familiares), e o bom cidadão, moldado cívica e profissionalmente pelos textos jornalísticos. Também deve-se considerar a extrema exploração da figura do dirigente Felix Guisard, questão determinante e expoente na análise do material. Diante do exposto, podemos dizer que o CTI Jornal cumpre, em grande parte com as funções e características de um Jornal de Empresa, porém impregnado por um período histórico de dominação, exploração e autoritarismo, divergentes dos dias em que circulam os jornais atuais. 217 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Referências Bibliográficas DUARTE, J.; BARROS, A. (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. GODOI, C. K.; MELO, R. B. de; SILVA, A. B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais - Paradigmas, Estratégias e Métodos. São Paulo: Saraiva, 2007. JUNIOR, Wilson C. da Fonseca. Análise de conteúdo. In: DUARTE, J.;BARROS, A. (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. LAGE, Nilson. Linguagem Jornalística. 3 ed. São Paulo: Editora Ática, 1990. PALMA, J. Jornalismo Empresarial. 2ª Ed. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzatto, 1994. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo G. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1987. REGO, F.G.T. Jornalismo Empresarial: Teoria e Prática. 2ª Ed. São Paulo: Summus, 1987. A PUBLICIDADE BRASILEIRA E OS ANOS 1960-70: A REVOLUÇÃO CRIATIVA Lourdes Malerba GABRIELLI Universidade Presbiteriana Mackenzie Introdução Em Cinqüenta Anos de Vida e Propaganda Brasileiras111 encontra-se um levantamento histórico apurado, que permitiu, em grande parte, a observação da divisão em épocas adotada neste estudo, referindo-se, cada uma delas, a um período criativo da publicidade brasileira. O estudo divide a propaganda brasileira em décadas, mas a observação da evolução criativa nos levou a dividir em apenas dois períodos, que tem diferentes características. Partindo do princípio de que a propaganda é um dos mais fidedignos espelhos das sociedades contemporâneas, incluindo a brasileira, embora não seja o único, entende-se que muito dos padrões de comportamento brasileiros foram influenciados pela propaganda, como hábitos de higiene, conforto e lazer, entre outros. Ricardo Ramos lembra, no primeiro capítulo, que a propaganda brasileira foi, desde o descobrimento até o final do século XVIII, quase que exclusivamente 111 GRACIOSO, Francisco e PENTEADO, J. Roberto Whitaker. 50 Anos de Vida e Propaganda Brasileiras. São Paulo: Mauro Ivan Marketing Editorial, 2001. 218 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais oral, além dos poucos anúncios afixados em locais públicos. O primeiro anúncio, aponta, foi publicado na Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808, vendendo “huma morada de cazas de sobrado”. Em r|pida sucess~o, nascem v|rios outros jornais no Rio e em Pernambuco, e cresce igualmente o número de anúncios vendendo serviços de costureiras, rapés, peças de teatro, sapateiros, relojoeiros, tipografias, floristas, tônicos, tinturas para cabelos, e remédios para a saúde da mulher, dor-decabeça, gripe, acido úrico, biotônico, vitaminas, elixires, entre outros remédios. Em plena escravidão, eram comuns os anúncios de negros fugidos, com descrições que iam de poéticas a vergonhosas, salienta Ricardo Ramos. Ele lembra também que o próprio Gilberto Freyre, ao referir-se aos anúncios com descrição de escravos, destaca sua importância para a definição dos tipos étnicos e constitucionais dos nossos negros e mestiços. Nas quatro primeiras décadas do século, depois da fase oral dos anúncios, a profissionalização da propaganda inicia com os poetas, os responsáveis pela redação dos anúncios. Em seguida, com as revistas e os anúncios em cores, e com eles uma nova série de influências, uma vez que a maioria dos anunciantes de então eram as grandes empresas européias (francesas na maior parte) e americanas, trazendo inclusive anúncios prontos apenas para serem traduzidos. Anos 30-40 Em 1929, já existiam no Brasil agências de propaganda brasileiras e estrangeiras, americanas que vieram aqui se instalar juntamente com as montadoras Ford e GM, esta última com uma divisão de publicidade com 27 profissionais em 1927. O negócio da propaganda cresceu e profissionalizou-se rapidamente, através de um grupo de profissionais formados segundo os padrões americanos, instruídos por bem-sucedidas experiências internacionais. As agências internacionais “ensinaram e colheram, ensinando pela sua cartilha”, acrescenta Ramos. Rodolfo Lima Martensen conta uma interessante passagem num encontro com Pietro Maria Bardi, na oportunidade da inauguração do 1º. Salão de Propaganda no MASP. Bardi faz uma observação sobre a péssima qualidade dos anúncios publicitários, e lança um desafio para a criação de um curso de arte publicitária para melhorar o nível dos profissionais e conseqüentemente dos anúncios. Um passeio pelos anúncios da primeira metade do século mostra, que embora o mercado tenha crescido muito e muitos profissionais tivessem sido formados no dia-a-dia da profissão, ainda não havia nível de excelência em produção de material impresso. As agências, que funcionavam isoladamente, eram as grandes escolas de propaganda, mas não davam conta de toda a produção de peças. A cartilha dos americanos não servia mais integralmente ao Brasil e era chegada a hora de iniciar um caminho próprio. 219 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O projeto deste curso, continua Martensen, foi realizado a partir de pesquisas que ele próprio desenvolveu em escolas de propaganda americanas e européias, e que acabou por adaptar à nossa realidade112. Durante a Segunda Guerra Mundial e nos últimos anos da década de 40 o desenvolvimento industrial brasileiro foi considerável, e a propaganda, como parte integrante deste processo de crescimento, desenvolveu-se em números de maneira não proporcional ao seu desenvolvimento em qualidade criativa. Neste período, explica Ramos, “Ninguém argumenta, enumera. Os substantivos avultam, os adjetivos rareiam”113. Os anúncios deste período, em sua maioria, têm o mesmo tratamento informativo na relação texto imagem, pois buscam persuadir o consumidor a partir da divulgação de características dos produtos, sem ter ainda lançado mão das ferramentas persuasivas que são os benefícios, buscando apelos emocionais. De um total de 114 anúncios reproduzidos apenas nesta publicação, no período das décadas de 10 ao final dos anos 40, excluindo-se os anúncios classificados, houve mais da metade - ou 65 peças - utilizando-se de apelos puramente informativos (considera-se apelo informativo neste contexto um apelo de título que contenha ou o nome do produto; ou uma característica técnica; ou ainda o nome da doença ao qual se destina ou problema que resolverá; ou um possível aviso de lançamento, quando for o caso). O restante, 49 anúncios, que de alguma forma buscavam um apelo que fugisse da simples informação, estão assim distribuídos: Nos anos 10, apenas um anúncio; nos anos 20, somam 7; nos anos 30 o número sobe para 10 e nos anos quarenta, especialmente no final da década, salta para 31 anúncios. Este número crescerá um pouco mais nos anos 50, mas observa-se que o grande salto criativo só acontecerá nos anos 60, porque mesmo os anúncios que tem algum tipo de apelo não informativo, possuem uma qualidade criativa notadamente inferior ao que veremos na década de 60. Alguns exemplos: 112 GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 77. O Curso de que trata esta citação é a atual Escola Superior de Propaganda e Marketing, então Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, fundada em 1951, que teve Rodolfo Lima Martensen como primeiro diretor. 113 Id. Ibid, p. 22. 220 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais : Figura 11 - Produto: Caxambu, 1905. Fonte: GRACIOSO E PENTEADO, op. cit., p. 29. Anuncio Informativo Figura 16 - Produto: Flit. 1930. Fonte: Id. Ibid, p. 51. Anuncio Não-informativo Quanto à informação visual, são em geral imagens que mostram o produto ou algum uso facilmente identificável dele. Tome como exemplo o anúncio Flit, acima. Anos 50 Os anos 50 são o período de início de mudança da propaganda, que culmina com o grande salto criativo dos anos 60, quando os benefícios e não mais as características dos produtos passam a sobressair em relação aos títulos e imagens. A propaganda brasileira deste período é sofisticada, criativa e inteligente, lembrando a inglesa, e baseada nos preceitos de marketing, desvendados e aperfeiçoados pelos americanos. O espírito romântico dos anos 50, presente nos anúncios, também era importado da Inglaterra. Os maiores anunciantes do período são os perfumes, sofisticados e intangíveis para a nossa sociedade de baixa renda na sua maioria. 221 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O crescimento econômico do país no período trouxe, além de muitas indústrias estrangeiras e seus produtos (européias, mas principalmente americanas), muitos profissionais de propaganda com suas agências, que ajudaram a criar o mercado publicitário e também ensinaram aos futuros profissionais brasileiros a fórmula do bom anúncio, para os padrões da época. Foi a época de ouro da nascente indústria brasileira dos produtos de consumo, substituindo os importados dos anos 40. Quanto ao estilo criativo dos anúncios, mantinha-se o tom didático e informativo, mas a época era propícia para iniciar-se uma transformação de linguagem quanto ao tipo de apelo de vendas, j| que “o povo acreditava na retórica política, pelo r|dio e em comícios”.114 As manifestações artísticas, adequadas ao mundo urbano, como o teatro, a pintura e a literatura, amplamente presentes em edições cada vez mais freqüentes, a arquitetura e seu salto modernizador, e muitas outras iniciativas, revelaram a aculturação existente e a desdobraram artisticamente, gerando assim mais informação e consequentemente capacidade crítica dos brasileiros, abrindo as portas para uma linguagem publicitária mais inteligente. Na opinião dos próprios publicit|rios, “Pode-se dizer que a moderna propaganda brasileira nasceu nos anos 50”115. A industrialização e a urbanização crescentes criaram um mercado promissor para os mais diversos produtos, não por competição entre marcas, mas para criar hábitos de consumo que até então não existiam. Os cânones criativos seguidos ent~o, francamente americanos, davam import}ncia “aos textos em geral e a títulos e slogans em particular”116. O grande desenvolvimento econômico e as novas oportunidades geradas não permitiram, entretanto, que do ponto de vista criativo a propaganda acompanhasse tal modernização. Os produtos eram novos e o argumento de vendas cabível era informar ao público como tais produtos funcionavam ou eram consumidos. Leite em pó ou achocolatado instantâneo, batedeiras de bolo, a primeira loção após-barba nacional, extrato de tomate, creme dental, lâminas de barbear, refrigeradores, colchões de mola e remédios, são produtos cujo hábito de consumo criava-se naquele período e a propaganda, mais do que acreditar em apelos racionais, mal conhecia outro caminho. A propaganda ainda era ingênua, como o público117. 114 GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 90. Id. Ibid, p. 153. 116 Id. Ibid, p. 111. 117 Id. Ibid, p. 109. 115 222 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Além disso, o estilo criativo partia da predominância textual porque a televisão só viria a fazer parte deste cenário a partir da metade da década, e ainda não se sabia muito bem o que fazer com ela em termos de linguagem. As peças eram criadas para jornais ou revistas, seu texto “lido” no r|dio, em spots que não eram criados especificamente para a mídia, e apresentados na televisão pelas garotas propaganda, que também “liam” o texto. Ao contr|rio, hoje as peças s~o criadas inicialmente para TV, em sua maioria, e depois traduzidas para o rádio e meios impressos. Cria-se uma competente cultura para os meios impressos e eletrônicos, mas o rádio vem sendo prejudicado neste procedimento, pois as trilhas criadas para os comerciais de TV continuam sendo veiculadas no rádio sem que se pense, na maioria das vezes, nos recursos que este veículo oferece. A idéia não partia da imagem, mas do texto, que era formal e correto gramaticalmente, já que se destinava ao público que lia jornais e revistas, alfabetizado e seletivo, consumidor de produtos sofisticados. As mensagens hoje veiculadas na TV e rádio atingem públicos diversos, inclusive os não alfabetizados, o que permite vender também produtos populares.118 A partir do final dos anos 50, a propaganda iniciou sua busca pela subjetividade, deixando de lado a objetividade da primeira metade do século. Os publicitários brasileiros, ex-aprendizes quase independentes dos mestres americanos, começaram a construir neste período uma fórmula tipicamente brasileira, com humor e sofisticação diferentes do inglês, marketing e padrão gráfico diferentes do americano, diferenças que floresceram, de fato, com força total a partir dos anos 60. Nos anos 50 ainda é considerável a quantidade de anúncios que tem a relação título x imagem baseada no padrão foto-legenda, como aqueles dos anos 40. Percentualmente, o número de anúncios com uma relação título x imagem de complementaridade119 é irrelevante, o que mostra que a importância desta década encontra-se nas mudanças oferecidas pelo mercado e fertilizadas na propaganda, mas ainda não transformadas em linguagem. Por esta razão, o período de 60-80 será o próximo a ser estudado, pois é aqui que acontece o salto criativo e o conseqüente encontro de uma linguagem publicitária contemporânea e com características culturais nacionais. Anos 60 Nos anos 60 o Brasil e a propaganda mudaram. O Brasil assistiu à tomada do poder pelos militares e a todas as controvérsias geradas neste período. A arte e 118 GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 88-112. Entendemos complementaridade como oposto de foto-legenda. No primeiro caso, título e imagem se complementam gerando um significado sempre mais rico do que a repetição que acontece no segundo. Tal classificação pode ser encontrada na íntegra na tese de doutorado da autora, inédita. 119 223 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais os artistas estavam entrincheirados em seus ateliês e estúdios, de onde saiam para o exílio. Alguns ficaram e através deles a manifestação social foi se construindo por meio da música, das artes plásticas, do teatro e do cinema. O Brasil continuava a crescer, e a inflação a aumentar, mas criaram-se novos produtos e novos hábitos de consumo que transpareciam nas revistas, jornais, rádio e TV com seus anúncios. É desta época que data o primeiro Shopping Center brasileiro, mais uma idéia que cresceria sem limites nas décadas seguintes. No fim da década, nosso marketing já se comparava aos melhores do mundo120, e aplicado ao mercado nacional através de empresas multinacionais, em sua maioria, foi arrasador para os então pequenos fabricantes nacionais. Foi a época em que se desenvolveram também os institutos de pesquisa de mercado e audiência, as técnicas de merchandising e embalagem, além de muitas agências de publicidade nacionais, que continuariam grandes na próxima década, como Mauro Salles e DPZ, entre outras. A necessidade de atender empresas multinacionais, habituadas a um serviço de comunicação e marketing já bem desenvolvido em seus países de origem, foi uma das razões do grande salto qualitativo da propaganda brasileira dos anos 60, principalmente na segunda metade da década. Assim como na década de 50, muitos profissionais foram importados e quem usufruiu deste convívio foram os brasileiros, que aprenderam rápido e se tornaram mestres. Estes resultados foram acompanhados de perto também pelo desenvolvimento do parque gráfico brasileiro, que permitia os vôos criativos dos artistas gráficos e diretores de arte, garantindo sua execução. De um total de 64 anúncios publicados nos anos 60, utilizando a seleção realizada no livro Cinqüenta Anos de Vida e História Brasileiras, transparece uma realidade que retrata o verdadeiro perfil do salto criativo dos anos 60, e explica também porque é que a verdadeira mudança na qualidade criativa da publicidade brasileira, que tem início nos anos 50, ganha corpo nos anos 60 e se fortalece definitivamente nos anos 70. Analisando os anúncios com base nos elementos comunicativos título e imagem, pode-se verificar: da amostra de 64 anúncios, temos 36 com títulos criativos (não-informativo), 55 com direção de arte atualizada para os novos padrões gráficos e recursos da época e 26 com uma relação título x imagem de complementaridade. Verificar que mais da metade dos títulos de anúncios da década trazem um toque criativo é um grande avanço com relação à década passada e às anteriores. Assim, finalmente pode-se fugir dos títulos que traziam apenas o nome do produto, um aviso de lançamento, ou uma característica. Os títulos passam a se referir a 120 GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 126. 224 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais situações cotidianas, trocadilhos, tiradas irônicas, brincadeiras a serem desvendadas através da imagem ou mesmo perguntas inteligentes. O que chama a atenção, também, é a incidência ainda maior de anúncios com direção de arte renovada. Fica claro que a quase totalidade dos anúncios passou a utilizar em profundidade os novos recursos gráficos e descobriu que era possível usar fotos em toda a página, degradês de fundo, blocos de texto com margens definidas muitas vezes pelo corte da foto, produtos em área total na página ou produtos em reduzidíssimos espaços, que dialogavam propositadamente com o espaço em branco, título sobre foto, entre outros. Mais do que isto, o diretor de arte deixa-se seduzir pela imagem de outra forma, pois quando o fazia nas décadas anteriores, podia contar com ilustrações e um sistema de reprodução que não dava a devida importância à cor, um recurso que ganhou espaço e relevância. Outro número surpreendente é a grande quantidade de anúncios, em comparação às décadas anteriores, que tem alguma preocupação com a interação entre título e imagem. Trabalham algumas vezes buscando interação entre ambas as informações, que se complementam sem repetições, ou ainda apresentando-as em oposição. Das duas maneiras, aumenta-se a força de impacto, um dos principais objetivos da comunicação publicitária. Na mesma amostragem não são identificados anúncios all-type, e apenas um anúncio sem título, mas com grande quantidade de texto em seguida à imagem. Pode-se verificar, também, dois anúncios que trazem apenas título e imagem, com praticamente nenhum texto. Estas são as características de muitas das peças que aparecerão nas décadas seguintes, quando a imagem ganha mais importância que o texto na composição de peça publicitária. Tal prática se tornará mais freqüente por várias razões, mas a que mais se destaca é, provavelmente, o fato de que o trabalho de marketing sobre marcas mostrará resultados e muitos produtos passarão a ser conhecidos pelo posicionamento no mercado, dispensando a informação verbal nas peças, garantindo o objetivo de manutenção da imagem da marca através apenas da informação visual. Constatou-se também que os anúncios com interação e/ou oposição estão concentrados no final da década, e que no início encontra-se exemplos com estilo gráfico e de conceito muito próximos aos das décadas anteriores. Assim, resta concluir que a propaganda entrou nos anos 60 de um jeito e saiu de outro. Iniciou o período nos moldes antigos e terminou moderna e renovada, um ensaio do que seriam os ricos anos 70. 225 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Anos 70 Também na década de 70 houve a separação de uma amostra de anúncios, publicados no mesmo livro, num total de 82 peças, assim, verifica-se que o salto criativo se assenta neste período ao perceber que do total, 64 anúncios têm título criativo, 82 direção de arte atualizada e 64, uma relação visual x verbal de interação ou oposição. A grande maioria dos anúncios é criativa no título, diferentemente dos anúncios informativos de antes dos anos 50, e a totalidade das peças já tem o tratamento gráfico contemporâneo. Cumpre observar também o mesmo número de anúncios que tem título criativo e possuem uma boa relação entre título e imagem, significando que deixaram de ser redundantes com relação a ela. É claro que esta amostra de anúncios traz os melhores de cada período ou premiados, caso de alguns dos anos 80/90, por isso não se pode acreditar que basta abrir uma revista qualquer para encontrar apenas anúncios com títulos criativos ou relação título x imagem de oposição ou complementaridade, mas nos fornece dados para verificar que quanto mais os receptores são embalados nesta onda de visualidade que assolou a segunda metade do século, mais estão aptos a decodificar mensagens verbo-visuais e retirar melhor proveito delas em termos de informação veiculada, já que o emissor busca na soma das informações veiculadas pelos dois códigos, a máxima atenção, impacto e compreensão do receptor. O processo criativo destas mensagens, dentro da agência de propaganda, também ganhou sofisticação de técnicas e resultados. É neste período que nasce a figura do “Diretor de Criaç~o” nas grandes agências, profissionais que s~o supervisores das duplas formadas por redatores e diretores de arte. A dupla de criação, que até então não se reportava a ninguém no departamento de criação, a não ser ao atendimento da conta e obviamente ao cliente, ganha agora um profissional apto a verificar tanto a pertinência das idéias aos objetivos de comunicação quanto a solução criativa empregada, no texto-título ou na imagem. Neste contexto surge a vontade dos profissionais de criação de tornar a propaganda ainda mais irreverente, para uma sociedade bem mais permissiva que nas décadas anteriores. É o momento em que começa a exploração do sexo na propaganda brasileira (com uma diferença de pelo menos 15 anos da propaganda européia e americana), e os profissionais explicam: est|vamos “sintonizados com as novas escolas de pensamento criativo que derrubaram os velhos ícones e pregavam a subjetividade e a sutileza como os novos paradigmas da criaç~o publicit|ria”121. Nas grandes agências americanas, as velhas normas de planejamento e condicionamento da criação ainda subsistiam e acabavam cerceando a liberdade dos jovens criadores, embora estes rabiscassem cartazes com a frase de McLuhan: é proibido proibir. A revolução criativa, na verdade, foi iniciada e conduzida pelas pequenas agências (as boutiques), geralmente fundadas e dirigidas por apóstolos do novo credo criativo.(...) 121 GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 161. 226 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Quando, afinal, a poeira assentou, vários anos depois, surgiu no Brasil uma nova escola de criação, autenticamente brasileira, fruto da simbiose entre a velha escola dos anos 50 e as novas tendências chegadas a partir dos anos 60. Foi essa escola que nos deu prestígio internacional e que – infelizmente – começou a ser desfigurada a partir dos anos 90, devido às sucessivas crises econômicas.122 Como novos paradigmas da criação publicitária instauravam-se, então, a sutileza e a subjetividade, como formas opostas àquela empregada até os anos 50 baseada na informação sobre os produtos. Nos períodos subseqüentes aos anos 50, os produtos passaram a apresentar cada vez menos diferenças tecnológicas e, logicamente, cada vez menos a informação sobre estas diferenças podia ser utilizada como apelo de vendas. Some-se a isto o fato de que o consumidor já se acostumava aos apelos que a propaganda vinha utilizando e a renovação era, então, uma necessidade de sobrevivência, tanto da propaganda quanto dos produtos. Lycra, 1976 Banco Real, 1977 Anos 80-90 Os anos 80 já refletem esta nova postura criativa da propaganda brasileira, agora com um caminho próprio e independente da propaganda estrangeira. Já em 122 Id. Ibid, p. 162-163. 227 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 1980, a produção publicitária brasileira é premiada no Festival de Cannes, a mais importante premiação da área, com o segundo lugar, abaixo apenas na Inglaterra e à frente dos Estados Unidos. Neste ano, o Brasil foi premiado com 16 leões de ouro, prata e bronze. A representatividade também era marcada pela presença de brasileiros entre os membros do júri, neste e em muito festivais que se seguiram, além de exposições de peças brasileiras em entidades estrangeiras. A irreverência acentua-se na propaganda brasileira, e o comercial Vagabundo de Eduardo Fischer, que traz um depoimento de um homem que “quer ser vagabundo” é tirado do ar. É da primeira metade da década, também, o primeiro nu frontal da propaganda brasileira num anúncio de chuveiros. Os anos 90 trouxeram questionamentos acerca dos caminhos da propaganda, e selecionamos um trecho com dois depoimentos que bem demarcam a preocupação neste sentido: Washington Olivetto suspirava: `Nunca mais se fez, no Brasil, propaganda tão boa quanto aquela dos anos 60`. Armando Ferrentini lamentava: `Ninguém mais resolve seus problemas de mercado através da propaganda.` Os anos 60 talvez fiquem gravados para sempre como os anos dourados da propaganda – em que a criatividade se afirmou como característica principal e bandeira de toda a profissão. Ou mudou-se da propaganda para ocupar seu lugar em todas as atividades humanas ameaçadas pela tecnologia árida, sempre padronizante?123 Muitos profissionais consideram que a internacionalização das agências de propaganda trouxe uma padronização de linguagem que fez expirar a criatividade dos anúncios, dando lugar à ironia, à prepotência e ao desrespeito dos criativos para com os anunciantes. São muitos os depoimentos encontrados, na mídia e em conversas informais, principalmente, sobre anúncios considerados ofensivos seja por grupos sociais, seja pela sociedade como um todo. Na sala de aula, em disciplinas como “Criaç~o Publicit|ria”, percebe-se claramente que a irreverência dos jovens publicitários tende à criação de anúncios que pretendem impactar, segundo dizem os próprios alunos, “por dizer a verdade” ou “fazer rir”, n~o se tratando de desrespeito. É necess|rio reavaliar, portanto, algumas posturas, mais acordos de cavalheiros do que regras, que surgiram no início da propaganda. Em Confissões de um Publicitário, editado nos anos 40, prega, e sua voz tem eco em muitos outros autores, acima de tudo, não desrespeitar o consumidor, não ser ofensivo e nem grosseiro, reservando à comunicação publicitária sutileza, respeito e delicadeza. 123 DPZ, Portfolio, São Paulo: DPZ, s/d, p. 3. 228 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais É certo que este tom de voz que a propaganda adotou nos anos 60-70 provavelmente não se repetirá, principalmente porque o mercado, a publicidade e os consumidores são outros. Aquele romantismo, entretanto, fez escola e deixa praticamente sem seguidores aqueles profissionais que se espelharam nas chamadas butiques de criação como foi na época a DPZ. Uma agência de artistas, como era chamada, tinha à frente dois artistas plásticos – Francesc Petit e José Zaragoza, e carregava suas fraquezas, por se tratar de uma agência “muito artística, mas que n~o entendia de propaganda nem de marketing, que fazia (...) lindos layouts e lindas fotos, porém que n~o vendiam” relata Petit, lamentando as críticas da época.124 Mas Petit acreditava que uma agência sem artistas não é uma agência, é um negócio apenas: Teve época que se tentava esconder o fato da nossa agência ter um acentuado toque artístico. Nada mais natural já que os dois sócios fundadores são artistas, pintores formados na Escola de Belas Artes. A neurose pelo fato de ser dono de agência e artista ao mesmo tempo é criticada e considerada prejudicial ao negócio, a ponto de me bloquear de tal maneira que durante alguns anos deixei de pintar e expor pensando que com isso estaria ajudando a minha agência. O mercado careta e convencional utilizava o fato de eu ter essa vocação para falar mal da DPZ”125. É deste debate que se nutria a propaganda do período, e uma análise da propaganda atual certamente encontrará novas proposições e leituras, ainda a serem estudadas. Considerações finais O salto criativo na propaganda brasileira registrado no período é facilmente perceptível a partir da observação dos anúncios. Vale ressaltar, por conta desta constatação, que se trata de um salto qualitativo em razão do aprimoramento na utilização dos elementos estruturais componentes de uma peça publicitária impressa. Pode-se configurar como aprimoramento pelo fato de que os elementos constituintes já se faziam presentes desde que os meios impressos permitiram a reprodução de imagens. Assim, tomando como base que anúncios publicitários são formados de informação visual e verbal, obter mais informação com a mesma dupla de códigos pode significar uma melhora na qualidade. Anúncios mais criativos são aqueles que melhor elaboram as relações entre título/texto e imagem, não deixando, ao mesmo tempo, de informar sobre o produto que veiculam. Tendo em vista a grande quantidade de anúncios a que as pessoas são submetidas, e a conseqüente quantidade de mensagens que buscam despertar, reter nossa atenção e então conduzir à ação, é sabido que quanto mais criativas as mensagens, mais facilmente obtém-se sucesso na primeira etapa deste processo. Despertar a atenção para uma mensagem é algo que se dá com sucesso 124 125 DPZ, Portfolio, São Paulo: DPZ, s/d, p. 3. Id. Ibid, p. 3. 229 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais em razão do impacto causado pela mensagem, e o trabalho de impactar depende, em parte, do seu esforço criativo. Se porventura houver concordância que quanto mais criativa a mensagem, maior seu poder de impacto, pode-se entender poder de impacto ou poder de despertar a atenção como capacidade persuasiva, dividida em etapas. Depois desta enunciada, a primeira, parte-se para reter a atenção por meio das informações do produto (a segunda), e a terceira, que é a de conduzir à ação. As etapas de retenção e ação têm também como elementos constitutivos informações verbais e visuais, concentradas, entretanto, em outro modo construtivo, que envolve o desenvolvimento do texto, sua finalização com utilização de uma chamada à ação, a utilização de frase de fechamento, se for o caso, além de slogan e assinatura, esta última dupla garantindo confiabilidade pela personalidade da marca. Neste estudo tratou-se apenas da etapa inicial, que é a obtenção de impacto, e é possível que a sua força esteja exatamente no poder persuasivo das mensagens, o que leva a concluir que quando se fala de poder persuasivo, invariavelmente, trata-se de poder criativo, que pode ser encontrado, entre outras possibilidades, na elaboração refinada da relação de complementaridade entre título e imagem. Referências Bibliográficas COLÓN, Eliseo R. Publicidad Modernidad Hegemonia. San Juan: Universidad de Puerto Rico,1996. DPZ, Portfolio, São Paulo: DPZ, s/d. FERLAUTO, Cláudio. A Fôrma e a forma. São Paulo: Rosari, 2003. FERRARA, Lucrecia D`Alessio. Leitura sem Palavras. S. Paulo:Atica, 2001. GRACIOSO, Francisco e PENTEADO, J. Roberto Whitaker. 50 Anos de Vida e Propaganda Brasileiras. São Paulo: Mauro Ivan Marketing Editorial, 2001. GRUZINSKI, Serge. O pensamento Mestiço. São Paulo: Cia das Letras, 2001. _________. A Guerra das Imagens. SãoPaulo, Cia das Letras, 2006. QUINTAVALLE, Arturo Carlo. 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MITO, SIMBOLISMO E OUTROS INGREDIENTES DO MARKETING POLÍTICO Daniel GALINDO Doutor em Comunicação Científica e Tecnológica pela Universidade Metodista de São, onde é professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, alocado na linha de pesquisa processos de comunicação Institucional e mercadológica Rose Mara Vidal de SOUZA Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, com MBA em Marketing Político pela Universidade Católica de Brasília, graduada em jornalismo pela Universidade Federal do Tocantins Introdução Vencer uma eleição não é fácil. Contudo foi-se o tempo em que beijar criancinhas era artifício suficiente para se ganhar um pleito, ou as eleições reconhecidas, popularmente, como o ápice da democracia. Mesmo nas civilizações greco-romanas, berço desse sistema representativo, alguns historiadores acreditam que o período e o lugar de origem da votação foram outros. Pois algumas narrativas míticas celtas e hindus falam sobre a participação dos druidas e sacerdotes na escolha de seus líderes políticos. Enfim quando a prática surgiu na cidade-Estado de Atenas, no século 5 a.C., apenas cerca de um quinto da população poderia participar das eleições.(SOUZA, 2009, p.1) Não só as eleições, bem como o proferimento do voto foram alvo de algumas transformações. Por volta do século II a.C., os romanos tiveram a idéia de criar uma urna onde os votos fossem depositados. Antes disso, o voto era proferido publicamente, o que poderia causar infortúnios diversos na condução de um processo eleitoral livre de qualquer conchavo 231 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais preexistente. Contudo, essa prática era recorrente entre os príncipes do Sacro-Império Germânico, que decidiam coletivamente quem seria o rei. Até o século XIX, a compreensão do voto como um direito estendido à maioria dos cidadãos era pouco difundida. Até mesmo nos Estados Unidos da América, um dos mais importantes focos dos ideais de liberdade e autonomia, seus partícipes acreditavam que a ampliação do voto era uma medida que poderia prejudicar a condução de importantes questões nacionais. Nesse ponto, podemos ainda salientar a luta das mulheres e analfabetos pelo direito ao voto. (SOUZA, 2009, p.1-2). Seguindo o raciocínio de Souza, mesmo em meio às diversas questões culturais, econômicas e políticas que impediam a modernização do país, o Brasil teve um papel pioneiro no reconhecimento do voto feminino. Durante o governo de Getúlio Vargas, o novo Código Eleitoral de 1932 permitiu que as mulheres fossem às urnas. O papel vanguardista do Estado brasileiro pode ser comprovado quando posto em contraponto às leis de outras nações européias que somente nos anos de 1970 permitiram esse mesmo benefício. Outro ponto relevante é sobre o voto dos analfabetos, com importante significação para a cultura política contemporânea. Afinal até poucas décadas atrás, o desconhecimento do mundo letrado era usado como premissa para se atestar a incapacidade intelectual mínima de um pretenso eleitor. Contudo, essa visão sectária perdeu terreno paulatinamente. No Brasil, a constituição de 1985 permitiu o exercício democrático dos analfabetos, que havia sido proibido pela antiga carta de 1889. (SOUZA, 2009, p.4) Partindo do pressuposto que as eleições são verdadeiras arenas, onde as ferramentas da democracia e do poder têm papel de destaque. A mídia apresentase como a mola propulsora e o palco que nos permite interpretar os atores envolvidos nas relações de poder em torno do imaginário social. Outro fator, não menos importante, que é o marketing político, aliás, o termo marketing político moderno é entendido aqui como uma resposta relativamente bem consolidada frente aos desafios do processo político – comunicacional já na primeira metade do século XX. Esta resposta se traduz por um sistema organizado de ações e um repertório de estratégias oriundas das práticas comerciais, cujo principio norteador é a busca pela qualidade e eficácia do processo buscando-se atingir com maior segurança possível os objetivos preestabelecidos. O marketing político não pode restringir-se apenas ao aspecto comunicacional, ele contempla toda uma forma de gestão do ambiente político, propiciando aos candidatos em período de pleito eleitoral uma vantagem competitiva frente aos demais adversários que investem apenas no período das eleições praticando o marketing eleitoral. Ao contrario de uma gestão da imagem do político que tem competências e articulações partidárias, assimiladas pelo receptor/eleitor, portanto explorando a credibilidade construída a partir de um trabalho consistente de avaliação, correção e divulgação permanente de sua performance no espaço político. Aqui situamos as eleições como processo de espetacularização, onde a personalização de candidatos e a propagação de 232 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais discursos perpassados de elementos simbólicos e míticos se constituem no cerne deste artigo. De acordo com Bezerra e Lima (2008, p.2) o mito político não é simplesmente um fenômeno, uma pessoa, um partido ou uma idéia, mas sim a representação que se faz de determinados fenômenos, pessoas ou idéias. A elaboração de um mito acontece sobremaneira a partir da contínua repetição e reelaboração de uma imagem. Ou seja, quando se pretende compreendê-lo e interpretá-lo, nos voltamos uma narrativa. Portanto é na seqüência de uma história contada, repetida e reelaborada que se agrega corpo e substância a mitos preexistentes. Neste sentido, vamos nos valer como exemplo de dois candidatos a presidência da República no Brasil (Getúlio Vargas e Luis Inácio Lula da Silva) e o recente fenômeno Barack Obama nos Estados Unidos da América. As campanhas eleitorais estão conectadas diretamente com mitos, arquétipos, estereótipos presentes na construção e manutenção da imagem dos atores sociais envolvidos em uma competição, cujo objetivo é ser aceito pela maioria. Haja vista que o comportamento humano tem sido uma poderosa arma do marketing político para a criaç~o de “produtos” eleitorais de sucesso. A mitologia Mitologia é o estudo dos mitos, deuses e lendas. Os mitos são histórias de caráter popular ou religioso que têm por objetivo a explicação de coisas complexas, que passavam do entendimento das pessoas comuns na época de seus surgimentos. Normalmente a mitologia é associada à sociedade desde sua fundação, como a mitologia que surgiu na Grécia é denominada Mitologia Grega, sendo essa a mais famosa de todas. Em várias religiões a mitologia está presente de alguma forma. No Neopaganismo, por exemplo, a mitologia é a própria caracterização de sua fé. Ou ainda Jung (2008) revelou a conexão entre mito e psique inconsciente no seu trabalho com pacientes psiquiátricos, que expressam imagens arcaicas e padrões de pensamentos que não podiam ser explicados por suas histórias pessoais. Jung encontrou imagens iguais ou parecidas mitologicamente, na alquimia, e em outras antigas fontes mitopoéticas (sentidas pela alma). Na sociedade contemporânea, a mitologia está fortemente presente e fácil de localizar, pois em diversos jogos como Final Fantasy e Ragnarök; filmes e séries de televisão, como Harry Potter e Cavaleiros do Zodíaco possuem suas bases na mitologia. De acordo com Randazzo (1996, p. 56) Nas culturas ocidentais européias, o termo mitologia tornou-se sinônimo de mitologia grega ou romana. E isto não nos deve surpreender, pois são geralmente as únicas mitologias às quais somos apresentados – uma conseqüência do nosso eurocetrismo. Existem na verdade 233 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais várias mitologias – asiáticas, africana, nórdica e árabe, entre outras. Também é importante entender que a definição de mitologia, no seu sentindo mais amplo, não se limita ao que formalmente chamamos de mitologia: “abrange qualquer coisa que de alguma forma mitifica ou “enfeita a realidade”. Moby Dick é uma mitologia. Assim como é mitologia o anúncio da cerveja Budweiser que vemos na Tevê” (RANDAZZO, 1996, p. 57). Portanto mitologizar se resume naquilo que “... inclui todas as formas de ficção narrativa simbólica mostrando padrões recorrentes universais e coletivos de resposta psíquica às experiências da vida... qualquer representação humana vista sob a perspectiva da alma” (HEISIG apud RANDAZZO, 1996, p. 58). Certamente esta definição de mitologização parece particularmente apropriada para a publicidade. Afinal a publicidade é um tipo de comunicação em forma de história, uma ficção narrativa que além de transmitir informações acerca do produto/serviço, procura refletir os valores, o estilo de vida, e a sensibilidade e/ou cultura que envolve o consumidor-alvo. Para o mitólogo Joseph Campbell (1990, p.31), a riqueza dos mitos não está em elucidar ou revelar algum tipo de significado para a vida, mas o de ser um registro simbólico da própria experiência de estar vivo. Ele diz que os mitos atuam em vários níveis: Função Mística Função Cosmológica Função Sociológica Função Pedagógica “... percebendo a maravilha que é o universo, e a maravilha que nós mesmos somos, e ficando fascinados diante do mistério”. “Ajudando-nos a entender o universo e o lugar que ocupamos nele” “Apoiando e defendendo uma certa ordem social” “...como viver a nossa vida sob qualquer circunst}ncia” Para Randazzo (1996, p. 63), a mitologia proporciona um acesso para a mente inconsciente – o aspecto irracional, intuitivo da psique humana. A mitologia nos permite vislumbrar a alma humana, a nossa natureza instintiva que se mantém oculta por baixo das aparências da civilização. O contato com a nossa psique inconsciente permite que nos sintamos com os pés no chão e mais humanos, e é uma fonte rica e vital de energia criadora e de descobertas. Arquétipos e o inconsciente coletivo Carl G. Jung se utiliza do termo arquétipo para designar: a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar; modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique; seriam as tendências estruturais invisíveis do símbolo que criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente. Para Jung essas “imagens primordiais” se originam de uma repetiç~o constante de uma mesma experiência durante gerações e tendem a produzir a 234 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais repetição e elaboração dessas mesmas experiências em cada geração. (JUNG, 2008, p.13-14) Considera-se freqüentemente que Sigmund Freud "descobriu" o inconsciente como sendo aquela parte da psique que contém experiências desagradáveis ou mesmo traumáticas que tenham sido reprimidas pela mente consciente. Jung vai mais longe: em sua opinião, não só existe um inconsciente individual como também existe um inconsciente coletivo, o qual contém a imensa herança psíquica da evolução humana. De acordo com Jung, esta herança renasce na estrutura de cada indivíduo. Os sonhos podem ser considerados como possíveis escapes do inconsciente individual e coletivo. Figuras que aparecem frequentemente nos sonhos como o tenebroso perseguidor ou a criança inocente são símbolos que representam uma ligação com dimensões sobre as quais não estamos conscientes. Estas podem despertar em nós certas associações que não poderíamos entender apenas com a mente racional. Jung descobriu que muitos destes símbolos são de natureza universal. Estes podem ser encontrados nos mitos e contos de fadas de todos os povos. Eles mostram um "conhecimento" ou "sabedoria" comum a toda a humanidade. Por isso Jung chamou a estes símbolos Imagens Primordiais ou Arquétipos. As imagens primordiais não podem ser descritas com exatidão. No seu trabalho com pacientes psiquiátricos, Jung ficou impressionado com o fato de imagética parecida, amiúde arcaica, ser usada por muitos de seus pacientes. A partir de suas observações, Jung desenvolveu a idéia de ‘inconsciente coletivo’; um inconsciente que contém imagens arquetípicas (universais) cuja pista pode ser seguida até as origens da espécie humana e que são as mesmas para todas as pessoas. Para Jung as imagens arquetípicas contidas no inconsciente estão profundamente arraigadas na espécie humana e, de alguma forma funcionam como instintos que influenciam e controlam o nosso comportamento. A imagem arquetípica é um marco fundamental na obra de Jung e a chave para que possamos entender a conexão entre mitologia e a psique humana (RANDAZZO, 1996, p. 65). De acordo com Jung (2008), os arquétipos nascem da incessante renovação das vivências experimentadas ao longo de várias gerações. Este aprendizado é necessário para que o Homem caminhe rumo à sua individuação, ou seja, na direção de sua mais perfeita lapidação, para que um dia possa se unir novamente ao seu Self126. Assim, esta incessante aquisição de conhecimento e de experiências, executada durante milhares de anos durante a jornada humana, é administrada pelos arquétipos, que para melhor estruturarem esta conquista geraram modelos responsáveis pelo trabalho psíquico. 126 Self - O Si - mesmo é o centro de toda a personalidade. “O Si - mesmo representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia para que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha consciência do que acontece, quer n~o.” (JUNG, 2008). 235 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Os arquétipos estão, portanto, nos bastidores de todos os nossos pensamentos, sentimentos, emoções, intuições, sensações e atitudes. Normalmente eles se expressam através dos símbolos, pois constituem sua composição estrutural oculta aos olhos humanos. Alguns destes arquétipos conquistaram tamanha independência que se destacaram do âmbito da consciência individual do ‘eu’ - a persona; a anima ou o aspecto feminino do homem; o animus ou o lado masculino da mulher; e a sombra. Os símbolos arquetípicos são encontrados nos mitos originais, nas mais variadas religiões, em lendas que já fazem parte da bagagem cultural coletiva, os quais marcam definitivamente a consciência e particularmente a esfera do inconsciente humano. Alguns destes arquétipos: a figura materna, a imagem do pai, a criança, o herói, o divino, entre outros. Em outras palavras, uma criança mamando no seio materno ainda não conhece a sua mãe pessoal. O que ela experimenta é a “maternidade” – o arquétipo da Grande Mãe – a eterna provedora e alimentadora. Cada arquétipo tem seu próprio grupo de símbolos ou cânone de símbolos que também é criado e guiado pelo inconsciente. A força poderosa de uma imagem arquetípica – como a imagem de mãe/filho – está no fato de os humanos responderem a ela não só em nível consciente, mas também num mais profundo mais profundo e instintivo nível inconsciente. Eles constituem, para a psicologia junguiana, manifestações imateriais que modelam os eventos psíquicos. A mitologização e os símbolos na política Uma contribuição significativa para a percepção da articulação simbólica nas práticas discursivas é proposta por BARTHES (2007, p. 235), quando evidencia que passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, porque sem profundeza, um mundo plano se ostenta em sua evidência, e cria uma afortunada clareza: as coisas sozinhas parecem significar por elas próprias. De acordo com Barthes (2007), apesar de, em seu sentido original, o mito remeter ao intemporal, em seu aspecto moderno, especialmente no campo do político, ele também é dotado de historicidade. Se os mitos cosmogônicos eram resistências do homem primitivo ao tempo e a história, os mitos modernos, ao contrário, são históricos, ocultos sob o manto da razão, embora remetam à imagens primordiais, não-históricas e a vocação de todo candidato em recriar um novo mundo, novas situações, novo equilíbrio da ordem e da paz, diante de um caos oriundo do antecessor político que por inabilidade, arrastou a todos para um apocalipse previsível, agendado, aqui evidencia-se o confronto escatológico do caos 236 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais presente, com a promessa messiânica de um novo mundo, novo momento ou o renascer através da repetição da criação ou da cosmogonia. Ainda seguindo o pensamento de Barthes, outra característica do mito é o car|ter imperativo e interpelador. Para ele o mito é “uma fala definida pela sua intenç~o”. Pensar o discurso político atual a partir desta perspectiva permite perceber como fontes importantes de análises, artifícios diversos como discursos, gestos, fotografias, vídeos, dentre outros artefatos materiais que fomentam a elaboração de discursos e possibilita perceber como estes elementos podem ser manuseados a partir de uma intenção específica. Para Girardet (1989), a ligação entre a lenda, a narrativa mítica com os traços e características pessoais e específicas da figura legendária e com a conjuntura histórica em que viveu o personagem pontua de forma clara que tais características biográficas pertence ao domínio do imaginário mitológico e que quanto maior é o tempo de existência do mito mais estes traços tendem a ser reforçados ao mesmo tempo em que reforça também sua permanência no imaginário coletivo; Quanto mais o mito ganha amplitude, mais se estende por um largo espaço cronológico e se prolonga na memória coletiva, mais se deve esperar, aliás, ver os detalhes biográficos, e as características físicas ganhar importância. A altura do general de Gaulle, o tom zombeteiro de sua voz, suas fórmulas, suas tiradas e suas insolências – sua lenda seria hoje a mesma se não tivesse conservado a memória desses traços? (GIRARDET, 1989, 82). Na política, essa evolução, essa tendência para o uso dos símbolos, tem grande valor. É evidente que um movimento político de nossos dias só tem possibilidade de sucesso se suas idéias forem adotadas por um número considerável de pessoas que delas se apoderem por um processo de assimilação e, quando são compreendidas e sustentadas, de maneira unânime, pela grande maioria de adeptos desse movimento. Se essas condições estão presentes, logo se compreende que tal movimento político só pode obter rápido sucesso caso tenha uma maneira de exprimir suas idéias, um simbolismo próprio; podendo ser aceito, de forma rápida e uniforme, por um grande número de pessoas (TCHAKHOTINE, 1967, p. 258). O emprego dos símbolos é um dos estratagemas mais eficazes preferidos pelos líderes para dirigir as massas, para aspirar e inspirar as emoções nas multidões. Segundo Lippmann (apud TCHAKHOTINE, 1967, p. 259) “É um truque para criar o sentimento de solidariedade e, ao mesmo tempo, explorar a excitação das massas”. O marketing político e a mitologização do candidato A atividade política submerge ao jogo de poderes, aos encantos do poder econômico e da burocracia estatal, fazendo com que esta seja encarada como uma 237 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais atividade restrita somente aos “políticos” e n~o pertinente a todos os cidad~os, com regras emanadas democraticamente da sociedade. O público torna-se um consumidor, já que as ferramentas do marketing são utilizadas para garantir um resultado eleitoral favorável. (SANTOS, 2007, p. 59). Segundo Santos (2007), as alterações nas relações humanas na configuração do espaço público solicitam novos requisitos de funcionamento e de comunicação entre os diferentes atores políticos – partidos, Estado e sociedade. Assim, a comunicação constitui-se como uma fonte de poder que se confronta com outros poderes, inclusive o político. O marketing político-eleitoral aparece, então, não apenas como a interação entre um dado regime e a comunicação, mas, num sentido mais amplo, de uma sociedade de consumo, na qual um conjunto de novos ingredientes, tais como sondagens de opinião, técnicas de identificação, de visibilidade e publicidade passam a compor o campo político atual (SANTOS, 2007, p.60). Devemos levar ainda em consideração que marketing político é o conjunto de atividades que visa garantir a maior adesão possível a uma idéia ou a uma causa, que pode ou não ser encarnada na figura de uma pessoa, normalmente um político (LIMA, 2002, p.17). Este fato é exemplificado nesta matéria da Revista Veja sobre a disputa presidencial de 2006: O Brasil encerra sua quinta campanha presidencial consecutiva com duas novidades. A primeira é que nunca houve tanto debate televisivo entre dois candidatos ao Palácio do Planalto: o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o tucano Geraldo Alckmin encontraram-se em quatro ocasiões, somando mais de sete horas de confronto direto. A segunda é que, lamentavelmente, apesar da sucessão inédita de debates, nunca uma campanha presidencial passou tão ao largo das grandes questões nacionais, rendendo-se de forma inapelável ao marketing. Ainda que a história eleitoral do país mostre ser excesso de otimismo esperar que uma campanha revolva as raízes mais fundas da pátria, a atual disputa poderia ter jogado ao menos um tênue facho de luz sobre o que se espera de um governo – mas não fez nem isso. Lula e Alckmin, cada um a seu modo, limitaram-se a declamar o que suas assessorias diziam ser o que o eleitor de cada um gostaria de ouvir (ESCOSTEGUY, 2006, p.2). Partindo deste pressuposto, Randazzo (1996, p.238-244) afirma que o candidato é considerado um produto semelhante a outra mercadoria passível da utilização das técnicas de marketing. Todo o mundo tem uma mitologia pessoal, mais os políticos e as demais pessoas em cargos públicos costumam ter mais consciência das suas mitologias pessoais e gastam mais tempo para cultivá-las e alimentá-las. Assim como as mitologias de marca as mitologias pessoais podem ser tiradas de várias fontes: Mitologia pessoal latente – fatos e folclore acerca dos antecedentes, da herança e história pessoal, e das experiências de vida. 238 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Mitologia cultural – Mitologias pessoais que refletem os valores e as crenças da história e da cultura do povo. (RANDAZZO, 1996, p. 239). Portanto para Randazzo, a eleição de um presidente pode ser vista, em nível simbólico, como uma procura mítica, uma busca do Grande Pai, do Rei (e, quando começarmos a eleger mulheres para o cargo, uma procura pela Grande Mãe, uma Rainha). É possível visualizar tal fato, por exemplo, na eleição de Getúlio Vargas ou ainda de Luis Inácio Lula da Silva. Ambos usaram a bandeira do populismo127 como diferencial competitivo tanto na pré como na pós-eleição. O arquétipo de Grande Pai e Herói é amplamente divulgado nos dois casos. No caso de Getúlio Vargas (1939) que instituiu o salário mínimo, a Consolidação das Leis do Trabalho, também conhecida por CLT e os direitos trabalhistas: carteira profissional, semana de trabalho de 48 horas e as férias remuneradas, a massa proletariada foi a principal beneficiada e com isso o idolatrou e elegeu Getúlio como “Pai dos Pobres”. Os candidatos compreendem instintivamente que, se quiserem ser eleitos, devem aparentar/assumir a figura do Grande Pai e ao mesmo tempo adotar posições em sintonia com os valores e as sensibilidades do país. Aliás, este ritual se repete com o atual presidente da Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, com o programa assistencialista Bolsa Família128. A avaliação de Lula ficou acima dos 60%, segundo pesquisa Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística)129 divulgada em junho de 2009 pela Confederação Nacional da Indústria. De acordo com a pesquisa, 68% da população acham o governo Lula ótimo ou bom. A aprovação do governo ficou em 80%, sendo que 16% desaprovam a forma como o presidente Lula governa o país. Na comparação com a última pesquisa, em março, esse percentual foi de 78% e a desaprovação foi de 23%. Os dados confirmam que a população o assimilou no arquétipo do Grande Pai e mesmo do Herói. Os criadores de imagem que ajudam o presidente a desenvolver uma apropriada e atraente mitologia pessoal, costumam a recorrer as experiências de 127 Populismo é uma forma de governar em que o governante utiliza de vários recursos para obter apoio popular. O populista utiliza uma linguagem simples e popular, usa e abusa da propaganda pessoal, afirma não ser igual aos outros políticos, toma medidas autoritárias, não respeita os partidos políticos e instituições democráticas, diz que é capaz de resolver todos os problemas e possui um comportamento bem carismático. É muito comum encontrarmos governos populistas em países com grandes diferenças sociais e presença de pobreza e miséria (POPULISMO, [2000], p.1). 128 O Bolsa Família é um programa de bem-estar social desenvolvido pelo governo federal brasileiro em 2003 para integrar e unificar ao Fome Zero os antigos programas federais "Bolsa Escola", "Auxílio Gás" e "Cartão Alimentação", e é tecnicamente chamado de mecanismo condicional de transferência de recursos. Consiste-se na ajuda financeira às famílias pobres e indigentes do país, com a condição de que estas mantenham seus filhos na escola e vacinados. O programa visa reduzir a pobreza a curto e a longo prazo através de transferências condicionadas de capital, o que, por sua vez, visa acabar com a transmissão da miséria de geração a geração (BOLSA..., 2009,p.01) 129 Disponível em <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect? temp=0&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=caldb> Acesso em 26 de jun de 2009. 239 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais vida do próprio candidato. A mitologização dos candidatos presidenciais começa geralmente a partir de fatos tirados da história pessoal do candidato, construindo em cima deles uma mitologia pessoal apropriada e estimulante. A ênfase na coragem e nas façanhas heróicas do candidato é quase sempre uma maneira segura de convencer o populacho de que ele tem tudo para dirigir a nação (RANDAZZO, 1996, p.239-240). Esta leitura a pratrir de Randazzo nos remete diretamente à recente campanha a presidência dos EUA (2008), do então candidato Barack Obama (Democratas). A campanha é considerada pelos especialistas da área como uma revolução no marketing político. Usando desde as tradicionais ferramentas como o corpo a corpo com a população até o uso de redes sociais (internet) e aparatos tecnológicos (como celulares). De acordo com o site Globo.com, Obama se transformou até em herói de desenho animado. Na animação, Obama conserta o sistema de seguro-saúde, vence a guerra do Iraque, reconcilia judeus e palestinos e se livra dos terroristas do Talibã com um golpe de kung fu. Ele também levanta um prédio, viaja pelo espaço sideral e faz outros feitos sobre-humanos. O vídeo foi produzido pela Jib Jab Media, que tem tradição de produzir animações de humor com conteúdo político. Contudo foi na condição de um candidato novo, com um apelo envolvente no sentido de convocar a todos para participar da construção de um novo mundo, resgatando o espírito do recriar (cosmogonia), através da afirmação coletiva do “Yes we can” escrito como uma marca, reproduzido como um mantra e confirmado com a presença de milhares de eleitores que enfrentando o frio, o cansaço, e toda sorte de desconforto, deram a Obama e ao mundo a imagem da fé expressa em um líder carismático e repleto de outros predicados trabalhados em uma campanha consagrada pela simbologia. Considerações Finais A comunicação quando destinada a produto, faz valer sua condição de produção simbólica por excelência, pois se agrega a um bem qualquer anunciado, valores, sentimentos, sonhos, fantasias, enfim a dimensão imaterial que promove a diferenciação, ou como alega Claude Hopkins “tentamos dar a cada anunciante um estilo apropriado. Tornando-o distinto, talvez não em aparência, mas em maneira e tom. É-lhe dada uma individualidade que melhor convenha às pessoas a que se dirige” (Hopkins, 1966, p.110). Exatamente como na prática do marketing político, cuja capacidade de mitologizar, os candidatos em pleitos eleitorais usam e abusam dessas condições. A população precisa se ver no candidato, como um benfeitor para suas angústias e desejos. Veblen (1983) discorre sobre isso em seus estudos, dizendo que o homem sempre persegue o honorífico, mesmo que este não o detenha, ele quer 240 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais estar sempre ao lado de quem o possui, no caso o vencedor, o guerreiro, o herói, representado aqui pelo candidato mais forte/qualificado. Essas simbologias, conceituadas por Jung como arquétipos, vivem no nosso inconsciente e nos remetem aos anseios mais profundos. O marketing apropria-se dessa condição como mola propulsora para determinar nossas satisfações. Quem não quer eleger um candidato que vai amparar e proteger a todos? Isso contempla o arquétipo do Grande Pai aliado ao do Herói, que remete ao modelo mental tornando visível, real e factivel. Ainda de acordo com Jung a psique humana expressa seu processo de crescimento e evolução de forma visível e compreensível para a mente consciente através de mitos e lendas. A compreensão e apreensão destas contribuições teóricas ampliam o poder de persuasão, envolvimento e sedução marcada nas mensagens emitidas sobre os eleitores, confirmando suas identificações com os candidatos, afinal o processo de personificar candidatos/produtos como reflexo de nossos próprios desejos, responde as nossas incertezas e cria vínculos emocionais não só na área material, mas também na área psíquica, através da mitologização do candidato. Referências Bibliográficas BARTHES, Roland, Mitologias. Trad. Rita Buomgermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer. 3a ed. Rio de Janeiro: Difel, 2007. BOLSA, Família. Disponível em < http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/>. Acesso em: 24 jun 2009. 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Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967. 242 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais RECLAMES EM AÇÃO: MEMÓRIAS DA PUBLICIDADE BRASILEIRA ADS IN ACTION: MEMORIES OF BRAZILIAN ADVERTISING. Éldi Marisol Saucedo Professora universitária, membro do grupo de pesquisa Memória e Imaginário em novos contextos da Comunicação e mestranda em Comunicação pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS. Professora da Escola de Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS. 1. Introdução A publicidade é uma das mais relevantes forças nos países capitalistas. Segundo Jhally: “Pode dizer-se que a publicidade é, na sociedade moderna, a mais influente instituiç~o de socializaç~o” (1995, p. 13). No Brasil, essa influência também é considerável, haja visto o gasto que anunciantes vertem para o setor e como a sociedade se preocupa em regular a atividade publicitária dado seu impacto sóciocultural. Segundo Coelho: “A publicidade ocupa um lugar central na cultura contemporânea. Se entendermos por cultura tudo o que é criado pelos seres humanos, podemos perceber que a presença das manifestações publicitárias na cultura do homem contemporâneo é cada vez maior” (2007, p. 155). Devido a esse poder social, a publicidade é e precisa ser contada, de forma que tais experiências ajudem a construir um panorama da área e, assim, auxiliar a construir sua história: “Ao olhar para a história da propaganda, entendemos como ela constrói laços com a vida e com o imaginário, das pessoas e da sociedade em que ela se situa” (CASAQUI, 2007, p. 89). A memória, segundo Gade (1998), é resultado do aprendizado. Porém, usase aqui a memória no sentido histórico e cultural; a memória como lembrança de situações vividas (D’ALESSIO, 1994); nesse caso, passa pelas lembranças que marcam a história de vida dos indivíduos, como as relações ocorridas pelas mediações da família, do trabalho, da escola, entre outros espaços cotidianos, pois ela, a memória, trabalha, relacionando o passado a partir do presente, compondo uma trajetória que tem significados conforme se narra, conforme é chamada a narrar. Quando procuramos refletir sobre questões que envolvem relações de desejo de consumo e rememorações de fatos em espaços sociais da memória passamos a entender como, por exemplo, uma foto pode servir como expressão de diversidades, ferramenta de produção e circulação de memórias, uma vez que ao olhar é dado ver a imagem formada destes espaços das lembranças (BOSI, 2003). Há ainda que se pensar que a memória é construída em grupo, mas é também, sempre, um trabalho do sujeito. Segundo Halbwachs (1990), uma semente de rememoração pode permanecer um dado abstrato, pode, ainda, formar-se em imagem e como tal permanecer ou, finalmente, pode tornar-se lembrança viva. 243 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Estes destinos dependem da ausência ou presença de outros que se constituem como grupos de referência. Memória antevê participação de pessoas como objeto, testemunhas de fatos, sujeitos de reverberação de acontecimentos e outros papéis, porém é nítido que tal construção ocorre quando tais pessoas possuem interesses em comum com o assunto integrando assim um grupo de referência. O grupo de referência é um grupo do qual o indivíduo fez ou faz parte e com o qual estabeleceu uma comunidade de pensamentos, identificou-se e identificou, mesmo que parcialmente, seu passado (GADE, 1998). O grupo não está necessariamente instituído de forma física, mas também de modo virtual, simbólico, afetivo. A vitalidade das relações sociais do grupo dá vitalidade às imagens, que constituem a lembrança. Portanto, a lembrança é também fruto de um processo coletivo e está inserida num contexto social preciso. A atividade publicitária pode ser contada por pessoas que vivenciaram ou se interessaram por seus desdobramentos, produtos, acontecimentos, impactos sociais, profissionais, mas geralmente tais relatos são feitos por pessoas que assumiram a publicidade como parte de seu grupo de referência ou interesse, quer no âmbito profissional, acadêmico, histórico ou institucional. São alvo dos relatos os mais diferenciados setores, fatos, personalidades e instituições relacionados ao campo publicitário. Porém, parece que a peça publicitária provoca interesse diferenciado. Talvez porque um comercial ou anúncio seja uma vitrine do trabalho publicitário finalizado, até porque esta peça ganhou visibilidade midiática e social, de forma a integrar-se ao imaginário de pessoas e públicos. Um anúncio publicitário carrega em si valores que podem referenciar a memória de valores sociais, comerciais e ideológicos de uma época. “Os anúncios passam a narrar as situações características da época, as quais podem ser vivenciadas pelas pessoas, mostrando-lhes como é possível e positivo desfrutá-las” (TOALDO, 2005, p. 30). Depoimentos, relatos, descrições de publicitários, agenciadores, anunciantes, professores e especialistas da área publicitária podem contribuir com a memória da propaganda e como ela é contada na atualidade. Além dos anúncios, a memória da publicidade pode ter como objeto seus anunciantes, agentes, setores publicitários, contexto econômico-social, públicoalvo, veículos de comunicação, ensino, campanhas, entidades representativas, personalidades, premiações de forma a apresentar um grande leque de elementos que povoam a memória social e individual (CASTELO-BRANCO, 1990). 244 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Tais conteúdos podem ser encontrados em sites, revistas especializadas, livros e outros suportes. Porém, neste trabalho, serão apontados apenas livros no sentido de ilustrar a oferta de trabalhos que retratem a memória da publicidade brasileira. Assim, o presente estudo bibliográfico possui caráter exploratório e tem como objetivo estudar a memória da publicidade brasileira apegando-se aos livros de Ramos (1985), Castelo-Branco (1990), Marcondes (2003), APP (1999) e Queiroz (2005). 2. Memória: alguns marcos da publicidade brasileira Fazemos aqui uma brevíssima apresentação da memória da publicidade brasileira relatada por Ramos (1985) e Castelo-Branco (1990). O percurso da publicidade no Brasil acompanhou o desenvolvimento dos meios de comunicação; no início do século XIX, tempo do Príncipe Regente, fundouse um jornal, que dava início à imprensa brasileira. E nele, a Gazeta do Rio de Janeiro, foram publicados os primeiros “reclames”. Era a época do “quem quer comprar”, do “quem vai querer”, que naturalmente se incorporaram { nossa publicidade, essência popular da mensagem de vendas. Em 1821 o Diário do Rio de Janeiro se apresenta como o jornal do anúncio. Quase cem anos depois, após o começo com classificados em jornais, chegam as revistas ilustradas em que anúncios apresentam cores e até fotografia, caso da Revista da Semana em 1900. José Lira, nesse início de século, era conhecido nos negócios de propaganda como Homem-Reclame, devido à sua formidável tenacidade de propagandista invencível. O início do profissionalismo das agências de publicidade no Brasil veio com a instalação das sucursais norte-americanas para atender as empresas multinacionais dos EUA (início do século XX) que comercializavam produtos e serviços no país. Aliás, a propaganda brasileira manteria desde então uma estética criativa e um padrão técnico inspirado no modelo americano. O surgimento das agências de publicidade no Brasil não é claro. A primeira empresa que poderia merecer a classificação da agência de publicidade teria se instalado em São Paulo entre 1913 e 1914: Castaldi & Bennaton, proprietária da Eclética. Porém, viria do departamento de propaganda da General Motors do Brasil boa parte dos talentos publicitários que trariam ares inovadores, além de estenderem o profissionalismo ao se transferirem posteriormente para outras agências. 245 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Embora surgisse nos anos 1920, o rádio seria a novidade mercadológica dos anos 1930. Ao tempo que Roquete Pinto fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, havia emissoras nas cidades de: São Paulo, Rio e Recife. Em quantidade pequena, os anúncios eram lidos de forma semelhante à locução jornalística. A Publix empreende a primeira instalação de outdoor em 1929, veículo de grande impacto no lançamento de produtos. A primeira revista publicitária foi Exitus (1932), mas o título mais relevante desde os anos 1930 foi Propaganda, editada em São Paulo até hoje. Na década de 1940 surgem esforços para disciplinar eticamente a propaganda, algo liderado por diversas entidades, dentre elas a recente Associação Brasileira de Agências de Propaganda (Abap). A televisão no Brasil surge em 1950 e, com ela, os comerciais em que as garotas-propaganda eram destaque. Apenas com o advento do videotape (gravação) é que os comerciais puderam obter ganhos qualitativos de som e imagem. Os anos 1950, talvez por refletirem a recuperação do pós-guerra, oferecem um ambiente social e tecnológico favorável para a indústria da propaganda, que passa a contar com altos investimentos para mídia e produção, gestão profissional, subsídios de pesquisa de mercado e um amplo mercado ampliado para as mulheres e classes de menor poder aquisitivo. A publicidade, desde então, passa a receber boa parte dos recursos destinados às estratégias de marketing; percebendo a necessidade de melhor lidar com as suas verbas, os anunciantes fundam em 1959 a ABA – Associação Brasileira de Anunciantes. Para muitos publicitários, dos anos de 1960 até o final de 1970, ocorre o período de maior criatividade da publicidade brasileira, em que são destaques o uso do humor, do contexto social para as marcas, o apelo emocional para produtos, técnicas de persuasão fundadas nos desejos do público-alvo, além das premiações que agências e publicitários recebiam no exterior. Embora o padrão norteamericano ganhasse força, nesse período constata-se uma criação formatada com valores culturais brasileiros. De lá para cá muitas mudanças vieram: o homem-propaganda passou a ser o homem-comunicação; a publicidade passou a fazer parte da comunicação integrada de marketing; tecnologias foram incorporadas, como a internet, beneficiando a publicidade com a interatividade; fusões de agências tornaram-se comuns; a responsabilidade social da publicidade tornou-se paradigma importante para o setor, caso da criação do CONAR - Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária; a formação do publicitário passou a contar com o ensino superior; novas lideranças surgiram, como Washington Olivetto, Nizan Guanaes, Roberto Duailibi, Mauro Salles, Ênio Mainardi, Marcello Serpa e outros. 246 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 3. Memória da publicidade brasileira: livros selecionados Os livros de Ramos (1985), Castelo-Branco (1990), Marcondes (2003), APP (1999) e Queiroz (2005) são apresentados aqui como obras que contemplam a memória da publicidade brasileira. A escolha recaiu sobre obras editadas a partir de 1970 que possuíssem qualidade no conteúdo editorial e tivessem sido elaboradas por autores inseridos profissionalmente na área publicitária brasileira. Foram descartados livros caracterizados como biografia ou autobiografia, os que contemplassem a memória publicitária brasileira apenas em parte de seu conteúdo ou que contivessem apenas memórias de um campo regional ou setorial. 3.1 Do reclame à comunicação: pequena história da propaganda no Brasil (RAMOS, 1985) Esse texto foi publicado pela primeira vez em 1970 pela mesma editora. Tem como autor Ricardo Ramos, alagoano radicado em São Paulo. Segundo o livro, Ricardo Ramos trabalhou em grandes agências na qualidade de redator, chefe de redação, diretor de criação e exerceu outras funções, como redator-chefe da revista Propaganda e diretor da ABAP. A obra segue uma cronologia de eventos publicitários, iniciando pelo período dos Classificados (1808 a 1900), passando por diversos períodos como o Prelúdio Art-Nouveau, Os alegres anos 50 e finalizando com Um estilo brasileiro de propaganda. O autor assume um estilo narrativo, por vezes até cômico, ao abordar certas passagens conferindo informalidade ao conteúdo; porém é difícil separar quais relatos foram diretamente vivenciados pelo autor e quais ele se apega a documentos e outras fontes. O livro é, em essência, um relato do próprio autor, em que ele figura quase como um contista: Chegamos a 1900. Em quase cem anos, viemos dos pequenos classificados aos grandes anúncios com ilustrações. Dessa fase de nossa propaganda, em que a rima e o humor ganham terreno, se diria mais tarde que foi imaginosa. Pela fantasia dos motivos e beleza do traço, pelo bom gosto da composição (p. 17). Traz um rico repertório de anúncios de forma a ilustrar e exemplificar a atividade publicitária brasileira ao longo das etapas. Mostra também depoimentos de profissionais da publicidade como Mauro Salles, José Fontoura da Costa, Washington Olivetto, Márcio Moreita e Rose Saldiva. Ao longo da obra traz depoimentos de muitos profissionais, caso dos destacados publicitários Orígenes Lessa, Caio Aurélio Domingues e Roberto Duailibi (p. 83-89). Um trecho do depoimento de Orígenes Lessa pode ser destacado em que ele confessa “[...] ter ‘uma estima particular pelos escritores que muito antes dele, j| trabalhavam em redaç~o de anúncios para pagar as sus contas’: Casemiro de 247 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Abreu, Olavo Bilac, Guimarães Passo, Hermes Fontes, Bastos Tigre, José Lins do Rego” (p. 84) 3.2. História da Propaganda no Brasil (CASTELO-BRANCO, 1990) Trata-se de um livro de autoria e organização dos publicitários: Renato Castelo Branco, Rodolfo Lima Martensen e Fernando Reis, trabalho este realizado no IBRACO - Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Comunicação Social em parceria com a ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing. Renato Castelo Branco, piauiense, foi escritor, poeta, publicitário de carreira brilhante, construída na J.W. Thompson e o precursor da temática responsabilidade social, quando ainda nem se pensava sobre o assunto; Rodolfo Lima Martensen foi um dos fundadores da ESPM, onde atuou por 20 anos como presidente, escritor e publicitário, também é ex-presidente da Lintas Worldwide para o Brasil e América do Sul e foi até o final de suas atividades profissionais, presidente dos conselhos superiores da ESPM e do IBRACO; Fernando Reis, jornalista e publicitário, atuou tanto em jornais quanto publicações específicas da área, foi também diretor executivo da ABAP (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), escreveu em diversos jornais como colunista publicitário e participou como um dos primeiros jurados do Prêmio Colunistas No Prefácio de Luiz Celso de Piratininga, presidente da ABAP na ocasião, havia um alerta: “Participei da angústia coletiva de ver o tempo passar e n~o existir um registro idôneo do desenvolvimento da propaganda no Brasil” (p.VII). A obra foi organizada por assuntos e, conforme a Apresentação destaca, foi escrito por 40 autores. Os capítulos vão desde os tempos de uma pré-publicidade (anos do Descobrimento do Brasil) e passa historicamente por todos os temas que integram o negócio publicitário, como agências, publicitário, marketing, ensino, criatividade, veículos de comunicação, artes gráficas, planejamento, pesquisa, colunismo, ética, produção, consumidor e outros correlatos. O livro é, na verdade, uma coletânea de artigos estruturados de forma a contar a história da propaganda brasileira sob a ótica e perspectiva de grandes profissionais e publicitários tais como: Petrônio Corrêa, Ricardo Ramos, Roberto Duailibi, Alex Periscinoto, Roberto Simões, Roberto Civita, Luiz Fernando Furquim. Houve um cuidado editorial para que os autores usassem uma linguagem informal a fim de evitar o academicismo e privilegiar a narrativa testemunhal como pode ser exemplificada por Petrônio Corrêa: Penso que, com estes breves lineamentos, tenha conseguido transferir a imagem que guardo dos esforços pela introdução da Auto-Regulamentação publicitária entre nós e os benefícios trazidos por ela a toda a sociedade brasileira (p. 53). 248 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 3.3. Uma história de amor mercadológica (MARCONDES, 2003) Pyr Marcondes é jornalista e publicitário, tendo sido editor do jornal Meio & Mensagem, veículo publicitário de prestígio na área até hoje. Talvez pelo domínio jornalístico, o autor traz uma evidente aproximação entre a história da propaganda brasileira de modo a destacá-la como evolução do conteúdo jornalístico. Este livro foi editado com o selo da editora Meio&Mensagem, em que o autor narra alguns “cases” de marcas da história da propaganda brasileira, com especial destaque para os cenários, estratégias e resultados, organizado por empresas participantes e estruturado em uma linguagem jornalística, por isso predominantemente narrativa e, ao mesmo tempo, leve, agradável de ser lido. Na mesma obra há ainda espaço para comentários sobre grandes anunciantes como o banco Itaú, Bombril, Avon, Boticário, Brahma, Havaianas, Brastemp, Sadia, Skol, TAM, Unibanco, cervejaria Kaiser, aguardente Pirassununga, encerrando-a com as melhores campanhas de todos os tempos segundo pesquisas do autor. Em um dos momentos de destaque desta obra, Marcondes narra o “case” Bombril, em depoimento dado pelo seu criador, Washington Olivetto: Estávamos vivendo uma época em que as mulheres se encantavam mais com a fragilidade do Woody Allen do que com a macheza do John Wayne. Na propaganda faltavam homens que tivessem a doçura e a timidez que as mulheres tanto apreciavam no cinema e na TV. 3.4. Depoimentos. (APP, 1973) APP é a autora institucional dessa obra, sigla esta que designa Associação Paulista de Propaganda, entidade criada em 29 de setembro de 1937. A entidade, para marcar o Dia Mundial da Propaganda, convidou todos os ex-presidentes da APP (e Mauro Salles como convidado especial) para que dessem seus depoimentos acerca da propaganda brasileira. O livro é “justificado” (parte inicial da obra) pelo ent~o presidente da APP, Alberto de Arruda e Miranda, e se volta para o contexto profissional dedicando um foco especial para APP. O prefácio é feito por Renato Castelo Branco, que oferece um contexto nacional para a obra em que discute, por exemplo, o “estrangeirismo versus brasileirismo” na propaganda. A estrutura da obra é organizada de forma a apresentar os depoimentos dos 17 ex-presidentes da APP; cada ex-presidente é entrevistado e revela suas 249 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais posições sobre a APP e experiências no campo social e profissional. O primeiro presidente da APP, Orígenes Lessa (até 1938), fez seu depoimento revelando situações como esta: Os remédios anunciavam muito. Anunciavam sempre. De maneira desordenada – muito na base do melhor do mundo e da cura infalível – mas anunciavam. Ainda era a idade áurea dos almanaques. Bromil, Biotônico, Saúde da Mulher, Elixir 914( “N~o faça isso! J| existe Elixir 914!” dizia-se, num cartaz, a um cara que ia dar um tiro na cabeça. Ou no coração, não sei...) Mas que me lembre, pelo menos por ter estado ligado à sua propaganda, desde minha primeira hora, creio que o primeiro anunciante consistente, de verba crescendo ano após ano, foi a Companhia Gessy. Mas estamos nos perdendo.(p. 39) Outros depoimentos foram colhidos, como de Júlio Cosi, Jorge Mathias entre outros. Os textos são apresentados na forma de diálogo e os depoimentos compartilham de uma linguagem informal, pessoal de forma a captar a memória do entrevistado. 3.5. Propaganda: história e modernidade. (QUEIROZ, 2005) Criada em 2001, no Rio de Janeiro, a Rede Alfredo de Carvalho para o Resgate da Imprensa e a Construção da Mídia no Brasil, também conhecida como Rede Alcar, tratou de registrar historicamente as atividades da imprensa no país. Em 2003 foi criado, dentro da Rede Alcar, no I Congresso Nacional de História da Mídia, o Grupo de Trabalho de Publicidade e Propaganda sob a responsabilidade de Adolpho Queiroz. Em seu terceiro ano de existência, 2005, o Grupo lançou o livro Propaganda: história e modernidade, tendo como direção trabalhar o processo de recuperação das até então perdidas parcelas da história da propaganda regional, por meio de contribuições recebidas de diversas localidades do país. Adolpho Queiroz presta serviços profissionais de assessoria na área de propaganda política, foi presidente da Intercom e é professor na área da Comunicação Social. A obra está dividida em dois capítulos: A história das agências de publicidade e propaganda; Propaganda e questões contemporâneas. Autores foram convidados a escrever sobre determinados temas pertinentes aos capítulos apresentados. Essa obra, no Capítulo I, contém relatos históricos sobre agências de publicidade em cidades brasileiras, tais como: Presidente Prudente (SP), Novo Hamburgo (RS), São José dos Campos (SP) dentre outros; ostra também a trajetória da J. W. Thompson no Brasil, a publicidade veiculada nas rádios de Blumenau (SC). 250 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais No Capítulo II, revela conteúdos em outros temas, notadamente o ligados à propaganda política. Os autores agem como pesquisadores ao relatar os temas, mostrando predominantemente uma linguagem formal e descritiva, inclusive com uso de bibliografia. Os relatos literais podem se observados ao longo de toda a obra, caso do tópico sobre as rádios de Blumenau nas décadas de 60 e 70 em que houve entrevista com o radialista Nolte, da Rádio Clube: A comercialização do espaço dava-se por aluguel do horário na grade da programação,ou seja, a emissora fixava um determinado valor e o apresentador vendia anúncios publicitários para viabilizar economicamente a transmissão. Considerações Finais Nenhuma sociedade moderna possibilita a seus membros cidadania plena sem cuidar da memória de suas instituições. A história de suas pessoas, valores, conquistas, acontecimentos deve povoar a vida presente e servir de referência para o futuro. A publicidade é uma das instituições mais relevantes no Brasil: integra e participa da vida individual e coletiva dos brasileiros interferindo no seu dia-a-dia, nas suas decisões de consumo e até no estilo de vida, tendo sido, por isso, lembrada, contada e retratada documentalmente. Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho retratou o conceito de memória, seu exercício no setor publicitário, destacando cinco livros que puderam ilustrar a memória publicitária brasileira. Os livros escolhidos não apresentam um padrão homogêneo em termos de conteúdo e organização, evidenciando que o setor publicitário pode ter sua memória retratada em formatos diferentes dada à riqueza e extensão de sua abrangência. Algumas obras procuraram abarcar a atividade como um todo, caso de Ramos (1985) e Castelo-Branco (1990), enquanto outras destacaram um foco preferencial, caso de Queiroz (2005) que deu destaque ao campo regional e a APP que se referenciou na própria entidade. As obras, em sua maioria, revelam uma linguagem informal e até testemunhal, como se seus autores contassem histórias da propaganda brasileira. Porém, essa maneira de relato não tira a credibilidade dos fatos, pelo contrário, mostra uma real vivência que esses profissionais tiveram em relação à publicidade no Brasil. Pela intencionalidade da escolha das obras e pelo caráter exploratório desta pesquisa, os resultados não podem ser generalizados fazendo-se necessário que outras pesquisas sobre o tema sejam feitas tanto no sentido de aprofundar a análise das obras escolhidas como ampliar o estudo para outros títulos de livros e, 251 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais inclusive, outros suportes, como artigos em revistas, sites, jornais, televisão, rádio, que retrataram a memória da publicidade brasileira. Referências Bibliográficas BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória – Ensaios de Psicologia Social: São Paulo (SP): Ateliê Editorial, 2003, (2ª ed.). COELHO, Cláudio Novaes Pinto. A publicidade e a cultura contemporânea: uma visão crítica. In Hiperpublicidade: fundamentos e interfaces. PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan Santo (Orgs). São Paulo: Thomson, 2007, p.155-183. 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Docente do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano, SP Introdução Ao olhar com atenção para a literatura da área de relações públicas e a sua produção científica identificamos dois momentos: no primeiro, segundo Kunsch (2003a), as pesquisas científicas, em sua maioria, se desenvolvem de maneira teórico-prática, ou seja, são estudos que a partir de um referencial teórico específico se destinam a explicar um caso prático; e num segundo, de acordo com Farias (2004), a área possui poucos títulos (poucas obras publicadas) e um restrito número de autores (sempre os mesmos). Diante dessa dificuldade de autores e conteúdos para fortalecer a atividade, pretendemos lançar luz sobre as teorias da comunicação e apresentar algumas possibilidades de estudos que podem embasar a atividade de relacionamento com os públicos. Margarida Kunsch afirma que a função de relações públicas é “administrar e gerenciar, nas organizações, a comunicaç~o com os diversos públicos, com vistas à construção de uma identidade corporativa e de um conceito institucional positivo junto { opini~o pública e { sociedade em geral” (apud FARIAS, 2004, p. 27). A partir desse conceito percebe-se que a atividade é fundamental para que uma organização se relacione bem com seus públicos de interesse (stakeholders). Cabe às empresas manter bons relacionamentos com seus funcionários, consumidores, comunidades, imprensa, investidores, patrocinadores, governo, etc. Cada um desses públicos tem uma influência direta ou indireta com a organização, e essa interação pode ser a diferença entre a sobrevivência ou não da mesma. Por isso como visualizamos no conceito acima, uma organização precisa construir uma identidade corporativa (o que eu sou) para que possa transmitir aos 130 Trabalho submetido ao GT 2 – História da Publicidade e Comunicação Institucional, do I Congresso de História da Mídia do Sudeste, coordenado pelo Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo (Mackenzie), congresso celebrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie nos dias 29 e 30 de abril de 2010. 253 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais seus públicos o seu conceito institucional ou imagem (a forma como sou visto) positivo, já que isso garante de certa forma a perenidade nos negócios. Em linhas gerais, o objetivo de relações públicas é o entendimento, isso porque “as organizações que se comunicam bem com os públicos com os quais se relacionam sabem o que esperar desses públicos, e os públicos sabem o que esperar deles” (GRUNIG, 2009, p. 27). Partindo dessa idéia geral do que se propõe essa atividade, apresentaremos, a seguir, a relação possível entre as relações públicas com as diversas teorias da comunicação, para que se possa indicar estudos que ao serem aprofundados podem fundamentar as ações práticas, ou seja a partir do saberfazer, pode-se propor conceitos e idéias que justifiquem o fazer-saber. Teoria Matemática da Comunicação Claude Elwood Shannon, matemático e engenheiro, desenvolveu em 1948 uma pesquisa intitulada The Mathematical Theory of Communication para o Bell System Technical Journal, do Laboratório Bell Systems, uma filiada do grupo AT&T. Nesse trabalho, ele propõe um sistema geral de comunicação, aonde identificou um problema que era “reproduzir em um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, uma mensagem selecionada em outro ponto” (MATTELART, 2003, p. 58). Por ser uma empresa que trabalha com sistemas de telefonia, ele tinha como objetivo melhorar o sinal de uma ligação telefônica para que dessa forma ao diminuir os ruídos, a qualidade se tornasse melhor. O esquema linear, proposto por Shannon, se identifica da seguinte forma: a fonte (de informação) que produz uma mensagem (a palavra no telefone), o codificador ou emissor, que transforma a mensagem em sinais a fim de torná-la transmissível (o telefone transforma a voz em oscilações elétricas), o canal, que é o meio utilizado para transportar os sinais (cabo telefônico), o decodificador ou receptor, que reconstrói a mensagem a partir dos sinais, e a destinação, pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida. (MATTELART, 2003, p. 58). A teoria estuda claramente a questão técnica da informação transmitida de um ponto ao outro com uma boa qualidade, no sentido operacional do mecanismo. “A principal finalidade operacional da teoria da informaç~o da comunicaç~o era justamente a de fazer passar pelo canal o máximo de informação com o mínimo de distorç~o e a m|xima economia de tempo e de energia” (WOLF, 2003, p. 110-111). Em uma relação empresa-públicos, cabe ao relações públicas adequar a sua comunicação com o objetivo de ser entendido pelo seu público-alvo. Segundo Waldyr Fortes, “o conteúdo da mensagem da comunicaç~o dirigida é totalmente 254 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais adequado ao receptor, nos termos, na linguagem, nas imagens e nas formas de respostas para completar o esquema de comunicaç~o” (2003, p. 240). Mas dever| trabalhar os ruídos de comunicação para que a sua mensagem seja clara e diminua suas distorções. Ao analisar o esquema de Shannon, as relações públicas devem ser a fonte que produz uma mensagem (o seu discurso), em seguida emitem a mensagem por um canal adequado (meio oral, impresso, eletrônico, virtual) para um receptor, que a partir de seu próprio repertório, terá a sua percepção e reconhecimento do conteúdo daquela mensagem. O esquema proposto por Shannon, apesar de ser linear, auxilia a construção desse processo comunicativo aonde cada elemento que o constitui deverá ser planejado para que a informação que a empresa quer transmitir, seja direcionada aos seus públicos a fim de atingir sua compreensão. Cibernética Norbert Wiener, matemático reconhecido, ex-professor de Shannon, publicou em 1947 a obra Cybernetics: or control and communication in the animal and the machine. Nessa obra, ele entende que a organização da sociedade se dá com base na informaç~o. “O processo que consiste em receber e utilizar a informaç~o é o processo que seguimos para nos adaptar às contingências do meio ambiente e, com eficácia, viver nesse meio. (...). Viver com eficácia é viver com uma informação adequada”. (apud MIEGE, 2003, p. 30). Dentro desse contexto, identifica-se dois conceitos: o primeiro é a entropia que designa a desordem do sistema, sendo ocasionada quando se tem muitas informações, e isso gera pouco entendimento; e o segundo é a homeostase que define o sistema em equilíbrio, quando tem-se o número adequado de informações. Na relação com relações públicas, a relação de Wiener pode ser aplicada, já que o processo de comunicar com eficácia é transmitir uma informação adequada, ou seja a comunicação não pode trabalhar num ambiente entrópico, uma vez que criaria a desordem no entendimento da mensagem. Portanto o ideal é a comunicação em um ambiente homeostático, isto é a informação que se demonstra adequada em seu conteúdo e quantidade. Margarida Kunsch (2003b, p. 74) a respeito das dificuldades de comunicação, afirma que existem quatro tipos de barreiras gerais a serem evitadas na momento de efetivar a comunicação são elas: mecânicas ou fisícas – relacionadas aos aparelhos de transmissão, como o barulho, ambientes e equipamentos não adequados que dificultam a comunicação ou podem até mesmo impedir que ela ocorra; fisiológicas – relacionadas aos corpo que fala, e são os problemas ou dificuldades com a fala, a audição e a expressão; semânticas – refere-se ao uso inadequado da linguagem, ou ainda utilizar-se de formas diferenciadas e 255 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais desconhecidas pelo receptor; psicológicas – são as percepções equivocadas que atuam diretamente na comunicação, e assim a prejudicando. Além dessas barreiras gerais, Kunsch (2003b, p. 75) complementa com quatro barreiras mais específicas que atuam no ambiente das organizações: as pessoais – são as pessoas e seus traços de personalidade, estado de espírito e valores pessoais que podem facilitar ou dificultar as comunicações; as administrativas/burocráticas – que se refere a forma como as empresas fazem e processam suas informações, e assim talvez atrapalhem o fluxo de informações; o excesso e a sobrecarga de informações – nesse momento, por falta de um modo eficiente de seleção e de prioridades nas escolhas das informações, o público opta por descartar ou evitar informações importantes em detrimento de outras; e por fim temos as informações incompletas e parciais – são as informações que não tem a informação completa para o seu devido público, criando-se assim desentendimento e/ou desinteresse. Escola de Palo Alto A Escola de Palo Alto foi formada na década de 40 por um grupo de pesquisadores com formação em engenharia porém com uma forte visão humanística. Esses pensadores tinham uma visão circular da comunicação, ou seja, no processo comunicativo reconheciam que o receptor é tão importante quanto o emissor, uma espécie de situação global de interação entre ambos. Seus estudos se baseiam em três hipóteses: a primeira é que a essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais, ou seja, os elementos do processo contam menos do que as relações estabelecidas por eles; a segunda afirma que todo comportamento humano possui um valor comunicativo, então sugere a idéia de que o corpo fala pela comunicação verbal ou não-verbal; na terceira, as perturbações psíquicas remetem as perturbações da comunicação entre o indíviduo portador do sintoma e seu meio, isto é, a análise do comportamento humano revela o meio em que ele vive, e confirma que o contexto revela mais do que as mensagens. (MATTELART, 2003). Numa relação empresa-públicos, o relações públicas deve entender esse relacionamento como sendo bilateral, uma vez que é importante se comunicar, mas também saber a percepção que o público tem de sua empresa. Maria Ferrari indica que outro fator essencial a se considerar nesse processo é que o ato comunicacional só se efetiva quando existe o relacionamento entre pessoas ou entre uma organização e seus públicos. Esse relacionamento está baseado no vínculo, no envolvimento e no compromentimento, em que tanto as pessoas quanto as organizações e seus públicos compactuam com as múltiplas possibilidades. O êxito do relacionamento com os públicos está baseado no envolvimento e no vínculo que deve ocorrer entre os envolvidos no processo. Sem envolvimento não há vínculo e 256 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais sem participação não há ação comunicacional que seja positiva e benéfica. (2009, p. 85). A idéia é simples porque se a relação for unilateral, a comunicação reforça a noção de que apenas o emissor é importante no processo, enquanto que ao se instaurar a bilateralidade no processo comunicativo indica-se a importância equivalente do emissor e do receptor a fim de valorizar essa interação. Mass Communication Research Nos estudos da pesquisa funcionalista em comunicação, identificamos dois autores que seus trabalhos fornecem fundamentação teórica para os trabalhos de relações públicas, são eles: Harold D. Laswell e Kurt Lewin, e ainda complementando essa linha de pesquisa indicamos também a hipótese da agendasetting. Harold D. Laswell, cientista político da Universidade de Chicago, em 1927 lançou a obra Propaganda Techniques in The World War, na qual extrai lições sobre a primeira guerra mundial. Ele analisa a questão do poder da propaganda para a adessão das massas. A guerra foi um embate da capacidade fabril de uma nação contra a outra, e nesse contexto, eram necessários esforços da nação para se alistar no exército, desenvolver o trabalho intenso nas fábricas e acumular dinheiro para financiar esse confronto. (DEFLEUR, 1993). A propaganda surge como poder de mobilização de pessoas, uma vez que as populações n~o estavam unidas como uma naç~o nesse período, “n~o eram sociedades Gemeinschaft, mas eram deveras mais sociedades de massa, carecendo de vínculos eficazes” (DEFLEUR, 1993, p. 179). A visão é da teoria hipodérmica, baseada no behaviorismo, que trabalha o mecanismo estímulo-resposta, e nesse momento a fim de que as pessoas se vinculassem em prol da guerra. Essa teoria pressupõe que o receptor seja passivo e facilmente manipulado, assim “a audiência é visada como um alvo amorfo que obedece cegamente ao esquema estímulo-resposta” (MATTELART, 2003, p. 37). Ao aplicar essa proposta ao trabalho de relações públicas, não sugerimos a manipulação da comunicação, mas sim indicamos que a comunicação de uma empresa com seus públicos pode e deve ser promovida no sentido de gerar a participação de ambos os lados nesse relacionamento, não sendo apenas um processo de mão única, mas que propicie a interação de todos os elementos que constituem esse sistema, assim como aponta Fábio França, a gestão dos relacionamentos de uma organização com seus públicos tem como objetivo específico fazer com que ela obtenha sucesso na execução de suas diretrizes. 257 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Provém daí o seu caráter estratégico e a necessidade de identificar com precisão os seus públicos de interesse; planejar e gerenciar da melhor forma possível a sua relação com eles e com cada um de maneira específica para se poder garantir a obtenção de resultados que a organização pretende alcançar e da colaboração dos públicos com os quais interage. (2009, p. 222). Kurt Lewin, físico e matemático, em 1935, publica a obra Dynamic Theory of Personality e em 1936, Principles of Topological Pshychology. Fundou em 1945 o grupo de pesquisa de dinâmica de grupo do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Em 1947, como base em um estudo sobre as dinâmicas interativas nos grupos sociais, cria o conceito de gatekeeper, uma espécie de líder de opinião que influencia os demais. Segundo Lewin, os gatekeepers têm o poder de decidir de deixar passar ou interromper uma informação de um processo comunicativo entre um grupo. Ele exerce influência direta nos canais de comunicação. (apud WOLF, 2003). Na relação com a empresa e seus públicos, as relações públicas atuam na formação de líderes de opinião, em especial no âmbito interno, aonde um funcionário visto como um líder pode disseminar informações sobre a empresa para os colaboradores, e fazer também o percurso inverso quando encaminha informações à alta direção. Segundo Kunsch (2003b, p. 83), o sistema informal de comunicação dentro de uma organização surge de forma natural em decorrência das relações pessoais. Nessas redes informais circulam todos os tipos de informações sejam verdadeiras ou não. Por isso, é necessário identificar os lideres informais já que eles possuem credibilidade junto ao público interno, como informa Gaudêncio Torquato: Pesquisas sobre comportamento demonstram que pessoas em alguns ambientes tendem a dar mais ouvidos e credibilidade aos líderes informais que às comunicações que recebem por meio de veículos impressos ou eletrônicos, descoberta que deu origem à chamada teoria do fluxo em duas etapas na comunicação. Por essa teoria, a comunicação chega, num primeiro momento, ao líder de opinião e este, com sua versão e interpretação, passará a mensagem para os outros, numa segunda etapa. Está demonstrado que as pessoas confiarão muito mais na versão e interpretação do líder, que, por envolvimento psicológico com o grupo, pelo contato rotineiro e amizade, exerce muita confiança junto a seus admiradores, assegurando, assim, alta credibilidade a suas opiniões. (2009). Portanto o conceito de gatekeeper auxilia na identificação das pessoas que exercem uma liderança informal, e na forma como eles desenvolvem a sua atuação, dentro por exemplo, do ambiente interno de uma organização. 258 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais E ainda dentro nesses estudos da comunicação de massa, pontuamos a hipotése da agenda-setting. Ela sugere que os meios de comunicação podem determinar os temas a serem debatidos pelo grande público. Uma forma muito peculiar de selecionar as informações que acredita ser de interesse público para o conhecimento e debate. As pessos tendem a incluir ou excluir dos próprios conhecimentos o que a mídia inclui ou exclui do própria conteúdo. Além disso, o público tende a conferir ao que ele inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos meios de comunicação de massa aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas. (SHAW apud WOLF, 2003, p. 143). Essa hipótese a princípio se demonstra autoritária como se os meios pudessem de certa forma ditar o que é veiculado e em seguida fomentar a discussão dos temas, de acordo com seu intuito. Claro que os meios privilegiam os temas que são noticiáveis, mas não pensamos no sentido pejorativo, eles talvez busquem apresentar o que o público necessite saber. Nosso proposta não é entrar no mérito da ação, mas sim sinalizar que a atividade de relações públicas pode se utilizar dessa hipótese. Sabe-se que os meios trabalham com pautas de conteúdos, e assim ao identificar a pauta que será veiculada, o relações públicas, desde que possua material adequado ao tema, pode se inserir nos espaços que os meios oferecem. Entrar em sintonia com o que está sendo transmitido pode ser a alternativa para disseminar uma mensagem, assim como explica Graça Monteiro: conscientes da importância do acesso à mídia e do poder que têm junto a ela, as instituições trabalham para serem 'lembradas pela imprensa', para ampliarem sua presença nos veículos e, mais do que isso, para serem reconhecidas como referências. Para atingirem esses objetivos, produzem textos informativos para divulgação jornalística, compreendendo pautas, releases, position papers, informes oficiais, comunicados, artigos, notas técnicas. Enfim, produzem notícias. Produzir notícia, promover imagem. (2003, p. 146). A Teoria Crítica A chamada Escola de Frankfurt tem início no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923. Max Horkheimer, professor de filosofia, tornase o diretor desse instituto em 1930. A partir desse momento, os pensadores dessa escola com base no pensamento marxista e no diálogo com a psicanálise, buscam entender as formas de autoritarismo na sociedade e sua atuação direta nos inconscientes das massas trabalhadoras. Em 1940, por conta do regime nazista na Alemanha, os estudiosos da escola entre eles Adorno, Horkheimer e Marcuse são transferidos para os Estados Unidos (EUA). Em decorrência do choque cultural, eles se propõem a estudar a cultura de 259 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais massa, já que nesse momento no contexto americano tem-se o desenvolvimento do cinema, rádio e a popularização da cultura. Adorno e Horkheimer criam o conceito de indústria cultural cuja crítica indica o seu repúdio pela transformaç~o da cultura em mercadoria. “A indústria cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria. A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica” (MATTELART, 2003, p. 78). A crítica reside nessa produção em série, na cultura sendo massificada para ser consumida por todos, ou o máximo possível de pessoas. A questão da experiência autêntica retoma a idéia de Benjamin que explica que “o que faz com que uma coisa seja autêntica é tudo o que ela contém de originariamente transmissível, desde sua duraç~o material até seu poder de testemunho histórico” (1975, p. 213). Dentro desse contexto, percebe-se que o pensamento crítico da escola pode ser utilizado na área de relações públicas, já que é importante que as comunicações produzidas sejam dirigidas a um determinado público. Enquanto que na indústria cultural a crítica é contra a massificação da cultura, nas relações públicas a mensagem não deve ser massificada, e sim dirigida a cada um de seus públicos de maneira específica, e com o conteúdo dentro dos repertórios de cada um deles. A complexidade dos tempos atuais, decorrente do fenômeno da globalização e da revolução tecnológica da informação, exige das organizações um novo posicionamento e uma comunicação estrategicamente planejada. Só assim elas poderão fazer frente aos mercados difíceis e, sobretudo, atender a uma sociedade cada vez mais exigente. (KUNSCH, 2003b, p. 202). O contato com a informação deve buscar a individualidade de cada público numa espécie de experiência única, e até autêntica como propunham os pensadores da Escola de Frankfurt em relação à cultura. Dentro da linha crítica, existiram alguns marxistas ortodoxos que faziam críticas à postura da Escola de Frankfurt, são os chamados pensadores da Nova Esquerda. São aqueles estudiosos que rompõem com o pensamento da velha esquerda, aquela que ainda apóia a União Soviética (URSS), a esquerda tradicional. (SANTOS, 2008). A Nova Esquerda surge na década de 60, após dois momentos históricos importantes como a morte de Stálin em 1953 e a invasão soviética na Hungria em 1956. Essa esquerda é contra a guerra, em especial a guerra do Vietnã, e se demonstra a favor dos direitos humanos. 260 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Um dos teóricos expoentes desse momento é Hans Magnus Enzensberger que publica em 1970 a obra ‘Elementos para uma teoria dos meios de comunicaç~o’. Ele critica a esquerda que não se propôs a fazer uma teoria socialista dos meios de comunicaç~o. Na obra, ele indica a força dos meios ao afirmar que “a sua própria força mobilizadora é o segredo mais patente dos meios de comunicaç~o” (1979, p. 49). Fica evidente o poder dos meios para a mobilização das massas, no sentido de que elas participem ativamente da sociedade. Ele sugere que a esquerda deve se inserir nos espaços que os meios possibilitam. “Os meios de comunicaç~o possibilitam a participação maciça em um processo produtivo social e socializado, cujos meios pr|ticos se encontram nas m~os das próprias massas” (ENZENSBERGER, 1979, p. 49). O descontentamento de Enzersberger demonstrasse ao narrar um acontecimento de maio de 1968, aonde os rebeldes ao invés de ocuparem uma emissora de rádio tomam posse do Teatro Odeon. Sinaliza que para se fazer ouvir é necessário divulgar sua idéias em canais adequados. Diante dessa teoria proposta, vemos um possível diálogo com as relações públicas. Uma empresa quando quer passar a sua mensagem deve entrar em contato com um público específico, não pode selecionar o canal errado, ela não pode escolher o canal à sua escolha, mas utilizar-se daquele aos quais o seu público tem mais acesso. Mas para saber quais os canais adequados, Cleuza Cesca revela que “a escolha dos veículos adequados para se estabelecer uma comunicaç~o eficiente estará sempre na dependência das características de cada um desses públicos” (2009, p. 350). Evidencia-se a noção do planejamento para identificar os canais de comunicação certos a partir do conhecimento prévio do público-alvo, para que a mensagem possa ser enviada a quem de fato se destina, não se constituindo assim em perda de verbas e tempo. Marshall McLuhan Hebert Marshall McLuhan, professor de literatura da Universidade de Toronto, foi um estudioso inovador ao focar seu objeto de estudo no meio, e não nas mensagens como outros pesquisadores já o faziam. Ele entendia que os meios de comunicação podiam ser usados para a disseminação de conhecimentos. Essas idéias podem ser identificadas nas suas obras ‘A Gal|xia de Gutemberg’ (1962), e ‘Os meios de comunicaç~o como extensões do homem’ (1965). Na primeira obra, ele afirma que o advento da imprensa forçou o ser humano a se concentrar na visão para adquirir conhecimento em detrimento aos 261 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais demais canais sensórios. E ainda afirma que o conhecimento pode ser adquirido por meio do livro impresso. Na segunda, a idéia é que os meios são continuações do ser humano, e que cada meio atua com mais intensidade dependendo do canal sensório que ele chamar a atenção. (SANTOS, 2008). Por meio dos príncipíos de McLuhan, tem-se um diálogo com as relações públicas, em especial, como o princípio dos meios como extensões do homem. Isso porque cada meio de comunicação tem a sua devida força uma vez que o ser humano será mais atraído por um determinado meio. E na área de relações públicas será preciso identificar quais os meios mais eficientes para atrair a atenção de um determinado público, e reforçar a estratégia na escolha do canal. “As organizações, para viabilizar a comunicaç~o com os mais diferentes públicos, se valem de meios ou veículos orais, escritos, pictográficos, escritopictogr|ficos, simbólicos, audiovisuais e telem|ticos” (KUNSCH, 2003b, p. 87). Essa classificação apresentada por Kunsch, é baseada na classificação de Redfield (1980): orais – é o contato direto, face-a-face; escritos – é o material informativo impresso; pictográficos – são as ilustrações; escrito-pictográficos – utilizam o texto escrito juntamente com as imagens; simbólicos – materiais que se utilizam de representações de símbolos; audiovisuais – materiais que mesclam áudio e vídeo; e telemáticos – as novas tecnologias da comunicação. Estudos Culturais Os estudos culturais tendem “a analisar uma forma específica de processo social, relativa à atribuição de sentido à realidade, ao desenvolvimento de uma cultura de práticas sociais compartilhadas, de uma área comum de significados” (WOLF, 2003, p. 102-103). Graças a esses estudos entendemos que a cultura é a soma de valores, hábitos, práticas de um grupo de pessoas, de instituições e sociedades. A cultura dita os comportamentos, opiniões e todas as formas de convívio dentro de um determinado ambiente, seja uma sociedade ou uma organizaç~o. “O comportamento do público é orientado por fatores estruturais e culturais” (WOLF, 2003, p. 104). Assim, é preciso que as relações públicas façam com que as organizações entendam que o comportamento dos seus públicos não depende somente delas, mas também de fatores estruturais e culturais. Nas relações públicas, “a cultura (...) deve estar relacionada ao significado da organização ou, numa leitura mais adequada, a imagem deve refletir os traços culturais de uma organizaç~o como sincero retrato da sua identidade” (FARIAS, 2004, p. 50). E como sabemos a cultura de uma organização é composta por suas políticas internas, seus princípios organizacionais e, também, dos príncipios e 262 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais valores de cada uma das pessoas que constituem esse ambiente. E dessa forma, a cultura é importante pois ela determina o modo de ser e agir de uma organização. E todos os processos decorrentes do convívio social na organização são marcados pelos traços culturais dela. Geri-la, conviver em seu interior, obter a participação e o apoio dos grupos deverá ser precedido do processo de compreensão e aprendizagem do seu modo de agir. As organizações contemporâneas, no fim do século, diante das rápidas modificações ocasionadas pelo processo de globalização devem, antes de tudo, preparar-se para constantes e cíclicas mudanças. Para estar à testa dessas, é necessário que seja dada a necessária atenção à cultura e que entre em cena não apenas a figura do gestor, mas do agente de transformação. (FARIAS, 2004, p. 54). Por isso, cabe { comunicaç~o ser o “instrumento de aproximaç~o entre o poder da organização e sua base e também de acompanhamento da realidade cultural da empresa, mediar os processos dentro da organizaç~o” (FARIAS, 2004, p. 57). Uma empresa depende tanto da sua cultura interna quanto da cultura externa onde está inserida. Então, é preciso que as relações públicas trabalhem a cultura organizacional de maneira racional, levando em consideração a cultura do país onde a empresa está inserida. Conclusão O intuito deste artigo foi promover uma reflexão sobre o estudo das teoria da comunicação na busca por possibilidades de fundamentação teórica para a relações públicas. Partindo dessa idéia procuramos na teoria da comunicação a fundamentação teórica que pudesse estruturar, dar suporte às ações de relações públicas. Nossas ações precisam ser fundamentadas, é preciso que saibamos explicar o porquê as estamos realizando. Baseando-se no senso-comum, muitos profissionais e alunos têm uma visão errônea quando pensam em relações públicas. Eles pensam que seja preciso simplesmente identificar a situação e, a partir daí, aplicar uma determinada ferramenta. No entanto, afirmamos que é preciso identificar a situação, mas é necessário que façamos um planejamento decidindo quais são as ferramentas que poderemos utilizar, avaliando quais são os nossos objetivos, e assim buscar a melhor opção para atingí-los da maneira mais rápida e eficiente possível. O que acontece é que, muitas vezes, o profissional já presenciou uma determinada situação e realizou uma certa ação, e quando no futuro essa situação semelhante volta a acontecer, o profissional já, comodamente, aplica o mesmo modelo. Não se descarta a possibilidade de bons resultados, mas a chance de falhas é muito maior. Por isso, com intenção de fortalecer o nosso conhecimento da área, para cada ocasião é necessário realizar um novo planejamento, levando em consideração os recursos, os princípios e objetivos que a organização busque alcançar. 263 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O profissional de relações públicas não deve se utilizar da manipulação para estabelecer a comunicação de uma organização e seus públicos, mas deve sim ser persuasivo, tendo em mente a sua função e contribuição para a sociedade. A melhor maneira de se transmitir as informações de uma organização é trabalhar com uma linguagem específica para cada tipo de público, de forma que a compreensão entre ambos seja mútua. Essa informação que é trabalhada deve ser sempre qualificada e trabalhada de acordo com a ética e a estética da profissão, levando em consideração a cultura (organizacional e do local onde a empresa esteja inserida), para manter um diálogo honesto entre a instituição e seus públicos. Referências Bibliográficas CESCA, C. G. G. Comunicação dirigida: as diversas opções para as organizações. In: KUNSCH, M. K. K. (org.). Relações Públicas: história, teorias e estratégias nas organizações contemporâneas. São Paulo: Saraiva, 2009. DEFLEUR, M. L.; ROKEACH, S. Teorias da comunicação de massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. ENZENSBERGER, H. M. Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979. FARIAS, L. A. 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Alexandre Mutran Mestrando em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi (SP) Introdução Mesmo enfrentando uma grande concorrência dos novos meios como a Internet, os games e os telefones celulares, a Televisão representou, nas últimas décadas, um importante papel na difusão de mensagens e idéias e no entretenimento da população brasileira. Desde seu lançamento, sempre foi, e continua sendo, o principal meio de comunicação de massa, já que sua abrangência está próxima à totalidade dos lares brasileiros. É o meio de comunicação por excelência, já que não há qualquer outro no país com tal alcance. É inegável também o papel desempenhado pela Publicidade no desenvolvimento da Televisão nesse período. A Publicidade tem sido responsável por sustentar economicamente a Televisão, mas também tem aprendido e se desenvolvido com ela. Através da análise do desenvolvimento histórico da Publicidade para a Televisão nas últimas décadas, desde início das transmissões de TV no Brasil, bem como dos principais marcos tecnológicos que delinearam os rumos de ambos, esse documento procura demonstrar ao leitor o quanto esse período foi benéfico para a Comunicação no Brasil. 265 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Com apoio de textos sobre o assunto, de relevantes autores como Daniel Filho, Roberto Duailibi, Ângelo Franzão Neto, Sérgio Mattos, Roberto Simões e Francesc Petit, bem como de referências videográficas e de fontes na Internet, procurei traçar um panorama abrangente, mas ao mesmo tempo detalhado, que permitirá ao leitor uma boa compreensão sobre o tema. O texto adota uma divisão cronológica, começando pelo surgimento da Televisão no Brasil e pelo o início da Publicidade para esse meio. Em seguida, demonstra o desenvolvimento ocorrido nos anos 70 e 80, com a chegada das cores como um dos importantes marcos tecnológicos, abordados na seqüência. Ao final do trabalho, menciono, de forma breve, as tecnologias mais recentes, como a TV Digital e de Alta Definição, e seus primeiros impactos sobre a Televisão e a Publicidade. Esse trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema e tem por objetivo principal ser um passo inicial de uma análise muito mais abrangente e detalhada. Espero, sinceramente, que as informações aqui apresentadas possam colaborar com a ampliação do conhecimento do leitor sobre o tema. Boa Leitura. Os primeiros anos da TV no Brasil "Atenção, câmara no ar". Avanço lento em close para o apresentador: "Amigos, boa noite. Esta coisa que está acontecendo hoje é algo tão excepcional tão revolucionário que não consegui arranjar uma cara menos assustada para aparecer diante de vocês. É a Televisão que surge em São Paulo. É a PRF 3 Tupi, a primeira estação de Televisão da América do Sul". Corte para um casal sorridente ao lado de um receptor de rádio. Eram 21h40 do dia 18 de setembro de 1950. Com quarenta minutos de atraso, estava inaugurada a TV Tupi, canal 3, a primeira emissora da América do Sul. A cara assustada do apresentador tinha motivo. Após avaliar um problema em uma das três câmeras, um técnico enviado especialmente para a instalação dos equipamentos na TV Tupi informa Cassiano Gabus Mendes, diretor da emissora, que não seria possível consertá-la, e que a inauguração deveria ser adiada. A reação do diretor da emissora surpreendeu a todos: “nada de adiar, nós vamos ao ar assim mesmo. Esqueçam tudo o que ensaiamos. Eu vou indicando o que fazer”. A assim, com muito improviso, a primeira noite da Televisão brasileira foi ao ar. Foram duas horas e meia de programação, sem comerciais. A única divulgação comercial nessa noite inaugural foi o que se pode chamar do primeiro merchandising da Televisão brasileira: a exibição do logotipo da RCA, fabricante dos equipamentos, no cenário de abertura, atrás dos apresentadores. 266 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Os primeiros anos da TV no Brasil foram difíceis, em um início dominado pela improvisação e esforço de uma equipe técnica inexperiente nesse meio. Quase todos os envolvidos em sua produção vieram do rádio, como alguns atores e técnicos, ou do teatro e do circo, como cenógrafos, diretores e outros tantos atores. O principal desafio desse novo meio de comunicação era estabelecer um diálogo com os espectadores, acostumados até então com o rádio. O público não entendia direito essa novidade. Uma reportagem da revista Veja, sobre os 20 anos da TV no Brasil relata que “nos primeiros tempos da TV as mulheres tinham muito cuidado ao sentarem diante do fantástico aparelho. Temiam que as pessoas que apareciam no vídeo pudessem ver-lhes as pernas” (REVISTA VEJA, 1970). De qualquer forma, o público aceitou rapidamente esse novo meio, transformando-o no sucesso que é hoje. A Televisão começou como um rádio com imagem. E assim como o rádio, era feita ao vivo. Segundo o diretor Daniel Filho, um dos pioneiros do novo meio, “o rádio era uma paixão nacional. Acho que o público aceitou tão bem a Televisão, e t~o depressa, principalmente porque reconheceu nela algo familiar” (FILHO, 2003). Mas, em função dessa paternidade radialista, a TV levou quase dez anos tentando descobrir sua verdadeira linguagem, uma combinação de som e imagem em movimento. Não havia sentido em simplesmente copiar a linguagem do teatro, da rádio-novela e do cinema para a TV. Apesar de não haver produção de aparelhos de TV no Brasil, de não haver público suficiente e do mercado publicitário ainda ser jovem, no primeiro ano da TV Tupi, Assis Chateaubriand conseguiu vender um ano de espaço publicitário de televisão para quatro empresas: Sul América Seguros, Cia. Cervejaria Antárctica, Moinhos Santista e empresas Pignatari, responsável pela marca Prata Wolf. Começava a nascer uma forte relação entre a Televisão e a Publicidade. Uma relação de dependência e aprendizado mútuo, que se mantém até os dias de hoje. 2. O Início da Publicidade na Televisão Brasileira Durante essas quase seis décadas, a Publicidade sempre desempenhou um papel fundamental na história da TV. Porém, mais que mera responsável pela viabilidade comercial das emissoras – e do mercado de Televisão em si – a Publicidade também teve que acompanhar a evolução da TV e de suas tecnologias. No início, com a geração da programação das emissoras sendo feita ao vivo, nos estúdios das emissoras de TV, com atores e garotas-propaganda, as modalidades de Publicidade eram bastante rudimentares se comparadas às modernas técnicas que podem ser empregadas atualmente. Assim como hoje, os comerciais eram transmitidos nos intervalos dos programas. Os anúncios eram 267 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais principalmente de eletrodomésticos, produtos de uso doméstico, alimentos e automóveis. Além dos primeiros ensaios de merchandising, onde marcas de fornecedores eram exibidas nos cen|rios, os primeiros “reclames” eram compostos de cartões, letreiros e slides com textos e imagens dos produtos. Outra modalidade bastante comum era o uso de garotas-propaganda para vender os produtos. Eram filmes como o dos Sabones Gessy, onde três garotas propaganda cantavam ressaltando as propriedades funcionais do produto. Em outro episódio, não se sabe lenda ou fato, houve um comercial onde uma famosa garota propaganda da época, Neide Aparecida, quis demonstrar a resistência de um prato que o fabricante dizia ser inquebrável e o jogou no chão. E o prato se espatifou. Ao vivo... Os primeiros “filmes” começaram a aparecer timidamente, e foram ganhando espaço. Primeiro vieram os comerciais em “longa metragem”, filmes com cinco a oito minutos de duração, realizados ao vivo, mas já com técnicas e recursos de cinema. Depois, os primeiros comerciais mais curtos, esses sim, filmados. Uma coisa os comerciais da época, tanto os ao vivo quanto os gravados, tinham em comum: eram todos bastante didáticos. Explicavam em detalhes as características, benefícios e modo de uso dos produtos oferecidos. Em um comercial do Leite Ninho, por exemplo, no cenário havia apenas uma bancada, com um copo, um liquidificador com água e uma lata de Leite Ninho. A garota propaganda entrava tocando um triângulo e, ao descrever as características do produto, explicava o modo de preparar: Quando eu era garota e morava na fazenda era com um triângulo como esse que eu acordava o pessoal para tomar leite no curral. Leite puro, puríssimo. Hoje, embora morando na cidade, conservo o mesmo hábito, tomando pelas manhãs leite fresco, puríssimo. O melhor leite do mundo. Leite Ninho. Leite Ninho é leite integral, isento de impurezas, ordenhado, selecionado e enlatado cientificamente, chegando à sua casa tão fresco como o melhor leite da fazenda. Com apenas quatro colheres rasas de sopa se obtém, num instante, com Leite Ninho um copo de leite integral de mais fácil digestão, por ser homogeneizado. Tenha sempre em casa algumas latas de Leite Ninho, o melhor leite do mundo. E o mais indicado para a família inteira. Não peça qualquer leite em pó, peça Leite Ninho. Um produto Nestlé, garantido. É interessante notar a diferença de linguagem daquele tempo em relação aos dias de hoje onde, devido { regulamentaç~o atual, expressões como “O melhor leite do mundo” e “Tenha sempre em casa algumas latas de Leite Ninho” n~o seriam utilizadas na comunicação. Outra característica marcante da Publicidade da época era o uso freqüente de músicas. Tanto os roteiros de filmes quanto os dos comerciais com garotas- 268 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais propaganda tinham uma musicalidade muito grande. Era o caso dos comerciais de Coca-cola, ou o das Gotinhas da Esso, um desenho animado com 70 segundos de duração, ambos com trilhas sonoras com ritmos bem brasileiros. Outro recurso publicitário bastante usado nas duas primeiras décadas da Televisão brasileira era o patrocínio de programas, que eram identificados pelo nome do patrocinador. Foi o caso de programas como Repórter Esso, Gincana Kibon, Telejornal Bendix, Reportagem Ducal, Teatro de Novelas Coty, Sabatina Maizena, Teatrinho Trol, entre outros. O “know how” desse formato foi trazido para o Brasil por agências de propaganda estrangeiras como McCann Ericson e J. W. Thompson, que já estavam instaladas no país. Devido à falta de profissionais experientes na TV, as agências cuidavam de todas as etapas da produção: o conteúdo dos programas, redação, produção e adaptação de formatos americanos ao modelo brasileiro. Ainda cuidavam da contratação dos artistas e produtores. Muitas vezes, esses programas eram realizados fora das emissoras de TV, nas próprias agências de propaganda ou nas produtoras por elas contratadas, com acompanhamento direto dos clientes. Alguns programas não levavam o nome do anunciante, mas eram claramente identificados como sendo oferecidos por determinada empresa, como no caso do programa musical Noite de Gala, patrocinado por uma loja de eletrodomésticos chamada Rei da Voz. Em 1960, iniciou-se o uso do vídeo tape, que permitia a gravação prévia de programas destinados a transmissões posteriores e também colaborou com o desenvolvimento da Publicidade, já que o uso dos comerciais ao vivo pode ser gradualmente substituído por comerciais gravados, que podiam ser distribuídos para as diversas emissoras. Foi a partir dessa época que a Televisão começou a se transformar no meio publicitário mais poderoso, desbancando inclusive o Rádio. As emissoras começaram a adaptar suas programações para se dirigir-se às classes mais baixas e aumentar a audiência. Com isso, começaram a satisfazer as necessidades das agências e de seus clientes. Nessa época, o uso de técnicas de animação começou a ser cada vez mais freqüente na Publicidade. Comerciais como os da Casas Pernambucanas (Quem bate? É o frio...), Cobertores Parahyba (Já é hora de dormir, não espere a mamãe mandar...) e o primeiro comercial para as campanhas de natal da Varig (Estrela brasileira no céu azul...), todos feitos com técnicas de animação. 269 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais 3. A Fase de desenvolvimento nos anos 70 e 80 Os anos 70 e 80 tiveram dois marcos bastante importantes na história da Televisão brasileira: a chegada da TV em Cores, em 1972, e do Vídeo Cassete, no final da década de 70 e início da década de 80. Depois de uma experiência da TV Tupi em 1963, a primeira transmissão oficial em cores no Brasil ocorreu em 19 de fevereiro de 1972. De início, em doses mínimas, com poucas horas de programação, as cores continuaram escassas por boa parte de 1973 e só em meados de 1974 havia condições técnicas para se produzir com regularidade programas em cor no Brasil. Essa demora não desanimou a indústria da Publicidade. Anunciantes como Coca-Cola e Esso, que já tinham filmes coloridos feitos no exterior, e Nestlé, que iniciou a produção local nesse formato, foram os primeiros a se beneficiar de mais esse recurso para captar a atenção dos telespectadores. Na época, a quantidade de televisores aptos a receber a transmissão em cores era insignificante (cerca de 50.000, contra quase cinco milhões de aparelhos preto e branco), o que não permitia que as emissoras tivessem uma tabela de preços específica para comerciais em cores. Wilson Brito, da Rede Globo, ao lembrar que as imagens coloridas seriam captadas normalmente nos receptores P&B, afirmou: “Enquanto os receptores para cor não representarem pelo menos 20% do total, e isso levará dois ou três anos, não poderemos comercializar a TV colorida e o dinheiro investido não renderá nada. Ninguém vai querer pagar um preço maior se a maioria dos espectadores vai ver o anúncio em preto e branco.” (Revista Veja, 1971) Do ponto de vista de criação e originalidade, as décadas de 70 e 80 representaram a fase áurea da Publicidade brasileira, que passa a ser considerada uma das melhores do mundo. O maior reflexo disso foi o número de prêmios que as agências brasileiras conquistaram nos festivais internacionais. Os anos 70 marcaram também o início dos comerciais superproduzidos. Eram filmes com muitas cenas, uso de diversas locações, músicas especialmente compostas, entre outros recursos. Comerciais como os da Cia. Aérea Cruzeiro, que mostrava cenas de diversos locais do Brasil, embaladas por um samba-enredo especialmente composto para o filme e centenas de figurantes. Ou da Caixa Econômica Federal, em estilo de musical da Broadway, com dezenas de dançarinos. Outra superprodução foi o comercial do Fusca, em 1972. Com imagens da selva brasileira sendo desbravada por tratores e motoniveladoras e uma locução em “off”, que levava o telespectador a imaginar que se tratava de um documentário sobre a Transamazônica. Um inusitado desfecho se dava com a aparição de um Fusca, passando tranquilamente pela estrada em construção. O pequeno carro se 270 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais mostrava capaz de enfrentar qualquer terreno, até mesmo trilhas de mata nativa. Esse comercial mostra o grande esforço da agência e da produtora para realizar um filme com imagens aéreas, em terreno íngreme, a centenas de quilômetros de qualquer centro urbano, num trecho da Transamazônica que seria inaugurado somente meses depois das gravações. Outro marco da propaganda foi o início da carreira do “Garoto Bombril”, que segue em uso até hoje, em um recorde de permanência de um personagem no ar. Na época, o Garoto Bombril apareceu como um anti-herói, um homem franzino, completamente diferente das figuras que eram utilizadas em comerciais para se comunicar com as donas-de-casa. O final dos anos 70 assistiu à chegada do vídeo cassete para o público em geral. Se por um lado, era um aliado das emissoras de Televisão, já que permitia aos telespectadores assistirem programas que normalmente não veriam (por que não estavam em casa ou porque estavam assistindo a outro programa), se mostrou também um grande concorrente delas, já que possibilitava que o tempo, antes ocupado somente com a programação disponível, fosse usado para que se assistisse a filmes e shows (originais, trazidos normalmente dos Estados Unidos, ou mesmo piratas), bem como a gravações próprias ou de amigos e familiares. Além disso, passou a ser um concorrente direto da Publicidade, já que além de permitir ao telespectador “pular” os comerciais dos programas gravados da Televisão, ao afastar a audiência da programação da TV, automaticamente a afastava também das mensagens publicitárias que estavam sendo veiculadas. Começava aí uma nova corrida atrás da audiência. 4. O Desenvolvimento Tecnológico No início dos anos 80, com recursos poderosos como o controle remoto e o vídeo cassete à sua disposição, os telespectadores começavam a se armar contra a programação ditada pelas emissoras. E também, contra o marasmo que estava tomando conta dos intervalos comerciais, com filmes de linguagem muito parecida. Emissoras e agências precisavam contra-atacar. Do lado das emissoras, a primeira a realmente embarcar em um forte período de desenvolvimento tecnológico foi a Rede Globo, incluindo em sua programação efeitos especiais, truques e vinhetas que começaram a chamar a atenção dos telespectadores. Essa revolução foi feita por uma nova categoria de profissionais, utilizando os mais modernos recursos de computação disponíveis à época, como teclados 271 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais digitais coloridos, canetas eletrônicas, computadores desenhistas e chips de altíssima velocidade. Com todos esses avanços, a indústria da propaganda também precisou se adequar, já que os próprios anunciantes começavam a exigir que suas produções também fizessem uso da informática. O uso do computador em comerciais para a TV tornou-se uma ferramenta indispensável para a maioria das agências e produtoras. Além dos recursos de computação gráfica, que começaram a deixar os filmes mais atraentes, o tempo e os custos de produção e edição eram menores com os recursos da informática. Na época, um filme de 30 segundos realizado em 35 mm podia custar até US$ 400 mil e demorar 40 dias para ser produzido. No computador, podia ser feito em uma noite por cerca de US$ 20 mil, porém com diferenças de qualidade. É interessante notar que as duas linguagens (computação gráfica e 35 mm) tiveram uma convivência harmoniosa. Em um grande número de comerciais, a maior parte da produção era feita em 35 mm, enquanto a participação da informática se dava através de vinhetas e demonstrações de produtos, formato que persiste até hoje. Havia, também, filmes realizados inteiramente com recursos de computação gráfica, que eram, em sua maioria, dirigidos ao público infantil, mais influenciável pelo lado lúdico e fantástico das animações por computador. Ao longo da década, redes de Televisão e agência continuaram explorando os recursos da computação gráfica para conquistar atenção dos espectadores, especialmente durante o intervalo, evitando-se, assim, a perda de audiência para outro canal. 5. Tecnologias Recentes Entre as tecnologias recentes relacionadas com a Televisão e a Publicidade no Brasil, as que mais merecem destaque são a implantação da TV Digital (DTV) e da TV de Alta Definição (HDTV). Ambas representam, ao mesmo tempo, grandes desafios e oportunidades para o mercado da Publicidade. Com a TV Digital, é possível transmitir som e imagem de melhor qualidade, e cada canal pode transmitir até quatro programações diferentes, além de algumas funcionalidades que permitem uma interatividade entre o telespectador e a emissora, possibilitando acesso a informações adicionais e interação do usuário com a programação. 272 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Outra vantagem da TV digital é sua mobilidade. Através de uma tecnologia chamada 1seg, o sinal da TV Digital brasileira pode ser captado por aparelhos móveis, como celulares e notebooks. Isso permite que o usuário assista TV em qualquer lugar, inclusive enquanto se movimenta. Porém, em decorrência do tamanho da tela a imagem é bem menor que a exibida em um aparelho de TV, e não é de alta definição. As agências ainda estão começando a pensar em como melhor utilizar essas novidades em benefício de seus clientes. A interatividade da TV digital, apesar de ainda não estar disponível, vai possibilitar ações como jogos e votações com a participação dos espectadores, e até processos de compras onde os produtos que estão sendo exibidos na TV podem ser comprados em tempo real. Já no campo da mobilidade, a TV móvel abre uma série de oportunidades, desde o desenvolvimento de comerciais especialmente preparados para as telas pequenas, até a integração dos mundos da TV móvel e da Internet. A TV de alta definição, por sua vez, é um sistema de geração e transmissão com uma resolução de tela significativamente superior à dos formatos tradicionais. Além disso, como as câmeras captam em alta definição, detalhes que antes passavam sem ser notados, serão captados com toda a nitidez. Assim, são necessários ajustes em aspectos da produção, como cenografia, iluminação, figurino e maquiagem. A palavra de ordem em relação a esse novo cenário, tanto em emissoras, quanto em agências, é inovação. Em debate realizado pelo Grupo de Mídia de São Paulo, o tema foi exaustivamente discutido: “O tema inovaç~o faz parte do dia-a-dia de todas as grandes redes de TV, principalmente para agregar novos canais de distribuição. Este movimento, como defendem os executivos, é importante para acompanhar as demandas do telespectador e suprir as necessidades do mercado anunciante, cada vez mais interessado em explorar os novos canais” (Mídia Dados, 2008) O formato de comerciais em alta definição já está sendo testado por alguns anunciantes, como Bradesco, Natura, Vale, Caixa, Telefônica e Ambev, que tiverem seus filmes em alta definição veiculados no primeiro bloco comercial após a inauguração oficial da TV Digital no Brasil. Porém, como a alta definição ainda levará tempo para atingir uma quantidade considerável de telespectadores, os passos nesse sentido ainda são tímidos. É um fenômeno semelhante ao que ocorreu na época de implantação da TV em cores. 273 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Considerações finais Esse trabalho não pretende, de forma alguma, esgotar o tema da evolução e da Publicidade para Televisão no Brasil. A idéia central era demonstrar, em linhas gerais, como se estabeleceu, ao longo das últimas décadas, uma interessante simbiose entre a Televisão e a Publicidade produzida para esse meio, no País. Simbiose justamente no sentido de apoio, de dependência mútua. Enquanto a Publicidade sustenta a Televisão, a Televisão compartilha sua linguagem e ensina a Publicidade melhores práticas para atingir o espectador. O espectador, por sua vez, é o centro do processo. Ele é a razão de ser da Televisão, que sem a sua audiência, não teria como existir. É a razão de ser da Publicidade, pois transforma em vendas as mensagens exibidas na Televisão, garantindo a realimentação do ciclo. E a tecnologia garante o suporte para o desenvolvimento desses dois mercados, dessas duas disciplinas, tão complementares, tão indispensáveis. É, sem dúvida, um assunto interessante. É, sem dúvida, um assunto em evolução. E é, sem dúvida, um assunto que continuará sendo estudado. Referências Bibliográficas DUAILIBI, Roberto. Cartas a um Jovem Publicitário. Nem tudo é festa. Como vencer na vida fazendo muita força. Rio de Janeiro: elsevier, 2006. FILHO, Daniel. O Circo Eletrônico. Fazendo TV no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. FRANZÃO NETO, Ângelo. Midialização: o poder da mídia. São Paulo: Nobel, 2006. MATTOS, Sérgio. História da Televisão Brasileira. Uma visão econômica, social e política. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 2008. MEIO E MENSAGEM. Campanhas Inesquecíveis. A propaganda que fez história no Brasil. São Paulo: Meio e Mensagem, 2007. GRUPO DE MÍDIA DE SÃO PAULO. Mídia Dados 2008. São Paulo, 2008. MORAIS, Fernando. Na Toca dos Leões. A história da W/Brasil, uma das agências de propaganda mais premiadas do mundo. São Paulo: Planeta, 2005. 274 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais SIMÕES, Roberto. A Propaganda no Brasil. Evolução Histórica. São Paulo: Referência, 2006. PETIT, Francesc. Propaganda Ilimitada. O bom da propaganda é que você se diverte trabalhando. 11ª edição. São Paulo: Futura, 2003. Revista VEJA. Vinte Anos de Televisão. Afinal, ela não podia mesmo ser melhor. São Paulo: Abril, 1970. Revista VEJA. A Imatura Emoção da Cor. São Paulo: Abril, 1971. Site Tudo sobre TV – Informações e depoimentos de pessoas que fazem a história da Televisão. Disponível em <http://www.tudosobretv.com.br/> Acesso em 8/2/2009. Documentário 45 anos da Publicidade na TV Brasileira. Rio de Janeiro, 1995. USO DE FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DE MUNICÍPIOS: ESTUDO DE CASO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP131 Monica Franchi Carniello Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC SP), professora-pesquisadora do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Moacir José dos SANTOS Doutor em História (UNESP), professor-pesquisador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Introdução A segunda metade do século XX e, principalmente, a primeira década do século XXI tem como característica comum a criação de novas mídias pautadas na linguagem digital que dinamizaram em grande escala a comunicação humana. Nesse período as ferramentas de comunicação postas à disposição dos usuários da rede mundial de computadores produziram novas práticas e arranjos sociais, cujos impactos ainda estão em mensuração. O desenvolvimento recente das comunidades virtuais e do acesso on-line a informações de natureza muito diversificada impele a investigação dos efeitos da comunicação digital. Nesse trabalho, o enfoque se dá no uso da comunicação digital na esfera governamental. 131 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Digital, no I Congresso de História da Mídia do Sudeste, 2010. 275 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A exploração da comunicação digital na gestão pública é um recurso promissor para os governantes dinamizarem o diálogo com a sociedade, principalmente em um cenário político que atribuiu aos municípios grande autonomia de gestão, com mecanismos participativos institucionalizados, fato formalizado com a aprovação do Estatuto da Cidade no final da década de 1990, instrumento legal que é um marco para a gestão municipal democrática. A comunicação do governo municipal se apresenta como uma das vertentes da comunicação urbana que tem a potencialidade de dialogar com os cidadãos, bem como dar visibilidade às cidades, que necessitam rever suas práticas de gestão de forma a se adaptar a uma nova urbanidade, reconfigurada, entre outros fatores, pela própria emergência das redes de comunicação digital. Em tempos de globalização, cidades do mundo inteiro estão desafiadas por profundas mudanças sociais, econômicas e políticas. As transformações recentes requerem novos modelos de gestão inovadores, assim como novos instrumentos, procedimentos e formas de ação, a fim de permitir que os administradores públicos tratem as mudanças de uma sociedade globalizada. (REZENDE; FREY e BETINI, s/d) O objetivo deste artigo é caracterizar os usos de ferramentas de comunicação digital na gestão do município de São José dos Campos-SP, partindo do pressuposto que os meios de comunicação são ferramentas facilitadoras da gestão democrática. Comunicação digital e gestão dos municípios No contexto contemporâneo, o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação reconfigurou os processos de comunicação e criou formas de mediação que interferem na dinâmica urbana. Segundo Choay apud Piccini (2003, p.2), o urbano pode ser entendido como um sistema operatório que se desenvolve em todos os lugares: nas cidades e no campo, nas vilas e nos bairros, a partir de redes materiais e imateriais e de um conjunto de objetos técnicos que põem em circulação um mundo de imagens e informações que transformam os vínculos que as sociedades mantém com o espaço, com o tempo e com os indivíduos. As mídias são uns dos principais elementos que permeiam essas redes na cidade contemporânea. Uma das características dessa sociedade mediatizada é o fato de o processo e relações políticos não se darem pela interação direta, e sim pela intermediação dos veículos de comunicação, que influenciam e representam a esfera pública. Dessa forma, a equidade e o processo democrático tornam-se diretamente relacionados ao acesso equitativo à informação e às mídias. Se em uma sociedade de massa, intermediada pelos meios de comunicação massivos, havia o risco de manipulação da percepção do público, em uma sociedade interliga da em 276 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais rede, pautada na comunicação de mão-dupla, apesar de o risco da criação de representações tendenciosas ainda existir, soma-se o elemento da liberdade que o público tem em expressar sua opinião em um veículo de comunicação de baixo custo e de cobertura global. As mudanças geradas na sociedade contemporânea mediante o impacto da comunicação provocam a emergência de novas possibilidades de gestão pública. A comunicação constitui uma das áreas mais dinâmicas e fecundas para a aplicação de novas ferramentas de mídia para aproximar a população e os gestores públicos, bem como dialogar com outros interlocutores da cidade, como turistas e investidores. Ressalta-se que a imagem de uma cidade ou lugar é “fabricada” tanto para o público interno quanto para o externo. É produzida pelos atores urbanos, pela comunicação publicitária e pela imprensa oficial do município (ROSEMBERG, 2000, p.3), somada à própria configuração espacial do lugar, que por si só já comunica. Daí a relevância dos sites oficiais do município como um dos canais de comunicação. Duas premissas fundamentam o desenvolvimento de estratégias para a utilização dos mecanismos possibilitados com a comunicação digital. Primeiro, conforme a assertiva de Castells (1999) os grupos economicamente favorecidos têm acesso as inovações tecnológicas com maior facilidade e o utilizam para manter e exercer seu poder sobre os demais grupos sociais. Cabe ao poder público favorecer a disseminação da tecnologia e provocar a inclusão social, pois o acesso ao conhecimento possibilitado com a tecnologia é fator fundamental para o desenvolvimento social mais justo. Para Sen (2000) o desenvolvimento humano é constituído por múltiplos fatores e tem na liberdade sua premissa fundamental. O acesso a informação não apenas caracteriza as sociedades mais desenvolvidas, mas é fator indutor de elevação da qualidade de vida por viabilizar o acesso a informação e tornar mais transparente a gestão pública. E, em consonância com a primeira premissa, a segunda aponta para a necessidade de utilizar a comunicação digital para otimizar a busca de recursos necessários para o desenvolvimento econômico e social. O desenvolvimento regional pode ser estimulado com a atração de investidores e, prescindido da ação de um Estado centralizador e controlador, tornar direto o diálogo entre os investidores e o poder público local, alimentado por demandas explicitadas por membros da comunidade que o poder público deve representar e atender. A partir do Estatuto da Cidade, fruto das modificações da constituição de 1988, marcada pelo processo de redemocratização do país, delega-se aos municípios, na qualidade de unidades da federação, grande autonomia de gestão, destacando a gestão participativa, que atribui relevância aos atores sociais diversos que compõem uma sociedade urbana. 277 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Revela-se uma tendência de participação, institucionalizada e amparada por meios legais, que envolve setor produtivo, setor público, sociedade civil organizada, terceiro setor, que é interligada e viabilizada por redes de comunicação. O cenário contemporâneo estimula uma ação mais ativa dos poderes públicos locais para superar a retração do Estado como indutor do desenvolvimento. A comunicação digital favorece a relação mais próxima entre os cidadãos e os gestores locais, com destaque para identificação de demandas relativas ao desenvolvimento social. Na definição de Keys (2003, p. 165): Em função dos programas de ajuste estrutural implementados em boa parte dos países nas últimas décadas, envolvendo políticas de austeridade, desregulação, privatização e uma retração geral do Estado da esfera econômica, o setor público está sofrendo grandes transformações, sobretudo um aumento da dependência das decisões de agentes econômicos privados. Nas cidades, particularmente nos países em desenvolvimento, observa-se uma crescente perda de governabilidade. Faltam condições e ferramentas adequadas de gestão para implementar iniciativas efetivas de desenvolvimento local, capazes de promover um desenvolvimento sustentável no âmbito das comunidades locais, respeitando as exigências de justiça social. Faltam estruturas e instituições de governança local apropriadas para estimular a ação coletiva e articular os diferentes atores locais em torno de objetivos comuns de desenvolvimento local. A elaboração de novas estruturas de comunicação aptas a potencializar o uso da comunicação digital para efetivação dos mecanismos de ampliação do desenvolvimento local é estratégica. Castells (1999) afirma que a internet tem o potencial de aproximar as demandas coletivas dos recursos necessários a sua satisfação, pois a comunicação digital pode superar as barreiras físicas entre as redes sociais. Entretanto, o autor salienta que a internet e as novas mídias têm como característica reproduzir as assimetrias sociais. Sua utilização é condicionada com o acesso. Os grupos economicamente mais favorecidos têm, historicamente, acesso privilegiado a novas tecnologias. A organização eficiente em grupos de trabalho ou no interior de entidades de classe favoreceu a formação de redes de comunicação no interior das elites sociais. Para Castells (1996) essa vantagem competitiva possibilitou aos grupos dominantes articular de modo mais efetivo suas demandas em comparação aos demais grupos, cujo grau de desarticulação é agravado com a carência de ferramentas de comunicação inerentes a esses agrupamentos e também com o poder público. As novas tecnologias da informação têm como característica reproduzir as relações assimétricas presentes na sociedade brasileira. A sua aplicação na gestão pública deve ocorrer com o planejamento de recursos e estratégias que combatam essa tendência, que é social e histórica no contexto nacional. E a gestão municipal constitui o espaço adequado ao rompimento deste ciclo negativo que caracterizou a implantação de outras mídias em momentos históricos anteriores. A organização institucional municipal deve favorecer a participação da população, inclusive na organização e aplicação das novas ferramentas de comunicação, pois o não 278 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais planejamento do uso institucional da internet apenas reproduz a exclusão da maioria dos munícipes da gestão da cidade. Para caracterizar o modelo de gestão com participação de atores sociais e uso de mídias digitais, cunha-se o termo governo eletrônico, que enfatiza o uso de novas tecnologias de informação e comunicação no escopo de atuação e funções desempenhadas pelo governo, tornando-se uma ferramenta facilitadora da transparência e da gestão pública. Na sociedade contemporânea, a opção comunitária está confrontada com dois desafios principais, ambos em aparente conflito: em primeiro lugar, trata-se de aprender com a elite empresarial no que diz respeito à sua estratégia de organizar-se em redes e aumentar, desse modo, a capacidade para a ação coletiva e a cooperação por meio da promoção de confiança e reciprocidade entre os membros das redes; em segundo lugar, trata-se de evitar as tendências de exclusão – muito comuns nas redes empresariais – e garantir procedimentos democráticos e práticas coletivas baseadas em deliberações públicas e interativas, de modo que condições para a promoção do bem comum possam ser efetivamente melhoradas. No contexto de crescentes conflitos sociais e culturais, em uma sociedade cada vez mais complexa e diversificada, e em face de novas e inusitadas potencialidades de criação de redes em função da disseminação dos TICs, os riscos relacionados à segregação, à exclusão e a um possível aumento de conflitos e de intolerância devido à proliferação dessas novas estruturas de rede não devem ser subestimados (KEYS, 2003, p. 176). Contudo, o risco da manutenção das desigualdades sociais com a assimilação da comunicação digital a gestão local não deve impedir a reflexão sobre como e por que implementá-las, pois ignorar o potencial da comunicação digital significa renunciar aos meios que podem quebrar esse ciclo de afastamento da população brasileira da gestão pública. Sen (2000) afirma que a liberdade é fundamental para o desenvolvimento por dois fatores: o desenvolvimento social e sustentável significa o aumento do número de pessoas que desfrutam da liberdade e, segundo, o acesso a liberdade permite a manutenção do desenvolvimento. Para o autor a liberdade política é fundamental e garante a disposição social para o combate a outros fatores que impedem a maturação das condições que impulsionam o desenvolvimento como o acesso a saneamento básico e a segurança alimentar. Sen (2000) argumenta que a liberdade social e política constituem a ferramenta capaz de manter e expandir o desenvolvimento como um ciclo virtuoso e sustentável de conquistas que progressivamente eliminam a desigualdade e os fatores ligados a sua reprodução. Sen (2000) define cinco tipos de liberdades instrumentais para a realização do desenvolvimento com justiça social, a saber: liberdades políticas, liberdades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. Para Sen as liberdades instrumentais constituem os meios para o desenvolvimento e estão interligadas. Não é possível estabelecer uma hierarquia entre as diferentes liberdades instrumentais apresentadas pelo autor. Contudo, no caso do presente artigo, as liberdades políticas associadas às garantias de transparência são objeto de maior interesse em razão da conexão com o objeto de 279 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais pesquisa. Para o autor, as participações política e social são essenciais na vida humana e são estratégicas para garantir que os cidadãos conquistem atenção para formular suas necessidades. Para Sen (2000) a liberdade política permite a efetivação da liberdade econômica, afirmação que contrária a perspectiva da maioria dos analistas políticos e sociólogos. Nas palavras de Sen (2000, p. 179-180): Os papéis instrumentais das liberdades políticas e dos direitos civis podem ser muito substanciais, mas a relação entre as necessidades econômicas e as liberdades políticas pode ser também um aspecto construtivo. O exercício de direitos políticos básicos torna não só provável que haja uma resposta política a necessidades econômicas, como também que a própria conceituação – incluindo a compreensão – de “necessidades econômicas” possa requerer o exercício desses direitos. De fato, pode-se afirmar que uma compreensão adequada de quais são as necessidades econômicas – seu conteúdo e a sua força – requer discussão e diálogo. Os direitos políticos e civis, especialmente os relacionados à garantia de discussão, debate, crítica e dissensão abertos, são centrais para os processos de geração de escolhas bem fundamentadas e refletidas. Esses processos são cruciais para a formação de valores e prioridades, e não podemos, em geral, tomar as preferências como dadas independentemente de discussão pública, ou seja, sem levar em conta se são ou não permitidos debates e diálogos. Para Sen (2000) o debate e a discussão são ferramentas para a indução do desenvolvimento com justiça social. A compreensão e a definição das necessidades básicas têm como correspondente o diálogo, que em última instância é propiciado na elaboração e aplicação de mecanismos de comunicação mais acessíveis à população. A constituição e o uso de ferramentas digitais favorecem a busca de participação da população e a atração de recursos para o desenvolvimento local. O acesso à informação é pressuposto do desenvolvimento social sustentável. A constituição de mecanismos mais efetivos de participação popular na gestão municipal encontra apoio nas determinações da Constituição de 1988 e no Estatuto das Cidades. A participação popular foi definida como essencial para a consolidação da gestão municipal. E a principal expressão da gestão participativa e inclusiva é a elaboração do plano diretor. Todos os municípios com mais de 200 mil habitantes tem que construir mediante a participação dos munícipes seu plano diretor que deve pautar os investimentos em educação, saúde, segurança e infraestrutura urbana, atendendo as reivindicações consideradas prioritárias por parte da população. Entretanto, a principal característica do plano diretor é oferecer um delineamento do desenvolvimento das cidades. A projeção de metas possibilita nortear o desenvolvimento por meio de princípios e não por objetivos fixos, cuja realização no decorrer dos anos pode não atender as metas de estabelecer as condições para uma cidade mais justa e sustentável. Entretanto, o exercício desta função depende do estímulo à participação da população, tanto na elaboração quanto na aplicação dos seus princípios. Sob esta perspectiva a comunicação digital permite a inclusão dos grupos sociais na gestão municipal, que na internet adquirem a condição de redes sociais. É importante notar que meio digital permite a formação de redes sociais virtuais que 280 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais rompem com a limitação territorial. A inovação tecnológica implica a organização de grupos interessados em cobrar do poder público ações mais efetivas para o desenvolvimento sustentável. Porém, esse espaço de convivência e diálogo não surge espontaneamente. A interatividade deve ser organizada e estimulada para a inclusão dos grupos sociais. A implantação dos sites oficiais das prefeituras municipais é estratégica para estimular a participação da população na gestão pública. As ferramentas e informações postas à disposição dos usuários da internet devem ser organizadas em função desta meta. É possível sistematizar as principais aplicações das mídias digitais na gestão pública, a saber: como mecanismo de transparência da gestão e contas públicas; como oferta de serviços ao cidadão de forma descentralizada; como mecanismo social de regulação e controle da gestão, uma vez que as figuras públicas estão muito mais expostas e aos meios de comunicação; expressão de anseios e necessidades dos cidadãos; formação de grupos e redes na sociedade civil organizada, uma vez que as mídias são facilitadoras para o agrupamento independente da proximidade geográfica; função informativa, como a divulgação de audiências públicas e disponibilização de legislação. O município de São José dos Campos O crescimento urbano do município de São José dos Campos reflete o processo ocorrido no Brasil, que na segunda metade do século XX tornou-se um país predominantemente urbano. “Em um período de pouco mais de cinqüenta anos, a população urbana que representava cerca de 30% da população total, passou a ser de 81% no ano de 2000”(OJIMA, 2006). Tomadas em conjunto, as aglomerações com mais de 100 mil habitantes, raras em 1940 – quando eram apenas dezoito em todo o país – vêem o seu número aumentado nos recenseamentos seguintes, alcançando 142 em 1980. Em 1991, 183 municípios contavam com mais de 100 mil habitantes. A partir dos anos 1970, parece ser esses (100 mil) o patamar necessário para a identificação de cidades médias em boa parte do território nacional; A expansão e a diversificação do consumo, a elevação dos níveis de renda e a difusão dos transportes modernos, junto a uma divisão do trabalho mais acentuada, fazem com que as funções de centro regional passem a exigir maiores níveis de concentração demográfica e de atividades. (SANTOS apud SANTOS, 2008) São José dos Campos, localizada no Vale do Paraíba Paulista, atualmente, caracteriza-se como uma cidade média. “As cidades médias tendem a crescer no território a se consolidar no território tendo em vista a desaceleração do crescimento populacional das metrópoles e aglomerações urbanas“ (SANTOS, 2008, p. 183) 281 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Antes de atingir tal status, no entanto, a região passou por outros ciclos econômicos. Em um primeiro momento, o Vale do Paraíba exercia um papel coadjuvante da economia mineira, como rota de passagem. Os primeiros sinais de desenvolvimento econômico regionais partiram das plantações de algodão e café. Após o período cafeeiro, que entra em declínio no início do século XX, iniciase a chamada “fase sanatorial”, na qual a cidade abrigava pacientes tuberculosos em funç~o do clima ameno. Segundo RICCI (2006, p.42) “o fato mais importante é que, com a decadência da cafeicultura, a mão-de-obra utilizada na lavoura migrou para as cidades [...] oferecendo disponibilidade de força de trabalho. Esta disponibilidade constitui-se num dos principais fatores de atração dos investimentos”. O processo de industrialização, ciclo econômico responsável pelo salto definitivo do crescimento urbano do município, inicia-se no final da década de 1940, impulsionada com a implantação do Centro Tecnológico Aeroespacial (1950), e, posteriormente, a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, que interligou as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, cruzando o Vale do Paraíba. Em 1935 o município foi transformado em Estância Hidromineral para o tratamento de tuberculose pulmonar. Mas, ao final do anos 40, começaram a chegada das indústrias na cidade, reduzindo a procura de tratamento sanatorial. Porém, inicia-se a fase científico-tecnológica da cidade com a instalação do Centro Técnico de Aeronáutica, o CTA, em 1950, e a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, cortando a cidade em sua região central, o que colaborou muito para o grande desenvolvimento da região. (PREFEITURA MUNICAIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2009) Verifica-se o crescimento populacional intenso ocorrido no município a partir da década de 1970, que não é apenas de origem endógena, e sim decorrente da atratividade gerada pelo processo de industrialização. Tabela 1 – Síntese demográfica – São José dos Campos Síntese Demográfica 1970 1980 1991 2000 População Total 148.332 287.513 442.370 539.313 Masculina 74.919 144.892 220.623 266.469 Feminina 73.413 142.621 221.747 272.844 Urbana 132.467 276.901 425.515 532.717 Rural 15.865 10.612 16.855 6.596 Taxa de Urbanização 89,3% 96,3% 96,2% 98,8% Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censos Demográficos, 1970, 1980, 1991 e 2000 apud PREFEITURA MUNICAIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2009. 282 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Verifica-se o crescimento populacional intenso ocorrido no município a partir da década de 1970, que não é apenas de origem endógena, e sim decorrente da atratividade gerada pelo processo de industrialização. A área urbana do município de São José dos Campos ocupa aproximadamente 361 km2, que concentra a maior parte da população, estimada em 622.238 habitantes (IBGE, 2008). Na microrregião de São José dos Campos, o município foi o primeiro a ter uma página oficial na internet, conforme demonstrado na Tabela Abaixo. Tabela 2 – Sites municipais oficiais 1999 2003 Caçapava Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Não Igaratá Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Não Jacareí Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Sim Jambeiro Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Não Monteiro Lobato Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Sim Paraibuna Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Sim Santa Branca Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Não Sim Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet Sim Sim São José Campos dos Fonte, Seade, 2010 O pioneirismo na região justifica a escolha do município como estudo de caso. Método O objetivo desta pesquisa é investigar e caracterizar a utilização dos mecanismos de comunicação digital na administração do município de São José dos Campos-SP, cujo fundamento é a possibilidade da aplicação dos meios de comunicação para desenvolver a gestão democrática. Essa conquista não ocorre espontaneamente e depende da criação e aplicação de recursos adequados para o estímulo da participação da população na gestão. Outro aspecto fundamental e que está conectado a efetivação de condições para um desenvolvimento mais justo é a capacidade de atrair recursos para o município mediante o uso da comunicação digital. Partindo do pressuposto que a Internet é uma mídia que concentra características que viabilizam essa participação, por ser essencialmente interativa, 283 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais selecionou-se como corpus da pesquisa o site oficial do município de São José dos Campos. Os fatores acima expostos constituíram a premissa para a aplicação da pesquisa que é caracterizada por ser descritiva, de abordagem qualitativa, com delineamento documental. Para a realização da pesquisa em consonância aos procedimentos indicados foram selecionados para a análise os layouts das homepages do site oficial do município de São José dos Campos de 1999 a 2010. A homepages foram obtidas no site www.archive.com. Ressalta-se que foi selecionada uma home page por ano, de forma aleatória. O Quadro 1 apresenta os critérios de análise selecionados e sua justificativa. Quadro 1 – Critérios de análise Critérios Contatos Serviços on line Consulta às contas públicas Comunicado mecanismos participação Públicos contemplados Uso de redes sociais, blogs Disponibilização de legislação Informações sobre a gestão Justificativa O contato facilitado é compreendido como forma de ampliar o diálogo entre munícipes e governo A oferta de serviços on-line representa facilitação do acesso aos serviços, muitos dos quais incluídos nas liberdades instrumentais apontadas por Sen (2000) A disponibilização de contas públicas possui relação direta com a transparência, também apontada por Sen (2000) A divulgação de instrumentos institucionalizados de participação popular na gestão pública, tais quais audiências públicas, é um indicador de gestão democrática O diálogo com públicos distintos demonstra o reconhecimento da diversidade dos atores sociais Essencialmente interativos e livres de controle de conteúdo, as redes sociais e blogs concretizam o diálogo equitativo entre as partes Acesso e direito à informação é elemento essencial para o desenvolvimento, conforme Sen (2000) O detalhamento das ações relaciona-se também com a transparência da gestão Fonte: elaborado pelos autores, 2009 Os aspectos escolhidos para a análise estão relacionados às possibilidades tecnológicas disponíveis nos últimos anos, que geridos adequadamente, favorecem a ampliação da participação da população na gestão do município. A incorporação destas tecnologias em prol da eficácia da gestão municipal e estimulo a participação popular pode dinamizar o desenvolvimento regional. Resultados e Discussão Para ilustrar a análise, foram selecionadas três das doze páginas analisadas, que bem demonstram as mudanças de conteúdo da história do site. A Figura 1 refere-se à primeira versão do site oficial do município, que apresentava ainda um conteúdo modesto. 284 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 1 – Homepage do site oficial da prefeitura de São José dos Campos, 10 out. 1999 Fonte: www.archive.org, 2010. A Figura 2 retrata a versão atual do site, a qual pode ser contrastada com a primeira versão para se ter uma dimensão das mudanças de estrutura e conteúdo no período analisado. Figura 2 – Homepage do site oficial da prefeitura de São José dos Campos, 01 abril. 2010 Fonte: www.archive.org, 2010. A seguir, o Quadro 2 sistematiza a análise das doze homepages selecionadas como corpus, a partir dos critérios previamente definidos. 285 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Quadro 2 – Caracterização do site oficial do município de São José dos Campos – SP (1999 a 2010) Ano Contatos Serviços on line 1999 E-mail – Fale com a prefeitura E-mail – Fale com a prefeitura Destaque para no. Telefone/ Email 2000 2001 2002 Destaque para no. Telefone/ Email Comunicado mecanismos participação Públicos contemplados Não há Consulta às contas públicas Não há Disponibilização de legislação Informações sobre a gestão Investidores Turistas Cidadãos Investidores Turistas Cidadãos Investidores Turistas Cidadãos Uso de redes sociais, blogs Não havia essa tecnologia Não havia essa tecnologia Não havia essa tecnologia Não há Não há Estrutura administrativa Não há Não há Não há Não há Estrutura administrativa Concursos Mapas Consulta de habite-se e projetos aprovados Newsletter Concursos Mapas Consulta de habite-se e projetos aprovados Newsletter Não há Não há Legislação do município Código de defesa do consumidor Estrutura administrativa Licitações Não há Não há Investidores Turistas Cidadãos Não havia essa tecnologia Legislação do município Código de defesa do consumidor Estrutura administrativa Licitações 286 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Ano Contatos Serviços on line Consulta às contas públicas Não há 2003 Espaço de denúncias/ Telefone/ E-mail 9 tipos de serviços 2004 Espaço de denúncias/ Telefone/ E-mail 9 tipos de serviços Não há 2005 Espaço de denúncias/ Telefone/ E-mail 11 tipos de serviços Não há 2006 Espaço de denúncias/ Telefone/ E-mail 11 tipos de serviços Não há 2007 Telefone/ E-mails Mais de 15 serviços Sim, contas a partir de 2005 2008 Telefone/ E-mails Mais de 15 serviços Sim, contas a partir de 2005 2009 Telefone/ E-mails Mais de 15 serviços Sim, contas a partir de 2005 2010 Telefone/ E-mails Retorno das solicitações Mais de 15 serviços Sim, contas a partir de 2005 Comunicado mecanismos participação Públicos contemplados Uso de redes sociais, blogs Não há Disponibilização de legislação Informações sobre a gestão Há espaço de notícias, mas não espaço destacado para divulgação Há espaço de notícias, mas não espaço destacado para divulgação Há espaço de notícias, mas não espaço destacado para divulgação Há espaço de notícias, mas não espaço destacado para divulgação Espaço separado do conteúdo noticioso destaque Espaço separado do conteúdo noticioso destaque Espaço separado do conteúdo noticioso destaque Espaço separado do conteúdo noticioso destaque Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Link de legislação Estrutura administrativa Licitações Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Não há Link de legislação Estrutura administrativa Licitações Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Não há Link de legislação Estrutura administrativa Licitações Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Não há Link de legislação Estrutura administrativa Licitações Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Investidores Turistas Cidadãos Servidor público Imprensa Não há Link de legislação Não há Link de legislação Não há Link de legislação Rede social (Twitter) e Rádio web Link de legislação Estrutura administrativa Licitações Lista de obras Agenda oficial Estrutura administrativa Licitações Lista de obras Agenda oficial Estrutura administrativa Licitações Lista de obras Agenda oficial Estrutura administrativa Licitações Lista de obras Agenda oficial Fonte: elaboração dos autores, 2010. Observa-se que nos anos iniciais do site analisado (1999-2000) as informações são escassas e praticamente não há mudanças de conteúdo de um ano para o outro, revelando uma dinâmica de atualização restrita. 287 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Um aspecto relevante é que, desde a primeira versão do site, há uma preocupação em dialogar com diversos públicos: cidadãos, turistas e investidores, o que remete à formação econômica do município, caracterizada em sua última fase pela atratividade de capital industrial externo, daí o enfoque nos investidores. A interação do usuário com o site é mínima, também em função da limitação de recursos tecnológicos no período. Em 2001 e 2002 verifica-se um sutil aprimoramento do site, com a manutenção, no entanto, da estrutura existente. Alguns avanços sob a perspectiva da gestão democrática, ainda que tímidos, são refletidos por meio da disponibilização da legislação municipal, licitações e código de defesa do consumidor. Outro avanço é o envio de newsletter, mesmo que com conteúdo noticioso nacional, explorando a potencialidade de comunicação do meio. Em 2003 é observada uma reformulação geral do site, que passa a apresentar conteúdo noticioso em grande área da página inicial, imprimindo uma dinâmica de atualização mais ágil. A disponibilização de serviços ao munícipe tornese mais evidente, tais como banco de empregos e horários de ônibus, de maneira a informar a população sobre serviços básicos os quais, segundo Sen (2000), compõem o rol de liberdades instrumentais do indivíduo. A estrutura do site se mantém até 2006, com pequenas modificações tais como inserções de mais serviços disponíveis on-line. Em 2007 observa-se que foi realizada uma reestruturação significativa no site, que passa a incorporar aspectos que caracterizam o acesso à informação, tais como a disponibilização do acesso às contas públicas, a ampliação dos serviços oferecidos on-line, o acesso à agenda oficial, o acompanhamento das solicitações realizadas por cidadãos que contataram a prefeitura. São aspectos relevantes, pois representam o acesso à informação, condição básica para a criação do cenário de uma gestão participativa, tal qual previsto no Estatuto da Cidade. Em 2010 é incluído o uso de redes sociais – o Twitter - que fomenta o diálogo entre a instituição e os cidadãos, e cria uma inevitável exposição da prefeitura, uma vez que as intervenções dos cidadãos na rede social não passam por qualquer tipo de edição. Conclusão O objetivo desse artigo era caracterizar os usos de ferramentas de comunicação digital na gestão do município de São José dos Campos-SP, partindo do pressuposto que os meios de comunicação são ferramentas facilitadoras da gestão democrática. 288 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Verificou-se que o site oficial do município, ao longo de sua história e em função dos recursos tecnológicos disponíveis, incorporou elementos que representam um avanço na gestão democrática do município, apresentando alguns aspectos apontados por Sen (2000) como fundamentais para a construção da democracia, que por sua vez é pressuposto para o desenvolvimento humano. Importante ressaltar que o objeto de análise é insuficiente para afirmar se de fato há uma gestão democrática e transparente no município, uma vez que há outras variáveis que devem se consideradas para ser possível fazer tal afirmação. No entanto, a análise permite afirmar que a comunicação do governo municipal disponibiliza informação aos seus munícipes por meio do site, o que é um passo importante e premissa da gestão participativa. Observa-se, também, que esse estudo foi realizado sob a perspectiva da emissão, não havendo elementos suficientes para verificar os efeitos no campo da recepção, aspecto que sugere-se que seja avaliado em outro estudo. Finalizando, verifica-se que a Internet apresenta-se como uma mídia adequada, em função de suas características, para disponibilização de informações à população em escala municipal, fator fundamental para a gestão participativa. Referências Bibliográficas CASTELLS, M. A sociedade em rede. vol. 1: A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. FREY, K. Desenvolvimento sustentável local na sociedade em rede: o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação. Revista de Sociologia e Política. n. 21, Curitiba, nov. 2003. 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São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 290 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais G T – 3 HISTÓRIA DA MÍDIA IMPRESSA 291 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A POLÍTICA NO DIÁRIO MERCANTIL NOS ANOS PRÉ-GOLPE DE 1964132 Carolina Guedes SOARES133 Fernanda Pires Alvarenga FERNANDES134 Durante a década de 1960 os brasileiros acompanharam a eleição e a renúncia inesperada de Jânio Quadros, que levou ao poder o vice, João Goulart; sua deposição, com o golpe de 1964, e a ascensão do general Castelo Branco à presidência. Viram o general Costa e Silva ser eleito presidente da República pelo Congresso, em março de 1967, e deixar o poder em agosto de 1969, após sofrer uma isquemia cerebral; uma junta militar afastar o vice, Pedro Aleixo, e assumir a presidência até transferi-la, ao general Emílio Garrastazu Médici, dois meses depois. Por diversas vezes ao longo da década, os meios de comunicação tiveram papel relevante no desfecho dos fatos. A Revolução de 1º de abril de 1964 partiu de Juiz de Fora, com o general Olimpio Mourão Filho, no dia 31 de março, e instaurou um governo provisório que durou 21 anos. Depois que as tropas do general Mourão já estavam a caminho do Rio de Janeiro e o movimento começava a ganhar apoio, Renê Mattos lembra que As rádios de Juiz de Fora foram ocupadas e davam notícias o tempo todo dizendo que as tropas tinham se revoltado, que a Revolução tinha começado em Juiz de Fora e que a cidade era a Capital Nacional da Revolução. Isso foi repetido durante uns quatro ou cinco anos. Até 1970, Juiz de Fora era a Capital Nacional da Revolução. Isso foi muito batido, mas já era marketing pós-golpe. (MATTOS, 2007) Dada a importância das transformações ocorridas a partir do Regime Militar, o presente trabalho se propõe a analisar as notícias de política publicadas no jornal Diário Mercantil (DM), publicação local juizforana, cidade onde o golpe foi deflagrado. O estudo deste tema possibilitará uma melhor compreensão de como foi o período que antecedeu a Ditadura Militar em Juiz de Fora, e também, a linha editorial adotada pelo Diário Mercantil, principal jornal da cidade, na época, e que pertencia ao grupo Diários Associados, fundado por Assis Chateaubriand. Vamos nos deter à primeira metade da década de 1960 por duas razões principais. Porque julgamos necessário observar o jornal antes do golpe para averiguar o impacto provocado pela Ditadura Militar na linha editorial da publicação, e também pela ausência de bibliografia sobre a cobertura política do DM nos anos anteriores ao golpe, durante o governo João Goulart, período em que a maior parte dos jornais brasileiros posicionou-se de maneira clara, organizando uma campanha que desestabilizou o governo e culminou no golpe de abril de 1964. Os jornais do grupo Diários Associados participaram ativamente deste movimento. 132 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa no I Congresso de História da Mídia do Sudeste. 133 Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. 134 Mestre em Teoria da Literatura e professora no curso de Comunicação Social da Associação Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo /Faculdade do Sudeste Mineiro-FACSUM. 292 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Acompanhamos, para isso, as edições do jornal Diário Mercantil publicadas às terças, às quintas e aos domingos. Em datas de grande relevância histórica, como no período entre a renúncia de Jânio Quadros até a posse de João Goulart, analisamos também as demais edições. A pesquisa foi realizada no Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora, onde estão guardados todos os exemplares do jornal. Os principais objetos deste estudo serão as manchetes e, em seguida, os títulos das matérias publicadas na primeira página. Analisaremos o título, pois este é, segundo José Marques de Melo, “a apropriaç~o de uma forma publicit|ria pelo jornalismo” (2003, p.86), que foi criado para popularizar os jornais através da motivação dos leitores para saber o conteúdo da notícia a qual ele se refere. E também porque, além de suas funções técnicas, de anunciar a notícia e resumir seu conteúdo, o título “orienta” o leitor e “indica a import}ncia relativa da notícia” (DOUGLAS, 1966, apud MELO, 2003, p.88). Ainda que não emita claramente o ponto de vista da empresa jornalística, ele pode, o que é mais frequente em jornais que pretendem manter a imagem de imparcialidade, “dissimular” seu conteúdo ideológico. Utilizamos algumas matérias publicadas sobre fatos de extrema relevância, de forma a ilustrar com clareza a maneira como determinados assuntos foram abordados no DM. Segundo Melo, “a seleç~o da informaç~o a ser divulgada através dos veículos jornalísticos é o principal instrumento de que dispõe a instituição (empresa) para expressar a sua linha editorial.” (2003, p.75) Independentemente de quem faça a seleção das notícias, entendemos que estas, ao chegar até o leitor, interferem na formação de suas opiniões sobre os assuntos. Ainda que não intencionalmente, os meios de comunicaç~o est~o “influenciando pessoas, comovendo grupos, mobilizando comunidades, dentro das contradições que marcam a sociedade” (MELO, 2003, p. 73). Estudos já publicados demonstram que o Diário Mercantil possuía uma linha editorial bastante favorável aos interesses militares, coerente com a do grupo Diários Associados, ao qual o jornal pertencia. Um exemplo do apoio do grupo aos militares é a declaração do diretor-geral dos Diários Associados, José de Almeida Castro, em entrevista fora do país, em 1973, um dos períodos de maior censura aos meios de comunicaç~o, afirmando “que no Brasil h| ‘plena liberdade de imprensa’ e que ‘estava disposto a polemizar com aqueles que afirmam o contr|rio’” (MARCONI, 1980, p.148). O jornal Diário Mercantil (DM) foi lançado no dia 23 de janeiro de 1912, em uma época em que Juiz de Fora conservava ainda o posto de liderança política do estado de Minas Gerais e era conhecida como a “Manchester Mineira”. Fundado por Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e João Penido Filho, lideranças políticas da região ligadas ao Partido Republicano Mineiro, o DM tinha o objetivo de “defender os interesses das classes produtoras”, conforme o editor do jornal Wilson Cid: 293 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais no primeiro editorial do jornal já se fala que o objetivo do jornal é defender as classes produtoras, na época eles tinham muito prestígio. Mas com o tempo o jornal foi se identificando também com as questões da comunidade e acabou se libertando um pouco da dependência que tinha destas classes produtoras e começou a atuar em diversas áreas, como manifestações de greves de trabalhadores, congressos, no esporte, polícia. (CID, 2007) Vinte anos após sua fundação, em 1932, o DM passou ao controle dos Diários Associados. Em Juiz de Fora o grupo criou, em 1941, o Diário da Tarde, jornal vespertino voltado ao público popular. Além dos dois periódicos, a Rádio PRB-3 fazia parte do grupo. A inauguração da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1961, foi um fato marcante, pois o DM passou a contar com o trabalho de profissionais formados em jornalismo. O DM e o Diário da Tarde sairam de circulação em novembro de 1983. Na época, o DM contava com 2.700 assinantes, mas tinha feito alto investimento em equipamentos Of Set e não consegui pagar as dívidas com a alta do dólar, o que o levou a fechar as portas (CID, 2007). Dos jornais do grupo Diários Associados, ainda existem o Estado de Minas, o Correio Brasiliense e o Jornal do Comércio. O título do DM pertence ao Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, que ainda publica edições periódicas do DM com matérias de economia. Através da análise das primeiras páginas do DM podemos observar a permanência de textos adjetivados, com linguagem rebuscada, no início da década de 1960. A diagramação do DM também é bastante confusa, com matérias sobre o mesmo tema espalhadas em diversas partes do jornal, títulos sem texto e sem indicação da página em que a matéria continua, entre outras características que dificultam bastante a leitura e a compreensão das notícias. As matérias eram compostas em linotipos, com poucas opções de corpos. No início da década de 1960, quem montava as matérias era o paginador. As matérias eram dispostas de acordo com o espaço disponível. Uma reforma gráfica mais profunda aconteceu apenas em 1968, após a contratação de José Luiz Ribeiro. A partir de então as matérias passam a ter um espaço determinado na página, o número de matérias por páginas diminui e aumenta o de fotos, que passam a constar em todas as primeiras páginas. Todas as matérias, a partir de então, têm título e orientação da página em que se encontram. Apesar da demora na implantação dos novos modelos de texto e diagramação no Diário Mercantil, a valorização da notícia já pode ser observada desde o início da década de 1960, seguindo uma tendência que já estava se desenvolvendo há várias décadas nos jornais do Rio de Janeiro Os textos explicitamente opinativos ficavam restritos aos artigos, assinados geralmente pelo próprio Chateaubriand. A análise das primeiras páginas indica que o jornal, apesar de valorizar as notícias, deixa transparecer nestas suas opiniões. A parcialidade pode ser observada na cobertura das eleições presidenciais de 1960. Três candidatos disputaram a 294 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais sucessão de JK em 1960: Jânio Quadros, pela UDN, Marechal Lott, pela coligação PTB-PSD e Adhemar de Barros, pelo PSP. Naquele ano também estavam em disputa os cargos de governador de Minas e prefeito de Juiz de Fora. Verificamos 126 edições entre janeiro a outubro, quando foi realizado o pleito e observamos que as eleições presidenciais receberam maior destaque na primeira página do Diário Mercantil com 59 manchetes. Em cinco edições a notícia de maior destaque referiase às eleições estaduais. Nenhuma edição analisada apresentou manchete relacionada à disputa municipal. A cobertura do jornal, que apoiou claramente o candidato do PSD, refletiria, segundo Zagueto, a preferência da população, uma vez que Juiz de Fora e Fortaleza foram as únicas cidades onde o marechal saiu vencedor em uma eleição conquistada por Jânio com mais de três milhões de votos de vantagem. Havia, entretanto, na década de 1960, uma pretensa busca pela imparcialidade, dessa forma, “o apoio quer dizer que o jornal tinha simpatia por determinado candidato e demonstrava em seus editoriais, mas não deixava de informar as coisas sobre os outros candidatos”, como afirma Wilson Cid (CID, 2007). A preferência do jornal por Lott durante a campanha presidencial de 1960, porém, não era demonstrada apenas nos editoriais, mas também no espaço dado às matérias. O DM anunciou a visita de Jânio a Belo Horizonte na capa com o subtítulo: “Calorosa recepç~o tributou a populaç~o da capital mineira ao ex-governador paulista”, na ediç~o de domingo, 3 de janeiro. O grande espaço dedicado { matéria e os adjetivos utilizados poderiam até sugerir a simpatia do jornal por este candidato. No entanto, a matéria encobre a notícia sobre a viagem de Jânio a Juiz de Fora, naquele mesmo dia, e que ficou restrita ao canto superior esquerdo da p|gina 8 desta mesma ediç~o, sob o título “J}nio descer| hoje no Aeroporto da Serrinha”. A ediç~o seguinte, de terça-feira, não trouxe nenhuma notícia relatando a visita de Jânio a JF na primeira página. Em vez disso, o jornal estampava a manchete “Quer ser presidente eleito de fato: Confessa Lott que se sentiria constrangido de assumir o alto posto beneficiado pela legenda”, ressaltando as qualidades do candidato adversário de Jânio. Jânio ainda voltaria a Juiz de Fora com o candidato a governador, Magalhães Pinto, no dia 5 de setembro. Nesta época, há menos de um mês para as eleições, o candidato já era apontado por pesquisas como o provável futuro presidente da República. A cobertura do DM, então, foi bastante diferente do primeiro comício. A visita de Jânio desta vez foi noticiada na primeira página, com o do título “Consagraç~o a J}nio e Magalh~es”, mas a matéria ainda assim foi pequena e esta não foi a principal notícia da edição. No dia em que o candidato mais cotado para vencer as eleições visitou a cidade, a manchete do DM foi: “Certa a vitória do marechal Lott”. Como podemos observar, a campanha do marechal recebeu atenção diferenciada nas páginas do DM. Seu primeiro comício em Juiz de Fora foi a 295 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais manchete do dia 4 de março: “Calorosa recepç~o ao marechal Lott”. Duas fotos e quatro matérias com enfoques diferentes, todos positivos, ocuparam metade da capa. Na edição do dia 15 de setembro o DM anunciou em matéria com foto, na primeira página, o segundo comício do marechal na cidade, que foi a manchete do dia 16, também com foto, sob o título: “Multid~o aplaudiu o marechal Lott: entusiástica recepç~o ao marechal Lott”. De janeiro de 1961 ao dia 8 de outubro, data do resultado das eleições, apenas uma matéria apresentava críticas feitas pelo vice udenista, Milton Campos: “Lott é cético e a greve, um direito das massas” (DM, 23/08/1960, p.1). Notícias exaltavam suas características positivas para o momento, como “Lott ovacionado pelo povo: o candidato pessebista recebeu verdadeira consagraç~o ao deixar a Pasta da Guerra” (DM, 14/02/1960, p.1). Em período de intensa campanha anticomunista, a manchete “Lott n~o teria apoio dos comunistas” (DM, 19/07/1960, p.1) também pode ser interpretada de maneira bastante positiva, assim como o apoio de JK, que encerrava seu mandato com altos índices de aprovaç~o e era constantemente destaque no jornal: “JK integrado na campanha de Lott” (DM, 01/09/1960, p.1). O alinhamento entre os Di|rios Associados e o candidato pessebista foi anunciado como “Última aquisiç~o dos ‘Associados’: Lott novo colaborador desta cadeia de jornais”. O texto afirmava que “os seus artigos ser~o uma antecipaç~o de seu futuro governo” (DM, 10 e 11/01/1960, p.1). Jânio Quadros foi a notícia principal do jornal mais vezes que o marechal durante o período de campanha e apuração dos votos. Ao todo, foram 29 manchetes sobre Jânio, contra 17 de seu adversário. A maioria das notícias sobre Jânio, no entanto, mostrava o udenista como alguém vacilante, cuja campanha era permeada de incertezas e ligado aos comunistas: “J}nio Quadros cria caso na UDN” (DM, 26/01/1960, p.1), “Crise na base política de J}nio Quadros” (DM, 25/02/1960, p.1), “Absoluto fracasso a viagem de J}nio Quadros ao sul de Minas” (DM, 15/03/1960, p.1), “Desespero se apodera dos janistas” (28 29/08/1960, p.1), “J}nio ir| a Cuba” (DM, 08/03/1960, p.1). Ao se aproximarem as eleições e das pesquisas sobre as intenções de voto, a manchete do dia 2 de setembro aponta a vitória de Jânio. Já na edição de domingo, dia 4, a matéria principal foi: “Certa a vitória do marechal Lott”. Neste período intensificaram-se as matérias favoráveis ao marechal. No dia 2 de outubro, abaixo da manchete “Quinze milhões de brasileiros ir~o escolher amanh~ o novo presidente” apareciam com destaque outras duas matérias, uma sobre os locais onde votavam os candidatos e outra com o título “Quest~o de honra a vitória do marechal Lott” (DM, 02/10/1960, p.1), em clara demonstraç~o da preferência do jornal pelo marechal. Durante os quatro dias de apuração começaram a surgir notícias sobre a vitória de J}nio Quadros: “Ontem { noite o Sr. J}nio vencia em MG” (DM, 05/10/1960, p.1), “J}nio Quadros a um passo da presidência” (DM, 06/10/1960, p.1). No dia 8 de outubro “Terminou a apuraç~o em Juiz de Fora: J}nio Quadros ganhou na 142ª ZE mas perdeu na 143ªZE”. O subtítulo da matéria foi: “Computadas 296 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais ontem as 18 urnas que faltavam: Rápida solenidade após a contagem do último voto”. A notícia foi dada na capa, mas n~o foi a principal. Apesar de ser um jornal local, e de ter dedicado amplo espaço às notícias relacionadas à campanha presidencial, a manchete daquela ediç~o foi: “Carvalho Pinto: ‘S~o Paulo n~o tem ambições’”. Abaixo vinha: “Indignaç~o em Lavras contra arbitrariedades da PM”. A única matéria sobre as comemorações da vitória de J}nio foi: “Vitória de J}nio provoca passeata monstro: Recife”. Também n~o houve texto sobre o prefeito e o governador eleitos. Após a vitória do udenista o DM publicou textos sobre a “oposiç~o digna e vigilante”, prometida pelo PSD (DM, 13/10/1960, p.1). “Brasil e Minas ganham novo governo: J}nio e Magalh~es tomam posse hoje” foi a manchete do dia 31 de janeiro de 1961, sobre uma foto com a legenda: “O povo confia em J}nio”. Mais uma vez, n~o houve referência alguma { posse de Adhemar Rezende, o prefeito eleito. Jânio Quadros começou seu governo abrindo inquéritos, exonerando servidores e aumentando a carga horária dos funcionários públicos, entre outras medidas polêmicas. O DM noticiou a maioria destas decisões em manchetes. Em 11 edições analisadas no primeiro mês de mandato, o presidente foi a principal notícia em cinco, e apenas na edição do carnaval (16/02/1961) não houve texto sobre o Jânio. Apesar de discordar claramente de algumas atitudes de Jânio, principalmente com relação à política externa de seu governo, com o reatamento das relações diplomáticas com países do grupo comunista, as críticas eram mais sutis do que no período de campanha. As matérias “Prestes aplaude J}nio” (DM, 20/04/1961, p.1) e “Delegaç~o brasileira foi a Cuba assistir festejos” (DM, 25/07/1961, p.1) demonstram como eram as críticas ao presidente, e podemos concluir que, apesar destas, não houve oposição ostensiva ao governo ou qualquer campanha para desestabilizá-lo. O candidato a vice pelo PTB, João Goulart, não recebia o mesmo tratamento dedicado a Lott. Eram ressaltadas apenas as mudanças de candidatos nas chapas (que ocorreram várias vezes na campanha udenista). A primeira manchete sobre Jango dizia que ele estava “propenso a n~o se candidatar” (DM, 21/01960, p.1). O vice de JK quase não apareceu no DM durante a campanha, mas essa indiferença não permaneceu após a eleição e, principalmente depois da posse do vice-presidente. A partir do terceiro mês de mandato intensificaram-se as notícias sobre o golpe socialista de Fidel Castro, em Cuba e a “ameaça comunista” era vislumbrada também nas greves e manifestações sindicais no Brasil. O DM divulgou em ediç~o de domingo que foram “Suscitadas dúvidas quanto a origem do ‘Encontro de Líderes Sindicais” (DM, 21 22/05/1960, p.1) e o “passado trabalhista” de João Goulart fazia com que este fosse relacionado às greves pelo próprio presidente: “J}nio adverte Jango: [...] de que também ele tem responsabilidades governamentais e n~o deve estimular greves” (DM, 28/03/1961, p.1). 297 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais As viagens de João Goulart, como parte da política externa do governo de Jânio, também eram vistas com desconfiança e a visita à China foi manchete no DM: “Jango elogia o progresso da China: Afirmou em banquete que o Brasil manter| comércio com os chineses”. Na matéria n~o h| críticas, apenas a descriç~o do cerimonial e a transcrição de parte de seu discurso. A China, assim como Cuba, era constantemente criticada no DM. Dessa forma, apesar da ausência de manifestações diretas ao vice-presidente, a transcrição de seu discurso, carregado de elogios ao país comunista, faz oposição aos fatos que eram apresentados pelo jornal, o que pode ser interpretado como uma forma sutil, mas não menos eficiente, de se mostrar contrário a Jango. Na edição de 25 de agosto, data da renúncia de Jânio, nenhuma notícia foi publicada no DM. No dia seguinte o jornal divulgou a “Renúncia pela vitória da reaç~o: O texto do documento histórico assinado pelo sr J}nio Quadros”. A capa foi quase toda dedicada à repercussão do fato. Entre críticas e apoios ao gesto de Jânio surgiam hipóteses quanto ao futuro do país: “N~o haver| novas eleições”, “Arinos quer a volta de J}nio Quadros”, “Jango estar| hoje na presidência”. Setores da sociedade civil e das Forças Armadas articularam-se para impedir a posse de João Goulart, com apoio de parte da imprensa, “como O Estado de S. Paulo, O Globo e, sobretudo, Tribuna da Imprensa, que ainda pertencia ao então governador da Guanabara, o udenista Carlos Lacerda” que “faziam previsões alarmistas e posicionaram-se contra a posse de Jango” (MARTINS; LUCA, 2006, p.93). Os jornais dos Diários Associados, no entanto, apoiaram a posse de Jango e a manchete de domingo, dia 21 de agosto de 1961, diz que Jo~o Goulart est| “a caminho da presidência: O novo Chefe do Governo chegar| em quarenta e oito horas”, o que na verdade demorou nove dias. Neste período o DM, assim como os demais jornais que defendiam a posse de Jango, pediam “Todo o respeito { Constituiç~o” (DM, 30/08/1961, p.1). Impedir a posse de Jango seria infringir à Constituição e abrir margem a um golpe militar, uma vez que o movimento anti Goulart estava sendo organizado por parte das Forças Armadas. Um golpe prejudicaria os interesses tanto da UDN, quanto do PSD, que pretendiam indicar Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, respectivamente, como candidatos à presidência em 1965. Entre a renúncia de Jânio e a posse de Jango, o Brasil esteve à beira de uma guerra civil, mas as autoridades e o jornal afirmavam que “É de calma a situaç~o no país” (DM, 31/08/1961, p.1). A manchete foi publicada ao lado de uma foto com a legenda “Bomba contra manifestantes”. Na parte inferior da página, a notícia: “Teria sido encontrada a fórmula: parlamentarismo”. Na ediç~o de domingo o jornal explicou “Como funcionaria o regime parlamentarista no Brasil” (DM, 03 e 04/09/1961, p.1). A volta de Goulart ao Brasil foi comemorada na manchete do dia 6 de setembro: “A legalidade venceu”. Uma semana depois, a posse de Jango, com Tancredo Neves como Primeiro Ministro, ainda era manchete no DM. O jornal não deixou de noticiar as revoltas que aconteceram na Guanabara e em outros estados. No entanto, percebemos que, em meio ao caos que se 298 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais espalhava por diversas partes do país, continuava publicando notícias internacionais anticomunistas: “Os EE. UU. Refutam Fidel Castro.” (DM, 29/08/1961, p.1) e “Plano comunista para a agitação: O Serviço de Segurança Nacional divulga o tenebroso documento” (DM, 01/09/1961, p.1). Podemos entender isso como uma forma de desviar o foco dos leitores da briga pela sucessão presidencial, diminuindo a importância dos conflitos, forçando a impressão de que a situação estava sob controle, com manifestações favoráveis a João Goulart, e que sua posse estava garantida. O jornal tenta parecer imparcial através da divulgação de matérias factuais, de grande repercussão e que, portanto, não poderiam ser ignoradas, mas, ainda assim, deixa clara a sua opinião. Após o período imediato à posse de Goulart, ao contrário do que aconteceu com Jânio, o DM passou a dar destaque maior à notícias. A ausência de cobertura dos atos do novo presidente pode ser compreendida como uma demonstração de que, apesar de ter apoiado sua posse, o jornal não seria seu aliado durante o governo, e continuaria fazendo oposição ao PTB e aos representantes do trabalhismo. Só aos poucos começaram a surgir notícias sobre o governo de Goulart, na maioria das vezes, não muito favoráveis. Nos últimos meses de 1961 e em todo o ano de 1962 as notícias sobre manifestações de camponeses se tornaram frequentes. Aos poucos eram suscitadas as ligações entre João Goulart, que tinha a Reforma Agrária como uma de suas metas, com os “subversivos”. No primeiro mês de 1963, quando ocorreu o plebiscito que restituiu o regime presidencialista, em 14 edições analisadas, nove traziam notícias sobre greves, caristia e desabastecimento, problemas que já eram notícia desde o final do governo de JK, mas que, até então, não haviam recebido tanto destaque. Até meados de 1963 o DM ainda não fazia oposição clara ao governo de João Goulart e seguia uma linha editorial semelhante à adotada durante o governo de Jânio Quadros, através e críticas indiretas. A cobertura dada aos dois presidentes divergia no espaço concedido para a divulgação de assuntos favoráveis ao governo. Ao contrário de Jânio, Jango continuava ausente das primeiras páginas. Mesmo ações positivas do presidente, quando eram publicadas, eram tratadas de maneira a n~o parecerem que sua import}ncia fosse relativizada: “Jango: dentro de cinco anos só haver| analfabetos no Brasil entre os maiores de 23 anos de idade” (DM, 29/03/1962, p.1). No entanto, a manchete poderia ter sido: Em cinco anos não haverá mais crianças e jovens analfabetos, ou então, Jango promete acabar com o analfabetismo. Mudanças que não alterariam o conteúdo da notícia, mas que indicariam uma outra interpretação. Um artifício utilizado para atacar o presidente indiretamente era a transcriç~o da fala de políticos de partidos de oposiç~o: “Jango ameaçou as instituições e violou a ordem jurídica vigente” (DM, 25 26/08/1963 - o título é parte da declaração do deputado Adauto Cardoso, da UDN). Citações de políticos aliados de Jango raramente recebiam espaço na primeira página do jornal, e nunca eram usadas como títulos. O envolvimento do presidente com o movimento sindical já era 299 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais conhecido, dessa forma, o destaque às greves organizadas por estes movimentos e a adoção de um discurso que ressaltava os prejuízos que estas causavam à nação também foram formas de prejudicar a imagem do Goulart. O DM também criticava o presidente de maneira indireta ao atacar pessoas ligadas a ele, como Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e marido da irmã de Jango. A antipatia a Brizola era explícita, como também a Miguel Arraes, governador de Pernambuco, ambos líderes do PTB e amigos de Jango. Por publicar as notícias factuais de grande repercussão, a participação de Jango na comemoração do 113º aniversário de Juiz de Fora obteve destaque considerável. Na ocasião, João Goulart anunciou a liberação das verbas para a construção da Avenida Independência, foi saldado pelos militares da 4ª Região Militar e autorizou a substituição do Comandante Ladário Teles por Olímpio Mourão Filho, que menos de um ano mais tarde liderou o levante que derrubou João Goulart (PAULA; CAMPOS [orgs], 2005). Poucos meses depois, começaram a surgir nas primeiras páginas do DM duras críticas dirigidas diretamente ao presidente. Constantes demonstrações de indisciplina dentro das Forças Armadas sem a devida retaliação aos insubordinados por parte do presidente começaram a ser divulgadas, mostrando que estava “Explosiva a situaç~o na |rea militar” (DM, 07 08/07/1963, p.1). A situação piorou após a prisão do jornalista Hélio Fernandes, que foi destaque no DM entre 28 de julho e 1º de agosto, quando foi libertado por habeas corpus concedido de Supremo Tribunal Federal. A prisão de Hélio Fernandes, aliada à notícias de censura à jornalistas gaúchos foram interpretadas como demonstração de autoritarismo do governo. A partir de agosto de 1963 é visível a mudança na linha editorial do DM: “Em prazo curto o governo poder| nacionalizar as concession|rias” (DM, 18 19/08/1963, p.1), “Ministros do PSD seriam convidados a abandonar o governo de Goulart: ‘Clima violentamente hostil ao sr. Jo~o Goulart” (DM, 22/08/1963, p.1). As críticas se agravaram com a ameaça de Estado de Sítio, da qual João Goulart desistiu três dias depois. O fato foi interpretado como uma tentativa de golpe de estado, reforçando o discurso de que Jango, como herdeiro político de Getúlio Vargas, seguiria o mesmo caminho que levara o país a quase uma década de ditadura durante o Estado Novo. A partir de então, e até abril do ano seguinte, quando foi organizado o Golpe Militar, o conjunto das notícias publicadas pelo DM e os demais jornais de oposição ao governo criaram um clima altamente desfavorável a Goulart. A sequência de notícias sobre greves, revoltas, desemprego, inflação, aliadas ao discurso sistemático de que o comunismo, uma doutrina contrária aos valores cristãos, estava se espalhando pelo continente americano gerava na população uma sensação de insegurança e insatisfação. Nos meses que antecederam o golpe, a imagem de que Goulart planejava um golpe comuno-sindicalista foi consolidada entre meios de comunicação, incluindo o DM. Uma destas contribuições foi a publicaç~o, em novembro de 62, o título: “Documento Histórico: Texto do manifesto em que a mulher mineira pede a renúncia de Jango” (DM, 10 11/11/1963, 300 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais p.1). Esta foi a primeira manifestação civil contra o governo de João Goulart encontrada nesta análise. No último dia de 1963 a manchete do DM mostrava que João Goulart prometia ampliar as desapropriações de terra para realizar a reforma agrária, o que contrariava os interesses das oligarquias rurais, que possuíam grande influência política e eram representados pelo PSD. A polêmica levou o governador de Minas a solicitar ao presidente (e foi manchete da edição de 5 de janeiro de 1964) que ouvisse os estados “antes de iniciar as desapropriações de terra”. Na parte inferior da ediç~o de domingo, 12 de janeiro, o título: “Campanha da reforma agr|ria esconde incapacidade de Jango”, ocupava quase toda a coluna central, logo abaixo da foto da matéria principal. A “falta de autoridade de Jango” também foi denunciada quatro dias depois. Na edição do dia 10 de março o DM anunciou, na parte inferior da primeira p|gina, que “Sindicalistas mineiros vão à Guanabara para comício na Praça da República”. Ao utilizar o termo “sindicalistas”, o jornal atrela este evento aos interesses das classes trabalhadoras. O comício a que o título se referia seria o primeiro de uma série, organizado para mobilizar a população em prol das reformas de base, em especial, a reforma agrária, e que contava com o apoio dos movimentos sindicais. O evento reuniu cerca de cem mil pessoas na Praça da República, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março, e ficou conhecido como ‘o comício das reformas’. O jornal gaúcho Última Hora, um dos únicos que ainda apoiava o governo de Jo~o Goulart, afirmou em manchete que: “Foi o maior comício da história do Brasil” (apud PAULA; CAMPOS [orgs], 2005, p.173). O DM preferiu informar que foi “Assinado por Jango na praça pública o decreto que d| início { reforma agr|ria”. Esta foi a manchete do dia seguinte ao comício, publicada quase no centro da página (as manchetes do DM, até então, vinham no alto da página, abaixo do nome do jornal). Duas fotos acima da manchete ocupavam toda a largura do jornal e mostravam imagens de pessoas correndo e fumaça, sugerindo confusão. Na edição de domingo, 15 de março, uma legenda com 11 linhas descrevia: “O comício da Guanabara reuniu milhares de trabalhadores que desejavam ouvir a palavra do sr. Jo~o Goulart [...]”. Nenhuma notícia foi dada nesta ediç~o sobre o comício organizado pelo diretório do PTB de Juiz de Fora, que contou com a participação de Miguel Arraes. O comício foi divulgado na edição seguinte, dia 17, com a manchete: “Dispositivo policial jamais visto na cidade garantiu a fala ‘nacionalista’ no Popular”. A cobertura do evento pode ser considerada uma das demonstrações mais claras da linha editorial seguida pelo jornal. O comício não deixou de ser noticiado, mas o movimento organizado por oposicionistas para boicotar o evento recebeu destaque maior no DM. A palavra ‘nacionalista’, no título e ao longo de toda a matéria, encontra-se entre aspas, recurso que demonstra o questionamento do caráter patriótico do evento de seus organizadores. 301 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Observamos o comício de Miguel Arraes como um divisor de águas na cobertura da política nacional do DM. Até então, o jornal fazia críticas agressivas ao governo, mas não pedia sua deposição. A partir da edição de domingo (22/03) após o comício em Juiz de Fora e a “Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade”, em São Paulo, no dia 19, em todas as edições analisadas, o DM publicou notícias e declarações, principalmente do governador Magalhães Pinto, que pediam o afastamento de Goulart. O Golpe Militar que derrubou João Goulart foi um período bastante conturbado na história do país e o próprio levante era cercado de contradições. Na manchete “Representante do povo condena o uso das reformas para efeito de subvers~o” (DM, 24/03/1964, p.1), o “representante do povo”, no caso, não era o presidente, mas Magalhães Pinto. O general Olímpio Mourão Filho, chefe da 4º Região Militar, declarou-se insurreto e marchou com suas tropas rumo ao Rio de Janeiro, dando o primeiro passo para o golpe que derrubaria Jango. Nenhuma notícia sobre o levante foi publicada até o dia 31 de março. O movimento foi noticiado no dia 1º de abril, com a manchete: “O general Mour~o sai em defesa do regime e instala em JF o QG da Força de Defesa da Democracia em Minas Gerais”. Na parte inferior da p|gina, sob o título: “O general Muricy comanda de JF a tropa estacionada em Paraibuna” eram divulgados detalhes sobre a manobra. O título “O Povo, Governadores Estaduais e Forças Armadas repelem o processo de aviltamento das forças vivas da Naç~o”, também na parte inferior da página recebeu espaço pouco menor que a manchete e em seu texto explicava as razões que supostamente estavam motivando o golpe, que também eram explicitadas pelo governador de Minas, Magalhães Pinto, em matéria menor, ao lado da matéria principal. O golpe foi confirmado pela manchete: “Minas mais uma vez sai em defesa da liberdade, restituindo ao Brasil, em 36 hs, a paz e a democracia” (DM, 02/04/1964, p.1). Em nenhuma das matérias analisadas a legitimidade foi questionada. O golpe foi visto como benéfico e necessário para a defesa da democracia. O governo Goulart termina, segundo o DM, no dia 2 de abril, com a manchete: “Duas horas e meia antes da rendiç~o, Goulart e Brizola abandonam Porto Alegre”. Este título poderia sugerir que o presidente deposto era um homem fraco, que preferiu fugir para outro país a enfrentar seus opositores. Mas, além de tendenciosa, a notícia é inverídica, porque Jango só viajou para Montevidéu, no Uruguai, dois dias depois, quando Ranieri Mazzili, então presidente da Câmara dos Deputados, já havia assumido interinamente a presidência. O fim do governo de João Goulart foi comemorado no Rio de Janeiro com uma nova ediç~o da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” em “aç~o de graças pelo fim do totalitarismo” (DM, 04/04/64, p.1), como afirma a legenda da foto que ocupou metade da parte superior da capa do DM. Em Juiz de Fora, as comemorações foram feitas no dia 6 de abril, no regresso das tropas do general Mour~o. O DM anunciou o fato com a manchete: “A populaç~o de JF veio para a rua confirmar seu NÃO ao comunismo. O povo, em lágrimas e com flores, recebeu a 302 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais tropa da liberdade” (DM, 06/04/64, p.1, grifos do jornal). Em 13 edições analisadas, publicadas no mês de abril, o DM deu destaque aos feitos do general Mourão em nove. O Ato Institucional que possibilitou a posse de Castelo Branco através de eleições indiretas e a cassação dos direitos políticos de João Goulart, Arraes e Brizola, entre outros, foi, segundo as manchetes do DM, a garantia dos “objetivos da revoluç~o” (DM, 10/04/64, p.1), sem anular “a estabilidade conferida aos trabalhadores” (DM, 11/04/64, p.1). Ao analisarmos as matérias publicadas no Diário Mercantil nos primeiros anos da década de 1960, percebemos que os interesses políticos representavam grande influência na linha editorial do jornal. Observamos que o jornal deixou transparecer seu apoio a determinados grupos, como os partidos UDN e PSD, em diversos momentos. A preferência do jornal, a princípio, se mostrava de maneira mais sutil, como tentativa de manter uma imagem de neutralidade para o periódico (a qual já adotava como discurso). As preferências do jornal se mostravam inicialmente pelo espaço dado às declarações de políticos aliados, pela omissão de feitos positivos de seus opositores, ou pelo ataque feito a pessoas ou grupos ligados a estes. Observamos claramente esta tática utilizada pelo jornal durante os últimos meses da administração de João Goulart, quando as críticas a Brizola e ao movimento sindical contribuíram para desestabilizar o governo. Nos momentos de crise, porém, o DM mostrou sua ideologia de maneira mais evidente, como nos últimos dias da campanha presidencial entre Lott e Jânio Quadros (a única durante toda a década), quando foi publicada uma série de matérias enaltecendo as qualidades do marechal, ao lado de outras com críticas a Jânio e declarações que o associavam aos países comunistas, na época, vistos como “ameaças”. Analisamos os anos anteriores ao golpe justamente para observar os grupos apoiados pelo DM e as maneiras utilizadas por ele para influenciar seus leitores. Com base nestas informações percebemos quais as mudanças provocadas em sua linha editorial a partir do golpe de abril de 1964, que repercutiu em toda a imprensa nacional. Observamos que Jânio Quadros, João Goulart e os presidentes Militares pertenciam a seguimentos diferentes da sociedade, e destes, apenas os últimos eram apoiados pelos Diários Associados. Entretanto, a cobertura do jornal foi semelhante ao longo de todos os governos. O jornal, no início dos mandatos, buscava se aproximar dos governantes, evitando a divulgação de matérias negativas. No caso de João Goulart, que até a renúncia de Jânio era constantemente atacado nos jornais Associados, o DM adotou uma postura neutra: sem matérias positivas, tão pouco negativas. Com Jânio Quadros, apesar das críticas durante a campanha, a maior parte das notícias publicadas sobre seu governo eram bastante positivas. O DM oscilava seus apoios e ataques aos presidentes de cada período de acordo com seus interesses políticos, sendo, por diversas vezes, contraditório com relação à postura adotada anteriormente. 303 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Referências Bibliográfias MARCONI, P. A censura política na imprensa brasileira: 1968 – 1978. São Paulo: Global, 1980. MARCONDES FILHO, C. O capital da notícia. São Paulo: Ática, 1989. MARTINS, A. L.; LUCA, T. R. Imprensa e cidade. São Paulo: Unesp, 2006 MELO, J. M. Jornalismo opinativo. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003. PAULA, H. R.; CAMPOS, N. A. Clodesmidt Riani Juiz de Fora: FUNALFA, 2005 MATTOS, R. René Mattos: depoimento [dez.2007]. Entrevistadora: Carolina Guedes. Juiz de Fora, 2007. Gravação Digital (100min): estéreo. ZAGUETO, I. Ismair Zagueto: depoimento [out.2008]. Entrevistadora: Carolina Guedes. Juiz de Fora, 2007. Gravação Digital (45min): estéreo. CID, W. Wilson Cid: depoimento [out.2008]. Entrevistadora: Carolina Guedes. Juiz de Fora, 2007. Gravação Digital (60min): estéreo. A HISTÓRIA DO JORNALISMO IMPRESSO NO LITORAL NORTE PAULISTA Bruna Vieira GUIMARÃES Mestre e doutoranda em Comunicação Social pela UMESP, e jornalista pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). De 2002 a 2007 foi repórter no jornal Imprensa Livre e prestou serviço em outros impressos do Litoral Norte Paulista, tais como os semanários de Caraguatatuba Expressão Caiçara (2002) e Noroeste News (2005), ambos em circulação, e nos extintos semanais Folha de Caraguá (2005) que circulou por seis meses, e Correio do Litoral (2004) que circulou cerca de um ano, este último na cidade de São Sebastião Ricardo Reis HIAR Especialista pela UMESP e jornalista pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atuou em jornais do litoral norte e assessoria de comunicação nas Prefeituras de Caraguatatuba e São Sebastião Introdução A história da imprensa no Litoral Norte de São Paulo não se desassocia da história da imprensa no Brasil. Registros mostram as quatro cidades da região desde a época da colonização do país. No entanto, as características geográficas e a dificuldade de acesso por muito tempo não permitiram que a região se desenvolvesse aceleradamente como em outras áreas litorâneas. 304 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais São Sebastião, por exemplo, aparecia num mapa datado de 1502, utilizado por Américo Vespúcio e, no entanto, segundo dados de 2009 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa), a cidade possui 73.631 habitantes, espalhados em 403 quilômetros quadrados. A situação não é diferente nas outras três cidades dessa região litorânea. Ainda sob dados do IBGE de 2009, Caraguatatuba aparece com aproximadamente 96 mil habitantes, enquanto Ilhabela e Ubatuba possuem respectivamente 26.011 e 81.096. Com a somatória desses índices, o litoral chega a uma população de quase 280 mil habitantes. Dando enfoque à comunicação, podemos observar que o número de jornais impressos diariamente em funcionamento na região não é proporcional ao número de moradores e é algo que poderia ser mais explorado. A região conta com dois jornais diários (Imprensa Livre e Diário do Litoral Norte). O primeiro tem sede em São Sebastião e o segundo, em Ilhabela. Ambos são distribuídos para toda a região. Há, porém, um volume maior de semanários, com enfoques dos mais variados. Entre eles estão: Expressão Caiçara, Noroeste News, Canal Aberto, A Semana, A cidade de Ubatuba e Sintonia Social. Podemos ver que historicamente muitas tentativas foram realizadas para promover a comunicação entre a comunidade caiçara, mas muitas delas se frustraram com o decorrer das décadas. Em todo o Litoral Norte não há um jornal impresso com mais de 30 anos. Apenas duas iniciativas atuais perduram por mais de duas décadas, sendo eles o Imprensa Livre e o Expressão Caiçara. O jornalismo no Litoral Norte O jornalismo pode ser algo definido como relativamente novo no Litoral Norte. Isso porque algumas vários veículos de comunicação se formaram há mais de um século, porém, temos notícias de ocorrências mais significativas e duradouros apenas a partir da década de 50. Com isso vemos uma falta de identidade da imprensa de modo geral e uma busca incessante por um diferencial ou ponto de partida, que ainda não foi muito evidenciado. Na verdade, os meios de comunicação na região partem de um ponto em comum e acabam em algum momento se assemelhando. Novamente por conta dos dados geográficos, não foi muito fácil a implantação das emissoras de rádio e televisão nos municípios do litoral. A televisão demorou a chegar e até hoje não há a disseminação de produtos próprios gerados na região. Em contrapartida o rádio foi o meio mais eficaz e rápido de se promover a comunicação entre as quatro cidades. Mesmo assim, não foi uma tarefa muito fácil de ser promovida. 305 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Outro ponto que podemos definir é que temos registros mais abrangentes após a década de 50 dos veículos de comunicação e outra anterior a esse período. Antes de 1950 vários jornais influenciaram a comunidade local, porém, nem sempre eram jornais oficialmente em funcionamento. Um tipo de comunicação escrita utilizada na época eram os chamados "pasquins". Gioconda Mussolini define em "Os pasquins do Litoral Norte de São Paulo" como esse tipo de comunicação como uma 'maneira típica do folk de expressar os acontecimentos, ou sejam, as próprias experiências do grupo, cuja importância era o consenso local que definia, e não a seleção do historiador'. Distribuídos de porta em porta, esse tipo de imprensa escrita circulava de forma anônima. Era comum que esses pasquins fossem encontrados, principalmente falando sobre atos políticos, em Ilhabela e São Sebastião. Prova disso foi à quantia desses papeluchos que circularam sorrateiramente nos municípios litorâneos em decorrência das eleições de 1947. O objetivo era influenciar a opinião pública sobre questões políticas locais. Com o tempo as atividades dos pasquinzeiros foram se reduzindo e a população passou a dar mais ênfase à informação recebida por outras fontes de informação. Em 1954, o único jornal de Caraguatatuba, A Voz do Litoral, anunciava que o rádio estava para chegar ao litoral. Tratava-se de Rádio Oceânica AM, que estava prestes a ser iniciada. De fato, o projeto foi concretizado por Antonio Tepedino Pagano, em 1957. O proprietário e idealizador era um conceituado radialista de São Paulo, que contou com a ajuda do então prefeito Altamir Tibiriçá Pimenta para colocar seus objetivos em prática. A emissora prestou grande serviço a comunidade em 1967, ocasião em que uma catástrofe se abateu sobre Caraguatatuba. Com a ajuda de um gerador, foi possível pedir ajuda às cidades vizinhas após a destruição que acabou com boa parte da cidade. Os pioneiros A história dos jornais no Litoral Norte Paulista de que se tem registros, iniciara no final do século XVIII. Ubatuba, por exemplo, como poucas cidades do Estado, contou com um bom número de jornais. O primeiro deles é datado de 12 de outubro de 1896, chamado de "Echo Ubatubense". O jornal era dirigido por Esteves da Silva e circulou durante um ano. Acreditava-se na época, que o jornal seria um defensor dos interesses da cidade. Passado pouco tempo do fechamento do jornal pioneiro de Ubatuba, foi lançado o "Ubatubense", que era dirigido por Luiz Domiciano da Conceição Júnior. Ele circulava semanalmente no município, porém, também não teve vida longa. 306 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Esse não era o fim da imprensa escrita ubatubense, pois por meio da iniciativa do jornalista Paulo Egídio da Costa, foi lançado "O Fogo". Era um periódico feito praticamente todo pelo diretor proprietário, que escrevia, compunha, organizava e distribuía os exemplares. Depois dele seguiu o lançamento de "O Relâmpago", que assim como o nome, teve pouquíssima duração na cidade. Além deste, foram lançados sucessivamente "O popular", "O papagaio", entre outros. Todos não ficaram muito tempo na praça. Então em 1905 surgiu o jornal "A Cidade de Ubatuba", que circulou por bastante tempo, batendo um recorde na região: funcionou até 1930, completando 25 anos de atuação, sob a direção dos irmãos Ernesto de Oliveira e Deolindo de Oliveira Santos. Outro jornal que não teve duração muito longa foi "A Cidade", cuja circulação foi interrompida devido a desistência do tipógrafo em trabalhar para a empresa, que mudou de ramo e foi trabalhar com enfermeiro em Santos. Antes disso, porém, "A Cidade" ganhou um adversário "O Arauto", com o qual manteve por tempos uma luta polêmica por questões políticas, até que o mesmo foi extinto. "O Lápis", "O prego", "O Lampião" e "A tribuna caiçara" foram outros semanais que circularam na cidade. Mais um jornal chegou aos leitores de Ubatuba antes dos anos 50 e utilizou um nome já conhecido anteriormente: Ubatubense. Esse jornal voltou a ser publicado em 1934 e se manteve na região por alguns anos. As tentativas a partir da década de 50 O Livro Santo Antonio de Caraguatatuba (2000), organizado por Jurandyr Ferraz de Campos, aponta que até 1953 apenas alguns veículos vindos de outras cidades circulavam no município litorâneo. Foi nesse mesmo ano que surgiu o primeiro veículo caraguatatubense, que foi o "A Voz do Litoral", fundado por José Benedito Moreira e Luiz José Moreira. É importante ressaltar que a fundação do mesmo teve apoio de Irineu Meirelles e Altamir Tibiriçá Pimenta, que possuíam posições político- partidárias em Caraguá. Ambos atuaram como redatores do semanário. A redação do jornal estava localizada durante muitos anos na Rua Santa Cruz, no mesmo local onde funcionava a Tipografia Poloni que realizava os serviços de impressão do jornal. A catástrofe de 1967 foi responsável também pela redução na circulação de "A voz do Litoral", pois após esse período foi reduzido o número de matérias e anunciantes do jornal, fato que o levou a reduzir a circulação para quinzenal. No ano seguinte a situação foi regularizada e no final da década de 70, Altamir Tibiriçá Pimenta assumiu a direção do veículo de comunicação. O semanário prosseguiu suas atividades por vários anos, sendo extinto em 1988. Com 35 anos de 307 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais atuação, ele pode ser considerado o jornal de maior repercussão até agora na história local. De qualquer forma, tratava-se de um jornal com ligação política e que muitas vezes foi utilizado com esse fim. Muitas das iniciativas de criação de jornal no Litoral Norte duraram pouco tempo. Entre estes veículos que fizeram parte por pouco tempo na região, está Folha do Litoral, que circulava quinzenalmente no início da década de 60 e foi dirigido por Pedro Cruso e gerenciado por José Moraes. Anos mais tarde, outro jornal que circulou pouco tempo nos municípios litorâneos foi o 4 Instâncias, uma publicação do jornalista Sebastião Souza Lemos, de 1984. Em 1962 o Atlântico foi às mãos dos leitores da região. Já em 1977, apenas um veículo circulava em Ubatuba. Era o Maraberto, mensário editado por um grupo de jovens que procurou trazer de volta a imprensa local ao município. Ele citava essa questão no editorial do primeiro número, que apontava a volta do jornalismo local, após sete anos sem algo produzido em Ubatuba. Durante 20 anos um jornal local foi importante ferramenta de comunicação para a região, noticiando os principais fatos das quatro cidades do Litoral Norte. O "Impacto", que iniciou sua circulação em 1973, foi dirigido por Monteiro Junior. O mesmo adquiriu o semanário de José Carlos Barreto. O diretor do jornal já possuía experiência em jornalismo por ter atuado eu outros veículos na cidade de São Paulo e chegou a trabalhar em "O Litoral Norte", jornal que circulou por algum tempo na região. Numa entrevista sobre a aquisição do jornal e a ligação com o Litoral Norte, Monteiro Júnior declarou: "Descobri Caraguá, meu grande amor, e fiz Rádio Oceânica (Programa Monteiro Júnior), e depois veio o jornal 'O Litoral Norte' e, por fim, essa outra doença chamada 'Impacto', que adquiri numa brincadeira com seu ex-proprietário José Carlos Barreto, menos trouxa do que eu". Apesar de também adotar muitas vezes o cunho político, o "Impacto" teve um diferencial entre os demais jornais da região: começou a ser publicado numa escala invertida. Desse modo, quando as atividades foram iniciadas, ele tinha circulação diária. Porém, devido a muitas crises e mudanças, passou a circular semanalmente, depois quinzenalmente e enfim mensalmente, quando então deixou de ser publicado. A última publicação do periódico ocorreu em 1993, ano do falecimento do proprietário, Monteiro Junior. Aliás, este não foi o único exemplo de jornal fechado após o falecimento do diretor/proprietário. Outro caso semelhante ocorreu com "O Litoral Norte", fundado por Hugo José Apuléo e Germano Marcio de Miranda Schmidt, em 1974. Apuléo era jornalista e acumulava experiência em jornais paulistanos como "O Dia" e "Jornal de São Paulo". Por meio de sua experiência, o tablóide sobreviveu em meio a várias crises, sempre superando-as. 308 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Um ponto que o destaca das demais publicações da região era o fato de circular em outras regiões, entre elas, Jambeiro, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga, São José dos Campos e Taubaté. O jornal tinha bastante influência em São Sebastião e muitos apoiadores locais. Ainda circulou na região o "Jornal da Praia", que funcionava principalmente em períodos eleitorais. Era uma forma de colocar em questão a política local e até mesmo a propaganda eleitoral. O Imprensa Livre foi um dos únicos veículos que sobreviveu ao tempo. Para o jornalista Roberto Espínola, um dos motivadores dessa continuidade é o fato dos leitores da cidade serem "bairristas" e apoiarem as iniciativas locais. "O jornal conseguia ter assinantes regulares, anunciantes e outros recursos, o que o ajudou a se manter ao longo dos anos". O Expressão Caiçara era um apêndice do rádio e por esse motivo não era difícil mantê-lo, até mesmo financeiramente, pois a redação estava instalada na própria emissora. Os custos adicionais eram praticamente da impressão. "Tínhamos uma organização enxuta. As fotografias muitas vezes saiam na base de permuta e tínhamos um jornalista para escrever as notícias". Algo que contribuiu para a continuidade do jornal foi o fato da Prefeitura ter a obrigatoriedade de publicar seus atos oficiais. Foi nesse momento que o Expressão Caiçara lançou o suplemento oficial do municipio, que circula até os dias de hoje. O Diário do Litoral Norte surgiu... A iniciativa do Expressão Caiçara Roberto Espíndola, 75 anos, atualmente é o jornalista com mais tempo de profissão no Litoral Norte Paulista. Ele iniciou a carreira bem jovem, aos 15 anos e hoje acumula 60 anos de experiência em diversos meios de comunicação, como TV, Rádio e Impresso. Nascido no Rio de Janeiro, o jornalista conta que conheceu Caraguatatuba logo após a catástrofe de 1967, quando passou a freqüentar a região. Anos mais tarde, por ter adquirido uma emissora de rádio (Oceânica AM), passou a residir na cidade e atuar com comunicação. Ele conta que havia alguns jornais impressos que circulavam nas cidades do litoral paulista nessa época, porém, nenhum deles resistiu ao tempo e existe atualmente. Para Roberto Espindola não tem uma explicação simples para o fato, 309 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais mas algo que contribuiu foi a questão dos veículos estarem sempre aliados ao sistema político partidário. A comunicação no litoral era precária. Não chegava o sinal da televisão e até mesmo as rádios tinham dificuldade para a transmissão do sinal. Foi nesse ponto que o jornalista quis melhorar ao se empenhar na atuação da rádio Oceânica. Ele afirma que seu objetivo era ficar em Caraguatatuba apenas por um tempo até organizar a estação e retornar para São Paulo. O trabalho e os novos desafios não permitiram esse retorno e o jornalista acabou se fixando na cidade. No Litoral, Espíndola reencontrou um antigo amigo, o jornalista Lazaro Macedo, que o convidou para uma nova empreitada no ramo da comunicação: o lançamento de um jornal semanal no Litoral Norte Paulista. Ele aceitou o desafio e em 20 de abril de 1982 chegou ao público a primeira edição do jornal Expressão Caiçara, atualmente o mais antigo a circular na região. “Quando cheguei ao litoral os meios de comunicaç~o eram muito deficientes. Existiam alguns jornais semanais e vários veículos que chamávamos de “devezenquand|rio” (nome dado aos jornais que n~o possuíam uma data de circulação definida). Para ele, o jornal chegou também para cumprir uma função social, que era de ligar os diversos bairros da cidade. Segundo conta, os municípios eram distantes uns dos outros em Caraguatatuba e normalmente as pessoas viviam isoladas nesses grupos. "Começamos a realizar uma distribuição do jornal bairro a bairro, o que acabou aproximando as comunidades. Em seu inicio, o enfoque era outro. Dava-se mais atenção ao jornalismo investigativo e a isenção da notícia, o que segundo Espíndola, foi se perdendo no decorrer dos anos. O Expressão Caiçara era rodado a princípio em São Paulo e depois passou a ser impresso em São José dos Campos. O jornal chegou a ter edições próprias em São Sebastião e Ilhabela. Do mensal ao diário: o surgimento do Imprensa Livre, o único diário do Litoral Norte Criado na década de 80 pelo médico Lourival Costa Filho e o engenheiro Marjan Kozlowski, o jornal Imprensa Livre é o único diário na região que resistiu ao tempo e continua com sua circulação pelas quatro cidades do Litoral Norte. Os próprios fundadores talvez não esperassem esse resultado quando criaram o veículo de comunicação em 28 de outubro de 1986, na ocasião chamado de Chip News. A princípio, a iniciativa dos fundadores não era de fato o jornalismo em si, mas mostrar até que ponto o uso do computador poderia interferir na sociedade. 310 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Tratava-se de uma nova tecnologia que estava surgindo e evoluindo e os sócios tinham em mente fazer uma central de processamento de dados e repassar as informações para o publico local. Na época, o informativo era mensal. Ele foi criado em meio a mudanças politicas no cenário nacional, já que foi no ano de posse do primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar. O jornal ganhou espaço na comunidade pela forma com a qual tratava assuntos polêmicos e pela abertura que dava aos moradores de emitirem opinião. Em dois anos, o jornal se fortaleceu e deixou de ter sua distribuição gratuita, passando para a circulação semanal e ser vendido nas bancas da região. Um ano depois, em 25 de outubro de 1989, o nome é mudado para Imprensa Livre e a tiragem começa a ser diária. Um ponto importante nessa história é que o Imprensa Livre conta com o primeiro parque gráfico da região, uma vez que todos os jornais até então precisavam ser impressos em outras cidades. Esse fato é algo que acontece até os dias atuais (2010). Apenas o diário sebastianense possuiu a própria gráfica. Em 2000, Lourival Costa Filho deixou o jornal, que foi assumido pelo jornalista Henrique Veltman, que permaneceu a frente do veículo até 2006, quando uma nova equipe assumiu a empresa jornalística. Em questão de formato, o jornal sofreu várias mudanças ao longo dos anos. O Chip News, por exemplo, era publicado no formado tablóide. Quando foi adquirida a gráfica e o Imprensa Livre passou a circular, o formato do jornal era o standart, o que é mantido até hoje. A principio era rodado apenas em preto e branco, o que mudou em 2004, quando a capa e alguns suplementos passaram a ser coloridos e em 2006, quando todo o jornal ganhou cor. O veículo conta com anunciantes e as propagandas são feitas pela equipe de diagramadores ou pela própria empresa divulgadora. Os leitores também podem anunciar em compra/vende, banco de trabalhos, entre outros. O jornal conta com normalmente de 12 a 16 páginas, com editorial, charge, editorias de política, geral, esporte. Também há suplementos especiais e colunas sociais. É comum serem publicadas edições especiais em datas comemorativas, como o aniversário de uma das cidades da região, o que normalmente pode gerar mais recursos financeiros. As prefeituras municipais também estão entre os clientes do jornal, ao publicar atos oficiais, convites e até mesmo propagandas de campanhas realizadas nas cidades litorâneas. O poder público já foi um dos principais clientes do veículo, responsável por boa parte da receita, que era complementada pelas vendas de assinaturas e a compra em bancas. Em alguns casos, podemos perceber que a divulgação da publicidade pelo poder publico pode interferir na linha editorial adotada pelo Imprensa Livre, assim como em outros jornais do litoral. 311 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Apesar disso, por sua tiragem e tempo de mercado, é o jornal que mais contribuiu com o jornalismo factual e investigativo do Litoral Norte, incluindo notícias sobre atos ilícitos em Câmaras Municipais, falta de atendimento médico aos moradores locais, entre outros. Conclusão A imprensa no Litoral Norte possuiu algumas deficiências por não ter uma auto-suficiência e necessitar de recursos do Poder Público, por meio das propagandas e publicação de atos oficiais para poderem sobreviver. Além disso, atualmente é fácil ter um veículo de comunicação. Com R$ 500 uma pessoa consegue publicar um tablóide de quatro páginas e tiragem de dois mil exemplares. A partir desse pressuposto, a qualidade da informação cai e o foco dos produtores acaba sendo tão somente o lucro. São vendidas as propagandas e o espaço que sobra são inseridas as notícias, muitas vezes resultantes do processo de copiar e colocar os releases produzidos pelas assessorias de imprensa local. Ao longo do tempo muitos veículos não sobreviveram por questões ideológicas e até mesmo por não haver espaço para todos ganharem o lucro das mesmas fontes. É preciso inovar, buscar outras opções e criar uma cultura nova entre os leitores. Isso porque o que se vê na atualidade é uma carência de leitores mais críticos e dispostos a buscar de fato aquilo que querem ler. O publico leitor da região, em sua maioria, não tem esse hábito de comprar um jornal pelo conteúdo e acabam optando por ler o material de distribuição gratuita. O jornalista Roberto Espíndola acredita que pelo menos a curto e médio prazo não haverá um jornal com imparcialidade na região. Para ele, a imprensa retrocedeu ao longo do tempo no Litoral Norte. Ainda segundo o jornalista, a região atraiu por muito tempo aventureiros da comunicação, que vinham para a região ganhar dinheiro por um tempo e depois voltavam para as cidades de origem. Ele acredita que esse foi um dos fatores que criaram a descontinuidade dos jornais impressos e demais veículos de comunicação no litoral. 312 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais DUPLA REPÓRTER-FOTÓGRAFO NA REVISTA O CRUZEIRO E SUA INFLUÊNCIA NO JORNALISMO BRASILEIRO Gleissieli Souza OLIVEIRA Graduando em jornalismo Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP Introdução A história dos Diários Associados se confunde com a história da Imprensa no Brasil. Quando transformado em “condomínio”, no ano de 1959, distribuído entre 22 funcion|rios selecionados contava com : “ dezenas de jornais, as principais estações de Televisão, 28 estações de rádio, as duas mais importantes revistas para adultos do país, doze revistas infantis, agências de notícias, agências de propagandas, um castelo na Normandia, nove fazendas produtivas espalhadas por quatro estados brasileiros, indústrias químicas e laboratórios farmacêuticos” (MORAIS; 1994). Possuiu por 47 anos a mais importante revista ilustrada brasileira do século XX “O Cruzeiro”, que inovou em muitos aspectos a imprensa nacional. Desta maneira este estudo pretende responder a questão “Quais mudanças e inovações as duplas repórter-fotógrafo de O Cruzeiro proporcionaram a sociedade e imprensa brasileiras?”, buscando analisar o pioneirismo no jornalismo brasileiro da adoção da dupla repórter-fotógrafo adotado por O Cruzeiro, utilizando como objeto de estudo a mais famosa delas: Jean Manzon e David Nasser. O fotógrafo francês Jean Manzon, convidado pelo sobrinho do dono dos Associados para integrar a equipe da revista em 1943, foi quem introduziu “[...] no Brasil um hábito da imprensa de reportagem européia: a dobradinha repórter fotógrafo. Um só escreve, o outro só se preocupava em fotografar.” (MORAIS; 1994). Jornalista e compositor, David Nasser trabalhou também em O Globo e foi durante muito tempo companheiro de Manzon em O Cruzeiro, ganhando grande prestígio dentro e fora do país por suas grandes reportagens. A revista ilustrada semanal O Cruzeiro surgiu em novembro de 1928 com um projeto de “linha editorial dita como moderna” (SERPA; 2003), com o intuito de ser tornar uma revista de circulaç~o nacional. “Durante vinte anos a revista n~o trouxe lucros aos Di|rios Associados[...]” (CARNEIRO; 1999), o primeiro exemplar obteve uma tiragem de 50 mil exemplares. O cenário mudou á partir de 1943 com a produção das grandes reportagens pelas duplas repórter-fotógrafo, caracterizadas pela riqueza de imagens, o que fez com que a revista esgotasse nas bancas e aumentasse sua tiragem, chegando a incríveis 700 mil exemplares semanais na 313 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais década de 60, circulando por todo o país, inclusive no exterior fazendo sucesso em países da América Latina. A publicação foi a primeira a conceder créditos às fotografias publicadas, contando inclusive com um departamento e equipe de fotografia que continha profissionais além de Jean Manzon, Edgar Medina, Salomão Scliar, Lutero Avila, Peter Scheir, Flávio Damm, José Medeiros entre outros, encarregados de introduzir a linguagem fotográfica fotojornalismo ( Mauad; 2004). Com essa nova linguagem as fotografias ganharam um caráter didático na matéria criando uma correlação texto/imagem. Por meio de uma pesquisa qualitativa em livros, estudos científicos, e periódicos; esta pesquisa tem como objetivo analisar as grandes reportagens e seus reflexos na vida da sociedade, maneira como foram produzidas e as mudanças provocadas na imprensa brasileira, visto que, “Foi um dos periódicos que consolidou muitas práticas do jornalismo, como a grande reportagem e o fotojornalismo.” (SERPA; 2003), marcada por trazer inovações como a diagramaç~o mais atraente que priorizava a qualidade das fotos e “ [...]além de ditar modas, normas e até conceitos, num período em que o país cada vez mais se urbanizava e a sociedade passava por transformações[...] ” (SERPA; 2003). Jean Manzon foi fotógrafo da revista Paris-Matche do Paris Soir , e registrou a segunda guerra sendo membro do Serviço fotográfico e Cinematográfico da Marinha Francesa e do serviço cinematográfico de guerra inglês até 1942 quando veio ao Brasil.(Morais; 1994). No Brasil fez parte do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante o governo Vargas, até que, Frederico Chateuabriand o convidou para fazer parte da revista O Cruzeiro em 1943. Manzon propôs mudanças na parte gr|fica da revista “[...]para mudar seu aspecto de cat|logo[...]” (CARNEIRO;1999.P.336) e a parceria repórter-fotógrafo, baseado em sua experiência na imprensa francesa. Nasser e Manzon estrearam na revista em 1943. Entre 43 e 51 fizeram reportagens que fizeram história no jornalismo brasileiro, como a que mostra o deputado federal Barreto Pinto de fraque e cuecas, a da aldeia dos índio xavantes, ou ainda a que Chico Xavier foi fotografado dentro de uma banheira (CARVALHO; 2001). Embora tenham a veracidade de algumas delas contestadas, como aborda Luiz Marklouf Carvalho em seu livro “Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro”, a dupla se tornou uma marca registrada da revista e o slogan “Texto de David Nasser, Fotos Jean Manzon” era aguardado toda semana com ansiedade dos leitores (MORAIS; 1994). 314 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Método Tendo em vista analisar tais pressupostos, a pesquisa é baseada qualitativamente em obras liter|rias como o livro “Chatô, o Rei do Brasil: A vida de Assis Chateuabriand[...]“ (MORAIS; 1994), “Brasil, Primeiro: História dos Di|rios Associados” (CARNEIRO; 1999) , “Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro” (CARVALHO; 2001), “O Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro” (NETO; 1998), “Jornalismo de Revista” (Scalzo; 2003). Utilizando-se também estudos científicos como “ O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira” (BARBOSA; 2002 ), “ A Máscara da modernidade: A mulher na revista O Cruzeiro (1928-1945)” (SERPA; 2003), “ Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e á linguagem da fotografia na imprensa” (Sousa; 2002). Analisando as referentes reportagens no periódico em questão disponível em parte no “Aquivo do Estado de S~o Paulo” e no site “Memória Viva apresenta: O Cruzeiro”. Confrontando tais dados a pesquisa pretende analisar: - O processo de produção das grandes reportagens; - A importância das grandes reportagens e inovações gráficas de O Cruzeiro para o desenvolvimento da imprensa nacional; - O pioneirismo de O Cruzeiro; - O impacto social das grandes reportagens; - As mudanças proporcionadas por Manzon no periódico no âmbito do fotojornalismo; - A veracidade das reportagens da dupla tendo em vista as denúncias apontadas em “ Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro” (CARVALHO; 2001); - O papel das “duplas” e suas reportagens na consolidaç~o e sucesso de O Cruzeiro; - O destino da maior e mais importante dupla de O Cruzeiro ( Jean Mazon e David Nasser). 315 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Jean Manzon e David Nasser na revista O Cruzeiro no ano de 1943, e suas inovações no jornalismo brasileiro Criada no ano de 1928, a revista O Cruzeiro foi a mais importante revista do século XX. Foi uma publicação que deu grande espaço para a fotorreportagem, que ganhou uma importância que a fotografia não tinha até então na imprensa nacional. “A preponder}ncia da imagem sobre o texto demonstra que a fotorreportagem não é uma simples reportagem verbal ilustrada, mas, na verdade, uma reportagem visual auxiliada por texto.” (MUNTREAL&GRANDI;2005.p.49), as grandes reportagens amplamente ilustradas por fotografias se tornaram uma marca registrada da revista O Cruzeiro, j| em 1930, “A utilizaç~o de fotografias buscava a inovação com as primeiras fotos aéreas estampadas em folhas duplas.”(MUNTREAL&GRANDI;2005.p.62). As duplas repórter-fotógrafo “nasceram” após o francês Jean Manzon ingressar na revista, em 1943, e que segundo Luiz Marklouf, em seu livro Cobras Criadas (2001), o fotógrafo com sua experiência na imprensa européia, provocou mudanças expressivas no aspecto da revista “Quando cheguei em O Cruzeiro, a reportagem fotogr|fica no Brasil era inexistente. Havia um atraso muito grande, a paginação era confusa e [havia] sobretudo muito receio de mudar. Comecei com minhas matérias sem ninguém que escrevesse os textos, nem mesmo as legendas.”, diria ele mais tarde. (MARKLOUF, 2001,p.63) Após folhear algumas edições, declarou: “Isso n~o é uma revista, é um cat|logo, uma galeria de retratos de família, fixos posados, idênticos.”(MANZON, apud MARKLOUF, 2001). Em Cobras Criadas, Luiz Marklouf, afirma ainda, que as fotos de Manzon eram de um estilo até então nunca visto no Brasil. Dessa maneira, provocou uma reformulação estética em O Cruzeiro, mudando a relação texto imagem, e com fotografias de }ngulos diferentes, que “elaboram uma narrativa dos fatos, em que o texto escrito acompanharia como apoio.” (MUNTREAL&GRANDI,2005.p.75). O francês também, passou a fazer questão de assinar suas fotos, o que provocou “uma maior import}ncia do fotógrafo, que passaria a assumir suas fotos.”(MUNTREAL&GRANDI,2005.p.75). O jornalista David Nasser, antes de O Cruzeiro, trabalhou no Diário da Noite e em O Globo. Ficou conhecido como “o mais famosos jornalista dos anos 50.”(MARKLOUF,2001.p.19). Trabalhou na revista O Cruzeiro por trinta anos (1942 a 1974), fazendo dupla com Manzon nos primeiros nove anos (1943 a 1951), neste período a dupla produziu reportagens que entraram para a história do jornalismo brasileiro ( MARKLOUF,2001). 316 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A primeira reportagem de Jean Manzon na revista, obteve duas páginas, publicada em agosto de 1943, “Portinari Íntimo”. S~o onze fotografias, com texto de Franklin de Oliveira. O primeiro texto de David Nasser em O Cruzeiro, no entanto, saiu em 1935, “Laurence da Ar|bia”, como enviado especial. “Uma Festa de Arte” foi a primeira matéria dos dois como dupla, publicada em outubro de 1943. a matéria era sobre um evento promovido pela esposa do ministro da Viação, Mendonça Lima. Ganhando duas páginas e onze fotos (MARKLOUF,2001). A segunda matéria foi publicada em 23 de outubro do mesmo ano, com o nome de “O Destino de uma fazenda”, era uma propaganda da Escola de Pesca D. Darcy Vargas, matia pelo governo na Ilha dos Breves, próximo a Angra dos Reis. Na edição seguinte de 30 de outubro, Manzon aparece com três matérias. Uma assina sozinho (sobre um programa musical da rádio Tupi-SP), a outra com texto de Big Thomas (“Escola de Girls”), e a terceira com David Nasser, sobre os bastidores de uma peça de teatro, Madame Butterfly, encenada no Teatro Municipal. Na edição de 6 de novembro, assinam uma matéria comemorativa do aniversário de quinze anos da revista, “Sete dias em O Cruzeiro” (MARKLOUF,2001). “A primeira reportagem propriamente dita- é verdade que muito parecida com outra que Manzon havia feito para a revista Vu- foi publicada em 27 de novembro: ' Os loucos serão felizes?', uma visita de onze horas ao Hospital Nacional dos Alienados, na praia Vermelha.”(MARKLOUF,2001.p.89) Geralmente as matérias da dupla se iniciavam com “uma conversa com o leitor, em tom pessoal” (MARKLOUF,2001.p.89), antes do texto e em letra maior. “Os loucos ser~o felizes?” estabelece um novo padr~o gr|fico no mesmo estilo de Life e Match. Apresentado: “abertura de p|gina dupla; prioridade absoluta para a imagem, com foto sangrada na página ímpar; titulação de impacto no tamanho e no conteúdo, geralmente sensacionalista. Os chamados 'boxes'- textos de apoio a matéria principal- aparecem pela primeira vez. Subtítulos e linhas finas completam as novidades.” (MARKLOUF,2001.p.90) Essas inovações marcaram as fotorreportagens nas décadas seguintes, com valorização da fotografia, temáticas variadas, e e apresentação gráfica diferenciada com fotos de diferentes tamanhos. Nessa matéria é retratado a vida de doentes mentais dentro do hospício, onde encontram “histórias pessoais dram|ticas” (MARKLOUF,2001.p.81), e “as fotografias de Jean Manzon, que se esmerou mais do que nunca nas imagens, eram tão impressionantes que poderiam ser comparadas aos quadros de Goya, em sua imortal Série negra.”(NETTO,1998.p.114). Mesmo com todas as inovações e propriedades desta matéria, a mesma não consolida a dupla, o que só ocorreria em 1944, quando foi publicada a matéria sobre a “morte” de Manzon ( na verdade uma mentira, que resultaria na matéria “ficcionista” “A Vida dos Mortos”), desde então eles publicavam de duas a três matérias por semana em O Cruzeiro (MARKLOUF,2001). O primeiro “furo” de 317 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais reportagem, e uma das mais contestadas matérias da dupla foi “Enfrentando os Chavantes” (no original com “ch”), em que fotos de uma aldeia xavante desconhecida do homem branco foram tiradas de dentro de um helicóptero. A matéria teve repercussão internacional, tendo fotos publicadas em veículos estrangeiros como a Life. Considerada até os dias atuais como um marco na consolidação das grandes reportagens, “ocupando a capa e 18 p|ginas inteiras com 26 fotos da tribo” (MUNTREAL&GRANDI,2005.p.75), as dúvidas em relaç~o a matéria consistem quanto a veracidade das fotografias, possíveis fotomontagens da dupla. Jean Manzon e David Nasser formaram uma dupla de grande fama, em O Cruzeiro, fazendo parte do chamado “esquadr~o de ouro” da revista, “cuja filosofia podia ser resumida na seguinte frase: a verdade fica mais verdadeira quando exposta com uma razo|vel dose de fantasia.”(NETTO,1998.p.108). Em O Império de Papel: Os Bastidores de O Cruzeiro (1998), Accioly Netto, afirma que Nasser e Manzon pareciam ter um estranho poder sobre os personagens das histórias que contavam, “como se os hipnotizassem.” (NETTO,1998.p.115). O autor também relata um episódio em que questiona o fotógrafo sobre esse “poder” que exerciam sobre os personagens de suas matérias: “Perguntei certa vez a Jean Manzon como ele conseguia fazer fotografias tão incríveis. E ele respondeu: - A objetiva da máquina tem um efeito hipnótico sobre as pessoas. Diante dela geralmente elas fazem qualquer coisa que lhes é pedida. Nunca se lembram de que por trás da lente existe um filme, que vai eternizar aquele instante, seja ele qual for.” (NETTO,1998.p.116) Foi em O Cruzeiro, que os repórteres ganharam status de heróis, alcançando condições de estrelas, “enobrecendo a classe e provocando uma verdadeira revoluç~o no jornalismo nacional.”(NETTO,1998.p.106). E a partir da atuação pioneira da revista, e do número crescente de novas publicações que surgiam estabeleceu-se um mercado de trabalho em expansão para o fotógrafo de imprensa.” (COSTA&SILVA, 2004). Referências Bibliográficas BARBOSA, Marialva; O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira. 2002. (Professora Titular da Universidade Federal Fluminense/ Pós doutorado em Comunicação pelo CRNS/LAIOS). Disponível em: <http://www.uff.br/mestcii/marial6.htm> Acesso em : 22 de out. 2009. CARNEIRO, Glauco; Brasil, Primeiro: História dos Diários Associados. Brasília: Fundação Assis Chateuabriand, 1999. 318 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais CARVALHO, Luis Maklouf; Cobras Criadas: Davis Nasser e O Cruzeiro. 2.ed. São Paulo: Editora SENAC, 2001. COSTA, Helouise & SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004. MAUAD, Ana Maria; Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas, na primeira metade do século XX. 2004. Artigo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.phppid=S010147142005000100005&script=sci_artte xt&tlng=en> Acesso em: 24 de out. 2009 MORAIS, Fernando; Chatô: o Rei do Brasil, a vida de Assis Chateuabriand. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras , 1994. MUNTREAL, Oswaldo & GRANDI, Larissa. A Imprensa na História do Brasil: Fotojornalismo no século XX. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Desiderati, 2005 NETTO, Accioly ; O Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro. Porto alegre: Editora. Sulina, 1998. O CRUZEIRO, Memória Viva apresenta:. Disponível em < http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/> Acesso em: 19 de out. 2009 : SCALZO, Marília; Jornalismo de Revista .3ed. São Paulo: Contexto, 2006; (Coleção Comunicação). SERPA, Leoní; A Máscara da modernidade: A mulher na revista O Cruzeiro (19281945).2003. Artigo ( Mestre em História e Jornalista ). Disponível em:<http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos7_b.htm> Acesso em: 19 de out. 2009 SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: Uma introdução á história, ás técnicas e á linguagem da fotografia na imprensa. 2002. Disponível em: < http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo.pdf > Acesso em: 23 de out. 2009 319 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A TIPOGRAFIA E SEU IMPACTO NA MODERNIDADE135 Julio Cesar Lemes de CASTRO Doutor em Comunicação e Semiótica, PUC-SP 1. Quebra de hierarquias e dissolução de certezas Para o historiador francês Fernand Braudel, a modernidade inicia-se em algum momento entre 1400 e 1800. Essa época corresponde grosso modo àquela que vai de Gutenberg a Diderot, e que baliza a revolução gradual trazida pela tipografia – uma espécie de "longa revolução", para usar a expressão de Raymond Williams (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 32). Numa periodização tendo como base a mídia, poderíamos dizer que a era da tipografia corresponde à primeira modernidade, enquanto a da fotografia, do cinema, do rádio e da televisão corresponde à segunda modernidade, e a do computador e da Internet corresponde à terceira modernidade. Na Idade Média predomina uma visão hierárquica do mundo, apoiada essencialmente na distinção entre o alto e o baixo, o superior e o inferior. Isso está claro, por exemplo, na obra de Dante, em que todo movimento ocorre na vertical, sob a forma de ascensão ou queda. No Renascimento, mostra Bakhtin (1987), essa visão rígida desintegra-se. O vertical é substituído pelo horizontal: o movimento já não é ascendente ou descendente, mas para a frente, na linha do tempo, do devir histórico. A associação de fenômenos aparentemente disparatados entre si, seja sob a forma das similitudes características da magia, seja pela subsunção deles a leis científicas mais gerais, serve para fraturar a hierarquia do cosmo medieval. Em Rabelais, figura emblemática da cultura renascentista, permutam-se continuamente as posições, segundo o procedimento da “hierarquia {s avessas”, tomada ao folclore tradicional. O conceito de microcosmo, como categoria de pensamento, garante a aplicação do jogo de semelhanças da escala menor para a maior e viceversa; como configuração geral da natureza, impõe um limite concreto a esse jogo, indicando que “existe uma criatura privilegiada que reproduz, nas suas dimensões restritas, a ordem imensa do céu, dos astros, das montanhas, dos rios e das tempestades” (FOUCAULT, 1985, p. 47). Assim, o centro cósmico desloca-se para a superfície terrena e para o corpo humano: o paralelismo entre o microcosmo do corpo e o macrocosmo do universo permite que o sujeito perceba em si mesmo a matéria do mundo e suas manifestações. No pensamento humanista do século XVI, representado por nomes como Erasmo, Maquiavel, Bacon, La Boétie e Montaigne, o homem torna-se a medida de todas as coisas. Outra característica da visão de mundo pré-moderna é a recusa do acaso, do acidental, do desconhecido, do inexplicado – aquilo que corresponde ao real de Lacan, que resiste e escapa à simbolização. Eliade (1985) mostra que, nas sociedades tradicionais, qualquer evento casual e inesperado desperta temor e é 135 Trabalho apresentado ao GT História da Mídia Impressa, I Congresso de História da Mídia do Sudeste, dias 29 e 30 de abril de 2010. 320 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais imediatamente incorporado às construções míticas e religiosas sobre as quais elas se apoiam. Na modernidade, a incerteza passa a ser cortejada diretamente, e seus limites são empurrados e redefinidos continuamente. As grandes navegações e os descobrimentos desmistificam a ideia de um mundo habitado em suas bordas por seres monstruosos, tal como o haviam concebido Aristóteles, Estrabão e pensadores medievais (SÁBATO, 1985, p. 30). Em Rabelais e no Renascimento em geral, o medo do inferno e da morte é conjurado frontalmente pelo riso, pelo carnavalesco, pela ideia de alternância e renovação (BAKHTIN, 1987, p. 346-347,357359,382) – ou seja, o aspecto cíclico da cultura popular é redimensionado nos termos novéis de uma espiral histórica. Não por acaso, a primeira menção que Lacan faz nos semin|rios { ideia de que “n~o h| Outro do Outro” – noutras palavras, de que há no simbólico um vazio, um limite no qual ele faz fronteira com o desconhecido, um vórtice no qual ele mergulha no real – comparece no curso de uma discussão sobre Hamlet (LACAN, 1986, p. 41). Essa peça de Shakespeare foi escrita em 1601, nos primórdios da modernidade, e é justamente nessa época que o real granjeia um espaço institucionalizado na cultura humana. A tipografia contribui de maneira decisiva para estilhaçar a hierarquização medieval do conhecimento e, por tabela, do próprio mundo. Na Idade Média, os códices (manuscritos em folhas de pergaminho encadernadas, que antecipam os livros impressos em papel) são armazenados e copiados principalmente nos monastérios. Predomina neles, evidentemente, a temática religiosa cristã. Com a invenção da prensa de tipos móveis por Gutenberg, o controle sobre a reprodução de livros migra para o mercado. Doravante, é a demanda que decide os títulos a ser publicados e as próprias características físicas do material impresso. A difusão de autores clássicos e contemporâneos, no bojo da cultura humanista, mina a autoridade e desestabiliza o conhecimento. A rede inesgotável de semelhanças que caracteriza o mundo para o homem renascentista ancora-se em última instância na linguagem, sobretudo na linguagem escrita impressa: “Um tal entrelaçamento da linguagem com as coisas, num espaço que lhes seria comum, supõe um privilégio absoluto da escrita. Esse privilégio dominou todo o Renascimento e, sem dúvida, foi um dos grandes acontecimentos da cultura ocidental” (FOUCAULT, 1985, p. 54). A obra de Rabelais, por exemplo, apoia-se numa vasta cultura enciclopédica, suplementada pela exuberância lexical e pela carnavalização dos números (BAKHTIN, 1987, p. 400-410). A diversidade de conteúdos impressos propicia a comparação e o confronto de ideias, muitas vezes opostas e incompatíveis entre si, favorecendo a dúvida e o ceticismo. Entre os 271 livros que se sabe que foram utilizados por Montaigne, encontram-se não raro obras que sustentam pontos de vista contrários sobre um mesmo assunto. Se o tema do Novo Mundo, por si só, já implica um contraponto fascinante à experiência do mundo de um europeu, tal contraponto é reduplicado por intermédio dos prismas distintos sob os quais ele aparece na biblioteca de Montaigne: um espanhol e um antiespanhol escrevendo sobre a Espanha colonialista, um católico e um protestante escrevendo sobre o Brasil 321 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais (BURKE, 2003, p. 171,179). O efeito de relativismo cultural que se obtém rastreando as diferenças de opinião através das fronteiras nacionais manifesta-se em Montaigne (1972, p. 272) quando ele indaga: "Que verdade será essa que é uma aquém e outra além das montanhas?". Em Pascal (1912, p. 465), aparece condensado na fórmula "verdade aquém dos Pirineus, erro além". No final do século XVII e início do século XVIII, o adjetivo “crítico”, indicando uma visada alternativa à doxa, passa a gozar de grande prestígio, figurando em títulos publicados em vários campos (BURKE, 2003, p. 179). A subversão de hierarquias culmina na Enciclopédia ou Dicionário lógico das ciências, artes e ofícios, dirigida por Diderot e d’Alembert no século XVIII. Trata-se de um ambicioso projeto de mapeamento do conhecimento humano – o termo “encyclopédie”, esclarece Diderot, em sua origem grega remete ao círculo, e deve ser tomado no sentido de “encadeamento das ciências” (apud DARNTON, 1988, p. 251). A Enciclopédia faz tábua rasa das distinções entre temas com foro maior ou menor de nobreza, mesclando, ao capricho da ordem alfabética, abstratas questões metafísicas e prosaicas descrições de ofícios. Ademais, associações transversais por via de remissões engendram aproximações inusitadas: a nota ao pé do verbete “antropofagia” sugere: “Ver eucaristia, comunh~o, altar etc.” A par da subvers~o hierárquica, outra diferença em relação à postura pré-moderna é que o desconhecido não é evitado, mas buscado continuamente para ser reintegrado, por meio de dispositivos de domesticação mais eficientes ainda que os introduzidos no Renascimento: “O que impressiona em toda a Enciclopédia (e singularmente em suas imagens) é a circunstância de que ela nos propõe um mundo isento de medo” (BARTHES, 1986, p. 31-32, destaque do autor). Isso vale não apenas para a natureza mais selvagem, mas igualmente para o mundo artificial que resulta da técnica humana: “O que mais impressiona na m|quina enciclopédica é a ausência de mistério; não existe nela nenhum ponto oculto (mola ou cofre) que esconda magicamente a energia como acontece com as nossas m|quinas modernas” (ibid., p., 29). 2. Dominância do saber impresso Na medida em que o mundo impresso se expande, ele passa de certa forma a recobrir o mundo concreto. Na aurora da ciência moderna, Galileu afirma: A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto (GALILEI, 1996, p. 46). Essa metáfora do mundo como um livro a ser decifrado atravessa toda a modernidade, inclusive em sua vertente romântica. Ela está presente por exemplo em Goethe (1999, p. 234): “A natureza é, de fato, o único livro a oferecer um 322 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais grandioso conteúdo em todas as suas folhas”. Também aparece em Whitman (1982, p. 643): “Em cada objeto, montanha, |rvore e estrela – em cada nascimento e vida, / Como parte de cada – evolvida de cada – sentido, atrás da aparência, / Uma cifra mística espera envelopada”. A relação com a palavra impressa influencia também a relação com as imagens fabricadas pelo homem. Como nota McLuhan (1977, p. 64-66), a alfabetização é essencial para poder ver três dimensões num suporte bidimensional, conforme o esquema da perspectiva renascentista. Diante de um texto escrito, os olhos não se detêm nas letras uma a uma, mas abrangem grupos de letras em cada movimento. Isso é ainda mais verdadeiro no caso do texto impresso, cuja leitura é mais fluida que o dos manuscritos medievais, por conta da padronização e simplificação dos tipos e da incorporação de alguns procedimentos introduzidos no período final da Idade Média – espaços separando as palavras, sinais de pontuação, uso diferenciado de maiúsculas (para nomes próprios e início de frases) e minúsculas. Os olhos treinados na leitura ganham a habilidade de focalizar um pouco à frente da imagem em perspectiva, de modo a poder captá-la por inteiro, num único golpe de vista. E, como se sabe, o esquema da perspectiva renascentista, além de ter dominado durante séculos a pintura ocidental, está introjetado ainda nos dispositivos mecânicos da fotografia e do cinema. Personagem paradigmático de uma época em que a relação do homem com o mundo a sua volta é mediada cada vez mais pelas palavras impressas, o Dom Quixote de Cervantes é t~o apegado { leitura que costuma “ler até os papéis amarrotados das ruas” (CERVANTES, 2004, p. 85) – uma compulsão curiosamente compartilhada mais tarde por James Joyce na vida real. O próprio corpo de Dom Quixote, observa Foucault (1985, p. 61), é semelhante a um signo: “Longo grafismo magro como uma letra, acaba de escapar diretamente da fresta dos livros. Seu ser inteiro é só linguagem, texto, folhas impressas, história j| transcrita”. Contemporâneo de Cervantes, Shakespeare também confere a Hamlet um certo aspecto livresco. Mallarmé (1945, p. 1564) caracteriza o príncipe dinamarquês como um “Signo alto e vivo”. Lacan, que considera Hamlet o herói moderno por excelência (LACAN, 1986, p. 61), lembra (como Freud o fizera antes dele) que, “para Goethe, Hamlet é a aç~o paralisada pelo pensamento” (ibid., p. 15). Uma forma utilizada pela peça para caracterizar essa primazia do pensamento em Hamlet é justamente mostrá-lo lendo. E, quando perguntado por Polônio sobre o que lia, ele responde simplesmente: “Palavras, palavras, palavras” (SHAKESPEARE, 1995, p. 558). Essa frase ilustra a saturação do mundo moderno pelo texto impresso e a autonomia que este adquire – como mostra Foucault, no século XVII as palavras já não remetem diretamente ao mundo, mas a outras palavras. Em A náusea, de Sartre (1954, p. 86), o protagonista e narrador Antoine Roquentin afirma que "tudo que eu sei de minha vida, parece-me que aprendi nos livros". E o depoimento de Sartre em suas memórias mostra bem o papel de filtro entre o homem e o mundo exercido pelos livros. Confrontando a fauna e a flora que 323 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais conheceu através das páginas da Enciclopédia Larousse com as da realidade, ele afirma que fora dos muros eram encontrados vagos esboços que se aproximavam mais ou menos dos arquétipos sem atingir a sua perfeiç~o: no Jardin d’Acclimatation, os macacos eram menos macacos; no Jardin du Luxembourg, os homens eram menos homens. Platônico por condição, eu ia do saber ao seu objeto; achava na ideia mais realidade que na coisa. Foi nos livros que encontrei o universo: assimilado, classificado, rotulado, pensado e ainda temível; confundi a desordem de minhas experiências livrescas com o curso aventuroso dos acontecimentos reais (SARTRE, 1984, p. 38). Isso lembra uma anedota contada por Adorno (1982, p. 100), sobre um ordenança que, enviado ao jardim zoológico para resolver um assunto, ao regressar diz: “Meu tenente, animais como aqueles n~o existem”. O que aparece aqui, associado ao material impresso, é um efeito de simulacro, que antecipa de certa forma aquele hoje associado comumente às imagens eletrônicas. A tipografia facilita a padronização do conhecimento, possibilitando que os mesmos textos e as mesmas imagens sejam examinados por leitores em lugares completamente diferentes. Ela favorece igualmente a interação entre diferentes áreas do conhecimento. Além do mais, a preservação do conhecimento através do texto impresso é muito mais eficiente que qualquer outro método utilizado anteriormente, possibilitando a acumulação de conhecimento numa escala até então inédita. Um exemplo de todos esses efeitos é o surgimento das obras de referência – dicionários, enciclopédias, atlas, bibliografias e outras formas de fornecer orientação em meio ao oceano de informações – e sua rápida proliferação, particularmente nos séculos XVII e XVIII (BURKE, 2003, p. 153-156). A complexidade crescente do conhecimento compilado nessas obras, por sua vez, leva à adoção progressiva da organização por ordem alfabética, em lugar da tradicional organização por árvores temáticas (ibid., p. 165-167). Para Briggs e Burke (2004, p. 43), pode-se dizer que, a partir do século XVIII, se não antes, a disseminação dos registros escritos e a grande dependência do processamento da informação prefiguram a chamada "sociedade da informação" do final do século XX. 3. Tipografia e noção de progresso Outro aspecto da tipografia que tem um impacto decisivo na modernidade é sua contribuição para a mudança da relação humana com o tempo. Para Goody (apud BRIGGS; BURKE, 2004, p. 24), a cultura oral é caracterizada por uma "amnésia estrutural", ou seja, o esquecimento puro e simples do passado ou a lembrança dele sob uma forma que é igual ao presente, ao passo que a permanência dos registros escritos impede esse esquecimento e incita a uma consciência da diferença entre presente e passado. Na mesma linha, Descola (2006, p. 95) chama a atenção para o sentido precário do tempo numa sociedade sem escrita: 324 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Esses povos da solidão, como Chateaubriand os chamava, têm uma existência social limitada a um número mínimo de acontecimentos que se dão em um círculo estreito de relações; o passado raramente remonta além das lembranças de infância e se abole rapidamente no universo, bem próximo, da mitologia. Poucos Achuar sabem o nome dos seus bisavós e a memória da tribo, que se estende no máximo a quatro gerações, soçobra periodicamente na confusão e no esquecimento. As inimizades e alianças que os homens herdam de seus pais obliteram as configurações mais antigas, estabelecidas pelos pais dos seus pais, já que nenhum memorialista se detém para celebrar os altos feitos realizados, algumas décadas atrás, por aqueles cujo nome já não representa mais nada para ninguém. Ora, embora a escrita seja uma invenção antiga, é apenas com a tipografia que a cultura humana deixa de ser predominantemente oral. Isso ajuda a entender porque as sociedades modernas, diferentemente das sociedades tradicionais, se estruturam em torno da noção de progresso. 4. Tipografia e individualismo moderno A tipografia está relacionada ainda ao desenvolvimento do individualismo moderno. Se antes da modernidade as obras literárias costumavam ser feitas sob encomenda, a partir dos séculos XVI e XVII, com o desenvolvimento do mercado livreiro, os escritores passam a produzir primeiro para depois comercializar suas criações (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 46). A dinâmica mercantil impulsiona a noção de autoria individual, utilizada como chamariz para as vendas e promovida adicionalmente por recursos como a inclusão de um retrato do autor no frontispício da obra (ibid., p. 64). Por outro lado, uma mudança importante é operada nos hábitos de leitura. Entre os antigos e medievos, era regra soletrar o texto em voz alta. Escrevendo no século II, Luciano de Samósata conta que certa vez o cínico Demétrio, abespinhado com um homem que lia As bacantes, de Eurípides, arrancoulhe a obra e fê-la em pedaços, exclamando: “Mais vale para Penteu ser de uma vez por todas rasgado por minhas m~os do que mil por sua boca!” (SAMOSATE, 1912, p. 279). Dois séculos depois, Agostinho, nas Confissões, mostra-se impressionado pelo costume, então raro, de Ambrósio, que não fazia qualquer ruído ao ler: Quando lia, os olhos divagavam pelas páginas e o coração penetrava-lhes o sentido, enquanto a voz e a língua descansavam. Nas muitas vezes em que me achei presente – porque a ninguém era proibida a entrada, nem havia o costume de lhe anunciarem quem vinha –, sempre o via ler em silêncio e nunca doutro modo (AGOSTINHO, 1973, p. 111). A pausa e a entonação acrescentadas pela fala ajudavam a conferir sentido aos textos. Por conta da leitura de viva voz, os monastérios medievais, nos quais a maioria das atividades era comunitária, reservavam cubículos especiais para a leitura, de forma que cada um não atrapalhasse os demais. Mas em certos contextos era comum também a leitura em grupo, em função por exemplo da dificuldade de acesso aos manuscritos e do analfabetismo. Em contrapartida, a facilidade maior de leitura trazida pela tipografia, por razões aduzidas anteriormente, e mesmo a evolução do formato dos livros, que se tornam menores, mais portáteis, estimulam a leitura privada, usualmente associada ao crescimento 325 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais do individualismo. Adicionalmente, a multiplicação dos livros e a alfabetização crescente da população fazem declinar a leitura coletiva. Entre o autor individualizado e o leitor privado é estabelecida uma cumplicidade: o primeiro dirige-se sem rodeios ao segundo, como se estivessem num diálogo. No Discurso do método, Descartes (1973, 39) argumenta que "a leitura de todos os bons livros é qual uma conversação com as pessoas mais qualificadas dos séculos passados, que foram seus autores, e até uma conversação premeditada, na qual eles nos revelam tão-somente os melhores de seus pensamentos". Em A vida e as opiniões de Tristram Shandy, cavalheiro, Laurence Sterne (1985, p. 127), que influencia mais tarde Machado de Assis, declara que "a escrita (...) é apenas um nome diferente para a conversa". 5. Tipografia e ascensão do capitalismo No plano econômico, a tipografia é desde o início um empreendimento tipicamente capitalista: “Os livros tornaram-se artigos massificados, cada exemplar era um mercadoria, um artigo comercial, uma unidade intercambiável de riqueza econômica como qualquer outro produto b|sico de consumo” (FISCHER, 2006, p. 200). Em relação aos processos produtivos, no início da modernidade muitos saberes práticos começam a ser descritos em livros (BURKE, 2003, p. 22-24), o que contribui para a quebra dos segredos técnicos antes monopolizados pelas guildas de artesãos (ibid., p. 80) – e portanto para a crise do regime das corporações medievais. Mas é no âmbito do consumo que a influência da tipografia é mais nítida, com o surgimento por exemplo dos guias de cidades, do cartaz, de publicações tipo páginas amarelas (ibid., p. 70-72), dos anúncios em jornais (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 64; BURKE, 2003, p. 146). Campbell (1989, p. 69-95) mostra que o hedonismo moderno difere do hedonismo tradicional antes de mais nada porque nele a emoção se torna mais importante que a sensação. A emoção une imagens mentais aos estímulos físicos, ensejando o controle do prazer. Mas para tanto é necessária uma mudança na própria natureza da emoção. Na Idade Média, a emoção estava nas coisas, não nas pessoas – no sentido de que ainda hoje se fala por exemplo em ocasiões alegres ou tristes. Na era moderna, a sede da emoção desloca-se do mundo externo para o indivíduo. A emoção torna-se controlável pelo indivíduo, ajustável em intensidade, dissociada de comportamentos involuntários. A alfabetização e o individualismo moderno permitem a manipulação simbólica das emoções. O desencantamento do mundo que marca o início da modernidade é acompanhado pelo encantamento do indivíduo; a imaginação – que implica um certo distanciamento da realidade, um componente de ilusão – amplia o alcance da emoção. Diferentemente do hedonista tradicional, que desejava algo que ele já conhecia, o desejo do hedonista moderno está acoplado ao sonhar acordado, que por si só é uma fonte de prazer. Quando o desejo é consumado, o prazer é perdido: como diz Proust (1979, p. 179), "o desejo faz todas as coisas florescerem, a posse as faz murchar". A insatisfação resultante engendra então um novo desejo, e assim sucessivamente. Isso propele a mudança contínua de gostos e de padrões estéticos. 326 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Em última instância, portanto, cabe à administração da imaginação o papel fundamental no mundo do consumo. Os romances, que atingem principalmente o público feminino (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 70-72; MANGUEL, 1997, p. 258), desempenham um papel importante na revolução do consumo do século XVIII, tanto em termos mais gerais, promovendo o mundo da fantasia, como em termos mais específicos, permitindo aos leitores o gozo imaginário de certos bens e estimulando sua aquisição (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 64). 6. Tipografia e Reforma Protestante No plano religioso, a tipografia concorre de forma decisiva para a Reforma Protestante, que mina o poder centralizado da Igreja Católica. Em O Corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo, cuja ação se passa no século XV, o arcediago, soturno, observa, apontando para um incunábulo e em seguida para a catedral: “Infelizmente, isto matar| aquilo” (HUGO, 1985, p. 159). O narrador ent~o intervém para, num estilo grandiloquente, explicitar sua fala: Era primeiro um pensamento de padre. Era o receio do sacerdócio em frente dum agente novo, a imprensa. Era o espanto e o deslumbramento do homem do santuário em frente do prelo luminoso de Gutenberg. Era o púlpito e o manuscrito, a palavra falada e a palavra escrita, assustando-se com a palavra impressa; alguma coisa semelhante ao pasmo dum pardal que visse o anjo Legião abrir os seus seis milhões de asas. Era o grito do profeta que ouve já sussurrar e formigar a humanidade emancipada, que vê no futuro a inteligência minar a fé, a opinião destronar a crença, o mundo sacudir Roma. Prognóstico do filósofo que vê o pensamento humano, volatizado pela imprensa, evaporar-se do recipiente teocrático. Terror do soldado que examina o aríete de bronze e diz: – A torre há de cair. Isso significava que uma potência ia suceder a uma outra potência. Isso queria dizer: – A imprensa matará a igreja (ibid., p. 160). Mais adiante, ele argumenta: “Antes da imprensa, a reforma era apenas um cisma, a imprensa tornou-a revolução. Retirem a imprensa, a heresia enerva-se. Seja fatal ou providencial, Gutenberg é o precursor de Lutero” (ibid., p. 168). De fato, enquanto as heresias medievais tinham permanecido localizadas e foram esmagadas, os reformadores valem-se com êxito do meio impresso para propagar suas ideias. As 95 teses de Lutero contra o tráfico de indulgências, cuja publicação é o estopim da Reforma, em 1517, são traduzidas para o alemão, condensadas e impressas na forma de cartazes, e em quinze dias se difundem por toda a Alemanha. Em sua prática, o protestantismo preocupa-se em tornar público o conhecimento, formando um clero culto para pregar o Evangelho e promovendo a leitura individual da Bíblia. Para essa última tarefa, Lutero contribui diretamente ao traduzir a Bíblia para o alemão. Sua tradução não é pioneira, mas destaca-se pela excelência, sendo considerada por ninguém menos que Nietzsche (1996, p. 157), um crítico sem dúvida qualificado (em sua condição de filólogo e de grande escritor ele próprio) e insuspeito (em sua condição de adversário do cristianismo), como “a obra-prima da prosa alem~”. Ademais, a Bíblia de Lutero é um sucesso comercial. 327 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Estima-se que mais de um terço dos livros em alemão vendidos entre 1518 e 1525 são de Lutero (FEBVRE; MARTIN, 1971, p. 406), que enriquece seus impressores. O uso de idiomas vernáculos, numa época em que o catolicismo ainda se aferra ao latim, confere uma vantagem decisiva aos reformadores. E os debates gerados pela Reforma e alimentados através de materiais impressos dão uma contribuição importante para a emergência do pensamento crítico e da opinião pública; nos séculos XVI e XVII h| uma verdadeira “crise intelectual da Reforma” (BURKE, 2003, p. 177,181). Nada ilustra com maior propriedade a atitude defensiva do Vaticano em relação à tipografia do que a instituição, em 1559, do Index Librorum Prohibitorum, publicado até 1966. 6. Tipografia e democracias nacionais No plano político, a tipografia contribui para a construção das nações modernas, que funcionam como “comunidades imaginadas” (ANDERSON, 1991), em que um povo num determinado território compartilha uma língua e uma cultura comuns, veiculadas por materiais impressos. Paralelamente, a tipografia colabora para a ascensão do modelo da moderna democracia burguesa, que substitui o absolutismo. Antes da tomada do poder político, a burguesia elabora, fortalece e difunde sua ideologia através dos livros e jornais. Tendo surgido na Alemanha, é na Holanda que os jornais primeiro se tornam populares, no século XVII (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 95). Sua influência é fundamental para a consolidação da chamada esfera pública (conceito introduzido por Habermas), como ocorre por exemplo na Inglaterra do século XVII (ibid., p. 102). A esfera pública vive seu apogeu no século XVIII, quando o público reunido nos cafés se envolve em acaloradas discussões alimentadas pelo noticiário dos jornais (BURKE, 2003, p. 50-51). Um dado que ilustra o alcance político da tipografia é o fato de que “as grandes revoluções parecem ter eclodido, tanto na Inglaterra do século XVII como na França no fim do século XVIII e na Rússia do início do século XX, no momento em que o índice de alfabetização de cada povo atingiu ou ultrapassou os 50%” (MARTIN, 1988, p. 369). Na fórmula de Lenin, “n~o existe política para quem n~o sabe ler” (apud FISCHER, 2006, p. 271). Referências Bibliográficas ADORNO, T. W. Teoria estética. 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O DESIGN GRÁFICO BRASILEIRO REVELADO NO CRIVO DO TEMPO Isabel Orestes SILVEIRA Mestre em Artes Visuais (Unesp-SP) – Doutoranda em Comunicação e Semiótica (PUC/SP) Prof. da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Fapcom (Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação) Antonio ANDRADE Universidade Metodista de São Paulo Introdução Entendemos que nossa contribuição presta-se a uma exposição mais livre e menos comprometida com a seqüência rígida da história do design gráfico brasileiro, pois não nos será possível neste artigo, que nasce a partir de uma 330 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais reflexão mais ampla sobre o design gráfico, por ocasião do doutoramento, analisar as fases que vão da imprensa artesanal à imprensa industrial. Esta última é relativamente recente, mas ao mesmo tempo para nós torna-se tarefa extensa detalhar períodos que datam deste o Império a República até a fase atual. A arte gráfica apresentou através do tempo, diferentes estágios que vão desde a circulação do jornal, almanaque, panfletos, revistas, cartazes, etc. utilizando diferentes técnicas como a impressão em litografia, em xilogravura até as máquinas e prensas que inicialmente eram de madeira e foram ganhando status de rotativas. Posteriormente com o avanço tecnológico, outras tantas, foram elaboradas para duplicação digital feitas especialmente para grandes tiragens. Por isso, dificilmente todos esses temas caberiam numa síntese como essa que propomos. Nossa intenção se limita, a evidenciar, alguns projetos gráficos nacionais que consideramos pertinentes para nossa abordagem os quais cortejam com o nosso campo de interesse. 1.1 Diferentes olhares para o passado Mesmo antes de haver essa nomenclatura: “design gr|fico”, nas publicações impressas brasileiras, já havia textos, imagem, técnicas variadas de ilustrações além de diversas tipografias. Ao voltarmos nossos olhos para as diretrizes conceituais de alguns projetos, buscamos com isso engendrar novas maneiras de compreender as continuidades, as descontinuidades e as permanências do universo gráfico do passado que foi representado nas técnicas empregadas, nas mensagens vinculadas, e nos diversos elementos da sintaxe visual, e que de alguma forma permanecem no tempo e enriquecem as práticas atuais, quer por adição, subtração ou pela sobreposição de vários componentes que estruturam o repertório gráfico de muitos designers. “H| atualmente a compreens~o de que o Design Gr|fico n~o é efêmero como o papel em que é impresso”. HELLER (2007, p.9) continua: “certos anúncios, pôsteres, embalagens, logotipos, livros e revistas perduram como marcos de conquistas artísticas, comerciais e tecnológicas e expressam mais sobre determinadas épocas e ambientes que as belas-artes”. Embora esse argumento possa parecer tendencioso, revela que as compilações do material do design gráfico podem ser úteis e propícias a investigação de contextos históricos, da cultura popular, da publicidade e de outras mídias. Para que possamos sustentar nossa intenç~o de “revelar” o design gr|fico no tempo, teríamos que voltar como já mencionamos, para os tempos idos do período da nossa história cujo contexto envolve a época do Império. Isso deslocaria nosso foco de interesse, pois essa pesquisa não pretende tratar o design gráfico engessado dentro de uma linha de tempo histórica. Todavia faremos uso da organização cronológica, de acordo com o papel que nosso objeto desempenhou no cenário cultural e comercial brasileiro, mas apenas para efeito metodológico, pois obviamente ao trazermos à luz determinado objeto estaremos deixando 331 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais muitos outros na sombra. Então, nossa investigação é uma visada que procura ler pela borda, os textos culturais marcados pelo impresso, os quais ganham uma mobilidade intensa de estatuto quando conferimos a eles um determinado destaque e valor. Para os interessados em uma análise mais profunda sobre o assunto, recomendamos a leitura de alguns teóricos que se dedicaram a análise da história dos impressos nacionais. Destacamos SCALZO (2008, p. 27) que transita pela história e pela evolução das publicações brasileiras nos fazendo conhecer as revistas pioneiras como as de 1812, em Salvador (Bahia), cujo título era ‘Variedades ou Ensaios de Literatura’. Segundo a autora, a segunda publicação data 1812, e surge no Rio de Janeiro intitulado como ‘Patriota’. O foco de sua abordagem é a tem|tica do jornalismo e as características do bom jornalista de revista, mas as questões éticas e os aspectos econômicos do mercado de revistas são também cuidadosamente tratados. Outra teórica que citamos é MARTINS (2001, p. 17) que estudou as revistas ilustradas brasileiras do final do século XIX e as primeiras da década seguinte. A autora destaca o fato de haver delimitado o campo de invetigação do impresso brasileiro para os anos de 1890 a 1922, no contexto específico da cidade de S~o Paulo e reconheceu que “esse recorte se apresentou viável em face do potencial informativo sugerido pelo corpus documental, ainda carente de reflexões por parte da historiografia brasileira”. A historiadora relata os hábitos criados pela cultura do impresso e o papel social dos periódicos que cobriam diversas áreas, desde revistas femininas, científicas, pedagógicas, esportivas, religiosas, infantis dentre outras. Vale observar que outra leitura valiosa e que nos parece interessante é a de DENIS (2005) que de igual modo pesquisa o design gráfico destacando a importância histórica de impressos comerciais e efêmeros, aprofundando-se sobre a cultura material que diz respeito aos artefatos de origem industrial e ao seu contexto de produção e uso. MELO (2006ª.) foi outra referência básica em nossas pesquisas e sua importância se deve ao fato de ter ele, delimitado seus estudos especificamente na década de 60. MELO (2006b.) revisita a trajetória da capa do livro brasileiro partindo da tradição pictórica dos anos 30 e 40, quando as capas eram na maioria das vezes projetadas e realizadas por artistas plásticos conhecidos, como Di Cavalcanti, por exemplo. Em sua pesquisa, destaca o design da década de 60 e sustenta em entrevista ao jornal on line “Di|rio do Nordeste” datado em 24/9/2006, que: “os anos 60 foram o marco inaugural da cena contemporânea. A cena que vivemos hoje é, fundamentalmente, um reflexo do que aconteceu naquela década”. NIEMEYER (2000/2002) como pesquisadora, professora e designer, descreve detalhadamente o processo de institucionalização do design brasileiro, desde as primeiras iniciativas de criação de cursos como o IAC ( Instituto de Arte Contemporânea em São Paulo - 1951), a implantação da ESDI (Escola de Desenho 332 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Industrial - 1962), e faz críticas ao modelo de ensino de design adotado no país. A autora traz ainda, uma visão histórica da institucionalização do design na Europa (Art Noveau, Arts and Crafts etc), dos modelos de ensino alemães (Bauhaus, Ulm) e torna-se uma leitura obrigatória para os interessados em aprofundar seus conhecimentos acerca do design. Esse extenso material teórico com ‘diferentes olhares para o passado da nossa história’, serviu para o nosso estudo como fonte de busca e nos possibilitou constituir uma reflexão, que julgamos ter satisfeito nossa pretenção primeira: encontrar novas articulações e fundamentações teóricas que sustentasse nosso embasamento acerca do processo comunicativo dos veículos gráficos. Os destaques que propomos a seguir, engloba o design gráfico como comunicação popular, como mídia que informa, como ferramenta de marketing e principalmente como marco sinalizador de determinados panoramas culturais. A meta é fornecer uma base viável para a compreesão ampla do design gráfico brasileiro, no compartilhamento do legado de alguns projetos que marcaram a nossa história. No exemplo que segue, apresentaremos um designer que trabalhou dentre tantas funções como ilustrador e tipógrafo em diferentes revistas e no rememorar de sua trajetória como profissional poderemos perceber que muitas das configurações sociais e culturais de determinadas épocas podem ser depreendidas a partir das revistas. Portanto, nessa mídia impressa, poderemos perceber ainda que superficialmente a sedimentação de costumes, de hábitos, e de algumas permanências que se dão ao longo do tempo. 1.2 – Movimento criativo: repetições que se sucedem no tempo O quadro da nossa vida cotidiana é invadido em larga medida pelas mídias em geral, e dentre as mídias gráficas tomamos as revistas como objeto de amostra de comunicação de massa, como elemento da cultura, como tendência ao consumo e circulação no meio social. Precisamente, a revista ultrapassa a função de portadora de informação para exceder em múltiplas maneiras essa restrição da sua materialidade, pois entendemos que também ela é mensagem tanto do ponto de vista do seu criador, como do individuo particular que a dota de valor simbólico. Invocamos, portanto, a força magistral da frase de MCLUHAN (2005 p.284) “o Meio é a Mensagem. O autor reforça a idéia de que o ‘meio’ é constituído pelos efeitos e não deve ser pensado como simples canal de passagem do conteúdo comunicativo, ou como um mero veículo de transmissão da mensagem; ao contrário, o meio é um elemento determinante da comunicação. Para McLuhan, o meio pelo qual a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. De igual modo, o objeto revista portador de forma é também mensagem em sua exterioridade, no que se refere à possibilidade de lidar com signos, cuja potencialidade possibilita ao 333 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais produtor, ao design gráfico e ao usuário, internalizar (pensamento) e externalizar (linguagens). Em outro modo de dizer DONIS (2000, p.132) afirma que o resultado de toda experiência visual caminha na interaç~o entre “[...] as forças do conteúdo (mensagem e significado) e da forma (design, meio e ordenação); em segundo lugar, o efeito recíproco do articulador (design, artista ou artesão) e do receptor (público). Em ambos os casos, um não pode se separar do outro. A forma é afetada pelo conteúdo; o conteúdo é afetado pela forma [...]”. No que segue, basearemos nossas observações no que introduz a idéia que sobrepuja a significação funcional imediata do objeto revista, que sabemos ser limitada no espaço e no tempo, mas que se transforma em percepção cultural e por isso mesmo investida de valor estético e simbólico (no sentido genérico dos termos). Geralmente as revistas se relacionam com o estatuto do tempo, por seu ciclo de longevidade variável, seu desgaste e renovação. Mas o que nos parece ser o mais importante em nossa discussão será destacar a experiência do sensível que adveio da experiência do design, ou seja, do projeto gráfico das revistas como índice de futuras realidades inovadoras que dão a outros, possibilidades de criação, muitas vezes imprevisível. Destacamos a revista Careta (1908 a 1960) que apresenta excelente padrão gráfico e editorial. Foi fundado por Jorge Schimidt e embora, seu conteúdo apresentasse um tom de humor, trazia cobertura fotográfica dos costumes sociais e dos acontecimentos políticos do Rio de Janeiro. Sua primeira edição data de seis de junho de 1908 e aparece, na capa, uma caricatura do então presidente Afonso Pena, no traço inconfundível de José Carlos de Brito e Cunha (1884-1950, nascido em Botafogo, Rio de Janeiro). Os trabalhos de J. Carlos se destacaram nas melhores revistas de sua época: O Malho, Fon Fon, Careta, A Cigarra, Vida Moderna, Eu Sei Tudo, Revista da Semana e O Cruzeiro; em especial pelos personagens que criou como a Melindrosa, Lamparina e Juquinha (estes dois últimos para a revista infantilO Tico Tico). Figura 1: Primeira edição da Revista Careta com a ilustração de J. Carlos.Fonte: 334 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais jamesemanuel.blogspot.com/2007_10_01_archive.html Acesso:18/11/09 Na área gráfica, o designer (caricaturista e ilustrador), J. Carlos alimentouse de uma sensibilidade estética através de sua capacidade de absorver a cultura brasileira e incorporá-la em seu trabalho. Com uma liberdade que lhe era própria, retratou a vida carioca, e pelo desenho apresentou características da política, do carnaval, das praias, da rua, da moda, dos hábitos, dos costumes cotidianos das mulheres, dos homens e das crianças anônimas. Figura 2- Cenas cariocas: O samba, Um almofadinhas em um café, e as Melindrosas. Coleção Eduardo Augusto de Brito e Cunha (filho de J. Carlos) ilustrações da década de 1940. Disponivel em: http://www.evandrocarneiroleiloes.com/109485?artistId=88158/ acesso 09/09/2009 [...] J. Carlos recusou o convite de Walt Disney para trabalhar com ele em Hollywood. Disney veio ao Brasil em 1941, para lançar o seu filme Fantasia” (LUSTOSA, 2006, p. 161). Esse episódio interessante relatado pela autora destaca que a Associação Brasileira de Imprensa homenageou Disney com uma exposição que reunia os desenhos dos melhores caricaturistas brasileiros. Dentre tantos trabalhos, os desenhos de J. Carlos chamou mais a atenção de Disney principalmente nas folhas onde estavam os papagaios com colarinho, gravata, charuto e que se apoiava em uma bengala. No almoço que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil promoveu reunindo os caricaturistas brasileiros e a equipe da Disney, este fez questão de sentar-se ao lado de J. Carlos. Naquela ocasião, ele convidou J. Carlos a integrar-se à sua equipe nos EUA. J. Carlos não aceitou. Depois mandou a Walt Disney o desenho de um papagaio vestido com o uniforme da Força Expedicionária Brasileira, abraçando o Pato Donald vestido de marine. Dessa visita resultaram dois filmes: Alô, amigos e Você já foi à Bahia? – e uma enorme divulgação para o Brasil no exterior. (LUSTOSA, 2006, p.162) Para o filme: “Alô, amigos”, Disney criou um novo personagem – o Zé Carioca (um papagaio que possuía características semelhantes ao de J. Carlos), que nasceu da tradução do desenho de J. Carlos, pois, após sua visita ao Brasil. 335 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 3: Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney. Disponível em: http://themesopotown.blogspot.com/2007/09/jota-carlos-careta-mas-bem-atual.html/ acesso: 10/09/2009 A produção cultural de J. Carlos permanece no tempo e fazendo história em novos projetos de criação até os dias de hoje. Como exemplo disso, citamos os projetos da estilista Jaqueline de Biase, do carnavalesco Fábio Ricardo e do designer Tony de Marco, os quais valorizaram o Design Gráfico de J. Carlos, quando traduziram as ilustrações dele, em suas produções de moda, de enredo para a Escola de samba e na área tipográfica. Desse modo ambos reavivam o morto em nossa memória com uma habilíssima evocação do ausente ao ponto de torná-lo novamente atual na medida em que se apropriam de suas obras não com a intenção de se apossar delas e repetir a experiência temporal passada, mas ao tomá-las por empréstimo num outro tempo e contexto, as utilizam e a digerem para então de forma paradoxal revivificá-lo. Jaqueline de Biase apresentou uma coleção de maiôs, duas peças e biquínis na passarela do verão Fashion Rio em 2008. Percebemos que ao vestir e adornar o sujeito, Biase buscou através das linhas e dos contrastes das formas, privilegiarem a experiência e a prática feminina de valorizar o corpo ao vestir-se para expor-se ao sol e ser notada. Para as estampas das peças, retornou aos documentos passados e traduziu em moda as imagens de J. Carlos as quais revelavam os costumes de um tempo dado. Desta forma reconcilia-se o presente com o passado que é visitado pela mudança e pela proposta do novo projeto que garante a memória e a duração no tempo, das imagens de J. Carlos. 336 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 4: Desfile Fashion Rio em 2008. Moda Praia da Salinas da estilista Jaqueline de Biase. Disponível em http://elle.abril.com.br/desfiles/salinas/desfiles_305914.shtml#6/ Acesso 10/09/09 Nessa tendência, o carnavalesco Fábio Ricardo no ano de 2009, criou o enredo “Tem Francesinha no Sal~o... O Rio no meu Coraç~o", para a escola: Acadêmicos da Rocinha (Rio de Janeiro). Sabemos que o Carnaval brasileiro tornouse conhecido praticamente em todo o mundo por causa dos desfiles das escolas de samba e em especial as do Rio de Janeiro cujo espetáculo se transforma em show promovido pelos carros alegóricos, pela bateria, pelo casal de mestre-sala e portabandeira, além dos passistas que ao som do ritmo proporcionam grandiosidade ao samba-enredo. Figura 5: Sambódromo do Rio de Janeiro – Carnaval (criação de Fábio Ricardo, baseada na vida e obra de J. Carlos) 2009. Disponível em: http://fototeca.rio.rj.gov.br/pub/fototeca.cfm?sq_fototeca=39&startrow=445/ Acesso 21/09/2009 A criação do desfile de Fábio Ricardo baseou-se na vida e nas obras de J. Carlos e destacaram-se as dançarinas de CanCan, o mestre-sala e porta-bandeira que desfilaram com a fantasia "Sonho em Art Nouveau" (representavam o sonho de transformar a capital federal numa Paris tropical). Nesse evento as alegorias que se destacaram foram: "Rio: Cidade Luz" (representou a Belle Èpoque), a "Alma Carioca" (simbolizando as moças cariocas), e a "Batalha de Confete" (que destacava as Guerras Mundiais, tão criticadas por J. Carlos). 337 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Não podemos deixar de fazer menção ao trabalho que vem desenvolvendo na área do design, o ilustrador Tony de Marco. Este iniciou sua vida profissional no jornal Folha de São Paulo e mais tarde fundou a Bookmakers (editora com a qual lançou a revista Macmania, especializada no universo Apple). Juntamente com ele em 2001, o tipógrafo e editor Claudio Rocha, criaram a revista Tupigrafia (publicação que aborda as diversas formas de manifestações da tipografia esteja ela presente na pintura, fotografia, cinema, história e no próprio design gráfico). Mas o que nos interessa aqui é o fato de Tony de Marco haver criado a fonte ‘Samba’ “inspirada nas letras Art Deco do ilustrador J. Carlos”. Figura 6: Revista “Para todos”. Tipografia e ilustraç~o de J. Carlos http://www.jotacarlos.org/. acesso 16/10/2010 “Tony criou a fonte para uma matéria sobre J. Carlos que seria publicada na revista Tupigrafia”. O designer explica o nome da fonte criada e a mudança do nome por conta de sua participação em um concurso internacional de fontes tipogr|ficas e argumenta: “quando eu criei a fonte, para um artigo da Tupigrafia sobre o trabalho tipográfico de J. Carlos, a fonte foi chamada de Melindrosa, numa clara homenagem ao genial ilustrador” Tony continua: Ao decidir participar do concurso, três motivos me levaram a repensar o nome. O primeiro é a provavel pronúncia difícil, em inglês, seria algo como "Melindrossa". Argh! E o mercado de venda de fontes é majoritariamente norte-americano, não considerar este fato pode ser um suicídio comercial. O segundo é que a versão Expert, que caracteriza a família, não tem referência direta no trabalho de J. Carlos. A influência veio da pesquisa de ferragens residenciais de estilo europeu, encontradas em abundância também no Brasil. O terceiro motivo é que já havia uma fonte dingbat horrível, com dançarinos de salsa, maracas e outros ícones caribenhos chamada “Samba”!!! Decidi que era hora de uma fonte feita por brasileiros inspirada em um ilustre brasileiro, que, alias, escreveu alguns sambas, receber a honra de se chamar “Samba”. (MARCO, Tony, de. 2010) O designer destaca que este trabalho marcou sua carreira, pois em 2003, foi reconhecido e premiado no Linotype International Type Design Contest com a fonte Samba. 338 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Figura 7: Fonte Samba, de Tony de Marco, homenagem a J. Carlos/ Disponível em: http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html. acesso em 3/3/2010 “Esta arte me influenciou muito. Foi uma coisa de pesquisa, de sair na rua fotografando tudo o que era Art Deco. Além disso, é prazeroso ver que o espírito do J. Carlos, que era uma pessoa muito ligada ao carnaval e ao samba, é inspiração para CD de um artista também ligado ao samba, como Zeca Pagodinho e para produto publicit|rio da Rede Globo para o Carnaval de Recife”, revela o desenhista136 (MARCO, Tony, de. 2010). Esses três exemplos citados, os quais fizeram uso da força dos traços de J. Carlos nos parece interessante, pois continuam a servir de exemplo, sobre como a cultura material pode ser incorporados para compreendermos os trabalhos dos designers no contexto social e econômico e o modo como estes, se fazem presente e relevantes na cultura. Podemos então considerar que a importância da produção de J. Carlos e conseqüentemente de um modo mais alargado a dos designers gráficos, não são relevantes somente do ponto de vista da produção pessoal e individual de um único sujeito, mas por que avançam pelo vasto mundo social e cultural que produzem as circunstâncias determinantes dentro das quais os designers trabalham e dão a eles, as condições que conduzem a continuação de sua prática. Aceitamos então que sob a cambiante diversidade de procedimentos criativos em qualquer área, as traduções podem ser atos comuns que manifestam uma forma de fazer e saber que oferece resistência a anulação dos textos instauradores do passado. As traduções criativas servem por vezes de testemunho triunfantes ou modesto, íntegros ou mutilados, da tentativa humana de permanecer no tempo, estabelecendo relações ou conexões, com o grande contexto em que a vida acontece (características dos sistemas complexos). 136 * O leitor pode ter acesso aos depoimentos de Tony de Marco acerca de sua carreira e das premiações que recebeu, no site pessoal do designer que também nos serviu de consulta: http://www.professionalpublish.com.br/?id=77,1,view,2,8190,sid. Como também em outro site:: http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html. (Acesso, 16/02/2010). 339 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Essas temáticas são persistentemente suportadas por que se ancoram pela perspectiva do tempo. Um tempo que revela as mudanças, mas também a permanência social, que manifesta a resistência dos hábitos e dos valores e dos movimentos repetitivos que ultrapassam o individual e o evento sem necessariamente negá-los, pois os inserem em uma realidade mais complexa. É com esse olhar, que nos permitimos perceber e identificar as continuidades e as descontinuidades do design gráfico, que revelaram no passado, e ainda revelam no presente, processos criativos. Esses, resultado de uma reflexão não-linear, não-determinista, e que continuamente movimenta a história. Por isso a criaç~o humana tem a ver com a complexidade e “[...] todo mundo percebe que a complexidade está ligada a multiplicidades de comportamento, a sistemas cujo futuro n~o se pode prever, como se pode prever o futuro de uma pedra que cai” (PRIGOGINE, 2003, p. 50). O processo de criação não está limitado a situações simplificadas, mas leva em conta o incerto estando abertas as possibilidades e uma delas como citamos, é a possibilidade de reabsorver os eventos, visando uma tradução com novas bases fundadas em uma liberdade própria do Ser humano. Considerações Gerais O futuro se constrói graças ao jogo de possibilidades criativas e compreende um tempo que se torna propício para a amplificação das inovações. No que concerne ao design gráfico, portanto, compreender o tempo implica acatar a complexidade do mundo e admitir uma realidade em constante transformação, que se dá em uma relação dinâmica de interdependência entre a história, entre o social e o biológico conjuntamente com os aspectos culturais. Significa ultrapassar a concepção de tempo clássico e aceitar os tempos individuais, os coletivos, os objetivos e subjetivos que se apresentam para a finitude do homem como infinitos tempos. Quer dizer, que associar à complexidade do processo criativo com as questões do tempo-espaço, vinculados a cultura e a história, abrem perspectivas que assinala, marca e amplifica as inovações em uma nova tradução. Tradução esta que aceita a condição da instabilidade, da indeterminação e dos desvios de normas que ao serem ‘transgredidas’ permitem a explos~o de novos processos criativos. Por isso, podemos continuar a recorrer aos discursos ambíguos e inexatos da história, pois neles nos apropriamos de um sistema de signos que nos possibilita buscar os aspectos do design gráfico brasileiro que se revela no crivo do tempo e ao fazê-lo podemos encontrar antes de tudo, continuidades e raízes de ‘longa duraç~o’, e nesses caminhos trilhados com tantas vozes, podemos apreender a globalidade de seus contextos. Então voltar nosso olhar para a historicidade é um dos meios possíveis de acessarmos a complexidade, visto que as narrativas dos acontecimentos não estão circunscritos aos objetos, as datações e aos eventos, pois as permutas, as 340 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais transferências e as apropriações que se entrelaçam e se embrenham e fazem erigir o design gráfico no tempo, estão circunscritos em um passado efetivo de experiências individuais e coletivas nas quais observamos um processo de criação lento que toma amplitude e aparência nítida a partir de mutações visíveis que são gestadas em diferentes projetos ao longo do tempo. Referências Bibliográficas DENIS, Rafael Cardoso. (org) O design antes do design: aspectos da história gráfica1870-1960. São Paulo: Cosac & Naify, 2005. DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual.Trad. Jefferson Luiz Camargo, 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. LUSTOSA, Isabel. J. Carlos, o cronista do traço. In: LOPES, Antonio Herculano, VELLOSO, Mônica Pimenta, PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org). História e Linguagens, texto, imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro. Edições Casa Rui Barbosa, 7 letras, 2006. HELLER, Steven. Linguagens do design.Compreendendo o design gráfico. Trad. Juliana Saad. São Paulo: Edições Rosari, 2007. MACLUHN, Marshall. Macluhn por Marshall Macluhn: conferências e entrevistas. Tradução de Antonio de Padua Daniese; MCLUHAN, Stephanie e STAINES, David (Org); in: Viver a velocidade da luz. Texto de 1974, Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: Imprensa E Práticas Em Tempos De República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2001. MELO, Chico homem de. (org). O design gráfico brasileiro – anos 60.Cosacnaif, 2006ª.. __________(b)“Diário do Nordeste” datado em 24/9/2006. MENDES, Cândido (org.) e Larreta, Enrique (ed.). Representação e Complexidade – Trad. de Arnaldo Marques da Cunha. Editora Garamond Ltda, Rio de Janeiro, 2003 NIEMAYER, Lucy Carlinda da Rocha de. O design gráfico da revista Senhor: uma utopia em circulação. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002. __________. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 2000. 341 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais PRIGOGINE, Ilya. O Fim da Certeza. In: MENDES, Cândido (org.) e Larreta, Enrique (ed.). Representação e Complexidade –Trad. de Arnaldo Marques da Cunha. Editora Garamond Ltda, Rio de Janeiro, 2003 SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2004. UMA BREVE HISTÓRIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL E NA ARGENTINA Alberto Ricardo PESSOA Doutorando em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Nascimento As histórias em quadrinhos não possuem só um pioneiro. Na verdade houve vários focos de produção de histórias e de criação de personagens ao redor do mundo. O que está enraizado no senso comum como origem desse gênero são os comics criados por Richard Felton Outcault no New York World. São referidos não só como a primeira história em quadrinho, assim como, The Yellow Kid, é considerada a primeira personagem do gênero. A data de surgimento dos quadrinhos, por diversas autoridades no assunto, é de 16 de Fevereiro de 1896, apesar de Outcault ter utilizado a personagem durante o ano de 1895, sem ainda a definição final do visual gráfico da personagem. Em 1869, Angelo Agostini imprimiu em processo de litografia – impressão de tinta gordurosa em matriz de pedra calcária - As aventuras de Nhô Quim, ou Impressões de uma viagem à Corte – “História em muitos capítulos”, de 14 capítulos inconclusos. Desses, nove foram desenhados por ele e o restante finalizado por Cândido A. de Faria, todos publicados na Vida Fluminense. Entre 1883 e 1886, o quadrinista publicou As Aventuras de Zé Caipora na Revista ilustrada, tendo, mais tarde, histórias republicadas na revista de variedades Dom Quixote, O Malho e, separadamente uma coleção própria em fascículos. Na Argentina as historietas surgem na década de 10 e, diferentemente dos comics ou dos quadrinhos de Angelo Agostini, que surgiram em jornais, as historietas começaram a ser publicadas em revistas como Caras y Caretas, PBT, El Hogar e La novela Semanal, a série cômica Las aventuras de Viruta y Chicarrón. Vale destacar que há tanta controvérsia a respeito dos pioneiros das historietas na Argentina quanto definir qual foi o primeiro criador de quadrinhos no mundo. Isto se deve muito em parte pelo meio de comunicação em que estas obras estavam sendo publicadas. Tanto jornal como revistas tinham charges, ilustrações 342 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais procurando espaço entre fotos e textos. Outro fator de imprecisão é que muitas das séries de quadrinhos eram realizadas em estúdios, o que fazia com que as histórias fossem escritas e desenhadas por equipes, sem os devidos créditos pela obra. Isto resulta na falta de preservação de nossa própria história. Mesmo em obras que tentam renovar o interesse na sua própria história não creditaram os autores desta série, ficando possível apenas o registro da revista da qual as histórias foram publicadas, mas não os artistas responsáveis. O Brasil não tinha tradição de publicar histórias em quadrinhos com regularidade até a viagem de Adolfo Aizen (editor da EBAL – Editora Brasil-América) aos Estados Unidos em 1933. De volta ao Brasil, o editor foi o pioneiro em lançar suplementos diários especializados em histórias em quadrinhos. Os processos de impressão em Off Set e Rotogravura foram as grandes responsáveis pela construção da mídia histórias em quadrinhos como um meio de comunicação de massa. A grande divulgação das histórias em quadrinhos no Brasil se deu com os suplementos juvenis. Adolfo Aizen, após uma estadia de 05 meses nos Estados Unidos, percebeu a febre dos suplementos juvenis recheados de comics e resolveu implementar este tipo de mídia nos jornais brasileiros. Vale salientar que os comics eram muito diferentes das histórias em quadrinhos que Aizen havia publicado em O Malho e na própria O Tico-Tico que misturava quadrinhos com passatempos, educação e contos. Os comics eram voltados para um público juvenil, enquanto as histórias em quadrinhos tinham como alvo o público Infantil. João Alberto, diretor do Jornal A Nação, apostou na proposta de Aizen, que era de realizar 05 suplementos, um para cada dia da semana. As histórias em quadrinhos ficaram com o suplemento infantil. Entre os principais suplementos da época, podemos destacar o Suplemento Juvenil de Adolfo Aizen e o Globo Juvenil, de Roberto Marinho. Assis Chateaubriand inovou na parte gráfica, colocando nas bancas a primeira revista impressa totalmente em cores. Era a revista O Gury. No Suplemento Infantil, Monteiro Filho lançou a série de quadrinhos As aventuras de Roberto Sorocaba, com textos de sua mulher, Maria Monteiro, que seria publicada em episódios semanais de uma página cada um, no mesmo formato das aventuras seriadas americanas. Além de Monteiro, podemos destacar a novela infantil Os Quatro Ases, escrita a quatro mãos pelo jovem, mas já conhecido escritor baiano Jorge Amado e por Matilde Garcia-Roza, com desenhos do ilustrador e cenógrafo paraibano Santa Rosa. Entre os personagens dessa série, vale o destaque para o menino Tonico, do Pega-Ligeiro, do Papagaio Doutor e do Galo Terreiro, todos criações do trio. 343 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Na Argentina podemos destacar as revistas nacionais El Museo Americano (1835), El Mosquito (1862), Don Quijote (1884) e, a partir de 1912, começam a aparecer em Caras y Caretas as primeiras tiras - Viruta y Chicharrón. Caras y Caretas foi uma usina de criação para os artistas argentinos. Praticamente todos os grandes roteiristas e artistas de historietas da primeira geração passaram pela revista. Isso foi importante para o desenvolvimento desse gênero, pois a maioria dos autores que passaram por esta publicação criaram a sua própria revista posteriormente. Desta primeira geração, podemos destacar os artistas Manuel Redondo, Pedro Rojas, Arturo Lanteri, José Serrano e Luís Macaya, que começaram na caricatura, mas logo foram pesquisando e se aprofundando na criação de historietas. Essa transição é muito clara nas tiras Viruta y Chicharrón. O traço calcado na caricatura, com poucos detalhes de cenário, próprio do artista que deseja que o leitor foque sua leitura nas personagens. Nessa fase de transição, os latinos passaram por um processo de adaptação aos comics americanos. No Brasil, Os leitores depararam, pela primeira vez, com os quadrinhos que eram grandes sucessos naquele momento: Buck Rogers, Agente Secreto X- 9, Flash Gordon (que fez a sua estréia em grande estilo, em cores, em duas páginas centrais, dois meses depois do lançamento no país de origem) e Jim das Selvas. Nos anos seguintes, Aizen traria Mandrake, Brucutu, Príncipe Valente, Tarzan, Brinck Bradford, Pinduca, Rei da Polícia Montada e até mesmo histórias inéditas de Walt Disney, que começava a chamar a atenção pelo virtuosismo em cinema de animação (JÚNIOR, 2004, p. 31) Os argentinos tiveram o primeiro contato com os comics como: The Rarebit fiend (1904), Little Nemo in Slumberland (1905) – ambas de Winsor McCay,– o la originalidad de The Upside downs of Little Lady Lovekins and old man muffaroo, de Gustav Verbeck (GOCIOL; ROSEMBERG, 2003, p.21). Diferentemente do Brasil, a produção argentina conseguiu, já em seu início, a prática de exportar histórias e criações. Um exemplo são as historietas de Constancio Vigil, que lançou “Billiken”, pioneiro nas historietas infantis latinas e foi publicado na Espanha, Peru, Colômbia, Venezuela e México. Tratava-se de um mix de publicações locais e estrangeiras. Se publicava desde El pibe, Ocalito y Tumbita,até comics como Superman. O primeiro grande personagem carismático que a historieta produziu foi Patoruzú, de Dante Quinterno, em 1928. Basicamente era um personagem que buscava encarnar o caráter argentino, com qualidades universais como confiança, alegria e prazer em praticar o bem e a caridade. Até hoje os quadrinhos desta personagem são publicados com imenso sucesso. 344 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Estes personagens citados foram criadas em um período de formação da própria sociedade latina, da qual as imigrações eram mais intensas e a cultura latina começava a sofrer a influência de vários povos, línguas e costumes. Com os suplementos e revistas, os quadrinhos começavam a ser vinculados no cotidiano da leitura infantil. Isso fez com que críticos nacionalistas começassem a criticar o consumo deste tipo de leitura e questionar as qualidades intelectuais e artísticas, apresentadas principalmente pelos comics. Assim, os editores encontraram nas adaptações literárias em histórias em quadrinhos uma alternativa entre o entretenimento das crianças e a tranqüilidade por parte dos seus críticos mais ferrenhos. Grandes mestres que realizaram estas adaptações: Nico Rosso, Flávio Colin, Jayme Cortez, Salinas, Pratt, Breccia e Castillo. Na primeira metade do século 20, a linha editorial no Brasil e na Argentina publicava os quadrinhos/historietas como veículo publicitário, comics reinterpretados por tradutores e desenhistas e a produção nacional ficou restrita a tiras e adaptações literárias. Foram poucas produções seriadas de histórias em quadrinhos criadas e pensadas originalmente para esta mídia nesse período. Na América Latina os editores tinham um pensamento diferente dos autores e artistas como Alberto Breccia ousavam com um design inovador para adaptações das histórias fantásticas de Howard Lovecraft. Os editores se preocuparam em realizar uma estratégia de marketing, no intuito de satisfazer os críticos do sucesso comercial dos quadrinhos/historietas, o que fez com que adaptações realizadas por grandes quadrinistas latinos, como Jayme Cortez, Nico Rosso, Flávio Colin, Raúl Roux, Héctor Germán Oesterheld, José Luis Salinas, obtivessem aprovação de uma crítica que não lia esta mídia, ratificando a fama dos quadrinhos serem leituras menores, próprias para resumos de obras complexas da literatura mundial, destinadas não ao fã de quadrinhos, mas àquele que, sem paciência em ler a obra literária, encontra um alento na leitura em quadrinhos. O tempo provou que essa ação não resultou em um público fiel. Pelo contrário. Atualmente são poucas as publicações nacionais que se sustentam frente a um sem número de publicações americanas, orientais e européias. Não houve estímulo pelos editores em promover a adaptação literária em uma nova mídia, mas usar os quadrinhos como uma cartilha, ou uma mídia facilitadora de leitura, afastando o verdadeiro leitor e aproximando daquele que quer uma leitura rápida e superficial, o que não forma leitores críticos, apenas consumidores efêmeros. Outras mídias que utilizam o recurso de adaptações como o teatro e o cinema não sofrem este reducionismo e muitas vezes são exibidas sessões às quais adultos, jovens e crianças assistem, valorizando o trabalho cinematográfico e, ao mesmo tempo esse mesmo público se sente atraído em conhecer a obra literária. 345 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A crítica ao elemento facilitador usado para justificar as adaptações de obras literárias à histórias em quadrinhos é válida, pois é focada em um público que não pretende conhecer novas interpretações de uma determinada obra, mas uma versão resumida dela, o que limita a concepção, compreensão e reflexão da obra apresentada em quadrinhos. Fica no imaginário do leitor a facilidade e comodidade em ler quadrinhos e não a apreciação e respeito pelo trabalho artístico, adaptação do roteiro e interpretação da obra. A EBAL (Editora Brasil-América), para amenizar as vorazes críticas de políticos, jornalistas, professores, quadrinistas e até religiosos sobre o conteúdo das histórias em quadrinhos publicadas no país e preservar o seu negócio, produziu um grande número de publicações nacionais, todas de cunho educacional, em que as histórias em quadrinhos eram adaptações de clássicos da literatura mundial e brasileira. Em 1948 Aizen lançou a Edição Maravilhosa. Nos primeiros números, a revista circulou em formato menor, próximo ao do livro de bolso. Depois, cresceu para o formato chamado de comic book ou formato americano (metade do tablóide). Entre os autores citados, podemos destacar José de Alencar, Jorge Amado, José Lins do Rego e Dinah Silveira de Queiroz. As Edições Maravilhosas foram um grande núcleo de pesquisa no meio impresso, tanto em formatos, papéis e impressão em cores. Em 1928, semanário El Tony foi o precursor dos cuadritos literarios na Argentina. Adaptados por Raúl Roux, publicou entre outros Hansel y Gretel, Robinson Crusoe, La isla del tesoro, Simbad el marino e Buffalo Bill. José Luis Salinas, em 1938, foi outro autor que trabalhou com adaptações literárias como Capitão Tormenta, Os Três Mosqueteiros , O Último dos Moicanos entre outros. As primeiras personagens de tiras latinas Nos anos 60, o cartunista Henfil subverte a tradição do formato "tira" com seus personagens Graúna e Os Fradinhos. Henfil, dono de um traço simplificado, mesmo em uma mídia de poucas possibilidades de experimentação artística, devido às limitações impostas pelo seu veículo de publicação, consegue desenvolver tiras sem o uso de requadros, tornando a ação muito mais dinâmica que em outros quadrinhos que utilizam o recurso. Outra característica é em relação aos diálogos e a tipografia apresentada nos textos. As falas possuem a ausência de balão, tendo apenas uma silhueta que remete à ideia de balão de texto. A entonação, volume e importância são apresentadas ao leitor com as letras desenhadas como se tivessem vida própria, em muitas ocasiões desenhadas de maneira grotesca, distorcidas assim como as personagens, que são desenhadas de maneira tão gestual que suas linhas de desenho lembram mais uma assinatura que uma arte formal. O artista propõe um virtuosismo de idéias e subversão no lugar da técnica acadêmica nos desenhos de seus contemporâneos. 346 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Foi nesse formato de tira que estrearam os personagens de Maurício de Souza, criador da turma da Mônica, ainda no fim de 1959. Diversas personagens da atual Turma da Mônica começaram em tiras como o cachorro Bidu, Cebolinha, Cascão e claro, a Mônica. A produção argentina de tiras teve um grande desenvolvimento com a implementação de uma página de humor no Clarín. Isso se deu 1973 e podemos citar as principais personagens deste período são Loco Chávez, de Carlos Trillo e Horacio Altuna, El Capitán Ontiveros, de Juan Arancioe Nella Castro, 77 Diógenes y el linyera, de Tabaré, Jorge Guinzburg. Nos anos 80, o Clarín se tornou o primeiro diário argentino que publicava apenas material nacional. As tiras publicadas em jornais foram, para os latinos, a forma de ter seu trabalho reconhecido pelo público, com remuneração e possibilidade de ver seu trabalho publicado em outros países, algo que as publicações em revistas não propiciavam, muito em parte pela falta de profissionalismo editorial, que explorava os autores de quadrinhos, propondo a publicação de histórias gratuitamente. Tiras da Turma da Mônica, Maitena, Mafalda são exemplos de quadrinhos latinos publicados em todo o mundo. O Udigrudi e la contracultura Dois fenômenos se desenvolveram nas histórias em quadrinhos nos anos 70: o movimento de contracultura e a descoberta das histórias em quadrinhos underground , de Robert Crumb e a Metal Hurlant, de Moebius e Druilett. Os autores desses dois movimentos estavam encarando as histórias em quadrinhos não mais como uma publicação complementar de jornais ou como compilações de histórias em revistas. Eles queriam explorar todo o potencial comunicativo dos quadrinhos. Encontraram um caminho que até então não se havia pensado ou ao menos, não realizado de maneira intensa como o foi a partir desta década: As revistas independentes. Longe do lugar comum de super heróis, essas histórias tinham um caráter experimental e contestavam a política, a sociedade e tudo aquilo que fosse considerado hipócrita pelos autores de quadrinhos. Termos como “Literatura Dibujada” ou no Brasil “Quadrinhos Liter|rios” foram ambições de pesquisadores e editores por muitos anos. Na verdade trata-se de um equívoco, pois esse termo não define o que seria este tipo de quadrinho, sem falar que essa mídia precisa ser lida, criticada e ser pensada como quadrinhos e não como um gênero que tenta se tornar literatura. É o mesmo que comparar cinema e quadrinhos. Ambas trabalham com a noção de movimento, mas devido a forma como são criadas, essas mídias não podem ser comparadas. É necessário avaliar o percurso de cada mídia e avaliar seu desenvolvimento. Se quadrinhos se tornar literatura, ela deixará de ser gênero quadrinhos e perderá sua importância 347 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais enquanto linguagem e irá adquirir outras preocupações estéticas como a literatura busca. A partir deste momento, a palavra autor de quadrinhos ou a palavra quadrinista, creditada a Adolfo Aizen, editor da EBAL (Editora Brasil-América), tinha uma reconhecimento cada vez maior no meio intelectual não só brasileiro, mas em um contexto mundial. A variedade de histórias e propostas, a experimentação de traços e poéticas, a própria ousadia das diagramações realizadas em pequenas tiragens e em máquinas de fotocópias, a informalidade da distribuição tornaram o udigrudi, como foi batizado este movimento, o primeiro levante intelectual de quadrinistas no Brasil. As Universidades possuem um papel fundamental nesse novo momento dos quadrinhos brasileiros. A revista Grilus, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, publicou em 1973 as tiras da personagem Rango, de Edgar Vasques. Essa personagem destoa da maioria das criações que estavam sendo publicadas na época. Rango é um mendigo, sujo, morto de fome, mas com uma grande percepção da sociedade em que vive. Seu tema base é a fome, sempre com um discurso irônico acerca da política, das diferença social, violência entre outras temáticas urbanas. Tinha como personagens coadjuvantes cachorros, filho, políticos entre outros. Essa tira vem sendo publicada em jornais há mais de 35 anos, mas seu discurso continua atual. Nos anos 80, a revista Chiclete com banana foi o grande ícone do conceito Udigrudi, que é uma analogia ao termo americano underground que os autores dos quadrinhos de contracultura se auto batizaram. Entre os artistas podemos citar Robert Crumb como um dos pioneiros do movimento. O termo teve suas derivações e atualmente são mais conhecidos como Indie Comics. Pode-se dizer que os autores Laerte, Luís Gê, Glauco e Angeli agregaram aos elementos da contracultura o movimento punk daquele momento. Era um quadrinho específico para aquela geração, que se reflete em suas personagens. Angeli criou a Rê Bordosa, uma garota que vivia sob efeitos de entorpecentes, cabelos pintados e penteados com referências do movimento musical new age e Bob Cuspe, um garoto caracterizado sob a estética punk e com um senso irônico e ideológico radical. Laerte com seus Piratas do Tietê já propunha um quadrinho mais introspectivo, sem personagens fixos, característica que mantém até hoje em suas tiras na Folha de São Paulo. Luís Gê não criou um personagem tão emblemático quanto os outros dois autores, no entanto foi o que mais subverteu os quadrinhos enquanto linguagem. É pioneiro em mesclar pesquisa acadêmica e produção artística em histórias em quadrinhos. Seus trabalhos Quadrinhos em Fúria e Território de Bravos são ícones do quadrinhos experimentais da década de 80. As personagens dos anos 80, questionaram modismos e as contradições de comportamentos estereotipados, sejam na relação com personagens coadjuvantes ou com o contexto que as cercavam. O humor 348 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais oriundo das publicações do fanzine universitário Balão, juntamente com as influências do jornal da década de 70, o Pasquim, fizeram com que estes autores, após o fim da publicação Chiclete com Banana publicassem suas tiras nos principais jornais do país, se consagrando como os grandes autores do quadrinho brasileiro contemporâneo. O quadrinhos latinos contemporâneos e a ausência da personagem Os quadrinhos latinos tiveram duas publicações que influenciaram um grande número de artistas que hoje são os grandes produtores de quadrinhos latinos: A brasileira Chiclete com Banana e a argentina Fierro. Após o término dessas revistas, aconteceram diversas tentativas de novas publicações que reproduzissem as características dessas revistas e seu sucesso comercial. Liberdade criativa para isso ambos países tinham, já que estavam livres da ditadura, mas, infelizmente, publicações como Metal Pesado, Pau-Brasil, Pueritas, El Tripero tiveram outro vilão: as sucessivas crises econômicas e altos custos de produção. Com esta publicação esporádica, muitos autores recorreram às coletâneas para apresentar seus trabalhos ao público e a produção de histórias curtas, com temas genéricos e personagens sem densidade suficiente para criar carisma no leitor. A geração atual de artistas como Gabriel Bá, Fábio Moon, Ariel Olivetti, Eduardo Risso, optaram por publicar histórias fechadas com personagens mais humanizados e não mais como protagonistas, que tinham as ações focadas da história centralizadas neles e em seus antagonistas. As histórias contemporâneas possuem um foco diferente, da qual o autor procura explorar como um tema pode influenciar diversos personagens. A figura do protagonista desaparece, fazendo com que o foco da história não fique mais na personagem, mas no seu conteúdo. Se por um lado temos um hiato na produção de personagens na sua concepção clássica que veremos adiante nos tópicos a construção da personagem e a construção gráfica da personagem, por outro temos a preocupação na construção de boas histórias, narrativa gráfica e design na edição das publicações. Com o advento da Internet, autores latinos estão realizando trabalhos em conjunto, nas denominadas Web Comics. Coletâneas como a boliviana Pachamama Zombie, ou a espanhola Corderito Pata Comics são exemplos de como os quadrinhos vinculados na Internet estão reunindo autores de diversas partes do mundo. Isso é algo inédito e que a nova geração de autores estão tendo acesso e a possibilidade de que esta troca resulte em uma nova forma de se produzir novas histórias e, provavelmente novos personagens. 349 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Conclusão Este é um artigo que visa traçar um panorama histórico das histórias em quadrinhos tanto na Argentina e no Brasil, dois dos principais pólos de produção da América Latina. Tratar de todos os autores e publicações destes núcleos de produção é um trabalho em desenvolvimento e neste respectivo artigo foram citados autores que nem sempre obtiveram o respectivo reconhecimento de público e crítica. Foram ausentes autores como Ziraldo, Quino, por se tratar de autores amplamente conhecidos e com farto material de pesquisa. Maurício de Souza foi citado brevemente, pelo mesmo motivo. A cronologia mostra que a produção de quadrinhos no Brasil e na Argentina, enquanto mídia impressa, sempre passou pelo crivo de editores, da relação custo benefício e aprovação dos leitores. Essa relação, por inúmeros equívocos por parte de editores, leitores e autores provocaram uma produção desorganizada e com pouca regularidade. Grandes criações se perderam por falta de planejamento e infelizmente pensar quadrinhos como um meio profissional é bastante difícil na América Latina. O formato impresso, principalmente o off set e rotogravura, são meios muito caros em projetos que não produzem lucro certo. Desse ínterim, apenas tiras feitas jornais e alguns autores como Ziraldo e Maurício de Souza obtiveram sucesso. No entanto, novas formas de impressão como impressão sob demanda pode ser uma forma, juntamente com o formato digital, uma maneira da história das histórias em quadrinhos na América Latina se perpetuar. Referências Bibliográficas CARDOSO, Athos Eichler: As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869-1883 – editora Senado Federal – 1ª edição – 2002 Brasília GOCIOL; ROSEMBERG: Historieta Argentina – Una História – Editora Argentina – 1ª Edição – 2005 – Buenos Aires JÚNIOR, Gonçalo: Guerra dos Gibis – Companhia das Letras – 1ª edição – 2004 – São Paulo 350 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O ELEGANTE MUNDO DE RIO * 137 Ana Luiza F. CERBINO Doutora em Comunicação - Universidade Estácio de Sá/RJ Beatriz CERBINO Doutora em História - Universidade Federal Fluminense/RJ Revistas: objetos de reflexão A revista Rio, considerada uma publicaç~o de “frivolidades”, editada na cidade do Rio de Janeiro no início dos anos de 1940 até finais da década de 1950, é o objeto de análise deste texto. A abordagem leva em consideração não só as especificidades do seu projeto editorial e gráfico, mas também as idéias, os valores e os comportamentos visualisados em suas páginas e na coluna que o crítico e jornalista de dança carioca Jaques Corseuil (1913-2000) ali manteve por doze anos. Observar esses ideais explicitados nas páginas de Rio é perceber o papel que periódicos desse tipo tiveram na construção de um ideal de elite e de país modernos. Articulação que as matérias sobre a sociedade carioca e paulista, presentes em todas as edições, faziam questão de apontar. Para entender tais aspectos faz-se necessário conhecer um pouco mais desse universo. As revistas das primeiras décadas do século XX, além de estabelecer valores e normas de conduta, tornaram-se um dos principais veículos para a assimilação da nova percepção espaço/tempo criado pelo processo modernizador. Por meio do humor, da ironia e da sensualidade “atenuavam a angústia provocada pelas transformações na esfera urbana e na sociedade em geral” (Sobral, 2007, p. 32). Nada escapava aos escritores e artistas desses periódicos que criticavam as favelas nascentes, os modismos, a chegada dos automóveis, as questões relativas à saúde, entre tantos outros assuntos. Com a melhoria dos processos de impressão, o aumento da população e o desenvolvimento da comunicação no país objetivava-se formar leitoresconsumidores por meio das mensagens veiculadas tanto na publicidade, que já invadia as páginas dos periódicos, quanto no próprio texto. Tais mensagens construíam a mentalidade de uma sociedade em transformação, dividida entre a valorização das origens, da tradição e da incorporação de modelos estrangeiros (Martins, de Luca, p. 49). * Este texto vincula-se { pesquisa do CNPq “Anatomia de um pensamento: os escritos de Jaques Corseuil” 137 GT 3 – História da Mídia Impressa 351 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Estas revistas apresentavam uma diagramação requintada e um alto padrão gráfico, como Cinearte (1926), primeira a ser impressa no processo offset; O Malho (1902), primeiro a utilizar a impressão em tricromia; ou Kósmos (1904), que se destacava tanto pelo uso de vinhetas, fios e florais em estilo art nouveau quanto pelo apuro técnico. Essas e outras se sobressaiam não só pela renovação proposta pela produção e projetos gráficos, mas também pela transformação proporcionada junto ao público, j| que atuavam como mediadoras entre o “mundo do texto e o mundo leitor”. Ao mesmo tempo, um grande fluxo de transformações praticamente atingiu todos os níveis de experiência social, criando novos comportamentos e sensibilidades que alteraram a forma de estar e perceber o espaço urbano e a produção artística. A modernização provocou, de modo geral, um aumento de títulos e de tiragens dos periódicos graças às máquinas impressoras mais rápidas, pois das gráficas artesanais do Império passou-se a uma imprensa, na República, com porte de indústria. A partir desse momento, a chamada “cultura da inovaç~o” se enraizou no mundo das revistas ilustradas. Mesmo que não houvesse um grande requinte nos projetos visuais, muitas começaram a seguir padrões mais ousados e dinâmicos de diagramação. Passaram a utilizar novas linguagens gráficas e outras inovações, como editoriais completos, imagens coloridas nas capas, além de cobertura fotográfica de acontecimentos cotidianos, revelando uma visualidade distante das revistas do século XIX. (Cardoso, 2009, p. 82) O surgimento de O Cruzeiro, em 1928, estabelece mudanças que se prolongam até a década de 1960, quando são introduzidas no país novas técnicas (redacionais, editoriais e visuais) e tecnologias, como a rotogravura e o uso de fotos coloridas no miolo das revistas de grande circulação. Percebe-se, assim, que as transformações técnicas determinavam as mudanças plásticas e editoriais das revistas, impondo mudanças tanto no seu interior, com a criação de um novo ritmo e temporalidade na leitura, quanto no próprio leitor, que se adaptava às novas seções e conteúdos. Nesse sentido, novas configurações se instauraram no universo dos periódicos ilustrados, pois esses já não estavam mais atrelados somente à solitária iniciativa de literatos que se valiam desse espaço para se legitimar ou alcançar notoriedade. Mas tornaram-se produtos segmentados criados para um público variado e delineado concebidos e dirigidos por empresários que viam a edição das revistas como um negócio comprometido com o lucro e o sucesso. (Martins, 2001, p. 144-145) Partindo-se do princípio de que um periódico faz parte de um sistema socialmente construído, a história cultural é um dos referenciais teóricos escolhidos para essa investigação, já que tem como proposta observar no passado, em meio 352 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais aos movimentos de um grupo e os mecanismos de produção dos seus objetos culturais. História cultural é aqui entendida como o estudo dos processos com os quais se constrói um sentido, rompendo com a idéia de que textos e obras possuem um sentido único e absoluto, dirigindo-se às práticas que dão sentido ao mundo. Refere-se ao estudo das representações, das delimitações e também das exclusões, constituindo as configurações sociais e conceituais próprias de um tempo ou de um espaço. São essas articulações que permitem, segundo Roger Chartier, ao presente adquirir sentido e que o outro se torne inteligível (2002b, p. 17). Assim, as representações construídas do mundo social são sempre determinadas por interesses do grupo que as forjam e, para cada caso ou estudo, é necessário relacionar os discursos elaborados com a posição de quem faz uso deles. O autor percebe ainda que, “as percepções do social n~o s~o discursos neutros: produzem estratégias e pr|ticas (sociais, escolares, políticas)”. Percepç~o que impõe uma autoridade à custa de outros, a fim de legitimar um projeto reformador ou para justificar certas escolhas e condutas. (2002b, p. 17). O que pode ser aplicado à revista Rio e às idéias que colocou em evidência. [s questões da história cultural se articulam ao conceito de “lugares de memória” elaborado por Pierre Nora. A partir desse s~o apresentadas possibilidades de se pensar a revista, pois ali são visualizadas estratégias de legitimação de uma determinada parte dominante da sociedade. A memória, para o autor, é espaço de construção de identidades que se elaboram por meio de vestígios e de traços deixados por algo que já não é mais, isto é, de um passado que não se esgota e encontra formas de permanência em diferentes significações e elaborações. O estudo da memória torna-se um importante referencial quando se trata de analisar as práticas e representações inseridas em Rio. O conceito de Nora é aqui compreendido em um triplo sentido: lugares materiais, onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos sentidos; lugares funcionais, porque tem ou adquiriram a função de alicerçar memórias coletivas e são lugares simbólicos, onde essa memória coletiva – vale dizer, essa identidade – se expressa e se revela. Longe de ser um produto espontâneo e natural, os lugares de memória são uma construção histórica, e o importante é o seu valor como documento revelador dos processos sociais, dos conflitos e dos interesses que, conscientemente ou não, os revestem de uma função icônica. (Neves, 2010) 353 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Memória, portanto, percebida em constante estado de transformação, “vulner|vel a todos os usos e manipulações” e, por essa raz~o, atuando sempre no presente e fundadora de identidades. Por meio dela são elaborados imagens, crenças e heranças que formam um “registro memor|vel”, indicando escolhas identitárias. Assim, a memória carrega traços culturais e históricos não só de resistência, mas também de construção de representações culturais de uma sociedade, de um grupo ou de um indivíduo. Já o arcabouço teórico do design gráfico será utilizado para compreender o objeto em um contexto que se desloca de uma arena puramente formal para o campo cultural. O aspecto visual é um elemento que deve ser considerado nesse objeto, pois sua materialidade ajuda a discutir as diferentes percepções do moderno ali plasmadas, além de indicar um alinhamento entre o texto escrito e o visual. Isto acontece por que as formas são produtoras de sentido, com os dispositivos gráficos interferindo na inteligibilidade da leitura, sinalizando uma pluralidade de significados. A proposta é, pois, entendê-lo em sua funç~o de “sinalizador cultural” e, ao mesmo tempo, como uma ferramenta de mercado. As páginas elegantes de Rio Trabalhar com a revista Rio é investir em uma dupla direção. Ao mesmo tempo que o contexto da cidade ilumina a organização e projeto de Rio, suas características editoriais e gráficas a situam em um debate acerca de sua proposta de “inovaç~o” e “modernidade”. Um dos primeiros a escrever especificamente sobre dança no Brasil, Corseuil foi um importante defensor dessa arte, usando seus textos para apresentar a dança aos leitores, desde bailarinos e companhias até suas idéias para a formação de um “bailado nacional”, isto é, um balé com temas nacionais e feito por artistas brasileiros, dos bailarinos aos compositores e artistas plásticos. Uma escrita que tinha como meta educar o gosto do leitor e, consequentemente, do espectador. Preocupação constante em seus textos, a construção de uma identidade nacional por meio da dança, em especial do balé, foi uma das temáticas mais abordadas por Corseuil. Tratava-se de reconhecer no palco aspectos de brasilidade que apontassem, ao mesmo tempo, para as tradições do país e seu desejo de caminhar para a modernidade. Referências nacionais, como o cabloco, o índio, o malandro carioca e o retirante nordestino, colocadas em movimento via o balé, técnica que representava, de acordo com sua percepção, a tradição da dança. Com isso, Corseuil propunha articular em cena a representação de um Brasil moderno, mas firmemente calcado em sua raízes. É importante destacar que, em particular nos anos de 1940, o campo artístico-cultural era um terreno privilegiado para a construção de projetos de intervenção social, com os intelectuais vistos como atores essenciais nesssa 354 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais dinâmica. Esse espaço atribuído ao intelectual vinculava-se à percepção, daquele momento, da força transformadora da educação (Gomes, 1999, p. 22). Concordavase, assim, quanto ao potencial das atividades “pedagógicas”, fossem elas implementadas ou imaginadas por literatos, artistas, intelectuais, etc. O recorte proposto localiza-se entre outubro de 1944 a dezembro de 1956, em que serão analisadas as edições para as quais Jaques Corseuil escreveu. O objetivo é relacionar o design elaborado para a revista com as características formais e estéticas ali geradas, que legitimavam as percepções de quem a produzia. Percebe-se assim uma dimensão política na proposta estética construída para a revista por seus criadores, na medida em que, como produtores de bens simbólicos, elaboravam contínuas interpretações do cotidiano e da realidade. No número 64, de outubro de 1944, o editorial assinado pelo então diretor Sady Alves da Costa, chamado “Roberto Marinho na direç~o de ‘Rio’ ”, apresentou o jornalista carioca como seu novo proprietário. Anunciava ainda as principais novidades na revista a partir da edição de novembro: a chegada do novo redatorchefe, Henrique Pongetti (1898-1979), além da ampliação do quadro de colaboradores que passaria a contar com nomes de “grande prestígio da literatura, da ilustraç~o e da fotografia”, como Athos Bulc~o, Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Elsie Lessa, Jaques Corseuil, Jean Manzon, Quirino Campofiorito, Rachel de Queiroz, entre outros. Segundo o editorial, o novo time de colaboradores promoveria uma melhoria do periódico, ao aliar qualidade de conteúdo ao prestígio dos nomes. A revista reposicionava-se no cenário editorial a partir dessas inovações, sem perder, contudo, o “carinho de seus leitores”, continuando, ao mesmo tempo, a oferecer “uma revista melhor a cada ediç~o”. A proposta era que, a partir daquele momento, Rio se tornasse, ainda mais, um periódico orientado para o universo burguês e que isso pudesse ser percebido tanto em seu conteúdo editorial quanto em sua apresentação gráfica. Caracterizava-se por ser uma revista de amenidades temperada com comportamento, entretenimento e cultura dirigida a um público refinado, mas também para aqueles que desejassem conhecer um determinado estilo de vida. A função de redator-chefe, que deveria articular nas páginas da revista tais conceitos, foi exercida, em diferentes momento, pelos jornalistas Edmundo Lys (1899-1982) e Henrique Pongetti. Já Enrico Bianco (1918) e Martin N. Garcia foram os coordenadores artísticos, responsáveis por ordenar texto e imagem, o equivalente hoje ao designer ou diretor de arte. Apesar dessas mudanças, sua linha editorial continuou a mesma, privilegiando os acontecimentos sociais da cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo, 355 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais em que colunas de arte, literatura, balé, teatro, música e moda apresentavam o que deveria ser consumido, desde roupas e jóias até espetáculos. Era uma vitrine do high life, com páginas repletas de personalidades nacionais e internacionais. Ao mesmo tempo, estabelecia um diálogo constante com o Estado, a Igreja e a burguesia, veiculando comportamentos tidos como indispensáveis para ser um bom cidadão e modelo a ser seguido. Pela revista desfilavam modernidade e tradição, projetando a imagem de uma cidade que sempre desejou ser, acima de tudo, cosmopolita e chic. O projeto gráfico de Rio Projetos e objetos gráficos não nascem do nada, mas são frutos de uma cultura visual e material condicionada também por práticas de leitura. Nesse sentido, os conceitos utilizados pelo campo do design gráfico apresentam-se essenciais para o desenvolvimento dessa análise. Mesmo que naquele momento a figura do designer, tal como a entendemos hoje, não existisse ou não fosse assim denominada, há um projeto gráfico que permeia toda a publicação, estabelecendo sua identidade visual. Além disso, é preciso ressaltar que no período anterior a década de 1950, ou seja, antes do início da conceituação brasileira do design como atividade autônoma, existiam padrões visuais e uma produção industrial ou semi-artesanal que, mesmo incipiente, não pode deixar de ser considerada no contexto da prática do design no Brasil. O primeiro aspecto a ser destacado é que a revista traduzia simbolicamente sua especificidade por meio de uma excelência gráfica. Para isso utilizava o papel couché tanto para o miolo quanto para a capa, representando o requinte daquele universo. Já seu amplo formato, 27,0 X 32, 5 cm, era sinônimo de um produto mais luxuoso, por isso mesmo, dispendioso, destacando-se das outras que possuíam um tamanho menor. A policromia, isto é, impressão em quatro cores, era usada para a capa e contracapa, mas o miolo era impresso em p&b, enquanto os anúncios podiam ter uma, duas ou até mesmo quatro cores. A impressão em offset, tanto para texto quanto para as imagens, garantia a fidelidade das imagens e uma suavidade nos matizes das tintas, criando superfícies delicadas e texturas aveludadas quando se usava uma tinta luminosa ou metálica. Essas características formais estabeleciam uma associação e vínculo direto com seu público que percebia ali um produto de qualidade e, por isso caro, que seguia o padrão das publicações internacionais da época, como Vogue, Life, Harper’s Bazaar, entre outras. 356 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais O segundo ponto a ser ressaltado é que diagramação proposta para o texto visual e o escrito tinha uma clara referência no trabalho desenvolvido pelo designer russo Alexei Brodovitch, para a revista norte-americana Harper’s Bazaar. A principal característica de sua linguagem gr|fica era “a simpatia pelo espaço em branco e tipos precisos em páginas claras, abertas, repensando a abordagem do design editorial” (Meggs, 2009, p. 440). Mais do que definir um conceito estético, Brodovitch transformou a concepção de espaço e, consequentemente, de leitura, ao usar elementos do design funcionalista na revista, em que equilíbrio e simplicidade ajudavam a construir imagem e texto. Elementos que também surgem nas páginas de Rio, presentes nas soluções gráficas elaboradas tanto para a coluna de Corseuil quanto no resto da revista, que exibiam um refinamento visual no uso da imagem fotográfica, da tipografia e do espaço em branco, estabelecendo uma simplicidade e limpeza visual até então inéditas. A ilustração foi a técnica utilizada para as capas produzidas entre 1944 e 1956, recorte aqui proposto. A fotografia, como recurso visual de apoio, só aparece a partir de 1951, mesmo assim combinada em montagens; não há capas tipográficas, isto é, em que o texto assume a função de ilustração. Nas capas de Rio, o texto era usado somente no nome da revista e, ás vezes, como um elemento de apoio secundário para a imagem, pois não se usavam chamadas nas capas. Cada capa apresenta-se como uma peça individual criada por artistas em evidência na época, muitas vezes nem se relacionando com o tema da edição ou alguma matéria do miolo. Particularidade que é quebrada somente nas edições especiais, como as dedicadas ao Grande Prêmio Brasil e as de Natal. Na década de 1940 é claro o uso da pintura como única referência pictórica, enquanto que em meados da década seguinte percebe-se uma mistura de técnicas, como a fotografia e a colagem. Dos variados artistas que criaram as capas da revista, Sansão Castello Branco (1920-1956) foi o mais ativo, elaborando sete delas, as de número 79 (jan./1946), 142 (abr./1951), 188 (fev./1955), 189 (mar./1955), 190 (abr./1955), 191 (maio/1955) e 194 (ago./1955). Suas capas possuem uma linguagem apoiada na pintura, com uma narrativa visual, ao mesmo tempo, figurativa e apurada. Exceção a de número 142, em que usou uma colagem com flores, trigo e fitas para elaborar um rosto, criando volume e tridimensionalidade que não são percebidos em seus outros trabalhos. Já o francês Michel Burton projetou quatro capas. A primeira para a edição 203 (maio/1956), a do mês seguinte, 204 (jun./1956), depois a 207 (set./1956) e a 209 e 210 (nov.,dez./1956), sendo que estas duas últimas foram feitas em conjunto com o fotógrafo Otto Stupakoff (1935-2009). Sua refinada linguagem gráfica mescla fotografia e ilustração em colagens modernas e, ao contrário dos demais artistas, 357 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais faz uso do espaço em branco também nas capas, o que confere uma “assinatura” {s suas criações. Lázslo Meitner (1900-1968), artista húngaro, também criou quatro capas, as de número 84 (jun./1946), 192 (jun./1955), 199 (jan./1956) e 205 (jul./1956). Sua experiência como ilustrador em outras publicações como as alemãs Simplissimus e Jugend, é evidente nos projetos desenvolvidos para a revista. Também é visível a aproximação com o traço e a narrativa do ilustrador Saul Steinberg (1914-1999), estabelecendo mais um vínculo com os periódicos norte-americanos. Os demais artistas que desenvolveram as capas desse período foram: Gilberto Trampowski (1912-1982) para o número 64 (out./1944), Enrico Bianco para os números 65 (nov./1944) e 83 (maio/1946); Balloni criou para edição 71 (maio/1945); e Julio Senna desenhou a 73 (jul./1945). Lauthé criou a de número 112 (out./1948); Paulo O.F. fez o número 117 (mar./1949); Anísio Medeiros a 135 (set./1950); e José Moraes (1921-2003) o número 136 (out./1950). Nicole Cardoso Ayres criou a capa da edição dedicada ao balé, a de número 157 (jul./1952), a edição dupla 170 e 171 (ago.,set./1953) utilizou gravuras de Debret; Mémen fez a capa do número 177 e 178 (mar.,abr./1954), e Burle-Marx (1909-1994) a edição 183 (set./1954). Uma reprodução de Miró (1893-1983) estampou a capa do número 193 (jul./1955); A. Pereira criou a 202 (abr./1956); Martim Garcia a 206 (ago1956), e Darcy Penteado (1926-1987) fez a capa da edição dedicada às debutantes, de número 208 (out./1956). A confluência entre artes plásticas e design presente nas capas e no miolo da revista possibilitou um diálogo profícuo entre ambos, já que naquele momento as capas e a diagramação eram realizadas, em sua grande maioria, por artistas plásticos. Havia um trânsito entre o periódico e os artistas, que emprestavam suas assinaturas para o produto, indicando que a associação entre ambos era proveitosa: tanto para o periódico, que conquistava prestígio cultural, quanto para o artista, que adquiria um espaço e maior visibilidade na dinâmica social. A partir da edição de outubro de 1944, quando a primeira coluna do crítico na revista foi publicada, a diagramação da revista e da coluna se caracterizam pela clara influência da Harper’s Bazaar em seu projeto gráfico. Referência que estabeleceu uma identidade para a coluna e para a revista como um todo, garantindo, ao mesmo tempo, uma personalidade coerente e facilmente identificável por seus leitores. Nas páginas da revista e, consequentemente, da coluna de Corseuil, o espaço é definido em função da massa de texto e das imagens – fotografias ou ilustrações –, em cada elemento adiciona complexidade. Além disso, as relações entre o espaço positivo e negativo (que fica ao redor) dos textos e das imagens adicionam um dinamismo às páginas. Essa estratégia é visível nas fotos sangradas, sobrepostas e rotacionadas, estabelecendo uma sensação de movimento. Da 358 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais mesma maneira que as larguras das colunas de texto criam movimento quando “ganham peso” ao se usar um tipo bold (negrito) com uma entrelinha (espaço entre linhas) mais apertada. Ou ao contrário, quando uma leveza é necessária e pode ser alcançada com o uso de um tipo mais light (leve) associado a uma entrelinha mais aberta. Já o logotipo nas capas e no editorial são mutantes, isto é, a cada edição surgem diferentes, pois não havia uma preocupação em manter uma identidade via essa ferramenta. A leitura do nome bastaria para estabelecer a identificação do veículo. Os artistas tinham o costume de mudar o logo da revista, principalmente de letra, que poderia aparecer com serifa (prolongamentos na base da letra), bastão (reto) ou manuscrito. A partir de junho 1956, na edição de número 204, começa a ser utilizado o slogan “a revista do mundo elegante”, reafirmando a sua linha editorial. O logotipo da ficha técnica surge vazado em branco, em diagonal, todo em caixa alta (maiúscula) num box cinza reticulado, diferente dos anos anteriores quando era colocado acima do sumário da edição, normalmente com um tipo manuscrito e pincelado. O tipo usado para a composição dos textos da revista era o Bodoni, desenvolvido pelo italiano Giambattista Bodoni (1740-1813), em 1788. Caracteriza-se por apresentar uma construção geométrica, com serifas rígidas e finas e grande contraste de espessura. Classificado como "moderno” leva em consideraç~o a leiturabilidade e a legibilidade, e por isso entendido como um sistema de elementos distintos e polarizados: vertical e horizontal, grosso e fino, haste e serifa. No decorre das duas décadas, além da Bodoni, alguns títulos e textos foram compostos na tipografia Rockwell, criada em 1934, pela fundição norte-americana Monotype. Ao contrário da Bodoni, caracteriza-se por ter uma serifa reta e quadrada, chamada de slab serif ou egípcia, sem nenhum contraste entre hastes, retas e curvas. Essas particularidades somam-se ao grid – estrutura que permite organizar fotos, texto, títulos e dados secundários, em relações baseadas em alinhamentos, funcionando como guia para a leitura –, usado para as páginas e permitindo que variadas diagramações sejam criadas tanto para colunas, como a de Corseuil, quanto para as matérias e as crônicas que fazem parte do seu miolo. Ponto final A idéia de inovação, modernidade e requinte presentes nas páginas de Rio não era apenas para criar uma revista que agradasse seus leitores, mas também para legitimar um determinado público consumidor dos valores e comportamentos ali impressos. Ou seja, dar reconhecimento aos próprios produtores da revista, à elite que a produzia e a consumia. Um discurso que se alinhava com o período do Estado Novo (1937-1945), época em que mudanças políticas e sociais foram instauradas, transformando a dinâmica da sociedade tanto do ponto de vista econômico quanto cultural. 359 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Aspectos que ganharam uma nova dimensão ao engendrar novos valores e produtos artísticos. Arquitetar uma imagem de país moderno e construir uma identidade nacional pautada na cultura popular, mas intermediada pela chamada cultura erudita foram tarefas que o governo Vargas impôs. E a imprensa foi um dos principais meios para concretizar esse objetivo. Por conta da censura à imprensa, a atmosfera de fantasia, luxo e glamour se sobrepôs à realidade em algumas publicações, como em Rio, tornando-se, nessa dinâmica, lugar estratégico da articulação sócio-cultural da cidade, em que redes de sociabilidade foram criadas e novas formas de expressão estabelecidas. Contudo, as transformações ocorridas ao longo das décadas em que a revista circulou operaram mudanças na sensibilidade não só de quem a produzia, mas também naqueles que as liam. Mudanças que se fazem perceber na própria elaboração da revista, já que modificações são sentidas e vistas em suas capas e elementos de sua diagramação. Outro importante aspecto é o que se refere aos donos das revistas e aos intelectuais a elas ligados. Ser proprietário de um veículo como esse, ou mesmo colaborar, significava ter controle sobre um capital simbólico que lhes habilitava participar da vida política do país, estar próximo das importantes decisões ou até mesmo influenciá-las de alguma maneira (Mauad, 2006, p.368). Empresários das comunicações que tinham interesse em manter e ampliar esse capital e, consequentemente, seu prestígio para que tivessem garantido seu lugar na dinâmica social. Por isso a importância de um periódico como Rio, que promovia e representava tão bem o mundo elegante de seus leitores. 360 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais G T – 4 HISTÓRIA DA MÍDIA SONORA 361 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais AUDIOLIVRO: UMA ARTE NASCENTE César Augusto DIONÍSIO Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo (USP), SP. Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (UNISO), orientado pelo Prof. Dr. Osvando Morais. Introdução Problematizar o audiolivro é fundar sua origem, fundamentá-lo enquanto obra comunicacional, cultural e de arte, reflexionar sobre seu futuro em consonância com o futuro do livro em seus próximos capítulos. Nem sua origem, nem seu fundamento ideológico, técnico, científico, filosófico, hermenêutico, narratológico e epistemológico, nem seu consubstancial aspecto mercadológico, nem a possibilidade de uma impossível audiobiblioteca estão assegurados. É neste cenário hodierno que o objeto de estudo se insere e sua problematização encontra respaldo temporal, uma vez que se apresenta e se nota um conjunto particular de fatores que impele à investigação oportuna do tema. Primeira vez que o livro encontra-se midiaticamente desafiado a um nocaute agonizante por uma nova mídia que o enfrenta diretamente. Fatores estes que percorrem a quase-inexistência de estímulos reais à construção do hábito de leitura, ao atendimento consciente e produtivo do imediatismo do mundo contemporâneo e do mercado contemporâneo, leia-se, do cidadão e do consumidor moderno, e a insaciável e incessante busca pelo saber inesgotável. Num movimento dialético, díspare, difuso, bifurcador e dilemático, o homem roga por mais saber e, no entanto, dedica, a seu tempo, porção insipiente de seu calendário ao ato da leitura eficiente. Objetivos inconciliáveis que tornam o livro o remorso cultural mais legítimo do homem moderno, influenciando diretamente em sua composição e na forma como este leitor compõe leitores-mirins, seus sucessores na leitura e na escrita. Nesta ótica, o audiolivro pode ser não um adversário, mas um treinador que incita e suscita ao pugilante, o livro, um novo fôlego para um embate onde a vitória é do autor e do leitor, ambos exaustos em sua missão, abraçados no meio da lona, combalidos por terem usado por séculos a arma equivocada, o papel. O audiolivro e sua problematização podem se configurar como antídoto para a intersecção de tais problemas, que são de ordem sócio-cultural e de magnitude pedagógica, comunicacional, técnica e artística. Problemas e soluções que repousam possivelmente no poder do audiolivro, que é, intrínseca e extrinsecamente, o poder desvelador das palavras. A escolha do objeto de estudo, ao passo em que o exame deste cumpre acessar a realidade pesquisada, encontra abrigo na consonância e convergência lingüística escrita e falada. Melhor, o objeto de estudo se explicita primordialmente na palavra sonora, que se metamorfoseia em palavra grafada, e, por força e razão do audiolivro, retornará à sua gênese principal, que é a fala. Falar é essencial porque é a essência da comunicação, escrever é fundamental porque fundamenta a comunicação. A escrita codifica e a fala decodifica; e é a leitura silenciosa uma 362 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais atividade menor que a fala em todas as suas dimensões. Assim, a palavra nasce som, ganha contornos gráficos, e volta a ser som, desde que lida, falada. Abandonar ou ignorar o som da palavra escrita é tão displicente quanto desconsiderar a oralidade que impregnou inicialmente o ouvido do escritor, depois suas mãos e finalmente o papel, sepultamento da fala e do som. O livro é, portanto, invólucro de isolamento sonoro. Ao ler a palavra, a frase, a oração, o parágrafo, o leitor, agora ouvinte, ressuscita a palavra sepultada no processo da escrita, e acalenta e vivifica o texto morto, transformando-o em algo ritmado, com andamento, expressão e interpretação tão próprias que podem nem mesmo coincidir com a do autor. O fenômeno comunicacional “palavra falada-palavra escrita-palavra falada” bem sucedido deve ser amparado por preocupações e cuidados tanto na produção ou emissão (escrita), quanto na recepção (leitura) para que se cumpra. É fato que o livro pode ser encarado como um emissor que espera pacientemente seu receptor. Nem todos os que o tocarem receberam uma mensagem límpida, sem ruídos, isenta de distorções, mas sempre um eco que pré-anuncia o fluxo sonoro principal e depois uma sinfonia bem afinada que evidencia se é, nas mãos e ouvidos do leitor, hedonista ou não. Diferentemente, o autor obedecerá ao som sinfônico de sua oralidade interior como um servo feliz e transportará com habilidade o eco desta emissão sonora ao papel, que o espera. Caberá ao leitor transformar o eco, que o seduz, em sons orquestrados que trarão a Aurora da compreensão e fará com que a comunicação se complete em seu ciclo. O escritor caminha da Aurora ao crepúsculo. No papel cabe apenas o eco do que imaginara. Mas é exatamente do papel que o leitor deverá instrumentalizar, cada qual a sua maneira, a oralidade disfarçada de letras. A batuta pode mudar de mãos. Irá do autor para o leitor. Importante mesmo é que ambos executem a mesma música. O calor das idéias do escritor-emissor morre no papel, e é sepultado e extinto. Até que se aproxime dele um leitor que aceite conduzir o texto desde o sepulcro até a Aurora, vivificando-o novamente. O audiolivro veio para estremecer estes pilares. Assim, a an|lise do termo “audiolivro” oferece passaporte { associaç~o oportuna, dentro do momento histórico midiático contemporâneo, do livro ao som: áudio e livro, áudio mais livro, portanto, um acréscimo. Com isto, para que se possa compreender o termo audiolivro, deve-se rechaçá-lo como uma síntese e aceitá-lo em sua análise bipolarizada entre dois conceitos pré-existentes, quais sejam, o livro e o som. Não se trata, portanto, aqui, de comparar o livro ao audiolivro, senão de conceber livro e audiolivro como duas linguagens distintas, diferentes, dessemelhantes, orientadas cada qual por uma via. Um é papel, o outro é som. Um 363 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais é tangível, ou outro é digital. Assim, A literatura deve organicamente se reorganizar perante os novos alicerces gráfico-sonoros que se delineiam no fronte anunciado aqui. Contudo, vale pesar que, ainda que livro e som sejam conceitos simbolicamente conhecidos, o audiolivro não é conceito fechado, duro, irredutível ou de fácil apreensão para o estudo que ora se esboça aqui, porque novo e original. Com isto, o conceito de audiolivro é ainda volátil, sublime, abstrato, incontido, disperso, desorientado, fugaz. A análise deste objeto auxiliará, portanto, na definição desse contorno. Objetivos Isto posto, explicitam-se os objetivos a serem tentativamente atingidos por este esforço original de pesquisa: Identificar a fundação de um novo produto midiático, qual seja, o audiolivro, posicionando-o no campo das mídia; Confrontar a materialidade do livro vis-à-vis a imaterialidade do audiolivro; Identificar elementos comunicacionais no audiolivro e ausentes no livro para buscar a configuração efetiva de uma nova linguagem; Evidenciar o surgimento do audiolivro dentro do registro de um conceito histórico e tecnológico; Estabelecer o audiolivro dentro de nuances qualitativas, mapeando suas benesses para o leitor e para o autor; Estabelecer novo padrão de co-autoria, uma vez que o autor pode reassumir a assinatura fiel de sua obra, contando não apenas com a oralidade do leitor e seu repertório, mas com a reprodução de sua própria, pensada, autêntica e original oralidade; Evidenciar a reconstrução da palavra em sua porção genital, qual seja, oral; Aquilatar o impacto da recepção do som da palavra na formação da imagem mental, como opção à recepção da palavra lida; Dimensionar os benefícios para o público com algum tipo de déficit de acuidade visual e para o público ledor; Posicionar o audiolivro entre o cinema e o livro; bem como o e-book, como um ensaio para a estréia do audiolivro no cenário midiático, entre o livro e o audiolivro; Reconsiderar a função da oralidade como uma preocupação latente do autor que convive com a possibilidade de ter sua obra vertida em audiolivro; Inserir o audiolivro num conceito pleno de comunicação, cultura e arte. 364 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Metodologia A abordagem do tema ora escolhido, qual seja, o audiolivro e suas implicações e interações entre autor, obra e leitor, contextualizados nas teorias de comunicação, terá caráter investigativo eminentemente bibliográfico-qualitativo. A abordagem quantitativa, tão evitada no campo investigativo da comunicação, tão somente tangenciará a análise, ao se observar o comportamento do mercado audiolivreiro, sem perder o foco sobre o tema, senão acentuando aquilo que o levantamento bibliográfico e o embasamento teórico possam apontar. Assim, uma releitura de textos clássicos é condição necessária e indispensável, excepcionalmente pela sua contemporaneidade. E mais, a possibilidade da conversão dos clássicos gregos, por exemplo, em audiolivros representa uma convergência de interesses de análise tanto para o mercado, quanto para a academia, tanto pela forma, quanto pelo conteúdo. Em contrapartida, revistas eletrônicas, jornais e livros publicados na pós-modernidade mostram-se como fontes cada vez mais atentas e que podem efetivamente resultar em material pertinente à análise, colaborando com a instrumentalização da realidade estudada, e alinhando considerações inexistentes até então. Obras fílmicas e produção imagética também perpassarão a análise corroborando com a investigação aqui iniciada. A intersecção de aspectos gráficos e sonoros que circulam a semiosfera da palavra, tornando-a ora sólida, ora gasosa, ora concreta, ora vibração pura, é aspecto metodológico relevante na abordagem do presente tema. Neste sentido, a história da leitura, bem como a história do livro, são componentes indispensáveis à análise do audiolivro e suas nuances particulares e próprias. Considerações Finais Muito já foi discutido sobre o livro dentro do campo acadêmico, do ponto de vista simbólico foi exaustivamente explorado com suas significaçãoes e ressignificações e dentro de uma vertente histórica, seja por Chartier, Le Febvre ou até mesmo por McLuhan. Assim, o livro já é um conceito amplamente discutido nas ciências sociais, ainda que desvalorizadamente em sua asserção oral. A respeito do audiolivro, a teoria se encontra sensivelmente desorganizada, desarticulada, disforme, desconexa, de tal forma que a literatura sobre o livro não pode ser simplesmente transposta para se compor um referencial teórico para o estudo do audiolivro. Afinal, como já apontado, o livro já é um conceito, o audiolivro não o é. Sabe-se que o audiolivro extrapola o propósito de servir ao público com deficiência visual. Já não se pode mais admitir que o audiolivro atenda única e exclusivamente às pessoas portadoras de deficiência visual em qualquer grau ou profundidade. Isto porque as audioeditoras, i.e., com segmentação mercadológica orientada à produção de audiolivros, assumidamente elegem por foco prioritário o 365 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais público de grandes metrópoles. O foco é a massificação do consumo nos moldes mais antiquados e atuais da visão frankfurtiana. É a rotina das pessoas que dita como deve ser feito o audiolivro, muito mais do que a obediência às urgências de cunho social. O exame do tema que correlaciona a palavra falada e escrita, consolidadas no âmbito do audiolivro, permite reflexionar a respeito da possibilidade contributiva desta nova medium para o universo social, pedagógico, editorial e técnico-literário num momentum de hipermodernidade. Revelando-se, aqui, uma fotografia do audiolivro, tal qual embrionariamente este é concebido neste ínterim, é visão que pode efetivamente ser útil do ponto de vista do registro teórico de um parto, de um nascimento, de uma gênese em território nacional, que é resultado de um aumento qualitativo tecnológico, que possibilita a produção do audiolivro, de uma demanda de leitores assiduamente impregnados pela falta de tempo que os detém, e de uma demanda social de um país de não-leitores. Não se trata de aguardar o desenvolvimento desta medium, senão de antecipá-lo, aceitando-se academicamente adentrar o labirinto do minotauro midiático, meio falado e meio escrito, aquilatando o audiolivro em suas nuances para o que este representa e o que potencialmente representa. Por isto, oferecer contorno a uma primeira imagem do som que advém surdamente dos livros é uma abordagem contributiva que envolve a pesquisa do tema em foco. O audiolivro é o livro em seu período histórico. Referências Bibliográficas: BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. BENJAMIN, Walter. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. BLIKSTEIN, Isidoro. Kaspar Hauser ou a fabricação da realidade. 4 ed. São Paulo: Cultrix, 1995. BRESSON, François. A leitura e suas dificuldades. CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas. Brasília: Universidade de Brasília, 1994. 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PANORAMA DAS EMISSORAS DE RÁDIO PRESENTES EM BOA VISTA138 Andréia REGO139 Publicitária e Aluna do Programa de Pós – Graduação da Universidade Metodista de São Paulo/UMESP Introdução Em Boa Vista capital do estado de Roraima existem 06 emissoras de rádio, sendo 02 delas com freqüência AM e quatro FM, as quais possuem maior audiência na capital, podendo-se destacar o trabalho realizado por duas das emissoras FM e maiores concorrentes. Das 06 emissoras, uma pertence a grupo religioso, embora possua uma programação diversificada, não predominando, portanto uma programação unicamente confessional, mas devemos destacar o trabalho singular que é realizado pela emissora. Embora não exista em nível local nenhuma pesquisa de mercado que aponte as audiências, é possível identificar a preferência dos ouvintes. A Rádio Roraima AM é uma emissora do Governo do Estado. Três, das seis emissoras têm como foco o público jovem com programação musical centrada no pop rock: Transamérica Pop, 94.1 e 93 FM; uma possui uma programação musical mais elitizada, em busca do público adulto e familiar: FM Monte Roraima. A audiência geral no mercado radiofônico boavistense apresenta mudanças expressivas, para isso basta apenas que as emissoras apresentem novidades. No caso das emissoras AM, predomina o primeiro lugar para a Rádio Roraima presente há muitos anos no mercado. Por sua vez, a liderança da audiência no FM, nos anos 80, era da Rádio Equatorial, a qual lançou modelos de trabalhos para outras emissoras, como a Tropical, mas foi a Radio Roraima quem produziu e preparou grande parte dos profissionais que migraram para as emissoras FM bem mais tarde. 138 Trabalho desenvolvido para apresentação no I Congresso de História da Mídia do Sudeste, realizado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. 139 Aluna de Mestrado em Marketing Político pela Universidade Metodista de São Paulo. 369 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A seguir, faremos uma breve exposição sobre cada uma das 06 emissoras, listadas aqui por ordem cronológica: 1. RADIO RORAIMA AM 590 MHZ Na metade da década de 1950, o Território Federal de Rio Branco (atual estado de Roraima), não possuía uma emissora de rádio, fato esse que demonstrava que o Território era uma das poucas unidades da Federação que não possuía esse tipo de veículo de comunicação, sendo que essa era uma das reivindicações da população e uma das preocupações dos governantes locais da época. Em 1955, quando o então candidato à presidência da república – Juscelino Kubschek de Oliveira – esteve em Boa Vista em caráter de campanha, recebeu do então governador da época – Auris Coelho e Silva – a viabilização da instalação de uma usina de energia elétrica e de uma emissora de rádio. No ano de 1956, Juscelino eleito e empossado cumpre sua promessa e manda imediatamente construir uma usina termoelétrica no bairro Rói Couro, hoje São Pedro e, através de decreto, criou a Rádio Roraima. Nesse mesmo ano, no pleito do então governador José Maria Barbosa, é dado o inicio das atividades da Rádio Difusora Roraima – ZYA – 1 e com 1 KW de potência, com “status” de “R|dio”. Sua administração ficou a cargo do Profº Vidal da Penha Ferreira, locução de Valdemir Cavalcante e direção artística do Maestro Dirson Félix Costa. Devido ao fato de haver racionamento de energia elétrica imposto pelo governo, a programação da emissora era constantemente prejudicada. A emissora entrava no ar às seis horas da manhã. A programação era interrompida no período de 09h00min até as 11h00min pela manhã, e retomava sua programação das 11h00min até às 14h00min onde recomeçava o racionamento de energia que permanecia até às 19h00min. Nesse horário começava o programa mais antigo da emissora, o qual ficou no ar durante muito tempo: “O Mensageiro do Ar”, programa que anunciava os recados que a população boavistense enviava para os moradores dos arredores da capital e do interior, e a partir do qual mentinha a programação no ar até 23h00min. A Rádio Difusora Roraima completou 53 anos de funcionamento no estado de Roraima, vem atuando com uma programação diversificada levando lazer, cultura e notícias à população boavistense e aos demais ouvintes dos arredores da capital e interior do estado, consistindo em sua programação um conteúdo totalmente voltado para a realidade local do estado. Atualmente a emissora pertence ao Governo do Estado na Freqüência AM – 590/OT – 4875, possibilitando um alcance em quase todo o estado de Roraima, tem seu nome registrado como “R|dio Difusora de Roraima”, seus s~o a R|diobr|s e o Governo de Roraima, no qual a sua administração está a cargo do radialista Barbosa 370 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Júnior. A emissora também possui um site de endereço: www.radiororaima.com.br o qual está sendo atualizado, mas por meio é possível adquirir várias informações como a programaç~o, a história da emissora, sua equipe e atua com o slogan: “A R|dio Oficial nos Grandes Eventos”. Endereço: Av. ENE GARCES, N. 888 – São Francisco Boa Vista – RORAIMA CEP: 69.305 – 135 TELEFONES: (95)3623-2131/ 3623-2259 Email: Não Possui. Site: www.radiororaima.com.br 2. RADIO EQUATORIAL FM No início da década de 1980, Roraima foi agraciada com uma emissora FM de radiodifus~o, nascia a primeira radio FM do estado e recebeu o título de “R|dio Equatorial, funcionando na freqüência 93,3 Mhz. A Emissora ao longo de seu funcionamento passou por cinco proprietários que fizeram parte de sua implantação e história, os primeiros foram Julio Martins, Moisés Lipnik (falecido) José Renato Hadad (falecido), José Barros (Alemão) falecido e Rogério Miranda. Atualmente a emissora tem como proprietário o radialista e apresentador de Televisão Emílio Surita. Em sua caminhada, a Rádio Equatorial fez e faz parte da história de Roraima, pois esteve presentes em vários acontecimentos importantíssimos do estado, fazendo coberturas e transmitindo aos ouvintes da capital e interior, a emissora tem um grande público na cidade de Boa Vista e nos municípios vizinhos. Por ser a Rádio FM mais antiga de Boa Vista, a 93,3 FM possui um público bem diversificado, pois como permaneceu por alguns anos sem concorrentes na mesma freqüência, a emissora dominou por um bom tempo o mercado e como Boa vista é uma capital com pouco mais de trezentos mil habitantes, possuindo quatro FM e duas AM, sendo que uma FM tem uma programação religiosa e conservadora por pertencer a igreja católica, outra é apenas retransmissora, ou seja, não possui programação local, ficando somente duas emissoras com programação totalmente local, como é o caso da R|dio Equatorial e a sua “maior” concorrente a R|dio Tropical FM 94,1 MHz, isso leva ao fato de que o publico da 93,3 MHz é totalmente mesclado, ou seja, os ouvintes são pertencentes a todas as classes, credos, raças, idade e etnias. A Programação da Emissora busca atingir o seu público que é bem diversificado, isso leva sua equipe de produção criar uma programação que atinja a todas as classes, credos, raças, idade e etnias, buscando satisfazer os seus ouvintes. Nesse caso a programação não segue um padrão exclusivo, ou seja, a emissora busca direcionar sua programação para todos os gostos, fazendo uma mistura de 371 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais vários estilos de programas, pois a 93,3 FM possui uma programação que vai do forró ao jornalismo, passando por variedades, seguindo pelo entretenimento, policial, sertanejo e humorístico, tornando uma programação altamente eclética. O Jornalismo da Rádio Equatorial é produzido pelo seu departamento de jornalismo e conta com uma equipe qualificada e com correspondentes exclusivos em Brasília que cobrem a Câmara e o Senado Federal e no estado de São Paulo. Esse departamento também conta com a parceria da 93,3 FM com a Rádio Web, parceria que fortalece o jornalismo da emissora, pois é através dessa parceria que a emissora faz a cobertura dos principais acontecimentos no Brasil e no mundo, levando ao ouvinte da 93,3 FM notícias, informações, denúncias e cobre os fatos mais polêmicos e as principais noticias policias do dia, no estado, no Brasil e no mundo. A Rádio Equatorial está no mercado há mais de vinte anos, seu público classifica a emissora como Equatorial ou 93,3 FM e a emissora possui o slogan “A Nossa R|dio!”, est| com seu site em construção e brevemente seus ouvintes poderão acompanhar sua programação pela Web no endereço: www.93fmrr.com.br. ENDEREÇO: AV. ÁLVARO MAIA, 441 – APARECIDA BOA VISTA – RORAIMA CEP: 69.306 – 330 TELEFONES: (095) 3224-7831 e 3224-6220 EMAIL: [email protected] SITE: www.radiororaima.com.br 3. RADIO TROPICAL FM Antes de se tornar uma emissora da Rede Tropical de Comunicação e antes de receber o nome de Rádio Tropical, a FM 94,1 MHz, antiga FM Nacional pertencia à Radiobrás. Foi adquirida em leilão no ano de 1988, pelo empresário e atual Deputado Federal Luciano Castro, o qual é proprietário da emissora juntamente com a empresária Geilda Duarte Cavalcanti, esposa do empresário e atual Senador Mozarildo Cavalcante, e posteriormente a emissora teve a aquisição de mais uma sócia que é a empresária Rionete Reis, esposa do empreendedor e empresário Pedro José Lima Reis, formando assim o grupo de proprietários da emissora. Em 21 de Setembro de 1988, a Rádiobrás emite uma notificação em que autorizava a emissora ir ao ar, mesmo com essa autorização a Rádio só pode transmitir a sua primeira programação e entrar no ar definitivamente no dia 28 de novembro de 1988. No seu primeiro dia de transmissão, a emissora contava com seus primeiros radialistas que são: o radialista Carlos Alberto, o Jornalista Jeremias Nascimento e o radialista Adelmir Pimentel, esses são os radialistas mais antigos da emissora. Atualmente somente dois deles continuam na emissora, já Adelmir Pimentel deixou de fazer parte do corpo de radialistas da 94,1 FM. 372 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Durante a sua caminhada, a Rádio Tropical vem exercendo um trabalho voltado para o público jovem, pois tem uma programação diversificada que nela se encontram os programas mais antigos da emissora e de maior audiência que são eles: o Show da Cidade, (com o radialista Carlos Alberto) e Momentos de Amor (com o radialista Pedro Júnior). Um fator importante e diferencial da emissora em relação à emissora é o seu equipamento de transmissão, a Rádio Tropical possui um transmissor com 10 KV de potência, atingindo uma abrangência de 100 km em todo o estado de Roraima, isto é, a emissora não leva sua programação somente para a capital, ela também alcança algumas cidades do interior em um raio de 100 km no estado de Roraima, onde podemos afirmar que a emissora possui um poder de alcance considerável, sendo uma das rádios FM do estado que alcança o maior número de municípios de Roraima. Em algumas cidades, a propagação da abrangência da emissora fica a mercê do clima (vento, sol, chuva), como é o caso de Pacaraima que fica a mais ou menos 200 km da capital e, além disso, Pacaraima está localizada em área montanhosa, ficando acima do nível do mar, sendo assim a emissora consegue atingir uma boa parte do município. Por sempre manter um padrão em sua programação desde a sua criação, a Rádio Tropical atinge um público jovem com programas diversificado e músicas ecléticas voltadas para esse tipo de público. A emissora também possui um noticiário local, onde nesse programa são abordados notícias e acontecimentos do estado e também notícias e acontecimentos do Brasil e do mundo. A emissora possui uma programação variada e diversificada, seguindo um padrão implantado na empresa desde a sua criação. São mais de 20 programas que fazem parte da emissora e seus conteúdos são de vários formatos buscando satisfazer o público, levando notícias, entretenimento e diversão ao ouvinte da 94, 1 FM. RUA RICARDO FRANCO, Nº 139 – APARECIDA BOA VISTA – RORAIMA CEP: 69.306 – 370 TELEFONES: (95) 3623 – 2070 e 3623 – 2042. E-mail: [email protected] SITE: www.redetropical.com.br 4. RADIO FM MONTE RORAIMA 107,9 MHZ A Emissora foi inaugurada em caráter experimental em 29.12.2002, e posteriormente inaugurada em definitivo no dia 06.09.2003. A Rádio Monte Roraima possui essa nomenclatura desde sua criação e pertence à Fundação 373 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Educativa Cultural José Allamanom cujo objetivo é desenvolver uma programação voltada para a família e para marcar isso como posicionamento para o ouvinte utiliza como slogan “Radio FM Monte Roraima – a serviço e da cidadania e segundo dados de uma pesquisa de audiência realizada pelo Instituto Fecormécio, a emissora possui 22 pontos de audiência local. Em sua programação destacam-se os programas Conexão Sertaneja com Evandilson Alves, 107.9 é show com José Maria Carneiro, um dos mais antigos radialistas da cidade, o programa Ponto de Encontro com Márcia Seixas, o Informe Esportivo com Gláubio Batista e Música da Amazônia com Vânia Coelho. Em sua programação O jornalismo da emissora é composto pelos programas jornal Brasil Hoje pertencente à Rede Católica de Rádio, o Monte Roraima Notícias, o qual é produzido pela equipe Monte Roraima e prioriza as noticias do Estado e o Amazônia é notícia da Rede de Notícias da Amazônia. RUA FERNÃO DIAS PAES LEME N. 11 – CALUNGÁ BOA VISTA – RORAIMA CEP: 69.303 – 220 TELEFONES: (95) 3624 – 4522 E ( 95) 3624 – 4064 E-mail: [email protected] SITE: Não possui. 5. RÁDIO FOLHA AM A emissora não disponibilizou seus dados, impossibilitando a publicação dos mesmos e de sua história. Sabemos que a emissora transmite sua programação na freqüência AM 1020 MHz, possui uma programação nacional e local, pois a emissora é afiliada a Rede Jovem Pam e pertence ao Grupo Folha de Comunicação. RUA LOBO DALMADA N. 21 – SÃO FRANCISCO BOA VISTA – RORAIMA CEP: 69.300 – 000 Telefones (95) 3624 – 4522 e (95) 3624 – 4064 E-mail: Não possui SITE: Não possui. 6. RÁDIO TRANSAMÉRICA FM A emissora não disponibilizou seus dados, impossibilitando a publicação dos mesmos e de sua história. A Rádio Transamérica é transmitida em Boa Vista na freqüência 94,9 MHz, não possui uma programação local e tem como proprietário o empresário Rodrigo Maciel Castro. RUA CORONEL RICARDO FRANCO N. 139 – APARECIDA BOA VISTA – RORAIMA CEP: 69.306 – 370 TELEFONE: (95) 3623 – 8313/ 3623-6989 E-mail: [email protected] SITE: www.transamericabv.com.br 374 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Considerações Finais Boa Vista Capital do Estado de Roraima possui uma população estimada em 153.936 habitantes, isso torna a capital roraimense uma cidade com o maior índice de população do estado, ou seja, setenta por cento da população de Roraima encontra-se aglomerada em boa Vista. Com uma população tão densa, Boa Vista abriga em seu seio natural, 06 emissoras de radiodifusão, onde duas delas são de freqüência AM e quatro são de freqüência FM. Nesse contexto, podemos dizer que a população boavistense tem uma quantidade razoável de emissoras a sua disposição. Das 06 emissoras, duas são de freqüência AM, são elas: Rádio Difusora de Roraima e Rádio Folha, a primeira é a emissora mais antiga e a primeira no estado a ser implantada na década de 1950, pelo Presidente Juscelino Kubschek, ainda hoje a emissora permanece no ar. A Rádio Folha é uma emissora recente, foi implantada em Boa Vista no século 2000, pertence ao grupo Folha de Comunicação, no qual possui o periódico mais antigo do estado, o Jornal Folha de Boa Vista, pertencente ao economista Getúlio Cruz. Em Boa Vista a primeira emissora de rádio com freqüência FM foi a Rádio Equatorial, que foi implantada na década de 1980, trazia em sua programação um diferencial que permanece até hoje, que é o fato de fazer uma programação altamente local e eclética, buscando alcançar todos os gostos, raças, etnias e classes. Sua maior concorrente surgiu algum tempo depois, trazendo uma programação diversificada, buscando atingir o público jovem, é assim que se classifica a Rádio Tropical, pertencente à Rede Tropical de Comunicação, um grupo que possui uma emissora de televisão que é afiliada ao Sistema Brasileiro de Televisão – SBT. Uma das emissoras mais recentes no estado, com uma programação totalmente conservadora é a Rádio FM Monte Roraima, essa emissora se destaca por ser uma emissora religiosa e conservadora, pertencente à Fundação Educativa Cultural José Allamanom, onde seus fundamentos são católicos, por esse motivo a emissora tem o principal objetivo de desenvolver uma programação voltada para a família, buscando atingir o público religioso. Por último, não menos importante, vem s Rádio Transamérica, afiliada a Rede Transamérica do Brasil. A emissora foi implantada em meados dos anos 2000 e possui uma programação totalmente nacional, pertence ao empresário Rodrigo Maciel Castro e sua transmissão é através da freqüência 94,9 MHz. 375 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Podemos concluir que Boa Vista possui uma grande quantidade de emissoras de radiodifusão de acordo com a sua população, essas emissoras buscam se destacar entre elas e conquistar o público, como temos uma grande população na capital, as rádios de Boa Vista agradam a população, não deixam de atingir o interior também e leva informação, entretenimento, lazer, música e diversão aos ouvintes roraimenses. Referências Bibliográficas FREITAS. Aimberê. Geografia e História de Roraima. 5ª Ed. Manaus, Grafima, www.radiororaima.com.br, acesso em 15 de outubro de 2009. www.redetropical.com.br, acesso em 17 de Dezembro de 2009. www.portal.rr.gov.br, acesso em 11 de Janeiro de 2010. www.transamericabv.com.br, acesso em 08 de Fevereiro de 2010. www.folhabv.com.br/radiofolha, acesso em 11 de fevereiro de 2010. 1997. Referências Bibliográficas A Revista no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 2000. BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa: Brasil 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. CAMARGO, Mário de (org.). Gráfica: arte e indústria no Brasil – 180 anos de História. São Paulo: Gráfica Bandeirantes, 2003. CARDOSO, Rafael. (org.). Impresso no Brasil, 1808-1930: destaques da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, 2009. CERBINO, Ana Luiza. Revista Senhor: aspectos comunicacionais de um projeto gráfico. In: Anais do VI Congresso Nacional de História da Mídia – Rede Alfredo de Carvalho. Niterói: UFF, 2008. CERBINO, Beatriz. 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História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A: Faperj, 2006. p. 312-331. RÁDIO EM BOTUCATU: 70 ANOS DE HISTÓRIA Adriana M. DONINI Jornalista e mestranda em Comunicação pela UNESP Introdução O rádio em Botucatu, cidade localizada no interior do Estado de São Paulo, teve um papel de relevância em termos de influência cultural, social e política no município. A primeira emissora começou a funcionar em 1939 e, a exemplo de diversas outras de seu porte, a sua “época de ouro” se deu, principalmente, nos anos de 1950 e 1970. Os tipos de produções realizadas nas grandes emissoras, como os radioteatros e radionovelas, serviram de inspiração para o rádio botucatuense, o qual não se contentou em apenas veicular programas desse gênero que já chegavam prontos à emissora para serem exibidos, mas também teve preocupação em produzi-los. Os poucos recursos da época não foram obstáculos. Com improviso, se obtinham materiais que pudessem ser úteis à produção dos efeitos sonoros. As peças precisavam ser levadas ao ar ao vivo, mas isso também não era motivo de preocupação para os que atuavam nas mesmas, já que eles se empenhavam para agradar aos ouvintes. A relação do público com a única rádio que havia na cidade começou a ser cada vez mais próxima. Esse fator se dava tanto por parte das pessoas que lotavam os auditórios quanto das emissoras que marcavam presença nos eventos esportivos, sociais e, principalmente, culturais, exteriores à rádio e frequentados pelos botucatuenses. O rádio passou a ser uma instituição respeitável na cidade Na década de 1980, os programas musicais começaram a dominar as grades de programação e ampliou-se a participação dos ouvintes por telefone, diminuindo a presença da população nas emissoras e nos programas, os quais passaram a ser 378 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais mais baseados no improviso e pautados por canções que faziam sucesso na TV ou eram amplamente divulgadas pelas gravadoras. Nos anos de 1990, acentuou-se a redução na audiência que se tornou mais concentrada nos noticiários e, no caso dos programas de entretenimento, constituída por pessoas que preservam o rádio como um elemento de companheirismo. Nas duas emissoras, a informatização tanto na captação de informações quanto na produção e veiculação dos programas só ocorreu a partir de 2000. Porém, constata-se que, por causa da diminuição do número de profissionais e de programas, esses recursos não alteraram a qualidade dos conteúdos e tiveram pouca interferência na interatividade com os ouvintes, que continua sendo feita, na maioria das vezes, via telefone. Surgimento do rádio em Botucatu A primeira emissora inaugurada em Botucatu foi a Rádio Emissora de Botucatu, no dia 30 de outubro de 1939. Esse fato aconteceu após várias tentativas que, segundo informações do pesquisador João Carlos Figueiroa140, tiveram início em 1934, quando um inspetor de uma empresa de São Paulo chamada Cacique veio ao município para estudar as possibilidades de instalação de uma estação de rádio. No ano de 1935, esse anseio teria voltado à tona, com a publicação de texto sobre o assunto na primeira edição do jornal Folha de Botucatu, dirigido por Emílio Peduti e Pedro Chiaradia. Em 1936, foi instituída a Sociedade Rádio Emissora de Botucatu e, em 27 de outubro de 1938, já eram vendidas as primeiras ações. Mas, de acordo com Figueiroa (ibid.), a autorização para que a rádio fosse colocada no ar só se efetivou em 5 de julho de 1939, quando o Diário Oficial da União publicou a licença do Ministério da Viação permitindo a instalação e funcionamento da emissora pioneira da cidade. A partir daí, tiveram início atividades como seleção e contratação dos speakers e cantores; organização da discoteca e do estúdio; e escolha do local para instalação dos transmissores. A nova emissora teve Emílio Peduti como diretor superintendente, Olívio Nardy no cargo de diretor-gerente, e o compositor Angelino de Oliveira na função de diretor artístico. Em entrevista concedida a Figueiroa no dia 12 de abril de 1999, Milton Marianno, um dos primeiros locutores da Rádio Emissora de Botucatu, afirmou que foi incumbido de anunciar o prefixo da emissora, que foi guardado em segredo até a inauguração: 140 Pesquisador da história de Botucatu e ex-radialista. 379 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Eu tive o prazer de ser o locutor que anunciou o prefixo da PRF-8 pela primeira vez. Quando abriu a rádio, eu anunciei um prefixo que ninguém sabia. Foi mantido em segredo até aquele momento. A preparação foi sigilosa, eu também não sabia, tanto que eu me apresentei ao microfone e daí que eu abri o envelope aonde estava (escrito) PRF-8. (MARIANNO, 1999 entrevista concedida a FIGUEIROA, J.) Em relação à programação inicial, havia o programa Gentilezas, que consistia na veiculação de ofertas de músicas e desejos de felicidade, mediante pagamento. Para tal, foram colocadas urnas em casas comerciais, locais esses que eram denominados de Agentes do programa Gentilezas. Por causa da grande demanda de solicitações, além de ocupar a maior parte da programação, o Gentilezas, inclusive, invadia o horário de outros programas. Na fase inicial, a PRF-8, como passou a ser conhecida a emissora botucatuense, decidiu criar ainda um programa informativo, o Jornal Falado, patrocinado pela Casa Popolo. Sobre a estrutura física na época, Marianno (ibid.) recordou que o isolamento acústico era feito por meio de uma cortina de veludo e que por esse motivo dentro do estúdio “era um calor insuport|vel”. A exemplo das grandes emissoras de rádio, a apresentação de cantores e conjuntos musicais também compuseram a grade de programação nos primeiros anos da emissora. Consolidação do veículo no município No começo da década de 1950, Botucatu contava com pouco mais de 40 mil habitantes, incluindo a população dos distritos de Pardinho, Porto Martins e Vitoriana, e cerca de 110 armazéns, além de algumas “casas de fazenda” destinadas à venda de tecidos. Em relação ao entretenimento na década de 1950, além da ida aos circos, os sábados eram destinados aos bailes, e os domingos aos cinemas. No início da década de 1950, a Rádio Emissora de Botucatu foi vendida por um valor considerado elevado. O prédio e quase todas as ações que pertenciam aos irmãos Bacchi foram adquiridos por Geraldo de Barros e por seu irmão Antonio Emydio de Barros. Naquela época, o rádio ainda representava uma novidade para a população botucatuense e ocupava papel de destaque nos lares. As pessoas não deixavam de acompanhar as dramatizações transmitidas por esse meio, gênero que fez bastante sucesso nas grandes emissoras brasileiras na década anterior. Além da reprodução de fitas oriundas de São Paulo, como a radionovela O Direito de Nascer, existiam também produções realizadas por botucatuenses. Heitor Titon, que iniciou no rádio na década de 1950 e atuou como técnico de som da PRF-8 por mais de 50 anos, comentou sobre estas criações: "Nós tínhamos vários que escreviam as novelas aqui, o professor Genaro Lobo. Nós apresentávamos no nosso palco-auditório" (TITON, H. entrevista concedida à autora em 2001). 380 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Naquele período, o radialista Mário Costa Novo era o responsável pela direção de diversas peças teatrais, entre elas Tapete Mágico, apresentada diariamente às 10h e que levava ao ar músicas características de um determinado país, e Para Vovô Recordar, que consistia em valsinhas antigas, executadas por conjuntos regionais. Em 1957, por exemplo, as histórias escritas por Costa Novo possuíam meia hora de duração e consistiam em adaptações de letras de músicas, sendo que cada radioator recebia a cópia do script (roteiro) e as apresentações eram realizadas ao vivo. No final de cada história, a música adaptada era interpretada por um cantor local. O cotidiano de muitos botucatuenses, inclusive, era pré-determinado pelos horários das radionovelas e de produções que despertavam o interesse das pessoas. Algumas das atrações eram os programas de auditório como o No Reino da Gurizada, em que se apresentam crianças, e Big Show F-8, que tinha como públicoalvo os adultos. O programa infantil era realizado aos domingos pela manhã e os ensaios dos calouros mirins eram acompanhados pelos chamados conjuntos regionais e aconteciam durante a semana. Ivani Quadros, que participava dessa produção na década de 1950, conta que desde o primeiro dia em que se apresentou já foi escolhida para ficar no trono. Segundo ela, nessa época, o apresentador Plínio Paganini141 fazia a seguinte pergunta aos presentes no auditório: “Quem vai para o trono?”. Sobre os prêmios oferecidos pelo No Reino da Gurizada na década de 1950, Ivani diz que os participantes concorriam a pacotes de Café Tesouro, Sabão Colosso e Chocolate Lacta. Benedito José Gamito142 é outro que apontou o aspecto comercial presente no espaço infantil, característica típica de programas desse tipo que existiram no Brasil. Já Oduvaldo de Oliveira, iniciou no rádio em Botucatu no final da década de 1950 e foi apresentador do No Reino da Gurizada. faz o seguinte comentário sobre o programa: O auditório, com capacidade para 120 pessoas sentadas, tinha sempre 120 em pé, se acotovelando nos espaços laterais. Havia um patrocinador forte, a Lacta. Cada criança que entrava no auditório ganhava um bombom Lacta. Os vencedores do programa ganhavam produtos Lacta. Havia muita dedicação das pessoas que participavam na retaguarda do programa. O sanfoneiro João Cicino, responsável pelo acompanhamento, era muito entusiasmado, paciente e dedicado. Aos poucos foram aparecendo alguns destaques que apresentavam boas qualidades de ritmo, voz, etc. (OLIVEIRA, O. depoimento concedido à autora em fev. 2007). Em relação ao Big Show F-8, esse programa era voltado aos calouros adultos. Também vale salientar o quadro existente dentro desta produção e que foi 141 Plínio Paganini, foi radialista de grande destaque. Ingressou no quadro de funcionários da Rádio Emissora de Botucatu, a PRF-8, em 1941. A partir daí, atuou nos mais variados setores do rádio, até atingir o cargo de gerente, em 1956. Também foi vereador e prefeito do município. 142 Locutor desde a década de 1960. Entrevista condedida à autora em 2003. 381 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais criado por meio de uma paródia da peça musical O Poeta e o Camponês, de Franz Von Suppe. Esse espaço consistia em uma crítica bem humorada, principalmente sobre os problemas enfrentados pela população de Botucatu pós-Segunda Guerra Mundial. Mário Costa Novo, além de redator do quadro fazia também o papel do camponês que contestava a fala do poeta, interpretado por Valdomiro Simão Cury, que enaltecia a cidade de Botucatu. Confira trecho do quadro O Poeta e o Camponês, que foi ao ar em 1948: Valdomiro Cidade, berço doirado Plantado em cima da minha serra. Tens o grande predicado De alimentares quimeras Mário Botucatu, terra minha, Oh, meu suave deleite... Quando tens luz, não tens água Quando tens pão, não tem leite. Dentro da programação da PRF-8, se sobressaíam ainda os programas de auditório Sequência Maravilhosa e Calouros de Hoje, Artistas de Amanhã. É importante salientar também que diversos profissionais que ingressaram no rádio em Botucatu na década de 1950 possuíram uma experiência anterior de locução no serviço de alto-falante Volante Popular, que tinha como proprietário Venceslau Pinto. Entre os que atuaram neste serviço antes de começar no rádio estiveram Jaime Contessote; Valter Contessote, que iniciou na PRF-8 em 1957; e Osvaldo Mário. O esporte na cidade de Botucatu também já era destaque nesse período e o rádio acompanhava essa atividade, dedicando programas exclusivos ao tema como o Fatos e Não Boatos e o Esportes no Ar. Na área jornalística, havia O Mundo em Marcha, espaço criado no dia 11 de fevereiro de 1958 e, no qual, eram veiculadas informações locais, nacionais e internacionais. Além do Repórter Popolo, que consistia na apresentação de notícias durante a programação. Ainda na década de 1950, a Rádio PRF-8 passou a ser comandada pelo irmãos Paganini. O rádio em Botucatu na época do populismo No começo da década de 1960, Botucatu havia crescido pouco em termos populacionais. Surgiram algumas novas indústrias no município e outras já existentes foram ampliadas. Com a expansão do comércio varejista e a decadência das atividades agrícolas, a zona urbana cresceu: 78% da população passou a viver na cidade. A taxa de alfabetização também aumentou. O município passou a contar 382 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais com um novo prefeito: Emílio Peduti, que em seu último comício, no ano de 1959, teve a participação do humorista Mazzaropi. Quanto ao rádio, na década de 1960, a novidade ficou por conta das transmissões esportivas externas realizadas em outras cidades. Esse espaço passou a ser privilegiado, principalmente pelo fato de dois clubes do município, a Associação Atlética Ferroviária e Associação Atlética Botucatuense participarem dos jogos. Outro destaque de década em relação a esse veículo foi a implantação de uma nova emissora e contratações de profissionais. Surgimento da Rádio Municipalista O ano de 1962 registrou um fato importante para a história do rádio botucatuense. No dia 27 de maio daquele ano, foi inaugurada a segunda emissora: a Rádio Municipalista de Botucatu. Ela pertencia a Emílio Peduti, político de oposição a Plínio Paganini, proprietário da PRF-8. A denominação se deve ao fato de Peduto ser um líder municipalista na época. O locutor José Maria Leonel recorda como a população botucatuense recebeu a notícia de que surgiria uma nova emissora de r|dio na cidade. “Quando foi autorizada a concessão da sua implantação, foi uma conquista, uma festa para a cidade, porque era a segunda emissora. Botucatu ganhou mais um veículo de comunicaç~o”. (LEONEL, J. M. depoimento concedido { autora em 2001) Segundo pessoas que vivenciaram a inauguraç~o da “R|dio do Povo” (como a emissora passou a ser conhecida), e informações do jornal Folha de Botucatu de 2 de junho de 1962143, a solenidade de inauguração, ocorrida a partir das 8 horas, contou com as presenças de diversas autoridades locais, dos deputados federais Ana Badra e Cunha Bueno, do deputado estadual Jaime de Almeida Pinto, além de pessoas que estavam no município participando da XII Convenção dos Industriais. Em depoimento, o ex-radialista José Roberto Quinteiro comentou esse fato: Naquela manhã de 27 de maio de 1962, uma programação musical realmente muito bonita, os grandes sucessos da época em long plays. À tarde, a primeira grande transmissão externa da rádio Municipalista no estádio Dr. Acrísio Paes Cruz, da Associação Atlética Ferroviária pela taça Cidade de São Paulo, um jogo de futebol envolvendo o time da Ferroviária versus Sociedade Esportiva Palmeiras. À noite, em praça pública, um acontecimento que trouxe para Botucatu os grandes astros e estrelas da música popular brasileira. Esse show foi em praça pública (QUINTEIRO, J. R. depoimento concedido à autora em 2001). Sobre a implantação da segunda emissora de rádio, diversas pessoas atribuem seu surgimento a questões políticas. Quanto à programação, nos anos 143 INAUGURADA oficialmente a Rádio Municipalista. Folha de Botucatu, Botucatu 02 jun. 1962. 383 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais iniciais, a Municipalista também passou a realizar programa de auditório voltado ao público infantil, além de produções desse gênero destinadas aos adultos. As radionovelas foram outro formato de programa que teve espaço na nova emissora. Bahige Fadel144 lembra que ele era o responsável por alguns programas que iam ao ar no período, como uma produção sobre cinema. E, logo em seguida a essa apresentação, ele se transformava no contador de histórias infantis do programa Historinhas do Titio Jojoca, que era levado ao ar entre 17h e 18h. No início, a Municipalista despertou o interesse de diversos profissionais que já atuavam no rádio e passaram a querer trabalhar no novo espaço, o que motivou a disputa entre as duas emissoras pela audiência e a tentativa de melhor elaboração dos programas com o intuito de conquistar os ouvintes. Benedito Santa Rosa145 explica que um dos gostos dos profissionais da emissora em que ele atuava era serem pioneiros em levar ao ar discos recém-lançados. Uma das táticas, utilizadas para evitar que a Municipalista gravasse os sucessos e veiculasse mais tarde consistia na inserção do nome da Rádio Emissora em meio as músicas novas. Renê Alves de Almeida146 também disse que havia uma preocupação em se conseguir os últimos LPs de sucesso em São Paulo e rodar o prefixo da emissora para não haver cópia. Programas de auditório da PRF-8 na década de 1960 Os programas No Reino da Gurizada e Big Show F-8 fizeram ainda mais sucesso em 1960. Diversos botucatuenses têm ainda hoje em suas memórias aquela época em que se divertiam com a produção infantil. Mas um outro programa de auditório foi criado e começou a despontar nos anos 1960. Era o Galeria dos Mirins, voltado aos calouros adolescentes. Oduvaldo de Oliveira, que foi o responsável por idealizar essa produção, explica como ela teve início: Conversei com o João Cicino (sanfoneiro) e pedi sua opinião sobre um programa que abrisse espaço para aqueles destaques do ‘No Reino da Gurizada’ e ele achou boa a ideia. Fomos selecionando as crianças para um novo programa. Estava nascendo a ‘Galeria dos Mirins’. Quando tudo estava organizado falei da idéia para o Plínio Paganini (diretor e sócioproprietário da emissora). Ele gostou e disse para preparar o programa que ele queria ver. Informei que o programa estava pronto e ele foi assistir um ensaio. Gostou e passamos a estudar um dia da semana. Teria que ser à noite. Havia o problema da segurança das crianças. Voltariam muito tarde para casa. O problema foi resolvido assim: após cada programa a perua da rádio entregaria cada criança em sua casa. Com autorização, por escrito, dos pais, a rádio assumiria a responsabilidade pelas crianças. O Juizado de Menores autorizou e o projeto seguiu adiante. Acabava de nascer a ‘Galeria dos Mirins’ que por alguns anos brilhou nas noites de quarta feira (OLIVEIRA, O. entrevista concedida à autora em fev. 2007). 144 Bahige Fadel ingressou no rádio na década de 1960. Entrevista concedida à autora em fev. 2005. Iniciou sua carreira na PRF-8 em 1963, atuou como técnico de som e apresentador de diversos programas, entre eles o No Reino da Gurizada. Entrevista concedida à autora em 2004. 146 Ex-locutor e repórter. Depoimento concedido à autora em 2005. 145 384 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Ainda segundo Oliveira, o programa começava às 20h e terminava às 21h. O acompanhamento musical era do Regional Tabajara. Informação O setor de informações no rádio botucatuense também se ampliou na década de 1960. No dia 1º de março de 1964, a Rádio Emissora lançou O Palanque, programa jornalístico que existe até os dias atuais. Sobre a implantação dessa produção, Figueiroa explica que ela representou grande mudança no rádio botucatuense. Ainda em relação a esse programa, ele afirma que: Composto com subsecções de variedades, como piadas, noticiário policial, coment|rios do dia, reportagens em tempo real e entrevistas, o programa ‘pautou’ todo organizador de programação das demais emissoras. Foi um formato que deu certo; enquadrou-se com o dia-a-dia da cidade. Nisso está a inovação: noticiário não era apenas para ser ouvido, mas para ser entendido. Comentar tornava-se mais interessante, acrescentando aos ouvintes, recursos no entendimento das notícias (principalmente locais), tais como debates, entrevistas e opiniões conflitantes sobre o mesmo assunto. E sobre o formato resta dizer que, segundo os mais velhos jornalistas, inspirou-se no tradicional ‘O Trabuco’, de Vicente Leporace, da Rádio Bandeirantes (FIGUEIROA, J. entrevista concedida à autora em 2005). Na Municipalista, havia os programas Esclarecendo o povo, exibido no final da tarde; Peduti e Municipalista informam; e o Jornal em sua casa, exibido por volta das 21h. Algum tempo após a implantação de O Palanque, a emissora criou A Marreta, que também ainda é veiculado. Segundo depoimentos naquela época, as notícias eram captadas, em código Morse, de agências como a United Press Internacional (UPI) e France Press e, no período em que não havia nenhum radiotelegrafista, esse serviço chegou a ser realizado por funcionários dos Correios ou policiais. A participação do rádio botucatuense em eventos sociais A participação das emissoras na promoção de eventos sociais também começou a despontar nessa época. Entre essas atividades estavam shows em praças públicas. Havia ainda desfiles de bandas e fanfarras, promovidos pela Rádio Municipalista, além de homenagens ao dia das mães por meio de programas gravados em escolas com a participação dos alunos; e sorteio de brindes, atividade esta última criada pela PRF-8 no ano de 1959 e realizada ainda hoje. A época da ditadura militar Sobre a censura militar, a partir de meados da década de 1960, profissionais que trabalharam no rádio nesse período explicam que as direções das emissoras procuravam seguir as normas impostas. 385 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Em relação ao jornalismo, Rubens Roberto Herbst147, que ingressou no rádio em Botucatu na década de 1960 como técnico de som, disse que as notícias colhidas pelo rádio-escuta, geralmente oriundas das rádios Bandeirantes e Tupi, eram gravadas, transcritas sem modificações antes de serem levadas ao ar e arquivadas. No caso da utilização dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo, ele explica que as notícias já vinham censuradas e que o locutor citava a fonte, o que acabava não causando problemas às emissoras. De acordo com Mário Perini148, que foi diretor da Municipalista em meados da década de 1970, não podiam ser exibidas músicas que abordavam, por exemplo, a questão da distribuição de terra, a igualdade. O ex-locutor Valter Contessote149 também explicou que o diretor da PRF-8 na época orientou os técnicos a não veicularem algumas faixas de determinados disco, mas para se certificar de que não haveria problemas, a tática utilizada foi riscar a faixa com uma gilete. Santa Rosa (ibid.) contou que quando chegavam até à emissora discos que possuíam alguma música proibida, os mesmos continham um selo com essa indicação. Gamito (ibid.) avalia que ambas as emissoras de rádio estavam "partidariamente a favor do governo". Segundo Figueiroa (ibid.), Pedro Rocha, redator-chefe da F-8, chegou a ser preso, mas o motivo foi o fato de ser militante político. Na verdade, uma medida de precaução. Herbst (ibid.), no entanto, destaca um outro tipo de censura, com conotação mais moralista: o da igreja. Segundo o profissional, o arcebispo de Botucatu teria proibido a veiculação integral da música Geni e o Zepelin. “Tivemos que passar essa faixa para uma fita e cortar uma express~o utilizada”. Talvez as restrições façam com que se invista em determinados gêneros musicais, considerados aceitáveis pela política em vigor. Para acompanhar o ritmo da Jovem Guarda, as emissoras lançaram programas que veiculavam músicas relacionadas a esse gênero como o Juventude em brasa, Supershow de sucessos e Linha jovem. O rádio e o início da TV no município A invenção que chegou ao Brasil em 1950, na década de 1970, começou a se tornar de mais fácil acesso à população botucatuense. Figueiroa (ibid.) explica que até o advento do serviço de repetição criado pelo prefeito Joaquim Amando de Barros, em 1966, era impossível para a TV concorrer com o r|dio. “N~o est|vamos preparados para receber os sinais, como também as grandes emissoras de TV não 147 Técnico de som e locutor. Entrevista concedida à autora em maio de 2005. Ex-locutor. Entrevista concedida à autora em 2005. 149 Ex-locutor. Entrevista concedida á autora em 2006. 148 386 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais haviam se modernizado para dar um basta no chuvisco”. Ainda, segundo Figueiroa, o rádio valeu-se da demora da TV em chegar aos lares com uma imagem de qualidade, para abastecer-se com uma programação que não era oferecida pela televisão como, por exemplo, a transmissão esportiva. Além de esporte e notícia, na década de 1970, a programação musical foi ampliada e os programas sertanejos começaram a ganhar espaço, principalmente, no início da manhã e no final da tarde. Nesse gênero, integraram a grade de programação, por exemplo, as produções Ranchinho da Alegria, Ranchinho de Caboclo e Anoitecer no Sertão. A interatividade com os ouvintes não mais se dava por meio dos programas de auditório, mas pelo telefone. Programação nos anos 1980 e 1990 Na década de 1980, já com maior penetração da televisão no município, as emissoras seguiram as inovações e aderiram aos gêneros musicais do momento, conseguindo levar ao ar canções que eram executadas pela televisão e por emissoras de rádio da capital. Nos programas de entretenimento, havia quadros como o cantor misterioso, que tinha por objetivo a descoberta do nome do cantor, o qual a voz era distorcida pela mudança da rotação. Além da competição entre duas músicas de sucesso da época, espaço em que os ouvintes telefonavam e escolhiam qual das concorrentes julgavam melhor. O jornalismo também se manteve forte. Nesse período, o cotidiano da população não fugia aos microfones das emissoras. As reportagens externas possuíam grande espaço e os principais acontecimentos eram noticiados praticamente no momento em que ocorriam como, por exemplo, desfiles escolares; jogos; carnavais; apresentações musicais; acidentes de trânsito; e furtos. Com diferença acentuada no formato da programaç~o dos “anos de ouro”, a exemplo de outras emissoras do país, na década de 1990, percebe-se que a audiência passa ser maior entre alguns públicos. Nos programas de entretenimento, por exemplo, nota-se maior participação de pessoas que vêem o rádio como uma companhia. Os telefonemas, nesse tipo de produção, passaram a ser maiores por parte de donas de casa e empregadas domésticas, por exemplo. O espaço para que o ouvinte solicitasse músicas também foi reduzido. Emissoras aderem à informatização No caso da Municipalista, a utilização da Internet como fonte de informação se deu por volta do início de 2000, porém, com o quadro de funcionários reduzido em relação às décadas anteriores. Essa ferramenta, então, foi empregada para se obter notícias das agências e diminuir o trabalho de produção dos programas informativos. 387 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A transmissão online foi um recurso implantado no Brasil, em 1996. A Rádio Emissora de Botucatu colocou seu site no ar no dia 6 de setembro de 2008. Esse fato foi celebrado com show de cururu (desafio cantado) no auditório, unindo a modernidade com as raízes da emissora. O endereço eletrônico da PRF-8 é www.prf-8.com.br. Desde o final de 2008, a Municipalista também dispõe de um site (www.radiomunicipalista.com.br). Panorama mais recente A Rádio Emissora de Botucatu tem procurado retomar algumas atividades realizadas no passado como transmissões de carnaval, esportes e desfiles, além de retransmitir programas católicos e vender horários da grade de programação para outras religiões. A emissora ainda pertence a membros da família Paganini, que está no comando desde 1959. A PRF-8 também passou, desde 2007, a realizar atividades em seu auditório como exposições de equipamentos antigos, fotos e capas de vinis. Esse espaço ainda tem sido utilizado esporadicamente para apresentações musicais. No dia 12 de outubro de 2008, foi promovida uma festa no interior da rádio voltada ao público infantil e, em 2009, diversas atividades no auditório em comemoração aos 70 anos da emissora como o 1º Show Infanto-Juvenil Musical (SIM). Houve ainda a produção de uma série denominada Arquivo, na qual foram veiculadas gravações sobre coberturas e entrevistas armazenadas pela emissora ao longo de sua história. Em 2001, a Municipalista alterou seu perfil, quando a direção da emissora decidiu terceirizar os horários da programação, como já havia acontecido em alguns outros municípios. Com isso, houve extinção de programas. A emissora também passou a retransmitir parte da programação da Jovem Pan. Hoje conta, principalmente, com o programa A Marreta que vai ao ar das 7h às 11h, e algumas produções musicais. Considerações finais Por essa trajetória das emissoras de rádio de amplitude modulada em Botucatu percebemos que o veículo teve um papel social, político e cultural, importante no município. O estímulo aos profissionais, a criação e o envolvimento entusiasta deles pareciam ser maiores na “época de ouro” desse meio de comunicação na cidade se comparados à atualidade. Isso se constata não apenas pela fala dos mesmos - que contém, indiscutivelmente, certo saudosismo e orgulho , mas também por alguns conteúdos verificados nas programações das rádios, levando-se em conta, nesse caso, as restrições tecnológicas da época. A seleção de profissionais também era mais rigorosa tanto em relação aos que atuavam na parte técnica quanto aos locutores, sendo que no caso dessa última categoria, era utilizada a exigência que vigorava, ou seja, que tivessem vozes que se enquadrassem no padrão adotado naquele período. Em determinados momentos, principalmente nas décadas de 1950 a 1970, a emissora procurava adequar a sua 388 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais programação às tendências musicais e artísticas daquela época se espelhando, muitas vezes, nas grandes emissoras e a população também tinha sua vida social atrelada a esse veículo, que inclusive disputava com o cinema o papel de entretenimento. Nos anos 1980 e em meados dos 1990, o rádio ainda apresentava uma relação considerável com a população. É a partir daí que notamos uma diminuição da interatividade e menor participação do público, além de menor exploração por parte das emissoras dos recursos radiofônicos. Apesar da informatização nos anos 2000, percebe-se que os recursos tecnológicos não foram potencialmente explorados nas produções radiofônicas que passaram a apresentar menor elaboração e interatividade com os ouvintes. Referências Bibliográficas ALMEIDA, R. A. Ex-locutor e repórter. Depoimento [2005]. Botucatu, 2005. Entrevistadora: Adriana Donini CONTESSOTE, V. Ex-locutor. Depoimento [2006]. Botucatu, 2006. Entrevistadora: Adriana Donini DONINI. A. No ar: Rádio em Botucatu, anos 1950 a 1970. Botucatu, 2006. FADEL. B. Ex-locutor. Depoimento [fev. 2005]. Botucatu, 2005. Entrevistadora: Adriana Donini FIGUEIROA, João Carlos. Pesquisador e ex-locutor e repórter. Depoimento [julho de 2005]. Botucatu, 2005. Entrevistadora: Adriana Donini GAMITO. B. J. Locutor. Depoimento [jan. 2003]. Botucatu, 2003. Entrevistadora: Adriana Donini HERBST, R. R. Técnico de som e locutor. 2005. Entrevistadora: Adriana Donini Depoimento [25 maio 2005]. Botucatu, INAUGURADA oficialmente a Rádio Municipalista. Folha de Botucatu, Botucatu, 02 de junho de 1962. Disponível no acervo do Centro Cultural de Botucatu. LEONEL, J. M. Locutor. Depoimento [2000]. Botucatu, 2000. Entrevistadora: Adriana Donini MARIANNO, M. Ex-locutor. Depoimento [12 abril 1999]. Botucatu, 1999. Entrevistador: João Carlos Figueiroa. 389 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais QUADROS, I. Ex-cantora de programas de auditório da PRF-8. Depoimento [fev. 2006]. Botucatu, 2006. Entrevistadora: Adriana Donini. SANTA ROSA, B. Ex.locutor. Depoimento [2004]. Botucatu, 2004. Entrevistadora: Adriana Donini TITON, H. Ex-técnico de som e locutor. Depoimento [2001]. Botucatu, 2001. Entrevistadora: Adriana Donini. PROGRAMAS PORTUGUESES EM RÁDIOS DE SÃO PAULO: A MEMÓRIA E SEUS CÓDIGOS150 Mônica Rebecca Ferrari NUNES Doutora em Comunicação e Semiótica (PUCSP) FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, SP. UNIFAI- Centro Universitário Assunção, SP. Introdução Entre as noites de sábado e até as tardes do domingo, pode-se escutar, nas ondas AM, emissões de música portuguesa costuradas a notícias sobre Portugal e sobre a comunidade luso-descendente. São programas há anos comandados pelos mesmos locutores que envelheceram junto com a maior parte de seu público. Talvez, algo nas vozes doces desses locutores-amigos convidem o ouvinte ao restabelecimento de sonoridades esquecidas no espaço imaginário e mítico da terra natal como sons e sotaques de rimas antigas, “almas vencidas, noites perdidas, sombras bizarras...”151 que soam deste gênero de programação em luta aguerrida para continuar existindo no dial. Os ouvintes entrevistados para esta pesquisa vieram para o Brasil na segunda grande leva migratória, durante a década de 50-60, e cruzaram o Atlântico em embarcações de bandeiras italianas e alemãs, predominantemente. Os nomes femininos das naus, como Anna C, dissipavam a aridez da viagem, longa e, muitas vezes, penosa. Particularmente, naquele momento da história de Portugal, jovens abandonavam o país, fugindo da obrigação militar de guerrear nas províncias espalhadas pela Índia, África e Oceania, que estavam em conflito com as forças do regime político comandado pelo Primeiro-Ministro, Antônio de Oliveira Salazar. Não por acaso, a história dos programas portugueses no rádio paulista dialoga com a cultura portuguesa em São Paulo que, naquele momento, encontrara no rádio e na televisão as mediações necessárias para suas manifestações artísticas. 150 151 Trabalho encaminhado para o GT História da Mídia Sonora. Versos do fado Tudo isto é Fado, de F. Carvalho. 390 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais A historiadora Sônia Maria de Freitas (2006) registra alguns depoimentos que indicam a audição de inúmeros quadros radiofônicos de grande popularidade. Melodias Portuguesas, apresentado pela fadista brasileira, porém amante da música de além-mar, Irene Coelho, fora criado, em 1941, por seu marido, o guitarrista Manoel Coelho, e exibido pela antiga Rádio Cosmos152 , depois pela Rádio Piratininga, e, Rádio 9 de Julho, permanecendo no ar durante 65 anos, mudando de emissoras e com poucas interrupções. Em janeiro de 2008, era apresentado na Rádio Trianon.153 A Princesinha da Canção Portuguesa, título que recebeu do fadista e radialista Júlio Pimentel, faleceu em 2008. Longe dos Olhos, Perto do Coração, idealizado por Júlio Pereira, já era transmitido em 1964, todos os dias pela Rádio 9 de Julho, conforme relatou um depoente, compositor e radialista, em entrevista por e.mail154: Nessa época, o Julio já tinha seu programa, todas as manhãs no qual promovia a saudade de Portugal, com seus artistas tradicionais, dando vida e alegria a colônia Portuguesa de São Paulo. Falava muito do Manuel Marques, das Cantinas e promovia todas as festas e a vida social dos Portuguezes. Não me lembro muito bem, mais a Rádio 9 de Julho foi fechada pelo regime militar, acho que foi por volta de 1973, quando então todos perderam seus programas.155 Saudades de Além-Mar, de Nuno Madeira, transmitido pela Rádio Record, e Horas Portuguesas, levado ao ar pela Rádio Panamericana, dirigido por João Fernandes e apresentado por sua esposa, Inez Fernandes, são alguns dos programas radiofônicos que acompanharam a chegada daqueles portugueses que escolheram o Rio de Janeiro e São Paulo como estados-âncoras para sua fixação. Segundo Maria Izilda Mattos (2008), São Paulo tornou-se o principal atrator para a imigração, que, entre 1950 e 1960, era espontânea, isto é, não havia qualquer forma de incentivo para atrair os estrangeiros. De 1.085.287 imigrantes residentes no país, 310.261 eram portugueses e, destes, 135.428 moravam em São Paulo, segundo a historiadora. Esta grande comunidade pôde simbolicamente recuperar seus vínculos graças às associações e centros criados não apenas para estimular a sociabilidade entre seus membros, mas também para servir como mecanismo de controle e comunicação do governo salazarista e a divulgação de sua propaganda 152 No trabalho de. Lessa Matos (2002) há a indicação de que a partir de 1945, a emissora tornou-se Rádio América, entretanto, a pesquisa de Federico (1982:73) afirma que a rádio fora comprada pela rádio Bandeirantes com o respaldo de seu dono, o Governador Ademar de Barros. 153 http://thmatarazzo.bloguepessoal.com/107553/Irene-Coelho-Princesinha-da-cancao-portuguesaacesso em março de 2010. 154 Esta entrevista foi realizada porque no site deste radialista constavam depoimentos sobre Júlio Pereira. Mantive o registro linguístico original para preservar o documento. 155 A Rádio 9 de Julho fora reaberta somente em 1999 e até o final da escritura deste trabalho não foi possível descobrir para qual emissora o programa Longe dos Olhos, Perto do Coração se destinou durante este intervalo, mas sabe-se por meio de depoimentos de ouvintes, que ele continuou no ar. 391 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais (Mattos, 2008), em meio às atividades recreativas, inclusive as musicais, que evocavam lembranças da terra deixada, de modo a reconstruírem marcas identitárias entre a comunidade e Portugal. Porém, discutir se os programas radiofônicos da época contribuíram ou não para a propagação dos ideais do Estado Novo Português não é o objetivo deste trabalho. O que vale apontar, aqui, é a força dos signos sonoros marcadamente nas músicas selecionadas para as programações, como o fado, seus intérpretes, e mediadores, assumindo simultaneamente os papéis de fadista e de radialista, como a já citada Irene Coelho e também Manuel Marques, Abílio Herlander, Julio Pereira, Júlio Pimentel, entre outros que fizeram a história dos programas radiofônicos portugueses no Brasil. O último fluxo migratório relevante ocorreu durante os anos 70 em função da Revolução dos Cravos. De lá pra cá, programas desapareceram, fadistasradialistas abandonaram a profissão ou morreram, o rádio está também na Web, as mediatizações se complexificaram em camadas de fluxos sígnicos cada vez mais velozes e os patrocínios estão à míngua. O artigo contundente de Claúdia Tulimoschi (2010)156, “Música Portuguesa no Brasil – O Fim de uma Era”, lamenta o estado de muitos programas do r|dio carioca157, dedicados à preservação da cultura portuguesa no Brasil, que pouco a pouco vêm perdendo apoio financeiro e não encontram saída além do encerramento, a exemplo do Programa Júlio Pimentel, que foi ao ar pela primeira vez em outubro de 1942, pela Rádio Vera Cruz, e que desde 1978, ano da morte de seu fundador, era transmitido pela Rádio Bandeirantes do Rio de Janeiro por Antônio Campos e por Hélia Costa. O programa teve sua última emissão em fevereiro deste ano. Muitos outros estão sofrendo o mesmo destino: sucumbindo ao descaso de empresários que poderiam viabilizar a continuidade de um projeto cultural e comunicativo tão longo quanto a própria presença das levas migratórias portuguesas, do século XX, para o Brasil. Entretanto, ainda assim, é possível mapear programas paulistas que rememoram musicalidades e falas que conectam seus ouvintes a escutas abandonadas há tempos. Estes programas têm longa permanência no ar, alguns inclusive irradiados na mesma emissora, como o Programa Portugal Trilha Nova, de José Francisco Varela Leal, que há 43 anos atua à frente dos microfones da Rádio ABC, 570 AM, Santo André, transmitido aos domingos, ao meio-dia. 156 http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_artigo_660.htm - acesso em 16 de março de 2010. Claúdia Tumolishi refere-se ao encerramento de quatro programas desde o início de 2010 e ao encurtamento da duração daqueles que ainda permanecem em atividade justamente pela ausência de apoio financeiro. Está construindo a Web Rádio Portugal http://webradioportugal.blogspot.com/ como uma forma de tornar viável a manuntenção deste gênero radiofônico e de divulgação da cultura portuguesa. 157 392 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Embora o Projeto sobre os Programas Portugueses em São Paulo não esteja finalizado, pode-se afirmar que eles geram “repertórios de resistência”, tomando por empréstimo o conceito de Antonio Gramsci (1987), para indiciar que aqui imperam durações avessas à velocidade vertiginosa impostas às produções midiáticas rapidamente descartadas em face de um mundo obstinadamente jovem. Imperam as durações do fado, de vozes de velhos apresentadores e de velhos ouvintes, sem significar recrudescimento ou morte simbólica. As vozes envelhecidas dos homens-mnemones do rádio Simone de Beauvoir (1970) abre seu valoroso A Velhice, afirmando a necessidade de se quebrar a conspiração do silêncio em torno deste tema. Outra conspiração insurge: a das vozes envelhecidas reconduzindo a memória do ouvinteimigrante às reinvenções da paisagem que deixara, por meio das letras dos fados mais pedidos nos programas, dos sons da guitarra portuguesa, da voz de intérpretes que preservam este gênero de canção atemporal, sujeito à difusão midiática, neste caso, a dos programas em pauta. Presença Portuguesa, Rádio Universal AM, Santos, está no ar há 60 anos, comandado pela fadista brasileira, octogenária, Lídia Miguez, outrora acompanhada do marido, também fadista, senhor Manoel Ramos, português de Vila Nova de Foscoa, que chegara ao Brasil com 3 anos de idade. Manoel Ramos relembra as transformações do veículo: “outro dia cheguei { r|dio e notei que tinham acabado com o vinil, com a fita-cassete, era um aparelhamento mais moderno, um MD. Aí eu disse: escuta, ainda tem microfone para fazer r|dio?” (Valente, 2008:130-131). Atualmente, em Santos, existem seis programas portugueses em atuação, porém, do mesmo modo que as dificuldades cariocas, já descritas, Ramos sente a perda do apoio financeiro devido à mudança do próprio sistema comercial. Se antigamente, os patrocinadores dos programas eram os pequenos comerciantes de padarias, açougues e quitandas, hoje são as grandes organizações que têm condições para investimentos publicitários maciços, contudo demonstram pouco interesse neste tipo de programação. Porém, as emissões sobrevivem, talvez graças à teimosia de seus idealizadores que muitas vezes transitam do rádio para a vida social da comunidade luso-brasileira, a exemplo de Lídia Miguez, Martins Araújo, Varela Leal,158 e desse vínculo espacialmente marcado nas ações da comunidade organizada em associações, clubes, centros, renasçam vozes e músicas, a cada final de semana, ritualisticamente nas ondas da radiofonia paulista. 158 Varela Leal idealizou, em 1985, no ar, a ideia de formar um Clube que aglutinasse toda a comunidade luso-brasileira do Grande ABC. Surgiu O Clube de Portugal do Grande ABC, que, em 2007, passou a chamar-se Casa de Portugal do Grande ABC, “unindo os imigrantes de toda parte”(http://portubrasilis.blogspot.com/2009/03/francisco-jose-varela-leal-80-anos.html). 393 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais As marcas espaciais da cidade santista e a participação nas entidades comunitárias também contribuíram para Lídia Miguez articular o Audição Mulher, segmento do Presença Portuguesa. Diz, dona Lídia: No programa Presença Portuguesa, eu precisava destacar as senhoras lusobrasileiras e as descendentes de portugueses também. E eu procurei modificar um pouquinho e valeu, porque você ressalta o que as mulheres fazem, o que as senhoras fazem nesta sociedade(...) isso eu tenho visto no Elos Clube, em São Vicente, Praia Grande, Santos, nas casas de Portugal. As senhoras fazem questão de estar ali, trabalhando(...) (Valente, 2008:132-133). O resultado da malha que se tece entre a cidade, o rádio e estes protagonistas, afirma-se nos signos de oralidade encontrados em Audição Mulher, relevando a hibridação entre os signos da oralidade mediatizada (Zumthor,1993), que respondem às necessidades do veículo - como o uso de determinados equipamentos, a adequação ao roteiro demarcado temporalmente, e aqueles da oralidade primária, tal qual a espontaneidade vocal de Dona Lídia dedicada à apresentação da música portuguesa costurada aos desejos da memória projetados em suas falas entrecortadas, como ouvimos com a divulgaç~o de “deliciosos jantares” a serem realizados nos centros associativos, pontuados com exclamações de regozijos ao enunciar “(...)bacalhau aos murros...hum (...)”(extraído de Audição Mulher, 2009). A voz livre de falsos apelos - comuns à redação dos textos radiofônicos pautados em mecanismos enunciativos cujo objetivo é gerar o efeito de proximidade com o ouvinte - ganha força graças a um texto dialogado em que reverbera a doçura da voz envelhecida da fadista-radialista contrariando timbres ansiosos que permeiam o rádio na sôfrega tentativa de codificar o mundo como mundo jovem, produtivo, eficiente, tecnológico. Do mesmo modo, inclui-se aqui a conspiração de vozes de velhos apresentadores somados ao casal Lídia e Manoel, como Varela Leal, Martins Araújo, apresentador de Heróis do Mar, na Rádio 9 de Julho AM, Fernando Lopes, Programa Família Luso Paulistana, Rádio 9 de Julho – todos aos domingos. Apresentadores que reencenam os homens-arquivos ou mnemones, da Grécia Arcaica, cuja função era a de acumular toda “lembrança do passado em vista de uma situaç~o de justiça” (Le Goff, 1992:437). Tanto na mitologia como na lenda, o Mnêmon é um servidor do herói que o acompanha ininterruptamente para lembrar-lhe a ordem divina e evitar, assim, a morte. Os homens-arquivos de que tratamos confundem suas vidas à do rádio e emprestam suas vozes para a atualização de liames imprescindíveis para a manutenção da vida simbólica e afetiva daquele que partiu: a memória compreendendo-a como texto de cultura e em seus aspectos neurobiológicos. De 394 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais um modo e de outro, os afetos e as emoções são fundamentais para os processos de lembrar e também de esquecer, entendendo o esquecimento como preservação da própria memória (Lotman e Uspenskyii, 1981; Nunes, 2001). Estes programas recuperam a dimensão mítica da voz radiofônica, a voz divina, como já descrevera Murray Schafer (1997) ao se perguntar sobre a origem do rádio e verificar que, nas tradições religiosas, a voz do trovão, do vento eram os modos de comunicação através dos quais deuses falavam com a humanidade. Nesse contato invisível, estariam os primórdios míticos do rádio. De modo especial, reavivam-se vozes divinas nos fados que entoam narrativas pungentes que apontam os espaços reais e míticos do povo português como o mar e as imagens cristãs responsáveis pelas primeiras ficções marcadas por um imaginário fixado em referenciais católicos (Lourenço, 1999). Sopro criador, o espírito, é também pneuma, psiché, animus (Zumthor,1993). Voz-vida para cantar o fado. A Memória e seus Códigos na Escuta do Fado O conhecido estudo de Maurice Halbwachs (1990), sobre os quadros espaciais da memória coletiva, assevera que qualquer mudança de espaço material obriga-nos a um período de adaptação, e, neste período, a incerteza se apossa de nós, “como se houvéssemos deixado para tr|s toda a nossa personalidade” (...) as imagens habituais do mundo exterior são inseparáveis do nosso eu.” (Halbwachs, 1990:131). Mundo e alma deixados no cais159. E quando se analisa a viagem por mar, podemos inseri-la em um paradigma mito-poético e simbólico, partindo do significado de Oceano, Okeanós, cinturão líquido, sagrado, que rodeia o universo e corre em círculo; rio cósmico, filho de Gaia e de Urano (Vernant, 2000). Há uma lista infindável de letras de fados permeadas por imagens do mar, dos rios, das águas de Portugal. Assim, será pertinente dizer que o mar funciona como código para operar os processos da memória. O mar tem muitos tempos rítmicos, como as ondas e marés, e modula a saudade. Símbolo da eternidade, da reencarnação, da mudança e da permanência. A representação do mar como espaço fluido e, como tal, de incertezas e inseguranças proporcionadas por qualquer transformação, remete-nos igualmente à mítica travessia da vida para a morte, expressa em inúmeras narrativas que têm nas águas e nas embarcações pontos de passagem entre memória e esquecimento. Entre os órficos, dois caminhos são possíveis para que a alma faça seu transcurso: beber a água fresca que jorra da fonte da Memória e alcançar o reino dos heróis ou beber das águas do rio Lete, o rio do esquecimento, muitas vezes 159 Citaç~o parafr|sica do fado “Partir é morrer um pouco”, de Ary dos Santos, interpretado por Carlos do Carmo. 395 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais evitadas, pois os órficos buscavam a fonte da Memória como purificação final, escapando às reencarnações (Brandão, 1991). Também entre os egípcios antigos, as almas deveriam atravessar as águas para alcançar a imortalidade. Para chegarem ao reino dos mortos, era necessário saber os nomes de todas as partes do barco em que viajavam, como remos e mastros, somente a denominação praticada pelo defunto permitiria o cumprimento da travessia (Cassirer, 1985). Vale apontar que nomear /saber aproxima-se à própria figuração da memória no mundo clássico onde lembrar equivale a conhecer. De modo invertido, isto é, da morte para a vida, segue o périplo de Ulisses, o Odisseu, à deriva, resistindo a todas as provas para não esquecer /desconhecer sua terra natal, seu reino, sua família e finalmente voltar. O desejo de regresso expresso na narrativa de Ulisses sinaliza para uma próxima articulação de signos que mobiliza as aproximações entre o exilado, o emigrado e as reconstruções dos espaços fixos, como a cidade, presente nas letras dos fados mais pedidos pelos ouvintes. Edward Said (2003), em Reflexões sobre o Exílio, pontua as dessemelhanças entre o exilado e o emigrado. A princípio, este último tem a possibilidade de escolher para qual país se dirigir, não foi banido de sua terra de origem e, por isso, pode retornar a ela quando quiser. Said afirma que os emigrados são também, muitas vezes, pioneiros e construtores de outras nações e, nesta medida, perdem o rótulo de exilado, que metaforicamente, possuem. Por outro lado, o estudo de Eduardo Lourenço (1999:14) sugere um estado ambíguo do tempo português, a vivência simultânea do passado-presente. A maneira do povo português se voltar ao passado é “(...) simplesmente saudosa (...) é esse lugar, esse passado-presente, que a ‘alma portuguesa’ n~o quer abandonar.” Esse amor ao passado-presente idealizado aproxima os estados emocionais do imigrante português - exilado do passado - àqueles descritos por Said, ao refletir sobre a tristeza e o sentimento de orfandade experimentado pelo exilado, graças à perda de contato com o chão da terra deixada para sempre. Em ambos os casos, somente a memória pode criar sentido para tal ruptura irreversível. Ao analisar, especialmente, a programação de fados do Presença Portuguesa, percebe-se um repertório fundado em uma memória de afetos acionada pela performance de certos intérpretes do fado repetidamente solicitados. Esta estabilidade é alcançada porque a voz poética e performática tem também a função de estabilizar os grupos sociais, como sinaliza Paul Zumthor (1993), mesmo que seus intérpretes se desloquem no tempo e no espaço, como demonstram a presença de intérpretes antigos, como Amália Rodrigues, ou as cantoras de fado contemporâneas, como Dulce Pontes ou Mariza – sem dúvida bem menos requisitadas. 396 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Será por meio da performance que as palavras poderão subsistir aos bolores do tempo e se tornarem reais. A voz poética é também voz-memória. Dentre a lista de fados mais pedidos, muitos deles têm, em suas letras, a paisagem natural, a cidade, nomes de bairros, personagens, ofícios e tradições ou a casa como temas, estes elementos funcionariam igualmente como códigos para acionar a memória do ouvinte. Para muitos dos ouvintes-imigrantes entrevistados para o projeto, o fado significa “nossa terra, coisas da nossa gente” - impressões acompanhadas de certa tristeza e melancolia, afinal, como testemunha a canção, Partir é morrer um pouco (de José Carlos Ary dos Santos, interpretado por Carlos do Carmo), partir significa também dizer adeus aos “parceiros das farras, aos copos, às noitadas, ao langor das guitarras, {s sombras da cidade”. Assim, a essa partida, em muitos momentos, forjada em situações penosas, corresponde à necessidade da criação de liames que possam superar as mazelas impostas ao imigrante. O fado, em muitos momentos, cumpre o papel de acionar a memória por meio de conjunções perceptuais, cognitivas e emocionais propostas pelo som e pela letra, restabelecendo, a cada ato performático, os vínculos entre o sujeito que partiu e seu lugar de origem. Por meio da voz poética, da música e da memória ancoradas nas representações do espaço, sempre re-inventado, experiências subjetivas, apoiadas em objetos materiais cotidianos com os quais o indivíduo tinha contato, alinham-se às da coletividade, e, assim, afastados de seu país de origem, os membros de um grupo permanecem unidos através da rememoração do espaço, mesmo quando estes lugares e objetos são apenas imaginados, a exemplo do habitante da mais longínqua aldeia portuguesa que não conhecera a capital do país, mas que pode reinventar seu espaço natal por meio das letras de fados que exaltam os bairros de Lisboa. Percebe-se que muitos fados recriam a paisagem sonora da cidade, participam dos quadros espaciais da memória e contribuem para o “processo de construç~o identit|ria que passa por um processo de localizaç~o do mundo(...)” (Ferreira, 2003:53). Fundamental ao imigrante, que deve reconstruir seus vínculos com seu país de origem e com aquele em que vive. A complexidade do espaço habitado revela saberes de outros tempos: o pregão das varinas, a voz de míticos fadistas, floristas e ambulantes. A conexão de tais signos permite que a escuta do fado articule narratividade aos espaços imaginados e o território deixado ganha textura e se materializa simbolicamente por meio de imagens espaciais e auditivas transmitidas pela voz poética-voz memória. 397 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Conclusões parciais O neurologista Antônio Damásio(2003) analisa as idéias do filósofo Espinosa para entender a neurobiologia das emoções a caminho da preservação da vida. Espinosa refere-se ao connatus “esforço implac|vel de auto-preservação presente em qualquer ser”(Dam|sio, 2003:52). Para o neurologista, esta tentativa revela-se como a noç~o de que “um organismo vivo est| construído de forma a lutar, contra toda e qualquer ameaça, pela manutenção da coerência das suas estruturas e funções” (Dam|sio, 2003:53). O pesquisador atesta também que os estados de alegria e da tristeza são emoções primeiras, na base dos comportamentos sociais, que podem nos levar, no caso da vivência da alegria, à preservação da vida e à longevidade ou, quando submetidos à tristeza, à doença e à morte. Se o connatus, do qual nos fala Espinosa, é esforço para os estados de alegria, isto é, de auto-preservação, de algum modo, os programas portugueses no rádio, compreendidos como textos de cultura, podem desempenhar, em algum momento, o papel de “resistir { angústia causada pelo sofrimento e pela morte” (Damásio, 2003:303) e se tornarem meios de supressão da tristeza, da saudade, ainda que muitas vezes, tornem-se metáforas dessa emoção negativa, a exemplo da linguagem do fado. É sempre bom marcar que o pouco que se sabe sobre a memória revela que lembrar é um processo ativo e se baseia em processos cognitivos e emocionais. Recuperar um evento, como a paisagem sonora dos espaços deixados, como as estudadas aqui, não é recuperar o aprendizado original, mas refazer a própria memória da última vez que foi invocada (Rose, 2006). “Recordar n~o é reproduzir mecanicamente um fato, mas reconstruí-lo ou mesmo construí-lo. A cada recordação, as lembranças assumem novas codificações e se contaminam pela atualizaç~o do presente”. (Nunes, 2001: 111-112). Desse modo, o rádio, graças à tessitura sonora que o singulariza, adensa o sentido do fado ao responder pela atualização da lembrança que faz do tempo da escuta do ouvinte-imigrante, tempo de repercussão dos espaços afetivos vividos. Ainda que as lembranças sejam constantemente modificadas pelo contexto, vozes sutis refazem a memória dos territórios esvaziados pela distância e pelo deslocamento. Vozes de parceiros radialistas-fadistas ou amantes do fado, a exemplo do Padre Armênio, filho de portugueses, apresentador do Programa Caravela do Fado, transmitido aos sábados, à noite, na Rádio 9 de Julho. Vozes de homens-arquivos capazes de reconstruírem, a cada entrada no ar, a história do próprio ouvinte, a história do veículo com o qual ele se mantém conectado para superar seu próprio envelhecimento. Vozes de intérpretes que tornam o fado uma canção movente graças também às letras que vencem o tempo cronológico. Por tudo isso, os 398 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais programas portugueses no rádio afirmam também uma forma de vida, e, indubitavelmente merecem ser pesquisados. Referências Bibliográficas BEAUVOIR, Simone. 1970. A Velhice. I. A Realidade Incômoda. SP: Difusão Europeia do Livro. BRANDÃO, Junito. 1991. Dicionário Mítico-Etimológico de Mitologia Grega. Vol 2. Petrópolis: Vozes. CASSIRER, Ernst. 1985. Linguagem e Mito. Trad. J. 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Em pensar que um dia houve dúvida se o rádio se manteria vivo na vida das pessoas. O rádio existe há décadas e continua presente nas pequenas e nas grandes cidades brasileiras. Não importa se no carro, em casa, no campo, nos consultórios, em aparelhos sofisticados de MP3 ou celulares, ou mesmo em rádio de pilhas. O rádio existe e persiste e, com ele, as programações mais variadas de músicas, notícias e propagandas. E é exatamente da relação do rádio os anunciantes, sobretudo da propaganda de medicamentos, que o presente trabalho pretende abordar. O rádio cultural-educativo concebido por Roquette Pinto, aos poucos deu lugar aos programas destinados ao entretenimento e, para manter um padrão de qualidade frente à concorrência, o meio impulsionou o profissionalismo. Segundo Tavares (1999, p 55) Roquette Pinto era radicalmente contra a propaganda e jamais permitiu qualquer tipo de mensagem publicitária da Sociedade Rádio do Rio de Janeiro, até sua doação ao Ministério da Educação e Cultura, em 1936. Segundo Simões (1990, p 174), no final da década de 20, já se empregava a publicidade radiofônica sob diferentes formatos, que incluíam a apresentação da mensagem de forma improvisada pelo condutor do programa, sem qualquer preparação técnica anterior, a leitura do texto dos anúncios publicados na imprensa, a leitura de textos especialmente preparados para o rádio, a emissão de anúncios durante o intervalo comercial e a emissão de anúncios musicais. Mas o início de um rádio com finalidade comercial se deu entre os anos de 1925 e 1930, com os avanços técnicos nos sistemas de transmissão, a popularização dos aparelhos e a inserção regular dos anúncios na programação. Ainda segundo Simões, com o advento da publicidade, as emissoras mudaram a programação, passando a misturar música popular, esportes e informação de atualidade. Surgia o conceito de audiência no rádio. Neste período, a imprensa se sustentava com recursos publicitários reduzidos e, por isso, enfrentava muitas dificuldades para a distribuição do produto em âmbito nacional. Segundo Ramos (1995, p 39), o rádio já existia há anos, mas tinha pouca propaganda, até que em 1933, surgiram os spots e os jingles, além de programas com patrocinadores. Os programas da Rádio Cultura em São Paulo e da Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, passaram a ser patrocinados por anunciantes grandes como Gessy e Ford. Simões (1990, p 175) informa que os anunciantes do rádio, na primeira fase de desenvolvimento da publicidade, eram quase todos do comércio varejista, mas 401 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais logo se somaram os fabricantes de refrigerantes, cervejas, café, tabaco e medicamentos. Representando a indústria farmacêutica, o laboratório Sidney Ross se transformou em uma referência. O laboratório realizava suas pesquisas em todo território nacional, através da equipe de vendas. Por este motivo, as emissoras que veiculavam os anúncios de Sidney Ross eram consideradas as mais ouvidas e influentes em sua área de cobertura geográfica. Os medicamentos já eram grandes anunciantes na época. Antes da chegada do rádio, já investiam em outdoors, jornais e revistas, mas passaram a investir mais em rádio, principalmente a partir do surgimento dos grandes programas: Programa Casé, Programa de Otávio Gabus Mendes, PRK 30, Balança mas não cai, e outros. Com programas de sucesso, audiência e bons profissionais, o rádio passou a se profissionalizar, conquistando mais ouvintes, por meio de suas radionovelas e mais anunciantes, como a indústria farmacêutica que investia nos programas e apostava na credibilidade dos locutores. Estes repetiam por várias vezes os slogans “Piralgina destrói qualquer dor.”, “o Brasil precisa de sangue bom, tome Elixir de Nogueira.”, “Tome Pastilhas Minorativas e sorria outra vez.”, enquanto o Colírio Moura Brasil prometia: “2 gotas, 2 olhos claros e bonitos.” Sangirardi Jr, grande nome do rádio brasileiro, chegou a destacar a importância dessas frases repetidas pelos locutores, ao destacar a propaganda do medicamento Mitigal: “Mitigal acaba com as coceiras. Mitigal é um remédio muito bom, foi o moço do r|dio quem falou!” Tal registro entrou para o Anu|rio do R|dio de 1948 (Tavares, 1999, p 43). Para Hansen (2004, p 41), o moço do rádio falar é legitimar algo, como a promessa de cura de um determinado medicamento. O ouvinte ou provável paciente, absorve, muitas vezes, poucas informações a respeito de um assunto, mas sabe vários fatos do acaso. Fatos em forma de conversa, conselhos de colegas e mensagens divulgadas pela mídia. Fontes nem sempre seguras e idôneas, que se propagam em tal velocidade que, o “paciente-telespctador-ouvinte-leitor” n~o percebe. Mas que certamente, o anunciante, em especial a indústria farmacêutica, sabe. Segundo registros da história do rádio, os medicamentos investiram fortemente nas radionovelas: Renúncia, Céu Cor-de-Rosa e Helena, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. “Rodine, a boa enfermeira”, “Seja f~ de Fandorine”, “Melhoral é melhor e n~o faz mal”. Anunciantes que antes só investiam em bondes e revistas passaram a fazer parte do rádio. Orlando Silva tinha seu nome atrelado às marcas dos medicamentos Fandorine e Urudonal. Urudonal inclusive utilizava-se da rima para ser mais facilmente lembrado: “Ol| como se sente? Rim doente? Tome Urudonal e viva contente” (Ramos, 1995, p 48). E para a fixação das marcas e das rimas, nada melhor do que os jingles. Melhoral e Sonrisal logo se manifestaram. Profissionais criativos e talentosos como 402 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Gilberto Martins, Geraldo Mendonça, Antonio Maria, José Mauro, Heitor Carillo, Haroldo Barbosa trataram de trabalhar e muito, tornando os jingles memoráveis e as marcas conhecidas. “Melhoral, melhoral é melhor e n~o faz mal”, “Pílulas de Vida do Dr Ross, fazem bem ao fígado de todos nós” (Tavares, 1999, p 43). Boa parte do sucesso de vendas dos medicamentos deve-se às constantes promessas de cura da indústria farmacêutica, por meio da propaganda. Da propaganda boca a boca, aos anúncios em bondes, revistas, spots e jingles em rádio, na TV, enfim propaganda de medicamento sempre utilizou do medo das pessoas pela doença, no grande processo de marketing da dor, para ameaçar e vender medicamentos, o que certamente sempre funcionou. Mas com o passar dos anos, com a moralização do setor, sobretudo com a preocupação em se fiscalizar a venda desenfreada de medicamentos, intimidando o comércio da indústria farmacêutica, a fim de evitar o consumo irracional de medicamentos pela população, leis e resoluções surgiram. A Lei da Vigilância Sanitária nº 6.360, de setembro de 1976 (atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996), exigia que o medicamento ético (com tarja vermelha ou preta) não fosse mais anunciado na mídia de massa, ficando restrito apenas às publicações segmentadas aos médicos. Diante de tal fato, houve mudanças na propaganda brasileira, já que a indústria farmacêutica, desde 1850 despontava como um dos principais anunciantes. Mesmo com tal restrição, o medicamento de “venda livre” (na maioria analgésicos, antigripais, antiácidos), diferentemente do ético, continuou a divulgar na mídia de massa, inclusive no rádio. Na opini~o de Nascimento (2005, p. 38) “a propaganda de medicamentos nos meios de comunicação de massa é um estímulo frequente para a automedicação, especialmente porque explora o desconhecimento dos possíveis consumidores sobre os produtos e seus efeitos.” De fato, pode-se observar que nos meses de outono e inverno, temporada de infecções respiratórias e crises de alergia, os intervalos comerciais do rádio ficam ocupados de propagandas de descongestionantes nasais, xaropes e expectorantes. Profissionais e pesquisadores da saúde pública afirmam que há inúmeras peças publicitárias irregulares, incentivando, ainda que indiretamente, o uso indiscriminado de medicamentos pelos consumidores. Levantam como principal aspecto das mensagens o não estímulo de hábitos saudáveis, mas sim a exploração do mercado das doenças e sintomas. Ou seja, um interesse unilateral, visando lucros a qualquer preço. Acusações e polêmicas de lado, o que se sabe ao certo é que a questão do consumo irracional de medicamentos no Brasil, confirma a colocação do brasileiro como um dos povos que mais se automedica no mundo. 403 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Automedicação tem uma relação estreita com autotratamento. E não é de hoje que a prática do autotratamento existe e sua origem não tem relação com o rádio ou com qualquer outro meio de comunicação de massa. Trata-se de uma herança cultural: dos achados indígenas aos chás da vovó, das receitas caseiras com ervas ou garrafadas regionais até o consumo abusivo de medicamentos indicados por amigos e familiares e comprados sem limites em farmácias. Sabe-se que a automedicação pode causar reações adversas e efeitos colaterais, além de mascarar doenças e gerar diversos problemas de saúde. A propaganda de medicamentos no país é Regulamentada e Fiscalizada há décadas. Além do Anexo I, de Produtos Farmacêuticos Isentos de Prescrição (do Código de Autorregulamentação Publicitária), estabelecido desde a fundação do Conar (meados de 1980), existe a Resolução da Anvisa, a RDC 102, de 30 de novembro de 2000, que desde então estabeleceu normas rígidas para a publicidade de medicamentos. Nesse sentido, vale ressaltar as exigências nos artigos 10 e seguintes da RDC 102, sempre com a preocupação de não estimular o uso indiscriminado de medicamentos pelo público em geral. Na ocasião, foi instituida a frase de advertência que deveria constar nas propagandas: “Ao persistirem os sintomas o médico dever| ser consultado”. A frase tem sido utilizada pela indústria farmacêutica no final dos filmes publicitários veiculados em TV e nos spots e jingles veiculados em rádio. Embora alguns médicos e pesquisadores da área da saúde discordem do uso da frase no final da mensagem, uma vez que o médico deveria ser consultado antes do uso do medicamento, aliás deveria prescrevê-lo. Outra questão contestável é o tamanho pequeno das letras que formam a frase em material impresso e o tempo insuficiente (2,5 segundos) da mensagem dita ao terminar a narração. Questões que a ANVISA tem buscado discutir e que, ainda assim, tem exigido a presença de mais frases de advertência a respeito do medicamento na propaganda, como: “Esse medicamento n~o é indicado para suspeitas de dengue”, além de coibir o uso de frases no imperativo, como “Tome” e “Use”, com o intuito de informar e educar a populaç~o brasileira dos riscos do consumo de medicamentos. Outra discussão um tanto quanto polêmica era o uso de celebridades na propaganda de medicamentos. Sabe-se que desde o início da propaganda de medicamentos no Brasil é comum a utilização do testemunhal. Artistas, cantores, atletas, escritores e políticos, ou seja, figuras famosas, com credibilidade, por muitos anos “emprestaram” (e até pouco tempo “emprestavam”) imagem e voz nos discursos persuasivos e, muitas vezes abusivos, da propaganda de medicamentos. Episódio ocorrido em rádio e TV, em 2008, fez com que a ANVISA tomasse providências enérgicas, proibindo de uma vez por todas o uso de celebridades na propaganda de medicamentos. A campanha publicitária do analgésico Mirador utilizou Pelé e Ísis Valverde. Na campanha, a atriz dizia que o remédio era "o Pelé 404 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais dos comprimidos" e usava expressões como "muito bom" e "remédio forte", que segundo a ANVISA sugeriam a eficácia do produto. A campanha foi retirada por desrespeitar o Art.10 da Resolução RDC nº 102, de 30 de novembro de 2000, aonde está vedado o ato de estimular e/ou induzir o uso indiscriminado de medicamentos; sugerir ou estimular diagnósticos aconselhando um tratamento correspondente, sendo admitido apenas que sejam utilizadas frases ou imagens que definam em termos científicos ou leigos a indicação do medicamento para sintomas isolados; afirmar que um medicamento é "seguro", "sem contra-indicações"; "isento de efeitos secundários ou riscos de uso" ou usar expressões equivalentes; afirmar e/ou sugerir ter um medicamento efeito superior a outro usando expressões tais como: "mais eficaz", "menos tóxico" , ser a única alternativa possível dentro da categoria ou ainda utilizar expressões, como: "o produto", "o de maior escolha", "o único" , "o mais freqüentemente recomendado", "o melhor"; afirmar e/ou sugerir ter um medicamento efeito superior a outro usando expressões tais como: "mais efetivo", "melhor tolerado". Em uma tentativa de parceria com as emissoras, a ANVISA criou o “Ondas do R|dio”, um guia com orientações e dicas para comunicadores de r|dio sobre a propaganda de produtos sujeitos à vigilância sanitária. O espaço no site www.anvisa.org.br, foi elaborado para os profissionais de comunicação que atuam no setor de radiodifusão de todo o Brasil e que exercem um importante papel na democratização e acesso à informação. Segundo a ANVISA, o rádio é parte integrante do cotidiano de grande maioria da população brasileira. A grande popularidade deste veículo de comunicação é atribuída, sobretudo, ao caráter universal de sua linguagem – essencialmente coloquial, simples e direta, além de estabelecer uma empatia com o ouvinte ao atender as suas demandas por entretenimento, informação e companhia. Conclui-se que a presença da indústria farmacêutica na mídia de massa é fato evidente e, historicamente, fez parte da história do rádio. Como forte anunciante, marcou o início do rádio comercial, mesmo com a resistência de Roquette Pinto. A indústria farmacêutica, como forte anunciante, utilizou por décadas de discursos persuasivos e rimas presentes em spots, jingles e slogans e chegou a patrocinar as principais radionovelas e programas populares. Ao investir no rádio, tornou legítimas suas promessas de cura. E ainda nos tempos atuais, a indústria farmacêutica patrocina os locutores de rádio, sobretudo de AM, líderes de audiência e investe em programas jornalísticos de audiência e credibilidade, além de veicular spots e jingles durante a programação de várias emissoras AM e FM. O rádio, mesmo com o passar de décadas, nunca deixou de ser um canal do discurso do poder de cura dos medicamentos. Não importa se em programas 405 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais populares ou patrocínio de programas jornalísticos, afinal se “a última meia hora de tal jornal foi patrocinada por Doril” é sinal que ainda vale a pena ter anunciantes como a indústria farmacêutica na emissora. A presença do texto-foguete em transmissões esportivas no rádio, sobretudo do futebol, com audiências altas e um poder de entretenimento fantástico do ouvinte, não deixa dúvida da importância para a indústria farmacêutica em investir no meio. De antigripais à efervescentes, é frequente a propaganda de medicamentos em rádio e faz parte da história da propaganda no Brasil, assim como da história do rádio brasileiro. Referências Bibliográficas: BUENO, Eduardo. Vendendo Saúde – A história da propaganda de medicamentos no Brasil. Brasília: ANVISA, 2008. CADENA, Nelson Varón. Brasil – 100 anos de propaganda. São Paulo: Referência, 2001. JESUS, Paula Renata Camargo. 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São Paulo: Harbra, 1999. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/37a0a1004004751cad3eafee27e7f6ac/ ondas_radio.pdf?MOD=AJPERES 406 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais (http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/glossario/index.htm) http://www.cit.sc.gov.br/propaganda/pdfs/artigos/propaganda_no_brasil.pdf http://extra.globo.com/economia/materias/2009/06/15/novas-regras-da-anvisa-parapropaganda-de-medicamentos-entram-em-vigor-nesta-terca-feira-756349645.asp http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/ciencia-saude/2009/08/14/MEDICOSCOMEMORAM-SUSPENSAO-DA-PROPAGANDA-DE-REMEDIOS-CONTRA-GRIPE.htm AS ELEIÇÕES NORTE-AMERICANAS NAS ONDAS DO RÁDIO BRASILEIRO: A COBERTURA DE CAIO BLINDER NO JORNAL DA MANHÃ DA JOVEM PAN Thybor Malusá Brogio160 As eleições norte-americanas de 2008 tiveram muitos novos elementos para a história do mundo e do marketing político. Pela primeira vez na história da maior economia do planeta ocorreu uma disputa nas primárias entre uma mulher e um homem negro. Nas palavras de Caio Blinder, correspondente da Jovem Pan em Nova Iorque, 2008 foi “um ano inusitado, com a disputa entre o negro Obama e a mulher Hillary Clinton, nas primárias democratas, e os prematuros atestados de óbito político de McCain e Sarah Palin”. (BLINDER, 04 set 2008) Os meios de comunicação de todo o mundo repercutiram com ansiedade todos os passos desta campanha. No Brasil não foi diferente. Todos os importantes meios também dedicaram um importante espaço para falar das eleições norteamericanas, inclusive o rádio. Uma das maiores redes de rádios do país, a Jovem Pan, que possui cerca de 140 emissoras afiliadas em todo o território nacional, também participou desse processo, com o seu correspondente em Nova Iorque, Caio Blinder. Este trabalho visa justamente repercutir, através da análise de conteúdo dos boletins diários de Caio Blinder no Jornal da Manhã da Jovem Pan, a cobertura do jornalista durante as eleições estadunidenses de 2008, buscando verificar qual o espaço dedicado pelo jornalista aos partidos Democrata e Republicano, já que Blinder mora nos Estados Unidos há 20 anos, como ele mesmo revela em uma breve entrevista que concedeu ao autor deste artigo por e-mail. A análise de conteúdo quantitativa foi escolhida porque, segundo Wilson Correa da Fonseca Junior, ela se preocupa basicamente com a análise da mensagem, se distanciando da análise semiológica ou análise do discurso, porque 160 Thybor Malusá Brogio é jornalista formado pela Universidade Estadual Paulista, UNESP/Bauru, mestrando em comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e redator de jornalismo da rádio Jovem Pan/SP. Está apresentando este trabalho ao GT de História da Mídia Sonora, do I Congresso de História da Mídia do Sudeste. 407 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais somente a an|lise de conteúdo “cumpre os requisitos de sistematicidade e confiabilidade, ou seja, diferentes pessoas, aplicando as mesmas categorias, podem chegar {s mesmas conclusões”. (FONSECA, p.286, in DUARTE, BARROS, 2009) Para isso, foram observados e seguidos os pontos propostos por Krippendorf (1990), citados por Fonseca, na definição dos Dados, do Contexto no qual estão inseridos esses Dados, no Conhecimento do Pesquisador acerca do tema da pesquisa e do Objetivo da Análise do Conteúdo. (FONSECA, p.287-288, in DUARTE, BARROS, 2009) Dessa maneira, para a realização deste artigo, o autor escolheu analisar todos os boletins diários de Caio Blinder, no Jornal da Manhã da Jovem Pan, durante o mês de setembro de 2008. Setembro foi escolhido como o mês para representar a cobertura das eleições norte-americanas feita por Blinder porque tradicionalmente é um mês de memórias e turbulências para os Estados Unidos. Basta lembrar que um dos maiores atentados contra os estadunidenses ocorreu no dia 11 de setembro de 2001, sendo recordado todos os anos por diversos políticos e cidadãos comuns daquele país, e do mundo, especialmente em época eleitoral. Além disso, especificamente no ano de 2008, o mês de setembro foi turbulento porque foi exatamente neste mês que eclodiu a crise financeira mundial, cujo epicentro foi justamente a economia norte-americana, exigindo dos candidatos destreza para tratar dos assuntos relacionados à economia. Para ilustrar o cenário vivido em setembro de 2008, é interessante lembrar que a manchete principal do jornal “O Estado de S~o Paulo” dizia, no dia 15 de setembro daquele ano, “FED 161 comanda operaç~o de guerra para segurar crise global de crédito”. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 15 set 2008) Também setembro foi o mês que sucedeu a convenção Democrata, que ocorreu em Denver, e foi o mês em que ocorreu a convenção Republicana, em Saint Paul, no estado de Minnesota. Setembro foi ainda o mês posterior ao furacão Gustav, que causou a “retirada obrigatória da populaç~o da costa da Louisiana, da qual saíram cerca de 2 milhões de pessoas ... o Gustav causou ... danos materiais, estimados inicialmente em US$ 8 bilhões”. (O ESTADO DE S^O PAULO, 02 set 2008, p. A13). Por todas essas tormentas, disputas e debates, o mês de setembro foi escolhido de forma a representar a cobertura de Caio Blinder durante a campanha eleitoral no Estados Unidos, em 2008, para o Jornal da Manhã da Jovem Pan. Para entender melhor a pesquisa, se faz necessário a apresentação de Caio Blinder, bem como alguns de seus posicionamentos oficiais. Blinder nasceu em 1957, é paulistano e de família judaica do bairro do Bom Retiro (tradicional reduto dos judeus na capital paulista). Mora nos Estados Unidos há 20 anos (na verdade, nos últimos 27 anos, 23 são nos Estados Unidos, mas apenas 20 são anos consecutivos). 161 FED – Federal Reserve, que é o Banco Central dos Estados Unidos. 408 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Blinder mora em Nova Jérsei com suas filhas, Ana e Aiza, e a esposa Alma, que é filipina. Caio é o correspondente da Jovem Pan em Nova Iorque, mas também apresenta o programa de televisão Manhattan Connection, transmitido pelo canal GNT, do sistema Globosat. Além disso, é colunista no portal de internet IG e escreve para diversos jornais e revistas no Brasil e em Portugal. Blinder também é mestre em Estudos Latino-Americanos, pela Universidade de Ohio, e em Relações Internacionais, pela Universidade de Notre Dame. Lecionou Relações Internacionais na Universidade de Indiana e foi correspondente, nos Estados Unidos, do jornal Folha de S. Paulo. Caio é autor de “Terras Prometidas”, livro com reflexões sobre a condiç~o judaica, que vão da política à cultura, da observação cotidiana à filosofia milenar, das relações internacionais às reminiscências pessoais. Em entrevista por e-mail ao autor deste artigo, Caio Blinder deixa claro que sua ida aos Estados Unidos não tem nenhuma influência religiosa, mas que para muitos da sua religião, o país mais poderoso do mundo é sim uma terra prometida. Apesar de estar há muitos anos na América do Norte, Caio continua a ser apenas cidadão brasileiro. Questionado sobre preferência política estadunidense, Blinder diz que tem uma formação liberal, mais próxima do Partido Democrata, particularmente em questões sociais, econômicas e culturais. Mesmo assim, ressalta que “jornalista n~o pode ser chapa branca” e que até pode concordar ou discordar de decisões de um ou outro governo quando elabora um comentário, mas enfatiza que jamais irá aderir de forma permanente a um presidente ou “fazer torcida jornalística por um partido”. Com uma formação acadêmica e atuação influente no mercado, os boletins diários de Caio Blinder, no Jornal da Manhã da Jovem Pan, foram escolhidos para serem analisados por este pesquisador, que teve acesso ao material na própria rádio, já que o autor do artigo também é redator de jornalismo da Jovem Pan. A Jovem Pan, hoje, disponibiliza todos os boletins de seus correspondentes e comentaristas no seu site da internet – www.jovempan.com.br. Mas, à época, o site estava reformulando e os boletins não estavam disponíveis na web. De qualquer maneira, a rádio deixa todos os boletins gravados durante um mês na rede geral dos computadores, a qual todos os funcionários do jornalismo têm acesso. Desta maneira, o pesquisador, que trabalha na Jovem Pan, entrou na rede e copiou todos os boletins, ainda no mês de setembro de 2008. O próximo passo da pesquisa foi fazer a transcrição de todos esses boletins. Todos eles foram ouvidos, um a um, e transcritos, para que a análise de conteúdo pudesse ocorrer, já que fazer a análise apenas com o arquivo em áudio é 409 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais muito difícil. No período escolhido, foram ao ar 25 boletins e todos eles foram ouvidos e transcritos. De posse do material em áudio e dos textos transcritos, o autor recorreu a literatura para criar as categorias que serviriam para cumprir o objetivo do pesquisador, que é saber qual o espaço que Blinder dedicou, durante o período ao Partido Republicano e ao Partido Democrata. Essa dúvida surgiu porque, mesmo sabendo do posicionamento de Blinder que, como vimos, se diz mais próximo do Partido Democrata, o autor, como ouvinte do Jornal da Manhã, tinha a sensação de que o correspondente nova-iorquino dedicava mais tempo de seus boletins a falar do Partido Republicano. Para criar as categorias que servissem a essa finalidade, o autor seguiu Wilson Correa da Fonseca, que se utiliza de Bardin (1988) e de Barros e Targino (2000) para dizer que, uma boa categorização deve possuir como características a exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; objetividade, fidelidade e produtividade. (FONSECA, p.298, in DUARTE, BARROS, 2009) Explicando melhor os conceitos, temos que com a exclusão mútua, um elemento incluído numa determinada categoria não pode, ao mesmo tempo, ser incluída em outra. Já com a homogeneidade, temos que só devem ser incluídas na mesma categoria as unidades de registro da mesma natureza. Por sua vez, Fonseca entende que a pertinência significa que o sistema de categorias deve refletir as intenções da investigação. Ainda o autor explica que por objetividade e fidelidade devemos entender que os procedimentos classificatórios devem ser objetivos, de forma a garantir a fidelidade dos resultados, caso alguém queira repeti-los. Por fim, Fonseca explica que, para ter produtividade, um conjunto de categorias deve fornecer resultados férteis em índices de inferências, dados e novas hipóteses. (FONSECA, p.298, in DUARTE, BARROS, 2009) Após uma leitura flutuante dos boletins diários de Caio Blinder, o autor percebeu um alto grau de refinamento do texto do correspondente nova-iorquino, optando, então, majoritariamente pelos nomes dos candidatos para criar as primeiras categorias. Então, foram considerados os nomes Barack Obama, candidato democrata à Casa Branca; Joe Biden, vice na chapa de Obama; Hillary Clinton, oponente de Obama nas prévias e que pretendia ser a candidata dos democratas; John McCain, candidato republicano à Casa Branca; Sarah Palin, vice na chapa de McCain, George W. Bush, presidente dos Estados Unidos em setembro de 2008. Importante lembrar que, para efeito de análise, o autor considerou que, caso surgisse apenas o sobrenome ou o nome de um dos políticos acima citados, ele seria considerado de maneira completo como a categoria. Ou seja, se em um determinado momento aparecesse no texto Barack Obama, ele seria computado; se aparecesse Obama, seria computado e se aparecesse Barack, também seria computado. Da mesma maneira para todas as outras categorias. 410 I Congresso de História da Mídia do Sudeste MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais Além dos nomes dos políticos, o autor também criou a categoria para os adjetivos republicanos e democratas. Em ambos os casos, o pesquisador considerou as formas no plural ou singular. Ou seja, se aparecesse republicano ou republicanos, seria computado dentro da mesma categoria. Da mesma maneira com democrata ou