UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS – CCL
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA
Anais
Organizadores:
Prof. Dr. Adolpho Queiroz
Profa. Dra. Angela Schaun
Profa. Dra. Esmeralda Rizzo
Profa. Dra. Marialva Barbosa
ISSN 2177-4595
29 e 30 de abril de 2010
São Paulo – SP
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
INSTITUTO PREBITERIANO MACKENZIE
ENTIDADE MANTENEDORA
Diretor Presidente: Dr. Adilson Vieira
Diretor de Planejamento e Finanças: Prof. Solano Portela
Diretor de Ensino e Desenvolvimento: Dr. Cleverson Pereira de Almeida
Diretor de Administração e Gestão de Pessoas: Prof. Ms. Gilson Alberto Novaes
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Chanceler: Dr. Augustus Nicodemos Gomes Lopes
Reitor: Dr. Manassés Claudino Fonteles
Vice-Reitor: Dr. Pedro Ronzelli Júnior
Decanato Acadêmico: Dr. Ademar Pereira
Decanato de Extensão: Dra. Helena Bonito Couto Pereira
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação: Dra. Sandra Maria Dotto Stump
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS
Diretora: Profa. Dra. Esmeralda Rizzo
Coordenador do Curso de Comunicação Social: Habilitação: Jornalismo: Prof. Ms.
Osvaldo Takaoki Hattori
Coordenador do Curso de Propaganda, Publicidade e Criação: Prof. Ms. Marcos
Nepomuceno Duarte
Coordenador do Curso de Letras: Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
REALIZAÇÃO
Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM
Centro de Comunicações e Letras - CCL
Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia - ALCAR
APOIO
Globo Universidade
INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
Cátedra/UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional
Cátedra/FENAJ/UFSC de Jornalismo
FEEVALE
Agência Only-One
Site: http://www.mackenzie.br/1historiamidiasudeste.html
E-mail: [email protected]
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
COMISSÃO ORGANIZADORA
PRESIDENTE
Prof. Dr. Adolpho Queiroz
COORDENAÇÃO GERAL
Profa. Dra. Angela Schaun
COMISSÃO ORGANIZADORA
Profa. Dra. Marialva Barbosa – Presidente da Rede ALCAR
Prof. Dr. Adolpho Queiroz – Coordenador Geral do I ALCAR - Sudeste
Profa. Dra. Esmeralda Rizzo – Diretora do Centro de Comunicação e Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Angela Schaun – Coordenadora de Pesquisa do Centro de Comunicação
e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Osvaldo Hattori – Coordenador do Curso de Jornalismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Marcos Nepomuceno - Coordenador do Curso de Publicidade, Propaganda
e Criação da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Alexandre Huady - Coordenador do Curso de Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
COMISSÃO CIENTÍFICA
Profa. Dra. Marialva Barbosa – Presidente da Rede ALCAR
Prof. Dr. Adolpho Queiroz – Coordenador Geral do I ALCAR - Sudeste
Profa. Dra. Angela Schaun – Coordenadora de Pesquisa do Centro de Comunicação
e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM
Profa. Dra. Letícia Costa – Universidade de Taubaté - UNITAU
Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo – Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM
Profa. Dra. Marli dos Santos – Universidade Metodista de São Paulo - UMESP
Profa. Ms. Lenize Villaça – Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM
Prof. Ms. Francisco Periago - Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM
Prof. Dr. Irineu Guerrini – Faculdade Cásper Líbero
Prof. Dra. Maria Cristina Gobbi – Universidade Estadual Paulista UNESP – Bauru
Profa. Dra. Rosana Schwartz – Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM
SECRETARIA EXECUTIVA
Marli Aulucci - UPM
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
APOIO TÉCNICO
Eliel Fonseca – Estagiário – CCL/UPM
Karoline Ceconi – Secretária – CCL/UPM
Mayra Gomes Rosa Bortone – Estagiário – CCL/UPM
Natanael Rolim Vieira – Estagiário – CCL/UPM
Ana Lúcia de Souza Lopes – Secretária – CCL/UPM
Janaina Santiago – Estagiária – CCL/UPM
Rosana Matos – CCL/UPM
EDITORAÇÃO
Marli Aulucci – CCL/UPM
Joana Célia Figueiredo Cunha – Editora Mackenzie
SUPORTE DE INFORMÁTICA
Marli Aulucci – CCL/UPM
Daniel Arndt Alves – DTI/UPM
AGÊNCIA JÚNIOR DE COMUNICAÇÃO MACKENZIE
Rafael Amorim, Erika Gregory, Carlos Fojo, Luiza Schilagi,Guilherme Moraes, Kamila
Camargo, Larissa Bertin, Leonardo Calixto, Luisa Amalfi, Camila Pons, Luiza Gobbo,
Lícia Blumenschein, Victor Ruiz, Yuri, Ana Carolina, Brian Carravieri, Damazio Polak,
João Lovis, Thomás Santos.
AGÊNCIA ONLY-ONE
Guilherme Goriel, Brian Carravieri, Renato Tsukahara, Thomás Santos e Wilian
Ferreira.
CERIMONIAL
Prof. Ms. Marcos Nepomuceno Duarte
COMISSÃO DISCENTE DE APOIO E RECEPÇÃO
Alice Barros, Daniel Nogueira; Ellen Lopes; Gabriela de Souza; Gean Gonçalves;
Graziela Passos; Gustavo Alves; Hayala Siqueira; Ines Carvalho; Izabelle Mundim;
Joyce Menegazzo; José Humberto Assola; Júlio Cézar Pacheco; Larissa de
Albuquerque; Mariana Mesquita; Rachel Costa; Ruda Cordaro; Thaize Carvalho;
Thales da Silva; Thiago Moura; Thiene Moltini; Ytálo Panham, Mayra Figueiredo,
Zaira Lins, Julia Saleme, Ivan Rolfsen.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
AGRADECIMENTOS
Apresentamos nossa profunda gratidão:
À Universidade Presbiteriana Mackenzie e a todos os participantes,
proponentes de trabalhos, aos conferencistas, aos membros das mesas-redondas,
aos coordenadores das sessões de apresentação de trabalhos pela confiança
depositada na realização do congresso.
À Profª Drª Esmeralda Rizzo, Diretora do Centro de Comunicação e Letras e à
Profª. Drª. Angela Schaun, Coordenadora de Pesquisa, pelo total apoio e confiança.
À Comissão Científica, pelo apoio científico.
Aos professores Pareceristas, pela inestimável contribuição.
A todos os professores que participaram das Comissões Internas, cujo apoio
foi fundamental para a realização do evento.
A todos que colaboraram direta ou indiretamente para a realização deste
Encontro, nosso sincero muito obrigado!
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA
Ao sediar o I CONGRESSO DE HISTÓRIA DA MÍDIA DA REGIÃO SUDESTE, a
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE tem a honra e a oportunidade de
começar a escrever mais um capítulo de uma história nova sobre histórias já vividas
ou passadas. Ou quem sabe mesmo, antecipar-se à própria história. O tempo assim
o dirá !!!
A decisão da Associação Brasileira de Pesquisadores da História da Mídia,
que emergiu de uma rede de pesquisa que se denominou Rede ALCAR, em
homenagem ao pioneiro da pesquisa sobre a história da imprensa no Brasil, o
jornalista Alfredo de Carvalho, de realizar em anos alternados ao seu congresso
anual, os primeiros Congressos Regionais, começa, a partir daqui, a configurar-se
como uma estratégia bem sucedida de fomentar o diálogo e a produção científica
sobre lacunas da história da comunicação no Brasil. Ocupando justamente a lacuna
do distanciamento geográfico entre as regiões deste imenso território chamado
Brasil.
Com esta decisão, realizamos então neste mês de abril de 2010, uma primeira
tentativa de reunir pesquisadores paulistas, mineiros, cariocas/fluminenses e
capixabas, para darem seus testemunhos de como cresceu o interesse na região e
no país, para que novas histórias sobre o jornalismo impresso em jornais e revistas,
agências e campanhas publicitárias, experiências no campo áudio visual com o rádio
e a televisão especialmente e as novas ondas da internet, sejam transformadas em
capítulos novos de uma história a ser recontada e reconstruída.
O movimento pela reconstrução da história da comunicação no Brasil surgiu
tendo como pano de fundo a celebração do bicentenário da chegada – tardia, é
bom que se diga! – da imprensa ao Brasil em 2008. Ele foi ganhando novas
configurações com a realização de encontros, congressos, a edição de livros, a
publicação de novos olhares sobre a influência e a importância desta nova história
que estava latente, mas buscava inspiração e espaço para ser recontada. E, ao ser
recontado, difundido entre as novas gerações de pesquisadores, estudantes e
profissionais que fazem da arte de comunicar, a sua profissão e compromisso de
vida.
Com a descentralização dos congressos e a criação destes espaços regionais,
a Rede ALCAR certamente ampliará suas oportunidades de conseguir o intento de
chegar às novas gerações e, com a sua produção intensa, criar novos repertórios,
necessários à atualização deste campo do conhecimento.
Este primeiro congresso regional Sudeste trás, por si, mais do que o
compromisso dos pesquisadores ,estudantes e profissionais, o compromisso de
que, entre nós, o interesse pela história da nossa própria cultura, refletida através
dos meios de comunicação, é um método eficaz para dimensionarmos os nossos
compromissos nos campos do ensino e da pesquisa. Com as novas histórias
recontadas, vamos, aos poucos, reconhecendo o papel, o talento, a contribuição de
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
atores que a escreveram e a forjaram, em tempos de outras e imensas dificuldades
e que nos legaram apreço e honra para o nosso ofício.
Queremos agradecer a todos aqueles que se empenharam para que o
Congresso fosse bem recebido pela comunidade científica e pelo mercado
profissional. E que as histórias que começamos a recontar neste CD, sejam
estimuladoras para que pesquisadores e profissionais as reproduzam em sala de
aula,pelo espaço virtual e com elas encantem os nossos alunos.
Com ele, reabrimos o espaço para contar histórias. Este congresso
representa para a nossa região o termo clássico de abertura de muitas histórias.
“Era uma vez...em S~o Paulo,em abril de 2010...”
E nos ajude, através da Rede ALCAR e resgatar a história, a memória e
os compromissos da comunicação com a sociedade brasileira.
“E quem quiser, que conte outra história”!
São Paulo, 29 de abril de 2010.
Esmeralda Rizzo, Diretora do Centro de Comunicação e Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Adolpho Queiroz, Presidente do I Congresso de História da Mídia da
Região Sudeste,
Angela Schaun, Coordenadora Geral do I Congresso de História da
Mídia da Região Sudeste e Coordenadora de Pesquisa do Centro de Comunicação e
Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Desejamos a todos um bom Congresso!
Comissão Organizadora
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
PROGRAMA DA REUNIÃO CIENTÍFICA
DIA
HORÁRIO
LOCAL
ATIVIDADES
29/04
16h às 19h
Aud. Rev. Wilson
de Souza Lopes
Rua Piauí, 143
11º andar
Credenciamento
30/04
19h
Aud. Rev. Wilson
de Souza Lopes
Solenidade de Abertura
20h
Aud. Rev. Wilson
de Souza Lopes
Conferência Inaugural
Profa. Dra. Mirta Varela (Profa. de História da
Universidade de Buenos Aires – Argentina)
9h às 12h
Aud. Rev. Wilson
de Souza Lopes
Mesa-Redonda: MEMÓRIA DA MÍDIA E GLOBALIZAÇÃO
Moderador: Profa. Dra. Angela Schaun, Coord. de
Pesquisa do CCL - UPM
Jornalista Monica Villela Grayley (Coord. Dep. Multimídia
da ONU-NY-USA)
Prof. Dr. José Marques de Melo – UMESP – Jornalismo
Impresso
Profa. Dra. Sandra Reimão – USP – História da Televisão
11h30 às 12h30
Aud. Rev. Wilson
de Souza Lopes
Rua Piauí, 143
3º andar
LANÇAMENTO DOS LIVROS
Coleção Imprensa Brasileira: personagens que fizeram
a História – Prof. Dr. José Marques de Melo – Ed. Da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
A História da TV Gazeta – Elmo Francfort – Ed. da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
História Cultural da Imprensa – Brasil 1800-1900 – Profa.
Dra. Marialva Barbosa – Ed.Mauad.
Sotaques Regionais da Propaganda – Adolpho Queiroz –
Ed. Arte e Ciência.
14h às 18h
GT 1
Prédio 36
sala 201
GRUPO DE TRABALHO
GT 1 – HISTÓRIA DO JORNALISMO
Coord.: Profa. Dra. Letícia Costa – UNITAU
A história das Coberturas Eleitorais nos Jornais
Brasileiros
Maria de Jesus Daiane Rufino Leal
Desde 1886 o Diário do Rio Claro
Adolpho Queiroz, Luciana Nicoleti, Silvia Venturoli e
Vivaldo Stephan Junior
Jornalismo Literário: uma discussão sobre a verdade
dos fatos
Francilene de Oliveira Silva
9
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Mídia Regional: a constituição dos veículos impressos
da área da Nova Alta Paulista
Ieda Cristina Borges
Monteiro Lobato, jornalista do Vale do Paraíba
Francisco de Assis
Perspectivas Históricas do Jornalismo Do Literário ao
New Journalism chegando à polêmica do Jornalismo
Gonzo
Wilson Krette Júnior
O Jornal como Tribuna: a voz de Francisca Senhorinha
da Motta Diniz
Aparecida Maria Nunes
Tópico Epistolar e Linguagem Telegráfica na
Inauguração do Canal de Suez: uma análise das
matérias do New York Times e do Diário de Notícias de
Lisboa. 1869-1870.
José Maurício Saldanha Álvarez
A Revisão do Papel Feminino na Educação e Cultura dos
Anos 1930 e 1940: Um Estudo de Caso do Vespertino
Paulistano A Gazeta
Profa. Dra. Gisely Valentim Vaz Coelho Hime
De Tobias Peucer a Galtung & Ruge: um olhar para as
sistematizações históricas do conceito de valor-notícia
Marcos Paulo da Silva
14h às 18h
GT 2
Prédio 36
sala 202
GRUPO DE TRABALHO
GT2 – HISTÓRIA DA PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO
INSTITUCIONAL
Coord.: Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo
A Análise do Discurso das Peças Publicitárias de
Empresas de Telefonia Móvel, Direcionadas a Jovens
Universitários
Denio Dias Arrais
A História de uma Marca: do local ao desterritorializado
Fernanda Mayer dos Santos Souza; Flávia Mayer dos
Santos Souza
Marketing & Moda
Maria Teresa Sokolowski
Pioneiros da Publicidade nas Cidades de São Paulo e
Piracicaba: João Castaldi e Manoel de Oliveira
Adolpho Queiroz
A Comunicação através dos Tempos
José Estevão Favaro; Petra Sanchez Sanchez
CTI Jornal: análise das características de um jornal de
empresa
Robson Bastos da Silva; Viviane Fushimi; Aline Fernanda
Lima
10
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A Publicidade Brasileira e os Anos 1960-70: a revolução
criativa
Lourdes Malerba Gabrielli
Mito, Simbolismo e outros Ingredientes do Marketing
Político
Daniel Galindo; Rose Mara Vidal de Souza
Reclames em Ação: memórias da publicidade brasileira
Éldi Marisol Saucedo
Teorias da Comunicação e Relações Públicas: reflexões
sobre um diálogo possível
Sandro Takeshi Munakata da Silva; Regina Rossetti
Publicidade na Televisão Brasileira: um estudo de seu
convívio nas últimas décadas
Alexandre Mutran
Uso de Ferramentas de Comunicação Digital na Gestão
de Municípios: estudo de caso de São José dos Campos
– SP
Monica Franchi Carniello
14h às 18h
GT 3
Prédio 36
sala 301
GRUPO DE TRABALHO
GT 3 – HISTÓRIA DA MÍDIA IMPRESSA
Coord.: Profa. Dra. Marli dos Santos - UMESP
A política no Diário Mercantil nos Anos Pré-Golpe de
1964
Carolina Guedes Soares; Fernanda Pires Alvarenga
Fernandes
A História do Jornalismo Impresso no Litoral Norte
Paulista
Bruna Vieira Guimarães; Ricardo Reis Hiar
Dupla Repórter-Fotógrafo na Revista O Cruzeiro e sua
Influência no Jornalismo Brasileiro
Gleissieli Souza Oliveira
A Tipografia e seu Impacto na Modernidade
Julio Cesar Lemes de Castro
O Design Gráfico Brasileiro Revelado no Crivo do
Tempo
Isabel Orestes Silveira; Antonio Andrade
Uma Breve História das Histórias em Quadrinhos no
Brasil e na Argentina.
Alberto Ricardo Pessoa
O Elegante Mundo de Rio
Ana Luiza F. Cerbino; Beatriz Cerbino
11
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
14h às 18h
GT 4
Prédio 36
sala 302
GRUPO DE TRABALHO
GT 4 – HISTÓRIA DA MÍDIA SONORA
Coord.: Profa. Ms. Lenize Cardoso Villaça – UPM/FMU
Audiolivro: uma arte nascente
César Augusto Dionísio
Panorama das Emissoras de Rádio Presentes em Boa
Vista
Andréia Rego
Rádio em Botucatu: 70 anos de história
Adriana M. Donini
Programas Portugueses em Rádios de São Paulo: a
memória e seus códigos
Adriana M. Donini
O Remédio é Muito Bom. O Moço do Rádio Falou! O
Rádio e a Propaganda de Medicamentos no Brasil.
Paula Renata Camargo Jesus
As Eleições Norte-Americanas nas Ondas do Rádio
Brasileiro: a cobertura de Caio Blinder no Jornal da
Manhã da Jovem Pan
Thybor Malusá Brogio
14h às 18h
GT 5
Prédio 36
sala 303
GRUPO DE TRABALHO
GT 5 – HISTÓRIA DA MÍDIA VISUAL E AUDIOVISUAL
Coord.: Prof. Ms. Francisco Redondo Periago – UPM
Cidade e Memória: a construção da identidade urbana
pela narrativa audiovisual
Christina Ferraz Musse; Mariana Ferraz Musse
Sobre Televisão e Experimentação Artística: Eduardo
Coutinho e o Globo Repórter
Gilberto Alexandre Sobrinho
Televisão, Democracia e Propaganda Política no Brasil
Rose Mara Vidal de Souza
14h às 18h
GT 6
Prédio 36
sala 204
GRUPO DE TRABALHO
GT 6 – HISTÓRIA DA MÍDIA DIGITAL
Coord.: Prof. Dr. Irineu Guerrini – Faculdade Cásper
Líbero
Roteiristas Virando Histórias: trajetória brasileira do
autor oculto
Glaucia Eneida Davino
Vídeo Institucional: o audiovisual na comunicação
organizacional
Leonardo Carlim
12
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
14h às 18h
GT 7
Prédio 36
sala 203
GRUPO DE TRABALHO
GT 7 – HISTÓRIA DA MÍDIA ALTERNATIVA
Coord.: Profa. Dra. Maria Cristina Gobbi – UNESP/Bauru
A Escritura Marginal como Expressão de Resistência
Social
Marco Antonio Bin
História de uma Comunicação Possível: censura
política, jornalismo e imprensa alternativa no Brasil do
regime militar 1964-1980
Alice Mitika Koshiyama
Em Defesa da Comunicação Popular: a experiência do
Jornal Pastoral da Criança
Cristiane Oliveira Reimberg
A Ideia de um Jornal dos Pobres: primórdios do
jornalismo alternativo
Rafael Duarte Oliveira Venâncio
14h às 18h
GT 8
Prédio 36
sala 101
GRUPO DE TRABALHO
GT 8 – HISTORIOGRAFIA DA MÍDIA
Coord.: Profa. Dra. Rosana Schwartz – UPM
A Origem e a Evolução da Narrativa como parte da
História da Mídia
Julia Stateri
Historiografia, Gênero, Imagens e Cultura Brasileira
Rosana Schwartz; Vanessa Molina
As Comparações entre o Atual e a História nas
Narrativas Jornalísticas e a Constituição da
Historiografia do Presente a partir de seu Outro
Eliza Bachega Casadei
GAROTAS PROPAGANDA
Maria Elisa Vercesi de Albuquerque
Os Lanterneiros na Era Vargas: construção imagética de
um jornal anarquista (1933-1935)
Maria Emilia Martins Pinto
Os Olhos de Argos: novas mídias e privacidade
Patrício Dugnani
Corpo, Mídia e História: o carnaval, suas
“concentrações” e a espetacularização da imagem do
centenário da imigração japonesa em 2008.
José Mauricio Conrado Moreira da Silva; Alexandre Huady
Torres Guimarães; Regina Wilke e Silvia C. Cristina
13
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
19h às 21h
Aud. Rev. Wilson
de Souza Lopes
Rua Piauí, 143 – 11º
andar
Mesa de Encerramento
Tema: HISTÓRIA, LITERATURA, FILOSOFIA E MÍDIA
Moderador: Prof. Dr. Adolpho Queiroz - UPM
Profa. Dra. Marialva Barbosa -Professora do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Tuiuti – Curitiba/PR.
Profa. Dra. Marisa Lajolo – Professora do Programa de
Pós-Graduação em Letras – UPM
Profa. Dra. Marcia Tiburi – Profa. do Programa de PósGraduação em Educação, Arte e História da Cultura –
UPM
Prof. Dr. Frederico Alexandre Hecker – UPM/UNESP
14
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
SUMÁRIO
Apresentação
7
Programação
9
Grupos de Trabalhos
20
GT 1 – HISTÓRIA DO JORNALISMO
21
A história das Coberturas Eleitorais nos Jornais Brasileiros
Maria de Jesus Daiane Rufino Leal
22
Desde 1886 o Diário do Rio Claro
Adolpho Queiroz, Luciana Nicoleti, Silvia Venturoli e Vivaldo Stephan
Junior
35
Jornalismo Literário: uma discussão sobre a verdade dos fatos
Francilene de Oliveira Silva
54
Mídia Regional: a constituição dos veículos impressos da área da
Nova Alta Paulista
Ieda Cristina Borges
61
Monteiro Lobato, jornalista do Vale do Paraíba
Francisco de Assis
72
Perspectivas Históricas do Jornalismo Do Literário ao New
Journalism chegando à polêmica do Jornalismo Gonzo
Wilson Krette Júnior
88
O Jornal como Tribuna: a voz de Francisca Senhorinha da Motta
Diniz
Aparecida Maria Nunes
105
Tópico Epistolar e Linguagem Telegráfica na Inauguração do Canal
de Suez: uma análise das matérias do New York Times e do Diário de
Notícias de Lisboa. 1869-1870.
José Maurício Saldanha Álvarez
114
A Revisão do Papel Feminino na Educação e Cultura dos Anos 1930 e
1940: Um Estudo de Caso do Vespertino Paulistano A Gazeta
Gisely Valentim Vaz Coelho
124
15
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
De Tobias Peucer a Galtung & Ruge: um olhar para as
sistematizações históricas do conceito de valor-notícia
Marcos Paulo da Silva
137
GT2 – HISTÓRIA DA PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL
147
A Análise do Discurso das Peças Publicitárias de Empresas de
Telefonia Móvel, Direcionadas a Jovens Universitários
Denio Dias Arrais
148
A História de uma Marca: do local ao desterritorializado
Fernanda Mayer dos Santos Souza; Flávia Mayer dos Santos Souza
157
Marketing & Moda
Maria Teresa Sokolowski
169
Pioneiros da Publicidade nas Cidades de São Paulo e Piracicaba:
João Castaldi e Manoel de Oliveira
Adolpho Queiroz
180
A Comunicação através dos Tempos
José Estevão Favaro; Petra Sanchez Sanchez
200
CTI Jornal: análise das características de um jornal de empresa
Robson Bastos da Silva; Viviane Fushimi e Aline Fernanda Lima
208
A Publicidade Brasileira e os Anos 1960-70: a revolução criativa
Lourdes Malerba Gabrielli
218
Mito, Simbolismo e outros Ingredientes do Marketing Político
Daniel Galindo; Rose Mara Vidal de Souza
231
Reclames em Ação: memórias da publicidade brasileira
Éldi Marisol Saucedo
243
Teorias da Comunicação e Relações Públicas: reflexões sobre um
diálogo possível
Sandro Takeshi Munakata da Silva; Regina Rossetti
253
Publicidade na Televisão Brasileira: um estudo de seu convívio nas
últimas décadas
Alexandre Mutran
265
16
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Uso de Ferramentas de Comunicação Digital na Gestão de
Municípios: estudo de caso de São José dos Campos – SP
Monica Franchi Carniello
275
GT 3 – HISTÓRIA DA MÍDIA IMPRESSA
291
A política no Diário Mercantil nos Anos Pré-Golpe de 1964
Carolina Guedes Soares; Fernanda Pires Alvarenga Fernandes
292
A História do Jornalismo Impresso no Litoral Norte Paulista
Bruna Vieira Guimarães; Ricardo Reis Hiar
304
Dupla Repórter-Fotógrafo na Revista O Cruzeiro e sua Influência no
Jornalismo Brasileiro
Gleissieli Souza Oliveira
313
A Tipografia e seu Impacto na Modernidade
Julio Cesar Lemes de Castro
320
O Design Gráfico Brasileiro Revelado no Crivo do Tempo
Isabel Orestes Silveira; Antonio Andrade
330
Uma Breve História das Histórias em Quadrinhos no Brasil e na
Argentina
Alberto Ricardo Pessoa
342
O Elegante Mundo de Rio
Ana Luiza F. Cerbino; Beatriz Cerbino
351
GT 4 – HISTÓRIA DA MÍDIA SONORA
361
Audiolivro: uma arte nascente
César Augusto Dionísio
362
Panorama das Emissoras de Rádio Presentes em Boa Vista
Andréia Rego
369
Rádio em Botucatu: 70 anos de história
Adriana M. Donini
378
Programas Portugueses em Rádios de São Paulo: a memória e seus
códigos
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
390
17
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
401
O Remédio é Muito Bom. O Moço do Rádio Falou! O Rádio e a
Propaganda de Medicamentos no Brasil.
Paula Renata Camargo Jesus
As Eleições Norte-Americanas nas Ondas do Rádio Brasileiro: a
cobertura de Caio Blinder no Jornal da Manhã da Jovem Pan
Thybor Malusá Brogio
407
GT 5 – HISTÓRIA DA MÍDIA VISUAL E AUDIOVISUAL
419
Cidade e Memória: a construção da identidade urbana pela
narrativa audiovisual
Christina Ferraz Musse; Mariana Ferraz Musse
420
Sobre Televisão e Experimentação Artística: Eduardo Coutinho e o
Globo Repórter
Gilberto Alexandre Sobrinho
429
Televisão, Democracia e Propaganda Política no Brasil
Rose Mara Vidal de Souza
438
GT 6 – HISTÓRIA DA MÍDIA DIGITAL
450
Roteiristas Virando Histórias: trajetória brasileira do autor oculto
Glaucia Eneida Davino
451
Vídeo Institucional: o audiovisual na comunicação organizacional
Leonardo Carlim
464
GT 7 – HISTÓRIA DA MÍDIA ALTERNATIVA
477
A Escritura Marginal como Expressão de Resistência Social
Marco Antonio Bin
478
História de uma Comunicação Possível: censura política, jornalismo
e imprensa alternativa no Brasil do regime militar 1964-1980
Alice Mitika Koshiyama
487
Em Defesa da Comunicação Popular: a experiência do Jornal
Pastoral da Criança
Cristiane Oliveira Reimberg
495
18
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A Idéia de um Jornal dos Pobres: primórdios do jornalismo
alternativo
Rafael Duarte Oliveira Venancio
507
GT 8 – HISTORIOGRAFIA DA MÍDIA
520
A Origem e a Evolução da Narrativa como parte da História da Mídia
Julia Stateri
521
Historiografia, Gênero, Imagens e Cultura Brasileira
Rosana Schwartz; Vanessa Molina
532
As Comparações entre o Atual e a História nas Narrativas
Jornalísticas e a Constituição da Historiografia do Presente a partir
de seu Outro
Eliza Bachega Casadei
540
Garotas Propaganda
Maria Elisa Vercesi de Albuquerque
553
Os Lanterneiros na Era Vargas: construção imagética de um jornal
anarquista (1933-1935)
Maria Emilia Martins Pinto
567
Os Olhos de Argos: novas mídias e privacidade
Patrício Dugnani
576
Corpo, Mídia e História: o carnaval, suas “concentrações” e a
espetacularização da imagem do centenário da imigração japonesa
em 2008.
José Mauricio Conrado Moreira da Silva; Alexandre Huady; Regina
Wilke; Silvia C. Cristina
585
19
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
G
RUPOS DE TRABALHOS
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
G
T – 1 HISTÓRIA DO JORNALISMO
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A HISTÓRIA
BRASILEIROS1
DAS
COBERTURAS
ELEITORAIS
NOS
JORNAIS
Maria de Jesus Daiane Rufino LEAL
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Universidade Metodista de São Paulo - SP
1. Introdução
Ao longo da história brasileira, os jornais impressos influíram diretamente
no debate político, seja em períodos eleitorais ou não. No século XIX, quando o
jornal era o único instrumento midiático, sua presença na vida pública e na
discussão dos rumos nacionais foi essencial. Mesmo em um país de iletrados, o
jornalismo essencialmente opinativo conseguiu romper os limites e atingir a
população para a difusão de ideais revolucionários.
No século XX, as invenções tecnológicas mudaram o fazer jornalístico, o
aparecimento de outras mídias tirou a unanimidade do jornal, no entanto não
aniquilou o mais antigo meio de comunicação de massa do mundo. A persistência
do jornal reafirma a sentença de que novas mídias não põem fim a mídias mais
velhas, obriga-as a efetuar mudanças. Foi assim com o rádio e a televisão, as
conseqüências do aparecimento da internet para a imprensa ainda não foram
suficientemente estudadas ou concluídas.
Convivendo com outras mídias, o jornalismo impresso ainda é importante
para o relacionamento com os formadores de opinião e para pautar outros veículos
como a televisão e a internet. Apesar de abranger um universo bem menor de
pessoas, o que é notícia em um jornal é sempre reproduzido pelos outros meios.
O caráter documental e histórico é outra vantagem do jornal impresso, o
conteúdo publicado nas páginas dos jornais entra para a história, visto que esta é
uma das fontes mais consultadas por pesquisadores das diversas áreas das ciências
sociais e humanas.
Kuttz e Luyten (1982) relacionam as vantagens do jornal impresso para as
campanhas eleitorais. Apesar de sua análise ter sido feita na década de 80, seus
conceitos ainda são pertinentes para os dias atuais. Segundo o autor as vantagens
do jornal são: aliar a imagem (foto) a escrita; suas mensagens são de cunho
duradouro e servem como documento; sua estrutura permite tratar de minúcias,
apresentar prós e contras.
Sobre imprensa e política no Brasil, esta relação data das origens do
jornalismo, quando o país ainda era colônia de Portugal. O primeiro jornal a circular
1
Artigo para o Grupo de Trabalho sobre Jornalismo no I Congresso de História da Mídia do Sudeste realizado
nos dias 29 e 30 de abril na Universidade Mackenzie em São Paulo.
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no Brasil, o Correio Brasilense, impresso em Londres, sob o comando de Hipólito da
Costa, era mantido com auxílio financeiro do governo Inglês.
Na história da imprensa tupiniquim, a política foi sempre o principal assunto
e razão para a existência dos primeiros jornais. No período pré-independência
muitos periódicos surgiram alimentados pela disputa política entre absolutistas e
liberais, a exemplo do que acontecia na Europa.
A República, o federalismo, a abolição da escravatura foram alimentadas
pelas disputas de idéias tendo o jornal como arena principal. Um destes exemplos
fora a fundação do primeiro jornal Republicano do país, a Gazeta Pernambucana, por
José Cipriano Barata. Durante a Constituinte da Independência de 1823 outros
jornais surgiram com o propósito de debater os rumos do país. Entre eles, o Tifis
Pernambucano, periódico fundado por Frei Caneca que fazia críticas ao Império. O
Tamoio, de José Bonifácio de Andrade e Silva, que fazia oposição ao governo e aos
democratas.
Durante o período de Regência (de 1831 a 1840) os jornais impulsionaram
duas das muitas revoltas que aconteceram em diversos estados contra o
centralismo. A Sabinada (Bahia) e a Revolta Praieira (Pernambuco). A primeira
apoiada pelo médico Sabino Vieira, dono do jornal Novo Diário da Bahia e a segunda
apoiada pelo jornal recifense O Diário Novo.
Desde o Brasil Colônia até os dias atuais os jornais fazem parte da história
política do país, não somente como espaço de relato dos acontecimentos, mas
como agentes ativos nos processos de disputa política.
2. Primeira República: a imprensa protagonista no processo eleitoral
Esta primeira fase de democracia brasileira, que acontece no começo do
século XIX, compreendeu um momento de luta pela implantação da República. As
campanhas eleitorais tinham como pano de fundo a defesa de modelos de governo
que melhor atenderiam a necessidade de construção de uma nova nação.
No primeiro governo republicano do presidente Marechal Deodoro da
Fonseca, a imprensa foi usada essencialmente para a divulgação dos princípios
republicanos. O primeiro presidente do Brasil contou com o apoio de intelectuais e
jornalistas que souberam fazer uso dos jornais na defesa do novo modelo de
governo.
Guimarães (2007) relaciona os propagandistas da República que tiveram
influência para a consolidação do governo de Deodoro da Fonseca:
Quintino Bocaiúva – jornalista, escreveu o Manifesto republicano de 1870
com a colaboração de outros republicanos. O texto foi publicado no jornal A
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República. Considerado por Sodré (1977, p 287) como “[...] a figura mais importante
do periodismo republicano [...]”.
Silva Jardim – na campanha de Marechal Deodoro, ao invés das tradicionais
reuniões fechadas, ele realizava manifestações abertas, os comícios. Usou muito a
publicação de artigos em jornais na defesa da República.
Rui Barbosa – contribuiu com a publicação de artigos onde defendia o
federalismo e criticava a monarquia.
Benjamin Constant – convenceu Deodoro a liderar o golpe da Proclamação.
Assumiu o Ministério da Guerra e o Ministério da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos.
Apesar de ter o apoio da maioria dos jornais, Marechal Deodoro da Fonseca
teve que enfrentar os jornais opositores que defendiam a volta da Monarquia. Ele
não hesitou e usou de artifícios ditatoriais para conter a manifestações. Jornalistas
monarquistas chegaram a ser presos por terem participado de um levante com
intenção de recolocar D.Pedro II no trono.
As charges em jornais e revistas foram instrumentos de deboche e
zombaria na política, fato que costumava irritar o presidente Deodoro. Os principais
caricaturistas e chargistas da época foram: Ângelo Agostini, Bento Barbosa e
Benedito Bastos Barreto Belmonte. As charges ocupavam o lugar do que seriam
atualmente das fotografias. Esta já existia, mas não se podia transportá-la para as
páginas do jornal.
Na campanha de Deodoro a presidente dois jornais tiveram funções
essenciais: A Tribuna, que foi usado contra Deodoro e O País, que tinha Quintino
Bocaiúva como redator-chefe, deu amplo apoio, publicando artigos opinativos,
pagos pelos autores, na defesa da candidatura. Outros jornais importantes do
período: O Estado de S.Paulo, Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio.
Na eleição de Campos Salles, em 1896, a temática republicana também era
o tema principal nos jornais brasileiros. “Campos Sales foi um dos membros do
movimento republicano que mais acreditou e investiu na imprensa”. (CORTE REAL,
2005, p 53).
Como presidente do Brasil, Campos Salles dedicou-se muito a imprensa,
tanto financeiramente como intelectualmente. Antes de assumir a presidência,
depois de eleito, Campos Salles fez uma viagem a Europa e levou um redator do
Jornal do Comercio, o jornalista Tobias Monteiro, que escreveu depois um livro com
detalhes da viagem.
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Em seu governo, ele também sofreu com a oposição de jornais e jornalistas.
A liberdade de imprensa possibilitava a publicação de criticas ao governo através de
textos, charges e caricaturas. Entre os críticos estavam Ruy Barbosa em seu jornal A
Imprensa e José do Patrocínio em Cidade do Rio. (CORTE REAL, 2005, p 61).
Em seu livro ‘Da Propaganda à Presidência’, Campos Salles (1998 apud Corte
real, 2005) expressa de maneira relativamente clara que, como Presidente da
República dedicou a manutenção de uma verba secreta governamental para
“compra” de jornalistas. Prática ainda comum nos dias de hoje. No livro ele
argumenta que esta prática era comum desde a monarquia, quando eram usados os
“fundos secretos do Tesouro para o serviço da imprensa”.
A partir de 1870 outros temas começaram a aparecer na imprensa como a
escravidão, questão religiosa, eleitoral, federativa, militar e o próprio regime
político. Sodré (1977) diz que questões e reformas refletiam-se na imprensa e esta
ampliava a sua influência. Os principais jornais da época eram A Província de São
Paulo, que em 1889 passou a ser denominado de O Estado de São Paulo sob a
bandeira Republicana e o Jornal do Brasil, fundado em 1891, no Rio de Janeiro.
Mas em todas as regiões do país surgiam jornais, no ano de 1902, na região
do Vale do Paraíba, no auge da produção cafeeira, os periódicos com a bandeira
republicana apoiavam o candidato a presidente da República Rodrigues Alves.
Nas eleições de 1902 os jornais costumavam fazer campanha para que os
eleitores comparecessem na votação. O Partido Republicano, sigla de Rodrigues
Alves era quem comandava a campanha de convocação dos eleitores como
estratégia para vencer as eleições. Por outro lado, os jornais monarquistas como O
Estado de São Paulo ignoravam o assunto eleições.
Os presidentes republicanos que sucederam Campos Sales: Rodrigues Alves
e Afonso Pena deram continuidade as estratégias de relacionamento com a
imprensa tanto nas campanhas quando durante o governo. Como candidato único
nas eleições de 1906, o mineiro Affonso Penna, usou os jornais para divulgar seu
programa de governo. Neste ano, dois jornais tiveram destaque no processo
eleitoral: o Correio da Manhã e O Paiz.
Segundo Sodré (1977) o Correio da Manhã desempenhou papel de quebrar a
uniformidade política dos gabinetes, levantou o clamor das camadas populares,
defendendo a pequena burguesia. O Paiz era ligado às elites da Velha República, em
defesa dos interesses da política do café com leite.
Ainda na política do café-com-leite, a campanha de 1922 que levou Arthur
Bernardes à Presidência da República, se apresentou como uma das mais
“disputadas” da Primeira República.
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No começo dos anos 20 do século passado, as forças políticas dos estados
do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro estavam descontentes
com a política café-com-leite. Para combater a hegemonia de Minas e São Paulo,
lançaram à candidatura de Nilo Peçanha a presidente do Brasil na chapa Reação
Republicana contra o candidato de Minas, Arthur Bernardes.
Os estados descontentes não pouparam no uso de ataques na imprensa.
Segundo Torrezam (2008), o grande abalo à candidatura de Arthur Bernardes veio
quando o Correio da Manhã publicou cartas que tinham autoria atribuída ao
candidato. As cartas ofendiam as classes armadas, incitando uma crise militar.
Uma semana depois das publicações no jornal carioca, Bernardes viajou
para o Rio de Janeiro para ler sua plataforma de governo, foi recebido com chuva
de tomates e ovos podres. Ele negou a autoria das cartas, a população e o Exercito
se dividiram entre os que acreditavam na inocência de Bernardes e os que pediam a
renúncia de sua candidatura.
A marca registrada do Correio da Manhã era jornalismo opinativo levado ao
extremo. O periódico empreendeu campanha descarada contra Arthur Bernardes,
mostrando exemplos de má administração do candidato desde os tempos iniciais
da sua carreira política como deputado em Viçosa (MG). Já o Diário de Minas atuou
na defesa de Arthur Bernardes, o jornal rebateu, inclusive, a acusação de que as
cartas publicadas pelo Correio da Manhã eram de autoria de Bernardes.
(TORREZAM, 2008).
Um mês antes das eleições, um fato novo veio a ajudar na campanha de
Arthur Bernardes: o senador Ruy Barbosa, figura influente na política mundial, até
então neutro no processo eleitoral, saiu em defesa de Bernardes. Suas declarações
foram reproduzidas pelos jornais de todo o país e em países como a França e
Espanha. Depois das declarações de apóio, Ruy Barbosa também passou a ser alvo
de críticas por parte do Correio da Manhã.
Outra estratégia usada pelo Diário de Minas, foi a publicação, há 11 dias da
eleição, de uma prévia contagem de votos possíveis para os candidatos à
presidência, dando vantagem para Arthur Bernardes. Esta prática ainda é usada por
partidos políticos, mas com o aval das técnicas modernas de pesquisa eleitoral.
Neste período os jornais foram fundamentais para a conscientização da
população com direito a voto para a importância de comparecer as urnas. Um
movimento da imprensa, encabeçada pelo Diário de Minas, propagou o alistamento
eleitoral e fez com que muitos fossem votar. Neste período, para votar era preciso
comprovar posses. O jornal conseguiu com que “o voto fosse promovido de ato
cívico e patriótico, a ato heróico”. (TORREZAM, 2008, p 57).
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Na campanha eleitoral de 1926, o candidato Washington Luis, o “Dr.
Estradeiro”, inovou no relacionamento com a imprensa, com a produç~o de notícias
para jornais não-simpatizantes e divulgação pelo jornal do Partido Republicano
Paulista (PRB) “Correio Paulistano”. (FRANCO, 2008, p 134)
3. Era Vargas: Jornais Controlados
Na primeira metade dos anos 40 o país vivia sob a Ditadura de Getúlio
Vargas, instaurada em 1937 e que permaneceu até 1945. Este momento histórico,
conhecido como Estado Novo é marcado pelo cerceamento da liberdade de
imprensa e pela ação da censura e do Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP), criado em 1939.
Além de ter usado com freqüência o radio e o cinema para propaganda
política, Getúlio Vargas fez uso da imprensa, que foi o foco da censura no período. O
governo exerceu a coerção e o controle para que a imprensa se enquadrasse dentro
das circunstancias do regime.
O governo tratou de criar a Agencia Nacional com a função de produzir
artigos doutrinários com intenção de induzir o leitor à simpatia com o Regime. A
fotografia de Vargas foi amplamente divulgada nos jornais no período.
A propaganda servia ainda para estabelecer uma aliança com sindicatos,
criando um controle ideológico nas entidades trabalhistas, através da compreensão
do processo histórico, que pudesse auxiliar na manipulação da opinião pública.
Entre as atrocidades cometidas contra a imprensa, houve o episódio de 25 de março
de 1940 de invasão do prédio sede do jornal Estado de São Paulo, sob a alegação de
que estariam acontecendo reuniões contra o governo. O Estado impediu a família
Mesquita de administrar o jornal e o mesmo passou a ser dirigido pelo governo.
Foi no Estado Novo que o povo passou a ser visto como uma massa
uniforme, o novo governo vê a população como uma multidão irracional. O poder
vigente buscava a construção de um ideal de nação onde prevalece a idéia de
direcionamento político e intelectual dos que ocupam posição dominante em face
do restante da população.
O governo vê nos meios de comunicação um instrumento para difundir o
conhecimento e noções, orientação a população vista como uma massa amorfa. A
imprensa adquire, assim, um papel de educação.
“No Estado Novo, o pilar para a construç~o de um projeto de identidade
nacional foi a inclusão, via formulação discursiva e ideológica, do grupo urbano em
maior crescimento nas cidades: os trabalhadores. E também para realizar esta
proposta, a aç~o dos meios de comunicaç~o”. (BARBOSA, p 110).
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Neste cenário, as alianças com os dirigentes da imprensa eram importantes
porque o governo queria a cooptação daqueles que possuíam o discurso e também
a disseminação de uma nova visão de mundo. Percebe-se ainda o alinhamento dos
dirigentes das principais publicações com o regime. Os que não aderiram ao regime
sofreram perseguições, mas no geral houvera mais acordos e relações conjuntas
entre o governo e a imprensa do que divergências.
Para conquistar proprietários de meios de comunicação e jornalistas, o
governo isenta estes profissionais do imposto de renda e financia inteiramente o
papel para impressão para os jornais que apóiam o governo. Para a construção do
consenso o governo usa a coerção, primeiro, da própria imprensa.
No Brasil, nos anos 40, o Estado é seduzido para controlar a opinião pública
a partir dos instrumentos de ação totalitária obtidos em 1937 por meio da ditadura.
Incorpora ao seu ‘patrimônio jornais e emissoras de r|dio, cria um padr~o próprio de
informação escrita e falada, além de recorrer, quando convém, à censura prévia de
textos, imagens, espetáculos e diversões. (BAHIA, 1990 p 229).
A imprensa cumpre o papel, por vontade própria ou por coerção, de tornar
visível a simbologia de um líder que fala por esta massa, Getúlio Vargas aparece
como o representante da vontade dos trabalhadores. Ele é a personificação do
poder e a imprensa ajuda na construção da imagem mítica da soberania da
sociedade política sobre o conjunto da sociedade. “O lugar de operacionalizaç~o da
linguagem e da ideologia estado novista é a imprensa e os novos meios de
comunicaç~o, sobretudo, o radio”. (BARBOSA, 2007, p 113).
3.1. A atuação do DIP
A censura à imprensa no Estado Novo tinha dimensões macroscópicas.
Através de um aparelho burocrático organizado, o governo acompanhava todo o
material que era produzido pelos meios de comunicação e tinha o poder de
autorizar ou vetar a sua publicação.
O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) representou o ápice da
censura escancarada implantada pela Ditadura de Vargas. Este órgão foi, na
verdade uma evolução de outros departamentos que ensaiavam o controle sobre o
jornalismo e a publicidade.
O DIP foi criado em 1939, como órgão subordinado diretamente ao
presidente da República e ao Ministério da Justiça. Suas funções não se restringem
a censura, sua tarefa maior era difundir a ideologia estadonovista, fazendo dela o
discurso de toda a sociedade brasileira no período.
Entre as funções do DIP estava a de autorizar, a cada mês, a devolução dos
depósitos efetuados pelas empresas jornalísticas para a importação de papel,
quando demonstrada a utilidade pública dos jornais, aqui entendido como a
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divulgação das idéias do governo. O sistema de financiamento para compra do
papel era uma forma de controlar e pressionar a imprensa. Qualquer manifestação
rebelde por parte dos periódicos, o governo cortava o papel e a verba publicitária.
O DIP controla ainda o registro dos jornais, das emissoras de rádio, dos
serviços de alto-falantes, das revistas; ordena a prisão de jornalistas; fecha jornais;
dita o que pode ou não ser publicado. Os jornalistas também tinham que obter
registro no órgão, sob a justificativa de que exerciam função de caráter público.
A exemplo de toda a máquina estatal, o DIP tinha uma grande estrutura.
Dentro do órgão havia a Divisão de Imprensa, responsável por vigiar a produção
discursiva dos impressos. Via DIP, o governo consegue cooptar os donos dos
veículos de comunicação. As verbas oficiais, repassadas pelo Departamento,
engordam os jornais, revistas, agências de notícias, emissoras de rádio. O governo
ajuda ainda com subsídios para importação de equipamentos gráficos. (BAHIA, p
230).
No mesmo ano em que o DIP foi criado, o governo publicou um decreto
tornando a transmiss~o do programa “Hora do Brasil” obrigatória em qualquer
estabelecimento comercial que possuísse aparelho de radiodifusão. Os jornais têm
o papel de propagar o programa entre a população, o jornal A Manhã, por exemplo,
faz entrevistas e sondagens sobre a opinião da população o sobre programa.
A Agência Nacional, outro órgão do setor de comunicação do governo,
funcionava como um jornal e dispunha de grande equipe com redatores, repórteres,
tradutores. Assim grande parte do que se publicava nos jornais provinha da
Agência.
O regime de censura a imprensa permanece até fevereiro de 1945. Em 1946,
uma nova Constituição é promulgada, através de uma Assembléia Constituinte. No
novo texto é restabelecida a livre manifestação do pensamento sem dependência
da censura.
4. Segunda República: Publicidade Eleitoral nos Jornais
Os presidentes que sucederam Getúlio Vargas herdaram muitos dos
artifícios do ex-presidente para conquistar popularidade. O mais emblemático dos
presidentes, após Getúlio, o mineiro Juscelino Kubistchek, soube usar a imprensa
para construir sua carreira política e articular sua candidatura a presidente.
Segundo Picolin (2001), Juscelino conseguiu espaço para sair candidato a
partir de articulações na imprensa. Em uma entrevista após a morte de Vargas aos
Diários Associados ele disse que era o momento de se discutir eleições e forçou o
debate no meio político. As constantes viagens de Juscelino, como governador de
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Minas, ao interior de seu Estado e a outros Estados brasileiros chamou a atenção
dos jornais que diziam que ele estava em plena campanha eleitoral, mesmo antes da
morte de Vargas.
Como estratégias de campanha, Juscelino publicava anúncios em jornais de
São Paulo com divulgação de entrevistas que iria ser transmitida por emissoras de
televisão. Os recursos para publicação dos anúncios tinham patrocínio do capital
privado, nacional e estrangeiro.
A própria agenda de campanha de Juscelino mostra como ele priorizava a
imprensa, em suas visitas as diversas cidades brasileiras sempre estavam incluídos
horários para entrevistas a jornais locais. Além disto, a sua equipe publica anúncios
dos comícios nos jornais da cidade onde iria acontecer o evento.
Os jornais também foram muito úteis na campanha de Janio Quadros, em
1960. Os periódicos publicavam matérias pagas pelos comitês eleitorais, que
reforçavam o texto com ilustrações da “vassoura”. “O instrumento janista foi
assunto de artigos jornalísticos pelo qual os autores teciam comentários sobre a
popularidade e a significaç~o do símbolo maior de Janio”. (GROSSI, 2001, p 63)
Em sua pesquisa, Grossi constatou que jornais de todo o Brasil apoiavam
Janio, entre estes os jornais O Povo (Fortaleza – CE), Diário Serrano (Cruz Alta – RS),
Correio do Povo (Recife - PE), O Leste Mineiro (MG). Segundo o autor, os jornais do
interior do Brasil davam apoio ao candidato, conforme a relação do jornal com
lideranças políticas locais. “Tanto nos jornais do interior como das capitais eram
veiculados anúncios publicitários dos candidatos. Essas propagandas políticas
alimentavam a arrecadação publicitária dos periódicos, com grandes anúncios, que
chegavam a tomar uma p|gina inteira”. (p 131).
Jornais de alguns países também publicaram artigos comentando a
campanha de Janio: El Mundo (Venezuela); La Prensa e La Nacion (Argentina);
Moçambique Ilustrado (Moçambique).
5. Ditadura Militar: anos de chumbo para a imprensa
As campanhas presidenciais do período do Regime Militar (1964 – 1985)
eram feitas com suporte da censura e sufocamento das críticas. Naquele momento
a televisão afirmava sua importância na comunicação de massa com a ampliação de
sua abrangência em todo o território nacional. No entanto, os jornais ainda
continuam sendo instrumentos relevantes para a comunicação política.
A maioria dos jornais foi favorável a queda do presidente João Goulart e,
inclusive, contribuiu com o Golpe de 1964, que chamou de “Revoluç~o”.
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A propaganda ideológica veiculada no período anterior ao Golpe tinha na
elaboração da realidade mais convincente: a de que a administração militar seria uma
revolução no sentido de sublevação, de valorização do trabalhador e do bem estar
social, protegendo do comunismo os valores mais caros para a sociedade brasileira: a
família, o direito de propriedade e a religião. (SAKAI, 2005, p 97).
Em cima destes conceitos foi construída a imagem de Castelo Branco,
primeiro presidente do novo Regime. Antes de deixar o Planalto, Castelo Branco
aprovou a nova Lei de Segurança Nacional, que proibia ações e propaganda no
campo político, econômico, psicossocial e militar. Em 9 de janeiro de 1967 aprovouse a Lei 5259, a Lei de Imprensa, que admitia a apreensão de jornais e revistas pelo
Ministério da Justiça.
No ano seguinte, a decretação do Ato Institucional-5, determinou a prisão
de centenas de jornalistas. Um manual distribuído a imprensa indicava que cassados
não podiam falar sobre política, nem os jornais poderiam criticar os Atos
Institucionais.
Nos anos de Chumbo os governos militares usaram o discurso jornalístico
como uma das formas de difundir a propaganda ideológica. O discurso que era
propagado como independente e neutro era um meio eficiente de propagação das
idéias do governo ou da classe dominante.
Um personagem principal para a comunicação deste período foi o
marketeiro Coronel Octávio Pereira da Costa, considerado o mago da ditadura
militar brasileira. Ele comandou a Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp) da
Presidência da República entre os anos de 1969 a 1973. Foi tenente de infantaria,
participando de campanha na Itália durante a II Guerra Mundial. Como general,
comandou a 6ª Região Militar em Salvador (BA), após deixar a chefia da Aerp. Foi
professor e conferencista e defendia nos artigos, que escrevia aos jornais, a posição
militar perante a necessidade do golpe de 1964.
Em uma análise das revistas Veja e Manchete e do jornal Folha de São Paulo,
Carrilho (2005) observou que, no governo de Médice, o terceiro presidente do
Regime Militar, “[...] houve o desenvolvimento de uma grande campanha de
propaganda ideológica, com uma elaboraç~o minuciosa e uma difus~o precisa”. (p
176).
Segundo a pesquisa citada, os discursos da imprensa que apresentavam
Médice à população tinham características persuasivas. Usava frases de efeito e
citações poéticas. Além de atitude de desqualificação do adversário, identificada
como ação de contra-propaganda. As informações sobre grupos de oposição que
chegavam à população eram contrariados pela comunicação oficial.
No quarto governo Militar, do presidente Ernesto Geisel, os militares
usaram parte da mídia nacional para promover uma campanha de propaganda
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ideológica que buscou apresentar aos brasileiros de forma didática e positiva,
informações pessoais, familiares e profissionais do presidente. (BAREL, 2007, p 170).
Os demais presidentes militares, Costa e Silva e João Baptista Figueiredo
usaram estratégias de comunicação similares a estas relatadas aqui. O objetivo
sempre era o de persuasão da população através de uma propaganda que difundia
a administração militar como a melhor para o país.
6. Redemocratização: Campanhas Profissionalizadas
O primeiro candidato civil pós 64, mas ainda eleito com votação em Colégio
eleitoral, Tancredo Neves não exerceu o mandato de presidente devido sua morte,
mas entrou para a história como um dos principais articuladores da campanha pelas
Diretas.
A campanha de Tancredo para presidente da República e as ‘Diretas J|’,
como ficou conhecida a campanha pela instituição do voto direto no país, têm
muito em comum. Da experiência com o movimento pelas Diretas, a campanha de
Tancredo herdou o estilo das peças publicitárias e o envolvimento da massa
populacional.
Durante a campanha de Tancredo Neves, os jornais tiveram o papel de
veiculação dos anúncios publicitários, além da publicação de artigos. A assessoria do
candidato também trabalhou com o envio de releases para as redações.
O vice de Tancredo Neves, José Sarney ocupou o seu lugar na presidência
da República. Este maranhense que já havia sido governador do seu estado natal,
fez uma gestão tendo entre as prioridades, a comunicação.
A primeira eleição direta do Brasil pós 64 aconteceu somente em 1992,
saindo vitorioso o ex-governador do Estado de Alagoas, Fernando Collor de Melo. A
imagem deste candidato e sua projeção no cenário político nacional foi construída
na mídia enquanto Collor ainda era governador de Alagoas, os jornais deram
contribuição importante no processo.
Ricardo Costa (2001) relatou em sua pesquisa de Mestrado que uma série
de reportagens publicadas no período de 1986 a 1989 nos principais veículos
impressos do país, ajudaram Collor a ficar conhecido nacionalmente. Eram, em
geral, matérias grandes e com destaque considerável para um dos Estados mais
pobres do país. As ações do ent~o governador na “caça aos maraj|s” ganhou a
simpatia da mídia.
No período considerado na pesquisa de Costa (2001) eram comuns a
publicação nos jornais de entrevistas com o governador sobre os mais diversos
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assuntos da vida pública do país. Nas reportagens Collor estava sempre opinando
sobre os rumos governo, do país. Fazia críticas constantes ao governo Sarney e ao
Plano Verão. Falava sempre em modernização e moralização do estado de Alagoas.
Os jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, O Estado de São Paulo
publicaram muitas matérias com tom positivo para Fernando Collor. A ajudinha da
imprensa foi fundamental para a candidatura e vitória de Collor.
Esta estratégia faz parte da lógica da valorização dos sujeitos políticos ao
invés da política. Citando Sennett (1995), Pitthan (2007) afirma que as pessoas
estariam mais interessadas na vida do político do que nas suas crenças. “A
espetacularização do poder político significa a absorção pela política de uma lógica
produtiva da mídia comandada pelo entretenimento”. (p 123)
A imprensa confirma-se então como eficiente na elaboração de mitos, na
construção de imagens de pessoas públicas e, principalmente, na projeção de
líderes políticos. Mesmo quando estes líderes não conseguem êxito na disputa de
cargos majoritários, a exposição midiática lhes permite ascensão pública. Um destes
casos, é o da senadora Heloísa Helena, candidata a presidente do Brasil nas eleições
de 2006.
No Brasil contemporâneo, das campanhas de eleições diretas, onde todos
os brasileiros têm direito a voto, o jornal impresso continua a ser instrumento
relevante para a conquista deste eleitorado. Mesmo tendo perdido força diante da
televisão e agora da internet, não se pode subestimar o poder dos jornais para a
vida política do país.
7. Conclusões
O jornal foi ator essencial na campanha pela Proclamação da República e
pela conquista democrática, nas campanhas das Diretas Já. Jornais são sempre
referências importantes para medir a popularidade internacional de um político. O
que sai nos principais jornais do mundo a televisão brasileira repercute.
Compreende-se ainda que o jornal têm ampla influência na classe política
nos dias atuais. É um instrumento eficiente para este diálogo, é capaz de levantar
questões e até provocar adversários. Capaz de projetar nomes e ajudar a vencer
eleições.
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de Mestrado. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo,
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DESDE 1886 O DIÁRIO DO RIO CLARO
Adolpho QUEIROZ, Luciana NICOLETI, Silvia VENTUROLI e
Vivaldo STEPHAN JR
Universidade Presbiteriana Mackenzie
A primeira impressão
“Acompanhando os rasgos da via férrea, o jornalismo se alicerçava
medroso por estes lados. O prelo surgia em caixotes transportados ainda em
lombadas morosas. Comentariava-se o próximo aparecimento da imprensa nesses
suaves dias de maio de 1872.
De então até a presente data, cerca de 70 periódicos diversos viram a luz
nas terras de S. Jo~o.” (FERRAZ, 1922). Portanto, nos primeiros 50 anos da história
da imprensa escrita de Rio Claro.
Periodicamente a imprensa em Rio Claro vem sendo estudada desde 1898,
quando Lafayette Toledo tentou dar uma visão da imprensa na capital e no interior
do Estado (CAMARGO, 1986).
A bibliografia cita as datas de maio de 1872 (FERRAZ, 1922) e janeiro de 1873
(COSTA,1953) como início de circulaç~o do bisseman|rio “Echo do Povo”, o primeiro
jornal de São João do Rio Claro. Circulava nas quintas-feiras e domingos, conforme
indica a edição de 23 de fevereiro de 1873, do acervo do Arquivo do Município de Rio
Claro. Depois do Echo do Povo vieram outros tantos: Estrella D’Oeste - julho de
1873, o Rio-Clarense - setembro de 1874, O Correio do Sertão - janeiro de 1874, O
Caipira - novembro 1875, O Futuro - janeiro de 1876, Gazeta Rio-Clarense - julho de
1877, O Trem - outubro de 1877, o Apha - janeiro de 1878, Jornal a Infância - registro
em 1879; O Correio do Oeste em 1880, O Correio de Rio Claro - 1881, O Tempo - julho
de 1882, Século XIX - abril de 1886, Diário do Rio Claro - setembro de 1886; O RioClarense - 1887. Em 1888 circularam: O Grêmio, Tiradentes, o Typógrafo e Treze de
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Maio. Já em 1889 ano da Proclamação da República, apareceram Commercio do Rio
Claro e o Correio do Rio Claro. O La Libertá surge em 1891, Gazeta do Rio Claro – em
julho de 1892. Em 1894 surgem na imprensa local: O Raio, O Século, Correio da Tarde
e Jasmim. Em 1895 surgiram: O Rio Claro, Gazetinha e Espumas. No ano seguinte
apareceram o Buffo, O município, A Corujá e A Bomba. A Gazeta do Commercio
surge em 1897. O Rio Claro, a Pérola, Cidade do Rio Claro, L`Indipendente, O Martelo
e o Prego nasceram em 1900. E o Rio-Clarinho em 1903. (FITTIPALDI, 1986).
Uma passagem importante do pioneiro Echo do Povo descrita por
FITTIPALDI (1986) foi justamente o seu fechamento que aconteceu em novembro
de 1873, quando seu proprietário e fundador Nicanor Rodrigues Paz foi preso por
abuso de liberdade de imprensa. Sua pena foi de 4 meses de reclusão.
Estes foram os últimos periódicos surgidos no século XIX, antecedendo
mais de uma centena de outros títulos que apareceriam ao longo do século XX.
(FITTIPALDI, 1986). Nestes mais de 130 anos, dezenas de títulos fizeram a história da
imprensa escrita em Rio Claro, que chegou ao ano 2002 representada pelo
centenário Diário do Rio Claro (1886), Cidade de Rio Claro (1935) – também de
circulação diária, os semanários Jornal Regional (1990), Jornal do Povo (1999),
Tribuna 2000 (2000) e Udy Magalhães Special´s (2000). Este um semanário social
que fechou as portas na edição 176 em 25 de maio de 2002, quando este material
estava em fase final de elaboração. Alguns dias depois, o Jornal do Povo também
encerrou suas atividades.
O único centenário
Em primeiro de setembro de 1886, surge no cenário da imprensa de Rio
Claro, o primeiro jornal de circulação diária, denominado Diário do Rio Claro, hoje o
terceiro mais antigo jornal diário em circulação no Estado de São Paulo.
O Diário do Rio Claro é oriundo do semanário O Tempo, folha bissemanal,
imparcial e noticiosa, que começou a circular em 1º de julho de 1882. “O Tempo era
absolutamente alheio a lutas políticas e tinha por programa apenas a defesa dos
interesses municipais, qualquer que fosse a forma sob a qual eles se apresentassem.
O Tempo foi dirigido por Francisco de Assis Salles, pelo bacharel Eduardo de
Camargo Neves, por Pedro Augusto do Carmo e finalmente, a partir de março de
1886, por José David Teixeira. Seus escritórios e tipografia ficavam na Rua do
Regente Feijó (atual Avenida 2), nº 3. Encerrou suas publicações com o número 373,
a 22 de agosto de 1886, dando lugar ao Di|rio do Rio Claro”. (FITTIPALDI, 1986).
O Diário do Rio Claro teve como fundador e primeiro proprietário o Major
José David Teixeira que, negociou a compra do semanário com o seu patrão, Dr.
Eduardo de Camargo Neves, que estava desinteressado em continuar com o jornal
O Tempo. Em 1º. de setembro de 1886, O Tempo passa a se chamar Diário do Rio
Claro e ganha periodicidade diária. Naquela época, a tipografia funcionava na
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Avenida 2 número 68. O relato da origem do Diário também foi obtido através de
entrevista com o jornalista Paulo Jodate David, neto do Major David, aos autores
(maio, 2002).
Os primeiros anos do jornal foram marcados pelas campanhas explícitas a
favor da abolição da escravatura e pela proclamação da República (FITTIPALDI,
1986). Apesar da divulgação de que o Diário era um jornal imparcial e noticioso, o
Major José David Teixeira era um republicano, garante seu neto Jodate David. O
surgimento do jornal Diário acontece simultaneamente a acontecimentos
importantes da época, caso do movimento republicano (PEREIRA, 1985).
Um documento extremamente significativo para a vida do Diário do Rio
Claro foi registrado nas páginas do jornal Século XIX. Este registro é raro e pode
comprovar a empolgação e expectativas que cercavam o aparecimento do Diário. O
Século XIX, jornal rio-clarense literário e noticioso de publicação quinzenal, noticiou
quarta-feira, primeiro de setembro de 1886 em sua primeira p|gina: “Surge hora {
tona da popularidade, um jornal diário que será a prova mais exuberante do
crescente desenvolvimento de nossa cidade”.
A mais antiga edição do Jornal Diário do Rio Claro mantida em arquivo, é
de 4 de março de 1894, e est| no acervo do Museu Histórico e Pedagógico “Amador
Bueno da Veiga”, no município de Rio Claro. Seu estado de conservaç~o
compromete a leitura e manuseio do material. A parte inferior está fragmentada e
em alguns pontos a edição recebeu aplicações de fita adesiva incolor. De valor
histórico inestimável, o exemplar traz em sua testeira o nome em destaque de José
David Teixeira como diretor do jornal e logo abaixo a inscriç~o: “Domingo, 4 de
março de 1894 – n. 44 – Anno VII”. Essa informaç~o, pelo que se verifica, levanta
uma curiosidade. Sendo um periódico diário, como poderia em seu sétimo ano de
existência estar circulando sua 44ª. edição? Teria naquele domingo o jornal
cometido um equívoco no registro do número da edição? Não é o que parece
quando se analisa outro raríssimo exemplar do século XIX dos dois únicos em
arquivo. Editado 116 dias depois, o exemplar tem o número de edição 131. Na opinião
do jornalista José Rosa Garcia, editor do Diário do Rio Claro no final do século XX,
naquela época a numeração das edições era zerada a cada final de ano. Isto
também ocorreu na edição de seu centenário em 31 de agosto de 1986, quando o
jornal Diário circulou com 64 páginas repletas de notícias sobre sua história e do
município. O Diário do Rio Claro recomeçou a contagem de suas edições que estava
então no número 28.561. Com 115 anos de história e periodicidade diária (circula de
terça-feira a domingo), se tivesse mantido uma única numeração, o jornal estaria
ultrapassando a marca de 35 mil edições. A edição de hoje, 06 de julho de 2002,
quando este material é finalizado, tem o número 4.791.
Com base na sua mais antiga edição encontrada no município (04 de março
de 1894) é possível constatar que o Diário tinha sua gráfica e escritório na Avenida 1,
número 35, e que muito cedo sua circulação extrapolava os limites do município,
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
uma vez que a assinatura anual naquele seu sétimo ano de vida, custava 16$000
“para a cidade” e 18$000 “para fora”. O notici|rio também avançava os limites de
Rio Claro, informando – por exemplo – sobre boatos em Portugal do movimento
republicano no norte do país, conforme notícia reproduzida do Diário de Notícias,
do Rio de Janeiro. Na primeira página da referida edição, junto a poesias e versos,
um “Decreto Sério” assinado pelo vice-presidente da República dos Estados-Unidos
do Brazil e que dizia da necessidade de “punir, imediatamente, e com o máximo
rigor, os graves crimes que atentam contra a consolidação da República, o
restabelecimento da paz e a sustentaç~o do princípio da autoridade”.
Em vários momentos, o jornal Diário do Rio Claro destacou sua condição de
quarto mais antigo jornal diário em circulação no Estado de São Paulo. Com o fim do
título Diário Popular, que em agosto de 2001 passou a ser Diário de São Paulo, o
Diário do Rio Claro sobe uma posição neste ranking, ficando atrás somente do O
Estado de São Paulo, fundado em abril de 1875 e do Tribuna do Norte (de
Pindamonhangaba), que começou em junho de 1882. A análise é feita com base em
levantamento (1995) da Fundação Cásper Líbero. Entre tantos títulos que surgiram
nos 130 anos de história da imprensa de Rio Claro, o Diário é um dos poucos
sobreviventes e o único centenário.
A condição de jornal diário sempre deu ao Diário do Rio Claro uma
import}ncia muito grande na comunidade. “As pessoas ficavam aguardando a
notícia”, relata o Paulo Jodate David. “O Major ia até a Estaç~o Ferrovi|ria onde
colhia algumas informações, os nomes de quem estava chegando ou saindo em
viagem e também conseguia colaborações financeiras para a sustentação do
jornal”.
Essa prática pode ser comprovada através da edição de número 11.084, de 3
de maio de 1927 - a única existente no acervo da Biblioteca Municipal Mário de
Andrade, em São Paulo. O jornal anuncia na p|gina 2 em “Notas do Dia”, os nomes
de três pessoas que foram a São Paulo, uma a Jundiaí e duas a Campinas, bem como
o nome de três que haviam regressado a Rio Claro. Na mesma página, o jornal
registrou o aniversário de seu fundador com o texto: “faz anos hoje o nosso velho e
prezado director sr. Major José David Teixeira. É com intima satisfação que, contra
sua vontade, e mesmo ás suas ocultas, trazemos a notícia do seu natalício para as
colunas do jornal que, há mais de quarenta anos fundou, e incansável, vencendo
todos os obstáculos, dirige até a presente data, verificando como merecida
recompensa, alias, que o premio melhor do seu abnegado esforço, plenamente se
comprova na extraordin|ria acceitaç~o que tem o “Di|rio” n~o só em todo o
município de Rio Claro como em muitos outros e, geralmente, no Estado. Ao nosso
director aqui deixamos as expressões do nosso apreço e do nosso afectto, com
votos de vida prolongada e sempre prospera e feliz”.
Ainda na edição guardada em São Paulo, o Diário publicou um edital do
prefeito dando 3 dias para que o propriet|rio de uma “cabra nova com leite” fosse
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
retirar o animal que estava “preso”. Publicou também edital e protesto de
duplicata, nota de falecimento, anunciava o filme “N|ufragos da Vida” em exibiç~o
no Variedades e Phenix e uma notícia sobre a ata da reunião da Comissão de
Festejos e exposição, realizada em 1º. de maio, para a comemoração do centenário
de Rio Claro que aconteceria em 24 de junho daquele ano. A notícia sobre o
centenário diz que seriam convidados os estudantes, a Companhia Paulista
receberia agradecimento pela concessão de redução de 50% nos preços das
passagens, mandariam imprimir circulares para serem enviadas ao jornal do Estado
pedindo apoio, na publicação de notícias referentes ao certame. Na reunião, diz a
notícia, J. Romeu Ferraz comunicou que estivera visitando os jornais de São Paulo e
que todos se colocaram à disposição da Comissão para a propaganda das festas e
prometeram publicar páginas em homenagem a cidade no dia do seu aniversário.
Na edição 14.003 do dia 17 de março de 1934, sábado, o jornal Diário do Rio
Claro anunciava o falecimento de seu fundador. Quando voltou a circular, na quartafeira – 21 de março, e em várias outras edições subseqüentes, o Diário continuava de
luto e fazia menção às manifestações de pesar da comunidade pelo seu fundador.
No dia 22, publicou 51 linhas com mais de cem nomes de famílias que enviaram
flores pela morte do Major David.
O Major David
O fundador do Diário do Rio Claro nasceu em Campinas, no dia 3 de maio de
1.858. “Era filho do senhor David José Teixeira que de Campinas transferiu-se para
Rio Claro com sua família, a fim de dedicar-se à sua profissão de barbeiro. Assim
muito jovem ainda, o filho de José David, que era dotado de inteligência rara, após
terminar os seus estudos primários em Campinas, onde se sobressaiu entre os
alunos seus colegas, pela facilidade em aprender as lições, foi ajudar o pai na
barbearia de Rio Claro. Naquele mister, nas horas vagas, lia constantemente livros
de literatura para aperfeiçoar-se no trato da língua portuguesa e na arte de
escrever.
Com essa bagagem, foi trabalhar como tipógrafo na oficina dos jornais “O
Tipógrafo” e o “Tempo”, editados na tipografia do Dr. Eduardo de Camargo Neves.
No ambiente dos jornais e pelas constantes leituras de bons livros, projetou-se na
pequena tipografia e logo em seguida entre os estudiosos da cidade, o que lhe valeu
o cargo de “Inspetor das Escolas do Município”, o qual ocupou com brilhantismo e
dedicação por vários anos.
Nas suas atribuições conseguiu guardar dinheiro e em março do ano de
1886, com apenas 25 anos de idade, compra de Eduardo de Camargo Neves o jornal
“O Tempo” e a 1º. de setembro do mesmo ano, começa a rod|-lo sob o nome de
“Di|rio do Rio Claro”.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
José David, ao seu tempo, escrevia diariamente o artigo de fundo e as
colunas “Troco Miúdo” e “Cabriolas”, colunas humorísticas apreciadas pelos
leitores do jornal; não raro, mostrando a sua veia poética, publicava poesias de sua
lavra.
Além de jornalismo, fez também política nesta cidade, em agosto de 1892
foi eleito pelo partido Republicano “Sallista” vereador { C}mara de Rio Claro, por
maioria de votos sobre os seus companheiros de chapa. Não quis tomar posse do
cargo, renunciando o mandato por motivos não explicados; foi então convocado o
seu suplente, o Cel. Joaquim Augusto de Salles, chefe do partido político e que, não
conseguira eleger-se.
Juntamente com Alfredo Ellis, Lucas do Prado, Cerqueira César, Barão de
Grão Mogol e Eduardo de Camargo Neves, por pregações em recintos fechados e
no seu jornal, batalhava em prol da extinção da escravatura em Rio Claro, o que
conseguiu oficialmente da Câmara Municipal, a 5 de fevereiro de 1888.
Naquela data, Rio Claro, com 98 dias de antecipaç~o { “Lei \urea”, dava
liberdade aos seus escravos, graças as pregações revolucionárias das
personalidades acima citadas e ao concurso do “Di|rio do Rio Claro”, pelo seu
Redator e Diretor José David Teixeira.
Faleceu esse ilustre jornalista em nossa cidade no dia 16 de março de 1934;
em sua homenagem a Câmara de 1956, pela Lei no. 442 de 27 de agosto, deu o
nome de “Major José David Teixeira”, ao logradouro público fronteiriço ao
Cemitério de S~o Jo~o Batista” (PENTEADO, 1977).
Ainda que utilizasse a denominaç~o “Major”, José David Teixeira nunca foi
ligado aos setores militares, relata o neto Jodate.
Foi com “muita tristeza” e certamente profissionalismo que “redatores,
colaboradores e demais funcion|rios” anunciaram na ediç~o 14.003 do dia 17 de
março de 1934 - um sábado, a morte do “velho e querido diretor desta folha”,
ocorrida {s 23 horas do dia anterior, “vitimado por traiçoeira syncope cardíaca”.
Convidavam para o enterro que aconteceria no Cemitério Municipal. Trecho de uma
das notícias de primeira p|gina, dizia “...conforta-nos registrar que, antes da meia
noite, a casa de residência da família do nosso diretor era pequena para conter a
imensa porção de gente que foi ali fazer a ultima visita ao batalhador incansável e
herói do jornalismo estadual”. Na parte superior da página e na inferior, foram
colocadas tarjas pretas que tomavam a página de um lado ao outro. Vale frisar que
o falecimento se deu no final da noite e notícia de página inteira saiu já no dia
seguinte no Diário do Rio Claro. O Cemitério Municipal de Rio Claro, onde está
enterrado, confirma que o Major David foi sepultado em 17 de março de 1934, aos
76 anos.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
“O Major José David nasceu a 3 de maio de 1858 e foi casado com D.
Sebastiana Cordeiro David, deixando os seguintes filhos: D. Maria David Leite,
casada com José Campos Leite, aqui residente; dr. Athos David Teixeira, advogado
em Bauru, casado com D. Orazilia Rocha Campos David Teixeira; Dr. José David
Filho, juiz de direito de Assis, casado com D. Judith S. David; Jodate David, casado
com D. Paschoalina Bonini David; senhoritas Zoraide; Cecy e Davina David. Era irmão
dos srs. Luiz David, socio da casa Paiva, residente em S. Paulo; Affonso David,
funccionario da C. Paulista, aqui residente; Dyonisio David Teixeira, funcionário da
Sorocabana e D. Joaninha David Teixeira. Era tio das professoras Eliza e Olga David
Texeira, David, Mario, Mecenas e Octavio David Teixeira, todos aqui domiciliados. O
extinto deixa muitos netos. O enterramento dar-se-á hoje ás 17 horas, sahindo o
feretro da Rua 5 n.o 122”. – dizia nota de primeira página daquela edição de 17 de
março de 1934.
Tradição familiar
Com a morte do Major David em março de 1934, seu filho Jodate David
assume o comando do jornal. Mas, um acidente de carro na estrada Corumbataí-Rio
Claro quando retornava do casamento do amigo Silvio Venturoli (tio de Silvia
Venturoli, autora deste trabalho), lhe tiraria a vida no dia 27 de maio do mesmo ano,
ou seja, 72 dias após a morte de seu pai, o Major David. “O carro foi de encontro a
uma árvore e papai que era muito gordo n~o resistiu ao impacto”, conta Paulo
Jodate David, neto do Major David e que, naquele dia, completava 21 dias de vida. A
redatora-gerente passou a ser então Cecy David, também filha do fundador, que
tinha ao seu lado suas duas irmãs – Zoraide e Davina. “Pouco mais tarde, eu e minha
irm~ Mara também ingressamos na redaç~o”, conta Paulo Jodate David.
“Foi uma caminhada gostosa. Acho que o jornal se constituiu num
instrumento de ajuda na construção de Rio Claro. Todos trabalhávamos com total
dedicaç~o e amor ao Di|rio”, recorda a jornalista Maria Antonia David, a Mara.
A condiç~o de empresa familiar foi o sustent|culo do jornal Di|rio. “Todos
cuid|vamos daquilo como um verdadeiro filho”, diz Jodate. Mas também foi,
segundo o próprio Jodate, o motivo da sua venda ao empresário Geraldo Leonardo
Zanello no final de 1980. “O jornal tinha muitos herdeiros. Eram 27 ao todo e muitos
começaram a exigir participação financeira. Sem inventário e com a morte do meu
tio que era desembargador e cuidava dos negócios, a situação ficou muito apertada
e para resolver o problema colocamos o Diário à venda. Não tivemos outra
alternativa senão vendê-lo e dividir o dinheiro para cada um dos herdeiros. Fui
pessoalmente a São Paulo entregar a parte de um parente que nem sequer
imaginava ter algum direito naquilo”, relatou Jodate.
O jornalista Marcus Vinícius Amato, em entrevista aos autores, declara ter
sido um dos intermediários desta venda. Conta que o Diário esteve muito próximo
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
de ir para as mãos do empresário Mário Sassaki, dono da empresa de ônibus Viação
Cidade Azul. “Eles chegaram a elaborar uma minuta de contrato de 23 milhões da
moeda corrente, mas antes que a venda fosse efetuada, conversei com o Zanello
que ofereceu 28 milhões. Então, a Dona Mara (Maria Antonia David, neta do Major
David) na condição de herdeira entrou com o pedido de opção de compra. A venda
ao Sassaki foi interrompida e o Zanello terminou comprando o Di|rio” relata Marcus
Vinícius.
Após 94 anos sob o comando da família David Teixeira, o Diário integra,
então, o Grupo Zanello que tinha também no município de Rio Claro uma
concessionária de veículos (a Rival), uma empresa de viagens (a ZF Tur), um haras
(Piconzé) e uma emissora de rádio (a Itapuã FM). Em 1º. de janeiro de 1981, o novo
proprietário assumiu a direção do jornal, tendo ao seu lado a esposa Jacira Russo
Zanello.
Na redação, a nova fase do jornal é marcada por uma grande rotatividade
no quadro de funcionários. Nos últimos 21 anos, por lá passaram, entre outros,
Afonso Celso Bovo, Alessandra Ramos, Ana Murbach, André Luis Gallo, Adriana de
Cássia Brás de Oliveira, Andréa Moraes, Antonio Sérgio Pitton, Benone Julião Solha
Ribeiro, Carlos Curcio, Claudete Atibaia, Cristina Vasquez, Edmar Ferreira, Elaine
Knothe, Eraldo Rocha, Helena Monteiro, Irineu de Castro, Ivo Rosalen, Jane Spadari,
Jayme Pecorari, Jéferson Augusto, João Batista Pimentel Neto, Joceli Meyer, José
Afonso Baldissera, José Geraldo Leite Penteado (Bidu), José Luiz Libertucci, José
Roberto Sant´Anna, José Rosa Garcia, Karine Rossi dos Santos, Luiz Wehmuth Neto,
Mara David, Marcos César L. de Abreu, Marcos Correa, Marcos Moitta, Marcus
Vinícius Amato, Mariângela Fabri, Marisa de Lúcia, Natalino Marrach Junior, Neuzeli
Morais Galindo, Nilce Franco Bueno, Noriel Spadari, Paulo Jodate David, Paulo
Marcondes, Paulo Roberto Botão, Percy de Oliveira, Rogéria Cristina Ribeiro,
Rondon de Castro, Selma Momesso, Sérgio Carnevale, Sérgio Oliveira, Sérgio
Santoro, Sidney Navas (Zóca), Silvia Venturoli, Solange Zanão, Wagner Weber e
Waleska Wehmuth.
Evolução gráfica
No início da história do Diário, a velha Marinoni fazia impressões planas,
exigindo que o papel fosse colocado folha a folha e depois dobrado manualmente.
“O major David fazia compra di|ria de papel na Tipografia Conrado, muitas vezes
com dinheiro conseguido de colaboradores. A outra parte do dinheiro vinha dos
anunciantes e dos assinantes”, relata Jodate. Segundo ele, a lista de assinantes era
definida pelo Major. “Muitas vezes a pessoa começava a receber o jornal sem ter
solicitado assinatura. Depois recebia a conta, acabava pagando e ficando assinante.
Era assim que meu avô fazia”, diz Jodate.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
“O jornal saia diariamente menos quando faltava energia elétrica e quando
a vetusta impressora Marinoni se negava a trabalhar. Quem passasse altas horas da
noite pela sede do jornal, ouvia, saindo do fundo da oficina, o ritmado blém-blém da
velha e resfolegante impressora clamando por substituiç~o” (PEREIRA, 1985).
As compras de papel em bobinas só passaram a serem feitas muito depois
quando o jornal comprou de uma gráfica de São Paulo uma impressora Royal – 2
páginas – plana. O jornal só compraria uma impressora rotativa em 1976, quando o
Jornal de Piracicaba – de município que fica a 30 quilômetros de Rio Claro – se
desfez de antigos equipamentos para implantar o off-set. “Compramos uma
rotativa 4 p|ginas e 2 linotipos”, diz Jodate. A rotativa foi estreada no novo prédio
na Avenida 2, onde o jornal ainda funciona. “Resolvemos sair da Rua 5 porque o
jornal estava crescendo e precisava de espaço. Compramos um terreno na Avenida
2 e, enquanto a obra não ficava pronta, improvisei um barracão em minha casa –
Avenida 6, 430, no centro da cidade – para instalar a impressora Royal. As oficinas
continuaram na Rua 5. As ramas iam prontas para serem impressas l| em casa”,
relata Jodate. Foi assim durante quase um ano, até que o jornal mudou sua redação
e oficina para a Avenida 2. Na Rua 5 foi mantido um balcão de anúncios, que ainda
funciona.
Na consulta ao acervo do jornal Diário é possível se resgatar com detalhes
fatos que marcaram a vida do município, seu cotidiano, a evolução gráfica do jornal
e os costumes de épocas. Em 3 de maio de 1927, por exemplo, publicou anúncio dos
distribuidores Caetano e Castellano sobre a navalha de segurança Valet Auto Strop,
no qual, pela ilustração em clichê, é possível se concluir que as tais navalhas são os
atuais aparelhos de barbear. Na edição de 10 de setembro de 1946, está a notícia da
presença do time de futebol profissional da S.E. Palmeiras para um jogo amistoso
com a Seleção Rio-clarense no dia 8 de setembro. “Após a chegada da delegaç~o do
Palmeiras, teve início o programa organizado pela C.C.E., destacando-se o seguinte:
aperitivo no Excelsior, oferecido pelo sr. Antonio Padula Neto; visita a Cervejaria Rio
Claro; almoço; visita ao Horto Florestal; jogos; jantar no Hotel Municipal, e regresso
pelo trem das 19.14 hs”, dizia. O Palmeiras venceu por 4 a 1. Em 30 de março de
1954, o Diário estampou Boletim Oficial da Prefeitura de Rio Claro de número 22 em
página inteira.
“Equilibrar a receita com a despesa era o drama que se repetia todo fim de
mês. A assinatura do jornal não dava para cobrir os gastos, que eram muitos. Não
fossem os anunciantes e os contratos mantidos com a Prefeitura, para a regular
publicação das atas da Câmara, dos balancetes, dos alvarás e atos do prefeito, o
jornal de há muito teria o destino inglório e efêmero de tantos congêneres do nosso
Interior” (PEREIRA, 1985). Em 26 de maio de 1954, dedicou toda a segunda p|gina
para a programação dos cinemas Excelsior e Tabajara, com 5 fotografias em clichês
enviados pelas distribuidoras de filmes. No dia 3 do mês seguinte, trouxe uma
fotojornalismo de uma nutricionista da Walita concedendo entrevista em Ribeirão
Preto. Em 29 de junho de 1957, o Diário circulou com novo tamanho de páginas,
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
passando de 41x28 cm para 50x33 cm de mancha. No ano de 1966, imprimiu em suas
oficinas o bissemanal Tribuna Esportiva, dirigida por Paulo Jodate David e Armando
Luis Bonani e que circulou de 9 de julho daquele ano até 1967 (MACHADO, 1978). Em
1972, sob direção de José Antonio Carlos David Chagas, começou a circular
encartado no Diário o suplemento dominical Encontro, que encerrou atividades em
1975. Chagas avalia como o mais extraordinário material cultural que surgiu na
imprensa de Rio Claro, conforme relato aos autores. O Encontro abria espaço para
as manifestações culturais, enfocando arte, cinema, literatura e muito mais. Entre
seus colaboradores, Carlos Drumond de Andrade, recorda Chagas.
Conforme relato de Paulo Jodate David, não era costume dar crédito aos
profissionais de fotografia, embora reconheça a importância do trabalho que
desenvolveram Artibano Spedo, Rodolfo Copriva, Arnaldo Costa, José Libertucci,
Eraldo Rocha e Hiroo Matsushita, profissionais que durante muitos anos registraram
com suas lentes boa parte da história de Rio Claro e tiveram suas fotos publicadas
nas páginas do Diário. As fotográficas só apareceram com maior destaque na
década de 70, quando o jornal abriu espaço às colunas sociais, conforme recorda o
jornalista Marcus Vinícius Amato, que foi o colunista social no período de 1975 a
1980. “As fotos eram levadas a Campinas para a confecç~o dos clichês”, relata
Jodate. Segundo ele, um funcionário do jornal – em geral às sextas-feiras – ia de
trem até Campinas e retornava no mesmo dia com os clichês das fotografias que
seriam utilizadas nas edições seguintes. “Para baratear custos, tínhamos um arquivo
dos clichês de assuntos e de pessoas que poderiam voltar a ser notícia”, conta
Jodate. “Quando compramos a clicheria tudo ficou mais f|cil e barato e o arquivo
de clichê foi ampliado”, recorda. J| as fotografias eram arquivadas em caixas de
sapato conforme o assunto. Com clicheria própria, o jornal podia realizar
“reportagens fotogr|ficas” e dar nova abordagem {s notícias policiais e esportivas.
Em 28 de outubro de 1975, o Diário publicou fotografias do jogo de futebol
profissional do Velo Clube contra o Palmeiras, em São João da Boa Vista, e do Rio
Claro contra o São José, em Rio Claro. Os dois jogos terminaram 0 a 0. Em 9 de
novembro do mesmo ano, a parte social deu 4 páginas para o baile de debutantes,
que teve o estilista Clodovil como patrono e a presença do jornalista Blota Junior.
Em 29 de junho de 1977, o jornal publicou fotografia de um “velho cadeieiro” com o
rádio portátil que tentara furtar na Casa Edisom.
Antes mesmo de passar à impressão offset, o jornal Diário experimentou a
glória de circular com páginas coloridas. Num esforço que necessariamente incluía
desde redatores e o pessoal da oficina até os entregadores, em várias
oportunidades algumas edições especiais de Natal ou ano novo, aniversário de Rio
Claro ou do jornal, circularam com três cores. Comparado ao das impressoras atuais,
era artesanal o trabalho feito pelo impressor Euclides Secco, o Cridão, e seus
ajudantes. (Crid~o foi sucessor de L|zaro Carneiro, “impressor do Di|rio durante
mais de 40 anos”, diz Jodate). As cores eram aplicadas separadamente, exigindo,
portanto, que o jornal fosse rodado três vezes. Para que tudo estivesse pronto em
tempo de circular na data festiva, algumas páginas eram impressas com até 30 dias
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
de antecedência. Mesmo a primeira página, por ser colorida, era feita muitos dias
antes. As notícias do dia iam para a página 2 e 4, umas das poucas que rodavam na
véspera da circulação do jornal, conforme depoimento de Jodate.
Tendo como fonte de renda maior, uma concessionária no ramo de
automóveis, o empresário Geraldo Leonardo Zanello, segundo o médico e jornalista
Luiz Wehmuth Neto – diretor de redação no Diário de 1974 a 1983 - tinha como
carrear recursos de um ramo para o outro. Assim imprimiu um novo ritmo de
investimento ao jornal. Ritmo que só aparece efetivamente em 1983 dois anos após
a compra do jornal, quando o Diário adquire em um leilão uma impressora off-set
por 200 mil dólares, de procedência do Mato Grosso.
O jornal começa a rodar em off-set no mesmo ano de 1983, dias antes do
previsto, pois o eixo da máquina rotoplana quebrou e o concerto demoraria cerca
de dois dias. “Entre não sair e adiantar a inauguração do off-set, optamos pela
antecipaç~o da estréia do novo equipamento”, relata Wehmuth. Ele recorda que o
sistema de preparação das matérias já vinha sendo treinado para rodar em off-set.
Isso acontecia com o suplemento especial de domingo, cuja composição em
chumbo, passava para o fotolito que elaborava as chapas e rodava no jornal de
Piracicaba.
Em 27 de outubro de 1983, o Diário do Rio Claro publicou na primeira página
uma fotografia da impressora off-set com o seguinte texto: “Ontem o Di|rio iniciou
sua impressão em off-set confeccionando o Boletim Informativo do Departamento
de Urologia da Associaç~o Paulista de Medicina, o “URO Informes”, tendo como
editor responsável o médico urologista Dr. Geraldo E. Faria. Os resultados foram
extremamente favoráveis e, dentro de alguns dias toda a edição do Diário passará
neste sistema, apresentando o que há de melhor em impressão de jornal e em
velocidade. O resultado de todo este trabalho cabe a equipe do Diário e ao
responsável pela montagem, Dagoberto Graziani, da Gutenberg”. No dia seguinte,
circulou a primeira edição do Diário com fotografias em off-set. Também em 27 de
outubro de 1983, o Di|rio anunciava flash de reportagens da r|dio Itapu~, “com
detalhes no dia seguinte nas p|ginas do Di|rio”. Em 4 de dezembro de 1983,
encartou o suplemento “Domingo”, um tablóide com 32 p|ginas produzido por sua
redação. No natal de 1984, circulou a primeira edição off-set em cores, com o
desenho de um Papai Noel cobrindo quase toda a primeira página. Em 2 de junho de
1992, trouxe ampla reportagem da ECO-92, inclusive com textos bilíngües
português/inglês, e distribuiu a edição na reunião que foi realizada no Rio de Janeiro
com representantes de países de quase todo o mundo.
Outro investimento feito logo após a compra da impressora off-set, de
acordo com Wehmuth, foi a compra de máquinas IBM composer, a maior novidade
da época e que veio facilitar e agilizar o sistema off-set. “Grande parte da
composição dos textos, porém, continuou sendo feita em linotipo e os títulos com
os antigos tipos da gr|fica”, relata o jornalista José Afonso Baldissera que,
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
juntamente com Wehmuth, participou diretamente de todo o processo de
implantação do sistema off-set no Diário. Em dezembro de 1993, o jornal adquire
os primeiros computadores, e passaria a ser informatizado em janeiro de 1994.
Letra a letra
Enquanto os redatores e colaboradores do jornal eram pessoas de prestígio
na sociedade, os trabalhadores das oficinas cumpriam tarefa árdua para colocar o
jornal na rua todos os dias. Essa era a rotina do jornal antes do off-set, relembram
Jodate e Baldissera. O trabalho de montagem nas páginas começava logo pela
manhã, sendo finalizado – quando tudo corria bem – no início da noite. Nesses dois
períodos, manhã e tarde, trabalhavam os linotipistas e os paginadores. Os
linotipistas operavam a linotype, máquina de compor os textos (inventada pelo
alemão Ottmar Mergenthaler nos EUA em 1884, dois anos antes da fundação do
Diário). A composição das linhas era feita em chumbo derretido na caldeira da
própria linotipo. O chumbo era comprado em barras da Futmond, empresa situada
próxima à Estação da Luz em São Paulo. A linotipo funcionava com matrizes,
pequenas formas em latão que se soltavam de uma barra de armazenamento de
acordo com a letra correspondente àquela acionada pelo linotipista no teclado da
linotipo. Cada matriz (forma) era um caracter e iam se juntando até completarem a
linha do texto. Eram então transportadas por um braço da máquina até a boca da
caldeira, onde recebiam uma pequena quantia de chumbo derretido - neste
momento ocorria a fundição da linha que tinha altura de 2 cm, comprimento de 8
cm e espessura de 3mm.
O texto na linotipo era composto linha a linha. Todos em altíssima
temperatura e, evidentemente, demoravam a serem manuseadas pelos
paginadores sem o risco de desconforto nas mãos. A alta temperatura das barrinhas
(linhas), por sinal, foi muitas vezes utilizada por funcionários da oficina para
pregarem “peças” em quem estava em visita para conhecer o funcionamento
gráfico do jornal.
Jodate conta que “os gr|ficos faziam seu serviço com grande dedicaç~o.
Muitos, como o linotipista Antonio Canela e o Buzólio, chegavam a dormir no jornal.
Iam para casa uma ou duas vezes por semana”. Na história do jornal, segundo
Jodate, houve muitos casos de gráficos que trabalhavam durante o dia em
tipografias como a Costa, Brasil e Conrado, e à noite estavam nas oficinas do Diário.
O primeiro serviço dos paginadores era desmontar as páginas, com a
atenção em preservar os anúncios que seriam publicados novamente. Artigos que o
editor julgava importante, também eram preservados. No desmonte das páginas, os
tipos utilizados nos títulos e anúncios eram criteriosamente distribuídos nas caixas
que ficavam sobre as bancadas de madeira próximas às linotipos. As linhas eram
derretidas para reaproveitamento do chumbo que era transformado em novas
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
barras ali mesmo nas oficinas. Após algumas reutilizações, o material era
armazenado em latões e coletados pela fabricante para nova reciclagem. Antes do
desmonte, as páginas eram limpas com gasolina e estopa para a retirada do excesso
de tinta resultante da impressão da noite anterior.
Arquivo histórico
Em 1º. de setembro de 1946, quando completou 60 anos, o jornal Diário do
Rio Claro ofereceu a seus leitores uma edição com 60 páginas, uma para cada ano
de vida. Vários anunciantes cumprimentavam o jornal pela data ou simplesmente
divulgavam seu produto na edição especial. Uma página da Companhia Cervejaria
Rio Claro destacava “...como sua principal fabricaç~o Caracu – a pequenina mas
gigante cerveja do Brasil”. Na coluna “Rio Claro antigo”, a redaç~o dizia que “...o
noticiário que destacamos do exemplar do Diário do ano de 1890, devemos uma
retificação: essas notícias foram publicadas há 56 anos e não 46, como se
destaca...”. Na mesma ediç~o e coluna, foi publicada uma fotografia de 1908 de
trecho da Avenida 1 do município. Em v|rias p|ginas, sob o título “Os modernos e
belos prédios residenciais” foram publicadas fotografias como a da residência “do
Sr. José Pereira, uma das mais ricas e magníficas”, localizada em frente { praça
central da cidade e que na década de 90, após anos de abandono, seria demolida
para dar lugar a um estacionamento de veículos, ainda em funcionamento. Na
primeira p|gina da ediç~o do dia 5 de setembro, a única notícia era o “Sexagésimo
anivers|rio do Di|rio” na qual o jornal agradecia os cumprimentos pelo anivers|rio.
Entre os agradecimentos, à diretoria do Grupo Ginástico Rioclarense que oferecera
“uma garrafa do delicioso vinho do Porto”, “...e o galante Ruy Norberto” que
enviou “uma garrafa do fino Licor Strega”. E mais: “A popular Salsicharia Princeza
do Oeste e Açougue Barretos, de propriedade dos srs. Eichemberger & Souza,
estabelecida a Rua I, ns. 1620 e 1622 e escritório à Rua 1 n. 1614, enviou-nos um quilo
da saborosa salsicha de sua fabricaç~o”. “E {s 18 horas, voltou a R|dio Clube Rio
Claro a prestar homenagem ao “Di|rio” com um programa de músicas finas”,
registrou o jornal.
“Foi uma época muito especial. Todos nós da família fazíamos tudo com
muito amor pelo jornal e pela cidade”, recorda a jornalista Maria Antonia David, a
Mara. Foi Mara a responsável por um dos grandes eventos realizados pelo Diário no
final da década de 40. “Na Festa da Rainha da Cidade Azul, trouxemos uma
caravana com mais de 20 artistas famosos da R|dio Nacional, do Rio de Janeiro”,
relata.
Com o Caderno Especial, encarte lançado em 1975 para retratar o cotidiano
e personalidades de Rio Claro, o jornal Diário do Rio Claro inicia a territorialização da
notícia. O suplemento, segundo Luiz Wehmuth, permitia voz às personagens do
cotidiano da cidade, retratando suas atitudes pitorescas e folclóricas. Nas décadas
de 80 e 90, a comunidade passou a ter novo espaço com a coluna Diário nos bairros
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
que trazia colaborações de universidade, setores religiosos e da população em
geral.
Em sua edição de 21 de janeiro de 1977, uma sexta-feira, o Diário do Rio
Claro anunciava para domingo a inauguraç~o do Distrito Industrial: “...o Distrito
Industrial, sem dúvida alguma, marca a administração do Prefeito Oreste (Armando)
Giovanni como voltada para o progresso e desenvolvimento de Rio Claro...”. O
empreendimento marcaria o advento de uma nova fase de expansão do município.
Na década de 70, a influência do jornal Diário nos acontecimentos sociais
era tanta que Vinícius e Jodate, em companhia de Luiz Roberto Macha e João Carlos
Ferreira – o João Bola Sete, se tornaram sócios de vários casas noturnas.
“Restaurante Casebre, Stonage Disco Dance, Restaurante A Toca, Disco 17 e Téte a
Téte. Comandávamos todos estes e o jornal evidentemente dava retaguarda de
marketing”, relata Marcus Vinícius.
“O Brasil descobriu Rio Claro pelos eventos sociais que promovíamos”,
relata Marcus Vinícius. “E eu tive meu nome mudado para Marcus Vinícius de Rio
Claro, pois em todas as festas que comparecia – e foram muitas – era assim
apresentado”, recorda.
Acontecimentos importantes para o município de Rio Claro mereceram
edições especiais, caracterizadas por maior número de anunciantes, que faziam
mensagem específica ao fato comemorado. Foi assim em 1977, quando Rio Claro
recebeu a visita do presidente da república Ernesto Geisel na comemoração do seu
sesquicentenário, visita que começou a ser divulgada pelo Diário em sua edição de
11 de fevereiro daquele ano com a manchete “Presidente Geisel poder| presidir as
comemorações do Sesquicenten|rio no dia 24 de junho” e que mereceu destaque
de primeira p|gina com 8 fotografias e, em um dos textos, a afirmaç~o “a derrota
do derrotismo” numa alus~o ao sucesso da visita e a n~o ocorrência de
manifestações contrárias ao presidente. Segundo o jornal, até a véspera da visita,
havia um clima de negativismo. Na mesma edição de cobertura da visita está
registrado, porém, que o Campus da UNESP no bairro Bela Vista foi inaugurado sem
a presença de estudantes.
Em 12 de junho de 1977, em página interna o jornal traz a Coluna Maçônica,
assinada por Hiram Abbi. Dois dias depois, na ata da sessão da Câmara de
Vereadores, uma indicação do “vereador Benedito José Zaine sugerindo
desapropriar terreno para a construção de local para a instalação de circos, parques,
quermesses, exposiç~o, feiras, etc” e do vereador M|rio Além pedindo isenç~o de
IPTU para os ex-combatentes do Movimento Constitucionalista de 1932. Segundo a
Prefeitura de Rio Claro, o município tem interesse em implantar um centro de
convenções e exposições e, inclusive, vem discutindo o assunto.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A censura de Vargas e da ditadura militar
“Depois de lido, pedimos | V.S. subscriptar este número do “Di|rio” a um
dos rio-clarenses que já partiram, entregando-o na agencia do Correio Militar do
M.M.D.C., aqui installada no Instituto Comercial”. Este anúncio foi publicado na
primeira página do jornal durante o Movimento Constitucionalista de 1932 que teve
grande participação de rio-clarenses. O jornal não comemorou seu 46º aniversário
em setembro daquele ano, pois, segundo noticiou, entendia que a situação era
“delicada e gravíssima” e tinha “esperança pela breve terminaç~o do movimento
revolucionário com a victoria de S. Paulo pela Justiça, pela Ordem e pelo Direito
dentro do Brasil unido e Forte!”.
“Naquele glorioso movimento, Rio Claro compareceu com mais de
trezentos voluntários que daqui partiram deixando os seus afazeres, esposas, filhos,
noivas e familiares! Em todas as frentes de combate, esteve o soldado rio-clarense
honrando a sua cidade, na defesa da lei e da ordem!” (PENETADO, 1984). O
jornalista José Roberto Sant’Ana – atual editor do jornal Cidade de Rio Claro, fala do
movimento em Rio Claro. “As reuniões eram realizadas no Grupo Gin|stico e
promovidas pela Associação Comercial, presidida por Humberto Cartolano. Em Rio
Claro não houve concentração de combates. A experiência mais direta foi vivida na
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, bombardeada por aviões federais,
conhecidos por vermelhinhos”. (SANT´ANA, 2002).
Em 29 de setembro, uma quinta-feira, o Diário noticiou em sua primeira
p|gina: “Um avi~o da dictadura lançou hontem três bombas sobre a nossa cidade”.
“N~o houve, felizmente victima alguma, como também n~o houve dannos”. E o
texto dizia: “Hontem, |s 13 horas, um dos aviões da dictadura, provavelmente o
mesmo que há oito dias tem voado sobre a nossa cidade, reapareceu sobre Rio
Claro, e, desta vez, não para effeito de evoluções inoffensivas, mas para lançar
contra nós três bombas successivas, rematando o seu feito com uma rajada de
metralhadora. Uma dessas bombas explodiu na esplanada de vagões de cargas da
Companhia Paulista, distante, aliás, das officinas desta; outra, em um terreno aberto
do bairro Cidade Nova, e, finalmente, a terceira, em meio do Horto Florestal”.
No sábado daquela mesma semana, dia 1o. de outubro, o Diário trouxe em
manchete o fim do movimento: “Na expectativa da Paz. Foram suspensas, hontem,
as hostilidades em todas as frentes de combate”.
Na edição 13.639 de 4 de outubro, terça-feira, o Di|rio informava: “Por
escassez de papel, cujo stock está terminado, só damos hoje duas páginas, sendo
provável que só quinta-feira circule novamente o Di|rio”. O jornal, no entanto, só
voltaria a circular em 27 de outubro, pois na noite daquele 4 de outubro descontentes com o apoio dado pelo Diário ao Movimento Constitucionalista setores ligados ao Governo de Getúlio Vargas protagonizaram um acontecimento
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
que marcou sua história. “Entusiasmada com a vitória de Getúlio, a populaç~o foi
para frente do Diário. João Fina tentou no discurso que desistissem da idéia de
invadir o jornal. Ele argumentou que a imprensa tinha o direito de se manifestar,
mas infelizmente n~o convenceu a todos”, conta o advogado Ruy Pignataro Fina,
filho de João Fina Sobrinho – getulista, advogado e diretor do “O Fígaro”, jornal que
circulou em Rio Claro a partir de 1921, tendo Rui Barbosa e Olavo Bilac entre seus
colaboradores. O jornal que funcionava na Avenida 2 em frente ao Jardim Público,
no prédio em que hoje está a sede da Secretaria Municipal de Saúde, teve todos os
caracteres de chumbo misturados (empastelaram os tipos) e o arquivo de jornais de
quase cinqüenta anos, queimado. Quando voltou a circular, 23 dias depois, numa
quinta-feira, o Diário estava na edição 13.640, tinha novo prédio e uma posição clara
sobre a cobertura que daria aos fatos políticos, conforme noticiou em primeira
p|gina. “Após um interregno de vinte e poucos dias – o bastante para que
adaptássemos as nossas officinas no prédio para o qual as trasladamos –
reapparece hoje o Di|rio do Rio Claro”. “É do conhecimento de todos em geral, que
seriamos forçados, após o sucesso da noite de 4 do corrente, a interromper a
publicação do nosso jornal por alguns dias, ou por uma semana, pelo menos
magnífica opportnidade para uma reforma geral na velha Marinoni. Hoje, installado
no prédio da rua 5 nº 103, entre as avenidas 1 e 3, o Diário volta a circular,
prometendo manter-se como se estão mantendo todos os grandes orgãos da
capital do Estado e de outras importantes cidades do interior: alheio ao passado,
alheio á actualidade, mesmo até que nos venha a tão almejada garantia
constitucional. Seremos noticiosos e informativos quanto possível, abstendo-nos,
no entanto, de commentarios nem sempre bem comprehendidos”. Na mesma
p|gina, trouxe texto “em homenagem aos soldados rio-clarenses” no qual
afirmava: “Dizer-se da grandiosidade desse movimento que empolgou o Brasil todo,
o mundo inteiro, seria repetir o que muitos j| têm dito”. E em 24 de novembro
daquele ano, anunciou em primeira p|gina o exílio do “eminente sr. Dr. Pedro de
Toledo, que foi governador do nosso Estado durante o glorioso movimento
constitucionalista e um dos principais chefes civis da revolução com que S. Paulo
assombrou o paiz inteiro”.
Outros jornais rio-clarenses também sofreram represálias no regime
ditatorial do presidente Getúlio Vargas. “O jornal O Aspirante interrompeu sua
publicação em dezembro de 1932, quando seus diretores foram detidos por motivos
políticos. Reapareceu em 1933, com o nome de O Almirante, que teve vida efêmera.
O Jornal Commercio de Rio Claro, nos primeiros dias de outubro de 1932, foi
empastelado pelos simpatizantes do governo ditatorial, não mais voltando a
circular”. (MACHADO, 1978)
No final da década de 70, a responsabilidade social da diretoria do jornal
causou dores de cabeça ao diretor Paulo Jodate David que foi chamado à Campinas,
onde ouviu de um militar a seguinte frase: “O combate {s drogas é assunto
exclusivo da segurança nacional”. No mesmo dia, de volta a Rio Claro, Jodate
determinou o fim da campanha que o jornal vinha realizando com artigos de
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
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colaboradores e matérias jornalísticas, pelo combate {s drogas. “O problema era o
tr|fico e consumo de maconha, tinha gente sendo presa”, em sua explicaç~o Jodate
deixa margem para se concluir que a reclamação dos militares era, na verdade, de
aspecto político.
O acervo
O que restou das edições do jornal Diário do Rio Claro no município de Rio
Claro pode ser encontrado em dois locais. No Arquivo Público e Histórico do
Município de Rio Claro “Oscar de Arruda Penteado” (Av. 3, 568 – Centro – Telefones
(19) 534-4118/526-7170, e-mail – [email protected] /
http://arquivo.guiarioclaro.com.br), estão as coleções completas a partir de 1946,
edições avulsas de 1926 a 1961 e coleções incompletas de 1933 a 1945. No Museu
Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga” (Av. 2, 572 – Centro – Telefone
(19) 534-3788) encontra-se o acervo doado pela família Haik ao Diário nos anos 50, o
qual foi entregue ao Museu em junho de 1976. Este acervo é composto por coleções
dos anos: 1931, 1934, 1935, 1939, 1942, 1943, 1944, 1946 a 1956. Também estão no
Museu, duas edições raríssimas de 1894 e a coleção completa do ano 1932, com
registros valiosos sobre a participação de Rio Claro no Movimento
Constitucionalista.
As edições que retratam a Revolução de 32 são parte do acervo pessoal de
Lourenço Haik, comerciante tradicional da cidade que em 1957, conforme conta seu
filho Nicolau, doou o acervo aos diretores do Diário. Lourenço, que faleceu em 1958,
fez também uma coleção do jornal O Estado de São Paulo no período da Revolução
e de conflitos mundiais. Na Biblioteca Municipal Mário Andrade, em São Paulo, está
arquivada a edição de 03 de maio de 1927.
O Município de Rio Claro
A história de Rio Claro é marcada por fatos e personagens que
influenciaram na história do Estado de São Paulo e do próprio país. É tido como
município pioneiro no abolicionismo e o segundo do Brasil a possuir iluminação
pública. Foi importante produtor de café e, por conseqüência, também responsável
pela expansão da ferrovia no interior paulista. O desenvolvimento econômico de
Rio Claro ainda mantém traços da trajetória iniciada no século XIX, quando a
ferrovia impulsionou o surgimento da variada atividade comercial e industrial. “A
Estrada de Ferro aqui chegou a 11 de agosto de 1876” (PENTEADO, 1984) .
O município que era rota dos bandeirantes que seguiam para Cuiabá em
busca de ouro no século XVIII, teve seus primeiros moradores somente no século
XIX. Em 1817 foram demarcadas as primeiras sesmarias e em 1822 teve início a
formaç~o do seu povoado no “Curral dos Pereiras”, entre os rios Ribeir~o Claro e
Corumbataí, próximo ao Córrego da Servidão. No início, o povoado chamou-se São
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João Batista do Rio Claro e finalmente, em 1905, apenas Rio Claro (PENTEADO,
1984).
Em 1830 o povoado possuía aproximadamente 20 casas. Em 1855 tinha
cerca de 30 mil habitantes e em 1859 foi criada a comarca de Rio Claro, composta de
alguns distritos que mais tarde se desmembraram, ganhando autonomia, tornandose municípios (PENTEADO,1984).
O município está integrado a uma vasta e moderna rede de transporte e
comunicações, através da qual desenvolve intensas atividades econômicas na
indústria, comércio e serviços. É servida pelas rodovias: Washington Luiz,
Anhangüera, Bandeirantes, Wilson Finardi e Fausto Santomauro. Comunica-se
intensamente com outras grandes cidades da região, caso de Limeira, Piracicaba,
São Carlos e Campinas. A população de 168.087 habitantes (IBGE, 2001) é formada
em sua maioria por descendentes de imigrantes europeus, sobretudo, italianos e
alemães. Rio Claro tem rede de água, afastamento de esgoto e coleta de lixo em
100% da área urbana e distritos. A coleta seletiva de lixo e o tratamento de esgoto
atendem a 30% das moradias. Sua economia é baseada na produção agrícola com
destaque para a cana-de-açúcar e uma indústria diversificada que reúne grandes
empresas, como Tubos e Conexões Tigre, Multibrás, Tatuzinho 3 Fazendas, RiclamFábrica de Balas São João e Owens Corning-Fiberglas. Juntamente com os
municípios de Cordeirópolis e Santa Gertrudes, Rio Claro forma o maior pólo
cerâmico da América Latina. Rio Claro é uma das poucas cidades no Brasil que
concentra um número tão expressivo de empresas fornecedoras de insumos para o
setor da carne (Revista Nacional da Carne, nº 297, Ano XXVI).
Praticamente seus mais de 120 bairros têm área verde. A 3 quilômetros da
região central está a sede da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade (a
primeira do Estado). Rio Claro tem uma orquestra sinfônica e outra filarmônica. Dois
campi da Universidade Estadual Paulista – UNESP, e as Faculdades Claretianas estão
entre os destaques do setor de ensino, que tem 95,3 % de alfabetização, índice
superior às médias estadual (93,3) e nacional (87,2) (IBGE, 2000).
A cantora e intérprete Dalva de Oliveira e o Deputado Ulysses da Silveira
Guimarães estão entre os mais ilustres rio-clarenses. Dalva de Oliveira tem seu busto
na praça inaugurada no ano 2000 e que leva seu nome, sendo local de seresta nas
tardes de domingo. Ulysses Guimarães empresta seu nome à uma grande avenida
no Bairro Bela Vista e tem seu busto na Praça da Liberdade, onde todos os anos são
iniciadas as comemorações da Semana Ulysses Guimarães.
Com ruas planas, Rio Claro está entre os municípios brasileiros com o maior
número de bicicletas. Quase a totalidade das vias públicas é identificada por número
e os quarteirões simetricamente desenhados formam um tabuleiro de xadrez.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Considerações Finais
Nas pesquisas realizadas nos arquivos das edições do jornal Diário do Rio
Claro, verificamos o vasto material disponível para novos trabalhos acadêmicos em
diversas áreas de conhecimento. Um levantamento mais detalhado poderá, por
exemplo, indicar a evolução da fotografia no jornalismo, bem como as estratégias
utilizadas pela empresa em busca de expansão no mercado. Na coluna de cinema, o
jornal, desde muito cedo, trouxe anúncios dos filmes em cartaz nas salas de Rio
Claro. O movimento constitucionalista de 1932, que recebeu significativa adesão da
comunidade rio-clarense, também está retratado nas páginas do Diário. Outra
possibilidade de pesquisa identificada foi a de se aferir a evolução da imprensa
escrita e o espaço utilizado pelo município em jornais de outras localidades. O dia-adia de Rio Claro pode ser resgatado e recontado, através de uma análise criteriosa
dos registros contidos nas páginas do Diário do Rio Claro na cultura, política,
esportes, economia e demais setores.
Nota: Em vários telefonemas ao jornal Diário do Rio Claro e em duas vezes
por e-mail, buscamos agendar entrevista e/ou informações atuais do Diário. O
máximo que conseguimos foi falar com a gerência e pessoas da redação, sem,
porém, obter as informações pretendidas.
Referências Bibliograficas
FERRAZ, J.R. – “Apparecimento da imprensa”. In: - Historia do Rio Claro: a sua vida,
os seus costumes e os seus homens. São Paulo, Typographia Hennies Irmãos,
1922. p. 74-76.
FITTIPALDI, F. C. - A imprensa rio-clarense no século XIX. Arquivo do Município de
Rio Claro, 1986.
MACHADO, I.L. (coord.). Rio Claro sesquicentenária. Rio Claro, Museu Histórico e
Pedagógico Amador Bueno da Veiga, 1978.
PENTEADO, O. A. – “Major José David Teixeira”. In: Vultos da história rioclarense:
resumos biográficos. 1ª ed. 1977. p. 145-147
PENTEADO, O. A. Miscelânea. Arquivo do Município de Rio Claro “Oscar de Arruda
Penteado”, 1984.
PEREIRA, A. “O jornalista José David Teixeira”. In: - Coisas da nossa história. Rio
Claro, Arquivo do Município de Rio Claro, 1985. p. 49-50.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
JORNALISMO LITERÁRIO: UMA DISCUSSÃO SOBRE A VERDADE DOS
FATOS
Francilene de Oliveira SILVA
Universidade Metodista de São Paulo2
O Jornalismo dá conta da realidade. O Romance dá conta da ficção. Esta
afirmação permaneceu verdadeira por muitos anos até que Truman Capote a
colocou em xeque com a publicação de A Sangue Frio. Nos “Agradecimentos” do
livro Truman revela: “Todo o material por mim utilizado nesse livro, quando n~o é
fruto de minha observação direta, provém de arquivos oficiais ou resulta das minhas
entrevistas com pessoas diretamente interessadas nessa história, entrevistas que,
na maioria dos casos, repetiram-se por tempo indefinido. (...)”. A Sangue Frio
representa uma revolução tanto na literatura como no jornalismo porque é
classificado como um romance não-ficcional. Capote escreveu uma reportagem
utilizando elementos da literatura, em especial do romance Realismo Social, para
prender a atenção do leitor.
Tudo começou em 1959. Truman tomou conhecimento do assassinato
brutal da família Clutter pelo jornal. Ele ligou para a revista The New York, pois
gostaria de fazer a cobertura do caso para mostrar como a pequena Holcomb lidava
com um acontecimento tão cruel. Chegando à cidade, acompanhado de Harper Lee,
uma escritora que trabalharia com a pesquisa de sua reportagem, viu que a história
era complexa e que, talvez, estivesse ali uma trama maior do que imaginava.
Truman se aproxima, então, de pessoas-chave para o entendimento do assassinato
de Herbert Clutter, Bonnie Fox e de seus filhos Kenyon e Nancy: Alvin Dewey,
investigador responsável pelo caso; Bob, o namorado da adolescente, Susan
Kidwell, melhor amiga de Nancy, além de outros personagens ligados à família.
Porém, o que mais chama atenção na narrativa é a forma de abordagem. Truman
não intimida seus locutores com gravadores - ele mesmo diz que tem uma memória
excelente, no filme Capote (2005) -, se põe no lugar do outro como quando, em
busca de informações, numa conversa com Susan se mostra para a interlocutora:
“Quando eu era criança também era vítima de preconceitos” (Capote era baixinho,
gay e possuía jeito afetado). Ela o encara e vai buscar um elemento precioso para a
reportagem, o diário da adolescente. Da mesma maneira, se aproxima do
investigador Dewey, pois a esposa do mesmo era fã de seus livros. Truman, então,
vai colecionando informações para montar, aos poucos, o quebra-cabeça da
história.
Interrogado por um jornalista, em Paris, na ocasião do lançamento da
tradução francesa de seu livro, Truman Capote disse textualmente:
Projetei escrever o que vocês costumam chamar um roman-verité, e nesse
particular temos um postulado artístico. Sou romancista, mas há dez anos pratico o
2
Este trabalho está destinado ao GT1 - História do Jornalismo
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
jornalismo, ou seja, a reportagem. Julguei que se conseguisse compor um livro em
que se harmonizassem as técnicas do jornalismo – trabalho preciso e acurado em
todos os detalhes – e as técnicas da criação puramente romanesca, o resultado
poderia ser fascinante: narrativa de um acontecimento real, porém, beneficiando-se
do trabalho em maior profundidade do ficcionista, e por conseguinte, do vigor da
obra de imaginaç~o” (LEWIN, 1966).
Truman utiliza-se do vigor da obra de imaginação ou utiliza-se também da
imaginação. Se em algum trecho algo foi inventado, a obra deixa de ser jornalística
para ser romance baseado ou inspirado em fatos reais, pois o jornalismo prima,
acima de tudo, pela veracidade dos fatos. No entanto, o romancista-jornalista
inventou em A Sangue Frio. Segundo o biógrafo de Capote, Gerald Clarke, após
narrar o enforcamento dos acusados, Truman traz uma cena de alívio para a
narrativa, mas que não aconteceu, um encontro entre o investigador Dewey e
Susan, a amiga de Nancy, diante do túmulo da família Clutter. Eles mantêm um
diálogo ameno e nostálgico. Para o co-criador da Academia Brasileira de Educação e
Jornalismo Literário (ABJL) e do site TextoVivo, Sérgio Vilas Boas:
Capote escorregou. No Texto Vivo, defendemos a exatidão, doa a quem
doer. Se Capote reconstituísse a cena baseado em alguma evidência ou registro,
tudo bem. Mas não parece ter sido o caso. Clarke levanta suspeitas de invenção
mesmo. E o único mandamento de qualquer narrativa de não-ficção é exatamente
“n~o inventar situações, lugares, objetos e pessoas”. Passados mais de 35 anos,
contudo, esse pecado não deverá derrubar o mito criado em torno de Capote e sua
obra. Certas informações vieram à tona talvez já sem efeito. Mesmo na época do
lançamento do livro não havia grandes expectativas estéticas em relação aos
chamados livros de não-ficção. Nos anos 1960 não existia uma Literatura de NãoFicção (socialmente aceita, como hoje) com regras e princípios. Então, Capote
violou o mandamento que diz “pessoas reais, em lugares reais, em situações reais”.
Quem lê obras de Jornalismo Literário atualmente sempre poderá se perguntar se
aquilo aconteceu mesmo (sim, às vezes a realidade supera a ficção) e se foi daquele
jeito. Algumas descrições, diálogos, monólogos e digressões feitas a partir de
reconstituições responsáveis podem parecer tão hiper-realistas quanto uma obra de
ficção premeditada. (VILAS BOAS, 2009: web).
Capote inventou. Sendo assim, rigidamente, sua obra não deve ser
classificada como jornalismo literário, mas como ficção. No entanto, exceções são
feitas em regras. Talvez essa seja uma, por Capote ser o primeiro a criar algo novo
com tanta intensidade e fôlego, por mostrar caminhos alternativos para o
jornalismo, por continuar sendo referencial para jornalistas-escritores. Vilas Boas
também o redime: “A Sangue Frio é mesmo monumental em seu processo. Capote
entrevistou, bisbilhotou, esmiuçou, interpretou; relacionou-se com os policiais e
com os criminosos; reconstruiu em detalhes diálogos, geografias, feições,
pensamentos, temperamentos e lembranças” (VILAS BOAS, 2009, web).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Antes de escrever A Sangue Frio, Truman Capote publicou uma série de
romances incluindo A Mink of One’s Own, Miriam, My Side of the Matter, Preacher’s
Legend, Shut a Final Door e The Walls are Cold, publicadas trimestralmente em
revistas conhecidas como a Harper’s Bazaar, The Atlantic Monthly, Mademoiselle e
The New Yorker.
Em 1946, o conto Miriam, publicado pela Mademoiselle, ganhou o O.Henry
Award (melhor conto inédito). No entanto, o primeiro romance foi o aclamado
Breakfast at Tiffany’s (Bonequinha de luxo), publicado em 1958. Um ano depois,
Capote começa sua investigação em Holcomb. Além de se aproximar dos parentes e
amigos da família Clutter, Capote passa a conversar com os acusados,
principalmente com Perry Smith. Ele dedica um capítulo inteiro para descrever sua
personalidade e características físicas. O autor passou muitas horas ouvindo Perry,
ia visitá-lo na prisão e costurou laços de amizade. A publicação do primeiro capítulo
do livro saiu na New Yorker em 25 de setembro de 1965, seis anos depois de
começarem as investigações. A demora foi maior, no entanto, porque Capote
esperava o grande final. A execução da pena dos assassinos, o que também lhe
causava angústia porque se ligou afetivamente a um deles. Assim que o capítulo foi
lançado, a New Yorker esgotou nas bancas de jornal. E em janeiro de 1966, é
publicado o livro com título original In Cold Blood que inicia um novo gênero
denominado por ele non-fiction novel (romance de não-ficção). O romance de nãoficção foi criticado porque naquela época, segundo Tom Wolfe (2005), havia uma
clara distinção entre os jornalistas e os romancistas, vistos como soberanos, ainda
nos anos 50.
[...] a White Horse Tavern, na rua Hudson...Ah! [...] o local era estritamente
voltado para romancistas, para pessoas que estavam escrevendo um romance, e
pessoas que estavam cortejando O Romance. Não havia lugar para jornalistas, a
menos que ali estivesse no papel de futuro romancista ou simples cortesão dos
grandes. Não existia algo como um jornalista literário trabalhando para revistas ou
jornais populares. Se um jornalista aspirava a status literário, o melhor era ter o bom
senso e a coragem de abandonar a imprensa popular e tentar entrar par a grande
liga. (WOLFE, 2005: p.18).
Nesta época, mal imaginavam os romancistas que os jornalistas
“roubariam” do romance o principal acontecimento da literatura sendo que obras
como a A Sangue Frio foram narradas da seguinte forma:
Dewey colocou uma chave na porta da frente da casa dos Clutter. A casa
estava quente no seu interior, pois o aquecimento não fora desligado e os quartos
cheiravam a cera de limão, parecendo desocupados apenas temporariamente.
Como se fosse domingo e, a qualquer momento, a família fosse chegar da igreja. As
herdeiras Sras. English e Sra. M. Jarchow haviam enchido um caminhão com roupas
e mobílias; no entanto a atmosfera de uma casa ainda habitada não se fôra de todo.
No sal~o, uma música continuava aberta em cima do piano: comin’Thru’ The Rye. No
56
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
corredor, um chapéu Stetson, cinza, manchado de suor – era de Herb – pendurado
no cabide. No quarto de Kenyon, em cima, numa estante por sôbre a sua cama, as
lentes dos óculos do menino morto refletiam o brilho da luz. (CAPOTE, p.175)
O livro tem várias cenas que mostram a vida privada e sentimentos dos
personagens, inclusive dos assassinos, que são humanizados. Porém, antes de A
Sangue Frio ser lançado, outros jornalistas utilizavam a mesma técnica, só que em
reportagens menores publicadas em revistas. A crítica ao estilo continuava. O
próprio Tom Wolfe (2005), certa vez, ao ler a matéria de Gay Talese “Joe Louis: o rei
na meia-idade”, publicada na Esquire, em 1962, teve a seguinte reação:
Minha reação instintiva, defensiva, foi achar que o sujeito tinha viajado,
como se diz... improvisado, inventado o diálogo... Nossa, ele talvez tenha criado
cenas inteiras, o nojento inescrupuloso... O engraçado é que essa foi precisamente a
reação que incontáveis jornalistas e intelectuais da literatura teriam ao longo dos
nove anos seguintes, à medida que o Novo Jornalismo ganhava força. Os filhos da
mãe estão inventando! (Estou lhe dizendo, Ump, é uma bola com efeito que ele está
lançando...) A reportagem realmente estilosa era algo com que ninguém sabia lidar,
uma vez que ninguém costumava pensar que a reportagem tinha uma dimensão
estética. (WOLFE, 2005: p.22)
Além de Gay Talese, outros repórteres começaram a utilizar recursos da
literatura em seus textos como Jimmy Breslin na coluna do jornal Herald Tribune na
década de 60. Jimmy era um jornalista que saía para a rua, ele escrevia como conto,
a vida real. Esses jornalistas estavam escrevendo não-ficção apurada com técnicas
em geral associadas ao romance e ao conto. Era possível utilizar de tudo, inclusive o
fluxo de consciência para emocionar o leitor. Como características do romance, eles
utilizaram-se do uso de cenas, diálogos, descrições, acompanhamento e,
principalmente, a forma como retrataram a vida subjetiva e emocional dos
personagens. Essas características demandavam uma matéria mais investigativa e
que permitia, na não-ficção, usar cenas inteiras, diálogos intensos e extensos, ponto
de vista do personagem e monólogo interior.
Mas como? Como um jornalista pôde ir tão fundo na alma dos
protagonistas de sua história revelando pensamentos íntimos, gestos precisos?
Truman Capote, apesar de nunca ter sido premiado com A Sangue Frio,
inventou a fórmula do Jornalismo Literário, que depois foi seguido por autores
como Gay Talese (Fama e Anonimato, Os Mafiosos), Tom Wolfe (O teste do ácido
do refresco elétrico) e utilizados com maestria pelos premiados Norman Mailer e
pelos jornalistas do Caso Watergate Carl Bernstein e Bob Woodward que, logo
depois, lançaram o livro Todos os Homens do Presidente. Woodward já escreveu 12
livros não-ficcionais que foram bestsellers. Bernstein também se tornou escritor,
recentemente lançou o livro A Woman in Charge: The Life of Hillary Rodham Clinton.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Norman Mailer deu um impulso à não-ficção criativa. Dois anos depois do
lançamento do livro de Capote, escreveu Os degraus do Pentágono, um livro de
memórias, um velho gênero da não-ficção, que depois veio a ser publicado com o
título Os exércitos da Noite. A obra não teve grande impacto jornalístico, nem Mailer
teve o sucesso popular de Capote, no entanto, era estimado dentro da comunidade
liter|ria. Para Wolfe (2005, p. 48) “ele vinha sendo classificado com certa
condescendência como jornalista, porque seu trabalho de não-ficção, sobretudo
para a Esquire, era, evidentemente, seu melhor trabalho”. Mas, os romancistas da
época n~o admitiam serem ‘rebaixados’ ao grau de jornalistas, por isso Mailer deu
um subtítulo para seu livro “O romance como história; a história como romance”.
“Ali estava mais um romancista que se voltara para alguma forma de maldito
jornalismo, independente do nome que se desse a isso, e não só revitalizara sua
reputação, mas chegara a um ponto mais alto do que nunca antes na vida” (WOLFE,
2005, p.48).
O primeiro best-seller de Mailer aconteceu em 1948 com Os nus e os mortos,
uma obra sobre a Segunda Guerra Mundial. Em O super-homem vai ao
supermercado, ele acompanha as convenções políticas dos partidos Democratas e
Republicanos entre 1960 e 1968. Em 1973, escreveu uma biografia sobre Marilyn
Monroe que causou polêmicas. Mailer sempre foi eclético em sua carreira, possui 18
obras classificadas como não-ficção, mas também possui número significativo de
obras ficcionais como A canção do Carrasco, baseada na vida do assassino Gary
Gimore, que ganhou um Pulitzer em 1980.
Outro grande nome que entra no rol dos jornalistas literários é Ryszard
Kapuściński, jornalista e escritor polaco que cobriu guerras, golpes e revoluções na
África, Ásia, Europa e América para a Polska Agencja Prasowa onde foi
correspondente internacional. Kapuściński sempre escreveu livros de elevado teor
literário fazendo retrato psicológico dos personagens e utilizando figuras de estilo.
Porém, uma obra recém-lançada na Polônia “Kapuściński Non-Fiction”, de
Artur Domoslawski, acusa o lendário jornalista de transpor a fronteira entre verdade
e ficção em seus livros. Se tudo o que Kapuściński escreveu for verdade, ele fez
amizade com Che Guevara na Bolívia, Salvador Allende no Chile e Patrice Lumumba
no Congo. O biógrafo questiona e afirma que Kapuściński ficcionava muitas de suas
reportagens para ganhar maior dramatismo.
Em entrevista ao di|rio brit}nico ‘The Guardian’, o autor exemplificou duas
descobertas dos três anos em que refez os passos do jornalista. Em Uganda,
Kapuscinski descrevera que os peixes no lago Vitória estavam gordos de tanto
comer restos dos corpos de vítimas do ditador Idi Amin. Na verdade, eles estavam
maiores por conta da fartura de alimento provocada por uma cheia no rio Nilo. Em
outro caso, o polonês relatou com crueza um massacre ocorrido no México em
1968. A biografia alega que Kapuscinski sequer estava no México. Guevara?
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Lumumba? De acordo com Domoslawski, essas amizades nunca existiram. (MENA,
2010, p: E3).
Morto em 2007, Kapuściński chegou a ser chamado de “o maior repórter do
mundo”. No seu livro mais famoso O Imperador (2005), o jornalista trata do declínio
do regime etíope de Hailé Selassié I, na Etiópia. Neste livro, há uma mescla de
realidade e ficção. Nem todos os personagens podem ser identificados, pois seus
nomes aparecem apenas com as iniciais que não correspondem aos dos
funcionários do palácio. Não há como negar, no entanto, o valor da obra que reflete
sobre o poder e autoridade alcançando o caráter universal da literatura. Em outro
livro Ébano-febre africana (2001), o jornalista conta a história de Lumumba, líder
africano herói da libertação do Congo do colonialismo belga. Para o biógrafo, na
primeira vez em que Kapuściński viajou para a \frica o líder do Congo j| tinha sido
assassinado. A amizade com Che Guevara também é contestada.
Tanto a biografia de Truman Capote como a de Kapuściński levantam
dúvidas sobre a verdade dos fatos ali relatados. É importante ressaltar que as
técnicas ficcionais podem ser utilizadas para trazer graça ao texto, mas a história
jamais pode ser inventada. É importante também lembrar e colocar sob suspeitas as
afirmações dos biógrafos. Muitos questionaram Gerald Clarke porque a biografia
saiu depois da morte de Capote. E a viúva de Kapuściński, Alicjia, tentou que o
Tribunal de Varsóvia impedisse a distribuição do livro. Juarez Bahia (1971) diz que há
diferença entre artigos de jornal e páginas de literatura, pois no primeiro existe a
preocupação de informar e no segundo uma preocupação com a criação. Essa
diferença, porém, não impede que os gêneros se complementem e casem de
maneira harmoniosa, desde que não interfiram na espinha dorsal de cada um deles.
No caso do jornalismo, a realidade dos fatos; e da literatura, o estilo e criatividade
na maneira de narrar, como vem confirmar o próprio Juarez Bahia.
Ainda que tomada no sentido mais clássico, literatura também pode ser
jornalismo. Por meio de seus veículos e principalmente por meio da palavra
impressa o jornalismo produz uma literatura sob pressão, mas concreta do que
formal limitada ao tempo e ao espaço de que dispõe o jornalista na sua atividade
diária, mas nem por isso uma literatura menos válida ou uma subliteratura como se
quiz (sic) no passado (BAHIA, 1971: p. 49).
A Academia Brasileira de Educação e Jornalismo Literário trabalha com sete
pilares que compõem os textos e romances não-ficcionais e dentro deles estão a
exatidão e a responsabilidade (os outros são imersão, criatividade, humanização,
estilo e simbolismo). A realidade dos fatos é imprescindível para uma obra ser
considerada jornalística, por isso a tênue fronteira entre ficção e não-ficção não
deve ser ultrapassada sob pena de se mudar obras da prateleira de “jornalismo
liter|rio” para a de “romances ficcionais”. Essa afirmação não vem em defesa da
objetividade, pois a realidade é complexa (MORIN, 2008) e, dentro dela, há espaço
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
para a subjetividade. A afirmação prima pela verdade dos acontecimentos, mesmo
que ela venha impregnada pelas percepções subjetivas dos autores.
Referências bibliográficas
BAHIA, Juarez. Jornalismo informação comunicação. São Paulo: Livraria Martins
Editora, 1971.
CAPOTE. Truman. A Sangue Frio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
CLARKE, Gerald. Capote: a biography. New York: Carroll & Graf Publi, 2005.
DEARBORN, Mary. Mailer: a biografy. New York: Houghton Mifflin, 1999.
KAPUSCINSKI, Ryszard. O Imperador: a queda de um autocrata. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
____________. Ébano febre africana. Porto: Campo das Letras, 2001.
LEWIN, Willy. O romance-verdade de Truman Capote. In Suplemento Literário de O
Estado de S. Paulo, 10/12/66.
MENA, Fernanda. Biografia sugere que Kapuscinsk mentia em textos. In Ilustrada.
Folha de S. Paulo. P. E4, terça-feira, 16 de março de 2010.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento. 14ª
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
VILAS BOAS, Sérgio. Fatos e ficções a sangue frio. Disponível em
http://sergiovilasboas.com.br/ensaios/f_f_sangue_frio.pdf. Acesso em 16 de
março de 2010.
WOLFE, Tom. Radical Chic e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.
Referências filmográficas
MILLER, Bennett. Capote. EUA: 2005. 1h38min
60
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
MÍDIA REGIONAL: A CONSTITUIÇÃO DOS VEÍCULOS IMPRESSOS DA
ÁREA DA NOVA ALTA PAULISTA
Ieda Cristina BORGES
Jornalista, Mestre em Comunicação pela Universidade de Marília/SP,
Professora das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI) – Adamantina/SP.
Introdução
Os estudos comunicacionais abordam temáticas relacionadas às regiões de
divulgação dos centros urbanos onde se localizam os conglomerados midiáticos. As
pesquisas nesse campo ainda são insuficientes para obter um mapeamento da
imprensa brasileira, para a composição de sua identidade.
Nas discussões entre a imprensa local e regional, a escassez de publicações
que mapeiem a mídia interiorana paulista é um fator significativo para a
necessidade do estabelecimento destes parâmetros históricos.
O presente trabalho pretende ser uma contribuição para suprir essa
carência de estudos específicos sobre o perfil da imprensa regional paulista,
particularmente da Nova Alta Paulista. É necessário, portanto, desenvolver
pesquisas que permitam identificar o perfil da mídia impressa do interior paulista, o
que conduziria à compreensão do meio em seu próprio núcleo, tornando-se objeto
de investigação para os cursos de comunicação, com ênfase para a delimitação de
comparativos entre modelos locais e aqueles que são adotados como referência
nos estudos da área e afins.
A pesquisa realizada nos 31 municípios e integrantes da Associação dos
Municípios da Nova Alta Paulista (AMNAP). São localidades urbanas
geograficamente constituintes da 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo
– Alta Sorocabana e 11ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, a Alta
Paulista.
Foram analisadas a constituição dos 27 jornais existentes nestas localidades
e formadoras da mídia impressa regional. Os dados coletados no período de 01 de
dezembro de 2007 a 31 de março de 2008, foram analisados e possibilitaram traçar o
perfil destes veículos impressos regionais referentes à constituição empresarial e
redacional destas estruturas midiáticas. Optou-se pela utilização do método
exploratório e descritivo e aplicação de questionários abertos e fechados no
levantamento das fontes primárias de informação, ou seja, as empresas jornalísticas
da Região da Nova Alta Paulista.
Destaca-se a conceituação da mídia local e regional e sua abrangência num
sentido macro do jornalismo, mostrando o quanto a globalização proporcionou a
volta do olhar para o local, revalorizando os grupos regionais, respeitando-se suas
61
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
especificidades e características únicas. Mapear a mídia impressa da área da Nova
Alta Paulista significa apresentar suas particularidades em sua presença no espaço
midiático regional.
Jornalismo e sua dimensão social
O jornalismo é um tema de maior relevância na sociedade contemporânea,
por isso é mais grave do que pacífica a responsabilidade do jornalismo na formação
da história nacional. Mais do que a simples apreensão de momentos passíveis de um
relato, o jornalismo possui uma faceta histórica na sociedade, como peça
fundamental no registro de acontecimentos.
Para pesquisadores das teorias do jornalismo, mais especificamente os
portugueses como Traquina (2004, p.206), é entendido como uma prática social,
que estabelece relações com o mundo simbólico e com o mundo material dos
indivíduos.
Quer seja quer n~o, o jornalismo é um “Quarto Poder” que, [...], sustenta o
poder instituído [...] não é um campo fechado; pode ser mobilizado por movimentos
sociais e contestatórios que sabem criar estratégias de comunicação que seduzem
numa luta simbólica jogada nas sociedades democráticas. [...] Enquanto o pólo
ideológico define jornalismo como um serviço público, o pólo econômico define
jornalismo como um negócio [...]. (TRAQUINA, 2004, p. 206-207)
Como um dos meios de comunicação de massa, é um importante
instrumento para difusão cultural. Esse papel assume maior ou menor dimensão em
face das necessidades e das prioridades sociais.
Estas considerações são importantes para estabelecer a relação entre:
memória e história, na construção do jornalismo regional no interior do oeste
paulista. Afinal, esta carência de estudos comunicacionais tem relação direta com
questões entre memória e mídia.
O registro de acontecimentos em jornais impressos está diretamente
vinculado à necessidade do homem de se relacionar com o espaço onde vive. Assim,
pode ser considerado como arte, técnica e ciência e teve sua importância defendida
por Thomas Jefferson, em 1787 (apud BAHIA, 1990, p. 10), “se me fosse dado decidir
se devemos ter um governo sem jornais, ou jornais sem governo, eu não hesitaria
um momento em escolher esta última alternativa”.
O jornalismo apresenta-se como um órgão formador de opinião, como um
cristalizador de visões acerca do real. Assim, vários autores têm procurado
demonstrar como os meios de comunicação de massa, e mais especificamente os
jornais, ocupam um lugar privilegiado enquanto formadores e armazenadores da
memória social.
62
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Com base nestas colocações, apresentam-se os jornais impressos como
locais de memória, sendo passível na atual constituição dos conglomerados urbanos
a íntima relação entre os conteúdos dos discursos midiáticos e a produção da
memória. E quais são os jornais na região interiorana paulista e sob quais linhas
editoriais são definidos os conteúdos informacionais no espaço midiático da Nova
Alta Paulista?
As particularidades da mídia regional e local
É necessário verificar e apontar as especificidades e características próprias
de cada regi~o e os registros locais. Na vis~o de Sousa (2006, p. 10), “a globalizaç~o
proporcionou a volta do olhar para o local, revalorizando os grupos regionais”.
Enquanto que essa mesma a globalização das comunicações coloca em
relação os contrastes do mundo atual, acelera também o contraste da própria
comunicação: a convivência entre a sua tendência à internacionalização e a
tendência à regionalização, ou entre a sua nacionalização/estadualização e a sua
regionalização. Com o mundo globalizado e capitalista, cria-se nos indivíduos a
necessidade de buscar informações que atendam aos seus interesses.
Mídia local existe desde que surgiram os meios de comunicação de massa.
Historicamente o jornal, o rádio e a televisão ao nascer, atingem apenas um raio de abrangência
local ou regional. Alguns destes meios de comunicação desenvolvem seu potencial de alcance
nacional ou internacional, outros permanecem locais. (PERUZZO, 2005, p. 69)
Entende-se por jornalismo regional aquele que assume a identidade de um
determinado grupo, isto é, a produção jornalística voltada para uma comunidade,
para um grupo que tem um local em comum. A valorização dos meios de
comunicação, em nível local, ocorre no auge do processo de globalização iniciado
na década de 80.
Não se resume simplesmente ao jornalismo feito em regiões específicas. É
possível identificá-lo em grandes veículos de comunicação, que circulam no país
inteiro e em publicações internacionais direcionadas a grupos de imigrantes.
[...] sendo o Brasil caracterizado por uma regional consequência de sua vastidão
territorial e da tendência isolacionista, demarcando historicamente os contornos da república
Federativa, torna-se imprescindível avaliar criticamente as tendências vigentes. (MELO, 1998, p.
13)
Um outro conceito a ser atribuído é o de um jornalismo regional voltado
para um público específico, com características comuns, ligado ou não por um
espaço geográfico, em que os integrantes desse público possam ter acesso a
informações que os conectem ou os remetam ao local de origem ou a elementos
específicos dos contextos que constituíram suas identidades, bem como de suas
bases sociais e culturais.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Para o pesquisador Queiroz (2002, p.4), a situação é histórica e infelizmente
cíclica:
Desde que o então Ministro da Justiça e depois, Presidente da República, Manuel de
Campos Salles, no começo do século XX estabeleceu as balizas para um relacionamento de
poder da imprensa a interesses de governos, políticos e partidos no Brasil – ao oferecer aos
empresários, desde aquela época, empréstimos para a compra de equipamentos, construção de
prédios ou mesmo estimular o empreguismo – [...] lançou as bases para a dependência entre
o jornalismo e o Poder constituído no Brasil. Trata-se de uma história lamentável que vem se
repetindo ao longo dos últimos anos. (QUEIROZ, 2002, p. 4).
Neste empreendedorismo, nota-se um dado significativo na constituição
destas empresas jornalísticas: a absorção e/ou fusão de jornais concorrentes no
mercado local e em alguns casos, com pretensões de abertura a um público
direcionado ao mercado regional.
Os veículos analisados neste trabalho caracterizam-se como jornais
regionais ou jornais do interior e, por isso, possuem características próprias que se
destacam se comparadas aos dos jornais dos grandes centros, principalmente no
tocante a sua constituição administrativa e redacional. Isso comprova o argumento
da pesquisadora Cicília Peruzzo (2005, p. 78), no qual:
O meio de comunicação local tem a possibilidade de mostrar melhor do que qualquer
outro a vida em determinadas regiões, municípios, cidades, vilas, bairros, zonas rurais etc. [...].
As pessoas acompanham os acontecimentos de forma mais direta, pela vivência ou presença
pessoal, o que possibilita o confronto entre os fatos e sua versão midiática de forma mais
natural. (PERUZZO, 2005, p. 78).
Com a reestruturação administrativa estes novos espaços midiáticos
locais/regionais vislumbram adotar uma postura editorial característica, trata-se da
tentativa de conferir aos leitores uma oportunidade de um diferencial.
A proximidade é mais ou menos explorada e valorizada dependendo da estratégia
editorial do meio de comunicação. Quando os objetivos principais dos meios de comunicação
local e regional giram em torno da exploração da mídia apenas em benefício pessoal e
empresarial imediatos, sem a incorporação prioritária dos princípios éticos e de
responsabilidade social, dificilmente se pratica comunicação de proximidade. (PERUZZO, 2003,
p.84).
Mas a presença no mercado editorial é exigente. Muitas destas publicações
regionais/locais resistem por um determinado período, mas os altos custos de
produção não possibilitam o estabelecimento diante das dificuldades financeiras
para garantir a periodicidade da circulação. As relações com o poder público são em
sua grande maioria, fonte de recursos determinantes para a permanência neste
segmento editorial.
Marini (1998) reforça a ausência, em alguns casos, do amadurecimento da temática
global e local na definição das pautas dos veículos impressos regionais, Os jornais regionais
ouviram o galo cantar, mas não sabem aonde. Ainda não chegaram a um equilíbrio da receita
"visão global com ação local". A visão global ainda é entendida como a reprodução [...], nesses
jornais, o noticiário local ainda peca pelo provincianismo, pela visão estreita que termina nos
64
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
limites do município. A poluição de um rio é vista tão somente como uma ameaça para o
abastecimento de água da cidade. Um olho global sobre os assuntos locais e outro local sobre
os temas globais - esse é o desafio em fase ainda embrionária nos jornais regionais. Será o
próximo passo na evolução. (MARINI, 1998)
O espaço urbano: Nova Alta Paulista
Em alguns casos, as empresas jornalísticas desta área urbana em análise,
são fontes primárias e secundárias para a coleta de informações. Traçar uma análise
deste mapeamento da mídia regional da Nova Alta Paulista é algo necessário para
justificar as novas facetas no processo de comunicação mediada pelos periódicos
nesta microrregião paulista.
Os levantamentos foram baseados na pesquisa da mídia impressa dos 31
municípios que constituem a conhecida área da Nova Alta Paulista. Os dados
geográficos baseiam-se na classificação da Associação dos Municípios da Nova Alta
Paulista (AMNAP).
Oficialmente, são os seguintes as cidades estabelecidas no espaço
territorial da Nova Alta Paulista: Adamantina, Arco - Íris, Bastos, Dracena, Flora Rica,
Flórida Paulista, Herculândia, Iacri, Inúbia Paulista, Irapuru, Junqueirópolis, Lucélia,
Mariápolis, Monte Castelo, Nova Guataporanga, Osvaldo Cruz, Ouro Verde,
Pacaembu, Panorama, Parapuã, Paulicéia, Pracinha, Queiroz, Quintana, Rinópolis,
Sagres, Salmorão, Santa Mercedes, São João do Pau d`Alho, Tupã e Tupi Paulista.
(vide Fig. 2)
Os municípios da área delimitada integram-se a duas Regiões
Administrativas (RA) do Estado de São Paulo: Presidente Prudente denominada Alta
Sorocabana (sede da 10ª Região) e por Marília denominada Alta Paulista (sede da 11ª
Região).
Tratar da mídia regional implica, obrigatoriamente, em abordar a criação da
AMNAP, para justificar o delineamento deste objeto de estudo na delimitação da
mídia impressa nestas 31 localidades.
Criada em 20 de julho de 1977, “constitui-se na principal representação
política de trinta municípios localizados no estremo Oeste Paulista.” (GIL,
2006/2007, p.7).
A Associação dos Municípios da Nova Alta Paulista (AMNAP) é a principal
representação política regional. Dedicou-se atenção à sua trajetória, suas ações e suas
estratégias por reconhecer o seu envolvimento com o desenvolvimento regional. Ela foi criada
em 1977, ainda num contexto político marcado pelos governos militares, porém já na fase de
esgotamento do nacional desenvolvimentismo. As dificuldades impostas pela pouca
expressividade da economia regional, num contexto nacional e externo igualmente
desfavorável, impuseram a necessidade de se pensar soluções, e elas não viriam por si só.
Aumentava a visão de conjunto e o desconforto impelia para a busca de respostas políticas em
todas as instâncias, sendo a mais próxima os governos municipais. A essa época, a Nova Alta
65
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Paulista foi percebendo o seu isolamento e sentindo as conseqüências de uma política local
mais comprometida com interesses parcializados do que com propostas abrangentes e
voltadas ao bem-comum. (GIL, 2007, p. 191)
Figura 1: Área da Nova Alta Paulista (municípios constituintes da AMNAP).
Fonte: Elaborado a partir de dados fornecidos pelo IGC, 2003.
A história do interior paulista na área em estudo é construída, em grande
parte, a partir das publicações nos jornais impressos. Em sua tese, Gil (2007, p.
65/67) cita pelo menos dez profissionais de áreas distintas que desenvolveram entre
1989 a 2004, estudos científicos, teses, dissertações, monografias e artigos cuja
temática era o extremo oeste paulista e a formação da região analisada por este
trabalho. E, em diversos momentos, foram os jornais impressos de épocas
diferenciadas, as fontes para tais pesquisas.
Exatamente por isso, que dentro da diversidade de fatos ocorridos
diariamente, o profissional jornalista, neste espaço midiático denominado jornal
tem por obrigação ética, fazer um recorte isento nas informações que chegam à
redação para serem apuradas e publicadas.
[…] o jornalismo regional deve investir no aprimoramento do seu sentido crítico.
Creio que mais opiniões, mais debates fazem falta e que o jornalismo meramente noticioso e
factual não contribui para o aperfeiçoamento de um jornalismo mais dinâmico. E, sem dúvida,
o grande mérito do jornalismo regional é sobreviver como empresa. Fazer jornal, do ponto de
vista empresarial, é um desafio. […] o jornalismo impresso possui características operacionais
que o transformam em um produto industrialmente caro. (QUEIROZ, 2002, p. 7).
É uma realidade presente no dia-a-dia dos jornais pesquisados, mas isso não
justifica algumas omissões e ausências quando o assunto em pauta e a ineficácia e
ineficiência de órgãos públicos e entidades empresariais patronais. Assim, conhecer
a constituição jurídica da mídia em estudo é relevante para compreender as linhas
66
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
editoriais adotadas pelos veículos impressos da área da Nova Alta Paulista. Este é o
objetivo do próximo capítulo.
Os veículos impressos da área da Nova Alta Paulista
A imprensa interiorana paulista possui uma estrutura racionalizada, restrita
a uma pequena equipe responsável pela sua operacionalização, além de aparato
técnico limitado. Segundo pesquisador José Marques de Melo (1998, p.17), o Estado
de São Paulo concentra praticamente a metade de títulos da imprensa brasileira,
mas h| carência de estudos no sentido de identificar suas características, “a
imprensa do interior de São Paulo tem sido pouco estudada e por isso é pouco
conhecida no ambiente acadêmico”.
Os registros dos veículos impressos na área da Nova Alta Paulista são raros.
Para traçar o panorama da mídia impressa local e regional, fazem-se necessárias
consultas às principais fontes especializadas como Associação Paulista de Jornais
(APJ), Associação dos Jornais do Interior do Estado de São Paulo (Adjori),
Associação Brasileira de Jornais do Interior (Abrajori) e Associação dos Jornais
Diários do Interior do Estado de São Paulo (Adiesp).
A maior dificuldade enfrentada para examinar a mídia nas regiões está
relacionada com a obtenção dos dados primários, que são os mais difíceis e
dependem de pesquisa rigorosa, uma vez que os dados existentes são, às vezes
conflitantes. Pode-se observar nas obras consultadas grandes diferenças,
dependendo da fonte utilizada. (FADUL; GOBBY, 2006, p. 29)
Das quatro entidades citadas, apenas a APJ possui site e disponibiliza as
informações referentes aos seus associados. E, na pesquisa realizada junto à
entidade, não consta nenhum veículo impresso da Nova Alta Paulista. A entidade
representativa da categoria dos profissionais jornalistas: Sindicato dos Jornalistas
Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), inaugurou oficialmente, em 25 de
janeiro de 2008, a Delegacia Regional Oeste Paulista do SJSP, na cidade de
Presidente Prudente/SP. A entidade realiza atendimento e representações aos
profissionais de 88 cidades.
Para fins de pesquisa, foram considerados os critérios de produção local e
não distribuição regional. A análise dos dados demonstra a prevalência nos jornais
impressos da região da Nova Alta Paulista, de sócios na Direção de Redação dos
jornais da Nova Alta Paulista não graduados na área de comunicação.
Os índices mostram apenas 25% com registro (Mtb) da categoria
diplomado, os demais estão categorizados entre os registros de provisionado,
precário e ainda, 14% na condição de inexistente.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Outro ponto em destaque na pesquisa é a proximidade da relação entre
jornalistas diplomados responsáveis pela edição representando 39,4% e na condição
de precários totalizando 35,7%.
Vale ressaltar a responsabilidade legal do profissional ao responder por
todo processo produtivo da edição do jornal. Os jornalistas provisionados, neste
caso, são 21,4% e ainda aponta 3,5% para as publicações em que o jornalista
responsável não está em nenhuma das categorias relacionadas anteriormente.
Nota-se que alguns veículos de comunicação impressa tanto da capital
quanto do interior, especificamente da região em análise, a presença na redação
dos jornalistas precários. Segundo dados do SJSP, isso implica na prática de tabelas
salariais inferiores aos valores estipulados através das negociações com os
sindicatos patronais da área. E, ainda, significa a possibilidade da publicação de um
material jornalístico sem qualidade técnica e, especialmente, sem qualquer
compromisso com a ética estabelecida pela legislação da profissão.
Conclusão
Comprova-se a existência de uma imprensa interiorana deficitária e restrita
a aparato técnico e estrutura racionalizada, bem como limitada e reduzida equipe
operacional para a publicação de suas edições. Em contrapartida, diante a
precariedade das redações quanto ao número de jornalistas diplomados e a
ausência de uma estrutura adequada, a cobertura jornalística da área urbana destas
localidades fica comprometida e desprovida de um serviço que atenda suas
necessidades.
Nota-se uma readequação das publicações quanto ao formato e a
editoração das publicações regionais. Observa-se que os jornais buscaram promover
investimentos, assimilando características e tecnologias adotadas nos grandes
veículos jornalísticos do país.
Percebe-se neste estudo, que o surgimento dos veículos impressos no
interior paulista tem uma faceta peculiar, estar acompanhada de iniciativas pessoais
e, geralmente, repletas de idealismo.
Posteriormente, no entanto, observa-se que a estrutura organizacional e de
divisão das atividades exige dos administradores outros níveis de responsabilidade
no gerenciamento da atividade comercial. Em alguns casos, os periódicos regionais
dedicam mais de 50% de seu espaço para anúncios.
Um agravante é a precarização do mercado jornalístico regional. Há um
processo de profissionalização, mas com um contraponto entre o número de
instituições de ensino superior com graduação em Comunicação Social – Habilitação
68
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
em Jornalismo na região, em relação ao número de jornalistas diplomados
contratados nas redações dos veículos impressos na Nova Alta Paulista.
Mesmo com as dificuldades de levantamento de informações, as
considerações finais apontam para a identidade regional dos veículos impressos em
estudo. E, propõe-se a um passo inicial no aprofundamento da representatividade
destes espaços midiáticos para a população da Nova Alta Paulista. São
apontamentos ainda preliminares, de uma pesquisa mais aprofundada e ampla, para
uma etapa acadêmica posterior, mantendo-se a temática da comunicação regional
no Estado de São
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71
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
MONTEIRO LOBATO, JORNALISTA DO VALE DO PARAÍBA3
Francisco de ASSIS4
Universidade Metodista de São Paulo
Introdução
“O escritor confundia-se com o jornalista, o homem de imprensa virava publicista e
ambos lançavam mão dos meios de comunicação da época – o livro, o jornal e a revista – para
tentar despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo”.
Monteiro Lobato, furacão na Botocúndia,
Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta
Monteiro Lobato (1882-1948) é figura singular da intelectualidade brasileira.
Popularmente conhecido por sua obra literária infantil, que deu origem à série de TV
Sítio do Picapau Amarelo5, o escritor deu grandes contribuições não só a esse
segmento editorial, como também a toda a indústria de livros do Brasil,
promovendo – num momento sócio e culturalmente propício (KOSHIYAMA, 2006,
p. 16) – avanços significativos no setor, com suas próprias obras ou com a
publicação de outros autores brasileiros e estrangeiros.
Criador de personagens que povoam, ainda hoje, o imaginário brasileiro –
como a serelepe boneca de pano Emília ou o polêmico Jeca Tatu – Lobato tornou-se
uma espécie de “mito” nacional, tendo sua imagem relacionada, principalmente, a
um ser inquieto por mudanças e ávido pelo progresso. Em sua trajetória e em sua
obra, ele deixou diluídas essas características. No livro América, por exemplo, ele
afirmou que “um país se faz com homens e livros” (LOBATO, 1966, p. 45),
transparecendo sua veia de editor e de homem interessado no desenvolvimento
humano. Para além da literatura, cabe lembrar, também, que foi ele um dos
principais entusiastas da nacionalista campanha pelo petróleo6, mesmo este fato
4
Doutorando e Mestre em Comunicação Social e especialista em Jornalismo Cultural pela
Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Jornalista formado pela Universidade de Taubaté
(Unitau) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (Nupec), na mesma
instituição. Membro do grupo Pensamento Comunicacional Latino-Americano, vinculado à Cátedra
Unesco/Metodista de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. Editor da revista Acervo Online de Mídia Regional e secretário-executivo do grupo de pesquisa Gêneros Jornalísticos, da
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).
5
A extensa literatura infantil escrita por Lobato, de 1920 – com seu livro de estreia nesse gênero, A
menina do nariz arrebitado – até 1947, foi transformada, por quatro emissoras do país, em programa
televisivo voltado às crianças. A primeira experiência foi a da Rede Tupi (1952-1962), seguida da TV
Cultura (1964) e da TV Bandeirantes (1967-1969). Mas, sem dúvida, a produção mais marcante foi a da
Rede Globo, responsável por duas versões da série (1977-1986 e 2001-2007).
6
No início da década de 1930, Lobato – recém-chegado dos Estados Unidos – incentivou a criação de
companhias brasileiras destinadas à exploração do petróleo. Porém, seu entusiasmo, marcado por
72
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
tendo sido responsável por sua prisão e pelo declínio de sua carreira (LAJOLO, 2000,
p. 76-78).
Para o senso comum, Monteiro Lobato foi um homem à frente do seu
tempo. Tendo vivido “numa época marcada por uma série de transformações”, em
que “o mundo buscava caminhos diferentes, em nome do progresso” (MARÇOLLA,
2005, p. 173), ele deu vários alertas para o crescimento do Brasil, valendo-se dos
dispositivos que tinha à mão – em especial, os jornais e os livros. Não por acaso, o
sociólogo Gilberto Freyre (apud NUNES, 2000, p. 5) chegou a dizer que “a figura do
escritor havia de guardá-la não apenas a história literária do Brasil, mas também a
história do nosso povo e da nacionalidade brasileira”.
Frente a essas constatações, importa dizer que a compreensão das
perspectivas intelectuais de Lobato não pode deixar de lado um espaço que foi
significativo para a difusão de suas ideias e para a formação de um homem crítico e,
de certo modo, destemido: ou seja, a imprensa deve necessariamente ser
incorporada ao debate suscitado à margem da obra lobatiana. Afinal, foi nesse
“palco” – mais especificamente em jornais impressos – que ele encontrou, em
diferentes fases de sua vida, lugar propício para expressar suas opiniões, além, é
claro, de “divulgar o seu nome e atingir um objetivo maior, que era vender os seus
livros”, como bem observam Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da Silva
(1999, p. 44).
O relato que segue coloca em discussão a figura do Lobato jornalista, com
enfoque maior no cenário que marcou o início de sua atuação na imprensa: o Vale
do Paraíba Paulista, região onde está localizada Taubaté, sua cidade natal. Trata-se
de um ensaio, elaborado à luz de pesquisa bibliográfica, que tem a modesta – mas,
ao mesmo tempo, ambiciosa – intenção de descortinar um complexo campo de
investigação historiográfica, que pode contribuir para novos olhares a respeito da
formação intelectual do escritor.
A inquietação que motivou o desenvolvimento deste trabalho parte de dois
pontos fundamentais: 1) a percepção de que a vertente jornalística da trajetória de
Monteiro Lobato pouco foi explorada até o final do século passado, ficando restrita,
até o momento, a poucas produções acadêmicas, as quais urgem ser articuladas; e
2) a identificação de que foi no interior de São Paulo – e não na capital – que ele foi
introduzido no campo das letras. Como complemento, há de se destacar que aquilo
um forte apelo nacionalista, transformou-se em uma polêmica briga com o então presidente Getúlio
Vargas, que impôs uma série de obstáculos às explorações petrolíferas. Como revela Marisa Lajolo
(2000, p. 76), “no balanço que faz de sua campanha pelo petróleo, Monteiro Lobato atribui seu
fracasso a razões políticas: para ele, o Departamento Nacional de Produção Mineral e o Conselho
Nacional do Petróleo [criado em 1938, depois que técnicos do governo averiguaram a existência de
‘ouro negro’ no interior da Bahia] estavam comprometidos com os interesses dos trustes
internacionais do petróleo”. O escritor registrou sua indignaç~o a respeito do fato em, pelo menos,
duas obras: no livro para adultos O escândalo do petróleo (1936) – censurado em 1937, mas cujas
primeiras edições foram esgotadas assim que publicadas – e no infantil O poço do Visconde (1938).
73
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
que fez o jornalista-escritor, isto é, a passagem da imprensa periódica para os livros,
foi uma característica que marcou a época em que jornalismo e literatura
caminhavam juntos.
Para finalizar este intróito, vale revelar uma motivação pessoal do autor7:
revisitar Monteiro Lobato sob o prisma da região valeparaibana consiste em novo
aporte que se espera oferecer ao acervo do Núcleo de Pesquisa e Estudos em
Comunicação (NUPEC), criado, em 1996, no Departamento de Comunicação Social
da Universidade de Taubaté (UNITAU), e que tem como principal foco de estudos a
mídia regional e suas interfaces, principalmente no que diz respeito aos aspectos
históricos desse contexto8.
Biografia sucinta
Como foi dito anteriormente, Lobato nasceu em Taubaté (SP), no dia 18 de
abril de 1882. Seus pais – o fazendeiro José Bento Marcondes Lobato e dona
Olympia Augusta Monteiro Lobato, filha do também fazendeiro Joaquim Francisco
Monteiro, que recebera o título de Barão e, depois, de Visconde de Tremembé
(CAVALHEIRO, 1955a, p. 22) – batizaram-no e o registraram com o nome de José
Renato Monteiro Lobato. Aos 11 anos, no entanto, ele decidiu substituir o “Renato”
por “Bento”, na intenç~o de herdar uma bengala de seu pai, na qual haviam sido
gravadas as iniciais J.B.M.L. Assim, “eliminou o R que atrapalhava o seu sonho de
portar a bengala. E com um cartão enfeitado com flores, comunica à sua mãe o
novo nome” (MARÇOLLA, 2005, p. 174).
Na infância, o menino Juca – como era comumente chamado – “foi
crescendo diferente dos outros garotos”. Sempre com “a cara enfiada nos livros e
os olhos brilhantes a enxergar para muito além da janela do quarto”, “seu espaço
preferido era a biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro, junto ao
Largo do Teatro, em Taubaté, onde passava horas folheando a Revista Ilustrada e o
7
Este trabalho est| ideologicamente apoiado naquilo que se convencionou chamar de “paradigma
do conhecimento científico”, que complexifica a construção da episteme, inserindo, em sua
essência, a percepção de que o pesquisador – ou o “sujeito do conhecimento”, para os que
preferirem tal nomenclatura – sempre está presente e interfere no processo de construção do saber
científico. Deixam-se de lado, assim, as perspectivas de integral racionalização do conhecimento
(BOURDIEU, 2005).
8
Ainda cabem aqui, como complemento, outras duas colocações: 1) a discussão sobre a
performance de Monteiro Lobato como jornalista, motivada pelo Nupec, teve início no trânsito entre
os séculos 20 e 21, com dois trabalhos assinados por Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da
Silva, integrantes do referido grupo de pesquisa (OLIVEIRA & SILVA, 1999; 2000); e 2) nos últimos
anos, o autor do presente trabalho tem se dedicado a pensar a representatividade dos jornalistas do
Vale do Paraíba na formação da imprensa regional; como resultado concreto das discussões,
publicou dois livros com o teor de entrevistas concedidas por jornalistas da “velha guarda” –
Memórias da Mídia Taubateana, assinado em coautoria com Eliane Freire de Oliveira (Taubaté, Papel
Brasil, 2006) e Jornalistas do Vale do Paraíba: experiência e memória, coorganizado com Eliane Freire
de Oliveira e Robson Bastos da Silva (Rio de Janeiro, Oficina de Livros, 2009) –, além de artigos em
periódicos científicos.
74
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Jornal des Voyages” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 27).
Como era de costume, naquela época, o menino aprendeu “as primeiras
letras” com a m~e, aos quatro ou cinco anos de idade. Já alfabetizado, teve um
professor particular: Joviano Barbosa. Aos sete anos, ingressou no Colégio do
Professor L. Kennedy, recém-instalado em Taubaté. Depois, passou pelo Colégio
Americano, pelo Colégio Paulista e pelo São João Evangelista, todos em sua terra
natal (CAVALHEIRO, 1955a, p. 23-25; NUNES, 2000, p. 6). Em 1895, fez as malas e
seguiu para São Paulo. Seu destino: o Instituto Ciências e Letras, onde prestou
exames que permitiram sua matrícula no curso preparatório para o ingresso no
ensino superior. Porém, “é reprovado em Português e tem de arrepiar caminho:
volta para Taubaté e para o Colégio Paulista. E é lá que estréia na letra impressa,
como colaborador de O Guarany9, improvisado jornalzinho estudantil” (LAJOLO,
2000, p. 14).
Lobato retornou a São Paulo em 1896. Aprovado nos exames, foi
matriculado como interno no Instituto de Ciências e Letras. Permaneceu ali durante
três anos, reprovando apenas uma vez, em Latim. Durante esse período, colabora
com jornais estudantis – O Patriota e A Pátria –, sob o pseudônimo de Gustavo
Lannes, o qual também utiliza para assinar artigos que circulam em “jornaizinhos”
editados em Taubaté10. Além disso, afirma seu principal biógrafo que, “n~o
contente em colaborar nas fôlhas dos colegas e da terra, funda o próprio jornal, que
intitula de ‘H2O’. Era um jornalzinho manuscrito, lido pelo próprio autor todos os
s|bados, no recreio, dentro de um quadrado de defesa” (CAVALHEIRO, 1955a, p.
52).
Num espaço de pouco menos de um ano, entre 13 de junho de 1898 e 21 de
junho de 1899, Lobato perdeu o pai e a mãe, respectivamente (AZEVEDO;
CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 88). Órfão, aos 17 anos, sua guarda – bem como a
de suas irmãs, Ester e Judite – foi assumida pelo Visconde de Tremembé, que
decidiu seu futuro. “Atropelando uma presuntiva vocaç~o do neto pelas BelasArtes, o visconde obriga-o a matricular-se na Faculdade de Direito, curso onde,
naquele tempo, desaguavam os filhos da aristocracia brasileira” (LAJOLO, 2000, p.
16).
O curso superior foi realizado na Faculdade de Direito do Largo São
9
Há outros autores, como Edgard Cavalheiro e Cassiano Nunes, que grafam o nome do jornal com a
letra “i” no final: O Guarani.
10
É de Edgard Cavalheiro (1955a, p. 52) a afirmação de que Lobato, no período de 1896 a 1899,
colaborava à distância com pequenos jornais de sua terra natal. Todavia, há de se observar que
nenhum outro registro menciona tal feito e que o próprio Cavalheiro não diz quais são essas
publicações. Entende-se, assim, que o biógrafo não deve ter localizado nenhum exemplar desses
jornais – os quais, muito provavelmente, eram manuscritos –, valendo-se de registros orais para fazer
tal assertiva. Além disso, o H20, por ele aludido, também não é identificado por outros autores. O
provável motivo é que não se tratava exatamente de uma publicação jornalística, mas, sim, de uma
brincadeira de estudantes (talvez levada a sério).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Francisco, em São Paulo, cidade onde residiu de 1900 até 1905. Nesse último ano,
mais precisamente no mês de janeiro, regressou a Taubaté, onde começou a
namorar Maria da Pureza de Castro Natividade, a quem sempre chamou de
Purezinha e com quem se casou, em 1908. Tiveram quatro filhos: Martha, Edgard,
Guilherme e Ruth.
Notoriedade e destaque, Monteiro Lobato já obtinha nessa época [1908]. Promotor
público em Areias, uma cidade tranqüila, onde nada acontecia e sobrava muito tempo para ele
dedicar-se à leitura e aos artigos escritos para jornais. Essa vida pacata não duraria por muito
tempo. Lobato, aos 29 anos, herda as terras de Taubaté, juntamente com suas irmãs, por causa
da morte de seu avô, o Visconde de Tremembé. Era o ano de 1911 [...]. Diante desse fato, Lobato
abandona a vida pacata em Areias, muda-se com a família para assumir a fazenda Buquira [...].
Ao mesmo tempo, envolve-se em um negócio de estradas de ferro e abre um externato, em
Taubaté. A versatilidade de Lobato é sua marca registrada. Sempre à frente de seu tempo, em
busca de modernidade (MARÇOLLA, 2002, p. 78).
Lobato residiu em Taubaté de 1911 até 1916 (CAVALHEIRO, 1955a, p. 197).
Naquele ano, após vender a fazenda que herdara do avô – motivado pela
decadência da produção cafeeira –, mudou-se como a família para São Paulo, onde
fixou morada – com exceção dos períodos em que permaneceu fora do país – até
sua morte, no dia 4 de setembro de 1948.
Ao longo de sua vida, Monteiro Lobato publicou bem mais de 50 livros de
sua autoria, que se revezam entre literatura infantil e literatura para adultos.
Também traduziu outro considerável montante, além de ter deixado várias obras
avulsas, publicadas originalmente na imprensa, principalmente nos jornais O Povo,
Minarete e Jornal de Taubaté, editados no Vale do Paraíba (CAVALHEIRO, 1995b, p.
741-763).
No dizer de Ros}ngela Marçolla (2002, p. 94), Lobato sempre “questionou,
buscou respostas. Colocou suas palavras na boca da boneca Emília, que ainda fala
até os dias de hoje”. N~o só da Emília, obviamente. Suas palavras, por muito tempo,
ecoaram em páginas de jornais e revistas, com textos que ele fazia questão de
assinar com seu próprio nome ou, então, com pseudônimos. Foi assim que se
formou a imagem do jornalista que aqui se pretende evocar.
Lobato jornalista
O desempenho de Monteiro Lobato como escritor, tradutor e/ou editor de
livros já foi – embora talvez não em todas as suas possíveis facetas – devidamente
analisado por intelectuais brasileiros – tanto por aqueles vinculados a instituições
acadêmicas, quanto pelos que se dedicaram a explorar a vida e a obra do escritor
taubateano sem vínculos com as cátedras universitárias. Na lista dessas
contribuições, estão inseridos, por exemplo, os emblemáticos trabalhos de Alice
Mitika Koshiyama (2006), Marisa Lajolo (2000; 200911), Cassiano Nunes (2000) e
11
Esse segundo livro, datado de 2009, foi organizado em parceria com João Luís Ceccantini.
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Alaor Barbosa (1996), fontes inesgotáveis de discussões que dão visibilidade ao
trabalho exercido por Lobato junto à indústria do livro e que reivindicam o
reconhecimento pelas inovações que ele promoveu no sistema literário no país.
Também não se pode deixar de mencionar obras que oferecem um
panorama amplo e aprofundado sobre sua trajetória, em tom de biografias. Fazem
parte desse rol, principalmente, a densa obra de Edgard Cavaleiro (1955a; 1955b) –
dividida em dois volumes e que, provavelmente, constitui-se como o material mais
difundido e completo sobre o assunto – e o trabalho realizado por Carmen Lucia de
Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta (1998) – o qual, além de apresentar
uma minuciosa cronologia, recupera um rico acervo de fotografias e fac-símiles de
muitas obras originais já fora de circulação.
Os debates acerca da obra lobatiana ainda são complementados por
reflexões de cunho sociopolítico, tais como o breve volume O último sonho de
Monteiro Lobato: o georgismo12, de Cassiano Nunes (1983), e uma edição especial
dos Cadernos da PUC-RJ, datada de 1982, que se dedica exclusivamente aos
contributos oferecidos por Lobato à literatura infantil, com ênfase no caráter
ideológico de seus textos. Há também, certamente, iniciativas esporádicas e
dispersas pelas bibliotecas das universidades brasileiras, geralmente em bancos de
teses, dissertações e monografias dos cursos de Letras. Isso sem contar recortes
dados por outras áreas ou subáreas do conhecimento, como é o caso da
Folkcomunicação13, devidamente resgatada no trabalho de Rosângela Marçolla
(2002), que identifica marcas de tradição oral nos livros infantis do escritor.
12
Cabe explicar que o referido texto esboça a predileção do escritor taubateano pelas ideias do
economista político Henry George (1839-1897), cuja filosofia promulga que a cada um é dono daquilo
que consegue criar, mas tudo aquilo que é proporcionado pela natureza pertence a toda a
humanidade. Numa carta que escreveu a um jornal paulistano, em fevereiro de 1948 – ano de sua
morte –, Lobato afirmou o seguinte: “Sou georgista, meu caro. Convenci-me de tal forma da verdade
das teorias econômicas de Henry George que por mais que me esforce não consigo substituí-las
pelas de Karl Marx. Admiro a lógica tremenda de Marx, e talvez Marx esteja certo, mas na minha
intuição a verdadeira verdade está com Henry George. E justamente, e apenas por causa do meu
georgismo, não tive a honra de alistar-me no Partido Comunista Brasileiro, nem pude aceitar o
convite de Prestes para entrar na chapa de candidatos à deputação federal em 1946. Não entrei para
o Partido nem para a Câmara porque seria trair minhas idéias georgistas. De que modo ser um
perfeito deputado comunista, se lá no fundo do meu coração eu ponho George acima de Marx? Sou
muito leal, meu caro. Minha divisa é a que prego para as crianças: aquele verso de Shakespeare – ‘E
isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo!’” (NUNES, 1983, p. 8).
13
“A Folkcomunicaç~o constitui uma disciplina científica dedicada ao ‘estudo dos agentes e dos
meios populares de informaç~o de fatos e express~o de idéias’, como bem a definiu seu fundador,
Luiz Beltrão, na tese de doutoramento defendida em 1967 na Universidade de Brasília. Seu objeto de
estudo situa-se na fronteira entre o Folclore (resgate e interpretação da cultura popular) e a Cultura
de Massa (difusão industrial de símbolos por meios mecânicos ou eletrônicos destinados a
audiências amplas, anônimas e heterogêneas). Se o Folclore compreende formas interpessoais ou
grupais de manifestação cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a Folkcomunicação
caracteriza-se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em
linguagem popular, mensagens previamente vinculadas pela indústria cultural” (MARQUES DE
MELO, 2004, p. 11).
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Assim sendo, não é difícil perceber que discussões a respeito de Monteiro
Lobato escritor, intelectual, editor e empresário da indústria editorial podem ser
facilmente localizadas. O mesmo, todavia, não se pode dizer da faceta jornalística
do taubateano. Não que muitas das obras aqui mencionadas deixem de mencionar
suas atividades junto aos órgãos de imprensa. Porém, deve-se destacar que são
poucas as referências que se debruçam exclusivamente sobre esse item.
Os primeiros dos poucos subsídios de que se tem notícia, nesse sentido, são
os artigos de Eliane Freire de Oliveira e Robson Bastos da Silva, mencionados
anteriormente. Importa assinalar que foram eles os primeiros a deixar registrado
que a figura do Lobato jornalista nunca recebeu a mesma atenção dos
pesquisadores, se comparado às outras frentes de atuação que marcaram sua vida.
[Monteiro Lobato] escreveu, ao longo de 52 anos, em mais de 20 jornais e revistas
do país e exterior. Diferente do escritor, o jornalista não possui uma análise mais
aprofundada desta produção intelectual. Alguns textos estão catalogados em diversas
biografias, mas não há uma obra que reúna todo o material, principalmente artigos
publicados nos pequenos jornais do interior, no início da carreira (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p.
43).
Um dos motivos aos quais Oliveira e Silva atribuíam, no final da década de
1990, a carência de uma interpretação densa sobre o jornalista Monteiro Lobato é o
fato de ele ter utilizado muitos pseudônimos para escrever em jornais, inclusive
alguns femininos14, o que poderia dificultar um levantamento completo de sua
produção na imprensa periódica.
Mesmo sem se voltar para um trabalho de garimparem e de catalogação do
material disperso em vários veículos jornalísticos, esses autores conseguiram, num
segundo momento, identificar vestígios da visão crítica de Monteiro Lobato sobre
as questões que envolviam, na primeira metade do século 20, temas
socioambientais e que refletem, em considerável parcela, os modelos atuais do
conceito de cidadania, ligado à construção de uma identidade brasileira15 (OLIVEIRA
& SILVA, 2000, p. 44).
Se os pesquisadores da Universidade de Taubaté soaram o alarde de que
era “preciso resgatar esse lado pouco conhecido e divulgado” de Lobato, com a
realizaç~o de “um estudo sistem|tico da sua obra jornalística, com a finalidade de
14
Os autores citam os seguintes pseudônimos: “Mem Bugalho Pataburro”, “Lobatoyewsky”,
“Josbem”, “Edelweiss”, “Hélio Burma”, “Rodanto Cor-de-Rosa” e “Olga Lima” (OLIVEIRA & SILVA,
1999, p. 43). Porém, deixam claro que essa lista não incorpora todos os nomes que Lobato inventou.
Nas palavras de Edgard Cavalheiro (1955a, p. 87), “o próprio Lobato confessava n~o poder precisar
quantos pseudônimos usou. Dizia nunca ter havido escolha nos mesmos, pois não eram
pseudônimos filhos da vaidade e sim de uma grande vergonha de aparecer em público com a cara
natural”.
15
Para a realização desse segundo estudo, os autores tomaram como base o livro A onda verde,
publicado em 1921.
78
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
entendê-lo como um topo” (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 54), n~o se pode deixar de
reconhecer que foi Thiago Alves Valente, da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
de Assis (SP), que conseguiu cumprir tal façanha. Entusiasta da obra lobatiana16, ele
dedicou seu doutoramento ao foco aqui destacado, defendendo, em 2009, a tese
Monteiro Lobato nas páginas do jornal: um estudo dos artigos publicados em O Estado
de S. Paulo (1913-1923).
Antes disso, o autor havia publicado um modesto trabalho intitulado
Monteiro Lobato, jornalista, nos anais do 6º Congresso de Leitura do Brasil, realizado
em 2007, em Campinas (SP). Naquele material, notadamente seu projeto de
pesquisa para o desenvolvimento da tese, Valente (2007, p. 10) insere Lobato num
momento sócio-histórico datado, procurando ancoragens teóricas para
problematizar o cenário de atuação do jornalista. A resposta a suas indagações,
obviamente, não aparece naquele paper. Emerge, mais recentemente, no resultado
final da tese.
Selecionando como corpus de an|lise os textos que Lobato publicou n’O
Estado de S. Paulo, de 1913 a 1923 – época de “consolidaç~o” ou “profissionalizaç~o”
da imprensa, no seu entender (VALENTE, 2009, p. 12) –, o jovem doutor confirma as
percepções de Oliveira e Silva (1999, p. 45), que sinalizaram a simpatia de Lobato
por aquele jornal, devido “{ sua condiç~o de oposicionista ao governo”.
Thiago Valente percebe, ainda, que Monteiro Lobato conseguia transitar
livremente entre as funções de literato, jornalista e editor, buscando, em cada uma
delas, elementos que pudessem suprir lacunas que uma ou outra não pudesse dar
conta. Por isso mesmo, nunca deixou de ser nenhum dos três. Sempre foi os três.
Além disso, o autor chega à conclusão de que as ideias e os ideais esboçados pelo
jornalista naquele periódico17 não fogem aos interesses do próprio jornal e, muito
provavelmente, de outros intelectuais da época.
Lobato não estava sozinho em sua empreitada por um país melhor, mais rico, mais
eficiente. O ideário do jornal em que começara a escrever em 1913, mas cujos textos realmente
passaram à história da literatura com os artigos de 1914, era comum ao neto do Visconde, bem
como aos demais membros do grupo de O Estado. Longe de imaginar uma relação de
subserviência, os “sapos” da redação eram, sem dúvida, a alma do periódico nas primeiras
décadas do século XX. O que não significava abrir mão do objeto comercialmente viável
(VALENTE, 2009, p. 256).
16
Logo na introdução de sua tese, Thiago Valente (2009, p. 11) explica que, em seu mestrado,
dedicou-se ao estudo sistemático do livro infantil A chave do tamanho, publicado em 1942. Conforme
informações de seu Currículo Lattes, disponível na plataforma homônima do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sua dissertação, que recebeu o título Uma chave
para A chave do tamanho, de Monteiro Lobato, foi defendida em 2004, no Mestrado em Letras da
Unesp de Assis, sob orientação do prof. Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini.
17
É importante explicar que, antes de começar a escrever para O Estado de S.Paulo, em 1913, “seus
primeiros artigos na grande imprensa saíram na Tribuna, de Santos, em 1909, e no Correio Paulistano,
órgão do PRP – Partido Republicano Paulista” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 102).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
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Ainda é preciso dizer que, além contribuições de Oliveira e Silva e de
Valente, Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta
dedicaram um capítulo inteiro de seu livro à relação de Lobato com a imprensa.
Ali|s, é curioso destacar que a referida unidade carrega o sugestivo título “Sapo de
redaç~o”, fazendo alus~o ao “jarg~o utilizado para definir os que compareciam à
redaç~o quase todas as noites e l| ficavam até alta madrugada” (AZEVEDO;
CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 102).
Se há um comum acordo entre os autores aqui revisitados é o de que a
relação de Lobato com a imprensa – ou, mais precisamente, com a função de
jornalista – era, por vezes, contraditória. Em alguns momentos, ele fazia questão de
atuar como “sapo de redaç~o”, deixando o gabinete de trabalho para conhecer
determinado fato no local de seu acontecimento, como ocorreu na ocasião em que
se dedicou a escrever sobre as queimadas – em seu polêmico artigo “Uma velha
praga”18, de 1914 – ou, em 1918, quando foi ouvir in loco as reclamações dos
agricultores que perderam seus cafezais por conta de uma forte geada que assolou
o interior de São Paulo. Por outro lado, houve vezes em que parecia desestimulado
a dar continuidade ao trabalho jornalístico, como na ocasião em que reclamou a
Godofredo Rangel19 – numa das cartas que costumava trocar com o amigo – que só
escrevia em jornal “sob influência da indignaç~o” e que, por isso, sentia que n~o
servia para jornal.
As circunstâncias, porém, não tardariam a desmenti-lo. Durante a gripe espanhola
que assolou São Paulo no segundo semestre de 1918, tirando de campo toda a cúpula do
Estado, Lobato se veria na contingência de assumir o comando. O primeiro a cair doente foi
Nestor Pestana, seguido por Plínio Barreto e Pinheiro Júnior. Com a direção fora de combate,
ele desdobra-se em redator-chefe, secretário e editor, garantindo a circulação do jornal
(AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 102).
Lobato deixou claro que servia, sim, para o jornalismo, embora
considerasse, de certo modo, inconveniente a obrigatoriedade de escrever todos os
dias (com ou sem vontade). Por conta disso, depois da experiência no fechamento
de algumas edições d’O Estadão, ele resolveu focar seu trabalho numa publicação
que n~o fosse di|ria. Assim, “intensifica seu trabalho na Revista do Brasil20, onde
desde o terceiro número vinha colaborando com contos e artigos” (AZEVEDO;
CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 108) e a qual adquire pouco tempo depois, ainda
em 191821.
18
Preocupado com as queimadas que costumeiramente eram feitas próximo à fazenda Buquira –
aquela que herdara do avô –, Lobato escreveu um artigo em tom de desabafo, publicado pelo
Estadão em 12 de novembro de 1914.
19
Carta escrita logo após a publicação da reportagem sobre as geadas no interior de São Paulo.
20
Nota do autor: a Revista do Brasil foi criada em setembro de 1915, por meio de sociedade anônima
formada por 60 acionistas, a maioria ligada ao grupo d’O Estado de S. Paulo.
21
A compra da Revista do Brasil por Monteiro Lobato é descrita por Azevedo, Camargos e Sacchetta
(2006, p. 120) da seguinte maneira: “Como n~o admite a idéia de se submeter a um chefe que n~o 
 fosse ele próprio, resolve concretizar a compra, efetivada em junho de 1918, através de escritura
80
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
De volta à tentativa de organizar os referenciais existentes a respeito do
assunto que aqui interessa destacar, vale dizer que Nelson Werneck Sodré, em sua
antológica obra sobre a história da imprensa brasileira, também dá atenção ao
trabalho que Monteiro Lobato desenvolveu em publicações paulistas. Para o autor,
o ponto de partida para o entendimento desse fato é a repercuss~o do artigo “Uma
velha praga”, de 1914. No seu entendimento, é a partir daí que o fazendeiro José
Bento Monteiro Lobato foi enviando ao jornal o que tinha na gaveta e novas coisas
que escrevia, contos e artigos, e o público se foi habituando a admirar o seu estilo
fácil, correntio, simples, claro, muito diferente do dos escritores que colaboravam
nas folhas da época. Quando deu por si, o fazendeiro estava em S. Paulo, a dirigir a
Revista do Brasil, a escrever e a editar livros, e sobretudo a revolucionar, sem pensar
na coisa, a produção, comércio e distribuição de livros em todo o país (SODRÉ, 1999,
p. 324-343).
Nos trabalhos assinados por Rosângela Marçolla (2002; 2005), também há
referências ao Lobato jornalista. A autora reforça, além de alguns pontos outrora
mencionados, o gosto que ele cultivava pelos pseudônimos, bem como o trabalho
que realizava para a revista Fon-Fon, desenhando caricaturas.
Fernando Morais (2002, p. 147) ainda menciona o jornalista na biografia que
escreveu a respeito de Assis Chateaubriand, revelando sua participação no grupo do
magnata durante a década de 1920. Afirma, porém, que não obstante admirasse o
trabalho de Monteiro Lobato, Chateaubriand queixava-se “da falta de assiduidade e
do comportamento boêmio do escritor paulista”, que mantinha, j| em 1927, a
mesma fixação pelo ambiente das redações. Conforme o registro de Morais, Lobato
aparecia n’O Jornal – com o qual colaborou regularmente por mais de um ano – para
entregar sua coluna, e ali ficava, horas e horas, conversando e “cavaqueando com
os colegas”.
O percurso de Monteiro Lobato, pela imprensa, não é linear. É marcado por
idas e vindas, por momentos em que ele realmente atuava como jornalista e por
outros em que tão-somente fazia dos jornais um espaço para publicar sua produção
literária. Os caminhos cruzados não são de se estranhar. Naquela época, como
lembram Oliveira e Silva (1999, p. 53-54), “jornalismo e literatura andavam juntos,
n~o havendo basicamente grandes diferenças”. Porém, ainda atestam os autores
que, “polemista por natureza, [Lobato] encontrou nesse veículo [ou seja, o jornal
impresso] o espaço para discutir e projetar suas idéias como empresário da
indústria cultural e um intelectual org}nico ligado ao sistema”.
passada no 1º Tabelionato da capital, de Filinto Lopes. Por cinco contos de réis, Lobato adquiria o seu
ativo – incluindo móveis, o estoque de exemplares e o título, avaliados em torno de três contos –,
além de um passivo que girava por volta dos dezessete contos. Nesse mesmo mês, através do texto
do seu presidente, Ricardo Severo, a Revista do Brasil informa os leitores sobre a transferência:
‘Monteiro Lobato será um continuador leal, com fé e entusiasmo, tomando o encargo com a
obstinaç~o quixotesca de prosseguir um ideal, assim como nós outros’”.
81
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Cabe dizer, ainda, que apesar de o artigo “Uma velha praga” ser
considerado um divisor de águas na trajetória de Lobato, tamanha – como foi dito –
a sua repercussão, seria inocente pensar que foi só a partir daí – ou seja, depois de
1914 – que o taubateano, de fato, tenha “‘entrado’ para o jornalismo”, como bem
coloca Valente (2009, p.123). Aceitar essa idéia, conforme o autor, “n~o é somente
desconsiderar toda sua vivência anterior com o veículo jornalístico, mas também
esquecer de certa desenvoltura com que h| tempos transitava no meio editorial”.
Por isso mesmo, revela-se ser mais do que necessário revisitar os primeiros
passos dados por Lobato no terreno da imprensa, para que não se corra o risco de
voltar à mesma dedução equivocada de alguns autores.
Recorte oportuno: o Vale do Paraíba
Muito embora tenha sido na Pauliceia que Monteiro Lobato conquistou
notoriedade na imprensa, foi na região do Vale do Paraíba que ele se inseriu no
campo do jornalismo. A primeira experiência – amadora, obviamente – ocorreu
ainda na adolescência, quando estudava no Colégio Paulista, em Taubaté, como já
mencionado aqui. “Nesta escola, terminou os primeiros estudos e lançou um
jornalzinho, o Guarani, em que publicou suas lucubrações, aos quatorze anos. Usou
ent~o seus primeiros pseudônimos” (NUNES, 2000, p. 6).
Todavia, e sem dúvida, é no período em que cursou Direito22, em São Paulo
(de 1900 a 1904), que o jornalista-escritor começou dar contribuições mais
significativas à imprensa de sua região. Na época, era comum que os estudantes
formassem grupos de discussões sobre assuntos das mais diferentes naturezas; um
desses grupos, fundado por Lobato e por seus colegas, era o “Cen|culo”, que
reuniu, entre outros, Godofredo Rangel – seu amigo por toda a vida –, Ricardo
Gonçalves – que se suicidou em 1916, cuja morte o amigo taubateano
confessadamente chorou (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1998, p. 96) – e
Edgard Jordão, a quem Lobato homenageou dando seu nome a um dos filhos que
teve com Purezinha. Conta Alaor Barbosa (1996, p. 23) que praticamente todas
essas figuras escreviam em jornais da cidade de São Paulo e de outras cidades
paulistas (Pindamonhangaba e Caçapava23). Um desses jornais foi o Minarete: nele
os membros do Cenáculo, principalmente Monteiro Lobato, publicaram a maioria de
suas primícias literárias. O Minarete existiu durante quatro anos (de 1903 a 1907), em
Pindamonhangaba.
“Minarete” foi o apelido que Ricardo Gonçalves deu a uma república de
22
É curioso observar como Edgard Cavalheiro (1955a, p. 62) refere-se ao desempenho do jornalistaescritor nesse período: “A passagem de Monteiro Lobato pela Academia ser| marcada por poucos
acontecimentos: uma conferência, um discurso, meia dúzia de artigos nos órgãos estudantis, e nada
mais. Como estudante, não foi bom nem mau; o Direito pouco lhe interessava. Estudava o necessário
para passar nos exames”.
23
Nota do autor: Pindamonhangaba e Caçapava são cidades do Vale do Paraíba.
82
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
estudantes, em São Paulo – um “chalé”, nas palavras de Barbosa (1996, p. 23) –, a qual ele e
Lobato frequentaram por um curto período. Foi nesse lugar, inclusive, que Godofredo
Rangel – que ali já residia – passou a integrar o Cenáculo24. Inspirado nesse ambiente,
Benjamin Pinheiro – j| formado em Direito e “decidido a pôr abaixo o situacionismo político
de Pindamonhangaba”, na ambiç~o de eleger-se prefeito25 –, criou um jornal homônimo na
referida cidade valeparaibana, contando com o apoio Lobato e de seus companheiros, que
utilizavam a folha para fazer críticas ao governo e à República (NUNES, 2000, p. 9).
Na verdade, o Minarete26 era resultado de um antigo sonho do grupo de
estudantes, que, descontentes com “os jornais bem comportados da capital”,
almejavam um espaço no qual, “com absoluta liberdade, pudessem dizer o que bem
desejassem”. Assim foi feito. Os colaboradores redigiam os textos em S~o Paulo e
os encaminhavam a Pinheiro que, vez ou outra, enviava-lhes cartas nesse tom: “Zé
Bento: Preciso de um artigo bastante severo, atacando a Câmara por causa duma
racha na parede do teatro. E outro sôbre o capim que j| nas ruas” (CAVALHEIRO,
1955a, p. 85-86).
Interessante, também, é a definição dada por Cavalheiro (1955a, p. 88) ao
Minarete: um “enigma indecifr|vel para os leitores da pequena cidade do interior”.
Ao que tudo indica, naquele jornal, n~o havia “nada, absolutamente nada, que
pudesse interessar [a] um fazendeiro, [a] um negociante, nem [a] mesmo um
botic|rio mexeriqueiro”.
Edgard Cavalheiro (1955a, p. 92) explica, ainda, que as colaborações de
Lobato para o Minarete dividiam-se entre literatura – com vários contos que,
posteriormente, foram recuperados e refeitos para serem incluídos em livros (em
Cidades Mortas, de 1919, por exemplo) – e artigos opinativos sobre temas variados,
como fumo, boemia, futebol, entre outros. “Por vêzes envereda pelo terreno
filosófico, enfronhando-se em altas considerações metafísicas, em artigos mais
trabalhados”. O historiador taubateano Gilberto Martins (apud OLIVEIRA & SILVA,
1999, p. 44) afirmou, num documento que preparou à época das comemorações
pelo centenário do nascimento de Lobato, em 1982, que os leitores de
Pindamonhangaba chegaram a ter, em ralação ao que era publicado no Minarete,
“}nsia de vômito diante de tanta esquizofrenia liter|ria. Muitos números eram
devolvidos, com serm~o { parte”.
Nessa mesma época, o jornalista colaborou com O Povo – fundado em
março de 1903, em Caçapava, por José Pereira de Matos e Sinésio Passos –, sendo
24
Afirma Alaor Barbosa (1996, p. 23) que, na história da literatura brasileira, o Cenáculo também
ficou conhecido como “Grupo do Minarete”.
25
De fato, Pinheiro conseguiu ser eleito, em 1905.
26
O nome do jornal foi sugestão de Lobato. Segundo Cavalheiro (1955a, p. 86), ele disse assim disse a
Benjamin Pinheiro: “— Pois dê ao jornal o nome de ‘Minarete’ [...] No primeiro número explicaremos
aos povos o que é minarete – aquelas esguias tôrres das gentes islâmicas, de cujo tôpo, ao cair da
tarde, os muezins convocam os fiéis à prece. Um jornal é um minarete de cujo tôpo o jornalista dá
milho às galinhas da assinatura e venda avulsa. Fica muito bem êsse nome – e é nome que não está
estragado”.
83
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
responsável, inclusive, pela elaboração de seu cabeçalho (CAVALHEIRO, 1955a, p.
73). Durante essa fase, assegura Edmir Nogueira dos Santos (1988), Lobato se
sobressai como “homem político, preocupado com a situaç~o” e como escritor que
apostava na ironia. Tanto é que, no jornal caçapavense, ele publicou o primeiro
capítulo27 de uma novela intitulada “Os Lambe-Feras”, mas que n~o foi l| muito
bem vista pelos leitores.
A respeito da série, sabe-se que o diretor do jornal, Pereira de Matos, “n~o
se atreveu a prosseguir” com a publicaç~o dos demais capítulos, tendo em vista as
queixas dos assinantes e de outras partes interessadas. “A press~o maior partia
naturalmente da Igreja, pois a abertura de ‘Os Lambe-Feras’ representa violenta
diatribe contra os Padres, que o autor chama de ‘mulheres pelo vestu|rio’ e ‘suínos
no julgarem o asseio incompatível com a vida de santidade’” (CAVALHEIRO, 1955a,
p. 103).
Edmir Santos (1988) destaca que Lobato colaborou com o Minarete e com O
Povo numa conjuntura em que era comum os intelectuais buscarem na imprensa
“um meio de divulgaç~o de seus trabalhos”. O autor também identifica que, nas
primeiras décadas do século 20, o Vale do Paraíba era um cenário propício para o
exercício de um jornalismo crítico e opinativo, uma vez que a região passava por um
difícil momento, herdado do regime imperial.
A monocultura do café desmoronava, era o período que antecipava o renascimento
da região com a introdução da cultura de arroz e as instalações industriais. A política
valeparaibana era dominada pela oligarquia cafeeira, que relutava para manter-se no poder. Na
verdade, a política esteve dividia entre pequenos grupos proprietários de terra e marcou um
período de brigas acirradas (SANTOS, 1988).
Além dos jornais aqui mencionados, Oliveira e Silva (1999, p. 61) identificam,
na lista de veículos28 com os quais Lobato colaborou, outras três publicações da
região: Jornal de Taubaté (Taubaté), Revista Parahyba (Caçapava) e Tribuna do Norte
(Pindamonhangaba). Cavalheiro (1955a, p. 161), por sua vez, ainda menciona que o
jornalista publicou artigos n’O Taubateano (Taubaté) e em “inúmeros outros
jornaizinhos interioranos”, muitos dos quais, provavelmente, eram editados em
municípios do Vale do Paraíba.
Foi em 1905 que Monteiro Lobato começou a escrever para o Jornal de
Taubaté. Tendo acabado de regressar à terra natal, após o término da faculdade, ele
passa a assinar a crítica de arte daquela publicação (AZEVEDO; CAMARGOS;
27
Por conta da decis~o do propriet|rio d’O Povo, Lobato teve de publicar os demais capítulos no
jornal Onze de Agosto, editado em São Paulo pelo Centro Acadêmico 11 de Agosto
28
São eles: O Guarani, Minarete, O Povo, O Combatente, Onze de Agosto, Jornal de Taubaté, O Estado
de S. Paulo, Revista Fon-Fon, A Tribuna, Correio Paulistano, A Cigarra, Revista Parahyba, Revista do
Brasil, O Estadinho, Revista Revue de L’Amérique Latine, O Jornal, Diário de São Paulo, A Manhã, Tribuna
do Norte, Agência de Notícias União Jornalística Brasileira, La Prensa, Jornal de São Paulo e Revista
Fundamentos (OLIVEIRA & SILVA, 1999, p. 61).
84
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
SACCHETTA, 1998, p. 89), na qual também faz circular, em 1906, uma série de
poemas dedicados a Purezinha (CAVALHEIRO, 1955a, p. 124).
Quase não há referências a respeito da relação do jornalista com a Revista
Parahyba. Criada em 1917, ela parece ter recebido sua colaboração logo de início,
pois Azevedo, Camargos e Sacchetta (1998, p. 97) dizem que, a partir da terceira
edição, é Lobato quem desenha suas capas. A revista também é mencionada por
Cavalheiro (1955a, p. 200), quando este elenca os órgãos de imprensa pelos quais o
escritor passou antes de publicar seus textos em livros.
Nota-se, também, a falta de considerações sólidas acerca da possível
atuação de Monteiro Lobato nos jornais Tribuna do Norte e O Taubateano. Oliveira e
Silva (1999, p. 51) apenas citam que ele escreve para o primeiro desses, em 1931;
quanto ao segundo veículo, citado por Cavalheiro (1955a, p. 161; p. 200), não há
indicação de quando o jornalista publicou materiais em suas páginas e nem
tampouco de qual era o teor dos seus escritos.
Considerações finais
Parece correto o pensamento de Oliveira e Silva (1999, p. 53), quando
afirmam que Lobato “soube tirar proveito desse lado profissional”, ou seja, da
atuaç~o jornalística. “Caso n~o tivesse acesso aos jornais, possivelmente o escritor
demoraria muito mais tempo para se tornar conhecido”. A conclus~o dos autores
caminha na mesma direção das considerações de Koshiyama (2006, p. 59), que, ao
mencionar a remuneração que Lobato começou a receber O Estado de S. Paulo, em
1914, adverte o seguinte: “Lobato estava agora enxergando um motivo mais
atraente que a possível remuneração pelos artigos que escrevia para O Estado. O
principal motivo de escrever para esse jornal era o número de leitores que
conseguia atingir”.
Sendo assim, se a historiografia brasileira está – ou se estava, caso sejam
consideradas as recentes publicações há pouco revistas, as quais preenchem parte
da lacuna – em débito com a memória do jornalista Monteiro Lobato, certamente
não é por falta de indicadores que sinalizem seu elo com a imprensa. As próprias
datas acenam para o valor dessa relação. Afinal de contas, seu ingresso no
jornalismo deu-se ainda na adolescência – com O Guarani – ou, formalmente, aos 21
anos, quando passou a colaborar com o Minarete e com O Povo. Seu primeiro livro –
Urupês –, no entanto, só foi publicado em 1918, quando o jornalista-escritor já
contava 36 anos (CAVALHEIRO, 1955a, p. 199).
Durante um considerável intervalo de tempo, portanto, Lobato utilizou
apenas jornais e revistas para publicar seus trabalhos. Dessa maneira, entrelaçou,
logo de início, duas de suas principais vertentes: a do jornalista e a do escritor. Por
essa razão e em virtude de todas as considerações tecidas até aqui, é que se reforça
mais uma vez, que parece ser pouco possível compreender a obra de tal figura sem
85
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
dedicar especial atenção a esses dois pontos de sua biografia.
Ao encerrar estas linhas, é bom esclarecer que a discussão em torno do
desempenho de Monteiro Lobato como jornalista do Vale do Paraíba não está
esgotada. Como já foi destacado, há vários trabalhos que ainda necessitam ser
elaborados, como, por exemplo, o levantamento de informações acerca do trabalho
desenvolvido por ele junto à Revista Parahyba, à Tribuna do Norte e a O Taubateano;
o mapeamento de seus pseudônimos, com a possibilidade, talvez, de alinhar seus
usos à natureza das abordagens; a análise dos textos publicados na região, a fim de
identificar suas temáticas e observar as fronteiras que separam o jornalismo da
literatura, entre outros.
Compreender o perfil e a história de Monteiro Lobato, de fato, não é tarefa
simples. Mas, ao mesmo tempo, não deixa de apresentar-se como proposta
instigante.
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
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Campinas, 2007.
87
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DO JORNALISMO DO LITERÁRIO AO NEW
JOURNALISM CHEGANDO À POLÊMICA DO JORNALISMO GONZO
Wilson KRETTE JR.
Possui graduação em Jornalismo (1997), especialização em Gestão Educacional
(2002), Mestrado em Letras (2006) e é Doutorando no Programa de Educação, Arte e História
da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009).
Gestor Educacional e Professor Universitário.
1. O discurso jornalístico
No Brasil, o Jornalismo Literário recebeu definições díspares pelos teóricos.
Alguns entenderam-no como o período da história do jornalismo em que os
escritores assumiram cargos importantes na direção de um jornal, como articulistas,
cronistas ou autores de folhetins. Outros identificam esse gênero como uma
narrativa que se apropria de alguns conceitos da literatura, incorporando-os aos
textos das reportagens.
Esta é a linhagem com a qual nos identificamos, ou seja, entendemos como
Jornalismo Literário toda e qualquer narrativa que utiliza recursos da literatura em
textos jornalísticos.
Sobre o New Journalism ou Novo Jornalismo, os teóricos apontam que tal
gênero teve sua origem nos Estados Unidos. Eles se referem à geração de
jornalistas e também escritores norte-americanos dos anos 60, capitaneada por Gay
Talese e Tom Wolfe, entre outros. Apesar de ter surgido nas redações de jornais
americanos, conforme descreveremos a seguir, o gênero se espalhou rapidamente
e ganhou adeptos em todo o mundo. No Brasil, em 1966, o gênero é reconhecido
por alguns teóricos como tendo influenciado as reportagens da então revista
Realidade e também do Jornal da Tarde. Por conta disso, além de apresentarmos os
conceitos desse gênero, ainda mostraremos suas influências, ainda que pontuais,
nesses dois veículos de comunicação.
Por fim, abordaremos o Jornalismo Gonzo, até então, ainda pouco
estudado pelos teóricos. A bibliografia a respeito do tema é escassa, o que, de um
lado, dificultou esta pesquisa e, por outro, reafirmou a sua necessidade. Alguns
teóricos o definem como sendo uma versão mais radical do New Journalism (PENA,
2003, p. 56). Isto é, ele se apropria dos conceitos do New Journalism e apresenta
características complementares. Por conta disso, entendemos o Jornalismo Gonzo
como um gênero do discurso jornalístico, apesar de alguns teóricos não o
reconhecerem como tal. O argumento apresentado por esses teóricos é que o JG
está na contramão dos fundamentos do jornalismo que preza pela tão questionável
objetividade e neutralidade do jornalista em suas reportagens. Mas, mesmo sem o
reconhecimento de algumas correntes teóricas, o JG vem ganhando cada vez mais
espaço em jornais, revistas de grande circulação e em websites.
88
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
1.1 - Literatura e jornalismo: evolução e confluências
Antes de abordarmos os conceitos e as características do Jornalismo
Literário, apresentaremos uma perspectiva histórica do desenvolvimento do
jornalismo e da literatura de folhetim, que nos ajudará a entender a influência da
Literatura na imprensa detectada a partir dos séculos XVIII e XIX.
Ciro Marcondes Filho (2002) traça um quadro evolutivo da imprensa de 1631
aos dias atuais para definir em que período histórico inicia-se a influência da
literatura no jornalismo. A chamada pré-história do jornalismo deu-se, de acordo
com o autor, de 1631 a 1789. A produção dos jornais era artesanal e a forma
assemelhava-se ao livro. No período seguinte, de 1789 a 1830, surgem as primeiras
influências da literatura na imprensa da época. O conteúdo dos jornais tinha,
essencialmente, cunho literário e político. Os textos tinham teor assumidamente
crítico e a imprensa, de modo geral, era comandada por escritores, políticos e
intelectuais. Já no período seguinte, com o denominado segundo jornalismo, de
1830 a 1900, inicia-se o processo de massificação da imprensa, com a multiplicação
de publicações e o início da profissionalização dos jornalistas. Nessa época, iniciouse a exploração da publicidade, como meio de sustentação financeira dos jornais,
que passaram a assumir características mercantilistas.
O terceiro jornalismo, de 1900 a 1960, caracterizou-se pela chamada
imprensa monopolista. Fortes grupos editoriais monopolizavam o mercado editorial
brasileiro. O período também marcou as grandes tiragens, aumentando a aceitação
do leitor pelos veículos de comunicação. O quarto e último período definido pelo
autor vai de 1960 até os dias atuais. A principal marca foi o desenvolvimento da
informação eletrônica e interativa, que imprimiu velocidade na transmissão de
informação, valorização cada vez mais do visual e a crise da imprensa escrita.
O fato de os escritores de prestígio da época ocuparem posição de
comando nas redações, principalmente de 1789 a 1830, determinando a linguagem e
o conteúdo dos jornais, foi determinante para o surgimento do folhetim, um estilo
discursivo que é a marca fundamental da confluência entre jornalismo e literatura.
Os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam
no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível. O jornal
do comércio pagava as colaborações entre 30 e 60 mil réis; o Correio da manhã, a 50
(...) toda a melhor literatura brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala pela
imprensa. (SODRÉ, 1977, p. 28).
Um dos principais gêneros, responsáveis por esta migração dos escritores
para a imprensa, foi o folhetim. O termo que vem do francês feuilleton foi utilizado
pela primeira vez no Journal des Débats e tinha como principal característica um tipo
89
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
de suplemento dedicado à crítica literária e a assuntos diversos, marca fundamental
da confluência entre jornalismo e literatura.
A partir das décadas de 1830 e 1840, a imprensa adquiriu caráter mais
capitalista e popular, com o lançamento de publicações de narrativas literárias, o
que impulsionou as vendas e, conseqüentemente, passou a atingir um número cada
vez maior de leitores, dando à imprensa a tão almejada visibilidade social.
Muitos críticos alocam o folhetim como herdeiro do romance realista ou, na
verdade, como uma diferente forma de veiculação dos mesmos preceitos. E como o
realismo pode ser visto muito mais como uma atitude estética do que como um
gênero, tal aproximação é bastante factível. Se o conteúdo das obras expressava a
necessidade de conhecer a nova ordem social vigente, nada mais justo do que a
simbiose como o Jornalismo, também um retrato da época. (PENA, 2006, p. 29).
Algumas características apresentadas a seguir garantem ao gênero
folhetim a exclusividade narrativa do Jornalismo Literário:
- Linguagem simples e acessível a todas as classes sociais;
- Homogeneização cultural, recurso utilizado para facilitar a compreensão
com o uso freqüente de estereótipos e clichês, histórias de adultérios e amores
impossíveis, com o objetivo de arrancar lágrimas dos leitores;
- Plot ou ponto de virada do roteiro: no momento culminante da história, a
ação era interrompida e só continuada a partir do próximo capítulo, que só seria
resolvido na edição seguinte do jornal;
- Estética da redundância: os escritores usavam o recurso da repetição de
fatos passados para que o novo leitor pudesse entender a história e acompanhá-la a
partir daí;
- Intervenção constante dos leitores na história, por meio de cartas que
eram enviadas à redação sugerindo novos personagens, desfechos diferentes aos
do planejado pelo escritor, por exemplo.
Apesar das críticas que recebia, por conta de sua narrativa popularesca, o
folhetim ganhou reconhecimento de importantes críticos, como Edgar Morin e
Arnold Hauser. Para o filósofo francês Edgar Morin, “o estilo era socializante, na
medida em que destrói as barreiras sociais, dirigindo-se ao pobre e ao rico, ao culto
e ao ignorante, descrevendo com realismo a condição de vida dos deserdados e a
opulência dos grandes, abrindo os olhos do leitor para as injustiças mais gritantes”.
(Apud FREITAS, 2002, p. 118).
90
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Para o autor de História Social da Literatura, o crítico Arnold Hauser, “o
romance de folhetim significou uma democratização sem precedentes da Literatura
e um nivelamento quase absoluto do público leitor. Nunca uma arte foi tão
unanimemente reconhecida por tão diferentes estratos sociais e culturais, e
recebida com sentimentos t~o similares.” (Apud CHILÓN, 1999, p. 91).
Essas características consagraram vários escritores da história da literatura
universal, que tiveram participação efetiva nos jornais da época, seja como
articulistas ou como escritores de folhetins. Na França, o maior destaque foi Honoré
de Balzac; Victor Hugo, autor de Os Miseráveis; e Alexandre Dumas, que publicou no
jornal Le Siècle um dos maiores clássicos da literatura mundial, Os três mosqueteiros.
Na Inglaterra, Charles Dickens fazia reportagens-denúncias sobre o
parlamento inglês. Em Portugal, Camilo Castelo Branco e Júlio Diniz publicaram seus
romances, em formas de folhetim, nos jornais República, A Capital, Diário de Notícias,
Diário Popular e Diário de Lisboa. Na Rússia, grandes escritores também tiveram suas
histórias publicadas em folhetins, como foi o caso de Fiódor M. Dostoiévski e Liev
Tolstoi.
No Brasil, em 1897, o jornalista e escritor Euclides da Cunha pode ser
considerado um dos precursores, após a publicação de um artigo no jornal O Estado
de São Paulo sobre o povoado de Canudos. Ele foi enviado como correspondente
para cobrir dois meses de guerra no sertão baiano, de onde enviou 25 reportagens
ao jornal. Mais tarde, em 1902, publicou Os Sertões, que rapidamente se
transformou num best seller, traduzido para várias outras línguas, e um dos
clássicos da literatura brasileira.
Machado de Assis também foi uma importante figura da época para o
Jornalismo Literário. Ele colaborou intensamente nos jornais como cronista,
contista, poeta e crítico literário, tornando-se respeitado como intelectual antes
mesmo de se firmar como grande romancista.
Outros grandes escritores brasileiros da época passaram pela imprensa,
como, por exemplo, José de Alencar, Aloísio de Azevedo, Raul Pompéia, Joaquim
Manoel de Macedo, Visconde de Taunay, entre outros. A literatura e a
imprensa confundem-se até os primeiros anos do século XX.
Muitos dos jornais abrem espaço para a arte literária, produzem seus
folhetins, publicam suplementos literários. É como se os veículos jornalísticos se
transformassem numa indústria periodizadora da literatura da época. Esse aspecto
divulgador, oportunidade inovadora de chegar à coletividade, é o fator que atrai os
escritores. (LIMA, 2004, p. 174).
Na década de 1950, a narrativa literária deixa de ter destaque na imprensa e
passa a ocupar um espaço restrito, dedicado aos suplementos ou cadernos
91
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
literários, como eram chamados. Porém, essas publicações assim como o restante
do conteúdo publicado nos jornais deixaram de ter as características de narração
liter|ria para dar lugar ao chamado “jornalismo moderno”, que preza pela
objetividade e a concisão nos textos. Foi nessa época que surgiram métodos como
o lide (lead) e a pirâmide invertida, que passaram a fazer parte das características do
texto jornalístico.
Na história da imprensa mundial, alguns jornais mantiveram, em destaque,
suplementos literários, como é o caso do Le Monde, na França, que publicava o
caderno Le Monde des Livres. Ainda na França, o jornal Libération mantém o
suplemento Les Livres. O Inglês The Times publica o centenário The Times Literary
Supplement, que tinha a participação de grandes escritores e articulistas, como
Virginia Woolf e Charles Morgan.
Em Portugal, alguns dos importantes suplementos publicados foram o DN
Jovem, no Diário de Notícias; Mil Folhas, no jornal Público; e o Livros e autores, no
Diário de Lisboa. No Brasil, curiosamente, o título dos suplementos não trazem a
palavra livro, como é o caso do caderno Mais!, da Folha de S.Paulo; o caderno Idéias,
do Jornal do Brasil; e Proza e Verso, no O Globo. O jornal O Estado de São Paulo não
possui um suplemento exclusivo para esta função, apenas uma seção de livros. Por
meio dessa perspectiva histórica apresentada, que traçou um paralelo entre a
evolução do jornalismo e sua confluência com a literatura, foi possível entender que
desde o século XVIII a literatura esteve presente na imprensa, principalmente sob
dois aspectos: os escritores que passaram a trabalhar no jornal, em busca de maior
visibilidade; e também quando o jornalismo se apropria dos recursos literários para
reportar melhor a realidade. Isso ocorreu desde a publicação dos primeiros folhetins
e é percebido até os dias atuais.
É importante ainda ressaltar os mecanismos de estrutura da reportagem
que foram substituídos. No lugar da informação bruta e condensada, o Jornalismo
Literário propõe ampliar e potencializar os recursos do próprio jornalismo. Podemse enumerar alguns conceitos básicos que fazem parte de uma narrativa do
Jornalismo Literário. Segundo Felipe Pena, estudioso da área de Comunicação Social
(PENA, p.14), as marcas são as seguintes:
1) O jornalista adepto deste gênero não despreza as técnicas
convencionais de narrativa jornalística. Ele as desenvolve de tal forma que
consegue incorporar a narrativa literária em suas reportagens, mas
continua sempre fiel à apuração rigorosa dos fatos, à observação atenta, à
abordagem ética, entre outros fatores;
2) O apuro de observar a realidade sob um outro ângulo. O JL é
um gênero comumente empregado em diversas mídias de todo o mundo,
como jornais, revistas e websites. Porém, sua utilização é cercada de
controvérsias. No âmbito da doutrina jornalística tradicional, esse gênero
não tem aceitabilidade garantida. O argumento apresentado é que o
92
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
gênero se distancia da tão almejada objetividade e neutralidade jornalística
nas suas mais diversas expressões, como na notícia ou reportagem –
correspondendo a uma forma de discurso da imprensa do passado, quando
ainda não havia regulamentações e contornos jornalísticos delimitados.
Um dos procedimentos mais importantes para os jornalistas literários é a
imersão profunda no tema, objeto ou personagem sobre o qual vai escrever.
O gênero vem de longa data. No Brasil, em 1897, o jornalista e escritor
Euclides da Cunha pode ser considerado um dos precursores, com a cobertura da
guerra de Canudos para O Estado de São Paulo e a posterior publicação, em 1902, de
Os sertões.
Em 1960, nos Estados Unidos, o gênero iniciou sua expansão e ganhou
reconhecimento do leitor. Se comparado com o jornalismo tradicional, que busca a
objetividade da narrativa, o discurso do Jornalismo Literário não tem a preocupação
de legitimar-se através da utilização de recursos de controle da subjetividade, mas
sim de verossimilhança. Ao se basear na imersão do jornalista-enunciador na
realidade a ser transmitida ao alocutário, o Jornalismo Literário tem como maior
compromisso interpretar os fatos jornalísticos de forma integral e irrestrita e
retratar toda a subjetividade necess|ria { revelaç~o do conteúdo objetivo: “o
verossímil encontra-se em direta relação ao efeito de real discursivamente
construído. E credibilidade é sua contrapartida na ausência de uma verdade em
plenitude” (GOMES, 2000, p. 30).
1.2 - O New Journalism: a subjetividade de forma objetiva
Há controvérsias quanto ao marco inicial do New Journalism. Alguns
teóricos, como o professor Carlos Rogé, um estudioso do assunto, afirmam que o
termo foi utilizado pela primeira vez em 1887. Já o jornalista e escritor Tom Wolfe,
um dos precursores do NJ, afirma que desconhece quem classificou o gênero e
quando isso ocorreu. De qualquer forma, foi em 1962 que Tom Wolfe19 iniciou a
publicação de reportagens que o transformariam numa das figuras-chave do NJ, no
jornal New 18.
O termo, segundo o professor Carlos Rogé, foi utilizado pela primeira em
1887, porém, de forma jocosa para desqualificar o jornalista britânico WT Stead,
editor da Pall Mall Gazette. Em uma de suas reportagens, ele negociou a compra de
uma garota de 13 anos da própria mãe para denunciar a prostituição infantil. Por
conta dessa atitude, o jornalista foi preso por dois meses e foi duramente criticado
pela imprensa de um modo geral, que o intitulou de novo jornalista.
O jornalista e escritor, Tom Wolfe, doutorou-se em estudos americanos
pela Universidade de Yale. Escreveu livros de jornalismo e ficção, como Fogueira das
Vaidades e Um homem por inteiro, entre outros. É considerado um dos precursores
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
do New Journalism. Em 1975, publica o livro The New Journalism, uma espécie de
manifesto do gênero e, em seguida, Radical chique, o Novo Jornalismo.
York Herald Tribune. A partir daí, o gênero despontou, nos Estados Unidos,
como fruto de um período marcado por forte contestação social e cultural.
É importante observar que não se trata de um gênero absolutamente
inédito, e sim parte da evolução do Jornalismo Literário, uma vez que busca
inspiração na literatura de realismo social e nas manifestações literárias de caráter
informativo e factual e, portanto, jornalístico.
Talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um
romance.(...) O que me interessava não era simplesmente a descoberta da
possibilidade de escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao
romance e ao conto. Era isso – e mais. Era a descoberta de que é possível na não-ficção,
no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio
ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo tempo, ou dentro de
um espaço relativamente curto... para excitar tanto intelectual como emocionalmente
o leitor. (WOLFE, p. 28)
O jornalista Gay Talese, um dos importantes expoentes do gênero,
caracteriza o NJ como “uma abordagem mais imaginativa da reportagem,
possibilitando ao autor inserir-se na narrativa se assim o desejar, como fazem
muitos escritores, ou assumir o papel de um observador neutro, como os outros
preferem” (TALESE, 2004, p. 9).
O New Journalism incorporou os recursos literários ao costumeiro trabalho
de apuração e registro jornalísticos. Tom Wolfe (1975) enumera quatro principais
características do NJ: reconstituir a história narrada cena a cena; apresentar as
cenas pelos pontos de vista de diferentes personagens; a utilização de símbolos de
status; e registrar diálogos completos, editando-os o mínimo possível.
O jornalista explica que a construção cena a cena é necessária para a
contextualização dos fatos, numa sucessão de eventos cuja seqüência e
encadeamento formavam o chamado quadro dinâmico da narrativa. No que diz
respeito aos símbolos de status, o objetivo é descrever detalhadamente os
ambientes, de forma objetiva, bem como os comportamentos, expressões faciais,
hábitos, costumes, vestuário, decoração, enfim, tudo para que o leitor consiga se
transportar e vivenciar como se fosse um observador real do acontecimento
narrado.
O emprego de diálogos busca uma aproximação com a linguagem oral. Isso
ocorre por meio da transcrição fiel das falas entre o repórter e o entrevistado,
consideradas importantes para o entendimento da matéria.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Por último, Wolfe considera que o emprego aberto do ponto de vista e das
impressões pessoais do enunciador corresponde a uma subjetividade
declarada, que deixa explícita ao leitor que se trata da opinião de um narrador que
presenciou o fato.
Fazer reportagens nunca se torna mais fácil porque já fiz muitas. O problema inicial é
sempre abordar gente completamente desconhecida, penetrar em sua vida de algum modo,
fazer perguntas que você não tem nenhum direito natural de esperar que sejam respondidas,
pedir para ver coisas que não são para você ver, e assim por diante. (WOLFE, p. 83)
Dessa forma, o gênero vai ganhando novos adeptos e se expandindo, uma
vez que realiza imersões cada vez mais profundas no cotidiano da sociedade
americana, em constante ebulição e em processo de conflitos sociais e culturais,
bem como no universo íntimo dos personagens, sejam eles de destaque ou pessoas
comuns da sociedade, mas que tenham uma história interessante para ser contada.
O gênero reforça a insatisfação de muitos profissionais da imprensa com as
regras de objetividade do texto jornalístico, expressas, principalmente, na figura do
lead, um parágrafo-padrão de abertura.
Eu tinha a sensação, certa ou errada, de fazer coisas que ninguém havia feito antes
no jornalismo. Costumava imaginar a sensação dos leitores ao encontrar tudo aquilo rolando
num suplemento dominical.
E gostava da idéia. Tenho certeza de que muitos que faziam experiência com artigos
para revistas, começaram a sentir a mesma coisa. (...) Eles tinham desenvolvido o hábito de
passar dias, às vezes semanas, com as pessoas sobre as quais escreviam. Tinham de reunir todo
o material que o jornalista convencional procurava – e ir além. (...) a idéia era dar a descrição
objetiva completa, mais alguma coisa (...) especificamente, a vida subjetiva ou emocional dos
personagens. (WOLFE, p. 37)
O jornalista e escritor Truman Capote também é considerado uma figura
importante para a consolidação do NJ. Isso ocorre quando ele publica, em capítulos,
a reportagem intitulada A sangue frio, em 1965, na revista The New Yorker. A trágica
história de dois bandidos que assassinaram uma família em uma zona rural do
Kansas, nos Estados Unidos, é resultado de uma investigação de vários meses do
autor. Capote recriou diálogos interiores e reconstruiu a atmosfera de cada cena.
No ano seguinte, a mesma história é publicada em formato de livro-reportagem e
alcança grande sucesso de vendagem, o que colabora com a consolidação do New
Journalism (PENA, p. 53).
Nesse período, o NJ inicia, então, um processo de expansão que começa
pelos jornais Herald Tribune, como já havíamos citado; Daily News e The New York
Times. Algumas revistas dominicais de alguns periódicos também dão espaço ao
gênero, como a New York e as consideradas mais independentes The New Yorker e
Esquire. Mais tarde, será lançado o livro-reportagem, como abordarmos.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O gênero também rompe as fronteiras dos Estados Unidos e chega
rapidamente a outros países como, o Brasil. Aqui, a revista Realidade, considerada
um dos marcos de transformação da imprensa brasileira foi a primeira sofrer
influências do gêneros.
Por conta de sua importância nesse cenário e da ruptura para com o
próprio texto do jornal e da revista até então empregado na imprensa brasileira, o
referido periódico imprimia também um novo estilo editorial no país. A revista trazia
a abordagem de temas comportamentais considerados polêmicos como drogas,
racismo, prostituição, entre outros.
Há um certo consenso entre historiadores e jornalistas sobre o caráter de
vanguarda da revista. O professor e pesquisador Edvaldo Pereira Lima, por
exemplo, considera a revista Realidade a mais significativa experiência estilística
vivida pelo jornalismo brasileiro. Em suas palavras:
Realidade primou pelo texto solto que rompia com as fórmulas tradicionais do
jornalismo no Brasil (...) Não encontramos nas edições até 1968 propostas tão radicais quanto o
fluxo de consciência, por exemplo. Geralmente, também não havia alternância entre vários
pontos de vista numa mesma matéria (...) uma das características do “estilo Realidade” é que
não havia estilo uniforme padrão. Cada profissional que procurasse a sua forma de expressão,
mais indicada para cada circunstância. Por isso as reportagens tinham seu toque de
individualidade e o que dava unidade de estilo à revista é que todos primavam pela
experimentação estética. Realidade era uma revista de sabor, as matérias tinham de encontrar
a sua forma de canalizar e reproduzir o contato visceral com a vida. (LIMA, 2004, p.230)
Para justificar a importância desse veículo e apontar traços do New
Journalism em suas reportagens, o acervo do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do Estado de São Paulo revelou grandes surpresas e contribuições a esta pesquisa.
Lá foi encontrado um depoimento histórico de José Hamilton Ribeiro, redadorchefe da Revista Realidade. Os trechos relatados a seguir foram extraídos, na
íntegra, do depoimento desse jornalista ao jornal Unidade, ano I, nº 8, em março de
1976.
Era abril de 1966, e o convite para Realidade já vinha até com pauta pronta:
- Você vai ser preto por um mês.
A proposta dessa reportagem: eu me submeteria a um tratamento médico que me
deixaria preto e, como preto, viveria normalmente durante um mês – uma proposta
entusiasmante e irrecusável, ia ser uma das características da nova revista: matérias nascidas
em grande criatividade e para serem “vividas” profunda e corajosamente. E depois transcritas
com toda “verdade” possível. Daí o nome: Realidade. (...)
Arranjei primeiro um dermatologista da USP, em São Paulo, que ia – através de
remédios, de banhos de infra-vermelho e outros recursos - fazer minha pele escurecer. Não deu
certo. Tentei um professor da Medicina de Ribeirão Preto, também não deu certo.
Como eu não conseguia ficar preto por dentro, resolvemos tentar por fora: o maior
maquiador brasileiro me fez um imenso crioulo por uma noite, e foi até divertido; mas não deu
matéria. Realidade exigia muito mais.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Minha primeira reportagem na revista “furou”, mas o “amor” repórter-revista já
estava selado. Eu iria viver, em Realidade, os meus mais emocionantes, mais premiados e mais
dramáticos dias de jornalista brasileiro.” (RIBEIRO, 1976)
Mais à frente, José Hamilton Ribeiro passou de repórter a vítima de seu
próprio estilo de reportagem. Ele acabou virando notícia de capa em uma das
edições da publicação. Pautado para a cobertura da guerra do Vietnã, pisou em uma
mina terrestre que detonou, levando uma de suas pernas. A reportagem de Ribeiro
foi o dramático diário de sua tragédia pessoal, na qual relatava, em detalhes, os
horrores de uma guerra.
Nas entrevistas apresentadas, é possível identificar as marcas conceituais
do New Journalism. O repórter aparecia imerso dos pés à cabeça no real.
Por conta dessa proposta ousada e inovadora de se fazer jornalismo na
época, Realidade ganhou sete prêmios Esso de Jornalismo.23 Um deles foi por conta
de uma edição especial da revista sobre a Amazônia, em 1972. De acordo com o
próprio site do referido prêmio,24 “esta reportagem foi uma das mais completas
descrições já feitas do universo amazônico, mobilizou 16 jornalistas em
deslocamentos mata a dentro e visitas a mais de uma centena de cidades, num
percurso maior que o de uma viagem à Lua. Da Amazônia, trouxeram 30 mil
fotografias, incontáveis relatos de uma visão de contrastes onde 1,5 milhão de
pessoas vivia uma existência de miséria sobre a riqueza mitológica do solo”.
1.3 - Jornalismo Gonzo: a versão mais radical do New Journalism
Como já foi dito anteriormente, os gêneros do discurso jornalístico
apresentados neste trabalho não se excluem, tampouco têm limites rígidos
definidos. Eles se complementam ao se apropriarem das características dos outros e
ao apresentarem sempre aspectos novos, o que permite diferenciá-los. Quer dizer,
o JL absorve os elementos da narrativa literária, pois incorpora aspectos de sua
própria natureza e consolida-se num gênero altamente difundido atualmente, como
já foi notado. Num passo seguinte, o New Journalism se apropria de todas as
características do Jornalismo Literário e apresenta outras, inéditas, para sua
composição. Dentre as inovações, podem-se destacar as seguintes: imersão
completa do jornalista no fato a ser narrado de tal modo que pudesse recriar em sua
narrativa todos os ângulos da história, a reprodução fiel dos diálogos dos
personagens e a descrição objetiva do local com requintes de detalhes No começo
da segunda metade da década de 1960, quando o New Journalism estava em alta,
surge paralelo a este gênero, o Jornalismo Gonzo ou Gonzo Journalism. O gênero
também absorve características do Jornalismo Literário e ainda do New Journalism e
apresenta outras inerentes a sua própria configuração.
O JG se trata de uma vertente do New Journalism, criada e popularizada por
Hunter S. Thompson, repórter da revista americana Rolling Stone. O gênero
se expandiu rapidamente por outros veículos, principalmente revistas como
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Playboy, Rolling Stone, San Francisco Chronicle, Esquire, Vanity Fair, entre outras. Ele
extrapolou as publicações norte-americanas e influenciou diversas outras pelo
mundo afora, inclusive o Brasil. Mesmo com essa rápida ascensão nos veículos de
comunicação, a bibliografia a respeito do tema é escassa. O assunto aparece em
algumas obras que tratam do Jornalismo Literário, mas apenas em capítulos
específicos. Também denominado jornalismo fora-da-lei, jornalismo alternativo e
cubismo literário, o gênero criado por Thompson tem como principal característica
a ruptura com os padrões convencionais do jornalismo. Como ele mesmo define:
Jornalismo Gonzo consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo
de elaboração da matéria. Não se procura um personagem para a história; o autor é o próprio
personagem. Tudo que for narrado é a partir da visão do jornalista. Irreverência, sarcasmo,
exageros e opinião também são características do Jornalismo Gonzo. Na verdade, a principal
característica dessa vertente é escancarar a questão da impossível isenção jornalística tanto
cobrada, elogiada e sonhada pelos manuais de redação. (THOMPSON, 2004b)
Hunter S. Thompson identifica pelo menos três características essenciais a
esse gênero jornalístico:
1)
O processo de captação dos fatos não se restringe apenas à
observação e à apuração dos fatos. O jornalista gonzo deve vivenciar a experiência,
tornando-se parte do objeto de sua reportagem, podendo, inclusive, alterar o
destino da história;
2)
É permitido o uso de personagens e situações fictícias na história caso
contribua para o aumento do nível de informação ao leitor;
3) A narração deve ser feita sempre na primeira pessoa. A intenção é
imprimir legitimidade às histórias contadas pelo jornalista, transformando-o numa
espécie de jornalismo confessional.
Nota-se que tais parâmetros fogem completamente do apregoado no
moderno jornalismo, marcado pelos parâmetros do lead e da pirâmide invertida. A
palavra lide provém do inglês lead, que significa “comando”, “primeiro lugar”,
“lidear, “guiar”, “induzir”, “encabeçar”. O lead é o primeiro parágrafo da notícia em
jornalismo impresso, ainda que possa haver outros leads em seu corpo. O lead torna
possível, ao leitor que normalmente dispõe de pouco tempo, tomar conhecimento
do fundamental de uma notícia de forma rápida e condensada leitura do primeiro
par|grafo. Sua leitura pode também “fisgar” o interesse do leitor e persuadi-lo a ler
até o final, mas não se pode correr o risco.
No moderno jornalismo, essa técnica foi aplicada por facilidades comerciais.
Ela facilita a diagramação e a paginação: se a matéria estourar, em razão de
espaços maiores destinados à publicidade (o que sustenta qualquer publicação, de
fato), podem ser cortadas as suas linhas de baixo para cima, sem prejudicar o
sentido do texto. Como recomenda Luiz Amaral em seu manual de jornalismo: “Os
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
fatos principais encabeçam o texto; vêm, em seguida, os fatos de importância
intermediária; e o final do texto comporta, apenas, informações que, de nenhum
modo, alteram a compreens~o da notícia” (AMARAL, 1969, p. 200).
O lead deve informar quem fez o quê, a quem, quando, onde, como, por
que e para quê. Para o jornalista e pesquisador Nilson Lage, na obra Estrutura da
notícia, o lead é uma proposição completa no sentido aristotélico, já que contém: o
sujeito, um sintagma nominal; o predicado, ou seja, um sintagma verbal; e as
circunstâncias ou sintagmas circunstanciais. Segundo essas regras, um lead não
pode ser começado por verbo, mas sim pelo sintagma nominal ou circunstancial
mais importante (LAGE, 1985, p. 31). Para o Manual da “Folha de S.Paulo”, a abertura
ideal de uma matéria se dá com um lead noticioso, capaz de “responder {s questões
principais em torno de um fato”.
Além de Lage, outros estudiosos como Francisco Karam (2000), também
acreditam que as bases da notícia estruturada como pirâmide invertida estariam na
Antigüidade greco-romana. Cícero, na obra De Inventione, relaciona aspectos
essenciais para que a comunicação fosse transmitida com a melhor eficácia possível.
Para isso deveriam ser respondidas as seguintes indagações: quem (quis/persona), o
quê (quid/factum), onde (ubi/locus), como (admodum/modus), quando
(quando/tempus), com que meios ou instrumentos (quibus adminiculis/facultas) e
por quê (cur/causa)? Dessa forma, Cícero teria instituído o paradigma da exposição
dos acontecimentos.
A origem da pirâmide invertida e do lead é reivindicada por norteamericanos e ingleses. A primeira notícia redigida com essa estrutura teria sido no
The New York Times, em 1861. No Brasil, o lead foi utilizado pela primeira vez na
redação do jornal Diário Carioca, sob a chefia de redação de Pompeu de Souza e ao
chefe de reportagem Luís Paulistano, conforme relato o historiador Nelson
Werneck Sodré (1977, p. 396).
Contrariando todas essas práticas, o JG se propagou pela mídia impressa
brasileira e não só ela. O JG está difundido em diversas mídias: jornal, revista,
televisão e internet. Os blogs também se tornaram grandes divulgadores desse
gênero, pois permitem ao usuário publicar tanto diários virtuais quanto matérias
jornalísticas específicas na rede mundial de computadores.
O gênero tem como um dos mais importantes representantes no Brasil o
jornalista Arthur Veríssimo, da revista Trip. Em entrevista publicada no site do
Observatório da imprensa, um importante e reconhecido canal de discussão da
imprensa brasileira, Arthur Veríssimo aponta algumas características do JG sob a
ótica de um repórter que se dedica, exclusivamente, a explorar em suas
reportagens os conceitos mais marcantes desse gênero.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Destacamos a seguir alguns trechos da entrevista realizada com o
jornalista.
Seu depoimento revela, por si só, alguns traços marcantes da práxis do JG,
como o sarcasmo, a provocação e a irreverência.
O gonzo que a gente recriou dentro das possibilidades editoriais da Trip foi fazer um
tipo de jornalismo que fosse degustativo para os jovens. Pois é entretenimento aquilo.
Antropologia com entretenimento. Sempre querendo saber até onde pode chegar esse tipo de
jornalismo. É preciso entrar no corpo a corpo, aí é que você aprende realmente. No tipo de
reportagem que faço, tento resgatar grandes pesquisadores, como Marco Pólo, Darwin e
outros. (...) Eu tento levar uma reportagem que mexa com os sentidos. Tento buscar sempre
um jeito de despertar. Tirar a pessoa do lugar comum. Por exemplo, ele está no metrô lendo a
matéria, no avião, na privada, criando ruídos dentro dela. Senão, pra que é que eu estou
fazendo alguma coisa? (...)
Um cara que me influenciou bastante foi o Gilberto Felisberto Vasconcellos.
Um cara top é Cláudio Tognolli, com as suas investigações. E outro foi Pepe Escobar,
que também me influenciou muito e que, pra mim, é um ícone do jornalismo
brasileiro. E assim vai.
A turma do Pasquim remete muito ao Jornalismo Gonzo. Eu devorava esse
jornal, as revistas Manchete, Realidade (...). Na verdade, eu acho que a gente deve
produzir, fotografar, se pautar, pagar e temos, às vezes, que maquiar as situações.
(OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA.Disponível em:
www.observatoriodaimprensa.com.br)
A narração em primeira pessoa, uma das características do Jornalismo
Gonzo, aproxima o locutor do fato narrado, imprimindo maior legitimidade à
narração. O subjetivismo tão criticado pelas escolas tradicionais de jornalismo aqui é
posto de forma explícita, porque o locutor narra e incorpora à matéria todas as suas
impressões pessoais.
Mais do que um narrador sincero, a utilização da primeira pessoa implica na
subjetividade explícita.
Na opinião de muitos historiadores e especialistas em comunicação social,
foi efêmera a fase de apropriação do padrão alternativo por parte da grande
imprensa no Brasil. Ela se resumiu às experiências dos anos 70. Hoje as regras de
mercado e a influência norte-americana imperam:
Além das implicações políticas, o abandono do imaginário alternativo pelo novo
Projeto Folha marca a ascensão de todo um novo imaginário, auto-proclamado pós-moderno,
que contém entre seus elementos definidores a própria rejeição da possibilidade da utopia, da
necessidade de uma ética. (KUCINSKI, 1991, p. 127)
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Dessa forma, consideramos que o Jornalismo Gonzo vai na contramão da
maré de modernização da imprensa brasileira, que desvaloriza o jornalismo
romântico e de profundidade.
O Jornalismo Gonzo desmascara o simulacro de realidade imposta pela
grande mídia e faz relembrar a m|xima lingüística de que o homem só existe “na” e
“pela” linguagem. A palavra reflete os fatos, mas também os prismatiza. A
reportagem gonzo oferece ao leitor aventura e conhecimento. E a verdadeira
viagem não consiste em chegar a novas terras, mas em ver com novos olhos.
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Acesso em: 06 nov. 2006.
JORNAL COMO TRIBUNA: A VOZ DE FRANCISCA SENHORINHA DA
MOTTA DINIZ
Aparecida Maria NUNES
Doutora em Letras/USP29
1. O cenário de lutas
Durante o século XIX, alguns jornais dedicados às mulheres começavam a
surgir no Brasil. Determinados títulos já traziam no nome o público-alvo ao qual se
destinavam (Jornal das famílias), um adorno feminino (O espelho das brasileiras) ou
algo que identificasse o universo da mulher (Correio das modas). Mas, apesar dessa
estratégia e da segmentação do mercado, muitos desses veículos eram fundados e
dirigidos por homens e, não raro, as matérias eram ainda escritas por redatores que
adotavam pseudônimos femininos para conferir autenticidade às publicações. É o
caso do escritor Cláudio de Souza que assinava os editoriais da Revista feminina
(1914-1936), publicada em São Paulo e distribuída em todo o Brasil, sob o
pseudônimo de Ana Rita Malheiros.
A contrapartida também se dá, quando algumas mulheres mais ousadas
resolveram publicar, décadas mais tarde, suas idéias e seus textos literários. Como
tal produção – a feita por mulheres – era vista com descaso pela sociedade, muitas
se apresentavam com identidade masculina.
No entanto, na segunda metade do século XIX, a luta pelo direito à
educação das moças e a mobilização pelo voto da mulher motivaram, ao mesmo
29
Docente e pesquisadora da Universidade Federal de Alfenas – Unifal/MG
105
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
tempo, a criação de veículos de expressão feminista e a voz de mulheres que
fizeram da imprensa a tribuna para angariar simpatizantes às causas adotadas.
Por essa ocasião, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco já
contavam com uma imprensa combativa e atuante. Ao contrário do jornalismo
praticado em Minas Gerais, que ainda era conservador, talvez, pela imprensa ter
surgido por tais terras de maneira tímida e demorada, muitas vezes sustentada pelo
debate político e pela luta de poder. Razão essa que também explica a profusão de
periódicos e a vida efêmera da maioria deles. Mas existem exceções. O astro de
Minas, de São João Del Rei, por exemplo, circulou de 1827 a 1839 e saía as terças,
quintas e sábados. E é da mesma tipografia que surge O mentor das brasileiras (18291839), o primeiro periódico mineiro voltado ao público feminino, a exemplo do
precursor carioca O espelho diamantino, lançado em 1827. De tendência políticoliberal, O mentor das brasileiras era feito por mulheres. Impetuoso, o jornal não
poupava nem D. Pedro I, a quem registrou severas críticas em meio a assuntos
relacionados à literatura e educação. Nas suas 129 edições, o Mentor já, naquela
época, vale ressaltar, se destacava por defender a presença feminina na vida
pública.
A cidade de Campanha, a mais antiga do sul de Minas Gerais, no entanto, foi
uma das primeiras localidades brasileiras a possuir imprensa e a instaurar a prática
do debate político por meio das páginas dos jornais. Alguns de seus periódicos,
inclusive, chegaram a adquirir projeção nacional nos oitocentos. Portanto, desde o
surgimento do Opinião campanhense, em 1832, até o advento de Colombo (18731875), periódico representativo do Partido Republicano do sul das Minas, pode-se
ler as inquietações que motivaram a passagem da escravatura à abolição, do
Império à República, e a luta pela igualdade de direitos para o sexo feminino.
Durante os oitocentos, a cidade de Campanha se tornou o centro
propagador das idéias separatistas. Personalidades eminentes, políticos e escritores
uniram-se através de projetos parlamentares e da imprensa, para insuflar a
proposta de desmembramento do território sul mineiro, a fim de criar nova unidade
administrativa na região. Para tanto, O monitor sul mineiro, monarquista e
conservador, semanário dirigido por Bernardo Saturnino da Veiga e seus irmãos, no
período de 1872 a 1896, teria, entre outras propostas de sua linha editorial, o
objetivo de propagar o movimento separatista no sul de Minas.
Nesse cenário de lutas políticas e atento ao projeto civilizatório,
amplamente adotado na Europa, de veicular na imprensa valores e idéias capazes
de sensibilizar o público leitor, surge o semanário O sexo feminino, contemporâneo
a O monitor sul mineiro, igualmente combativo e de proposta bem definida: a
emancipação da mulher pela educação intelectual.
106
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
2. Francisca e seu semanário
De reconhecida cultura e ousadia, amiga de D. Pedro II, a professora
primária Francisca Senhorinha da Motta Diniz lança, edita e redige com regularidade
seu seman|rio, “dedicado aos interesses da mulher”, com a tiragem de 800
exemplares, todos vendidos por assinatura, naquele 1873, na cidade de Campanha.
Apesar de ser referência na imprensa feminina, citada inclusive por Gondin
da Fonseca como uma das primeiras feministas brasileiras, pouco se sabe sobre
Francisca Senhorinha. As escassas informações biográficas registram apenas que a
professora é natural de São João Del Rei e filha de Eduardo Gonçalves da Motta
Ramos e de Gertrudes Alves de Mello Ramos. E que, de seu casamento com o
advogado José Joaquim da Silva Diniz, teve duas filhas: Albertina e Elisa.
Mesmo longe da efervescência cultural e política da corte no Rio de
Janeiro, Francisca Senhorinha não se intimida em lançar seu jornal de combate no
interior mineiro. E diante de uma “feliz coincidência”, como ela mesma expressa em
texto de apresentação do primeiro número, quando então se comemorava 51 anos
de liberdade ao jugo colonial, a data – 7 de setembro - também serviria para marcar
uma época não menos memorável, conforme frisa a jornalista: a independência do
sexo feminino. Empreendedora, Francisca Senhorinha não só idealiza seu
semanário, definindo a linha editorial, como se arrisca a divulgar suas idéias na
imprensa, mediante um jornal que já levava no nome – O sexo feminino – a sua
proposta ideológica. Francisca, portanto, não se limita aos papéis de esposa e
professora. Acredita que através da mídia daquele tempo poderia mobilizar mais
simpatizantes para a bandeira de emancipação da mulher. Por isso, aproveita a
tipografia do marido José Joaquim, também proprietário do jornal O Monarchista,
para lançar seu semanário em quatro páginas, obedecendo ao padrão gráfico da
época.
A proposta de Francisca Senhorinha não era nova. Seguia, de certa forma, a
linha de outros periódicos antecessores seus, como O jornal das senhoras, fundado
em 1º de janeiro de 1852, pela argentina Joana Paula Manso de Noronha e O belo
sexo, em 1862, redigido por Julia de Albuquerque Sandy Aguiar. Ambos editados no
Rio de Janeiro. E em São Paulo, Josefina Álvares de Azevedo lança A família, em
1863. Vale relembrar que, na primeira metade do século XIX, já havia, mesmo que
timidamente, uma imprensa direcionada à mulher no Brasil. É o caso de O espelho
diamantino, no Rio de Janeiro, e O espelho das brasileiras, em Recife. Mas todos eles
fundados e dirigidos por homens.
O ambiente da corte no Rio de Janeiro parecia ser propício para o
surgimento de outros jornais, ainda que de vida efêmera, na linha reivindicatória
dos direitos das mulheres. E foi justamente nesse cenário de lutas entre-séculos
que se destaca o espírito de iniciativa de Francisca Senhorinha que nos permite
saber mais sobre as próprias mulheres e das estratégias que adotaram para se
107
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
expressar publicamente – num tempo em que o acesso ao conhecimento e à
ilustração era privilégio de uma elite sobretudo masculina. No entanto, conforme
Maria Lúcia Palhares-Burke, a imprensa oitocentista fazia parte do cotidiano tanto
de letrados quanto de analfabetos. Em 1872, apenas um quinto da população livre
era instruída. Mas havia o hábito da leitura dos jornais em voz alta, o que favorecia o
acesso ao debate de idéias pelos não-alfabetizados, que acabavam sendo
mobilizados pela ideologia da mídia da época.
Francisca Senhorinha estava ciente de possíveis retaliações assim que
circulasse o primeiro número de O sexo feminino. E tal era a força expressiva de seu
discurso que, logo na primeira p|gina da ediç~o inaugural, sob o título “A educaç~o
da mulher”, a jornalista adverte estar preparada para reações irônicas e
perseguições infundadas. Ela escreve:
Zombem muito embora os pessimistas do aparecimento de um novo órgão
de imprensa – O Sexo Feminino; tapem os olhos os indiferentes para não verem a
luz do progresso, que, qual pedra desprendida do rochedo alcantilado, rola
violentamente sem poder ser impedida em seu curso; riam os curiosos seu riso
sardônico de reprovação à idéia que ora surge brilhante no horizonte da cidade de
Campanha; agourem bem ou mal o nascimento, vida e morte do Sexo Feminino;
persigam os retrógrados com seus ditérios de chufa e mofa nossas conterrâneas,
chamando-as de utopistas: O Sexo Feminino aparece. Há de lutar e lutar até morrer;
morrerá talvez, mas sua morte será gloriosa e a posteridade julgará o perseguidor e
o perseguido.30
E foi assim que o jornal O sexo feminino acabou se constituindo em um dos
periódicos do gênero de maior duração e sucesso. Sua trajetória passou por três
fases.
A primeira, de 07 de setembro de 1873 a 07 de setembro de 1874, em
Campanha da Princesa, Minas Gerais, com assinantes em diferentes cidades,
totalizando 45 edições.
A segunda fase, de 22 de julho de 1875 a 02 de abril de 1876, na cidade do
Rio de Janeiro, para onde Francisca Senhorinha se transfere com a família e onde
também, é importante esclarecer, foram impressos mais quatro mil exemplares dos
primeiros dez números para atender os novos assinantes cariocas. Nesse período, o
jornal passa inicialmente a ser impresso na Tipografia e Livraria de Lombaerts e
filhos, localizada na Rua dos Ourives nº 7. Os Lombaerts editavam o periódico La
saison31, que trazia pinturas, gravuras e grande número de moldes para moda. Para
30
A ortografia foi atualizada.
O livreiro Jean Baptiste Lombaerts, juntamente com seu filho, Henri Gustave – ao contrário dos
irmãos Laemmert, Eduardo e Henrique, que editavam O correio das modas, além de dominarem o
mercado de livros –, optaram por trabalhar com jornais e revistas importadas. A Livraria e Tipografia
Lombaerts era a responsável pela importação e revenda no Brasil do periódico francês La saison,
31
108
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
quem assinasse conjuntamente O sexo feminino e La saison, que vinha com uma
versão em língua portuguesa, explicando o texto francês, tinha redução no preço.
Mas, em 17 de outubro de 1875, a edição de nº 12 do periódico de Francisca passa a
ser impressa na Tipografia Americana, na Rua dos Ourives nº 9. A segunda fase do
periódico completa, assim, 22 edições, quando Francisca anuncia aos seus
assinantes que o jornal terá sua periodicidade modificada para mensal, pelo fato de
ter sido acometida pela febre amarela, junto com a família, e, por isso, ficaria
ausente da Corte temporariamente.
Na terceira fase do jornal, de 02 de junho de 1889 a 18 de agosto de 1889,
totalizando 8 edições, Francisca já se encontra na Rua do Lavradio nº 101. E o jornal
passa a ser impresso na Tipografia de Machado & C., da rua Gonçalves Dias nº 28.
Depois disso, a redatora se entusiasma com a Proclamação da República e
altera o nome do periódico para O quinze de novembro do sexo feminino, com
periodicidade quinzenal, a partir de 15 de dezembro de 1889, em sua edição de nº 12,
com sede na capital federal, da Rua do Lavradio novamente, mas no nº 24,
transferindo tempos depois a redação para a Rua do Senador Euzebio nº 78,
quando, então, passa a defender com maior empenho o direito das mulheres ao
estudo secundário e ao trabalho. É por essa ocasião, pois, que a jornalista passa a
denunciar a educação mesquinha oferecida às meninas. Nessa fase do jornal, a
última edição resgatada, data de 30 de setembro de 1890. E, nesse período, o jornal
é impresso na Tipografia Montenegro, da rua Nova do Ouvidor nº 16,
primeiramente, e, depois, na Mont’Alverne a Vapor, da Uruguaiana nº 43.
3. Francisca e suas paginas
Mas, voltando ao lançamento do jornal em 1873 e aos editoriais polêmicos
escritos pela própria Francisca, sua grande luta, podemos dizer, na imprensa, foi a
de encontrar um veículo capaz de propagar a necessidade de educação da mulher,
que não podia ficar restrita ao mero papel decorativo do lar, como “boneca de
luxo”. A fim de explicitar seu raciocínio, Francisca Senhorinha, ainda nesse primeiro
editorial, frisa:
O século XIX, século das luzes, não se findará sem que os homens se convençam de
que mais da metade dos males que os oprimem é devida ao descuido que eles tem tido da
impresso por Gustave Lyon Societé Anonyme em Paris. Segundo Marlyse Meyer, La saison circulou
no Brasil entre 1872 e 1878. Periódico de prestígio que publicava a moda de Paris, La saison, no Brasil,
vinha acompanhada de um suplemento em português, produzido por Lombaerts. Mas foi somente
em 15 de janeiro de 1879 que o livreiro passou a editar uma versão brasileira, chamada A estação:
jornal ilustrado para a família, lançada no Rio de Janeiro. A Estação dividia-se em duas partes: o
“Jornal de modas” e a “Parte liter|ria”. A primeira era importada, traduzida da revista alem~ Die
Modenwelt , publicada pela editora Lipperheide de Berlim. A parte literária, por exemplo, contou com
a publicação em forma de folhetim do romance Quincas Borba, de Machado de Assis.
109
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
educação das mulheres, e ao falso suposto de pensarem que a mulher não passa de um traste
em casa.
É importante observar que O sexo feminino mantém discurso coerente com
a proposta apresentada no título do semanário, definindo ainda seu público-alvo – a
mulher – em época na qual a indústria cultural não tinha se constituído nem se
segmentado. Mas que, atendendo a uma característica própria da estética da
imprensa feminina de combate, já deixa evidente o conceito de imprensa sexuada,
ao conclamar a interlocutora para as lutas aos direitos e às responsabilidades das
mulheres, como o direito à alfabetização, à escola secundária e aos estudos
superiores, direito às carreiras proibidas e ao trabalho remunerado.
Francisca incita, então, sua leitora a olhar para si mesma e a definir o papel
que a mulher representa na sociedade. Diz ser a mulher dotada das mesmas
faculdades do homem e que, para ser também boa mãe de família, deve instruir-se.
Por isso conclama sua interlocutora (ou seu interlocutor) a vir para a imprensa, para
reagir contra o despotismo masculino. Admite que é somente pela discussão,
notadamente a veiculada pela imprensa, que serão capazes de persuadir a opinião
pública até a conquista do ideal de emancipação da mulher.
Os ideais difundidos por Francisca Senhorinha tiveram a acolhida de outros
órgãos da imprensa brasileira. A redatora, inclusive, fez questão de agradecer nas
próprias páginas de O sexo feminino as matérias que fizeram referência ao seu
jornal. Por essas notas de agradecimento, se percebe a teia dos relacionamentos
travados entre Francisca e os editores de outros periódicos representativos dos
oitocentos, bem como da repercussão de certas pautas. A República, O Itajubá,
Diário de Minas, Echo de Minas, Mosquito e os campanhenses Monitor sul mineiro,
Monarchista e Colombo foram alguns dos que teceram comentários sobre o trabalho
editorial da professora.
Francisca, em alguns momentos, chegava a publicar o texto original de
outros jornais sobre a importância de sua iniciativa em defender a educação da
mulher. É o caso da adesão manifestada pelo jornal República (edição nº 744), que
enaltece os serviços prestados pelo semanário não somente ao sexo feminino, mas
também ao país, preconizando até, caso se prestasse o apoio necessário a
Francisca, estar Campanha na vanguarda do progresso mineiro. A matéria fala do
entusiasmo com que a editora se lança na arena da imprensa e da firmeza com que
discute a causa da mulher, na luta para adquirir instrução e para se libertar do
ambiente opressor em que vive, cercada de preconceitos, de falta de recursos e
inclusive de “mortífero sarcasmo”. O par|grafo inicial do texto, contudo, merece
ainda atenção pelo perfil que delineia da editora de O sexo feminino.
Acompanhemos, pois:
Com prazer registramos hoje em nossas colunas um fato que vem confirmar
essas verdades: apenas a Escola do Povo ergue a voz em favor dos direitos da mulher, a
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
cidade de Campanha, em Minas Gerais, vê surgir na imprensa um órgão intitulado O
Sexo Feminino, para sustentar aquelas idéias: e, o que mais é, esse periódico é redigido
por uma senhora, uma distinta professora, auxiliada em seu empenho por muitas
outras senhoras distintas daquele torrão tão feliz que já tinha filhas capazes de sentir e
de sustentar os seus direitos.
É importante ressaltar que a repercussão favorável à criação de O sexo
feminino pelos periódicos representativos da imprensa oitocentista tinha homens
por redatores e profissionais da expressão de um Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo
e Manuel Vieira Ferreira. Além do mais, Francisca Senhorinha revela ser detentora
de uma rede de relacionamentos privilegiada, que corrobora seu trabalho e seu
prestígio. Francisca tinha contatos com pessoas influentes da Corte e, por meio da
troca de periódicos, mantinha aproximações com vários intelectuais, a exemplo de
José Carlos Rodrigues, editor do jornal O novo mundo, publicado nos Estados
Unidos.
O semanário também designava espaço a produções literárias, muitas
vezes traduzidas do francês pelas filhas de Francisca: Albertina e Amélia32. Outras
mulheres colaboravam igualmente com artigos ou poemas, que sempre obedeciam
à linha editorial do semanário, ancorada em temas referentes à religião, educação e
emancipação da mulher. Mas, a poetisa Narcisa Amália de Campos, abolicionista
simpatizante de Nísia Floresta, é colaboradora constante e das mais importantes na
luta pelos direitos da mulher e dos oprimidos em geral. A poetisa de Nebulosas,
considerada ainda a primeira mulher a se profissionalizar como jornalista no Brasil,
foi uma das personalidades que recebeu a admiração expressa de Francisca, na
edição de 11 de outubro de 1873, de O sexo feminino. Narcisa Amália é elogiada como
“uma das penas mais h|beis que tem aparecido na imprensa di|ria da Corte”, sendo
poetisa distinta, literata não vulgar e talento transcendental. Narcisa Amália, finaliza
Francisca Senhorinha, “est| acima de qualquer elogio que a pena mais bem aparada
possa tecer”. Palavras essas que v~o ao encontro, de alguma maneira, das de
Machado de Assis que também enaltecia a “pena delicada e fina” com que Narcisa
escrevia.
Depois da proclamação da República, porém, o entusiasmo de Francisca
Senhorinha cede à desilusão manifesta com os novos tempos, cujos propagandistas
republicanos asseguravam a legitimação dos direitos femininos. Mas, meses depois,
a própria Francisca anunciava nas páginas de seu jornal que a República havia
mostrado a sua verdadeira face, qual seja, a da manutenção dos preconceitos e das
práticas discriminatórias contra a mulher, motivando um retrocesso.
32
Não se sabe ainda quantas filhas de fato Francisca Senhorinha teve. Alguns dicionários comentam
que, de seu casamento com José Joaquim da Silva, teve duas filhas: Albertina Diniz e Elisa Diniz
Machado Coelho. Mas, nas páginas de O sexo feminino, aparece o nome de Amélia A. Diniz,
assinando artigos em nome do jornal, traduzindo textos do francês juntamente com Albertina Diniz,
em cujo crédito de autoria aparece explicitamente “pelas irm~s”, e ainda como professora de piano
e música.
111
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Conclusão
O surgimento do periódico O sexo feminino não foi por acaso e, de certa
maneira, refletiu os processos de interiorização da imprensa em Minas Gerais, com
o declínio da extração de minérios de ouro nas cidades que se desenvolveram em
função desse tipo de economia.
A localização privilegiada da cidade de Campanha, região de confluência de
cariocas, paulistas e mineiros; a vinda de intelectuais e políticos da Corte para o sul
de Minas; a dinâmica da luta pelo poder; o desenvolvimento da técnica nos setores
da comunicação e do transporte; a necessidade de se reposicionar a economia de
mercado e da mão-de-obra feminina; e a adesão às idéias iluministas de melhor
instrução para o cidadão foram alguns dos fatores que permitiram o trabalho de
Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz no jornal O sexo feminino.
O discurso inflamado da jornalista oitocentista expressa nitidamente sua
ideologia. A materialidade lingüística da produç~o desse “seman|rio dedicado aos
interesses da mulher”, orgulhosamente expresso no cabeçalho da publicaç~o,
abaixo da denominação do periódico, indica não somente a postura política de sua
idealizadora e de seus colaboradores, já que alguns homens eram simpatizantes da
bandeira defendida por Francisca, mas também a visão de mundo de certo grupo
social em determinado espaço/tempo.
Foucault nos ensina que os diferentes modos de se produzir um discurso
levam em conta os espaços sociais, históricos e ideológicos nos quais se insere o
sujeito enunciador. Ora, mediante o recorte dos discursos publicados no semanário
de Dona Francisca Senhorinha, é possível delinear sentidos para as mulheres dos
oitocentos, sobretudo para as que estavam imersas nos anseios daquilo que
caracterizaria o novo século. Principalmente a quebra de silêncios e de submissão a
que estava condenada a mulher.
As páginas de O sexo feminino reproduziram o que já ecoava no espírito de
seus interlocutores: a necessidade de rescindir o ideal normativo do discurso
masculino. A sociedade com seus avanços não mais podia sustentar a imagem da
mulher meramente reprodutora e adorno de salão. A mãe de família, tão bem
enaltecida por Rousseau, para cumprir seu destino, deveria agora se instruir e
adotar a educação como meio de conscientização de seus direitos e deveres.
E é para essas mulheres, além de outras nas cidades de Lorena, Rio Preto,
São Paulo, Bagagem, Três Pontas e aos que recebiam as permutas do periódico em
demais localidades de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande
do Norte, Madri e Nova Iorque, incluindo o imperador Dom Pedro II e a princesa
Isabel, como assinantes especiais, que Dona Francisca Senhorinha apresentou suas
idéias que se somariam a dos abolicionistas e republicanos.
112
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Tais interlocutores, na verdade, creditaram a Francisca o papel de porta-voz
de outras mulheres, corroborando a função assumida, de antemão, pela própria
editora do semanário campanhense. Mais ainda: como o jornal não somente
denunciava a condição subalterna da mulher na sociedade patriarcal, mas também
nitidamente apregoava o direito feminino à educação, à co-protagonista da
sociedade familiar e à gestora do patrimônio amealhado, esses aspectos todos,
aliados ao desejo de ter voz e de ser cidadã, luta que já estava eclodindo a favor do
sufrágio feminino, garantiram a longa vida de O sexo feminino, que conseguiu
sobreviver por duas décadas, acompanhando episódios significativos da história
brasileira: o governo de D. Pedro II, o advento da república e a abolição da
escravatura.
Contemporâneos a todos esses clamores da sociedade, o jornal, Dona
Francisca, suas colaboradoras e seus leitores, ao lutarem pela emancipação
feminina, estavam, de fato, todos imersos numa zona de conflito: a fronteira entre
o espaço privado e o espaço público, cujos protagonistas eram, respectivamente, a
mulher e o homem.
Assim, materializando a voz feminina através da imprensa, em espaço que
até então era negado à mulher, o jornal de Dona Francisca cumpre o papel que a
sociedade lhe conferiu.
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José Maurício Saldanha ÁLVAREZ
Departamento de Estados Culturais e Mídia
Universidade Federal Fluminense, RJ.
I. Por volta de 1869 quando o canal de Suez foi inaugurado numa
celebração que assombrou o público ao custo de dois milhões de dólares, o mundo
vivia um momento de fastígio diante dos resultados da dupla revolução. A
revolução política e das idéias disseminou os ideais liberais e favoreceu a migração
de idéias e cultura, consolidando o projeto moderno em ascensão com sua
racionalidade e crescente domínio sobre a natureza (Harvey, 1990, p.12). Surgiram
países novos e se consolidou uma economia em rede e de comércio multilateral. A
revolução industrial dividiu o mundo num recorte assimétrico tendo por um lado
países industriais e dotados de fortes redes bancárias e, por outro, países
produtores das matérias primas e importadores de bens industriais. Ao lado de
condições de profunda miserabilidade, escravidão e baixos salários, se refletia o
brilho de eventos resultantes da técnica que mudavam decididamente a face do
mundo. Uma revolução nas comunicações ostentava Correios velozes disseminando
114
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
notícias e produtos; o telégrafo transformou os eventos locais em eventos
mundiais, acelerou as informações militares, bancárias, pessoais, governamentais
jornalísticas. Fez de quem o detinha poderoso e temido, capaz de decidir e intervir
velozmente, ganhar tempo, dinheiro, poder, espaço (Harvey, 1990, p. 80). A
navegação a vapor devassava mares e rios e as ferrovias com suas malhas
conectavam o interior de continentes antes indevassáveis; abria vastas regiões
interioranas ao comércio, ao conhecimento do mundo.
Arquiteturas feitas em metal como o Palácio de Cristal, inaugurado com a
primeira exposição mundial em 1851, em Londres, podiam atravessar os continentes
para serem edificados num lugar e serem removidos para outro. Entre outros
projetos nascidos da suprema positividade da engenharia propulsora do progresso
estava a ligação por meio de um canal no Egito, ligando o Mar Vermelho ao
Mediterrâneo. Tratava-se de um projeto acalentado milenarmente e que agora era
concretizado pela técnica industrial e pelo gênio organizacional de um diplomata
francês, o Sr Ferdinand de Lesseps.
Enquanto isso a ampliação da escolaridade e ascensão das classes medias e
a necessidade diária de informar-se, transformou a noticia numa mercadoria
valorizada e publicada nos jornais. Em países mais industrializados como a GrãBretanha e os Estados Unidos, país saído de uma guerra civil, a imprensa se havia
tornado o quarto poder (Burke, Briggs, 2006, p.192). A demanda crescente por
informação fez surgir entre 1835 e 1880 inúmeras agências de noticias que de
ramificavam pelo mundo (Owen, Purdey, 2009, p.36). Recursos advindos da
publicidade fez crescer as rendas das empresas jornalísticas levando-as a reduzir os
preços dos jornais e aumentar as tiragens, a aperfeiçoar sua estrutura empresarial.
Em 1857 o emprego de papel feito de polpa de árvores reduziu drasticamente o
preço deste insumo. Na década de 1860 as impressoras rotativas se aperfeiçoaram
permitindo em 1868, imprimir 36.000 exemplares por hora (Thompson, 1998, p.7475). Os jornais rapidamente se profissionalizaram e colocaram seus
correspondentes cobrindo eventos no mundo inteiro para atender a forme de
noticia de seu público leitor aproveitando-se das conexões mais rápidas que fizeram
o mundo “encolher”.
Finalmente, nas vésperas da inauguração do canal de Suez em novembro
de 1869, dois jornalistas dirigem-se ao Cairo, Egito, para cobrir esse que se
propalava como o evento do século. Um deles chamado Ward era um norteamericano, correspondente do New York Times, e o outro era um também jovem e
promissor escritor português, José Maria Eça de Queirós (1845-1900), egresso da
Universidade de Coimbra e correspondente do Diário de Notícias, de Lisboa. Serão
suas matérias e olhares o corpus analisado por este artigo.
II Ao longo do século das certezas jornalismo e os jornalistas dispunham de
duas táticas para disseminar a noticia. Uma delas era a forma de carta que se
mostrava peculiar aos ambientes europeus, em especial na França, cuja cultura
115
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
influenciava largamente a península ibérica. A reportagem que Eça de Queiroz
escreveu sobre a inauguração do Canal foi realizada nessa tática. Em contrapartida,
o jornalista norte-americano Ward, correspondente do N.Y. Times, presente como o
português às mesmas celebrações, remeteu ao seu periódico uma matéria
dominada pela idéia central da noticia. Este procedimento se tornou o credo da
imprensa norte-americana (Hazel-Garcia, 1989, p. 60). A matéria do periódico norteamericano foi publicada no dia vinte de dezembro em Nova Iorque, enquanto a de
Eça só foi estampada em janeiro de 1870, no Diário de Notícias sem que os leitores a
tivessem por superada (Monica, 2003, p.88).
A forma mais sucinta como os jornalistas norte-americano americano
redigiam suas notícias fundamenta-se em muitas diferenças sócio-culturais em
relação ao ambiente europeu e ibérico. O periodismo ianque neste recorte era
estruturado como uma empresa numa economia industrial em vertiginosa
expansão. Pautava-se por processos gerenciais incorporando um novo tipo de
profissional cuja grande escola foi à cobertura dada as operações militares durante
a guerra civil. Nesse processo o jornalista empregou largamente o telegrafo
economizando as palavras, sendo sintético no informar suas notícias num jogo
locutório onde se evitavam ferir a susceptibilidade das famílias e do público leitor no
desenrolar das operações militares. No entanto esse estilo telegráfico que se atribui
indistintamente a imprensa norte-americana não parece gozar de unanimidade
entre os estudiosos. A narrativa produzida por um escritor é pautada pelas normas
do estatuto literário com suas regras e cânones cujo emprego de ornatos estilísticos
resulta num texto não propositivo. No periodismo norte-americano entre 1830 e
1890, a representaç~o de uma verdade “objetiva” n~o comprometida, n~opartidária, aparentemente fez com que o texto jornalístico se deslocasse dos
arraiais da literatura (Frus, 1994, p.2).
Doug Underwood analisando as conexões entre o liter|rio e o “jornalístico”
nos Estados Unidos demonstrou o antecedente da prática oposta já no jornalismo
britânico do século XVIII. Nesse tempo jornalistas escritores de grande nomeada
como Fielding e Defoe redigiram uma excelente ficção baseadas em fatos. Alguns
definem suas novelas como “pseudo factuais”. Underwood assinala também que
recentemente autores do porte de um Capote ou Wolfe empregam as estratégias
da escrita do denominado “new journalism”. O que significa escrever sob a
inspiraç~o do “fact and ficcion”. Dessa forma da metade do século XIX em diante,
apesar da tradição do texto telegráfico, o realismo literário constrói sólida base no
periodismo norte-americano onde atuam:
“journalist-literary figures (...)including Stephen Crane, Norris, Dreiser, and London
are key figures in ussherind contemporary literary atitudes with their focus uppon the gritty
details of urban life, the brutality of warfare and the bealk worldviews that rose out of
Darwinism, industrialization, and the coming of modern imperialism”( 2008, p.29).
Enquanto jornalistas e jornais norte-americanos apesar da ambígua
relação com o poder, pareciam afastar-se do esquema opinativo, na França, e
116
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
mesmo em Portugal e no Brasil, os escritores tiveram no periódico um espaço para
o contato e reconhecimento com seu público, além da atuação política. Zeldin,
analisado a cultura francesa do século XIX, cita um traço peculiar que pode estar
presente na cultura portuguesa (e brasileira) deste contexto que é a predileção pelo
modo literário em jornalismo e uma rejeição, ao menos por algumas décadas, ao
império “telegr|fico” dos fatos. Parece que ser típico da imprensa francesa o
apreço aos argumentos a abstração, a recusa da realidade, as palavras à verdade, ao
cartesianismo, à retórica, à generalização precipitadas, classificam, peroram, são
duros de personalidade e não admitem que o mundo e a nação possam mover-se
sem sua concordância (Zeldin, 2005).
Hazel-Garcia argumenta que a crítica à conduta moral e ética dos jornalistas
norte-americanos se intensificou depois de 1850 cuja profissão era equivalente na
opini~o de um indignado crítico a de um “brothel-keeping or liquor seling” (HazelGarcia, p.187).
Nesse mesmo recorte jornalistas franceses também não
desfrutavam de um bom conceito no seio de sua sociedade. O dicionário Larousse
os descreve como portadores de hábitos tão corrompidos que poderiam destruir
um bom escritor (Zeldin, p.505). Em contrapartida, o jornalismo norte-americano
aparentemente exercia seu papel de maneira pragmática sem encantar ou distrair
seu público, sem cortejá-lo politicamente, mas o provia de informação de primeira
ordem graças aos seus formidáveis apetrechos. Uma das razões que potencializava
esse desempenho é que periódicos norte-americanos eram dotados de uma
superfície informativa mais ampla para a prática da noticia. (Chalaby, p. 31)
Enquanto os jornais franceses dispunham de quatro páginas apenas os americanos
empregavam muitas mais (Idem, p.32). Quando Eça de Queiros estreou no
jornalismo em 1867, dirigindo e redigindo ele mesmo o Distrito de Évora, este era
uma “folha bissemanal de quatro p|ginas” (Peixinho, 2007, p. 24).
Por outro lado essa estratégia escritural veloz e objetiva da notícia norte
americana parece dever-se a um background similar a ambos os lados do Atlântico
de fala inglesa. A Grã-Bretanha vitoriana e a sociedade em movimento norteamericana (após a Guerra civil de 1860-1865) se familiarizavam com as conquistas
tecnológicas. Suas atividades financeiras e econômicas, inclusive a comunicação, se
consolidavam velozmente em rede. Esta parece ser a afirmação de alguns
estudiosos para quem o a vida moderna coexistiria com uma nova forma de
perceber a realidade. A noção de rede denomina, ao contrário das européias, um
close corporation, o que enfatiza junto ao seu público familiarizado com tecnologia,
um senso discursivo que se inclina para o texto jornalístico “telegr|fico” e objetivo
desprezando as formas literárias na imprensa. Daí alguns estudiosos suporem que a
superioridade do periodismo americano residiria em dois suportes sendo o primeiro
o da tecnologia e o segundo na objetividade e na velocidade com que seus
profissionais informam.
Em 1867, dois anos antes da inauguração do Canal, no transcurso da
Exposição Universal de 1867, em Paris, graças ao envio das notícias pelo cabo
117
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
submarino, os americanos leram na manhã do dia seguinte a cobertura que seus
correspondentes fizeram sobre o evento. Enquanto isso os leitores britânicos
tiveram de aguardar por dois dias até que, finalmente, os despachos fossem
redigidos. Como se depreende, num mundo cada vez mais acelerado, uma escrita
telegráfica, porém substancial provava ser um instrumento adequado para deixar
seus leitores não apenas informados, mas de alguma forma protagonistas desses
eventos.
Menke assinala que no ambiente da imprensa britânica e o da norteamericana é preciso levar em conta três elementos básicos: o de network, o de
information, e o de flux. Para os protagonistas da informação e da ficção tais como
cientistas, sábios, e novelistas incluídos, a rede tornar-se uma construção capaz de
operar as trocas entre o subjacente oculto no mundo moderno e aquilo que é o
visível (Menke, 2008, 15). Da mesma forma que a norte-americana, foi uma
sociedade urbana, percorrida pela tecnologia, vincada pelo que Foucault denomina
de estruturas disciplinares que estruturam e modelam. Uma sociedade assim requer
a uma modalidade de informação do ponto de vista epistêmico que se comporte
como uma presença abstrata no mundo. Para tanto precisa produzir um discurso
capaz de consolidar uma forma realista de aprender o mundo e que se transfere
para a uma estratégia realista de narrar esse mundo.
O emprego discursivo de conceitos chaves como inteligência e
conhecimento é essencial numa sociedade que difunde conhecimento de maneira
abundante através de mecanismos sociais como escolaridade universal, escolas,
museus e material didático. Esse alicerce prático e estruturado em rede, na opinião
de Rauch, sugere a irresistível ascensão do sentimento realista que numa acepção
de Bourdieu recompõe o mundo, ou melhor, passa a ser o próprio mundo, sendo o
realismo o gênero dominante na ficção anglo-saxão do século XIX (idem, 2008, 17).
Consolida-se nesse momento o que Chalaby denominou de prática discursiva
moderna como uma invenção do jornalismo anglo-americano (idem, p.37). No
entanto McNair, assim como Underwood, refuta essa pretensa objetividade e
isenção em relação ao jornalismo norte americano empregava a matéria prima que
chegava sob a forma de mensagens telegr|ficas no “wire service” (McNair, 1994,
p.25).
Hazel-Garcia por seu turno afirma que esta express~o “objetividade” só
apareceu na critica jornalística nos final do XIX ou nas primeiras décadas do século
XX (1989 p; 98). O jornal americano era relativamente isento uma vez que jamais
abandonou seu papel político. A propalada objetividade pode ser um efeito
discursivo alegar-se que a realidade era quem ditava as normas. Que a um jornalista
não cabia criar o mundo e sim narrá-lo sinteticamente a partir dos traços e barras
recebidos. Mindich sustenta que esse paradigma iniciado em torno dos anos 1830
atingiu seu auge nos anos 1890 e justamente no N.Y. Times “and other papers that
shared the ‘objetive’ paradgima what we reconize as the traits of ‘objetivity’ wher
as Will show, all in place (1993, p. 10).”
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Na França quase todos os grandes os escritores foram jornalistas como
uma opção clara, permitindo ainda estabelecer uma hierarquia das praticas
discursivas uma vez que a modernização se fez de forma progressiva (Zeldin, 1993,
p. 223, Peixinho, 2007, p.21) E nesse caso, fundava-se igualmente uma assimetria
entre o texto literário e o dos jornalistas, entre escritores e jornalistas com a nítida
supremacia dos primeiros cujo papel opinativo era acentuado (Chalaby, 2003, p.38).
Nessa direção de opinativos, não se deve descurar da persistência de sua tradição
de libelistas que datava do século XVIII (Thogmartin, p.66).
IV. O canal de Suez representou um embate da modernidade. A questão
começou em 1798 quando Napoleão Bonaparte seguindo as determinações do
governo do Diretório invadiu o Egito. Tratava-se de um lance destinado a ameaçar a
Inglaterra no sensível ponto da sua industrialização: o comércio com a Índia. O Egito
foi transformado num campo de batalha das potencias européias. Mesmo
derrotado por Lord Nelson em Aboukir, Napoleão lançou as bases do moderno
projeto de um canal no Suez. No Egito por volta de 1800, um soldado albanês que
combateu Napoleão, chamado Mohamed Ali, tornou-se Quediva, ou governante do
Egito, acalentando um projeto de modernização independente. A dinastia dos
quedivas deu prosseguimento ao projeto com Tawfik e Ismail a quem coube
inaugurar a obra. Seduzido pela Europa, dividido entre as pressões inglesas e
francesas Ismail realizará gastos ensandecidos levando o Egito à bancarrota
precipitando uma revolução nacional que culminará com a invasão inglesa em 1882.
V. Como correspondente de um influente jornal nova-iorquino, Ward abriu
a matéria dispondo no topo da página uma sucessão de tópicos telegráficos como
“Passagem bem sucedida e definitiva da frota de inauguraç~o” seguido de
“Congratulations to M. Lesseps from americans present” . Em seguida uma
indagaç~o especulativa: “ Is the work a complet sucess?” E encerrou o bloco
alertando que as conclusões só serão produzidas após exame cuidadoso. Saído da
guerra civil e refletindo os pontos de vistas de um país agressivo, Ward dispõe a
inauguraç~o do Canal como o resultado de um conflito oculto: “England and Turkey
the principal suferers - France a gainer.” Para ele, a inauguração antes de ser uma
festa era “ othe severest test to wich it can be submitted - has ended in complete
success”. Ele se coloca como protagonista, transitando no território da ação onde
se forja a notícia. Ao informar do risco de encalhe num trecho de pouca água do
orgulhou-se que “as I have before stated” . O texto de Ward é objetivo, trazendo
sempre pesos, medidas, nomes, datas, cifras. Assim descreveu a viagem que fez “
About noon, of the 19th the anchors were weigned ,, and the squadron began to
get under way, headed , as before, by the Aigle and The Greif.” Logo num único
parágrafo descortina todo o desenrolar dos acontecimentos, informando que a
“passagem inicial do canal de Suez foi o mais severo teste feito até aqui e terminou
com um enorme sucesso, e a derradeira “fête (sic)” de uma sucess~o de cerimônias
programadas, acabou na última noite sob a forma de um baile realizado no palácio
do Viceroi em Kars El Nil”.(NY Times, 1863, pdf, Google books, 2010).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Ao se encerrarem as festas Ward regressou ao Cairo enfrentando na
ferrovia contratempos similares aos que Eça e Resende experimentaram no referido
trajeto. Ele informou que uma correspondência abundante foi entregue ao senhor
Lesseps tornado o telegrafo muito ocupado. “ Copies of that messages will
undoubtelly reach the Times by cable and I shall not therefore pause to transcribe
any of them.” Ele transcreve uma carta enviada por vários cidadãos norteamericanos e “the principal signers are also grouped in a photography by Desire”
para que o senhor Lesseps pudesse ver “how his transatlantic admires appeared”.
Na carta os cidadãos americanos congratulam Lesseps pelo estrondoso sucesso e
afirmam que o povo dos Estados Unidos segue com muito interesse entusiasmo os
empreendimentos dessa naturez, capazes de incrementar o contato entre as
nações dilatando o comércio mundial. O canal removia barreiras que eram inimigas
das nações. A carta é concluída expressando sentimento liberais e iluminados,
repleto de boas intenções: “ Religion, civilization, comerce and enlightened govern
ought to be promoted thereby”.Ward faz um balanço das relações entre o Egito do
Quediva Ismail e a França que, nos bastidores, envidou esforços para que a obra de
Lesseps fosse bem sucedida. Um dos entusiastas de Lesseps o Imperador Napoleão
III, durante a guerra civil nos Estados Unidos, tentara uma desastrada aventura
expansionista no México de Benito Juarez.
No final da matéria Ward brandiu a cartilha do destino manifesto e
profetizou, o que aliás era prática utópica peculiar ao século XIX (Bénichou,2001,
p.529). Apesar do entusiasmo norte-americano pelo Canal da Suez, cabia ao seu
poderoso país – escreveu Ward - construir uma enorme marinha para dominar os
mares exatamente porque sua privilegiada posição continental conferia aos
americanos sua “splendid communication with the Orient , our own great seaport
on the Californian coast , and our Pacific Railway to distribute with San Francisco
receives. The Suez canal “ prossegue ele podia ser “an exemple and a lesson” mas o
destino manifesto reservava aos Estados Unidos fazerem um canal na America
Central, “and another twenty years will see the Isthmus os Darien sundwred and
South America like Africa , a mighty island.”
VI Em contraposição a este alegado estilo telegráfico Eça redigiu numa
opção epistolar opinativa, colorida presente em sua prática jornalística desde sua
passagem no Distrito de Évora, periódico que dirigiu aos 21 anos de idade em 1866
(Mónica, 2001,p.47). O emprego dessa modalidade de escrita está associado à
própria maneira como um jornal europeu era feito e para que público se dirigia. O
emprego da prática epistolar dava a entender a seu publico leitor que desfrutava do
privilégio de uma leitura confidencial. Para Apezarena a “carta” transformava os
destinat|rios em “personas perfectamente identificadas em su condición” (2005,
p.50). Por serem letradas constituindo o terreno ideal para que, de acordo com
Siskin, transcorresse o este autor denomina de “proliferaç~o,” ou seja, a capacidade
de cada leitor se transformar em multiplicador do texto (Siskin, 1999, p.4).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O jornalismo francês e o português no século XIX empregaram
preferencialmente a modalidade carta cuja forma peculiar de recepção se torna ao
mesmo tempo intimista, informativa e, sobretudo, pessoal, e interativa. A carta nos
arraiais europeus se tornou um eficaz espaço de debates e um “suporte de textos
ensaísticos” cujo “car|ter” era dialógico (Peixinho, 2008,p.75). Por outro lado
prossegue Peixinho, a “partir da profissionalizaç~o do jornalismo desde meados do
século XIX, é o próprio jornal quem alimenta as temáticas, quem dita os conteúdos
das trocas epistolares.” Dessa forma se processa uma interaç~o entre a carta,
“escrita da esfera privada” e sua divulgaç~o no jornal, como elemento formador da
opinião pública (Idem,2008, p.75). Para Peixinho, se estabelece uma relação
especial entre o autor “com o publico leitor, desencadeada pelo modo epistolar,
parece-nos ser precisamente uma das pistas” porque estabelece uma maneira de
transitar com a carta tanto na redação como na recepção romanesca. Como
explicitou Altman ao referir-se { “epistolary mediation”, cujo emprego “given the
letter’s function as a conector between two distant points, as a bridge between
sender and receiver (Altman, 1982, p.22). A abertura das cartas de Eça sobre a
inauguração do canal de Suez é uma referencia poética e nostálgica de um tempo
recente, mas que já se mostra distante, perdido nas brumas da memória:
“Acedo da melhor vontade ao seu desejo de que lhe escreva a história real das festas
de Suez . Conto-lhe, porém, simplesmente e descarnadamente, o que me ficou em memória
daqueles dias confusos e cheios de acontecimentos, tanto mais que as festas de Suez estão para
mim entre duas grandes recordações – o Cairo e Jerusalém.”
Eça de Queiroz e um amigo, o futuro cunhado, o Conde de Resende
chegaram em Alexandria no dia 5 de novembro e dirigiram-se ao Cairo pela ferrovia.
Após uma estadia divertida gozando “o sossego do deserto e das ruínas” na
moderna gare do Cairo pegaram o trem para Alexandria envolvidos numa “confus~o
irritante” fruto da imprevidência dos organizadores ou dos administradores da
ferrovia, descurando-se n~o se deu conta de que “trezentos convidados”além de
suas bagagens n~o caberiam dentro de vinte vagões ferrovi|rios “t~o estreitos
quanto bancos de réus”. Finalmente seu drogman, o núbio Jonas Ali, obteve para
os dois jovens portugueses empregando ardis obteve “uma carruagem de segunda
classe miseravelmente desmoronada, dois lugares empoeirados.”
No dia da inauguraç~o j| em “Porto Said cheio de gente coberto de
bandeiras, todo ruidoso dos tiros de canh~o e dos hurras da marinhagem”. A cidade
soturna de ruas e casa feitas { ligeira e de viver incerto e irregular mudou, “tendo
no seu porto as esquadras da Europa, cheios de flâmulas, de arcos, de flores, de
músicas de café improvisadas, de barracas de acampamento, de uniformes, tinha
um belo e poderoso aspecto de vida”. Havia um enorme numero de navios de
guerra e civis vindos da Europa para celebrar. “Estavam aí as esquadras francesas
do levante, a esquadra italiana, os navios suecos, holandeses, alemães russos, os
iates dos príncipes, os vapores egípcios a frota do paxá. as fragatas espanholas, a
Aigle com a imperatriz eugenia, o Mamoudeb com o Quediva,” e muitos outros
barcos. A profusão de navios presentes fez do ancoradouro uma cidade flutuante,
121
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
onde se realizavam “bailes a bordo dos navios, jantares, visitas trocadas, recepções,
passeios a remo, serenatas nos escaleres. De tudo isso saia uma luz, um ruído, um
fluído de vida poderosamente original (...) Ao outro dia, os navios começaram a
mover-se lentamente voltando a proa para um ponto da baia de Porto Said, onde se
erguiam como dois umbrais de uma porta, dois obeliscos pintados de vermelho. Era
a entrada do canal de Suez.”
VII. Conclusão. Poucos dias após essa cerimônia, um jornalista norteamericano entrevistou ao presidente Ulisses Grant numa Washington ainda
enlutada pela guerra civil que ceifou 600.000 vidas. Diante do sucesso europeu do
empreendimento em Suez, declarou US Grant que nada o faria mais feliz do que “a
commend as american canal in American soil, to the americam people”(Nills, 2008,
p.44). Ward e Eça enviaram a seus periódicos pelos meios disponíveis suas matérias
redigidas seguindo deferentes sensibilidades. A inauguração do canal de Suez era
um acontecimento mundial midiatizado, uma vez que inúmeros países enviaram
seus correspondentes cobri-lo. O jornal estava se tornando cada vez mais, ao longo
do século XIX um elemento determinante na vida social. Ao mesmo tempo em que
os frutos da dupla revolução se desenvolviam, em que as rápidas mudanças dos
transportes e da tecnologia de comunicação tornavam o mundo menor e mais
conectado, o consumo de noticias seguia o incremento do consumismo mas
albergava outro sentimento. O de integrar uma coletividade mundial na medida em
que a rede de tecnologia como o cabo submarino e outros implementos, tornava o
mundo menor e conectado em redes. Assim sendo os jornais e o jornalismo estava
no topo das transformações, não apenas técnicas com as velozes rotativas, mas na
forma de redigir e de apresentar a noticia. Se a imprensa européia se modernizava e
incorporava práticas anglo-saxônicas, fica-nos a impressão de que afirmar que o
jornalismo norte americano era vazado somente no estilo telegráfico parece ser
empobrecedor, haja vista a enorme quantidade de escritores que militam em suas
páginas, resultando na arte de bem informar, informar com precisão sim, mas com
brilho e opinando.
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A REVISÃO DO PAPEL FEMININO NA EDUCAÇÃO E CULTURA DOS
ANOS 1930 E 1940: UM ESTUDO DE CASO DO VESPERTINO
PAULISTANO A GAZETA
Gisely Valentim Vaz Coelho HIME33
FMU, São Paulo, SP
Para saber onde e em que trabalha a mulher nos anos 1930 e, sobretudo, se
sua produção é representativa na área cultural, basta consultar o diário paulistano A
Gazeta, à época, um dos jornais mais modernos do ponto de vista editorial e
material, na América Latina. O vespertino valoriza a inserção feminina no mercado
de trabalho, registrando todas as conquistas: das novas profissões às atuações de
destaque, prêmios e avanços nas ciências, artes e tecnologia no mundo todo. Os
registros vêm sob a forma de artigos, notas, fotolegendas e reportagens, e não se
restringem à seção feminina.
Articulista habitué da primeira página do diário, Medeiros e Albuquerque é
um dos maiores incentivadores da participação feminina em todas as áreas e,
conseqüentemente, da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Àqueles
que, nos debates da Constituinte, em 1933, opõem à concessão plena de direitos o
fato da compleição física feminina ser, em geral, mais frágil que a masculina,
responde: “N~o h| ligaç~o alguma entre força e gozo de direitos. Para ser capaz de
gozar de um direito não é preciso que alguém seja dotado de um certo grau de
força (MEDEIROS E ALBUQUERQUE, 1934: 1)34”. Faz eco ao irm~o o médico Maurício
33
Trabalho apresentado no GT1 História do Jornalismo.
34
Fundador da Cadeira 22 da Academia Brasileira de Letras, José Joaquim de Campos da Costa de
Medeiros e Albuquerque foi jornalista, professor, político, contista, poeta, orador, romancista,
teatrólogo, ensaísta e memorialista.
124
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
de Medeiros35, também articulista contumaz da primeira página, com suas reflexões
sobre a revisão necessária do papel social da mulher, tendo em vista as
problemáticas propostas pelo mundo moderno. Aproveitando, por exemplo, a
polêmica americana sobre o ingresso da mulher no funcionalismo público, que,
aliás, pouco tempo depois, também se registraria no Brasil, afirma:
A antiga concepção kaiseriana, segundo a qual a mulher tinha um destino
fixado por três K. K. K. (kindern, kuchen, kirche – filhos, cozinha e igreja) ficou
inteiramente distraída pela aspereza da conquista do pão quotidiano. A mulher entrou
para o rol dos trabalhadores e, pouco a pouco, foi aí fazendo um lugar, em que os
direitos tiveram de ser igualados aos do homem (MEDEIROS,1937: 1).
Conforme afirma Gaston Richard, “a organizaç~o na luta pelo trabalho que
sucedeu aos esforços isolados de algumas mulheres em busca de um ganha-pão
(RICHARD, 1909: 174.)” é o que caracteriza o início do movimento feminista no
século XX.
A posição dos articulistas afina-se perfeitamente ao posicionamento d’A
Gazeta, para quem a questão do trabalho feminino está incontestavelmente
atrelada à comprovação da capacidade intelectual feminina no mesmo plano da
masculina e à luta pela conquista da igualdade de direitos políticos e civis. No início
dos anos 1930, durante a campanha pelo voto feminino, destaca a crescente
atividade profissional feminina – um dos grandes argumentos em favor dos direitos
políticos femininos: posto que a mulher passa a exercer atividades produtivas fora
do âmbito doméstico, deve-se conferir a ela os direitos de cidadã.
A Atuação Feminina no Campo Cultural
A Gazeta valoriza as iniciativas artísticas femininas, privilegiando os
movimentos de vanguarda e os talentos do País e Exterior. É o caso de Annita
Malfatti36 que, no início da carreira, desperta enorme polêmica junto à crítica, mas,
nos anos 1930, é apontada como uma das principais representantes do
Modernismo, então já consolidado como movimento nacional, nas Artes Plásticas,
unido por fortes laços ao irmão francês, fruto da convivência entre artistas
brasileiros e francófonos, sobretudo durante a estada do poeta suíço Blaise
Cendrars ao País. O intercâmbio com a cultura francesa, neste campo, estreitar-se-á
ainda mais com o acordo assinado pelo então ministro da Educação Gustavo
Capanema, em 1940, com Charles Despiau para organizar e dirigir uma Escola
Nacional de Escultura, independente da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de
Janeiro (SUPPO, 1999: 321). Em entrevista ao jornal em 1933, Annita expõe
detalhadamente o programa de seus cursos de História da Arte, sublinhados como
35
Membro da Academia Brasileira de Letras, Maurício de Medeiros foi médico, jornalista, professor,
escritor e político. Exerceu o cargo de Ministro da Saúde nos governos de Nereu Ramos e de
Juscelino Kubitschek.
36
Pintora, desenhista, gravadora e professora, foi uma das pioneiras artistas brasileiras modernistas,
tendo sido uma das expositoras da mostra, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, que fazia
parte da Semana de Arte Moderna de 1922.
125
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
um marco na “nova era artística” paulistana37. A crítica é pródiga em elogios,
destacando o arrojo e a qualidade de seu trabalho:
Annita Malfatti é uma das figuras mais interessantes da moderna pintura
brasileira. Quando ainda em S~o Paulo a palavra “modernismo” era recebida sob
severas reservas e os v|rios cultores dessa “escola”, olhados com indisfarç|vel
desconfiança – mesmo pela gente mais em dia com as conquistas artísticas do Velho
Mundo – Annita já arrostava a crítica indígena, apresentando-nos trabalhos de
audaciosa realização pictória, mas em cujo fundo se percebia, facilmente, um espírito
alimentado de cultura e apaixonada (sic) pela sua arte. (...) Impôs-se, afinal, como uma
das mais expressivas organizações artísticas do nosso tempo38.
A projeção de nossas artistas no Exterior é muito valorizada pelo
vespertino. A cantora lírica Bidu Sayão, cuja carreira de sucesso na Europa e nos
Estados Unidos – onde se radicou – projetou o nome do Brasil em todo mundo, tem
lugar cativo nas páginas do jornal, que utiliza das fotolegendas às reportagens para
manter o público paulistano informado sobre suas atividades39. O mesmo se dá com
as pianistas Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro, que trilham carreira de
sucesso na Europa, no final da década de 1930, e, com a Guerra, transferem-se para
os Estados Unidos40. Em 1940, Magda, em tournée pelo Brasil, é convidada por
Cásper Líbero a ministrar curso de aperfeiçoamento e interpretação, bissemanal e
gratuito, patrocinado pelo jornal41. A pianista aceita e, a partir de então, apresentase periodicamente no Auditório d’A Gazeta, além do Teatro Municipal.
Simultaneamente ao curso de piano, A Gazeta oferece um curso de dicção e
declamação, ministrado por Vera Korene, sociétaire da Comédie Française. É notório
o destaque que tem a dicção à época. Para se ter idéia, a articulista Elza,
discorrendo sobre os aspectos relevantes na formação profissional de uma jovem,
destaca: “Seria esse, sem dúvida, um curso de grande importância para todas as
jovens, pelas que escolhem na vida a carreira do magistério e mesmo para qualquer
outro ramo na vida”. E vai além:
Na França, depois que uma jovem terminou o seu curso, qualquer que ele
seja, segue um outro de conversação – não de dicção ou de declamação propriamente
– mas de modulação da voz. É como se fosse um exercício da palavra, para que, no
37
Uma nova era artística em São Paulo – Annita Malfatti, em entrevista à Gazeta, expõe o que vão
ser os seus cursos de História da Arte In A Gazeta, 31 de março de 1933, p. 2.
38
Exposição Annita Malfatti, de C. In A Gazeta, 16 de novembro de 1935, p.5. A assinatura –
simplesmente C – e o estilo do texto levam a crer que o autor seria o próprio Cásper Líbero, diretorproprietário do jornal.
39
Em fevereiro de 1938, por exemplo, saem diariamente fotolegendas com breves informações
sobre os espetáculos estrelados pela cantora.
40
A partir de 1937, A Gazeta acompanha de perto a trajetória de Guiomar Novaes no Exterior. Em
1938, registra com júbilo o sucesso de crítica da temporada no Carnegie Hall (EUA), apresentando-se
como solista da Filarmônica de Nova Iorque. Mais informações em Do-Ré-Mi In A Gazeta, 7 de
outubro de 1938, p. 6.
41
Ver Auditório da Gazeta In A Gazeta, 13 de setembro de 1940, p. 1.
126
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
futuro, ela possa ser usada como uma arma, pelo seu tom envolvente e de persuasão
(ELZA,1936: 10).
Deve-se ressaltar que a vinda da atriz russo-francesa ao Brasil situa-se num
período de especial concentração de esforços para expansão e consolidação da
cultura francesa no País. Como sublinha Hugo Rogélio Suppo:
Dans les années 1930 le SOFE considère l’action de l’Alliance
Française une priorité et lui augmente progressivement les importantes
subvensions qui lui accorde chaque année. Par exemple, em 1937-1938,
lors de l’augmentation de budget destine au SOFE La priorité est pour le
Brésil, aux Lycées français et { l’Alliance Française.
Les résultats de “L’Enqûete sur les moyens concrets pour
développer l’influence française em Amérique Latine”, réalise em 1938
par le SOFE, confirme la nécessité de soutenir l’Alliance Française de
façon prioritaire.
Dans les années 30 seront crées, { côté de l’Alliance de Rio de
Janeiro, la plus ancienne au Brésil, fondée em 1886, trois autres: à São
Paulo, em 1934; Porto Alegre, em 1936; et Curitiba, em 1937 (SUPPO,
1999: 285).
É em 1936 que o ministro Capanema cria uma Comissão de Belas Artes que
tem, entre outros objetivos, aperfeiçoar o teatro brasileiro, em todos os aspectos:
do roteiro à direção, passando por cenário e figurinos. Para tanto, solicita o apoio
de Robert Garric, professor de Literatura na Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade do Brasil.
O vespertino valoriza a atuação das atrizes estrangeiras, sejam elas de um
teatro mais intelectualizado como a Comédia Francesa, sejam do teatro de revista,
como a também francesa Mistinguette, famosa por suas belas pernas.
Curiosamente, porém, as brasileiras são praticamente esquecidas, apesar das
críticas abertas ao preconceito em relação à profissão de atriz. À época, o
embaixador francês D’Ormesson escandalizara-se com a franca preferência do
público brasileiro pelas vedetes popularizadas pelo cinema (SUPPO, 1999: 322).
De fato, espaço maior ganham as atrizes e as roteiristas do cinema
nacional! Impressionada com a influência do cinema nos costumes brasileiros, a
equipe d’A Gazeta dedica vários artigos à reflexão sobre os efeitos do novo veículo,
entre inúmeras fotolegendas, notas e reportagens sobre artistas e produções
cinematográficas. Com o crescimento do mercado, multiplicam-se os concursos
promovidos pelas empresas do setor e pelos governos, revelando o talento
feminino não apenas para a interpretação, mas para roteiro e direção.
127
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Em 1934, a Fox, uma das grandes empresas cinematográficas norteamericanas, movimenta os países da América Latina, do México e da Espanha com
um dos maiores concursos de todos os tempos: o “Cine Mundial – Fox”, cujo
objetivo é descobrir novos e talentosos roteiristas. O vencedor teria seu roteiro
filmado, além de receber um prêmio de 500 dólares. O evento contou com diversos
patrocinadores locais, entre os quais, A Gazeta que patrocinou o concurso em São
Paulo. Os cinco argumentos finalistas foram: Em plena loucura, da brasileira Júlia
Fonseca Guimarães, El págaro verde, do México, Casa de Dios, do Chile, Arlette, da
Espanha, e El carnet 1012523 – do qual não encontramos registro do país de origem.
Para orgulho dos brasileiros, venceu Júlia, filha de brasileiros, nascida em Paris, e
residente no Rio de Janeiro. Conforme registrou o vespertino:
Em plena loucura juntava ao fácil e ameno de seu desenvolvimento, e ao
engenhoso do argumento, uma qualidade que ressaltava desde logo: seu humorismo.
Pouquíssimas comédias encontrou o júri entre os milhares de originais que recebeu. A
nota predominante era o dramático. Entre os temas cômicos, porém, Em plena loucura
resultava sendo o melhor42.
Júlia enviou quatro argumentos ao concurso: três dramas e a comédia
premiada. Apesar de ser sua primeira experiência com roteiro cinematográfico,
dedica-se à literatura:
(...) já escrevera alguma coisa, mas em francês, língua que me é
absolutamente familiar, em razão mesmo de minha primeira educação (...). Fui
colaboradora de O Bazar, a bela revista infelizmente desaparecida. (...) Com ele [o
prêmio] se me abre um caminho novo, que entretanto há muito sonhava eu trilhar, na
minha qualidade de escritora. Acredito que após esses outros trabalhos meus poderão
ser aceitos. Sou professora de francês e literatura e, portanto, sinto-me bem no
métier43.
A Capacidade Literária Feminina Posta em Prova
De fato, entre os diversos campos artísticos, o que registra significativo
interesse feminino e desperta proporcional polêmica é a literatura. A Gazeta
incentiva as iniciativas femininas por meio do registro minucioso das conquistas no
Brasil e no mundo. Em 1935, enaltece Gabriella Mistral, como “um dos expoentes da
poesia sul-americana”, ressaltando o reconhecimento da intelectualidade espanhola
por aquela que é a consulesa do Chile em Madri44. Em 1937, festeja a participação da
escritora francesa Collete em uma sessão do Instituto de França que, a exemplo da
Academia Goncourt, “a despeito do espírito moderno de seus dez membros45”,
também não admite mulheres, debalde as campanhas da imprensa para eleger a
42
“Em plena loucura” – O argumento do concurso “Cine Mundial – Fox” – Palavras de sua autora d.
Júlia Fonseca Guimarães In A Gazeta, 23 de outubro de 1934, p. 8.
43
Idem.
44
Letras sul-americanas In A Gazeta, 24 de julho de 1935, p. 8.
45
Um fato inédito – Collete assistiu a uma sessão do Instituto de França! In A Gazeta, 24 de
novembro de 1937, p. 4.
128
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
condessa de Noailles e a própria Collete, alfineta. A participação da escritora só foi
possível por pertencer à Academia Real da Bélgica, convocada pelo Instituto para a
ocasião. Neste período, abundam as referências sobre a literatura francesa, reflexo
da intensa campanha empreendida pelo Governo Francês, antes do início da Guerra,
que reúne um conjunto de medidas a saber: doação de livros científicos e literários
às principais bibliotecas do País – incluindo a Biblioteca Nacional e a biblioteca da
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, cujo corpo docente é
majoritariamente francês -, divulgação dos catálogos das livrarias francesas –
sobretudo, a Garnier, com sede no Rio de Janeiro -, criação de uma biblioteca
circulante no Rio de Janeiro e em São Paulo e criação de uma biblioteca na
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), cujo presidente, Herbert Moses, é
declaradamente um entusiasta francófono (SUPPO, 1999: 288-308). A aproximação
com a França, porém, não impede que, em 1938, o vespertino festeje a atribuição do
Prêmio Nobel de Literatura à escritora americana Pearl Buck46.
Os artigos e críticas favoráveis à produção literária feminina, de ficção e
científica, como a que avalia História do Brasil, de Maria Paes de Barros (1933: 7),
multiplicam-se:
Não é sem espanto que os nossos homens de letras manuseiam a História do
Brasil, de (...) Maria Paes de Barros. As críticas aparecidas ultimamente, sobre esse
magnífico trabalho, mal conseguem dissimular a espécie de pasmo generalizado.
O caso é fácil de explicar. Até agora, em nossas letras, a atividade feminina
se tem limitado a novelas, a romances e livros de versos. Estes, sobretudo, são
produzidos com abundância. O número de poetizas é hoje incalculável. Raras das
nossas patrícias se atiram às obras de investigação, aos gêneros que demandam
estudo aprofundado e capacidade de análise (...).
Sente-se através dessas p|ginas o “honesto estudo” a que aludia o grande
épico lusitano. E a sra. Maria Paes de Barros se incorpora ao núcleo dos nossos insignes
historiadores, Rocha Pombo, Capistrano de Abreu, João Ribeiro, Tobias Monteiro.
(...) Ora, a sra. Maria Paes de Barros surpreende precisamente pelo que nos
revela dessa capacidade superior. Sua História do Brasil não foi escrita na vertigem das
improvisações literárias, visando o sucesso ruidoso e instantâneo. Linha a linha, página
a pagina, o leitor avisado percebe aqui o aturado labor de quem se atirou a uma
empresa grandiosa e nela se houve com o ânimo grave dos obreiros probidosos.
(...) História do Brasil honra a cultura paulista, nobilita a inteligência
feminina em nosso país e põe em destaque um nome que, coisa rara em nossa terra, sai
da penumbra e se projeta em plena notoriedade, sem ter, antes, realizado a longa,
dolorosa, decepcionante odisséia da glória intelectual.
Para comprovar o talento feminino na produção literária, A Gazeta produziu
diversos textos, que buscam legitimar a capacidade intelectual feminina, entre eles,
46
Venceu o Prêmio Nobel de Literatura In A Gazeta, 19 de novembro de 1938, p. 7.
129
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
a série Biografia de mulheres célebres47, mistura de história e avaliação do
comportamento de personagens de destaque na política e literatura. O primeiro
artigo desta série retrata a escritora francesa George Sand, cujas obras são vistas
como “produtos de uma inteligência culta”, “misto de romantismo e revolta,
sempre se debatendo contra a aranha negra das injustiças sociais48”. Na seqüência,
são retratadas Mme. de Staël, Helen Keller e Isabel, rainha de Portugal. Por sua vez,
no artigo Francisca Júlia, homem ou mulher?, Antonio Constantino (1941: 2) retoma a
polêmica gerada pelo aparecimento da poetisa nas letras nacionais, quando muitos
chegaram a levantar a possibilidade de que um homem estaria se escondendo por
detrás do pseudônimo, pois uma mulher jamais seria capaz de demonstrar tamanho
talento literário:
Caso sério, na literatura nacional, o aparecimento de Francisca Júlia,
poetisa dos Mármores. No início, quiseram muitos lhe negar talento e, ainda,
beleza de arte. (...) Mas em relação à versejadora paulista se observava a
resistência dos grupos arraigados aos derramamentos a Casemiro de Abreu.
Sobretudo, a raiva de ver a glória sorrir à mulher, que se punha na evidência
como artista de versos sem jaça. No bestunto dos censores, (...) não podia
nunca entrar a certeza de que a perfeição não tem sexo.
Francisca Júlia assustava os líderes do intelectualismo brasileiro (...). Como
admitir, pois, a audácia da mulher que criava obras primas, conquistando, por isso
mesmo, o título de maior expressão no parnasianismo? Combateram-na em vão. O
bom senso reagiu. Vergonha, pretender anular os méritos de quem, na arte da forma,
ombreava com Raimundo, com Alberto e com Bilac. (...)
(...) Ela surgiu com individualidade única, dona de arte que nunca se
imaginara na mulher dos trópicos. Nem misticismo, nem libertinagens. Muito menos a
pirotecnia das estrofes sem fundo e o transbordamento do lirismo para violão. (...)
(CONSTANTINO, 1941: 2).
O debate sobre a capacidade feminina também é o centro de A mulher e a
literatura - Haverá diferença entre o escritor e a escritora? 49, onde se reproduz uma
pesquisa realizada pelo semanário parisiense Les Nouvelles Littéraires, entre
famosos escritores franceses. Nela, o acadêmico Edmond Jaloux classifica como
arbitrárias as diferenças que costumam ser indicadas entre o talento dos homens e
das mulheres.
A verdade é que as mulheres podem ter qualidades viris, da mesma forma
que os homens são às vezes dotados de uma sensibilidade toda feminina. Uma coisa
que não posso aceitar é serem as mulheres desprovidas do sentido da abstração,
principalmente quando vejo as jovens se classificarem em primeiro lugar nos concursos
de filosofia e Mme. Joliot Curie realizar tão magníficas pesquisas científicas. Não
devemos continuar a endossar certas opiniões de fundo medieval, segundo as quais o
47
Esta série foi publicada na Página Feminina de novembro de 1934 a janeiro de 1935.
Biografia de mulheres célebres In A Gazeta, 19 de novembro de 1934, p. 8.
49
A mulher e a literatura - Haverá diferença entre o escritor e a escritora? In A Gazeta, 17 de
novembro de 1939, p. 6.
48
130
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
homem e a mulher constituem tipos absolutos. Cada ser traz em si elementos
masculinos e femininos: é bom não esquecer de que temos pai e mãe50.
Essa declaração remete-nos às reflexões de Simone de Beauvoir que, vinte
anos depois, estimulariam os debates sobre gênero e suas elaborações culturais,
caracterizando o arrojo do posicionamento editorial do vespertino. O melhor
exemplo de legitimação do talento literário feminino, porém, é a crítica sobre o
primeiro romance de Mietta Santiago, Maria Ausência. Nela, ganha destaque a cartaprefácio de Oswald de Andrade, que destaca:
Todas as revoltas que uma mulher inteligente é capaz de pensar no Brasil
estão no seu livro. Ele é um libelo sufocante. A armadura da sociedade colonial,
prolongada através de costumes e leis até hoje, esboroa diante do veredito que
resulta. (...) Você realiza no país da literatura de vegetação rasteira, uma raide de
altura. O seu livro é uma urgência. Para mostrar que há outra dimensão, além da
fixada nos anedotários correntes do nosso romance. Você traz para as nossas letras a
verticalidade (SANTIAGO, 1941: 2).
No início da década de 1940, a página 2 do vespertino reserva diariamente
espaço para a crítica literária. E, nesta seção, a produção feminina – como
demonstram os dois artigos selecionados – é bastante valorizada, assumindo A
Gazeta não apenas a defesa da capacidade intelectual feminina, mas utilizando essa
defesa como argumento na luta pela conquista da igualdade de direitos das
mulheres brasileiras.
A Atuação Feminina no Campo das Ciências
Nos anos 1930, a produção científica feminina prodigalizou-se, o que se
comprova pela leitura dos tratados científicos da época. A Gazeta poupa-nos esse
trabalho ao fazer-lhe um registro minucioso, ressaltando a relevância de sua
atuação, valorizando os prêmios recebidos e promovendo conferências com
personalidades internacionais. Destacam-se, sobretudo, as atuações em campos até
então vedados à mulher, como é o das Ciências Exatas, consideradas
incompreensíveis { inteligência feminina. Em 1936, o vespertino reclama: “sempre
se tem negado que as mulheres tenham talento matemático, apesar dos exemplos
das mulheres astrônomas apresentados pelos feministas51”. E contra-ataca: “no
Congresso Matemático Internacional, que acaba de se reunir na capital da Noruega,
figuraram nada menos de 180 mulheres matemáticas: (...) as mulheres alcançaram a
terça parte do total de seus membros52”.
Entre as atuações de destaque, sublinha-se a extensa cobertura dos
trabalhos de Mme. Marie Curie, celebrada como a cientista mais importante e
merecidamente ilustre do mundo. Seu passamento, em julho de 1934, é motivo de
50
Idem.
Mulheres matemáticas In A Gazeta, 17 de agosto de 1936, p. 8.
52
Idem.
51
131
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
extrema tristeza, marcante na reportagem com retrospectiva de seu trabalho,
fundamental para a pesquisa sobre a cura do câncer53. A filha, Irene Curie Joliot,
também é citada com freqüência, pela relevância em Química, conquistando o
Nobel neste campo, em 1935, prêmio que partilhou com o marido, cientista. O
vespertino comemora54, como o faz sempre nestas ocasiões. Basta conferir a
reportagem sobre outra química, desta vez, brasileira, a quem foi conferido o
prêmio São Lucas, instituído pela Academia Nacional de Medicina e que constitui a
mais alta distinção na mais alta entidade médica brasileira. Chefe do Laboratório
Químico-Farmacêutico do Instituto Conde Lara – o que já se trata de um referencial
de destaque e pioneirismo, Helena Possólo tem vários trabalhos publicados,
inclusive no Exterior55.
A passagem de personalidades pelo Brasil merece especial atenção. Em
1934, uma extensa reportagem ocupa a página 5, sobre a visita a São Paulo da
escritora e cientista sueca dra. Hanna Rydh Munk af Rosenschioeld para proferir
uma série de conferências sobre a Suécia antiga e moderna, além de coletar dados
para um livro, incentivando o intercâmbio intelectual entre o Brasil e sua terra natal.
O texto destaca: “é uma das personalidades mais em evidência nas letras e ciências
da pátria de Gustavo V. Pertence à Academia Sueca de Letras, História e
Antigüidade, sendo a primeira mulher56 que consegue uma poltrona durante a
existência de 200 anos dessa instituição57”. E continua com um relato detalhado de
seu currículo: recebeu o grande prêmio do International Federation of University
Women’s, para estudar a idade da pedra paleolítica na Espanha e França; iniciou
escavações e explorações na Suécia; como attachée temporaire do Museu de St.
Germain, em Lage (França), realizou inúmeras viagens de estudos a quase todos os
países da Europa, além da Palestina, Egito e África do Norte; faz parte de grande
número de outras instituições e associações científicas de seu país, da Alemanha e
da França.
No ano seguinte, São Paulo recebe a visita de várias figuras de relevo na
Medicina e Higiene sul-americanas que vieram participar do Congresso de Higiene
53
Morreu hoje cedo, em Paris, a mulher mais ilustre do mundo – Mme. Marie Curie faleceu aos 67
anos, depois de uma vida toda dedicada à cura do cancro In A Gazeta, 4 de julho de 1934, p. 3.
54
Prêmios Nobel – Os vencedores dos prêmios de Física, Química e medicina deste ano In A Gazeta,
16 de novembro de 1935, p.4.
55
Atividades científicas – Conferido o prêmio “São Lucas” à química Helena Possólo In A Gazeta, 10
de outubro de 1940, p. 4.
56
Apesar da resistência da Academia Sueca de Letras, História e Antigüidades em aceitar uma mulher
em seus quadros, a Suécia, desde 1870, admite mulheres nas faculdades de medicina e, no início do
século XX, concede a elas os mesmos direitos que aos homens. No final do século já existem
professoras nas faculdades de Matemática e Medicina. Na mesma época, as professoras do
equivalente ao Ensino Fundamental e Médio, que somam um contingente de 63% do quadro, fazem
parte dos conselhos de supervisão (espécie de conselho administrativo). Para maiores informações,
ver G. Richard. La Femme dans l'Histoire; Étude sur l'Évolution de la Condition Sociale de la Femme,
op. cit., pp. 199-200.
57
Uma cientista sueca em São Paulo – Encontra-se em nossa capital a dra. Hanna Rosenschioeld In A
Gazeta, 22 de março de 1934, p. 5.
132
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Mental, entre elas, a dra. Paulina Luisi, cientista uruguaia de renome internacional.
O vespertino sublinha:
Pioneira do movimento feminista na sua pátria, a dra. Paulina
Luisi, além de médica notável é um espírito de facetas múltiplas (...).
Corajosa, dinâmica e dotada de uma energia rara, (...) há 20
anos que vem trabalhando tenazmente em prol dos centros de saúde na
República Oriental (...).
Animadoras das mais altas idéias e tendo tomado parte
destacada em numerosos congressos internacionais, (...) conta cerca de
40 anos de cátedra na Faculdade de Medicina de Montevidéu e uma
bagagem deveras apreciável de obras consagradas à higiene e medicina
social especialmente58.
A Educação Feminina para o Trabalho
A mulher deve ser educada para o lar. Para ser boa esposa, boa mãe e boa
dona de casa. Esse pensamento norteou por muito tempo a mentalidade brasileira,
sobretudo nas décadas de 1930 e 1940, como deixa transparecer a leitura d’A
Gazeta. Diante, porém, dos novos papéis que a mulher começa a desempenhar no
mundo inteiro, ensaiam-se algumas mudanças. Para ser boa esposa, boa mãe e boa
dona de casa, não basta conhecer profundamente os misteres domésticos. É
preciso também se informar e se instruir. A partir de meados da década de 1930, tal
confronto de papéis torna-se evidente nas páginas do vespertino, seja por
intermédio dos artigos que debatem a educação feminina, seja pela própria pauta
de educação selecionada.
Na cobertura diária, ganham destaque dos cursos de aprimoramento na
execução das tarefas domésticas às bolsas de estudo oferecidas pelo governo
norte-americano para aprimoramento universitário59. Em agosto de 1936, por
exemplo, o jornal convocava as “senhoras de preparo acadêmico” a concorrer a
uma bolsa de estudos oferecida pela American Association of University Women,
para se aprimorarem em sua área de atuação, uma vez que é exigida a conclusão do
curso universitário60. Um aspecto importante são os campos de atuação
contemplados pela bolsa: educação, pesquisas científicas, biblioteconomia, trabalho
58
Dra. Paulina Luisi – Uma curiosa individualidade uruguaia de projeção mundial In A Gazeta, 23 de
outubro de 1935, p. 3.
59
Os Estados Unidos foram um dos primeiros países a conceder às mulheres o direito ao ensino
universitário, após a Guerra da Secessão, no final do século XIX (ver G. Richard. La Femme dans
l'Histoire; Étude sur l'Évolution de la Condition Sociale de la Femme, op. cit., p. 175).
60
Às senhoras de preparo acadêmico – Bolsa de estudo da Associação Universitária Feminina dos
Estados Unidos In A Gazeta, 18 de agosto de 1936, p. 8.
133
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
de previsão social, saúde pública e higiene – ou seja, atividades ainda relacionadas
aos papéis de mãe e esposa. Segundo Carmen Barroso (1982),
A freqüência das explicações de caráter biológico, como justificativa das
condições de desigualdade encontradas no ensino, foi paulatinamente mudando de
tônica na primeira metade deste século, tendo-se deslocado do componente orgânico
para a referência às capacidades inatas, que abrangem não apenas as características
físicas e genéricas, mas as próprias formas de ser e de comportar-se dos indivíduos.
As diferenças naturais servem também para emprestar ao conceito de
vocação um sentido que leva a consagrar a ordem estabelecida. Os cursos de nível
médio e profissional, com currículos que devem atender às especificidades da condição
feminina, não só contribuem para reforçar-lhes as desigualdades educacionais, como
devem também preparar a mulher para determinadas profissões consideradas mais
adequadas ao seu próprio sexo. As diferenças ditas naturais, aliadas ao conceito de
vocação, acompanham agora o discurso sobre a importância do trabalho da mulher,
que cresce em função das condições históricas que conduziram à expansão do surto
industrial, determinando uma absorção de maior parcela da força de trabalho
feminina em determinados setores de emprego (BARROSO, 1982: 52).
A importância dada às atividades profissionais que refletem os chamados
papéis femininos não diminui, contudo, a valorização da capacidade intelectual
feminina, de um desempenho brilhante. É o caso de Anita Castilho Cabral61,
vencedora do concurso de técnico de educação, cujo prêmio foi uma bolsa de
estudos de aperfeiçoamento em Northampton (Massachussets – Estados Unidos).
O destaque que se dá a Anita não pode ser limitado ao fato de ser professora, uma
atividade reconhecida como feminina, mas deve ser creditado ao seu valor como
profissional. Professora de Psicologia Educacional da Escola Normal Caetano de
Campos e assistente da cadeira de Psicologia da Seção de Filosofia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, ela foi recomendada pelo
dr. Rubião Meira, então reitor da Universidade de São Paulo; dr. Fernando de
Azevedo, atual diretor da Faculdade de Filosofia; dr. Lourenço Filho, professor da
Universidade do Brasil e diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos;
professor Jean Maugué e Paul Arbousse-Bastide, da Universidade de São Paulo, e
pelo dr. Edmundo Miranda Jordão, presidente do Instituto da Ordem dos
Advogados Brasileiros e consultor jurídico da embaixada norte-americana – todos
nomes que atestam a qualidade de seu trabalho.
A instrução é valorizada, desde a mais primária, como os cursos de
alfabetização. Uma nota divulgada na Página Feminina, em 1937, elogia a iniciativa
do rei Zogú, da Albânia, concedendo um crédito para sustentar em todas as
localidades do reino cursos especiais destinados às mulheres analfabetas. O
vespertino comenta: “Felizmente, n~o h| rinc~o da terra onde as novas idéias não
criem raízes, permitindo assim que a mulher ocupe na vida social o lugar que lhe
corresponde62”.
61
Bolsa de estudo a uma jovem paulista – A srta. Anita Castilho Cabral, vencedora do concurso de
técnico de educação, seguirá este mês para os Estados Unidos In A Gazeta, 2 de agosto de 1941, p. 5.
62
Na terra do rei Zogú In A Gazeta, 13 de setembro de 1937, p. 10.
134
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Que lugar seria esse? O jornal reflete as dúvidas e as contradições da
“sociedade moderna”, como ele próprio a chama, nos artigos publicados sobre a
educação e o trabalho feminino. De fato, se, por um lado, muitas vezes, ressalta que
“Os costumes na sociedade muito se têm transformado. E, nessas mudanças, tem
sido reservado { mulher um papel importante (ELZA, 1936: 8)”, por outro, esse
papel freqüentemente ainda aparece vinculado às funções familiares. Neste artigo
dedicado à reflexão sobre a importância da educação feminina, a articulista Elza
Fortes horroriza-se ao se lembrar do tempo em que a mulher era renegada à mais
completa ignorância:
Não está muito distante de nós a época em que se dizia ser supérfluo ensinar
e instruir as mulheres. Além dos deveres caseiros, dos diversos pontos de costura e
bordado e, quando muito, o saber tocar uma valsinha ou uma canção ao piano, nada
mais era destinado às mulheres... Julgava-se até prejudicial e impróprio que
conhecessem os princípios mais elementares da leitura e da escrita (ELZA, 1936: 8).
Ao refletir sobre os institutos profissionais do Rio de Janeiro, Maurício de
Medeiros lança uma nova luz sobre a atribuição feminina das tarefas domésticas,
que seria obscurecida pelos movimentos feministas e só seria retomada nos últimos
anos do século XX: os cuidados com o lar devem ser vistos com praticidade. Fazem
parte da vida e como tal merecem o devido preparo. Daí a recomendação de incluir
um curso de artes domésticas nas escolas primárias (MEDEIROS, 1938: 1.). Ao tocar
na questão, Maurício de Medeiros destaca um aspecto que, na segunda metade da
década de 1930, aparece constantemente nos debates relativos ao perfil da mulher
moderna: em contraposição à tradicional – e conservadora – valorização dos papéis
de esposa, mãe e dona-de-casa, surge uma tendência de depreciação ao exercício
exclusivo desses papéis.
Mas, se dá espaço àqueles que defendem a modernização apenas dos
papéis femininos, por outro lado, o vespertino valoriza a revisão desses papéis
tradicionais, por meio da abertura de novas frentes no mercado de trabalho. Daí as
matérias sobre as novas profissões e as conquistas profissionais, como também o
destaque que é dado a iniciativas como a do governo turco que, em 1936, emite
duas séries de selos em homenagem à mulher: a primeira representa as novas
profissões femininas aviadora, agente de polícia, estenografa etc., enquanto a
segunda é consagrada às laureadas do Prêmio Nobel: Marie Curie, Grazie Deledda,
Berta Von Stuttner, Jane Adams, Selma Lagerlof, Sigrid Undset e Chapman Catt. Os
selos são vendidos em benefício da Aliança Internacional Feminina. O jornal ressalta
que “até na Turquia, onde a mulher foi por séculos e séculos oculta atrás dos véus
que as escondiam do mundo exterior, as filhas de Eva já abandonaram os costumes
ancestrais para ingressar, também elas, nas Escolas e Universidades...63” e a aç~o
governamental é o próprio reconhecimento da capacidade profissional feminina.
63
Até na Turquia In A Gazeta, 14 de dezembro de 1936, p. 14.
135
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
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136
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Periódicos
A Gazeta - publicações diárias, no período de janeiro de 1928 a dezembro de 1943.
DE TOBIAS PEUCER A GALTUNG & RUGE: UM OLHAR PARA AS
SISTEMATIZAÇÕES HISTÓRICAS DO CONCEITO DE VALOR-NOTÍCIA64
Marcos Paulo da SILVA65
Doutorando em Comunicação pela UMESP
1.Introdução
Em busca de uma identidade ainda nos dias atuais, o conceito de valornotícia pode ser interpretado como uma concepção-chave que apreende a atenção
de analistas desde a gênese do jornalismo moderno. Mesmo historicamente
construído, tal definição não escapa das controvérsias teóricas que permeiam ainda
hoje o debate acadêmico sobre a prática jornalística. Neste sentido, a concepção de
valor-notícia (ou critério de noticiabilidade), umbilicalmente ligada à problemática
da seleção noticiosa, divide opiniões no âmbito teórico-metodológico a respeito de
sua abrangência e sistematização.
Conforme alerta Nelson Traquina (2008, p. 62), “diversos estudos sobre o
jornalismo demonstram que os jornalistas têm uma enorme dificuldade em explicar
o que é notícia, de explicitar quais são seus critérios de noticiabilidade, para além de
respostas vagas do tipo ‘o que é importante’ e/ou ‘o que interessa ao público’”. Na
contramão das controvérsias, o próprio autor português oferece uma definição
lúcida do conceito:
Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de
critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento
jornalístico; isto é, possuir valor como notícia. Assim, os critérios de
noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que determinam se um
acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser
julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por
isso, possuindo ‘valor-notícia’. (TRAQUINA, 2008, p. 63).
64
Trabalho encaminhado ao GT 1 – História do Jornalismo do I Encontro de História da Mídia do
Sudeste, realizado entre os dias 29 e 30 de abril de 2010, na Universidade Presbiteriana Mackenzie,
em São Paulo.
65
Jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus BauruSP. Doutorando em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Bolsista do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
137
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A definição conceitual de noticiabilidade, entretanto, não elimina o campo
jornalístico de uma das principais indagações sobre o assunto: como ocorre a
definição de tais critérios ou, em outros termos, como os acontecimentos, de fato,
tornam-se notícia? Neste cenário, a delimitação do conceito de noticiabilidade
carece de complementação a partir do aprimoramento teórico dos critérios que
antecedem e caracterizam a seleção de notícias. Em última instância, não basta
questionar o porquê de as notícias se caracterizarem como tais, mas – ainda além –
quais os motivos que levam determinados assuntos a receberem a valoração de
notícias em detrimentos de outros.
A proposta deste artigo é lançar luz – por meio de uma revisão bibliográfica
crítica – sobre algumas das principais sistematizações históricas em torno da
concepção de valor-notícia. O objetivo é localizá-las em um plano contextual,
ressaltando suas contribuições para a formatação – que se prolonga até a
contemporaneidade – de um quadro conceitual amplo e complexo sobre o assunto.
A idéia de existência de uma tipologia própria para os critérios de
noticiabilidade remete a Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge, pioneiros em
apresentar, na década de 1960, uma lista sistematizada de valores-notícia – motivo
que concede aos pesquisadores dinamarqueses o status de referência nos estudos
da área. Contudo, muito antes de o assunto integrar a arena dos debates
acadêmicos que abordam a prática jornalística no século XX, esboços da concepção
de noticiabilidade já eram indicados em trabalhos seminais, como é o caso da
famosa tese de Tobias Peucer, defendida em 1690, na Alemanha. Apesar de
aparentemente não ter pretendido uma teoria para o jornalismo, Peucer acabou por
delinear importantes conceitos retomados séculos depois em pesquisas sobre o
“fazer jornalístico”.
O recorte empírico deste artigo consiste, portanto, nas contribuições
históricas dadas por esses dois arcabouços conceituais aos estudos do jornalismo.
Trata-se de concepções teóricas elaboradas em épocas históricas distintas, porém
que – pelo pioneirismo – passaram a configurar marcos referenciais para a pesquisa
acadêmica.
1.1 A contribuição histórica de Tobias Peucer
O século XVII chegava ao fim quando na Universidade de Leipzig, na
Alemanha, o erudito Tobias Peucer, após estudar medicina e teologia, apresentou
sua tese “De Relationibus Novellis”66, considerado o primeiro estudo teórico a
abordar a noticiabilidade no mundo ocidental. Defendido em 1690, o estudo de
Peucer delineou categorias de valores-notícia consideradas ainda hoje nos estudos
de jornalismo. Porém, embora pioneira em definir tais categorias, a tese do autor
66
O estudo de Tobias Peucer tem suas principais partes traduzidas em língua portuguesa no texto
“Tobias Peucer: o progenitor da Teoria do Jornalismo”, de Jorge Pedro Sousa, publicado no Brasil
pela Universidade Federal de Santa Catarina. (SOUSA, 2004).
138
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
alemão não representa o primeiro estudo do século XVII a contribuir com questões
teóricas sobre a prática jornalística. Na estruturação de sua argumentação, o
próprio Peucer utiliza-se, conforme justifica Sousa (2004, p.35), de referências de
autores clássicos e de seus contemporâneos:
Na realidade, quando Peucer escreveu a sua tese, existiam já
referentes teóricos da retórica, da filosofia, da história, da jurisprudência, da
ética e da moral que se podiam aplicar ao jornalismo emergente. Alguns dos
autores de que Peucer se serviu eram seus contemporâneos, mas outros
remontavam à antiguidade grega e romana. (SOUSA, 2004, p.35)
Neste cenário, a principal contribuição do estudo de Tobias Peucer para as
reflexões atuais a respeito do jornalismo está na abordagem que o autor faz da
vertente particularmente informativa “dos jornais que relatam acontecimentos,
contam novidades, em suma, dão notícias, percepcionando, claramente, que a
comunicação jornalística, embora possa ter outras finalidades, serve essencialmente
para informar” (SOUSA, 2004, p. 36). Assim, o contexto da obra do autor alem~o é
permeado por variáveis que marcam as primeiras experiências da atividade
jornalística moderna.
A reforma protestante iniciada no século XVI e o abalo que sua
problemática provoca na autoridade da Igreja Católica propunham uma nova
concepção de ética nas esferas do negócio e da política, proporcionando, por
conseguinte, uma nova discussão sobre os assuntos de interesse público. No plano
econômico, a sociedade ocidental dava os primeiros passos na direção da
efervescência tecnológica que culminou na revolução industrial (com seus novos
inventos e uma nova noção de velocidade). No plano político, florescia o debate de
idéias que resultaria mais tarde no liberalismo. Este cenário, somado a fatores
complementares e confluentes de diferentes ordens, propicia – entre outras
modificações sociais – o desenvolvimento dos veículos que antecedem a imprensa
periódica moderna67. Conforme aponta Sousa (2004), os principais fatores que
complementam este pano de fundo no desenvolvimento da imprensa no século XVII
são:
a) O desenvolvimento da tipografia gutemberguiana, surgida no
século XVI, por volta de 1540; b) A expansão da indústria do papel, que
satisfaz a procura crescente de um suporte mais fiável do que o pergaminho
ou o papiro para a indústria tipográfica; c) A vontade de alguns negociantes,
muitos deles proprietários de tipografias, que começaram a ver nas notícias
uma mercadoria capaz de gerar lucro; e) A necessidade de informações
econômicas que alimentassem os negócios numa sociedade capitalista em
expansão; g) (sic) O aumento dos fluxos de informação, a nível nacional e
internacional, que retroalimenta o processo (as publicações aceleram os
67
Entende-se as publicações existentes na parte final século XVI e não os antecedentes remotos de
tais publicações, como, por exemplo, as Efemérides gregas, as Actas Diurnas romanas ou ainda as
crônicas e folhas volantes medievais (SOUSA, 2004).
139
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
fluxos de informação e estes, por sua vez, estimulam o aparecimento de
novas publicações). (SOUSA, 2004, p. 32-33).
Os veículos que serviram de inspiração para o estudo de Tobias Peucer
eram essencialmente heterogêneos e remetiam ainda às tradições da Idade Média.
Embora inseridos em um ambiente de relativa efervescência, conforme apontado
anteriormente, tal modelo de imprensa caracterizava-se pela moral dicotômica
cristã. No entanto, a importância histórica desses periódicos, espécie de
“compêndios noticiosos”, localiza-se no fato de antecederem – com características
comuns – os jornais contemporâneos (SOUSA, 2004, p. 33). Em sua tese doutoral
(que em muito difere das dimensões e da complexidade do modelo de
doutoramento atual), Peucer utiliza 29 capítulos de pequenas dimensões (três ou
quatro parágrafos) para delinear questões que ainda hoje são centrais nos estudos
do jornalismo – entre elas, os conceitos de notícia e de noticiabilidade.
A concepção de notícia trabalhada pelo autor alemão é essencialmente
descritiva, embora universal e atual, e dilui-se em diferentes partes do trabalho
(SOUSA, 2004, p. 36-37). Em resumo, segundo Tobias Peucer, as notícias constituem
relatos expositivos e escritos; sobre singularidades; selecionados entre vários
relatos possíveis segundo a sua importância; condicionados por fatores como o
tempo; que se orientam para os acontecimentos; e que são novos, isto é, oferecem
novidades, o que satisfaz a curiosidade humana (SOUSA, 2004, p. 37). Tais
peculiaridades dialogam com questões contemporâneas relativas ao estudo do
jornalismo, a exemplo dos constrangimentos sofridos no processo de seleção das
notícias, da atividade de gatekeeping, do foco nos acontecimentos (em detrimento
às problemáticas) e, sobretudo, da existência de critérios de noticiabilidade.
Em seu estudo, Tobias Peucer, evidentemente, não se refere de forma clara
à questão dos valores-notícia ou critérios de seleção de notícias. Contudo, conforme
aponta Sousa (2004, p. 41), o erudito alemão tece diferentes considerações
intuitivas sobre tais critérios, apresentando – ainda além – o esboço de uma lista
sobre o deve e o que não deve ser tratado como notícia. Neste sentido, Peucer
delineia, ainda em 1690, categorias sobre as quais as notícias devem versar: coisas
acontecidas recentemente; fatos históricos importantes; temas de interesse cívico;
acontecimentos insólitos; catástrofes; e o que se passa com as pessoas ilustres.
Portanto, mesmo sem configurar-se uma obra de elevada sofisticação do
ponto de vista acadêmico-reflexivo (em que pese também as condições históricas
em que foi produzida), a tese “De Relationibus Novellis”, de Tobias Peucer, tem sua
contundência localizada na abrangência de temáticas e questões, tais como a
discussão em torno do conceito de valor-notícia, que – desde a década de 1960, mas
ainda nos dias atuais – envolvem o debate teórico sobre o jornalismo.
140
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
1.2
O pioneirismo e a sistematização de Galtung e Ruge
As categorias de valores-notícia esboçadas por Tobias Peucer ainda no século
XVII foram sistematizadas de forma pioneira somente na década de 1960 por dois
pesquisadores dinamarqueses: Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge68. Ao
desenvolverem um estudo sobre a cobertura de três crises internacionais – Congo,
Cuba e Chipre – em jornais estrangeiros, Galtung e Huge (1999) são os primeiros
teóricos a reconhecer a existência de critérios de noticiabilidade como critérios
suscetíveis de permitir a atribuição de valor noticioso a fatos e acontecimentos de
forma a se sobrepor à subjetividade jornalística. Clássico por seu pioneirismo, o
estudo de Galtung e Ruge é citado sempre quando em questão o debate em torno
de uma tipologia para os valores-notícia no jornalismo.
Os pesquisadores dinamarqueses partem do entendimento de que a
comunicação noticiosa estrutura-se como uma cadeia, sendo esta iniciada a partir
dos acontecimentos caóticos do mundo e encerrada na imagem pessoal produzida
pelo receptor. Assim, focam-se na etapa inicial do processo: a percepção, a seleção
e a construção de uma imagem dos acontecimentos pelos meios de comunicação,
conforme ilustra o modelo gráfico:
Figura 1 – Cadeia de comunicação noticiosa
(Fonte: GALTUNG & RUGE, 1999, p. 62)
A opção pela etapa inicial da cadeia de comunicação noticiosa é justificada
pelos próprios autores: “Nós estamos interessados, na primeira parte desta cadeia,
nos acontecimentos do mundo até à imagem da notícia, ou, para sermos mais
específicos, à página impressa no jornal desde que os nossos dados se refiram a
isso” (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 63). Em outros termos, Galtung e Ruge referemse a uma pergunta bastante pontual: como é que os acontecimentos se
transformam em notícias? Em resposta ao questionamento e na tentativa de
sistematização de uma lista de valores-notícias, buscam recurso na metáfora:
Imagine-se que o mundo pode ser comparado a um enorme conjunto de estações
de radiodifusoras, cada uma das quais a emitir o seu sinal ou o seu programa no seu próprio
cumprimento de onda. (...) A emissão é contínua, correspondendo ao axioma de que está
sempre a acontecer algo a qualquer pessoa no mundo. Mesmo que ela durma calmamente, o
68
O estudo original data de 1965: GALTUNG, J. e RUGE, M. The structure of foreign news. Journal of
Internacional Peace Research, n.1, 1965. O texto foi traduzido e publicado em língua portuguesa, em
1999, com o título “A estrutura do notici|rio estrangeiro – A apresentação das crises do Congo, Cuba
e Chipre em jornais estrangeiros” como capítulo do livro organizado por Nelson Traquina:
TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: questões, teorias e estórias. 2. Ed. Lisboa: Veja, 1999.
141
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
sono é um happening – o que escolhemos para considerar como “acontecimento” é
determinado culturalmente. O conjunto de acontecimentos mundiais, então, é como a
cacofonia que se obtém quando se procura sintonizar um posto num receptor de rádio, e
sobretudo se isso for feito rapidamente em onda média ou onda curta. É óbvio que esta
cacofonia não faz sentido, e só pode ser inteligível se um posto for sintonizado e escutado
durante algum tempo antes de se passar para o seguinte. (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 63).
Da comparação com a estrutura radiofônica, Galtung e Ruge (1999)
ressaltam a necessidade da seleção (tal qual no dial de um aparelho de rádio) para
que a informação espalhada pelo mundo se torne compreensível. Na seqüência,
apresentam uma lista das implicações envolvidas no ato de seleção. Desta forma, a
partir da metáfora, os pesquisadores dinamarqueses abstraem padrões da estrutura
noticiosa e propõem uma listagem de doze critérios de noticiabilidade (quatro deles
com subdivisões). Assim, para Galtung e Ruge (1999), os acontecimentos
transformam-se em notícia conforme satisfazem as condições de:
F1: Frequência
F2: Amplitude
F2.1: Intensidade absoluta
F2.2: Aumento de intensidade
F3: Inequivocidade
F4: Significância
F4.1: Proximidade cultural
F4.2: Relevância
F5: Consonância
F5.1: Predicabilidade
F5.2: Exigência
F6: Imprevisibilidade
F6.1: Impredicabilidade
F6.2: Escassez
F7: Co ntinuidade
F8: Composição
F9: Referência a nações de elite
F10: Referência a pessoas de elite
F11: Referência a pessoas
F12: Referência a algo negativo
(GALTUNG & RUGE, 1999, p. 71)
Tais fatores – destacam os autores dinamarqueses – não devem ser
entendidos como independentes uns dos outros, mas a partir de inter-relações.
Essas relações, por sua vez, possibilitam a formulação de três argumentos:
1. Quanto mais os acontecimentos satisfazerem os critérios mencionados, mais
possibilidades terão de serem registrados como notícias (seleção);
2. Logo que uma notícia é selecionada, o que a torna noticiável de acordo com
os fatores, será salientada (distorção);
142
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
3. Tanto o processo de seleção como o processo de distorção terão lugar em
todas as fases da cadeia, desde o acontecimento até o leitor (repercussão).
(GALTUNG & RUGE, 1999, p. 71-72).
Entendidos, então, numa perspectiva cumulativa, os doze fatores (ou
critérios) de noticiabilidade passam a compor uma nova problemática: a maneira
como são relacionados entre si na concepção de um produto final (a notícia). Para a
solução de desse problema, Galtung e Ruge (1999), inspirados na perspectiva
matemática69, sugerem duas hipóteses:
Hipótese de aditividade: Quanto mais alta for a pontuação total de um
acontecimento, maior será a probabilidade de se tornar notícia, e de se
tornar manchete.
Hipótese de complementaridade: Porém, um acontecimento não deve
obviamente apresentar uma pontuação máxima de 12 para tornar-se
manchete ou ser escolhido para integrar a página de um jornal. Os critérios
de noticiabilidade podem ser combinados de diferentes maneiras,
permitindo combinações de ordem fatorial. Desta forma, é a
complementaridade dos fatores envolvidos que garante a possibilidade de
um acontecimento tornar-se notícia, ou, em outras palavras, “se o
acontecimento for baixo numa dimensão ou fator, ele pode compensar isso
sendo alto noutro, e ainda ser notícia” (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73). Os
valores-notícia, portanto, relacionam-se entre si e podem ser expressos pela
seguinte fórmula:
Figura 2 – Representação matemática da hipótese de complementaridade
(Fonte: GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73)
Pelas hipóteses de aditividade e de complementaridade, conforme ilustra a
representação matemática, a probabilidade de seleção de um acontecimento e sua
transformação em notícia devem ser entendidas a partir da relação entre as
variáveis Fi e Fj, como explicam Galtung e Ruge (1999):
69
A obra de Johan Galtung – doutor em Matemática e Sociologia – sobre valores-notícia deixa
transparecer as influências do autor pelo estudo das ciências exatas. Apesar do pioneirismo de seu
estudo sobre noticiabilidade ter garantido sua referência nos estudos do jornalismo, Johan Galtung
curiosamente ganhou destaque em sua carreira também na área de relações internacionais, atuando
na mediação de conflitos entre países.
143
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O raciocínio é sempre o mesmo; se um acontecimento é baixo em Fi, então terá
de ser elevado nalgum Fj para ser notícia. Para um Fi baixo, a probabilidade de
um Fj ser alto é maior do que para um Fi elevado – uma vez que o Fi elevado já
contribuiu para a pontuação total. De acordo com a hipótese aditiva, também
existirão notícias em que ambos serão elevados, e aos quais será dada bastante
relevância. Mas acontecimentos em que ambos sejam baixos não serão
admitidos como notícias. (GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73).
Neste cenário, a listagem dos valores-notícia proposta por Galtung e Ruge
(1999), bem como as hipóteses sequenciais para a interpretação da primeira etapa
da cadeia de comunicação noticiosa apresentada (em outros termos, o modo como
os acontecimentos tornam-se notícias), possibilita a elaboração de um quadro
sistemático de distribuição dos acontecimentos de acordo com suas possibilidades
de noticiabilidade (chamado pelos autores dinamarqueses de “quadro de tricotomia
de acontecimentos de acordo com a noticiabilidade):
Quadro 1 – Tricotomia de acontecimentos de acordo com a noticiabilidade
Fi
Fj
Pontuação de
noticiabilidade
Tipo 1
Notícias
Elevado
Elevado
2
proeminentes
Tipo 2
Notícias
Elevado /
Baixo /
1
vulgares
Baixo
Elevado
Tipo 3
Acontecimentos
Baixo
Baixo
0
não-notícia
(Fonte: GALTUNG & RUGE, 1999, p. 73)
O estudo de Galtung e Ruge (1999), como já indicado, consiste na primeira
experiência teórica de elaboração de uma tipologia para os critérios de
noticiabilidade no jornalismo. Decorre daí o fato de a pesquisa ter se tornado
referência nos estudos comunicacionais que adotam jornais como recorte empírico.
Contudo, o modo como os autores apresentam sua perspectiva, amparados em
hipóteses que seguem relações matemáticas (o que revela uma ancoragem nos
modelos positivista e funcionalista da ciência), enrijece as categorias de valoresnotícia e coloca o estudo em uma posição passível de revisões críticas a partir de
abordagens mais elaboradas guiadas pela perspectiva culturalista.
Considerações finais
Por que as notícias são como são? O questionamento seminal deste trabalho
– que foca-se especificamente em uma abordagem de cunho histórico – permanece
latente nos estudos teóricos que se preocupam com o “fazer jornalístico”.
Procurou-se, neste sentido, fornecer uma contribuição ao debate por meio da
releitura de dois arcabouços teóricos clássicos que propiciam visões representativas
para a definição histórica do conceito de noticiabilidade.
144
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A precariedade da elaboração reflexiva dos autores revisitados, sobretudo
sob o ponto de vista das correntes que observam o jornalismo por uma ótica
culturalista, deve ser entendida em um plano contextual (ou seja, vinculada aos
parâmetros teóricos/metodológicos/científicos dos respectivos contextos
históricos) e não retira o mérito referencial das pesquisas citadas. Como
construções conceituais históricas, os valores-notícia somente recebem nos dias
atuais o status de formulações teóricas complexas a partir de um longo embate
dialético dado no campo do conhecimento. Desta forma, a constituição de uma
grelha conceitual complexa a respeito da noticiabilidade que se projeta no cenário
atual – viabilizada por formulações de diferentes ordens, das abordagens
sociológicas contemporâneas às contribuições discursivas – deve também respeito,
entre outras variáveis, às concepções clássicas de Tobias Peucer e Galtung & Ruge.
Ademais, as sistematizações teóricas apresentadas neste trabalho tornam
latentes ao menos outros dois pontos que merecem ser observados pelos estudos
acadêmicos. Da formulação seminal de Tobias Peucer e de seu apontamento no
século XVII sobre questões ainda contemporâneas (a exemplo dos
constrangimentos sofridos no processo de seleção das notícias, da atividade de
gatekeeping e do foco dos jornais nos acontecimentos em detrimento das
problemáticas) ressalta-se um profícuo diálogo com o que Mitchell Stephens (1993)
chama de “qualidades duradouras” do jornalismo, processo que permite { atividade
noticiosa transpassar as possíveis determinações conjunturais de uma dada época
(há algo de duradouro no jornalismo que se sobrepassa as peculiaridades
históricas).
Por fim, as formulações de ordem matemática de Galtung e Ruge devem ser
observadas como representativas de um momento histórico hegemônico do
funcionalismo no campo comunicacional e do paradigma positivista como modelo
científico total. Assim, observado sob as lentes da epistemologia atual, a
contribuição dos pesquisadores dinamarqueses reveste-se de uma pertinência
diferenciada. Um olhar histórico para a questão permite verificar que são projetados
em toda uma tradição da pesquisa acadêmica no campo comunicacional os mesmos
reflexos das determinações funcionalistas que pautam Galtung e Ruge na década de
1960. Categorias clássicas de valores-notícia historicamente estabelecidas,
estanques, por exemplo, perpassam décadas e continuam a frequentar bibliografias
de estudos sobre o jornalismo. Tais categorias são admissíveis do ponto de vista
operacional e técnico, contudo, em uma perspectiva antropológica (ou seja, a partir
do entendimento do jornalismo como uma construção cultural) apresentam-se
excessivamente reducionistas da prática social da atividade noticiosa.
Por meio de uma abordagem teórico-metodológica de natureza culturalista,
o jornalismo e a questão da noticiabilidade são inseridos em um quadro mais
complexo e podem ser compreendidos como produtos de influência de variáveis de
diferentes naturezas – econômica, política e, sobretudo, sociocultural. Ainda assim,
a inserção da atividade jornalística em uma perspectiva análitica de maior
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
complexidade não retira a importância histórica das definições pioneiras da
noticiabilidade de Tobias Peucer e Galtung & Ruge como marcos referenciais para o
estudo acadêmico.
Referências Bibliográficas
GALTUNG, Johan, RUGE, Mari Holmboe. A estrutura do noticiário estrangeiro – A
apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros.
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TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística / uma comunidade
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WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. 8.ed. Lisboa: Editorial Presença, 2003.
146
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
G
T2 HISTÓRIA DA PUBLICIDADE E
COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A ANÁLISE DO DISCURSO DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS DE EMPRESAS
DE TELEFONIA MÓVEL, DIRECIONADAS A JOVENS UNIVERSITÁRIOS
Denio Dias ARRAIS
Escola superior de Propaganda e Marketing – ESPM – SP
Programa de Mestrado
Introdução
Os estudiosos e pesquisadores significam um fato, um acontecimento, uma
imagem ou um símbolo; por intermédio de análises. Uma maneira particular de
analisar um fenômeno é através da linguagem. Essa forma de significação originou a
Análise do Discurso, movimento que tem como palco principal a França nos anos de
1960 que viu nascer a Escola da Análise do Discurso de linha francesa pelas mãos de
Pêcheux. Para Orlandi (2009, p.15), o estudo do discurso “procura compreender a
língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral,
constituído do homem e da sua história”.
Schaff (1971, p.248) afirma que “A palavra é sempre uma operaç~o de
pensamento, no sentido da experiência que o sujeito faz das significações das
palavras, tanto sob forma de conceitos como sob forma de representações”. Tratase, portanto, de um cenário em que o sujeito é sujeitado por significações próprias –
experiência – ou advindas de várias fontes de discurso, dentre elas a publicidade.
A mídia apresenta narrativas elaboradas pela estratégia publicitária, que
objetivam “chegar” ao indivíduo. Indivíduo este que ao receber a narrativa torna se
sujeito. O discurso publicitário que se apresenta têm o sujeito como centro de suas
manifestações; sujeito que, ao receber e produzir discursos trabalha com um
referencial: uma memória discursiva própria, que compõe sua “bagagem” cultural e
experiências resultantes das mediações que realiza em grupos sociais. Sobre este
sujeito, Gregolin (2003 p.27) assim o descreve:
O sujeito não é considerado como um ser individual, que produz discursos com
liberdade: ele tem a ilusão de ser o dono de seu discurso, mas é apenas um efeito do
ajustamento ideológico. O discurso é construído sobre um inserido, um pré-construído - um jálá -, que remete ao que todos sabem, aos conteúdos já colocados para o sujeito universal, aos
conteúdos estabelecidos para a memória discursiva.
Para Pêcheux (apud GREGOLIN, 2004, p.) “n~o h| sujeitos individuais no
discurso, h| ‘formas-sujeito’, ou seja, um ajustamento do sujeito { ideologia” . Um
conjunto de ideias próprias de um grupo ou do inconsciente coletivo, de uma época,
e que traduzem uma situação histórica são entendidas como ideologias que
determinam as narrativas e os diálogos presentes na sociedade. Assim, às
estratégias publicitárias, via narrativas, procuram identificações com as ideologias
existentes na sociedade de consumo contemporânea.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A trama forjada pelas relações sociais, entre indivíduo-indivíduo, indivíduomercado e indivíduo-sociedade é conectada pela comunicação e contribuem para a
formulação dos discursos presentes na publicidade.
A Publicidade e o Discurso
Os meios de produç~o utilizam “mecanismos” para divulgar seus produtos mercadorias, e um dos caminhos mais frequentes para isso é a publicidade. Esta se
apropria de simbologias e ideologias a fim de desenvolver as narrativas existentes
no texto publicit|rio. Para Bakhtin (1988, p. 32), “qualquer produto de consumo
pode, da mesma forma, ser transformado em signo ideológico. O pão e o vinho, por
exemplo, tornam-se símbolos religiosos no sacramento crist~o da comunh~o”. Os
meios de comunicação têm o papel de levar ao indivíduo o discurso estruturado,
que busca uma significação perante o público sujeitado pela mensagem.
O anúncio apresentado na sequência é exemplo de uma campanha
publicit|ria que tem em seu discurso a mensagem: “Também somos loucos por U2”.
Em essência a Motorola - empresa fabricante de aparelhos celulares - coloca à
disposição dos fãs de uma das bandas de pop-rock mais populares do Globo,
modelos de aparelhos celulares que possuem o conteúdo da musical e clipes da
banda. A “personalizaç~o” do produto traz significado para os f~s incondicionais e
para simpatizantes da banda U2.
Figura1. http://pdvnews.blogspot.com/2009/03/motorola-e-ogilvy-lancam-loucos-por-u.2-html
Conforme mencionado anteriormente o slogan da campanha da Motorola
“Também somos loucos por U2” procura evocar uma aproximação aos fãs da banda
irlandesa U2, isso se faz através da narrativa que coloca a empresa na condição de
um “igual” ou “t~o-fã-quanto”. Busca-se, assim, uma identificação com o fã através
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
do discurso e das imagens que a peça publicitária é apresentada na mídia. Segundo
Baccega (2003, p.9), “na contemporaneidade, a realidade que nos cerca passou a
ser conhecida e reconhecida a partir da mídia, sobretudo da televisão. Vivemos num
mundo editado, e é com ele, nele e a partir dele que se constroem novas variáveis
históricas”. A mídia colabora com a formaç~o da identidade – através da
comunicação e do consumo - de cada um e também da sociedade como a
conhecemos.
De um lado, haverá o enunciado que encontra um correlato: o destinatário,
em um processo que envolve a enunciação, que é assim entendido por Bakhtin,
(2000, p. 356):
O enunciado sempre tem um destinatário - com características variáveis, ele pode ser
mais ou menos próximo, concreto, percebido com maior ou menor consciência - de quem o
autor da produção verbal espera e presume uma compreensão responsiva. Este destinatário é o
segundo - mais uma vez, não no sentido aritmético-. Porém, afora este destinatário - o segundo,
o autor do enunciado, de modo mais ou menos consciente, pressupõe um superdestinatário
superior - o terceiro -, cuja compreensão responsiva absolutamente exata é pressuposta seja
num espaço metafísico, seja num tempo histórico afastado.
Contudo, o uso de narrativas e imagens – símbolos - “afinam” a
identificação com o grupo social que reconhece o sentido. Segundo Baudrillard
(2000), a linguagem publicitária é conotação pura, e o discurso é sempre alegórico.
Os rituais de consumo, os sistemas de modas e as significações são
estudados pela publicidade. Para McCraken (2003,p.109):
O sistema de modas é o instrumento de movimentação de significado um pouco mais
complicado que a propaganda. No caso desta, o movimento é realizado pela agência de
publicidade e por seus esforços em desprender o significado do mundo culturalmente
constituído e transferi-lo para um bem de consumo, por meio de um anúncio... o processo
dispõe de mais fonte de significado, agentes de transferência e meios de comunicação. Parte
desta complexidade adicional pode ser capturada... para transferir o significado para os bens.
Outra campanha, desta vez de uma operadora de telefonia móvel a Nextel,
utiliza a imagem de inúmeras personalidades reconhecidas pelo jovem. Dentre elas,
uma em particular tem uma afinidade maior com o jovem universitário. A escritora,
roteirista e apresentadora Fernanda Young é uma das garotas-propagandas dessa
operadora, que tem como mote “Converse sem limites”. Segundo Orlandi (2009, p.
12): “É pelo discurso que melhor se compreende a relaç~o entre
linguagem/pensamento/mundo, porque o discurso é uma das instância materiais concretas - dessa relaç~o”. Conversar sem limites remete { liberdade de express~o
e de conversaç~o, de poder se relacionar sem barreiras, “manifestações” estas
desejadas pelo jovem que tem a formação de sua identidade elaborado pela
comunicação e consumo.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
No anúncio ao lado da foto de Fernanda Young, o texto traz a trajetória
pessoal e profissional da apresentadora, caracterizada por sua personalidade forte
e polêmica. Assim, a operadora apropria-se da notoriedade dela e de sua
identificação com o público jovem, a fim de buscar a assimilação e o
reconhecimento junto a um determinado grupo social. Fernanda Young tem como
leitores de suas obras literárias e de seu programa televisivo (Irritando Fernanda
Young — canal GNT), jovens em idade universitária. A campanha explora o
retrospecto de vida de Fernanda Young, que alcançou notoriedade e sucesso,
“rompendo limites”, que a coloca na condiç~o de pertencer ao chamado “Clube do
Ilimitado”.
A condiç~o de “estrelar” a campanha da Nextel se dá muito provavelmente
pelo entendimento do anunciante em considerar que a protagonista tenha
conseguido e conquistado em sua carreira algo notório pessoal e profissionalmente;
característica que é percebida por quem a conhece. Com isso presume se que haja
um diálogo entre a projeção e visibilidade social da protagonista e a sociedade - ou
parte dela -, colabora com a narrativa do mote da campanha; gera significação, para
Bakhtin, (2000, p. 290):
o ouvinte que recebe e compreende a significação - lingüística - de um discurso adota
simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou
discorda - total ou parcialmente -, completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta
atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de
compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo
locutor.
Figura 2.
http://www.propmark.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=56506&sid=2&tpl=printer
view
A exploração de estereótipos é presente nas narrativas publicitárias e no
uso dos símbolos. Lippman (1972, p.158) revela que “o estereótipo, de fato, pode
ser tão consciente e autorizadamente transmitido, em cada geração, de pai para
filho que quase parece um fato biológico” Nesta campanha, é evidente a presença
de estereótipos: o estilo de vida, do trabalho e de viver de Fernanda Young induz
que é uma representante legítima da juventude contemporânea. Para Lippmann
151
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
(1972), as nossas opiniões se formam a partir do que os outros relataram e do que
somos capazes de imaginar. A tragetória pública – e midiática – de Fernanda Young
é destacada por esta peça publicitária, procurase vincular por meio da narrativa –
“sem limites” – e de imagens /símbolos, a particular trajetoria pessoal e profissional
de Fernanda Young, como uma pessoa “sem limites”.
A campanha da Nextel, como mencionado anteriormente, tem outras
personalidades ilustres que representam diversos segmentos da sociedade, como
escritores, atletas, chefs de cozinha, empresários, cantores, além de outros.
Outro a compor o “elenco de ilimitados” é o técnico de futebol Andrade,
que comandou o time do Flamengo do Rio de Janeiro na conquista do Campeonato
Brasileiro de futebol em 2009. A campanha constitui, assim, o uso de outro
estereótipo muito comum no Brasil: o chamado “mundo do futebol”, envolvendo
glórias, riquezas, sucesso e, neste caso, também as vitórias dentro do ambiente
profissional; não só, provavelmente, pela notoriedade repentina em uma conquista
esportiva importante, mas pelo signo que representa a conquista. Para Bakhtin
(2000, p.51), “a significaç~o constitui a express~o da relaç~o do signo como
realidade isolada, com uma outra realidade, por ela substituível, simboliz|vel”.
“Uma linha de pode ser o fim. Ou o começo”. Além do estereótipo que acerca o
meio futebolístico. Aqui temos também a presença do arquétipo do herói.
Figura 3. http://mmimg.meioemensagem.com.br/galeria/gr_nextel_600.jpg
Para Bakhtin (1981, p.3),
A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do
autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características,
mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Ela possui independência excepcional na
estrutura da obra, é como se soasse ao lado da palavra do autor coadunado-se de modo
especial com ela e com as vozes plenivalentes de outros heróis.
Tanto Fernanda Young quanto Andrade, assim como os demais locutores
de narrativas apresentadas pelo “clube do ilimitado”, evocam em sua falas o
“heroísmo”, tornando o discurso uníssono de uma ideologia única e própria.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
No ideário popular, de certa forma, uma manifestação do inconsciente
coletivo é esta visão estereotipada de que o Brasil é o país do futebol. Nós,
brasileiros, como sociedade, como sujeitos, somos sujeitados por discursos
estereotipados; apelos a manifestações esportivas ou artísticas, principalmente
futebol e carnaval, diante de olhares diferentes de outras sociedades. Para Bakhtin
(2000, p.36):
ainda que conseguíssemos apreender o todo de nossa consciência, no acabamento
que ele adquire no outro, esse todo não poderia impor-se a nós e assegurar nosso próprio
acabamento, nossa consciência o registraria e o superaria, assimilando-o a uma modalidade de
sua unidade que, no essencial, é pré-dada e por-vir; a última palavra pertencerá sempre à nossa
consciência e não à consciência do outro; quanto à nossa consciência, ela nunca dará a si mesma
a ordem de seu próprio acabamento.
Juventude estereotipada das campanhas de celulares
Conforme o entendimento de Lippman (1972, p. 150), “um relato é o
produto conjunto do conhecedor e do conhecimento no qual o papel do observador
é sempre seletivo e geralmente criativo. Os fatos que vemos dependem da posição
em que estamos colocados e dos h|bitos de nossos olhos”.
As empresas operadoras de telefonia móvel e as fabricantes de aparelhos
celulares se utilizam das estratégias publicitárias com o propósito de divulgar seus
serviços e produtos. O público-alvo é o jovem -e por que não dizer- o jovem
universitário. Nota-se o apelo das campanhas publicitárias, pois em sua grande
maioria estão presentes personagens jovens desempenhando atividades do
cotidiano, no passeio, no relacionamento social e afetivo, no trabalho, no ambiente
de estudo e em inúmeras atividades das quais o jovem participa. Observa-se a
utilização de imagens que contenham figuras que representam estereótipos. Na
sequência, ha três peças publicitárias da operadora de telefonia celular Claro, que
também utiliza a figura de jovens.
Figura 4:http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 5:http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html
Figura 6: http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html
Baccega (1998, p.90) entende que “o discurso é o lugar do encontro entre
o lingüístico e as condições sócio-históricas constitutivas das significações, e a
an|lise do discurso se constrói nesse encontro”. O discurso dos anúncios acima
coloca o leitor (sujeito) na condição capaz de efetivar a portabilidade, isto é, de
escolher a operadora que o apraz; seja por uma postura pessoal, seja por um novo
atrativo tecnológico, o discurso apresenta a possibilidade de autonomia.
Para Bakhtin (1988, p. 294), “nem todas as palavras se submetem da
mesma forma, com a mesma facilidade, a essa apropriação, a essa apreensão e
transformação em propriedade privada: muitas palavras teimosamente resistem,
outras permanecem alheias, soam estranhas”. As frases apresentadas nos três
anúncios: “A portabilidade de um sujeito Claro”, “Eu escolhi dizer a verdade” e “Eu
escolhi a tecnologia 3G” s~o acompanhadas de imagens e símbolos/ imagens de
estereótipos ligados à juventude urbana dos grandes centros. As estratégias
publicitárias focam-se nos estereótipos que retratam a juventude; narrativas que se
justificam em função de a grande maioria dos jovens serem ávidos por novidades
que envolvam a comunicação, o entretenimento e as ações que facilitam ou
favoreçam as relações em redes sociais.
Bakhtin (1988, p.225) também afirma que o “discurso não reflete uma
situação, ele é uma situação. Ele é uma enunciação que torna possível considerar a
performance da voz que o anuncia e o contexto social em que é anunciado”. A
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
construção da narrativa e as enunciações envolvem concordâncias e discordâncias
que produzem elaborações e reelaborações contínuas entre interlocutores; entre
responsáveis pela produção das mensagens publicitárias e os jovens universitários
consumidores de telefonia celular.
Sociedade do Discurso
Os discursos das campanhas publicitárias das empresas que operam a
exploração direta ou indireta da telefonia celular com aparelhos ou serviços servemse do simbólico para construir suas narrativas. Sobre a produção simbólica,
considera Bourdieu (1998, p. 12): “o campo de produç~o simbólica é um
microcosmo da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na
luta interna do campo de produção que os produtores servem os interesses dos
grupos exteriores ao campo de produç~o”. S~o os interesses dos produtores do
discurso, por meio dos anúncios publicitários, destinados aos receptores, que este
artigo o entende como o jovem universitário. As inter relações existentes entre
produtores e receptores colaboram para a formação de uma sociedade do discurso.
Para Foucault (2009, p.40):
é certo que n~o mais existem “sociedades de discurso”, com esse jogo ambíguo de
segredo e de divulgação. Mas que ninguém se deixe enganar; mesmo na ordem do discurso
verdadeiro, mesmo na ordem do discurso publicado e livre de qualquer ritual, se exercem ainda
formas de apropriação de segredo e de não permutabilidade.
O jovem universitário consumidor de telefonia móvel, ao ser abordado pelo
discurso dos anúncios publicitários, tem sua identidade construída e supostamente
também têm sua história escrita pela recepção das narrativas e pela
experimentação do consumo. Sobre discurso e história, Baccega (1998, p.35)
entende que:
O discurso da história é a manifestação, elaborada no presente, por um
indivíduo/sujeito que, ‘preso’ a uma determinada formaç~o ideológica/ formação discursiva –
no caso a história -, debruça-se sobre o passado e na condição de sujeito ativo nesse processo
de conhecimento, vai articular um determinado modo os fatos históricos, mostrando, nessa
articulação, nesse enredamento, seu ponto de vista sobre a contemporaneidade e sua proposta
de futuro.
O discurso é tridimensional, constituído por Sociedade-História e
linguagem. Sua produção se dá na história, numa sociedade, pela linguagem e pelo
simbólico; é uma prática; uma ação do sujeito sobre o mundo. Assim, o discurso “se
não sofrer os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter à língua e à
história, ele n~o se constitui, ele n~o fala, ele n~o produz sentidos” (ORLANDI,
2009, p. 49).
O sujeito – o jovem universitário – acompanha a história e a ideologia
convergirem para a linguagem, mas não tem o controle de efeitos das narrativas.
Segundo Orlandi (2009, p. 20), “o sujeito de linguagem é descentrado, pois é
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle
sobre o modo como elas o afetam”. Contudo, a construç~o da identidade deste
sujeito é construída com as narrativas, e daí a importância da Análise do Discurso
para compreensão deste fenômeno social.
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Paulo: Editora Moderna, 1998.
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
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23/12/2009
Acesso
em
Figura 4, 5 e 6
http://www.esato.com/archive/t.php/t-177198,1.html. Acesso em 10/01/2009
A HISTÓRIA DE UMA MARCA. DO LOCAL AO DESTERRIOLIZADO
Fernanda Mayer dos Santos Souza70
Mestre em Administração - UFES
Casa Universitário Vila Verlha - ES
1 Introdução
O processo de consumo e o percurso de construção de marcas têm
passado por uma série de transformações na contemporaneidade. Um dos
fenômenos que contribui para esse cenário de mudanças é a globalização, mas,
junto a ele, concorrem vários outros fatores.
Este paper volta-se, justamente, para o estudo do processo de construção
de uma marca. Para isso, a pesquisa encontra-se dividida em três momentos: a
evolução do estudo da marca, o deslocamento da ênfase no comportamento do
70
Trabalho apresentado no GT História da Publicidade e Comunicação Institucional
157
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
consumidor para o processo de consumo e, em especial, o foco do presente artigo,
a história da empresa Chocolates Garoto e sua marca.
Na contemporaneidade, assiste-se a um processo de grandes mudanças no
fenômeno de consumo. No cenário em que se vive hoje, o consumo transformou-se
em um processo incessante e ininterrupto e, a reboque, uma série de aspectos
passa por transformações. Com o aumento do consumo, a variedade dos produtos
oferecidos amplia-se, tornando-se indispensável identificá-los. É a marca que passa,
então, a cumprir tal tarefa.
A marca torna-se, assim, elemento na construção social, ou seja, o processo
pelo qual os consumidores passam a conhecer e a identificar as mercadorias se dá
por intermédio desse elemento. Cabe a ela apelar a aspectos racionais como preço,
tamanho e forma, bem como a questões emocionais, como status, sonho,
personalização, prazer.
Essa trajetória revela certo deslocamento no mundo das marcas, um
percurso de distanciamento do tangível e de aproximação do intangível. Bauman
(2001) contribui para a compreensão do contexto em que essa transformação
ocorre. Para o autor, se o consumismo voltava-se para o estudo das necessidades
do consumidor, na atualidade, envereda na dimensão do desejo, associando-se a
uma entidade mais volátil. A migração das necessidades para os desejos sinaliza,
dentre outros fatores, uma movimentação do que é intrínseco ao produto para algo
extrínseco. “N~o se compra apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de
mobiliário. A busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por
receitas de vida é também uma variedade da m|xima import}ncia” (BAUMAN, 2001,
p. 87).
Em meio a esse cenário, as marcas remetem, então, a experiências
prazerosas, a momentos de lazer, dentre outros apelos com grande carga
emocional e sensorial, isto é, passam para a dimensão do imaterial, significando e
prometendo receitas de vida.
O presente paper objetiva, então, analisar o processo de construção da
marca Chocolates Garoto no período compreendido entre 1956 e 2001. Busca
compreender o percurso da referida marca que, ao longo do tempo, passa a
incorporar diferentes repertórios de significados.
2. A Relação marca e consumo
Selos, siglas e símbolos eram usados, desde a Antiguidade, para marcar e
identificar animais, armas e utensílios. Estas marcas eram usadas, também, para a
indicação da proveniência do produto agrícola ou manufaturado. Já na Idade Média,
as marcas voltavam-se para o controle da quantidade e da qualidade da produção.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Num cenário de grande variedade de produtos e intensa competitividade, a
função da marca transforma-se. Mais do que sinalizar ao consumidor a origem do
produto e proteger tanto o consumidor quanto a própria empresa fabricante, a
marca constitui aspecto de diferenciação perante o mercado, influenciando no
processo de compra.
Torna-se necessário, também, refletir sobre os impactos no ambiente das
marcas gerados pela globalização. O fenômeno da globalização tem correlação com
a revolução tecnológica e ambos interferem nas decisões de marca. A possibilidade
de estender as fronteiras para a comercialização de produtos e a avalanche
informacional constituem aspectos que mudam a concorrência e a construção de
marcas. Em função da competitividade, da necessidade de gerenciamento do
volume de dados disponíveis ao consumidor, da oportunidade de alcançar outras
regiões, países e, até mesmo, continentes, observa-se o crescimento do
investimento nas marcas.
Em meio a esse cenário desafiador, a marca tem sua carga simbólica
potencializada, para representar “[...] uma conex~o simbólica e afetiva estabelecida
entre uma organização, sua oferta material, intangível e aspiracional e as pessoas
para as quais se destina” (PEREZ, 2004, p. 10).
Pode-se afirmar, assim, que o conceito de marca passa por uma mutação,
tornando-se mais refinado. Compreende-se a marca como uma construção
sociocultural e, para alcançar o que desejam, as empresas devem recorrer a um
conjunto de estratégias. Busca-se, com isso, o processo de criação de valor, sentido
e símbolos. Entrementes, o valor n~o é o único atributo da marca. “Nesse contexto
de consumo, as marcas assumem destaque nas relações de compra e venda, indo
além da idéia de meras facilitadoras das transações comerciais para transformar-se
em poderosos e complexos signos de posicionamento social e de ser no mundo”
(PEREZ, 2004, p. 3).
Marc Gobé (2002, p. 29), outro estudioso do tema, mostra a importância do
aspecto emocional da marca.
O futuro da criação de marcas é escutar as pessoas com atenção para desenvolver
uma forte conexão com elas, apresentando-lhes soluções de melhoria de vida em seus mundos.
No futuro, as empresas tradicionais não terão a capacidade de confiar na história de sua marca
ou na dominância dos sistemas clássicos de distribuição: elas deverão focar a apresentação de
marcas com forte conteúdo emocional.
Para o autor, trabalhar com os aspectos emocionais da marca significa
despertar sensações e sentimentos nos consumidores, o que, na atualidade, é
condição básica para atrair ou manter clientes. Considera que
Criar marcas é uma relação de pessoas para pessoas e não uma relação de fábrica
para pessoas. Uma marca precisa ter qualidades humanas e valores emocionais – precisa ter
159
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
uma personalidade, expressando a cultura empresarial através de imagens que seduzem as
pessoas. Se conseguirmos fazer que os consumidores queiram formar uma parceria com a
marca, criamos com sucesso uma conexão emocional duradoura (GOBÉ, 2002, p. 378).
Esses valores emocionais associados à marca serão fundamentais, pois
influenciarão no processo de construção social, ou seja, o que os consumidores irão
relacionar a este produto para que o item se torne essencial.
Nessa perspectiva, Gobé (2002, p. 243) destaca que as marcas não são
estáticas, possuem muitas facetas em suas personalidades, devendo estabelecer
uma conex~o íntima com o estilo de vida do consumidor. “As marcas precisam
transcender a forma linear, geralmente dirigida à onipresença, para conectar-se
com os consumidores emocionalmente, de maneiras diferentes em tempos
diferentes”.
Essa metamorfose no universo da marca está diretamente ligada aos
deslocamentos no mundo do consumo. Segundo Barbosa (2004), principalmente
no início da década de 80, o consumo passa a ter um interesse sociológico,
originando duas pressuposições teóricas. A primeira refere-se ao consumo como o
centro no processo de reprodução social de qualquer sociedade, com isso, todo ato
de consumo é compreendido como essencialmente cultural. A segunda
pressuposição caracteriza a sociedade moderna contemporânea como uma
sociedade de consumo, ou seja, o consumo passa a assumir uma função além da
satisfação das necessidades.
Nesse sentido, uma das características predominantes da sociedade de
consumo é a insaciabilidade. O processo de consumo altera-se, os produtos
ultrapassam as necessidades básicas e são desenvolvidos sistemas e práticas de
comercialização para atingir novos mercados consumidores.
Para Canclini (1997, p.53) consumo “é o conjunto de processos
socioculturais em que se realizam a apropriaç~o e os usos dos produtos”. Assim, o
consumo passa a ser estudado de forma mais abrangente. “Consumir é participar
de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usálos”, ou seja, a sociedade e o consumo est~o relacionados: um interfere no outro.
Nesse contexto, o consumo, seja de caráter pragmático ou subjetivo, passa
a ser uma atividade presente em toda sociedade. Transforma-se em um processo
permanente, contínuo, logo que um desejo ou necessidade é satisfeito, já há outro
desejo ou necessidade { espera, de maneira que “cada compra nos leva a uma nova
desilusão, o que explica a nossa determinação de sempre achar novos produtos que
sirvam como objetos de desejo a serem repostos” (BARBOSA, 2004, p. 53).
O comportamento do consumidor torna-se um campo interdisciplinar, que
leva a interpretações diferentes e nem sempre complementares. Segundo Canclini
160
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
(1997, p.15), as identidades dos indivíduos “configuram-se no consumo, dependem
daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir”.
Sarlo (2006, p. 28, grifo da autora) sintetiza de modo contundente a
relação entre consumo e identidade que permeia o cenário contemporâneo, ao
afirmar que “[...] os objetos nos significam”.
De acordo com Di Nallo (1999), a transição da sociedade tradicional para a
sociedade moderna é caracterizada pela liberação das relações e dos papéis
construídos ao longo do tempo. Já a passagem da sociedade industrial para a
sociedade contemporânea é caracterizada pela relação do papel econômicoocupacional no processo de construção e pela manutenção da identidade do
sujeito, ou seja, é a transição da sociedade da centralidade para a sociedade da
acentralidade.
O processo de diferenciação simbólica e de crescente complexidade que
caracterizou o desenvolvimento da sociedade contemporânea é a origem de
profundas e importantes mudanças na dimensão existencial do indivíduo (DI
NALLO, 1999). Essas considerações são complementadas por Barbosa (2004, p.56):
A idéia de que o consumo ocupa na vida contemporânea o lugar de outras
instituições que não possuem mais legitimidade para definirem o que somos e devemos ser – e,
portanto, somos aquilo que possuímos, e como tal somos sujeitos desconstruíveis e
permanentemente mutáveis – pode ser contraposta a uma outra perspectiva. Qual seja, o
verdadeiro local da nossa identidade deve ser encontrado não nos produtos que consumimos
ou naquilo que possuímos, mas na nossa reação a eles.
Gradativamente, na sociedade contemporânea, o comportamento do
consumidor migra para a valorização de fatores irracionais, como intuição, fantasia
e emoção. Desta forma, os estudos relacionados ao tema comportamento ganham
complexidade e acabam por se dedicar à compreensão dos aspectos emocionais.
Sahlins (2003) pondera, nessa perspectiva, que os produtos não possuem
apenas propriedades físicas, mas, também, valor de uso. A utilidade do produto não
é apenas uma qualidade, mas uma significação das suas qualidades.
Sem o consumo, o objeto não se completa como um produto: uma casa desocupada
não é uma casa. Entretanto, o valor de uso não pode ser compreendido especificamente ao
nível natural de “necessidades” e “desejos” – precisamente porque os homens não produzem
simplesmente “habitaç~o” ou “abrigo”: eles produzem unidades de tipos definidos, como uma
cabana de camponês ou o castelo de um nobre. […] Nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem
movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem
(SAHLINS, 2003, p. 169 e 170).
A organização da demanda fica, então, associada ao o simbolismo dos
produtos. A decisão de comprar ou não deriva da significação do produto, ao
161
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
universo que ele representa, aspectos que estão impressos na construção de uma
marca.
3. Percurso de Construção da Marca Chocolates Garoto
Com o início das operações da Chocolates Garoto, no começo do século XX,
pode-se dizer que a história da empresa, de certa forma, se entrelaça com a história
capixaba, sendo considerada, então, por muito tempo, um dos símbolos fortes do
Estado do Espírito Santo.
Para compreender essa história, é necessário comentar o percurso de seu
fundador. Assim, em 1921, o imigrante alemão Henrique Meyerfreund chega ao
Brasil a procura de oportunidades para uma nova vida. Sem recursos e com apenas
20 anos, começa a trabalhar na região de Pancas, como auxiliar de um agrimensor
francês que conhecera no navio em que viajou.
Após um ano, ao contrair malária, tem de ser internado. Deixando o
hospital, emprega-se na Torrefação Teutônia, mas, em paralelo, busca um negócio
próprio e, então, identifica que em todo o Estado do Espírito Santo só existia uma
fábrica de balas e doces.
No ano de 1925, Henrique planeja abrir uma fábrica de balas. Compra
máquinas de segunda mão na Alemanha e, dois anos depois, inicia a produção de
balas, criando a fábrica Aymorés, em Vitória. No entanto, Henrique, além de
enfrentar problemas técnicos, também tem o nome da empresa contestado, pois já
existia um tradicional fabricante de biscoitos com esse nome. Por conseqüência,
decide interromper o negócio e viaja para a Alemanha, em busca de capacitação
técnica.
De volta em 1929, arrenda e adapta um velho balcão em Vila Velha, Espírito
Santo, iniciando a produção das primeiras balas de açúcar. O jovem Henrique faz
praticamente tudo, da produção à venda. Os principais produtos fabricados são
pimenta, balas, canela e fermento. As primeiras balas são vendidas por meninos, em
tabuleiros, nos pontos de bonde de Vila Velha. Por isso, em pouco tempo, as balas
da H. Meyerfreund & Cia. passam a ser chamadas pelos compradores de balas
Garoto. Com a boa aceitação, rapidamente passam a ser distribuídas para casas
comerciais, tanto da capital como das cidades do interior do Espírito Santo.
Em 1934, Henrique recebe uma pequena herança dos seus pais que haviam
ficado na Alemanha, montante utilizado na compra de máquinas para a produção de
chocolates. Dois anos depois, consegue financiamento para montar uma fábrica
mais moderna. A fábrica é instalada no bairro da Glória, local em que até hoje a
Chocolates Garoto se encontra.
162
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Com a nova infra-estrutura e produtos à base de chocolate, a empresa
entra numa fase de grande desenvolvimento, passando a vender seus produtos
para todo o interior do Espírito Santo e parte dos estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Bahia.
Em 1938, H. Meyerfreund & Cia. ganha um novo sócio, Günther Zennig que,
além de capitalizar a empresa, permite novos investimentos na modernização da
estrutura produtiva e comercial, também trazendo novas ideias. No entanto, no
período de 1939 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, a H. Meyerfreund & Cia.
tem seu crescimento interrompido. Henrique, por ser alemão, é detido, mas,
curiosamente, a fábrica mantém suas operações com o gerenciamento de
interventores federais.
Durante o período de guerra, muitas propriedades de alemães e italianos
são destruídas. Acredita-se que a H. Meyerfreund & Cia. é poupada por já ter
conquistado o respeito e admiração da comunidade, bem como por gerar vários
empregos e ser vital para muitas famílias e para a própria economia do Espírito
Santo.
Com o final da guerra, a H. Meyerfreund & Cia. retoma seu crescimento.
Novas máquinas são adquiridas na Inglaterra e os processos de produção passam a
ser continuamente modernizados. Em 1948, os produtos da Garoto já chegam em
outros estados brasileiros, especialmente da região nordeste. Em 1959, os bons
resultados da empresa levam Henrique a tomar uma iniciativa inédita: 15% do lucro
líquido da empresa passam a ser distribuídos aos funcionários, como gratificação de
final de ano.
Em 1962, a H. Meyerfreund & Cia. sofre uma grande perda, Zennig morre
em um acidente aéreo. Naquele mesmo ano a H. Meyerfreund & Cia. transforma-se
em uma sociedade anônima de capital fechado e passa a ser Chocolates Garoto S.A.
Embora, apenas em 1962, a empresa tenha adotado oficialmente o nome
Chocolates Garoto, desde a década de 30, as embalagens, tanto das balas quanto
dos chocolates, já estampavam a marca Garoto.
Ainda na década de 60, os filhos de Henrique Meyerfreund, Helmut e
Ferdinand, passam a dividir as responsabilidades com o pai. Em 1973, com o
falecimento de Henrique, Helmut assume a presidência da Chocolates Garoto.
A partir de informações fornecidas pelo Centro de Documentação e
Memória da Chocolates Garoto - CDM, a logomarca da Garoto foi criada em 1933. Há
duas versões sobre sua criação. Na primeira comenta-se que o criador da logomarca
foi Eugênio Sebastião Heinbeck, pessoa próxima da família Meyerfreund. Já na
segunda versão, a logomarca foi criada pelo artista plástico capixaba Aldomário
163
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Pinto. Nenhuma das versões possuem comprovações, entretanto a primeira é
confirmada por Helmut Meyerfreund71.
Consta nos registros do CDM que a logomarca foi criada pelo artista
plástico Aldomário Pinto e que há um desenho original, que pode ser visto ainda
hoje na fachada e na chaminé da empresa, feito por Eugênio Sebastião Heinbeck.
Helmut, entretanto, lembra de Heinbeck, mas não recorda de Aldomário Pinto.
Figura 1
Desenho original pintado na fachada da Chocolates Garoto
O mais importante é que esta logomarca resiste ao tempo, acompanhando
a trajetória da empresa até os dias atuais. Algumas alterações ocorreram, mas as
características do menino permaneceram. O CDM também tem alguns registros
sobre o primeiro desenho, que teria sido feito pelo próprio Henrique Meyerfreund,
no qual o personagem carregava uma bandeja de cacau, mas também não há
comprovação. No anos 50, Günther Zennig aperfeiçoou a logomarca. A bandeja foi
trocada pela placa com o nome Garoto escrito em sua superfície. Assim, com o
tempo, o menino foi modificado de acordo com os estilos predominantes de cada
época.
Em 1999, foi criada uma nova logomarca. A identificação da empresa passa
a ser o próprio nome Garoto, escrito dentro de um retângulo amarelo, cuja parte
inferior assemelha-se a uma onda, na cor vermelha. O amarelo e o vermelho foram
escolhidos por significarem vibração, energia e alegria. O formato do retângulo dá
um significado de movimento, passando a harmonia das formas. Apenas em 2002, a
logomarca recebe o
de marca registrada, ano em que a Garoto obtém a
concessão do registro de sua marca em outros países.
Figura 2
Marca atual
Faz parte desse trajeto para o resgate e análise da marca Garoto, a busca
por informações e materiais disponíveis no CDM. Nesta tentativa de sistematização
de uma série de eventos, de resgate de uma memória, os documentos que
71
Informação obtida a partir de contato telefônico mantido em 16/12/2005 com Helmut Meyerfreund.
164
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
constituem o corpus da presente pesquisa são jornais, revistas e periódicos
arquivados que remontam à história da empresa desde 1956. A composição desta
parte do estudo é, portanto, fruto de uma exaustiva pesquisa documental.
Para o tratamento das informações obtidas nesta pesquisa, torna-se
necessário elaborar uma tabela com a quantidade de reportagens publicadas sobre
a Chocolates Garoto. Esse procedimento possibilita a melhor visualização dos temas
e palavras-chave abordados nos documentos reunidos. A análise desse conteúdo,
ocorrida em uma segundo etapa, permite a identificação dos momentos de
evolução da marca Garoto. Consegue-se vislumbrar, então, três momentos que
caracterizam esta evolução:
1º. Momento: passagem da marca associada ao nome da família,
surgimento da marca Garoto cunhada pelo senso comum e consolidação regional;
2º. Momento: desenvolvimento da marca da empresa nacional e
internacionalmente;
3º. Momento: desterritorialização da marca.
Estes três momentos ficam bem ilustrados quando se estabelece uma
correlação com a quantidade de reportagens veiculadas sobre a Garoto a partir de
1956 até 2001, sendo o primeiro período de 1956 a 1989, o segundo período de 1990
a 1997 e o terceiro período de 1998 a 2001.
No primeiro momento, a marca usada era a abreviação do nome do dono
da empresa, H. Meyerfreund & Cia. No entanto, a partir da década de 30, por causa
dos garotos vendendo as balas da H. Meyerfreund & Cia., a empresa passa a ser
conhecida por Garoto.
Esse período caracteriza-se pela marca associada ao nome da família.
Curiosamente, mesmo não sendo oficial, a partir da década de 30, os produtos
possuíam como marca o desenho de um menino, com o nome Garoto destacado. Os
funcionários do CDM contam aos visitantes que o sócio de Henrique Meyerfreund,
Güther Zennig, propôs a mudança do nome, mas Henrique foi contra. Após um
acidente aéreo, em que Zenning morreu, em homenagem ao amigo e sócio, o nome
da empresa é modificado.
A primeira propaganda arquivada no acervo do CDM, datada de março de
1956, assemelha-se a um convite do próprio dono da empresa para que os
consumidores façam uma visita { empresa: “F|brica de Chocolates, bombons, balas,
caramelos e pastilhas. Indo a Vitória ou Vila Velha, não se esqueça: visite a fábrica
Garoto e compre para sua família e amigos, os bombons e balas Garoto. H.
Meyerfreund e Cia.”. Observa-se, inclusive, que esse anúncio-convite traz a
assinatura do proprietário da empresa.
165
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 3
Primeira propaganda registrada da Garoto
Fonte: Jornal A voz da lavoura, março de 1956
Apenas em 1962, a empresa oficialmente passou a se chamar Chocolates
Garoto. Até este ano a área de abrangência da empresa restringe-se ao Espírito
Santo. As reportagens sobre a então H. Meyerfreund & Cia. são vinculadas ao
desenvolvimento local e à família dos donos da empresa.
Em síntese pode-se constatar que o primeiro momento de evolução da
marca Garoto foi o período mais longo. O surgimento da marca Garoto ocorre pelo
senso comum e o seu gerenciamento é muito pequeno, pois não era um assunto
abordado na época. Percebe-se a simplicidade ao tratar da marca, uma vez que não
há registro sobre o criador do primeiro desenho e a resistência do fundador em
mudar o nome da empresa.
No segundo momento, a partir da década de 90, os investimentos na
Garoto intensificam-se, aumentando a diversidade de produtos. A empresa alcança
repercussão nacional, sendo assunto em jornais do Nordeste, Sudeste, Sul e CentroOeste.
São lançados vários produtos como Chocolate em Pó, Linha de Natal, nova
embalagem da caixa do Serenata de Amor, nova embalagem do bombom Crocante,
Talento, Barras de 30 gramas (Speed, Golf e Chocolate ao leite), Mundy e
Personalidades. Tais lançamentos são divulgados como mídia espontânea,
provavelmente, através de release enviado pelo Departamento de Comunicação da
Garoto para diversos jornais e revistas.
Neste período, o presidente da empresa é Helmut Meyerfreund, filho do
fundador. O nome da empresa e o nome do presidente estão muito associados,
várias reportagens sobre a Chocolates Garoto possuem foto do Helmut ou
entrevista com ele.
Pode-se considerar este momento como o período de grande
desenvolvimento da Garoto. A empresa deixa de ser conhecida apenas
166
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
regionalmente, passando a ter destaque em todo o Brasil e no exterior, mas com o
vínculo familiar ainda muito forte.
No terceiro momento da marca, em 1998, há uma briga familiar e, o então
presidente, Helmut Meyerfreund é destituído do comando da empresa. Com a nova
presidência, a marca Garoto inicia um novo processo. O nome da família
Meyerfreund vai aos poucos se afastando da empresa, principalmente, porque, em
2001, é confirmada a venda da fábrica.
Percebe-se que, nesta fase, a marca Garoto, por já estar no mercado
nacional há muito tempo e ter conseguido espaço internacionalmente, consolida-se,
gozando de uma identidade própria. Passa a ter uma projeção independente da
família e da empresa. De certa forma, o investimento necessário para fazer a marca
ganhar força nessas novas fronteiras, acaba por apagar sua origem familiar, em Vila
Velha.
O momento é marcado por um processo de desterritorialização, de modo
que a marca passa a ter um posicionamento forte para os consumidores
independente de sua produção, ou seja, do local onde a fábrica está situada.
O terceiro momento de evolução da marca Garoto é marcado pelas brigas
familiares e pela troca da diretoria. Apesar disso, a empresa continua seu
desenvolvimento, lançando vários produtos e investindo em campanhas de Páscoa
e Natal, por exemplo.
Nesse percurso, a marca Garoto deixa de ser reconhecida apenas como
uma marca capixaba, sendo uma marca brasileira de chocolate. Consolida-se, então,
a desterritorialização da marca.
4. Considerações Finais
A análise dos documentos disponíveis no CDM possibilita a observação de
três momentos determinantes na evolução da marca Garoto. Primeiramente, podese notar a aproximação forte da marca com o nome da família Meyerfreund, como
se a fábrica fosse um dos membros da família. Nesse período, tem-se uma marca
regional, do Espírito Santo. No segundo momento, a marca passa a ter
conhecimento nacionalmente e alcança, também, outros países. Por fim, mo
terceiro momento, a marca Garoto vivencia um estágio que transcende a fronteira
da fábrica e do próprio ES.
Do ponto de vista simbólico, o primeiro momento de evolução da marca
Garoto é marcado tanto pela tradição paternalista de uma empresa que insiste em
usar o nome tradicional da família, quanto pela imposição, por parte dos
consumidores, de uma identidade mais popular, um nome mais palatável ao senso
comum. Ao longo do tempo, a importância da empresa para o Espírito Santo cresce
167
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
tanto a ponto de ser considerada um símbolo do estado, motivo de orgulho para
todo capixaba.
Um dos fatos importantes que caracteriza o segundo momento é o
aumento da popularidade da marca Garoto em várias regiões do Brasil. Outro
destaque é a presença marcante do dono na empresa. Mesmo sendo uma marca de
projeção nacional, o nome de Helmut Meyerfreund e da Garoto ainda estão muito
associados.
O terceiro momento de evolução da marca Garoto dá continuidade ao
aumento da quantidade de reportagens publicadas sobre ela, sendo a maioria sobre
lançamentos de seus produtos feitos de forma espontânea. No entanto, neste
momento, a discussão sobre a venda da Garoto aumenta.
De maneira simbólica, percebe-se o terceiro momento da marca Garoto
como representativo de uma espécie de desterritorialização da marca, traduzida
pela sua assimilação em nível nacional e internacional, deixando de ser associada,
por um número cada vez mais expressivo de consumidores, com uma fábrica
localizada no Estado do Espírito Santo. Atinge, portanto, um status no qual a marca
fala por si só, atribuindo outros significados aos seus produtos. O significado da
marca para seus consumidores transcende as dimensões local e familiar.
Nesse estágio, pode-se afirmar que o Garoto emancipa-se, liberta-se da
família, do seu estado de origem, percurso necessário à consolidação do processo
de conquista do mundo. A marca aproxima-se, por conseqüência, de outro
repertório de significações, que se encontra no âmbito do sensorial, do imaterial, do
prazer.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Livia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
BAUMAN, Zigmnunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CANCLINI, Néstor G. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da
globalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
DI NALLO, Egeria. Meeting Points. São Paulo: Marcos Cobra, 1999.
GOBÉ, Marc. A emoção das marcas: conectando marcas às pessoas. Rio de Janeiro:
Campus, 2002.
PEREZ, Clotilde. Signos da Marca: expressividade e sensorialidade. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2004.
168
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
PINHO, J. B. O poder das marcas. São Paulo: Summus, 1996.
SAHLINS, Marshall D. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na
Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
MARKETING & MODA
Maria Teresa SOKOLOWSKI
Professora da Faculdade Anhanguera de Piracicaba nos cursos
de Pedagogia e Publicidade e Propaganda.
Introdução
Eu, Etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório,
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes, gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidência,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
Ser pensante, sentinte e solidário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
Ora vulgar ora bizarro,
Em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete,
Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam,
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco de roupa
Resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrina me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signos de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
Carlos Drummond de Andrade
Este artigo tem por objetivo contribuir para a compreensão das dimensões
mercadológicas que envolvem o negócio da moda.
170
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Histórico da Moda
O conceito de moda surgiu no século XV, entre o final da Idade Média e o
início da Renascença. “ A raiz etimológica da palavra moda, introduzida na língua
italiana em torno de 1650, é derivada do latim mos, que significa, costume, hábito,
tradiç~o, boas maneiras, moralidade e, ainda, lei, tipo, regra.”72
No passado o conceito de moda era associado exclusivamente ao
vestuário. Ao longo do tempo, os indivíduos e as sociedades têm usado o vestuário
como forma de comunicação não-verbal para indicar ocupação, posição social,
localidade, disponibilidade sexual ou afiliação a determinado grupo.
Atualmente o conceito de moda é usado em vários segmentos como
cosméticos, perfumes, relógios, óculos, canetas, jóias, telefones celulares,
eletrodomésticos, viagens, automóveis e até para animais de estimação.
Linha do tempo da moda
1830 – 1860
Invenção das máquinas de costura e tricô.
1870 – 1890
Lançamento da revista Vogue (em 1889).
1890 – 1910
No Brasil os padrões de “chic” vinham da França, e nossa tardia Belle
Époque revelava nas roupas íntimas e nas toaletes para ir ao teatro ou ao sarau, a
mesma forma alongada, enriquecida pelas linhas sinuosas do Art Noveau. Nos
vestidos de passeio, os quadris apertados ganhavam enfeites drapejados, que
dialogavam com as curvas fechadas das sombrinhas, a proteger do sol o rosto das
jovens senhoras.
Toda a roupa usada pelas pessoas de posse era importada. A elegância
vencia o conforto, pois a moda européia era concebida para outro clima.
1910 – 1922
O zíper teve sua marca registrada.
O século XX entrou em cena aos solavancos, como o automóvel. Artistas
como Lasar Segall, Anita Malfati, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade discutiam
o modernismo. O escultor Victor Brecheret cruzava o oceano em direção à Paris e
trazia de lá novas idéias estéticas do Cubismo e Art Déco. Novidades para a
72
Citação extraída de Marketing e Moda - pág. 09.
171
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
decoração das casas e roupas mais de acordo com o espírito da época. As senhoras
da sociedade não ousavam tanto, mas subiram os vestidos até os tornozelos e
respiravam a libertação do espartilho.
Nesse período aconteceu a Primeira Guerra Mundial. “É com a guerra a
produção têxtil nacional, já que até então a elite brasileira considerava que somente
os tecidos importados tinham qualidade e eram dignos de serem usados. As
importações cessaram com o conflito na Europa e o Brasil, para suprir a lacuna dos
tecidos, começou a fazer moda com o que vinha fabricado em seu próprio território.
Em 1915, nossa indústria têxtil já supria cerca de três quartos da demanda
nacional.”73
1922 – 1934
São Paulo era uma festa. Intelectuais, influenciados por Di Cavalcanti
organizaram um evento pour épater: a Semana de Arte Moderna. As mulheres
agitavam os vestidos curtos, de cinturas baixas e muitas franjas, ao som do
charleston. As mãos se cruzavam e descruzavam sobre as meias coloridas de seda,
ou balançavam os longos colares de cristal. No alto do braço, pulseiras tipo escrava,
de marfim ou serpentes de ouro. Ondulavam as plumas e os leques. O ambiente era
povoado pela sedução consciente dos gestos, conquista definitiva da estética
feminina dos anos 20.
O Modernismo incomodou nas casas clássicas de gosto eclético e
decoração pesada. Pinturas geométrico-cubistas de Segall, móveis e tapeçaria em
Art Déco, móveis da Bauhaus, sem dúvida estranhavam esse ambiente.
O perfil feminino também era cortado nas linhas retas do cabelo à la
garçom e o chapéu-toca, ou simplesmente “toque” protegia as cabeças femininas
mais modernas.
A carestia provocada pela crise do café e a quebra da bolsa de valores em
1929, com grande depressão, o desemprego e a redução de salários, transformaram
a moda. Em tempos de guerra, as roupas extravagantes não ficavam bem.
1934 – 1946
Os nossos costureiros foram a Paris, em busca de Dior ou Givenchy, como
fonte de inspiração para suas criações. Aos poucos começou a existir uma alta
costura brasileira. As consumidoras brasileiras passaram a emprestar seu prestígio
social aos ateliês de Dener, Mme. Rosita, Casa Vogue, Casa Canadá.
A Du Pont desenvolveu o náilon.
73
Citação extraída de Marketing de Varejo - pág. 23.
172
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Deu-se a introdução de corantes sintéticos para tingir as novas fibras
acrílicas e de poliéster.
“A Segunda Guerra Mundial fez realmente o Brasil confeccionar peças
prontas para o varejo de vestuário. Com o bloqueio das importações provocado
pela guerra, acontece de as maisons – antigo nome das casas de varejo de moda
para madames da época – começarem a fabricar roupas para a elite dentro de nosso
país. É o início da confecção de roupa em grande escala, fora do âmbito das
costureiras e modistas.”74
1946 – 1960
No pós-guerra o Brasil participou do processo mundial de reconstrução
industrial, e uma certa euforia desenvolvimentista atingiu todos os campos.
Progresso era a palavra-chave para São Paulo.
O espírito moderno estava nos móveis da classe média, nas estampas dos
vestidos, nos saltos dos sapatos e nas linhas arrojadas dos automóveis.
A indústria têxtil dos anos 50 procurou adequar-se à praticidade da vida
moderna, criando os tecidos sintéticos, que dispensavam o ferro de passar: nylon
para as roupas leves, helanca para os maiôs, tergal para as saias plissadas e calças
de vinco permanente.
Foi nos anos 50 que as máquinas de lavar domésticas apareceram no
mercado. Surgiu também a TV, como meio de comunicação de massa dominante.
1960 – 1974
O rock'n'roll rolava solto nas festas. Ela dançava de saia rodada, blusa de
ban-lon, sapatilhas baixas, lencinho no pescoço, rabo de cavalo. Ele ajeitava o
topete com muita brilhantina, corria o cinto nos ilhoses das calças Lee, subia a gola
do blusão de couro preto e erguia sobrancelhas, como James Dean.
No início dos anos 60 a Fenit organizava grandes desfiles, com a presença
de costureiros franceses, em que a indústria têxtil mostrava suas novas criações. A
Rhodia lançava nesses desfiles a moda brasileira para exportaç~o: “Brazilian Look”,
“Brazilian Fashion”, “Brazilian Nature”.
As roupas subiam e desciam, alargavam e estreitavam, trocavam ligeiro de
canal. Moda saco, chemisier, évasés, tubinho, correntes douradas na cintura. Os
cabelos se armavam e viravam as pontas para fora, tipo gatinho. Olhares, com
74
Citação extraída de Marketing e Varejo - pág.24.
173
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
muito delineador e rímel, ficaram existencialistas. Mary Quant economizava pano
com a minissaia. Pernas largas nas pantalonas, pernas finas nas cigarette. O maiô
perdeu pano na cintura e virou duas peças. O umbigo estava com tudo e a calça
Saint-Tropez o deixava lá em cima.
Os anos rebeldes consumiam de tudo. Todas as modas ficavam logo
démodé.
Os hippies deixavam o cabelo crescer. Moda andrógina, unissex. Todos de
jeans e cabelos compridos, “caminhando contra o vento”.
1974 – 1990
Nos salões do Planalto, dez entre dez mulheres vestiam tailleur. Nas
calçadas do Leblon, desfilavam bumbuns rechonchudos e pós-moldados em
fibras sintéticas. Os points de rock pediam jeans, camiseta e, quem sabe, um blusão
de couro.
Os anos 80 foram tempos de exposição máxima do corpo feminino. Pelas
areias desfilavam asa-delta e fios dentais sem pudor. Já os anos 90 trouxeram algo
mais ardiloso: a sensualidade inusitada. Foi a volta do duas-peças e maiôs inteiros.
Um outro jeito de prender os cabelos. Uma nova maneira de amarrar a
canga – sempre estampadíssima. Um adereço surpreendente: cavalos marinhos ou
estrela de mar? Enfim, uma sandália, uma bolsa de palha, uma água de colônia, um
batom.
E as saias? Nos anos 70, saias pelos calcanhares. Em meados dos 80,
mostravam-se as pernas, e elas subiam cada vez mais. Não havia mais preocupação
com os joelhos à vista e os comprimentos passaram a subir e descer, ao sabor da
preferência pessoal.
“Na década de 80 surgiu um modismo até ent~o inexistente: o culto ao
corpo. Corridas na orla da praia e da lagoa, no Rio de Janeiro favoreciam o corpo
perfeito. Jane Fonda estreava em vídeos, onde o lema era: tem que suar. Os tênis
passaram a serem vistos fora das quadras e começaram a fazer parte de uma moda
lançada nos anos 80: o sportwear. Agasalhos, leggings, moletons, tudo isso passava
a fazer parte do vestuário das pessoas na moda do dia-a-dia.”75
75
Citação extraída de Marketing de Varejo – pág. 34.
174
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
2000
Novo Milênio. Então vale tudo, todas as combinações, todos os estilos.
Aliás, o estilo próprio que faz a diferença. Não existe mais uma regra, um
padrão de moda, o que existem são propostas para o consumidor, que está cada
vez mais exigente, consomem aquilo que mais lhe agrada, muitas vezes pela marca,
ou pelo grupo, pela cultura, enfim pelo universo em que está integrado.
Cada “tribo” faz sua própria moda, essa que muitas vezes, serve para
representar um estado de espírito, uma revolta, um protesto.
Esse é o novo milênio mostrando “sua cara”, ou melhor, “suas caras”.
Marketing e Moda
Antes de associar marketing à moda, é importante colocar que as
terminologias utilizadas respeitam os ambientes distintos, do reconhecimento do
cliente e do consumidor.
Essa diferença é muito mais que uma questão de enunciados. Porém, para o
entendimento do marketing, observamos a seguinte evolução: cliente, usuário final
e consumidor, o indivíduo que compra produtos para consumo próprio ou de
terceiros.
O ambiente da Moda é muito mais do que o tangível. Ao mesmo tempo em
que para o marketing, a Moda também é um caso de amor intangível e muito
antigo!
O composto promocional, especificamente "comunicação", relaciona o
produto, sua divulgação e o processo de consumo. Este processo depende do
conhecimento anterior dos consumidores para que as mensagens possam estimular
a percepção e reconhecimento. O conhecimento dos hábitos de consumo dentro do
ambiente sócio-cultural e das individualidades é construído, principalmente, por
experiências com a aquisição, consumo, satisfação e até superação de expectativas.
“Um exame da história da moda e dos usos e costumes dos diferentes
países revela que todas as sociedades, das mais primitivas às mais sofisticadas,
usam roupas e ornamentos para transmitir informações sociais e pessoais. Assim
como tentamos ler as expressões faciais das pessoas ao nosso redor, também
lemos os sinais emitidos por suas roupas e inferimos, às vezes erroneamente, o tipo
175
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
de gente que são. Essa comunicação não verbal – a linguagem da moda – pode ser
aprendida como qualquer outra linguagem.” 76
Assim sendo, o marketing tem, entre tantos objetivos, o de buscar nos
consumidores os estados mais elevados de disposição de compra.
É a busca constante de uma resposta cognitiva, afetiva ou comportamental,
cuja estratégia central é colocar algo na mente do consumidor, que o faça mudar de
atitude ou o conduza a agir de determinada forma.
O marketing está em tudo que nos cerca. Nos móveis e artigos de
decoração de casa, no carro, no computador, nos alimentos e até na escova de
dente. Claro que as roupas não poderiam ficar de fora. Tudo está impregnado de
marketing e é passível de moda, ou vice-versa.
“Por meio de pesquisa e intuição, o marketing deve identificar as
necessidades e os desejos do cliente, e desenvolver produtos cujo design e
características signifiquem uma evolução. Isso implica criar o produto certo,
comunicá-lo ao cliente, levá-lo até o comprador ou usuário por meio de canais de
distribuição adequados que lhe ofereçam o máximo de conveniências possível, tudo
isso com o menor preço.”77
O marketing afeta a vida de todos. É o meio pelo qual um padrão de vida é
desenvolvido e apropriado pelas pessoas. Há uma enorme confusão entre
marketing e vendas, mas, na verdade, o marketing ocorre antes, durante e depois
do ato da venda.
Marketing combina muitas atividades - pesquisa de mercado,
desenvolvimento de produtos, distribuição, definição de preço, propaganda, venda
pessoal, dentre outras - planejadas para melhorar e satisfazer as necessidades do
consumidor e, ao mesmo tempo, atingir os objetivos da organização.
Trata-se de uma filosofia que não cabe em um departamento. Não é uma
função isolada: deve estar disseminada em toda a organização. Da recepcionista ao
presidente, todos devem respirar a atmosfera de marketing.
Mas o que é estar impregnado de marketing? Uma empresa que tenha
profunda compreensão de seus clientes, mercado-alvo bem definido e habilidade de
motivar seus empregados para alcançar seus objetivos estratégicos, é uma empresa
que respira marketing.
Indústria e estilistas perceberam esse fenômeno, seja ele capitaneado pela
vaidade ou pela necessidade, e oferecem, a cada virada de estação, uma síntese do
76
77
Citação extraída de Fashion Design – pág. 34.
Citação extraída de Marketing e Moda – pág. 27.
176
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
anseio da maioria das pessoas e de um grupo previamente definido. Trata-se de um
sistema de renovação permanente das maneiras de se vestir e de se comportar,
contextualizado no meio ambiente de cada cidadão. Daí brota a moda que,
associada ao marketing, faz com que a roupa deixe de ser um mero pedaço de pano
enrolado no corpo para ganhar dimensões amplas e se transformar numa espécie
de carteira de identidade do cidadão.78
Marketing e Marca
A imagem se sustenta na publicidade, visto que ela é um meio de
expressão, de informação pela combinação de códigos que a compõem, gerando
misturas verbais e não - verbais, onde um conjunto de regras, convencionalmente
estabelecidas e adotadas, são interpretadas por uma determinada comunidade,
podendo influir em seu comportamento, além de ser uma ferramenta de autonomia
e não de passividade. É nesse universo que gravitam as marcas. Além da imagem, as
marcas habitam o mundo dos sonhos, da fantasia e do desejo. As marcas,
principalmente as dos produtos de moda, relacionam-se mais com o imaginário do
que com a realidade.
Mas, o qual o conceito de marca? “Marca é um design visual e/ou um nome
dado a um produto ou serviço por uma organização a fim de diferenciá-la dos
produtos concorrentes, assegurando aos consumidores que o produto será de alta
qualidade e que esta ser| mantida “.79
Os anúncios de grandes marcas mostram o quanto é importante essa
identidade que cada consumidor adota ou estabelece, através da identificação do
seu público - alvo, dirigindo sua publicidade a eles, mostrando o verdadeiro papel do
aspecto visual. Muitas dessas marcas, através desse mundo visual, passam para o
consumidor, uma informação subliminar, muitas vezes sem textos ou falas, apenas
com uma imagem, onde cada um pode representar de uma maneira.
“Uma marca normalmente constrói sua reputaç~o e cria fidelidade para
satisfazer as expectativas de seus consumidores no decorrer de muitos anos, sem
deixar de anunciar suas qualidades exclusivas. Ao aderir a uma marca, muitos
consumidores esperam se apropriar dessas qualidades.”80
Uma marca precisa ter algumas qualidades como instigar, além das
qualidades inerentes ao produto, alguns benefícios intangíveis, como ação ou
emoção. Ser inconfundível, fácil de pronunciar e ser rapidamente reconhecida e
lembrada. As marcas, no setor de moda, vão além dos atributos físicos do produto,
78
Baseado em O Império do Efêmero – pág. 45 e 46.
Citação extraída de Marketing e Moda – pág. 39.
80
Citação extraída de Fashion Design – pág. 31.
79
177
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
elas proporcionam uma imagem de qualidade e status. Além de vestir as pessoas, as
marcas devem sugerir uma ideologia como paz, prazer ou consciência.
O estudo das marcas é fundamental para a concepção do marketing de
moda. A marca é o principal ativo de quem vende produtos de moda. Uma marca
que possui baixa diferenciação terá baixa relevância para o consumidor. Portanto,
“a essência do marketing de moda est| em criar diferenciação para a marca.
Investir na comunicação da marca significa ampliar o conhecimento que o
consumidor tem dela, mas isto não basta: é preciso despertar nele amor e paixão,
ou seja, estima pela marca.”81
Considerações Finais
Não há como negar: a moda está na moda. Andar bem vestido é
fundamental e o consumidor paga o preço que for necessário para ficar elegante,
nem que isso signifique estar levando um produto sem qualidade.
O que parecia um futuro muito, muito distante acabou chegando. Veio o
ano 2000, um novo milênio. E aí, o que há de novo? Para alguns pode até ser
frustrante não encontrar pelas ruas gente vestindo roupas plastificadas ou
metalizadas, quase robotizadas, como o cinema muitas vezes apostou.
Na verdade, o futuro recomendado nos anos 60 só existiu lá, em meio às
incertezas sobre o amanhã e o desejo de se rebelar do presente. Os estilistas
descobriram, no corpo, um suporte eficiente para a criação. O jovem passou a fazer
diferença e a expectativa em torno da ida do homem à Lua e as possibilidades que
poderiam surgir tiveram efeitos imediatos na moda. Looks ultrapsicodelicos e
geométricos tomaram conta dos guarda-roupas da era espacial.
Tecidos de papel, Melinex metálico, craquelê, discos plásticos e metálicos
unidos por argolas de metais, plásticos transparentes e couro brilhante são alguns
dos materiais adotados pelos designers mais irreverentes. Em 1967, Paco Rabanne
lançou uma radical coleção metálica e Courrèges – já tinha lançado em 64 roupas
brancas, em quadrados, usadas com botas de pelica de cano alto – explorou tecidos
vazados e geometrias no ano seguinte. Já Mary Quant assinou uma das grandes
transformações no vestuário feminino do século, a minissaia, em 1965.
O consumidor paga pela etiqueta da marca mais famosa e mais cara
mesmo. A etiqueta, que antes era colocada por dentro das peças, agora é vista do
lado de fora, muitas vezes, fazendo parte do modelo da roupa.
Se ao longo dos séculos, a moda e a marca evoluíram nos seus aspectos
comerciais, também o campo da publicidade sobre a moda evoluiu de forma
81
Citação extraída de Marketing e Moda – pág. 55.
178
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
decisiva. Antes eram os cartazes pintados por artistas, retratando mulheres e suas
roupas em poses conservadoras. Com o advento da imprensa, a moda saiu do
tradicional “marketing boca a boca” e ganhou as p|ginas dos jornais com os
anúncios sobre costureiras e prestação de serviços.
A chegada das primeiras revistas especializadas no Brasil, no século XX
trouxeram para suas páginas impressas em preto e branco e depois em cores,
propostas de anúncios onde a beleza e o bem estar da mulher eram realçadas. A
chegada do rádio no Brasil nos anos 1930, fez com que a moda ganhasse os ares, os
anúncios e os jingles de grandes magazines, o que ajudou a popularizar este tipo de
comércio.
Contudo foi com a televisão, a partir de 1950, que a moda se consolidou
através da edição de desfiles de moda, programas de comentaristas especializados,
concursos de moda e muita publicidade especializada – roupas, adereços, calçados,
bijuterias, jóias, etc – dando ao apelo televisivo, maior glamour e oferecendo novas
possibilidades de venda e visibilidade aos produtos.
Por fim, no século XXI, com o advento da internet, moda, marca e
publicidade compõem um triunvirato indispensável, onde a qualidade e o requinte
andam velozmente em busca de novos nichos de mercado e abrindo-se a
experimentos e conquistas para a fidelização destes públicos.
Referências Bibliográficas
BONADIO, Maria Claudia. Moda! Um perigo para as boas moças: estudo sobre a
imagem feminina (1910-1930). Campinas: Unicamp, 1996.
COBRA, Marcos. Marketing e moda. São Paulo: SENAC, 2007.
DE LAURETS, Teresa. A tecnologia do gênero. In: Tendências e impasses: o
feminismo como crítica da cultura. Org: Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de
Janeiro: Rocco, 1994.
HOLLANDER, Anne. O Sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de
Janeiro: Rocco, 1996.
JONES, Sue Jenkyn. Fashion design: manual do estilista. São Paulo: Cosac Naify,
2005.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seus destinos na sociedade
moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
SCHMID, Erika. Marketing de varejo e moda. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004.
179
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole - São Paulo, sociedade e cultura
nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
PIONEIROS DA PUBLICIDADE NAS CIDADES DE SÃO PAULO E
PIRACICABA: JOÃO CASTALDI E MANOEL DE OLIVEIRA
Adolpho QUEIROZ82
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Há pelo menos cinco ciclos sobre a história da propaganda e da publicidade
nas cidades de São Paulo e Piracicaba a compor uma história que já dura alguns
séculos. O primeiro ciclo foi o da tradição oral, em que viajantes religiosos e
comerciantes vendiam suas idéias e produtos aos cidadãos através da palavra, de
músicas confeccionadas e cantadas especialmente para estas ocasiões, bem como
afixavam informações e cartazes em locais apropriados, os chamados bantos ou o
seu similar jornalístico, o pasquim. Esta tradição durou pelo menos alguns séculos
nas cidades, que ainda não possuíam outras formas de propagar idéias sobre os
produtos e serviços da época.
No segundo ciclo, já no século XIX, com o surgimento da imprensa, vão
aparecer as mensagens escritas e difundidas pelos jornais impressos. Neste período
difundem-se os pequenos anúncios e surgem as primeiras ilustrações impressas. O
Farol Paulistano e A Província de São Paulo pontificam de forma inovadora para a
época em São Paulo, enquanto O Piracicaba despontava como o pioneiro dos
impressos na cidade do interior.
O terceiro ciclo surge com a chegada das emissoras de rádio no Brasil, a
partir de 7 de setembro de 1922. A mais antiga emissora de rádio da cidade de São
Paulo é a Rádio Record, PRB-9, fundada em 1931. Ele se aperfeiçoa a partir das
12h45min horas do dia 28 de agosto de 1941, quando a Rádio Tupi de São Paulo
anuncia a criaç~o do jornal falado “Repórter Esso”, patrocinado pela multinacional
do petróleo e feito sob a supervisão das agências de publicidade Mc Cann Ericson.
Em Piracicaba, a criação da rádio Difusora, em 12 de outubro de 1932 ampliou a
divulgação no campo publicitário.
82
Adolpho Queiroz é Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo,
onde atua no Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Também é professor do Curso de
Publicidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Doutor em Comunicação pela
Universidade Federal Fluminense/RJ. Ex-presidente e ex- Vice-Presidente da INTERCOM, Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e também presidente da POLITICOM,
Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político.
180
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O quarto ciclo surge pela iniciativa visionária de Assis Chateaubriand, que
cria em 18 de setembro de 1950 a TV Tupi e através dela, passa a difundir anúncios
pela televisão, primeiro utilizando-se das garotas propaganda e depois, com a
chegada do vídeo - tape nos anos 60, a iniciar um processo de produção mais
apurado. A primeira experiência piracicabana com a televisão ocorreu nos anos 60,
com a criação de um canal local e uma fábrica de aparelhos, sob o comando do
empresário Romeu Ítalo Ripoli.
E, por fim, estamos em plena era dos anúncios virtuais, realizados pela
internet, fazendo com que as cidades de São Paulo e Piracicaba atuem velozmente
no sentido de criar campanhas cuja vida útil pode durar dias, horas ou até mesmo
minutos
A pasquinada de 1823 em Piracicaba83
Os antecedentes da história da imprensa e da publicidade em Piracicaba
remontam aos dias entre 8 de março a 18 de abril de 1823. Naquela ocasião, uma
série de cinco pasquins, manuscritos, apócrifos e distribuídos de mão em mão,
denunciando a luta de cidadãos comuns contra as forças políticas da então Vila
Nova da Constituição, nome que se dava à cidade naqueles tempos, para a
ampliação da Rua Boa Vista – atualmente denominada Alferes José Caetano – entre
a Rua do Concelho—atualmente Rua Prudente de Moraes – até o salto do Rio
Piracicaba.
Esta série, que teria originado o primeiro crime de imprensa na cidade, está
atualmente sob a guarda do arquivo do Fórum “Francisco Morato”. “““ “A série
teve o seguinte desenvolvimento: o primeiro número tinha como título “Quem
defende a transitaç~o da Rua da Boa Vista”; o segundo pasquim dizia” Quem tem
chamado o Brand~o de pichorreiro”; o segundo pasquim afirmava” Por causa de
que papéis foram o Brand~o e o Teles a Itu”; no quarto número a polêmica
prosseguia sob o título “Para o lado de quem os dois ferreiros abriram princípio de
rua” e no quinto e último exemplar, publicava-se o” Hino ao Pichorreiro e aos Dois
Ferreiros”.84
83
Trechos do capitulo 2 da tese de doutorado do autor, “A trajetória do Jornal de Piracicaba, de 1900
a 1997”, S~o Bernardo do Campo, março de 1998, mimeo.
84
“Desafortunamente, encontra-se momentaneamente desaparecido o único exemplar, que por
justificadas razões, se constitui numa das peças mais antigas da Imprensa paulista. O seu conteúdo
pôde ser resgatado pela edição do Diário de Piracicaba de 01/08/1962, Quarto Caderno, página 1,
onde consta o memorável trabalho de Jair Toledo Veiga intitulado” Crime de Imprensa em Piracicaba
de 1823”, bem como partes substanciais do processo, mercê dos apontamentos daquele
pesquisador. Outras referências podem ser encontradas em: l. Ofício de 15/09/1824 do Dr. Nicolau
Pereira de Campos Vergueiro, próprio ao Maço A do Arquivo do Estado de São Paulo ou à página 179
da” História da Fundaç~o de Piracicaba”, de M|rio Neme, Editora do IHGP, 1974; 2. Di|rio de
Piracicaba, ediç~o de 09/09/1962, Segundo Caderno, Primeira P|gina; 3.” Alfarr|bios” - Há 165 anos o
primeiro crime de imprensa de Piracicaba” e em” Alfarr|bios - Piracicaba, também pioneira na
Imprensa paulista”, publicados respectivamente nas edições de 13 a 17 /10/1980 e a 16 a 22/09/1988,
de” A Província” – PERECIN, Marly Therezinha Germano,” Os versos” chinfrins” e o crime de ser
181
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Este quinto exemplar do pasquim tem sido objeto de diversas
considerações na imprensa local, como o principal antecedente sobre a história da
imprensa na cidade. Naquela ediç~o, o “Hino ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”,
era composto por vinte e uma quadrinhas, entre as quais um estribilho que se
repetia por sete vezes durante o hino/ provocação.
Tem-se ampla informação de que, por conta das calorosas discussões para
a promulgação da primeira Constituição do Brasil, especialmente na cidade do Rio
de Janeiro e em algumas capitais, os pasquins, como objeto de comunicação,
denúncia, esclarecimento ou debate apaixonado, eram mais frequentes e assíduos.
Mas, como lembra Perecin,
“... no Vale Médio do Tietê, o fenômeno é raro” 85
A edição desta série acabou se configurando no primeiro crime de imprensa
de Piracicaba com a abertura de um inquérito no mês de abril de 1823, ordenada
pelo então Juiz Ordinário, José Manuel Bueno, que teve um despacho positivo do
Ouvidor pela Lei Bento Paes de Barros, de 11 de abril de 1823, tendo sido convidadas
a depor trinta e seis testemunhas, cujos nomes e depoimentos constam no
processo original.
Os versos desta quinta edição, disponível para consulta, na visão de
Perecin,
“eram versos mal redigidos e deselegantes... evocando um momento onde a tônica
dominante era dada pela primeira Constituinte, em tumultuado processo de elaboração
daquela que deveria ser a primeira Carta Magna do país... os versos deste último e único
exemplar conhecido denotam os ingredientes básicos de todo pasquim, a inconformidade
perante uma determinada situação ou conjuntura política, induzida ao protesto picaresco, a
irreverência, a comunicação se processando em exageros de linguagem descabida, carregada
de erros grosseiros do idioma e da gramática, veiculando intimidação e ameaças veladas ou
declaradas. ”86
O último pasquim da série apareceu especialmente numa taverna localizada
na praça central, denominada “Venda do Fogo”, local onde paravam os tropeiros e
ponto de encontro para grandes conversas e beberragens.
Os pasquins foram escritos, segundo se supõe, por militantes do Partido
dos 40 Coligados, políticos de origem absolutista, que compunham a oposição na
Câmara Municipal da época e se contrapunham ferozmente aos liberais. Os “40
Coligados” tinham sido derrotados nas eleições de 1822 e nos versos endereçados
povo em Piracicaba”, in” Notícia Bibliogr|fica e Histórica”, Editora da PUCCAMP, Campinas/SP, ano
XXVIII, número 161, abril/junho de 1996, pg. 139
85
PERECIN, M.T. G, idem, página 138.
86
PERECIN, M.T. G, idem, pgs. 137/138.
182
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
aos populares que pleiteavam o prolongamento da Rua Boa Vista, manifestam sua
irritação pela iniciativa vinda de pessoas simples do povo. Segundo Perecin,
“... eles manifestavam sérios ressentimentos, invocando privilégios de
nobreza mais antiga
e enraizada, com o crédito de relevantes serviços prestados no passado... Parecia-lhes
insuportável a interferência dos liberais em questões plebéias que lhes prejudicavam os interesses
materiais. ”87
A iniciativa de solicitar à Câmara de Vereadores o apoio para ampliar a rua –
para tanto, rompendo uma cerca feita pelos então proprietários da área – coube a
um grupo de cidadãos, profissionais de ofícios comuns na época como ferreiros,
ceramistas 88, carpinteiros. Estes cidadãos queriam não só expandir os seus
negócios, como construir casas e alargar as fronteiras comerciais da cidade.
O processo original aponta onze cidadãos como sendo vítimas dos versos
caricaturais: João Manuel Carneiro Brandão, branco, 62 anos, ceramista; Francisco
Telles Barreto, branco, 50 anos, ferreiro; Sebastião Leme da Costa, branco, 86 anos,
carvoeiro; Antonio Leme da Costa, branco, 56 anos, pequeno produtor agrícola;
Salvador Leme, pardo, produtor agrícola; Ignácio de Almeida Lara, alcaide da Vila e
agricultor; Romão Alves de Oliveira, branco, 42 anos, comerciante de molhados,
taverneiro dono da Venda do Fogo; Francisco José de Souza, pardo, 21 anos;
Salvador Alvares Fragoso, branco, 46 anos, lavrador; Antonio de Campos bicudo,
branco, 42 anos, negociante; Desidério José Luis da Motta, branco, 25 anos,
carpinteiro.
Segundo ainda Perecin,
“Concluindo: destes onze, conhecemos a naturalidade de nove, dos quais
apenas um
declara ser nascido em Piracicaba. Destes mesmos onze, constatamos que oito era
eminentemente “vítima urbanas”, os três artes~os (oleiro, ferreiro, caraopina), os dois
negociadores, o alcaide e os dois que” viviam das suas agências”, embora estes três últimos
também tivessem interesses rurais. Dos três agricultores, dois deles, pai e filho, possuíam
interesses urbanos como fornecedores de carvão e certos trabalhos de ferraria. Porém,
lembramos que Piracicaba, a exemplo das Vilas da época, possuía um estilo de vivência urbanorural. ”89
E aponta também, como suspeitos por terem escrito e distribuído os
pasquins, o Tenente Coronel de Milícias Theobaldo da Fonseca e Souza, engenheiro
(no sentido de ser proprietário de engenho) e latifundiário, um dos políticos mais
87
PERECIN, M.T.G. idem pg. 159
O termo “pichorreiro” deriva-se de pichorra, cerâmica, mas tem uma conotação pejorativa, que
pode também significar poltrão ou covarde.
89
PERECIN, M.T.G., idem, pg. 142.
88
183
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
influentes no Partido dos 40 Coligados; os irmãos Carlos José Botelho e Alferes
Manuel Joaquim Pinto de Arruda, igualmente Coligados, donos de engenho e
proprietários de terra, ligados à nobreza colonial da época; Francisco José
Machado, tabelião e escrivão da Câmara, de 25 anos; Antonio Sampaio de Barros era
sacrist~o da igreja e propriet|rio da “Venda do Fogo”.
Entre 24 de abril e 27 de maio, o então Juiz Ordinário, Manoel de Toledo e
Silva, ouviu várias testemunhas e estudou o caso, sem, contudo encontrar provas
suficientes, além do disse-me-disse e do ouvi dizer, visto que entre os acusados
ficava difícil a apresentação de uma prova concreta, para os parâmetros de
avaliação da época. Em sua sentença final, Toledo Silva conclui afirmando que “N~o
procede { culpa de pessoa alguma!”. Fato confirmado três anos depois pelo
Ouvidor Geral e Corregedor, Dr. Antonio de Almeida Silva Freire da Fonseca, que em
15 de setembro de 1826 afirmou “Julgo nula esta devassa por falta de prova!”
A primeira sentença, contudo, transferiu aos responsáveis pela solicitação e
iniciativa de ampliar a Rua Boa Vista, os custos processuais da ocasião, o que,
segundo Perecin,
... restou aos peticionários, além dos dissabores e do pagamento das
despesas atribuídas
aos onze, ao Brandão coube a advertência da 19 ª. Quadrinha, ao Telles e ao Leme da
Costa as advertências da 20 ª quadrinha. Humilhações. Não foi tudo. Às aspirações dos
populares, o Direito das Gentes e à cidadania, contidas e espezinhadas, ainda restaram
pendentes ameaças de violência a consumar-se no futuro. De sua ousadia em ser Povo nada
sobrou, se n~o o ridículo dos versos na caricatura de um pasquim e o registro da memória. ” 90
Os primeiros tempos em Piracicaba
As primeiras informações sobre o desenvolvimento da atividade da
imprensa e da publicidade na cidade de Piracicaba foram localizadas apenas no ano
de 1874, quando surgiu um jornal denominado “O Piracicaba”, propriedade da
empresa Andrade Coelho & Cia., tendo como editor S.B. Andrade. Era publicado
sempre às quartas-feiras e aos sábados.91 Ou como sugeriu Guerrini,
“4 de julho - sob a redação do Dr. Brasílio Machado, surge em nossa terra o número
inicial de” Piracicaba”, que foi o primeiro jornal editado na cidade. O Dr. Brasílio Machado era
promotor público da comarca local. Cultor das letras, bom poeta e orador, foi autor da poesia”
Piracicaba”, que deu { cidade o epíteto de” Noiva da Colina”. Compreendendo a necessidade do
município, inaugurou a imprensa do burgo que muito amou. Piracicaba era propriedade de
Andrade Coelho & Cia., tendo como editor S.B. Andrade. Publicava-se às quartas-feiras e aos
90
PERECIN, M.T.G., idem, pg. 163.
GUERRINI, Leandro, “história de Piracicaba em Quadrinhos” ediç~o do Instituto Histórico e
Geográfico de Piracicaba, volume 2, páginas 52/53.
91
184
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
sábados e seu preço de assinatura era de 10$000 anuais na cidade e 12$000 fora. Convém notar
que, na época, a cidade ainda se chamava” Constituiç~o” e o título do órg~o seria influência
forte do rio, um divisor marcante da tradição inconfundível que o Piracicaba representava. Na
sua apresentação, dizia-se” Jornal imparcial, commercial e agrícula”. Saudou a populaç~o desta
cidade, já tão adiantada em sua lavoura, commércio e indústria e considerou que o jornalismo é
a luz, a vida, o progresso de todos os povos e Guttemberg o complemento de Jesus.” 92
A cidade tinha recém inaugurado a sua fábrica de tecidos, pertencente a
Luis Vicente de Souza Queiroz, a Câmara Municipal cumprimentava a cidade pela
inauguração da iluminação a querosene nas ruas e praças, que se estenderia até as
dez horas da noite e os vapores comerciais que exploravam as águas do Rio
Piracicaba, tinham notícias contínuas das suas atividades na cidade.
Em 25 de outubro do ano seguinte, por obra de Brasílio Machado, “O
Piracicaba” foi editado em inglês, para figurar numa exposiç~o industrial em
Philadélphia, Estados Unidos.
Depois disso, a outra notícia que se tem sobre a imprensa local é de 1 de
outubro de 1876, quando outro jornal ,denominado “O Piracicabano” foi lançado.
Segundo Guerrini,
“l de outubro - Surgiu o primeiro número de O Piracicabano, o terceiro jornal da
terra, na ordem de aparecimento. Era de propriedade de Joaquim Moreira Coelho, seu editor
responsável. Pelo que a gente conclui, os dois anteriores e o presente eram uma só folha, isto é,
mudavam os títulos e as datas, mas os tipos e o prelo eram os mesmos. Também é digno de
registro o nome do jornal, não obstante a cidade chamar-se ainda Constituição. Colhemos esta
informaç~o no Almanaque de Piracicaba para 1900.” 93
Inaugurando uma nova fase de expressão política e partidária, apresentado
como o primeiro periódico bi-semanal a circular na cidade, “O Piracicabano” em
seus editoriais procederá à discussão de propostas mais complexas daquele
momento tais como representatividade dos governantes.
Em 1 de outubro daquele ano, era publicado o primeiro número do jornal,
atuando como tipógrafos José Pantaleão Lopes Rodrigues e Jorge Augusto
Damasceno.
É de 12 de janeiro de 1881 outra informação importante de Guerrini:
“... 12 de janeiro - Para a história da imprensa local:” Leu-se um ofício do cidadão João
Nepomuceno de Souza, comunicando a esta Camara ser ele editor responsável à publicação do
jornal” Opini~o”, cuja tipografia se acha em sua residência { rua da Palma, número 24. Arquivese. ”94
92
GUERRINI, L., idem, pgs. 52/53
GUERRINI, L., idem, pgs. 60 e 61.
94
GUERRINI, L, idem, pg. 83
93
185
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Em 10 de junho de 1882, foi publicada a primeira ediç~o do jornal “Gazeta
de Piracicaba”, o primeiro jornal di|rio de Piracicaba.
“Liberdade de pensamento é responsabilidade do autor”. Esta frase, encabeçando o
jornal “Gazeta de Piracicaba,em 10 de junho de 1882, foi o primeiro compromisso implícito da
imprensa diária da cidade, que comemora nesta data os seus 106 anos de existência como jornal
diário. Estão distantes da nossa realidade os compromissos daqueles dias, entretanto as
preocupações com a cultura, teatro, os movimentos e lutas políticas, com a venda de gaiolas ou
roupas, casas ou escravos, mas principalmente, o respeito à pluralidade de idéias que
perpassavam a sociedade local há mais de um século, era um compromisso que se herdou da
tradição liberal e que nos persegue até estes dias. Pouco maior que um tablóide, circulando as
terças, quintas e sábados, este primeiro jornal diário da cidade mantinha, na sua primeira
página artigos relacionados a temas diversos e compromissos filosóficos vários, que
representavam o pensamento da época. A primeira manchete representava igualmente um
vício. Falava do sucesso da apresentação de uma banda dirigida pelo maestro Antonio Gomes
Escobar. A banda, entretanto, tinha se apresentado seis dias antes. Só que naqueles dias, a
composição dos tipos de jornal era feita manualmente. As notícias não eram tantas assim, mas
o jornal já representava um novo sintoma de progresso para a cidade.” 95
Outra constatação a partir do jornalismo diário que passou a ser praticado
na cidade foi a sua aproximação com a maçonaria.
“A maçonaria teve no passado, e mantém até hoje, influência discreta sobre as
empresas de comunicação da cidade. E a história do jornalismo local, do romantismo à era da
indústria cultural, tem evidentemente, características próprias, personagens, mas representa
um elo importante para a compreensão da história do jornalismo brasileiro. Se a Gazeta surgiu
como fruto da luta entre monarquistas e republicanos, a luta histórica entre conservadores e
progressistas, outras publicações surgiram,dando à luta pelo poder político local, cor e sentidos
próprios.” 96
O redator da “Gazeta” era Vitalino Ferraz do Amaral e a empresa,
propriedade de Assis & Ferraz. Em 6 de fevereiro de 1885, o jornal foi vendido por
Joaquim Borges aos profs. José Manuel de França Junior e augusto César de Arruda
Castanho.
Alguns dias depois, em 12 de abril, a “Gazeta” enfrenta o concorrente” O
Piracicabano”, de forma inusitada, como nos relata Guerrini:
“12 de abril - Consoante o registro competente, havia na cidade dois jornais, a Gazeta
e O Piracicabano. Por 40$000 e 30$000 anuais, respectivamente, propunham-se ambos a
publicar atos oficiais da municipalidade. Foi, entretanto aceita a proposta mais cara, da Gazeta,
que conhecendo a oferta do colega citadino, ofereceu-se gratuitamente para fazer o trabalho
em apreço.” 97
Ao participar da abertura de um evento denominado “Invent|rio da
Imprensa Piracicabana, para alunos do sétimo semestre do Curso de jornalismo da
95
QUEIROZ, Adolpho C.F., “Piracicaba, 106 anos de imprensa di|ria”, Jornal de Piracicaba, 16 de
junho de 1988.
96
idem
97
GUERRINI, L., idem. Pg.112
186
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Universidade Metodista de Piracicaba, em 9 de março de 1988, o jornalista,
historiador e folclorista Jo~o Chiarini, assim definiu os objetivos da” Gazeta”:
“O jornal era composto manualmente e surgiu como produto dos que acreditavam
na República. Politicamente nada combativo, apareceu durante o regime monárquico, que
tinha uma peculiaridade local: era representado por estes dois partidos, um encabeçado pelo
Barão da Serra Negra e, outro, por seu genro Barão de Rezende. Preocupado quanto aos
aspectos culturais da época, enfatizava o teatro e a literatura, sem deixar de abordar
problemas locais. Lutava, por exemplo, para que a estrada de ferro chegasse ao município, o
que acabou ocorrendo em 1894. Sua apresentação literária impressionava pelo requinte
estilístico. O noticiário retratava acontecimentos sociais da época. Não possuía linha editorial
rígida. As matérias assinadas refletiam a orientação impressa em sua primeira página. A Gazeta
circulava com quatro páginas, sendo as duas últimas reservadas a anúncios de vendas de casas,
gaiolas, roupas, escravos, etc. Sua diagramação seguia sempre o mesmo estilo: três colunas em
cada página, variando somente as de publicidade feitas por reclamistas, responsáveis por suas
ilustrações. O jornal possuía seção livre, destinada às pessoas interessadas em anúncios ou
notas, os mais diversos desde falecimento a apresentação de orquestras. Trazia ainda uma
coluna sobre Capivari, cidade vizinha, para onde eram enviados alguns exemplares.” 98
Temos finalmente notícias de um jornal de tendência monarquista
intitulado “Jornal do Povo”, dirigido por Joaquim Luiz. E de um tablóide
humorístico, denominado “O Bagre”, cujos exemplares s~o preservados através de
microfilmes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Entre os episódios que marcaram a imprensa local no século XIX, um deles
está registrado de forma peculiar por Guerrini, mostrando que
“Em 26 de fevereiro - O Jornal do Povo, órgão citadino, era contrário, segundo a
Gazeta de Piracicaba, à criação da freguesia ou paróquia de São Benedito, uma vez que a
populaç~o da cidade n~o comportava a divis~o da antiga freguesia de Santo Antonio.” 99
Tem-se também, pelo relato de Gerrini, uma informação daquela que pode
ter sido uma ediç~o extra do jornal “Gazeta de Piracicaba”, em 1891 , o da deposiç~o
do então Presidente do Estado (atual Governador), Américo Brasiliense, desta
forma:
“19 de dezembro - Boletins distribuídos profusamente pelas ruas da cidade - talvez
uma edição-extra da Gazeta de Piracicaba - davam conta ao povo da deposição do Dr. Américo
Brasiliense do cargo de presidente do Estado, substituído que foi pelo Dr. João Alves de
Cerqueira Cezar” 100
O fato causou constrangimento maior porque anteriormente, o Presidente
do Estado (Governador), tinha sido o advogado ituano/piracicabano Prudente de
Morais.
98
CHIARINI, Jo~o, “Invent|rio da imprensa Piracicabana”, boletim editado pelos alunos do Sétimo
Semestre do Curso de Comunicação da UNIMEP, junho de 1988, número 8.
99
GUERRINI, Leandro, idem, pg. 180.
100
Idem, pg. 204.
187
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Em abril de 1893, ainda segundo Guerrini, pode estar outra pista sobre a
prática do jornalismo diário na cidade,
“11 de abril - O Jornal do Povo, órgão local, que defendia idéias monarquistas, com o
Barão de Rezende no comando, passou a publicar-se diariamente. Se não nos enganamos, foi à
primeira folha di|ria que contou nossa terra.” 101
De 1896, foi possível encontrar no mesmo autor, a informação sobre a
primeira sessão de cinema ocorrida em Piracicaba. Num anúncio veiculado pela
“Gazeta”, que dizia o seguinte:
“18 de outubro - Primeiro anúncio de cinema publicado em Piracicaba, pela Gazeta,
dizia” Ultima palavra da sciência! A maior maravilha do século! O cinematografo ou a
fotographia animada. Vistas naturais animadas, da terra, do mar, do trem e dos navios! Quem
não for cego deverá ver! Cenas e panoramas o que há de mais interessante! Entrada, 1$000.
Cinco sessões, às 7, 7 e meia,8,8 e meia e 9 horas”.102
Outra informação significativa sobre a evolução na imprensa daqueles dias
ocorre em 4 de outubro de 1898, e segundo Guerrini,
“4 de outubro - Aniversário de Prudente de Morais, então presidente da república. A
“Gazeta de Piracicaba” se apresentou em ediç~o melhorada, com o clichê do not|vel paulista coisa rara naqueles tempos. É um retrato a bico de pena, infelizmente de autor ignorado, mas
fiel. ”103
De 1899, há dois acontecimentos importantes a registrar sobre a imprensa
no final do século. Eles ocorreram entre os dias 5 e 6 de maio e foram assim
assinalados na obra de Guerrini,
“5 de maio - Faleceu nesta cidade o cidadão Leonídio Augusto de Souza Porto,
natural de Sergipe e aqui se dedicara ao magistério. Redatoriava a” Gazeta de Piracicaba”, a
qual, então, passou a ser dirigida pelo Dr. João Sampaio,
6 de maio - Deu o seu último número o “Jornal do Povo”, redatoriado por Joaquim
Luiz, após alguns anos de existência sempre interrompida. Infelizmente não conseguimos
descobrir ainda um só número desse órg~o. ”104
Pelos registros que se tem da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, estão
microfilmados e lá guardados outros periódicos aos quais não se tem acesso em
Piracicaba, mas, segundo consta, foram veiculados igualmente no século XIX, tais
como “O Porvir”, cuja primeira ediç~o encontrada foi de 21 de maio de 1893, sendo
editado pelo “Clube 4 de maio”; falava também do jornal “A Borboleta”, tendo sido
encontrado um exemplar de julho de 1882; h| também “A Alvorada”, de junho de
1880;” A Democracia”, de julho de 1879.
101
Idem, pg.222.
GUERRINI, L., idem, pg.263
103
idem, pg. 279
104
idem, pg. 286.
102
188
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Os jornais da época, portanto, eram porta-vozes dos primeiros passos de
uma cidade que engatinhava. Por isso há tanto ineditismo em suas páginas: as
primeiras escolas, os primeiros fonógrafos, o primeiro clichê, a primeira ferrovia, a
primeira escola agrícola. Numa cidade plena de novidades, o Século XX despontava
como promissor. E com ele, o desenvolvimento da imprensa tenderia a ser ainda
muito mais representativo.
Origens, diversidades e contradições
No século XX, Piracicaba conheceu pelo menos oito jornais diários. O
crescimento da cidade, aliado ao desenvolvimento tecnológico para a produção de
jornais impressos, resultou num grande número de publicações, principalmente
após a década de 60.
De todos, foi o “Jornal de Piracicaba”, criado em 4 de agosto de 1900 o que
tem tido vida perene, circulando ininterruptamente há 97 anos e prestes a ingressar
no clube dos jornais centenários do estado de São Paulo.105
Sua criação foi liderada pelo engenheiro Buarque Macedo, então diretor da
Fábrica de Tecidos Arethuzina, que teve na direção geral Alberto da Cunha Horta e a
redação sob a condução do prof. Antonio Pinto de Almeida Ferraz. Era um sábado, 4
de agosto de 1900 quando foi veiculada sua primeira edição. A redação e as oficinas
funcionavam no Largo do Teatro, número 1, o exemplar avulso custava 100 réis.
Primeiras histórias em São Paulo
A mais antiga fonte de pesquisa para conhecer as origens da publicidade na
cidade est| impressa no primeiro jornal paulista, o “Farol Paulistano”, que tinha
apenas quatro páginas, em formato pequeno, já publicava anúncios em suas
edições. Depois dele, surge A Província, em 1875, como decorrência da articulação
do movimento republicano no Estado, tendo sido o primeiro jornal a possuir venda
avulsa dos seus exemplares, fato que até hoje é estampado num dos logotipos do
jornal que mostra um homem a cavalo, com uma buzina de chifre na mão,
anunciando o jornal pelas ruas da cidade. Seu nome era Bernardo Grégoire, que
auxiliava na impressão do jornal e que ficou famoso e imortalizado na marca
construída pelo artista plástico J. Wash Rodrigues, que criou o selo Ex-Libris, que o
jornal ainda veicula, como tendo sido o pioneiro na venda pública do produto.
Ao publicar o seu invent|rio “A S~o Paulo do tempo dos reclames”, o
jornalista Pedro Yves admitiu que “poucos registros de propaganda havia em S~o
Paulo e sequer as lojas colocavam letreiros, porque poucos sabiam ler, em pouco
105
Os demais jornais paulistas com mais de cem anos de atividades s~o: “Di|rio Popular”, 1884,
publicado na cidade de S~o Paulo; “O Di|rio do Rio Claro”, 1886, publicado na cidade de Rio Claro;” O
Pindamonhangabense”, 1890, publicado em Pindamonhangaba;” O Estado de S~o Paulo”, 1890,
publicado na cidade de S~o Paulo e “A Tribuna”, 1894, publicado na cidade de Santos.
189
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
mais de um século a cidade explodiria em tamanho e riqueza. E a propaganda
acompanharia essa evoluç~o”. (YVES, P. pg.55)
O pesquisador igualmente mostrou que “ainda na primeira metade do
século XIX, vindas do Rio de Janeiro, chegam a São Paulo as lavouras de café, que se
espalham pelo Vale do Paraíba e daí para o Planalto Paulista. Uma era de riqueza
estava por vir e os anúncios e reclames vão ofertar terras para a lavoura e
implementos agrícolas. A São Paulo Railway (depois estrada de ferro Santosjundiaí), que vai transportar parte dessa riqueza, chega à capital em 1867. Trazem
do porto as últimas novidades da Europa. A capital entra na rota da moda.” (YVES,
P. pg.55)
A abolição da escravatura de 13 de maio de 1888 força a substituição dos
escravos pelos imigrantes europeus e os anúncios passam a ganhar novos formatos,
com o uso de clichês “espécie de carimbos de chumbo que permitem reproduzir
ilustrações. Muitos anúncios s~o de serviços oferecidos pelos imigrantes italianos.”
(YVES, P., pg.58)
É daquele período igualmente a criação de revistas como a Arara e a Vida
Paulista, que funcionavam com o formato de revistas, mas que tinham como
principal compromisso a difusão de publicidade. Veículos que sobrevieram graças
aos anúncios que veiculavam. Mas foi a partir de 1900, como conta em seu artigo o
portal Memória da Propaganda Nacional, “com o surgimento da Revista Semana,
que se inicia uma nova fase com uma linguagem menos agressiva, atualidades e
preocupações literárias. Muitos nomes de anunciantes tornaram-se famosos na
época: Drogaria J.Amarante, Loteria São Paulo, Vinho Baruel, Leiteria Mandaqui.”
São Paulo também é a cidade pioneira na instalação de uma agência de
publicidade. Foram os profissionais e agenciadores de anúncios dos jornais
impressos da época – especialmente do jornal O Estado de S.Paulo – João Castaldi e
Jocelyn Benaton, que fundaram a primeira agência de publicidade que passou a
funcionar na cidade e no Brasil. Sua origem jurídica é a empresa Castaldi & Benaton
e o seu nome funcional passou ser “A Eclética”, que desde o mês de maio de 1914
passou a operar profissionalmente com o campo da publicidade.
Até então, contou-me Júlio Cosi Filho, filho de um sócio que ingressou
posteriormente na sociedade, Júlio Cosi, igualmente outro pioneiro no campo
profissional, “os pequenos anúncios eram levados especialmente aos balcões de
anúncios do Estadão, de forma pouco controlada. Foram o Castaldi e o Benaton que
resolveram alugar um espaço para agenciar estes anúncios, dando-lhes forma
redacional mais adequada e cobrando por isso, livrando o jornal do ônus de uma
produção sem uniformidade nas páginas dos pequenos anúncios. Com o sucesso da
investida, eles passaram também a oferecer os serviços de agenciamento e criação
de forma mais profissional.”
190
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
São de 1941 uma das mais bem sucedidas campanhas publicitárias criadas
em S~o Paulo, cujo “recall” existe ainda hoje. A criaç~o do personagem Jeca Tatu,
pelo escritor Monteiro Lobato, que adoeceu e na época foi convencido pelo
comerciante Candido Fontoura a experimentar o seu “Biotônico Fontoura”. Lobato
melhorou e como retribuição criou o personagem que tinha se adoentado nas
roças, contraindo o “bicho de pé” e que se fortalecia ao tomar o remédio do
Dr.Fontoura. Lobato publicou na época 10 milhões de exemplares do seu
almanaque, popularizando o tema e tornando o seu personagem e o seu produto,
best-sellers da propaganda brasileira.
Enquanto Fontoura fazia sucesso de um lado, em 1930, os irmãos Lever
criavam a sua primeira fábrica na Vila Anastácio, a 12 quilômetros do centro de São
Paulo. “Em pouco tempo estava no mercado o sab~o Sunlight made in Brazil”
(Gessy Lever, 2001) e depois dele vieram empresas que se associaram aos irmãos
Lever, como a Anderson Clayton e a Gessy, que passaram a fabricar manteigas,
sabonetes e a investir maciçamente em radio-novelas e depois em telenovelas,
associando a Gessy Lever à difusão destes produtos culturais que galvanizaram as
audiências no Brasil dos anos 30, via rádio e depois dos anos 50, através das novelas
pela televisão.
Criação da revista Propaganda
Foi em agosto de 1929 que surgiu a empresa pioneira na exibição de
outdoors. Seu nome: Publix, em atividades até hoje, fundada por Amadeo Viggiani e
Marta Paturan de Oliveira, que trabalhava de forma extremamente artesanal, pois
os “anúncios eram pintados { m~o, o que favoreceu o desenvolvimento de toda
uma escola de letristas e ilustradores de cartazes. Nos galpões das empresas, falavase um pouco de cada língua, pois muitos desses profissionais vinham de várias
regiões do mundo, para trazer sua arte a um país que estava apenas aprendendo o
que era industrializaç~o.”
Eram tempos em que também os bondes passaram a veicular interna e
externamente, cartazes anunciando diversos produtos.
Fundado em 1929, o jornal “Di|rio de S.Paulo” foi respons|vel por uma
interessante inovação no campo promocional na cidade de São Paulo, tendo sido o
criador do primeiro concurso de vitrinas em 1930, quando se saiu vencedora a Casa
Alem~. Segundo Pinho, “o Departamento de Publicidade do jornal incumbiu-se
desta e de outras promoções, além de montar uma equipe própria para angariar
anúncios”.
191
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O pioneirismo na televisão, PRF 3
A televisão no Brasil inicia-se sob o signo do improviso, em 18 de setembro
de 1950, quando o jornalista Assis Chateaubriand importou equipamentos dos
Estados Unidos, construiu as instalações físicas da nova emissora e quase às
vésperas de sua inauguração, percebeu que lhe faltava um detalhe fundamental:
não existiam no país receptores de televisão capazes de receber as mensagens da
nova emissora. A primeira grande campanha publicitária da televisão brasileira não
foi para vender perfumes ou serviços, mas para vender os próprios televisores. A
cadeia de jornais de Chateaubriand passou a veicular intensamente a venda dos
aparelhos de televisão, com o objetivo de popularizar a nova mídia.
Com os primeiros programas, surgem as garotas propaganda, responsáveis
pela informação ao vivo, referentes a produtos e serviços. Neide Alexandre, Idalina
de Oliveira, Meire Nogueira, Maria Rosa, Odete Lara, Wilma Chandler, viveram as
delícias e agruras do improviso diante das câmeras de televisão, enquanto vendiam
mensagens de empresas como a Antarctica,Moinhos Santistas, Pratas Wolf e Sul
América Seguros, entre outras
Mas foi com a telenovela “O direito de Nascer” que os produtos da Gessy
Lever estouraram nas vendas. A identificação dos personagens Albertinho Limonta,
vivido primeiro pelo ator Amilton Fernandes e depois por Sérgio Cardoso e a
empregada Isaura Bruno, dirigidos pelo jovem diretor José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, que transformaram produtos como Omo, Rinso, Lux e Minerva em
gêneros de primeira necessidade das donas de casa, sob o olhar triunfante da Gessy
Lever.
João Castaldi, o pioneiro da publicidade no Brasil
Para recuperar a profissionalização do campo, é preciso recontar a história
de um dos seus pioneiros, o publicitário e jornalista João Castaldi, criador da
primeira agência de publicidade que se tem notícia no país. Ela se chamava “A
Eclética”, foi fundada na cidade de S~o Paulo em 1914.
Sua filha, Íris Castaldi mantém grande acervo contendo recortes de jornais
e fotos do pai e encaminhou-os gentilmente para a confecção deste artigo.
O segundo endereço da “Eclética” foi o Edifício Guinle, na rua Direita,
número 10, onde a empresa alugou metade da sobreloja. Como primeiro sócio,
Castaldi escolheu Jocelin Benaton. Ao grupo, incorporou-se posteriormente
Eugênio Leuenroth.
Pela proximidade de Castaldi com o jornal “O Estado de S.Paulo”, a agência
atuou especialmente na captação de anúncios, desde os pequenos até os mais
elaborados, para aquele jornal e também para o Diário Popular.
192
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Uma das primeiras batalhas de Castaldi foi conseguir junto aos jornais o
pagamento de comissão/desconto de 20% pela captação e veiculação dos anúncios
publicitários.
A outra, de fixar a marca, também foi iniciativa de Castaldi, conforme ele
mesmo escreveu em artigo publicado na revista “Propaganda”: ”... idealizei uma
tabuleta que provocava aglomeração diante das nossas instalações: diversas
cabeças de sábios gregos a apontar para o letreiro A Eclética”.
Na época Castaldi também exercia a função de diretor-gerente do jornal “A
Capital”, que funcionava em instalações contíguas {s da Eclética, onde a agência
utilizava material tipográfico para construir lay-outs, compor os anúncios, tirar
provas e apresentá-las aos clientes para aprovação. Não raro, quando o jornal
imprimia algum material em cores, as provas apresentadas aos clientes eram
coloridas. Desta ação circunstancial, surgiu a idéia do primeiro anúncio em cores
publicado pela imprensa brasileira.
Ele foi veiculado na primeira paginado jornal “O Estado de S.Paulo”, em sua
edição de 30 de maio de 1915, para divulgar a chegada do Cimento Aalborg, da
Dinamarca. A empresa anunciante era a Cássio Muniz & Cia. estabelecida na rua São
Bento, nº 12. O anúncio era basicamente composto de um titulo “Cimento Aalborg,
da Aslborg Portland Ciment Fabrik, Dinamarca”, um texto de três par|grafos,
destacando as qualidades do produto, concluindo-se com a assinatura do cliente,
Cássio Muniz & Cia, com endereço e telefone para contato. E foi publicado ao lado
de outros pequenos anúncios, em preto e branco. Era bastante comum à época a
veiculação de anúncios na primeira página dos jornais.
É do próprio Castaldi, no artigo citado da revista “Propaganda”, o
depoimento sobre este episódio, que reproduzo a seguir:
“Entre os vários clientes que eu conquistara para trabalhos tipográficos, colaboração
jornalística e convívio pessoal, contava-se o saudoso Cássio Muniz, cuja firma ainda hoje é uma
das mais importantes de São Paulo. Era um cavalheiro sagaz, clarividente e progressista. Laços
de simpatia mútuas nos ligaram. Cássio Muniz, pela sua organização, representava entre outras,
a Fábrica de Cimento Aalborg. Certa feita recebeu dela enorme partida de cimento que
necessitava colocar, mediante um impacto de propaganda, que hoje poderíamos chamar de
promoção de vendas especial. Naturalmente eu exercia junto a esse cliente a função de contato
da Eclética. Informado do problema a ser enfrentado pelo referido anunciante, pus-me a
imaginar algo espetacular, algo fora do comum. Foi quando surgiu a idéia de publicar na
primeira p|gina de “O Estado de S.Paulo” um anúncio a cores. Falei com o amigo Felinto, do
“Estado”, falei com o cliente... De todo lado só encontrava atitudes de descrença e
reprovaç~o...”. Um”. anúncio a cores?! Um jornal sério n~o publica anúncio a cores. Por outro
lado, o cliente não concordava com o preço, que então orçava, se não me engano, entre 2 a 4
contos. Preparei a composição, tirei a prova. Fui mostrá-la a Cássio Muniz. A primeira reação foi
de desagrado. A batalha estava quase perdida. Voltei à tipogafia, nova disposição de tipos e
clichês. Nova prova. Esta já na cor em que apareceria no jornal. Tive que realizar o máximo de
minhas forças para “vender” a idéia. Recorri a tudo que minha oratória pode lançar m~o. Afinal
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
o cliente foi vencido! Obtive o assentimento de Cássio Muniz para apresentação do trabalhoso
anúncio em cores. Faltava, porém convencer o jornal. Nova argumentação. Novo empenho.
Novo trabalho de venda. Afinal, depois de prolongados debates, que duraram dias e dias, a
idéia maluca obteve aquiescência do vetusto jornal da paca Antonio Prado. Um dia, o anúncio a
cores é rodado na primeira p|gina de “O Estado de S.Paulo”! A surpresa, o sucesso, foram
imediatos. imediatos. indescritíveis. Todos a telefonar ao Cássio! Todos a gabá-lo! Era de ver
com que satisfação, com que orgulho o cliente recebia os aplausos... Foi uma grande vitória que
refletiu imediatamente, acelerando as vendas do Cimento Aalborg.”
A profissionalização na área dava os seus primeiros passos.
Castaldi, o velho jequitibá.
João Castaldi nasceu em Campinas, em 16 de novembro de 1883, às 17
horas, conforme consta em seu registro de nascimento, filho de Afonso Castaldi dei
Ruccillo e Cristina Castaldi, ambos italianos de nascimento. Iniciou sua trajetória na
área de comunicação em 1896, com 13 anos de idade, como gráfico e depois como
cronista social no jornal “Comércio de S~o Paulo”. Aos 15 anos, em 1898, passou a
dirigir o Curso Gráfico do Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, de Campinas, cabendolhe ainda a responsabilidade da paginaç~o do primeiro número do jornal “Di|rio de
Campinas”, de Antonio Sarmento.
Em 1905 foi um dos fundadores da União dos Trabalhadores Gráficos e das
Ligas de Resistência de defesa das aspirações sócio-econômicas da classe operária,
tendo sido precursor nas defesas da justiça social e da organização sindical no país.
Em 1908, viajou a França, onde permaneceu dois anos e aos Estados
Unidos, onde permaneceu mais cinco anos, capacitando-se profissionalmente. Tinha
ent~o 25 anos, j| era casado e possuía dois filhos. Nos EUA dirigiu o jornal “Las
Novedades”, tendo trabalhado ainda em periódicos como “Le Progress” e “The
New York World”. Organizou em terras norte-americanas a Universidade Popular de
Newark e a Ordem Maçônica filhos da It|lia, da qual foi “vener|vel e delegado
supremo”, tendo recebido do jornal “New York Times”, grandes elogios, por ter
tido a iniciativa de desviar da delinqüência numerosos trabalhadores italianos.
Aprendeu por lá o ofício da linotipia e era exímio montador dos equipamentos da
empresa “Mergenthaler”.
Em 1912 fundou o jornal “A Capital”, que entre outros méritos, teve o de
reunir, durante o episódio da gripe Espanhola, em 1918, ajuda para mais de 35 mil
pessoas. O jornal foi transformado em posto da Cruz Vermelha e conseguiu
donativos, remédios, alimentos e encaminhamentos para tratamento adequado das
pessoas.
Também foi fundador da Associação Paulista de imprensa, Associação de
imprensa do Interior, Sindicato das empresas proprietárias de jornais e revistas do
Estado de São Paulo, da Sociedade Pan-Americana do Brasil, entre outras. Foi dele
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
igualmente a proposta, incluída na Constituição de 1946, de um artigo que isentava
de impostos os jornalistas, escritores e professores, além da isenção de impostos
para a compra de papéis destinados à impressão de jornais e de livros. Foi precursor
também no campo da ética, criando em 1945 a União dos Jornalistas de São Paulo,
que lutava especialmente pelo cumprimento da honra, da dignidade e a ética no
campo profissional entre os homens da imprensa paulista.
Foi casado duas vezes, a primeira com Nazareth Pastori Castaldi, com quem
teve oito filhos (Íris, Afonso, Imaculada, Ainda, Orfeo, Amílcar, Ior Oreste e Flávio). E
a segunda com Ema Gargano Castaldi, com quem teve mais dois filhos ( Nazareth e
Ivan).De todos os 10 filhos, apenas Amílcar faleceu. Os demais deram ao “Velho
Jequitib|”, apelido que o consagrou perante seus pares, 17 netos e 14 bisnetos.
Castaldi faleceu em 18 de julho de 1974, aos 90 anos.
Recebeu v|rias homenagens em vida, como o titulo de “Doutor Honoris
Causa”, em Ciências Econômicas pela Academia Universal Constantiana e a Medalha
da República “Bar~o do Rio Banco”. Post-mortem, em 22 de maço de 1975, através
do decreto nº 11.892, recebeu do então prefeito de São Paulo, Miguel Colasuono, a
denominação de seu nome, como Avenida (a antiga Eucaliptos, que começa na
Avenida Santo Amaro e termina na Avenida Ibirapuera, no Jardim Novo Mundo, 30º
subdistrito de São Paulo).
Clientes pioneiros
Entre os principais clientes da “Eclética” estavam a Ford e a Texaco. Um
dos primeiros trabalhos da agência foi o de criar mapas para a Texaco mostrando
onde estavam localizados os postos de gasolina nas principais estradas brasileiras.
Além destas, trabalhou para o Sabonete Lux, sapólio Bom Ami, Guaraná Chapagne,
Maisena Durye, Kolinos, Palmolive, Parker Pen, Gillette, Aveia Quacker, Biscoitos
Aymoré e sabonetes Eucalol.
Após a primeira fase sob o comando de Castaldi e Benaton, a empresa
passa a ter novo desenvolvimento com a abertura de uma filial no Rio de Janeiro, já
então sob a direção de Júlio Cosi e Eugênio Leuenrouth. Conforme lembrou em
depoimento, Cosi afirmou que:
“A Eclética serviu as contas mais importantes na época. Para a Ford, fiz uma
viagem por todo o Brasil para fazer ligações nossas com os jornais do país e fazer
com que os agentes da Ford se associassem à Ford, no cômputo das despesas de
propaganda local. Surgiram então os primeiros contatos com os veículos dos
estados e as primeiras autorizações de anúncios, prevendo tamanho, data, preço do
anúncio e envio do comprovante. Com estes contatos surgiram às representações
de alguns jornais, servindo assim “A Eclética” de modo leal às outras agências do
ramo”
195
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O próprio Cosi lembra-se dos principais redatores e ilustradores
contratados pela “Eclética” para darem forma aos anúncios da época. Entre eles,
cita:
“Nessas oportunidade, diversos escritores amigos eram solicitados por nós
para o preparo dos textos. Citamos os poetas Guilherme de Almeida, Menotti Del
Picchia, romancistas como Orígenes Lessa, Antonio Ribeiro da Silva, Afonso
Schimidt e Dieno Castanho. Para ilustrações, artistas como Voltolino, Belmonte,
Moura, Lanzara, Ninno Borges, Vicente Caruso, Humberto Pacce, Guimarães, Jairo
Ortiz, Peter Salm, Pery Campos, e outros”
Outro pioneirismo da “Eclética” na época foi a utilizaç~o das malas-diretas,
que segundo Cosi:
“A Eclética fazia este tipo de propaganda e tinha um aparelhamento
“addressograph” para endereçar sua própria mala direta e a de seus clientes”.
A criação do primeiro anuário de propaganda, feita pela pioneira das
agências, esbarrou num grande problema político, pois o Anuário da Imprensa
Brasileira foi proibido pelo D.I.P., Departamento de Imprensa e Propaganda do
governo, sob a direção de Lourival Fontes, já que aquele departamento, na época,
também cuidava de publicar edição similar.
Outra grande luta liderada por Cosi foi a de acabar com o preconceito dos
comerciantes da época, que colocavam em seus estabelecimentos, cartazes com
dizeres pejorativos, tais como, “N~o atendemos agentes de propaganda, nem
damos esmolas” Esta iniciativa dos comerciantes fez com que os profissionais da
época se esforçassem para divulgar os atributos positivos e estratégicos da
propaganda e da publicidade como serviços essenciais ao bom funcionamento do
comércio e da prestação de serviços, fazendo editar cadernos explicativos sobre o
papel da atividade junto ao comércio, indústria e aos veículos.
O pioneirismo de Manoel de Oliveira, o Gaúcho, em Piracicaba
Com a evolução do jornalismo impresso na cidade, floresceram os
pequenos anúncios de vendas de imóveis, remédios, prestação de serviços médicos,
advogados, alfaiates, costureiras, etc. A existência da imprensa diária no final do
século XIX amplia a presença da propaganda nos meios de comunicação locais.
Contudo é no século XX que ela ganha maior força e representatividade.
Para TAVARES, QUEIROZ, ZACARIA e GONÇALVES (1998), “nesta época a cidade
passou por uma transformação mercadológica, resultado da abertura de grandes
agências de propaganda. Entre elas destaca-se a Bazes, a primeira agência da cidade
de Piracicaba, sendo pioneira em iniciativas mercadológicas e modernização,
utilizando sistema de silk-screen fotográfico, criando e produzindo material
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
publicitário, entre brindes e promoções, como a que fez para celebrar o
campeonato de futebol em 1970, quando vários banners foram fixados com as fotos
da seleção brasileira tendo como suporte a Catedral de Santo Antonio ,de
Piracicaba.
A chegada de Renato Wagner a Piracicaba, como relatam AGUARI,
QUEIROZ, GONÇALVES e ZACARIA (1998), “trazendo a experiência da Mc Cann
Erickson implantou um novo conceito na cidade, estimulando a inauguração da sua
própria agência, a Piracicaba Publicidade. E a partir de então passa a criar logotipos
para diversas empresas e desenvolver trabalhos ligados às artes. Entre os seus
clientes destacam-se o Restaurante Mirante e a Caninha Cavalinho
A L.H promoções e Propaganda foi fundada no dia 22 de fevereiro de 1973,
situa-se também entre as pioneiras e prestava serviços como o desenvolvimento de
logotipos, mala-direta, planejamento gráfico e visual; e foi uma das grandes
responsáveis pela modernização dos anúncios publicitários veiculados pelo Jornal
de Piracicaba. Luiz Henrique da silva Lima e Iliana Athié de Lima, sócios-proprietários
da empresa, contavam também com uma equipe de artes formada por Renato
Cosentino e José Eduardo de Luca Cunha.
Na década de 50, contudo, o pioneirismo na cidade é atribuído a Manoel de
Souza Oliveira, o Gaúcho, que abriu em Piracicaba a sua empresa produzindo e
locando painéis publicitários. Na ocasião existiam apenas duas empresas com o
mesmo tipo de serviços na capital, a Pintex e a Novelli Além destas, Gaúcho também
foi pioneiro no lançamento de carros de som na cidade, tendo sido candidato a
vereador na cidade e inaugurado o sistema para divulgar a sua própria campanha.
Segundo ALVES, (2008) “em 1945, o Gaúcho era responsável pela área de
comunicação da Companhia siderúrgica Nacional, CSN, em Volta Redonda, no Rio de
Janeiro. O apelido surgiu porque a maior parte dos seus colegas de trabalho era do
Rio Grande do Sul e porque uma de suas telas chegou às mãos do Presidente
Getúlio Vargas. Por ser exímio artista plástico, por diversas ocasiões presenteava os
amigos com suas obras de arte. Foi aí que veio a vontade de se aprimorar inclusive
como letrista e deixar para abrir o próprio negócio.”
Ainda na reportagem que escreveu no Jornal de Piracicaba sobre o
pioneiro, o jornalista Rodrigo Alves informa que “a cidade escolhida por Gaúcho foi
Piracicaba porque ele precisava suprir a demanda da empresa francesa Societè
Sucrerie Brésilienne, fabricante dos conhaques Napoleão (a mesma que havia
adquirido o Engenho Central). Sua oficina funcionava num galpão na rua Santa Cruz
entre as ruas XV de Novembro e Moraes Barros.”
Num depoimento dado por seu filho, Luis Carlos de Oliveira, que hoje dirige
os negócios da família, a Gaúcho Painéis, o pai também atendeu clientes do porte da
Cinzano e da Martini & Rossi, Souza Cruz, Alpargatas, Codistil, entre outras. “Ele
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
instalava os painéis publicitários nas montanhas de rodovias como as que ligava São
Paulo a Santos. Eu era muito criança, mas o acompanhava em algumas ocasiões.
Para carregar os painéis a equipe percorria trilhas no meio das matas, chegando a
andar quilômetros a pé com o material desmontado”, lembrou em entrevista a
Alves (2208).
E informou também, na mesma entrevista que “para fazer os painéis,
Gaúcho tinha a ajuda da esposa Amires, que fazia as ilustrações das pinturas. Era um
trabalho realmente artístico, de dar vida ao material. Ele conseguia fazer todo o
trabalho sem deixar uma mancha de tinta na roupa.”
Conclusões
O surgimento da primeira agência de publicidade no país trouxe consigo a
profissionalização do campo. Aos pioneiros devemos reverenciar a coragem e o
empreendedorismo que superaram obstáculos, preconceitos e trouxeram um alto
grau de criatividade nas relações entre o comércio e a indústria, os veículos e os
profissionais. Hoje a publicidade movimenta boa parcela do PIB brasileiro, é
reconhecida internacionalmente pelas suas qualidades e tem sua utilização
largamente difundida.
A fundação da Associação Brasileira de Propaganda e da Associação
Paulista de Propaganda, no ano de 1937, marcou definitivamente a entrada dos
profissionais na era de um relacionamento mais comprometido e qualificado com
clientes e veículos. A partir delas um associativismo de qualidade tem conduzido o
país a um patamar importante , que avança com a criação do capitulo brasileiro da
International Advertising Association, em 1973 e depois com a Federação Nacional
das Agências de Propaganda em 1979. Depois disso, em 1980, cria-se o Conar,
Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária responsável pelo
crescimento ético da profissão.
O ensino de publicidade é outro fator estratégico fundamental para o
desenvolvimento da atividade em nossos dias. São mais de 400 cursos de
graduação nas várias regiões brasileiras, diversos de pós-graduação em nível de
mestrado e doutorado, cursos de especialização e aperfeiçoamento constante da
área, que colocam o Brasil.
Igualmente diversificada tem sido a produção de livros, sites especializados,
revistas, jornais, que dão à área de publicidade e propaganda, notoriedade e
amplitude de interesse como profissão e como ciência.
A partir de João Castaldi, o velho jequitibá, a publicidade e a propaganda
encontraram no Brasil um cenário fértil para o seu desenvolvimento e para a sua
criatividade, transformando clientes, veículos e agências em parceiros
insubstituíveis.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
No interior, em Piracicaba a presença de uma pasquinada no século XVIII e a
evolução até chegarmos à comunicação através da Internet, igualmente mudou o
campo da publicidade, influenciando decisivamente empresários e as novas
gerações de profissionais, estudantes e pesquisadores sobre o tema.
Dos jingles inesquecíveis, Piracicaba tem uma contribuição importante, com
relação à Caninha Tatuzinho, uma das empresas que mais investiu no campo
publicitário. Ficou famosa a canção “Ai Tatu/ Tatuzinho/ Me abre a garrafa /E me d|
um pouquinho”
Referências Bibliográficas
Alves, Rodrigo. Pioneirismo marca propaganda local, in Caderno Movimento, página
1, de 21/09/2008, Jornal de Piracicaba, SP,
Gessy Lever, história e histórias de intimidade com o consumidor brasileiro, São
Paulo, Unilever, 2001.
Pinho. J.B. Trajetória e questões contemporâneas da publicidade brasileira. GTs da
INTERCOM, 1995.
Depoimentos. Documentos da Propaganda, Associação Paulista de Propaganda, São
Paulo, 1973
Depoimento de Íris Castaldi, filha de João Castaldi, ao autor, 11/2005.
Depoimento de Julio Cozzi Filho ao autor, em março de 2005.
Pinheiro Agnaldo e Sabadin, Celso (organizadores). Outdoor,uma visão do meio por
inteiro, Central de outdoor. São Paulo, 1990.
Queiroz, Adolpho (organizador). Propaganda, história e modernidade. GT de
Publicidade e Propaganda da Rede Alfredo de Carvalho, Editora Degaspari/Rede
Alcar, Piracicaba, 2005.
Sotaques regionais da propaganda, GT de Publicidade e Propaganda da Rede Alfredo
de Carvalho, Editora Arte e Ciência, São Paulo, 2006.
Machado, M.Berenice e Araújo, Denise Castilhos. (orgs) História, memória e
reflexões da propaganda no Brasil. Editora Feevale,2009.
Queiroz, Adolpho. Zacaria, Rosana e Gonçalves, J.Carlos T. Anais do 7º Congresso de
Iniciação Científica da Universidade Metodista de Piracicaba, março de 1986,
páginas 193/195 e 269/274.
199
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Queiroz, Adolpho. A trajetória do Jornal de Piracicaba, 1900-1997, mimeo, tese de
doutorado – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,
1998.
Yves, Pedro. Annuncios paulistanos. Editora referência, São Paulo, 2004.
A COMUNICAÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS
José Estevão FAVARO
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Petra Sanchez SANCHEZ
Universidade Presbiteriana Mackenzie
O homem, desde o momento de sua criação, buscou comunicar-se e
expressar suas idéias, visando satisfazer suas necessidades e desejos, mesmo que
inicialmente de um modo tosco e agressivo e aos poucos de forma mais elaborada e
criativa. Através da comunicação estimulou seus semelhantes e passou a ser por
eles estimulado. Obteve e manipulou informações que lhe deram maiores poderes e
lhe permitiram tornar-se mais competitivo e diferenciado.
Figura 1 – Pintura de Michelangelo, Detalhe do teto da Capela Sistina – Vaticano
Fonte: Coleção Grandes Impérios e Civilizações, o Mundo do Renascimento: arte
e pensamento renovam a Europa (1997).
Com o tempo, foi registrando sua presença no mundo. Em vista disso,
desenvolveu meios para conseguir seu intento e os aprimorou paulatinamente.
Segundo Hooker, não se pode apropriadamente falar em um único ponto de origem
e vários pontos de evolução diacrônica, mas em métodos distintos e sociedades
diversas:
A raça humana adotou quatro métodos principais de estabelecer registros ou de
transmitir informações: os pictogramas, a escrita analítica, os sinais silábicos e o alfabeto. Esta
200
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
lista que fizemos não implica uma hierarquia cujo ponto culminante seja o alfabeto. As
chamadas sociedades “primitivas” que empregam pictografias podem ser t~o complexas em
seus modos de pensamento quanto os usuários de outros métodos: mas se trata de uma ordem
diversa de complexidade. As pictografias foram usadas sobretudo por comunidades de
caçadores e de agricultores, cujos exemplos mais bem documentados são os índios norteamericanos. Os outros métodos se desenvolveram em economias mais complexas, detentoras
de tecnologia mais avançada usualmente, portanto num meio urbano. Existe uma outra
diferença, e essencial, entre o método pictográfico e os outros. As pictografias não têm
referencia lingüística de qualquer espécie; retratam um acontecimento, ou transmitem uma
mensagem, por meio de uma série de desenhos. Dificilmente se poderia dar a esse recurso o
nome de escrita. (HOOKER, 1996, p. 9)
Exemplo do que Hooker afirma é o conjunto de pictogramas registrados
por pré-históricos habitantes da caverna de Lascaux, na França (Figura 2). Lá se
encontram desenhos complexos e, ao mesmo tempo, primitivos, se comparados
com outras civilizações de economia mais avançada, como é o caso dos antigos
povos egípcios.
Figura 2 - Teto da caverna de Lascaux, na França.
Fonte: Coleção Grandes Impérios e Civilizações, França: uma civilização
essencial (1997).
Pode-se dizer que, desde os primórdios dos assentamentos humanos, a
propaganda já era praticada, visto que um camponês poderia levar para o seu
povoado, em sua carroça, produtos como frutas, e trocar, por exemplo, por
agasalhos vendendo o restante a quem tivesse interesse e necessidade, mediante
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
uma oferta que era anunciada por meio de gritos e gestos. Tal fato estratégico
encontra apoio nos relatos de Kotler e Armstrong106 (1991):
Os mais antigos registros históricos nos dão notícia da propaganda. Arqueólogos
trabalhando em países ao redor do Mar Mediterrâneo descobriram escritos anunciando vários
eventos e ofertas. Os romanos pintavam as paredes para anunciar lutas de gladiadores, e os
fenícios pintavam figuras promovendo seus artigos em grandes rochas ao longo de rotas
movimentadas. Uma pintura em uma parede de Pompéia louvava um político e pedia votos ao
povo. (KOTLER e ARMSTRONG, 1991, p. 304, apud BERTOLOMEU, 2002, p. 15).
Entretanto, a propaganda, dentro no cenário mundial, cresceu de maneira
significativa somente no final do século XIX ou início do século XX, conforme
argumentava Vestergaard e Schroder em seus estudos sobre a linguagem da
propaganda:
O contexto social e institucional em que se situa a propaganda nos dias de hoje
definiu-se, portanto, no início do século atual: mercadorias produzidas em massa, mercado
de massa atingido através de publicações de massa, cuja fonte de renda mais importante é a
propaganda, bem como uma indústria da propaganda responsável por todas as grandes
contas. (VESTERGAARD E SCHRODER, 2000, p. 4)
No Brasil, a necessidade de informar por meio da publicidade, de divulgar e
apresentar características dos serviços prestados, seguiu esses mesmos padrões
descritos por Vestergaard e Schroder, conforme lemos em Marcondes:
Antes ainda do final do século XIX, uma nova série de serviços e produtos começa a
se incorporar ao elenco de artigos que se anunciam. Lojas, hotéis, remédios e alguns produtos
importados, trazidos por caixeiros-viajantes ou famílias ricas, passam a ocupar seu espaço.
Na maioria dos casos, os anúncios consistiam em texto puro, mas datam já dessa
época as primeiras ilustrações – trabalho original de artistas plásticos da época, que se
transformaram assim no primeiro contato produtivo entre arte e propaganda.
[...] O anúncio, formato tão habitual na mídia impressa contemporânea, nasce assim
de uma colagem de recursos e manifestações pré-existentes e conhecidos. Da literatura e do
jornalismo, a publicidade importou o texto: do desenho e da pintura, trouxe as ilustrações –
dando origem ao universo conhecido das pessoas. Uma armadilha para assegurar eficácia aos
objetivos publicitários de comunicar e vender. (MARCONDES, 2002, pp. 15-16)
Com a disseminação da propaganda e com a criação dos cursos destinados
à formação dos profissionais dessa área, iniciou-se também o desencontro quanto
ao emprego de termos que, posteriormente, passaram a ser considerados
sinônimos.
Nos dias atuais, publicidade e propaganda são termos aceitos como
sinônimos no mercado publicitário. Originalmente, porém, e nas definições que
ainda podem ser encontradas nos dicionários de comunicação, esses vocábulos
106
KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1991 apud
Bertolomeu, 2002
202
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
apresentam-se com diferenças significativas, advindas até mesmo da origem das
palavras. Várias instituições de ensino superior divergem em relação à nomenclatura
adotada para seus cursos. Algumas os caracterizam como sendo de Publicidade e
Propaganda, outros, simplesmente de Propaganda. Nesse sentido, vale apresentar
a definiç~o, do verbete “Propaganda”, incluída no Dicionário de Comunicação, de
Rabaça e Barbosa. Porém, é preciso informar que esse mesmo dicionário registra o
voc|bulo “Publicidade” como sinônimo de Propaganda, assim apresentado:
Propaganda – (...) No Brasil e em alguns outros países de língua latina, as palavras
propaganda e publicidade são geralmente usadas com o mesmo sentido, e esta tendência
parece ser definitiva, independentemente das tentativas de definição que possamos elaborar
em dicionários ou em livros acadêmicos. Em alguns aspectos, porém podem-se perceber
algumas distinções no uso das duas palavras: em geral, não se fala em publicidade com relação
à comunicação persuasiva de idéias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui
objetivos ideológicos, comerciais etc.); por outro lado, a publicidade mostra-se mais
abrangente no sentido de divulgação (tornar público, informar, sem que isso implique
necessariamente em persuasão alheia). (...) a palavra publicidade, calcada no francês
“publicité” e proveniente do latim “publicus” = público, foi registrada pela primeira vez em
línguas modernas (pelo dicionário da Academia Francesa) com um sentido jurídico (publicidade
de debates). Designando em princípio o “ato de divulgar, de tornar público”, a publicidade
adquiriu no século 19, também um significado comercial: qualquer forma de divulgação de
produtos ou serviços, através de um anunciante identificado, com objetivos de interesse
comercial (RABAÇA e BARBOSA, 1978, p. 378)
A propaganda está presente em nosso cotidiano de uma forma intensa. A
todo instante sofremos o impacto de diferentes tipos de mensagens veiculados em
revistas ou jornais, em rádios, ou canais de televisão, seja quando navegamos pela
internet seja quando olhamos para os cartazes nas ruas ou nos prédios. A
propaganda pode assumir diferentes formatos, pode ser institucional, ser de um
produto ou serviço, ser de exibição ou de classificados. Pode envolver quantias
vultuosas ou ter um baixo valor de investimento. De qualquer maneira, entretanto,
seu objetivo é sempre estimular e persuadir o consumidor a adquirir um produto de
uma determinada marca ou utilizar determinado serviço, em detrimento de algum
outro.
Kotler, um dos mais conceituados autores, tido como referência quando o
assunto é marketing, aceito tanto no meio acadêmico quanto no profissional, define
marketing como [...] “um processo social por meio do qual pessoas e grupos de
pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e
livre negociaç~o de produtos e serviços de valor com outros” (KOTLER, 2000, p. 30).
Esse mesmo autor afirma ainda que a propaganda está inserida no mix de
marketing, que é ”o conjunto de ferramentas de marketing que a empresa utiliza
para perseguir seus objetivos de marketing no mercado” (KOTLER, 2000, p. 37).
203
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Propaganda e necessidades humanas
Tendo em vista que a propaganda ocupa-se, de forma indireta, com
necessidades ou supostas necessidades das pessoas, torna-se imprescindível
conceituar o que engloba o termo “necessidades”.
Entende-se por necessidades todas as exigências mínimas para satisfazer as
condições materiais e morais da vida humana e as carências naturais do organismo
humano. Por conseguinte, todas as pessoas têm desejos e necessidades que devem
ser satisfeitos. Acontece que, muitas vezes, são levados a atendê-los se estiverem
motivadas para eles. Dessa maneira, a propaganda não cria desejos ou
necessidades; apenas explora motivacionalmente aquela que já se encontra latente
nos consumidores.
Kotler, discutindo a questão, esclarece que Maslow – que foi um teórico
das necessidades humanas – apresenta motivações para as diferentes necessidades
de modo a explicá-las como se fossem expostas numa hierarquia. Diz Kotler:
A teoria de Maslow. Abraham Maslow queria explicar por que as pessoas são
motivadas por necessidades específicas em determinadas épocas. Por que uma pessoa emprega
tempo e energia considerável em segurança pessoal e outra em conseguir opinião favorável dos
outros? A resposta de Maslow é que as necessidades humanas são dispostas em uma hierarquia,
da mais urgente para a menos urgente. Em sua ordem de importância, elas são necessidades
fisiológicas, necessidades de segurança, necessidades sociais, necessidades de estima e
necessidades de auto-realizações. As pessoas tentam satisfazer suas necessidades mais
importantes em primeiro lugar. Quando uma pessoa consegue satisfazer uma necessidade
importante, essa necessidade deixa de ser um motivador corrente e a pessoa tenta satisfazer a
próxima necessidade mais importante. Por exemplo, um homem que sente fome (necessidade
1) não tem interesse pelos últimos acontecimentos do mundo da arte (necessidade 5), não quer
saber como é visto pelos outros (necessidade 3 ou 4) e tampouco está preocupado com a
qualidade do ar que respira (necessidade 2). Mas quando ele tem comida suficiente, a próxima
necessidade mais importante se salienta.” (KOTLER, 2000, pp. 194-195).
A hierarquia das necessidades postuladas por Maslow foi segmentada em
cinco níveis, dispostos numa pirâmide, cuja base é ocupada pela necessidade mais
básica (necessidades fisiológicas) e o topo pela mais complexa (necessidade de
auto-realização):
204
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 3 - Hierarquia das Necessidades de Maslow.
Fonte: KOTLER, Philip - Administração de Marketing (2000).
Ora, se vivemos em um país com características de consumismo
exacerbado, em que encontramos pessoas de classes sociais diferentes, que estão
em condições de consumir produtos diferentes – mais ou menos elitizados – posto
que cada cidadão é motivado a satisfazer necessidades em diferentes graus
hierárquicos, temos, então, um campo fértil para a propaganda.
Caberá, agora, à propaganda, ou melhor, às pessoas ligadas a ela, mais
especificamente aos mídias – profissionais que trabalham na área de mídia de
agências ou na área de mídia das empresas, responsáveis pelo planejamento,
negociação, execução e checagem da veiculação – mediante as pesquisas de mídia,
encontrarem os meios de comunicação adequados para atingir os consumidores de
uma forma eficaz e rentável para o investimento que se pretende fazer.
Nesse momento, quando a definição e a utilização dos meios que
compõem a estratégia e tática de mídia são definidas, para a elaboração do plano
de mídia, algumas questões importantes merecem ser citadas:
Qual é o objetivo de marketing do cliente?
Qual é o objetivo de comunicação do cliente?
O que será divulgado?
Qual o seu objetivo de mídia?
Quem é seu público-alvo?
Qual é o período de veiculação da campanha?
Em quais mercados geográficos a comunicação será exibida?
Qual é a verba a ser investida?
205
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Com base nas respostas dessas perguntas e na sua melhor utilização,
aliadas ao poder de negociação dos mídias, o profissional poderá obter um melhor
ou pior resultado, uma maior ou menor otimização da verba a ser investida.
A título de ilustração, cabe salientar que a verba investida nos últimos anos
(base 2006 a 2009) tem apresentado aumento. A economia pode, naturalmente,
provocar oscilações, como ocorrido no final de 2008, primeiro semestre de 2009,
mas apresenta boas perspectivas para os próximos anos, frente à recuperação de
investimentos observados no segundo semestre de 2009 e inicio do ano de 2010.
INVESTIMENTO PUBLICITÁRIO EM MÍDIA107
ANO
2006
Investimento
bilhões de reais
2007
em 17.4
2008
19.0
21.4
2009
22.2
Figura 4 – Resumo de faturamento bruto por meio em Reais – valores acumulados.
Fonte: Projeto Intermeios 2007-2010.
É importante ressaltar, dentre os aspectos apresentados para a elaboração
do planejamento de mídia e de comunicação, as mudanças do perfil dos
consumidores, que tem se tornado mais consciente, exigente, com maior poder de
decisão sobre suas escolhas decorrente da maior variedade de produtos ofertados a
eles, além da inserção das novas gerações de consumidores, principalmente a
geração Y, com perfil multi tarefa, o que reduz sua atenção a atividades ou ações de
comunicação que proporcionem pouco interesse; que nasceu basicamente junto
com o advento da Internet e que considera essa plataforma amigável e
imprescindível em seu dia a dia. É uma geração que tolera pouco a interrupção em
sua programação, que utiliza recursos tecnológicos para montar sua própria grade
de programas, e a faz de acordo com seu gosto ou voltada para atender sua
disponibilidade de tempo. Ainda, decorrente dos avanços tecnológicos, tem a sua
disposição novas formas de contato com a marca, como o telefone celular, sites de
busca, de relacionamento, os advergames, a outernet, entre tantos outros.
Esses fatores dificultam a execução do plano de mídia e das ações de
marketing. O conhecimento do publico alvo e em como conseguir sua atenção, é
preponderante para que se obtenha estratégias eficazes.
As comunicações institucionais, organizacionais, de uma marca ou produto,
cada vez mais vão se mantendo necessárias. A evolução dessa comunicação deve
ser observada. Os povos, principalmente num momento de globalização como o
107
Valores obtidos nos relatórios
www.projetointermeios.com.br.
de
investimento
–
Projeto
Intermeios.
Fonte:
206
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
que agora vivemos, precisam, cada vez mais, se comunicar, deixar suas marcas em
suas cavernas, agora, digitais.
Referências Bibliográficas
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pensamento renovam a Europa. Volume I, 1997 (p.87).
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207
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
CTI JORNAL: ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DE UM JORNAL DE
EMPRESA
Robson Bastos da SILVA108
Universidade de Taubaté - UNITAU/ Universidade Santa Cecília – UNISANTA
Viviane FUSHIMI109
Escola de Comunicação e Artes – USP/ Universidade de Taubaté – UNITAU
Aline Fernanda LIMA110
Universidade de Taubaté - UNITAU
Introdução
A evolução histórica do Jornal Empresarial no Brasil, segundo Rego (1987,
p. 26), foi estimulada pela Revolução Industrial ocorrida nos Estados Unidos e
Europa e que tardiamente inicia-se no Brasil em 1930. As publicações empresariais
firmam-se somente os anos de 1960 e historicamente, o “Boletim Light”, fundado
pelos funcion|rios, em 1925 perdurou por três anos, a revista “General Motors”,
criada pela empresa recém instalada no país, em 1926 e a revista “Nossa Estrada” de
1929, mantida pelos funcionários da Estrada de Ferro Sorocabanas iniciam a
evolução destas publicações brasileiras. Porém, Rego (1987, p.27) afirma que “o
‘Boletim Light’, ‘Nossa Estrada’, n~o podem ser consideradas um exemplo típico de
jornalismo empresarial: ambas as publicações constituíam iniciativas unilaterais dos
empregados (apesar da anuência das empresas)”.
Considerando a definiç~o de jornal empresarial como “Veículo impresso,
periódico, de comunicação institucional, distribuído gratuitamente e dirigido ao
público interno (funcionários e familiares) e/ou determinados segmentos do público
externo (revendedores, acionistas, clientes, fornecedores, autoridades, imprensa,
etc).” (RABAÇA & BARBOSA, 1995), dirigimos nosso estudo ao CTI Jornal,
publicação empresarial da Companhia Taubaté Industrial, editada do início de 1937
até 1943, fonte noticiosa e cultural dos trabalhadores da empresa, bem como da
sociedade da época.
108
Doutor em Comunicação e Semiótica – PUC/SP. Professor de História do Jornalismo e do
Programa de Mestrado em Lingüística Aplicada UNITAU e Coordenador de Jornalismo UNISANTA.
[email protected].
109
Doutoranda e Mestre em Ciências da Comunicação ECA/USP – Professora de Planejamento Gráfico
em Jornalismo, Metodologia da Pesquisa Aplicada à Comunicação e Comunicação Integrada UNITAU. [email protected]
110
Mestre em Comunicação Social UMESP – Professora de Teoria e Técnicas de Relações Públicas,
Administração em Relações Públicas, Organização de Eventos e Relações Públicas Comunitárias.
[email protected]
208
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Sobre a Companhia Taubaté Industrial (CTI), situada na o município de
Taubaté, interior de São Paulo, região do Vale do Paraíba, encerrou suas atividades
há 20 anos. Os prédios onde funcionavam seus teares hoje são ocupados por
edifícios residenciais, comércios e pela Universidade de Taubaté. A torre principal,
ocupada pelo setor de assistência social da Prefeitura, mantém em funcionamento
um relógio que há mais de 50 anos informava as horas regularmente, que até os
dias atuais é mantido em funcionamento e emite um apito que se ouve em quase
toda a cidade, religiosamente nos seguintes horários: às 8h da manhã, ao meio-dia,
às 14h e às 18h.
Isso demonstra a relação existente entre a empresa e a sociedade que a
abrigou por todos esses anos e até hoje a respeita e a mantém viva na memória.
Pode-se considerar que o CTI Jornal tem papel fundamental nessa relação, já que os
antigos funcionários ainda guardam estreita relação afetiva com a empresa.
Sendo assim, o “CTI Jornal”, publicaç~o empresarial iniciada em 1937, pode
ser considerada uma das pioneiras na produção de jornalismo empresarial, ao
produzir uma publicação voltada para os funcionários da Companhia Taubaté
Industrial (C.T.I.), uma das maiores indústrias têxteis da América Latina nessa época.
Vale destacar que o Jornal foi criado por iniciativa de Oswaldo Barbosa
Guisard (diretor da fábrica e jornalista) e Victor Barbosa Guisard (secretário); a
primeira edição foi lançada em 15 de abril de 1937 e a última edição de número 137,
em 20/12/1946. Inicialmente tinha uma tiragem de dois mil exemplares, chegando a
três mil nas edições comemorativas. Quanto ao formato, era 46x33 cm, sendo cinco
colunas fixas e fotografias em clichê de alta qualidade; o número de páginas era
variável, nunca inferior a oito, e em algumas edições, no entanto, circulava com
dezesseis ou até vinte e quatro páginas.
Ao identificarmos elementos que caracterizam o jornal empresarial,
verifica-se que, em grande parte ele atende às definições apontadas por Rego
(1987) e Palma (1994), sintetizadas nos seguintes itens:
•
A serviço dos subsistemas técnicos e funcionais da empresa
•
Mínimo de oito páginas, periodicidade média (quinzenal, mensal ou
bimestral), atualidade no período
•
Custeado pela empresa
•
Mais próximo do gênero interpretativo, intenso uso de matérias frias,
entrevistas de interesse humano ou de cunho administrativo.
Com base nestas definições, o estudo pretende verificar as características
(conteúdos/funções) de jornal de empresa nos três exemplares analisados do CTI
Jornal a partir dos pressupostos teóricos apresentados, permitindo trazer um
entendimento sobre a estratégia utilizada para disseminar a ideologia empresarial e
governamental da época. Assim, por meio de uma categorização de elementos
209
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
essenciais das publicações foi possível desenvolver uma sistemática de análise
apresentada na metodologia do trabalho.
Objetivos
Este trabalho pretende realizar uma reflexão sobre o papel desempenhado
pelo veículo jornalístico institucional - C.T.I. Jornal - como modelo de comunicação
entre o empresariado e os empregados na primeira metade do século XX.
Verificar a configuração deste jornal dentro das características praticadas
atualmente pelo conceito de jornal empresarial.
Foram consideradas as estratégias empresariais utilizadas pelo veículo para
diminuir os conflitos e proporcionar soluções de interesse patronal.
Metodologia
Embasados pelos apontamentos documentais e bibliográficos
apresentados sobre a Companhia Taubaté Industrial (CTI), sobre o CTI Jornal e
sobre a conceituação e a caracterização do Jornal de Empresa, dirigimos, agora,
nossa análise ao estudo do CTI Jornal, tendo como elemento norteador sete
categorias de análise desenvolvidas, as quais indicam as características de um jornal
de empresa, e que serão consideradas na análise do objeto de estudo CTI Jornal.
Estas categorias foram estabelecidas a partir da contribuição de autores como Rego
(1987), Palma (1994) e Rosa & Cunha (1999) em obras sobre jornalismo empresarial
e jornal de empresa.
Os exemplares escolhidos são a primeira edição, datada em 15 de abril de
1937, número que inaugura a trajetória de cerca de dez anos de existência do Jornal.
O outro exemplar refere-se à uma edição intermediária do período em que o Jornal
foi editado, a de número 37, publicada em 15 de maio de 1940 e, por fim, a edição
de número 60, de 05 de maio de 1942, a qual trata sobre o falecimento de Felix
Guisard, presidente da empresa e um dos idealizadores do Jornal.
Ao indicar as categorias para análise do Jornal, tendo como referência a
pesquisa já desenvolvida pelos autores acima citados, buscou-se identificar nos
textos pesquisados elementos essências para a configuração de um jornal de
empresa, considerando uma diversidade de elementos técnicos, textuais,
lingüísticos, de gênero, mensagem, dentre outros. Sem a intenção de quantificar os
elementos de an|lise, mas sobretudo “extrair [qualitativamente, de uma forma
sistemática], os aspectos latentes da mensagem analisada” (JUNIOR, 2005, p.284),
entendemos que nosso estudo caracteriza-se como uma abordagem de análise de
conteúdo. Sendo assim, apresentamos as categorias de análise que servirão de
orientação para a devida compreensão do CTI Jornal.
210
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
1. Objetivo do veículo: Informar sobre as ações/projetos da empresa;
promover integração; ampliar a consciência, reforçar laços e gerar motivação.
2. Público: Público interno (funcionários e familiares) e outros segmentos
importantes do público externo definidos pela empresa.
3. Periodicidade e Difusão: Rígida (semanal, quinzenal, mensal, bimestral
ou trimestral). Um exemplar para cada pessoa, ou para cada duas pessoas. Gratuito.
4. Gêneros: Informativo (busca a objetividade da notícia, informação),
Opinativo (emite opiniões e juízos de valor) e Interpretativo (apresenta os fatos e
possibilita interpretações e livre formação de opinião por parte do leitor)
5. Linha editorial: Toda a definição de objetivos do veículo, de
características do público-alvo, dos conteúdos e aspectos gráficos adequados à
política da direção da empresa, considerando o empregado como ator do processo.
6. Categorias de Mensagens: Identificação dos tipos de conteúdos,
segundo REGO (1987, p.170-187). São indicadas como: Jornalística: conteúdo aberto,
ilimitado; Educacional: conteúdo dirigido ao funcionário, orientação doméstica;
Entretenimento: recreação e Publicidade e Propaganda: pressão com fins
comerciais e políticos.
7. Função da Linguagem (PALMA, 1994, p.152): Essencialmente Fática, pois
cria providências ou cuidados de reforço da mensagem (frases curtas, diagramação,
gráficos, ilustrações, dentre outros)
Resultados e Discussões
Para o entendimento do CTI Jornal enquanto jornal de empresa organizouse um processo de estudo e de análise que contempla, além da leitura do veículo, a
identificação nas três edições (Nº1, Nº 37, Nº 60) das características de um Jornal de
Empresa, aqui indicadas como categorias. A apresentação dos resultados da
pesquisa se dará a partir da elaboração de um quadro ilustrativo que visa apresentar
de forma objetiva e direta os elementos identificados seguida por uma breve
reflexão. Assim, tem-se o nome da categoria, os conceitos à ela relacionados e a
identificação dos dados nos três exemplares estudados.
211
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Categoria 1: Objetivo do Jornal
Informar sobre as ações/projetos da empresa; promover integração; ampliar a consciência, reforçar
laços e gerar motivação.
Nº1: editorial apresenta a missão de harmonizar as classes patronais e
trabalhadoras; capa conta a história do incêndio e recuperação da fábrica em
1898
Nº37: aniversariantes dos meses de abril e maio; homenagem aos veteranos
ceteienses (galeria de fotos); cinquentenário da empresa (em 04/05/1940)
CTI Jornal
Nº60: capa, págs 2, 3, 6 informam sobre a morte de Felix Guisard
págs 4, 5,
7, 8 artigos, poesias e cartas de personalidades e funcionários sobre a morte de
Guisard
Ao considerarmos o objetivo do jornal de empresa nas informações
levantadas das edições estudadas, verifica-se certo direcionamento do conteúdo
para as questões da empresa, como os dados da sua história, informações sobre
seus membros e fundadores. Vale destacar, no entanto, o editorial da edição Nº 1, o
qual explicita a razão de ser do Jornal, a de harmonizar as relações entre patrões e
empregados, distanciando-se de um projeto informativo e motivacional como se
prega.
Categoria 2: Público
Interno (funcionários e familiares) e segmentos importantes do público externo (empresa define)
Nº1: no editorial apresenta o Jornal { “coletividade que moureja dentro dos
muros da CTI e, consequentemente , por aç~o direta { sociedade local”
CTI Jornal
(no apogeu,
cerca
de
funcionários)
Nº37: na edição do 3º aniversário do Jornal, o editorial retoma o público do
jornal “o meio oper|rio taubateano, tão pobre de instrução, há de ter as suas
2400 correntes de opini~o formadas”
Nº60: agradecimentos da família de Felix Guisard aos “auxiliares e oper|rios da
CTI” pela manifestações de pezar e as homenagens prestadas ao Chefe, convite
para a missa de 7º dia
No que se refere ao público para quem o Jornal de destina, verificamos em
trechos retirados das edições estudadas que é clara a idéia de que o CTI Jornal é
dirigido ao público interno, os funcion|rios ou “a comunidade que moureja dentro
dos muros da CTI”, assim como para a sociedade local. Sabe-se que o Jornal era
encaminhado a outras instituições, repartições públicas, órgãos de imprensa e
companhias têxteis. O que se questiona, nesta reflexão, é a forma como se
posiciona o funcion|rio, tido como “pobre de instruç~o”.
212
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Categoria 3: Periodicidade e Difusão
Rígida (semanal, quinzenal, mensal, bimestral ou trimestral). Um exemplar para cada pessoa, ou
para cada duas pessoas. Gratuito
Nº 1: No expediente: circulação mensal, no dia 15 de cada mês; tiragem de 2000
exemplares; distribuição gratuita
CTI Jornal
Nº 37: No expediente: circulação mensal, no dia 15 de cada mês; tiragem de
2700 exemplares; cabeçalho indica “assinatura, ano 5$ - número avulso, $500
(exigência legal)
Nº 60: Sem expediente; edição de 5 de abril de 1942, trata da morte de Felix
Guisard (29/04). No cabeçalho: assinatura ano 5$000; número avulso $500
(exigência legal)
O CTI Jornal circulava numa periodicidade mensal, atendendo à
necessidade de regularidade de uma a publicação, numa difusão relevante (de 2000
a 3000 exemplares). A exceção aparece quando da existência de um fato relevante
para a empresa, neste caso, a edição Nº 60 que trata da morte de Felix Guisard,
presidente da companhia. Outra questão é a difusão do veículo, aqui analisada sob
o aspecto das informações contidas no expediente, o que se verifica é a adoção de
informações sobre custo da assinatura, uma exigência legal, que não se
concretizava na realidade.
Categoria 4: Gêneros informativo, opinativo e interpretativo
1. Informativo: objetividade da notícia, informação
2. Opinativo: opiniões, juízos de valor
3. Interpretativo: apresenta os fatos e possibilita interpretações e livre formação de opinião do
leitor.
CTI Jornal
Nº1: (1) coluna social (aniversários, noivados, casamentos, enfermos);
apresentação das seções do jornal; (2) editorial, colunas assinadas, artigos,
crônica sobre teatro; (3) história da CTI e de seu fundador, Congresso
Operário.
Nº37: (1) coluna social (aniversários, noivados, casamentos, enfermos);
apresentação de outros jornais recebidos, (2) editorial, colunas assinadas, ex.
transportes e siderurgia, carta de D. André; viagem de Guisar ao Japão; (3)
matéria sobre recenseamento e higiene, esportes
Nº60: (1) nota sobre o aniversário da Rua 4 de março; (2) matérias, cartas
assinadas (Monteiro Lobato), artigos, poesias, fotografias sobre a morte de
Felix Guisard; (3) ofício-requerimento para a criação da Praça Felix Guisard.
Na categoria gêneros (informativo, opinativo e interpretativo) buscamos
entender um pouco sobre o conteúdo do Jornal e sua relação com os gêneros
jornalísticos. Assim, verificamos a existência das três funções da informação. O
informativo, identificado pelo ícone (1) diz respeito às notícias, os comunicados, os
213
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
quais são caracterizados por informações de ordem social, como noivados,
casamentos e notas. O gênero opinativo (2), que agrupa mensagens que objetivam
persuadir e orientar, pode ser percebido nos editoriais, nas colunas assinadas e
outros textos que claramente expressam a opinião do autor (religião, questões
políticas e sociais da época, defesa da figura de Felix Guisard). Já no gênero
interpretativo (3), o das análises e explicações, característico deste tipo de veículo,
verificam-se conteúdos relativos à dinâmica da fábrica, das questões que envolvem
o bem-estar dos funcionários e da sociedade como um todo.
Categoria 5: Linha editorial
Relativo aos objetivos do veículo, características do público-alvo, conteúdos, características
gráficas. Deve estar adequada à política da direção da empresa, considerando o empregado como
ator do processo e sofrer o mínimo de mudanças.
CTI Jornal
(formato/projeto
pouco alterados)
Nº 1 e Nº 37:
- textos e imagens voltadas para o contexto da fábrica, da educação dos
operários e orientação a respeito dos temas sociais (política, religião e família)
e de recreação.
- fonte noticiosa e cultural dos trabalhadores da empresa
- instrumento de controle e vigilância do operariado
Nº 60:
- especialmente editado para abordar a morte e destacar a figura ilustre de
Felix Guisard na sociedade
Esta categoria analisa a política que norteia a publicação institucional,
considerando alguns aspectos que nem sempre estão expressos no conteúdo do
Jornal. Na leitura do CTI Jornal, verifica-se, em alguns elementos textuais, que o
veículo foi pensado como um importante instrumento de controle e vigilância do
operariado, orientando para as posições administrativas, religiosas e políticas de
suas lideranças dentro e fora da fábrica. Ao contrário do que se prevê num jornal de
empresa atual, a promoção de dirigentes é uma constante. Deve-se entender a
edição 60, no entanto, sob um outro aspecto. Trata-se de uma edição especial que
aborda a morte de Felix Guisard e que objetiva claramente valorizar o dirigente
como empres|rio e importante cidad~o, fugindo “um pouco” das orientações das
outras edições.
214
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Categoria 6. Categorias de Mensagem
1.
2.
3.
4.
Jornalística: conteúdo aberto, ilimitado.
Educacional: conteúdo dirigido ao funcionário, orientação doméstica.
Entretenimento: recreação
Publicidade e Propaganda: pressão com fins comerciais e políticos
Nº 1: (1) Artigo “Conheçamos o Brasil, (2) Apresentaç~o do Jornal e funç~o na
empresa (seção técnica); (3) Esportes, cinema, circo e recreação na cidade; (4)
Divulgação de serviço dentário, produtos como Emulsão de Escott; Congresso
Operário da Ação Católica.
CTI Jornal
Nº 37: (1) Matéria sobre o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários;
(2) Homenagem aos veteranos ; (3) Esportes, programação do Cine Palas,
Humorismo, Cobras e Lagartos; (4) Publicidade da Casa Bancária, Remédios, Morim
Taubaté e Ave Maria, Divulgação do novo comando da Força Policial do Estado.
Nº 60: (1) Dados sobre a morte de Felix Guisard; (2) Não identificado, mas pode-se
ler toda a abordagem sobre a morte de Felix Guisard; (3) seções Críticas e
Humorismo, Cobras e Lagartos, (4) Não identificado; cartas das autoridades
políticas, empresariais e religiosas.
Tendo como base as categorias de mensagens citadas por Rego (1987,
p.159) e desenvolvidas por Marques de Melo, as quais refletem sobre o tipo de
conteúdo existente na publicação, buscamos identificar nas três edições estudadas
aspectos jornalísticos, educativos, de entretenimento e de publicidade e
propaganda utilizados. A partir de uma olhar cuidadoso das informações contidas
nos jornais, fizemos nossas inferências a respeito dos conteúdos. Sendo assim, temse no aspecto jornalístico a presença de matérias de teor noticioso sobre questões
da empresa e da sociedade.
No aspecto educacional foi possível perceber a existência de mensagens
normativas, com o objetivo de desenvolver aptidões. Deve-se ressaltar que, nos
casos de valorização de funcionários (Homenagem aos veteranos) pressupõe-se um
discurso implícito do “modelo a ser seguido”. A respeito do aspecto
entretenimento, se percebe com clareza os espaços dirigidos para o lazer, a
descontração, os quais ultrapassam a realidade da empresa, destacando fatos da
cidade e das famílias de Taubaté (programação do cinema local, esportes, cultura,
etc). Outro tipo de conteúdo trabalhado em Jornais de Empresa é o indicado como
“Publicidade e Propaganda”, o qual se refere { garantia financeira e ou de
existência de um espaço de publicidade dirigidos à publicação, elemento a ser
regulamentado por cada empresa. O que se verifica no CTI Jornal neste aspecto é o
uso do espaço para a publicidade de alguns produtos, estabelecimentos comerciais
locais e acontecimentos importantes, mas principalmente a veiculação de imagens e
textos do principal produto da empresa, o Morim Ave-Maria e Taubaté.
215
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Categoria 7. Função da Linguagem (Palma)
Essencialmente Fática: providências ou cuidados de reforço da mensagem, como frases
curtas, diagramação, gráficos, ilustrações, etc.
Nº 1: Notas da redação, notas sobre o Tênis Clube Taubaté e aniversário
de morte D. José, coluna social, fotografias de Felix Guisard e da
fábrica, poemas, convocação para o Congresso Operário, publicidade
de remédios e produtos da fábrica (Morim Ave-Maria)
CTI Jornal
Nº 37: Fotografias dos diretores da fábrica, fotografias dos veteranos
ceteienses, publicidade de remédios e produtos da fábrica (Morim
Ave-Maria), notas da redação, acróstico, charadas e piadas.
Nº 60: Explora os títulos e palavras em função da abordagem da morte de
Felix Guisard; destaque para capa com fotografia, páginas finais
poesias e homenagens.
Palma (1994, p.152), dentre outras funções de linguagem (expressiva,
conotativa, poética), as quais respondem pela narrativa adequada das mensagens,
destaca como extremamente importante no jornalismo empresarial, a função fática.
Ela se refere aos inúmeros elementos utilizados para facilitar e manter o contato
com o receptor. Na análise do CTI Jornal foi possível perceber nas edições
estudadas que, embora sem nenhum conhecimento científico prévio dos seus
editores a respeito desta questão, alguns elementos como fotografias, imagens,
conteúdos breves e articulações de títulos são utilizados gerando um conjunto
atrativo de textos e imagens.
Considerações Finais
Ao concluirmos a pesquisa desenvolvida, apresentamos um paralelo a
respeito de outras questões fundamentais e características de um Jornal de
Empresa indicadas pelos autores estudados, indicando aquilo que um jornal deve
evitar em contraponto com o que foi identificado no CTI Jornal. Esta análise objetiva
trazer novos elementos para nossa compreensão e adequada conclusão do estudo
proposto. Segue:
216
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Padrão Jornal de Empresa
CTI Jornal
Deve Evitar:
Enfoques lisongeiros e apaixonados
Promoção gratuita dos chefes e
diretores
Publicação
de
documentos
ou
comunicados oficiais
Ser burocrático
Ter a imprensa diária como parâmetro
Publicidade dos produtos da empresa
(apenas valorizar)
Preceder o nome com adjetivos e
apresentar elogios
Caracterizar-se como circular (espaço
para direção dirigir-se aos empregados)
Indicar paternalismo
O que se verifica:
Clara posição de defesa das ideologias
políticas e religiosas da empresa
(líderes)
Extrema valorização de seu líder maior
Em alguns casos publica atas, cartas,
documentos da empresa
Toma o modelo de jornalismo vigente
Oferece espaço para publicidade de
produtos farmacêuticos e profissionais
da saúde e seus produtos, como o
Morim
Extrema
adjetivação
(pessoas,
entidades, autoridades, situações)
A fabrica como a mãe, Guisard como o
pai e a CTI como a família.
Por fim, ao considerarmos toda a explanação teórica, metodológica e as
análises desenvolvidas chegamos a conclusão de que a Companhia Taubaté
Industrial assumiu um desafio econômico e de comunicação ao produzir, nos anos
30 e 40 um Jornal de Empresa, o que a coloca como uma das pioneiras neste tipo de
publicação. O CTI Jornal é prova de uma visão administrativa arrojada e socialmente
engajada, já que os assuntos ultrapassavam os muros da empresa e cumpriam com
o papel de integrar os funcionários da empresa, permitindo uma leitura sobre o
contexto da fábrica.
Por outro lado, é preciso afirmar que os conteúdos tratados apresentavam
uma retórica emocional e ideologicamente dirigida, expressando um discurso
autoritário, dirigindo a opinião do trabalhador para as questões administrativas,
religiosas e, principalmente políticas, próprias do contexto do Estado Novo,
governo Vargas. Nas páginas do C.T.I. Jornal era comum reconhecer a família
ceteiense (diretoria, funcionários e familiares), e o bom cidadão, moldado cívica e
profissionalmente pelos textos jornalísticos. Também deve-se considerar a extrema
exploração da figura do dirigente Felix Guisard, questão determinante e expoente
na análise do material.
Diante do exposto, podemos dizer que o CTI Jornal cumpre, em grande
parte com as funções e características de um Jornal de Empresa, porém
impregnado por um período histórico de dominação, exploração e autoritarismo,
divergentes dos dias em que circulam os jornais atuais.
217
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Referências Bibliográficas
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Paulo: Ática, 1987.
REGO, F.G.T. Jornalismo Empresarial: Teoria e Prática. 2ª Ed. São Paulo: Summus,
1987.
A PUBLICIDADE BRASILEIRA E OS ANOS 1960-70: A REVOLUÇÃO
CRIATIVA
Lourdes Malerba GABRIELLI
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Introdução
Em Cinqüenta Anos de Vida e Propaganda Brasileiras111 encontra-se um
levantamento histórico apurado, que permitiu, em grande parte, a observação da
divisão em épocas adotada neste estudo, referindo-se, cada uma delas, a um
período criativo da publicidade brasileira. O estudo divide a propaganda brasileira
em décadas, mas a observação da evolução criativa nos levou a dividir em apenas
dois períodos, que tem diferentes características. Partindo do princípio de que a
propaganda é um dos mais fidedignos espelhos das sociedades contemporâneas,
incluindo a brasileira, embora não seja o único, entende-se que muito dos padrões
de comportamento brasileiros foram influenciados pela propaganda, como hábitos
de higiene, conforto e lazer, entre outros.
Ricardo Ramos lembra, no primeiro capítulo, que a propaganda brasileira
foi, desde o descobrimento até o final do século XVIII, quase que exclusivamente
111
GRACIOSO, Francisco e PENTEADO, J. Roberto Whitaker. 50 Anos de Vida e Propaganda Brasileiras.
São Paulo: Mauro Ivan Marketing Editorial, 2001.
218
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
oral, além dos poucos anúncios afixados em locais públicos. O primeiro anúncio,
aponta, foi publicado na Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808, vendendo “huma
morada de cazas de sobrado”. Em r|pida sucess~o, nascem v|rios outros jornais no
Rio e em Pernambuco, e cresce igualmente o número de anúncios vendendo
serviços de costureiras, rapés, peças de teatro, sapateiros, relojoeiros, tipografias,
floristas, tônicos, tinturas para cabelos, e remédios para a saúde da mulher, dor-decabeça, gripe, acido úrico, biotônico, vitaminas, elixires, entre outros remédios. Em
plena escravidão, eram comuns os anúncios de negros fugidos, com descrições que
iam de poéticas a vergonhosas, salienta Ricardo Ramos. Ele lembra também que o
próprio Gilberto Freyre, ao referir-se aos anúncios com descrição de escravos,
destaca sua importância para a definição dos tipos étnicos e constitucionais dos
nossos negros e mestiços.
Nas quatro primeiras décadas do século, depois da fase oral dos anúncios, a
profissionalização da propaganda inicia com os poetas, os responsáveis pela
redação dos anúncios. Em seguida, com as revistas e os anúncios em cores, e com
eles uma nova série de influências, uma vez que a maioria dos anunciantes de então
eram as grandes empresas européias (francesas na maior parte) e americanas,
trazendo inclusive anúncios prontos apenas para serem traduzidos.
Anos 30-40
Em 1929, já existiam no Brasil agências de propaganda brasileiras e
estrangeiras, americanas que vieram aqui se instalar juntamente com as
montadoras Ford e GM, esta última com uma divisão de publicidade com 27
profissionais em 1927. O negócio da propaganda cresceu e profissionalizou-se
rapidamente, através de um grupo de profissionais formados segundo os padrões
americanos, instruídos por bem-sucedidas experiências internacionais. As agências
internacionais “ensinaram e colheram, ensinando pela sua cartilha”, acrescenta
Ramos.
Rodolfo Lima Martensen conta uma interessante passagem num encontro
com Pietro Maria Bardi, na oportunidade da inauguração do 1º. Salão de Propaganda
no MASP. Bardi faz uma observação sobre a péssima qualidade dos anúncios
publicitários, e lança um desafio para a criação de um curso de arte publicitária para
melhorar o nível dos profissionais e conseqüentemente dos anúncios. Um passeio
pelos anúncios da primeira metade do século mostra, que embora o mercado tenha
crescido muito e muitos profissionais tivessem sido formados no dia-a-dia da
profissão, ainda não havia nível de excelência em produção de material impresso. As
agências, que funcionavam isoladamente, eram as grandes escolas de propaganda,
mas não davam conta de toda a produção de peças. A cartilha dos americanos não
servia mais integralmente ao Brasil e era chegada a hora de iniciar um caminho
próprio.
219
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O projeto deste curso, continua Martensen, foi realizado a partir de
pesquisas que ele próprio desenvolveu em escolas de propaganda americanas e
européias, e que acabou por adaptar à nossa realidade112.
Durante a Segunda Guerra Mundial e nos últimos anos da década de 40 o
desenvolvimento industrial brasileiro foi considerável, e a propaganda, como parte
integrante deste processo de crescimento, desenvolveu-se em números de maneira
não proporcional ao seu desenvolvimento em qualidade criativa. Neste período,
explica Ramos, “Ninguém argumenta, enumera. Os substantivos avultam, os
adjetivos rareiam”113.
Os anúncios deste período, em sua maioria, têm o mesmo tratamento
informativo na relação texto imagem, pois buscam persuadir o consumidor a partir
da divulgação de características dos produtos, sem ter ainda lançado mão das
ferramentas persuasivas que são os benefícios, buscando apelos emocionais.
De um total de 114 anúncios reproduzidos apenas nesta publicação, no
período das décadas de 10 ao final dos anos 40, excluindo-se os anúncios
classificados, houve mais da metade - ou 65 peças - utilizando-se de apelos
puramente informativos (considera-se apelo informativo neste contexto um apelo
de título que contenha ou o nome do produto; ou uma característica técnica; ou
ainda o nome da doença ao qual se destina ou problema que resolverá; ou um
possível aviso de lançamento, quando for o caso). O restante, 49 anúncios, que de
alguma forma buscavam um apelo que fugisse da simples informação, estão assim
distribuídos: Nos anos 10, apenas um anúncio; nos anos 20, somam 7; nos anos 30 o
número sobe para 10 e nos anos quarenta, especialmente no final da década, salta
para 31 anúncios. Este número crescerá um pouco mais nos anos 50, mas observa-se
que o grande salto criativo só acontecerá nos anos 60, porque mesmo os anúncios
que tem algum tipo de apelo não informativo, possuem uma qualidade criativa
notadamente inferior ao que veremos na década de 60.
Alguns exemplos:
112
GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 77. O Curso de que trata esta citação é a atual Escola Superior
de Propaganda e Marketing, então Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, fundada
em 1951, que teve Rodolfo Lima Martensen como primeiro diretor.
113
Id. Ibid, p. 22.
220
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
:
Figura 11 - Produto: Caxambu, 1905. Fonte: GRACIOSO E PENTEADO, op. cit., p. 29.
Anuncio Informativo
Figura 16 - Produto: Flit. 1930. Fonte: Id. Ibid, p. 51.
Anuncio Não-informativo
Quanto à informação visual, são em geral imagens que mostram o produto
ou algum uso facilmente identificável dele. Tome como exemplo o anúncio Flit,
acima.
Anos 50
Os anos 50 são o período de início de mudança da propaganda, que culmina
com o grande salto criativo dos anos 60, quando os benefícios e não mais as
características dos produtos passam a sobressair em relação aos títulos e imagens.
A propaganda brasileira deste período é sofisticada, criativa e inteligente,
lembrando a inglesa, e baseada nos preceitos de marketing, desvendados e
aperfeiçoados pelos americanos. O espírito romântico dos anos 50, presente nos
anúncios, também era importado da Inglaterra. Os maiores anunciantes do período
são os perfumes, sofisticados e intangíveis para a nossa sociedade de baixa renda
na sua maioria.
221
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O crescimento econômico do país no período trouxe, além de muitas
indústrias estrangeiras e seus produtos (européias, mas principalmente
americanas), muitos profissionais de propaganda com suas agências, que ajudaram
a criar o mercado publicitário e também ensinaram aos futuros profissionais
brasileiros a fórmula do bom anúncio, para os padrões da época. Foi a época de
ouro da nascente indústria brasileira dos produtos de consumo, substituindo os
importados dos anos 40.
Quanto ao estilo criativo dos anúncios, mantinha-se o tom didático e
informativo, mas a época era propícia para iniciar-se uma transformação de
linguagem quanto ao tipo de apelo de vendas, j| que “o povo acreditava na retórica
política, pelo r|dio e em comícios”.114
As manifestações artísticas, adequadas ao mundo urbano, como o teatro, a
pintura e a literatura, amplamente presentes em edições cada vez mais freqüentes,
a arquitetura e seu salto modernizador, e muitas outras iniciativas, revelaram a
aculturação existente e a desdobraram artisticamente, gerando assim mais
informação e consequentemente capacidade crítica dos brasileiros, abrindo as
portas para uma linguagem publicitária mais inteligente. Na opinião dos próprios
publicit|rios, “Pode-se dizer que a moderna propaganda brasileira nasceu nos anos
50”115.
A industrialização e a urbanização crescentes criaram um mercado
promissor para os mais diversos produtos, não por competição entre marcas, mas
para criar hábitos de consumo que até então não existiam. Os cânones criativos
seguidos ent~o, francamente americanos, davam import}ncia “aos textos em geral
e a títulos e slogans em particular”116.
O grande desenvolvimento econômico e as novas oportunidades geradas
não permitiram, entretanto, que do ponto de vista criativo a propaganda
acompanhasse tal modernização. Os produtos eram novos e o argumento de
vendas cabível era informar ao público como tais produtos funcionavam ou eram
consumidos. Leite em pó ou achocolatado instantâneo, batedeiras de bolo, a
primeira loção após-barba nacional, extrato de tomate, creme dental, lâminas de
barbear, refrigeradores, colchões de mola e remédios, são produtos cujo hábito de
consumo criava-se naquele período e a propaganda, mais do que acreditar em
apelos racionais, mal conhecia outro caminho. A propaganda ainda era ingênua,
como o público117.
114
GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 90.
Id. Ibid, p. 153.
116
Id. Ibid, p. 111.
117
Id. Ibid, p. 109.
115
222
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Além disso, o estilo criativo partia da predominância textual porque a
televisão só viria a fazer parte deste cenário a partir da metade da década, e ainda
não se sabia muito bem o que fazer com ela em termos de linguagem. As peças
eram criadas para jornais ou revistas, seu texto “lido” no r|dio, em spots que não
eram criados especificamente para a mídia, e apresentados na televisão pelas
garotas propaganda, que também “liam” o texto. Ao contr|rio, hoje as peças s~o
criadas inicialmente para TV, em sua maioria, e depois traduzidas para o rádio e
meios impressos. Cria-se uma competente cultura para os meios impressos e
eletrônicos, mas o rádio vem sendo prejudicado neste procedimento, pois as trilhas
criadas para os comerciais de TV continuam sendo veiculadas no rádio sem que se
pense, na maioria das vezes, nos recursos que este veículo oferece.
A idéia não partia da imagem, mas do texto, que era formal e correto
gramaticalmente, já que se destinava ao público que lia jornais e revistas,
alfabetizado e seletivo, consumidor de produtos sofisticados. As mensagens hoje
veiculadas na TV e rádio atingem públicos diversos, inclusive os não alfabetizados, o
que permite vender também produtos populares.118
A partir do final dos anos 50, a propaganda iniciou sua busca pela
subjetividade, deixando de lado a objetividade da primeira metade do século. Os
publicitários brasileiros, ex-aprendizes quase independentes dos mestres
americanos, começaram a construir neste período uma fórmula tipicamente
brasileira, com humor e sofisticação diferentes do inglês, marketing e padrão
gráfico diferentes do americano, diferenças que floresceram, de fato, com força
total a partir dos anos 60.
Nos anos 50 ainda é considerável a quantidade de anúncios que tem a
relação título x imagem baseada no padrão foto-legenda, como aqueles dos anos
40. Percentualmente, o número de anúncios com uma relação título x imagem de
complementaridade119 é irrelevante, o que mostra que a importância desta década
encontra-se nas mudanças oferecidas pelo mercado e fertilizadas na propaganda,
mas ainda não transformadas em linguagem. Por esta razão, o período de 60-80
será o próximo a ser estudado, pois é aqui que acontece o salto criativo e o
conseqüente encontro de uma linguagem publicitária contemporânea e com
características culturais nacionais.
Anos 60
Nos anos 60 o Brasil e a propaganda mudaram. O Brasil assistiu à tomada
do poder pelos militares e a todas as controvérsias geradas neste período. A arte e
118
GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 88-112.
Entendemos complementaridade como oposto de foto-legenda. No primeiro caso, título e
imagem se complementam gerando um significado sempre mais rico do que a repetição que
acontece no segundo. Tal classificação pode ser encontrada na íntegra na tese de doutorado da
autora, inédita.
119
223
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
os artistas estavam entrincheirados em seus ateliês e estúdios, de onde saiam para
o exílio. Alguns ficaram e através deles a manifestação social foi se construindo por
meio da música, das artes plásticas, do teatro e do cinema. O Brasil continuava a
crescer, e a inflação a aumentar, mas criaram-se novos produtos e novos hábitos de
consumo que transpareciam nas revistas, jornais, rádio e TV com seus anúncios. É
desta época que data o primeiro Shopping Center brasileiro, mais uma idéia que
cresceria sem limites nas décadas seguintes.
No fim da década, nosso marketing já se comparava aos melhores do
mundo120, e aplicado ao mercado nacional através de empresas multinacionais, em
sua maioria, foi arrasador para os então pequenos fabricantes nacionais. Foi a época
em que se desenvolveram também os institutos de pesquisa de mercado e
audiência, as técnicas de merchandising e embalagem, além de muitas agências de
publicidade nacionais, que continuariam grandes na próxima década, como Mauro
Salles e DPZ, entre outras.
A necessidade de atender empresas multinacionais, habituadas a um
serviço de comunicação e marketing já bem desenvolvido em seus países de origem,
foi uma das razões do grande salto qualitativo da propaganda brasileira dos anos
60, principalmente na segunda metade da década. Assim como na década de 50,
muitos profissionais foram importados e quem usufruiu deste convívio foram os
brasileiros, que aprenderam rápido e se tornaram mestres. Estes resultados foram
acompanhados de perto também pelo desenvolvimento do parque gráfico
brasileiro, que permitia os vôos criativos dos artistas gráficos e diretores de arte,
garantindo sua execução.
De um total de 64 anúncios publicados nos anos 60, utilizando a seleção
realizada no livro Cinqüenta Anos de Vida e História Brasileiras, transparece uma
realidade que retrata o verdadeiro perfil do salto criativo dos anos 60, e explica
também porque é que a verdadeira mudança na qualidade criativa da publicidade
brasileira, que tem início nos anos 50, ganha corpo nos anos 60 e se fortalece
definitivamente nos anos 70.
Analisando os anúncios com base nos elementos comunicativos título e
imagem, pode-se verificar: da amostra de 64 anúncios, temos 36 com títulos
criativos (não-informativo), 55 com direção de arte atualizada para os novos
padrões gráficos e recursos da época e 26 com uma relação título x imagem de
complementaridade.
Verificar que mais da metade dos títulos de anúncios da década trazem um
toque criativo é um grande avanço com relação à década passada e às anteriores.
Assim, finalmente pode-se fugir dos títulos que traziam apenas o nome do produto,
um aviso de lançamento, ou uma característica. Os títulos passam a se referir a
120
GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 126.
224
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
situações cotidianas, trocadilhos, tiradas irônicas, brincadeiras a serem desvendadas
através da imagem ou mesmo perguntas inteligentes.
O que chama a atenção, também, é a incidência ainda maior de anúncios
com direção de arte renovada. Fica claro que a quase totalidade dos anúncios
passou a utilizar em profundidade os novos recursos gráficos e descobriu que era
possível usar fotos em toda a página, degradês de fundo, blocos de texto com
margens definidas muitas vezes pelo corte da foto, produtos em área total na
página ou produtos em reduzidíssimos espaços, que dialogavam propositadamente
com o espaço em branco, título sobre foto, entre outros.
Mais do que isto, o diretor de arte deixa-se seduzir pela imagem de outra
forma, pois quando o fazia nas décadas anteriores, podia contar com ilustrações e
um sistema de reprodução que não dava a devida importância à cor, um recurso que
ganhou espaço e relevância.
Outro número surpreendente é a grande quantidade de anúncios, em
comparação às décadas anteriores, que tem alguma preocupação com a interação
entre título e imagem. Trabalham algumas vezes buscando interação entre ambas
as informações, que se complementam sem repetições, ou ainda apresentando-as
em oposição. Das duas maneiras, aumenta-se a força de impacto, um dos principais
objetivos da comunicação publicitária.
Na mesma amostragem não são identificados anúncios all-type, e apenas
um anúncio sem título, mas com grande quantidade de texto em seguida à imagem.
Pode-se verificar, também, dois anúncios que trazem apenas título e imagem, com
praticamente nenhum texto. Estas são as características de muitas das peças que
aparecerão nas décadas seguintes, quando a imagem ganha mais importância que o
texto na composição de peça publicitária.
Tal prática se tornará mais freqüente por várias razões, mas a que mais se
destaca é, provavelmente, o fato de que o trabalho de marketing sobre marcas
mostrará resultados e muitos produtos passarão a ser conhecidos pelo
posicionamento no mercado, dispensando a informação verbal nas peças,
garantindo o objetivo de manutenção da imagem da marca através apenas da
informação visual.
Constatou-se também que os anúncios com interação e/ou oposição estão
concentrados no final da década, e que no início encontra-se exemplos com estilo
gráfico e de conceito muito próximos aos das décadas anteriores. Assim, resta
concluir que a propaganda entrou nos anos 60 de um jeito e saiu de outro. Iniciou o
período nos moldes antigos e terminou moderna e renovada, um ensaio do que
seriam os ricos anos 70.
225
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Anos 70
Também na década de 70 houve a separação de uma amostra de anúncios,
publicados no mesmo livro, num total de 82 peças, assim, verifica-se que o salto
criativo se assenta neste período ao perceber que do total, 64 anúncios têm título
criativo, 82 direção de arte atualizada e 64, uma relação visual x verbal de interação
ou oposição. A grande maioria dos anúncios é criativa no título, diferentemente dos
anúncios informativos de antes dos anos 50, e a totalidade das peças já tem o
tratamento gráfico contemporâneo. Cumpre observar também o mesmo número
de anúncios que tem título criativo e possuem uma boa relação entre título e
imagem, significando que deixaram de ser redundantes com relação a ela.
É claro que esta amostra de anúncios traz os melhores de cada período ou
premiados, caso de alguns dos anos 80/90, por isso não se pode acreditar que basta
abrir uma revista qualquer para encontrar apenas anúncios com títulos criativos ou
relação título x imagem de oposição ou complementaridade, mas nos fornece
dados para verificar que quanto mais os receptores são embalados nesta onda de
visualidade que assolou a segunda metade do século, mais estão aptos a decodificar
mensagens verbo-visuais e retirar melhor proveito delas em termos de informação
veiculada, já que o emissor busca na soma das informações veiculadas pelos dois
códigos, a máxima atenção, impacto e compreensão do receptor.
O processo criativo destas mensagens, dentro da agência de propaganda,
também ganhou sofisticação de técnicas e resultados. É neste período que nasce a
figura do “Diretor de Criaç~o” nas grandes agências, profissionais que s~o
supervisores das duplas formadas por redatores e diretores de arte. A dupla de
criação, que até então não se reportava a ninguém no departamento de criação, a
não ser ao atendimento da conta e obviamente ao cliente, ganha agora um
profissional apto a verificar tanto a pertinência das idéias aos objetivos de
comunicação quanto a solução criativa empregada, no texto-título ou na imagem.
Neste contexto surge a vontade dos profissionais de criação de tornar a
propaganda ainda mais irreverente, para uma sociedade bem mais permissiva que
nas décadas anteriores. É o momento em que começa a exploração do sexo na
propaganda brasileira (com uma diferença de pelo menos 15 anos da propaganda
européia e americana), e os profissionais explicam: est|vamos “sintonizados com as
novas escolas de pensamento criativo que derrubaram os velhos ícones e pregavam
a subjetividade e a sutileza como os novos paradigmas da criaç~o publicit|ria”121.
Nas grandes agências americanas, as velhas normas de planejamento e
condicionamento da criação ainda subsistiam e acabavam cerceando a liberdade dos jovens
criadores, embora estes rabiscassem cartazes com a frase de McLuhan: é proibido proibir. A
revolução criativa, na verdade, foi iniciada e conduzida pelas pequenas agências (as boutiques),
geralmente fundadas e dirigidas por apóstolos do novo credo criativo.(...)
121
GRACIOSO e PENTEADO, op. cit., p. 161.
226
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Quando, afinal, a poeira assentou, vários anos depois, surgiu no Brasil uma nova
escola de criação, autenticamente brasileira, fruto da simbiose entre a velha escola dos anos 50
e as novas tendências chegadas a partir dos anos 60. Foi essa escola que nos deu prestígio
internacional e que – infelizmente – começou a ser desfigurada a partir dos anos 90, devido às
sucessivas crises econômicas.122
Como novos paradigmas da criação publicitária instauravam-se, então, a
sutileza e a subjetividade, como formas opostas àquela empregada até os anos 50
baseada na informação sobre os produtos.
Nos períodos subseqüentes aos anos 50, os produtos passaram a
apresentar cada vez menos diferenças tecnológicas e, logicamente, cada vez menos
a informação sobre estas diferenças podia ser utilizada como apelo de vendas.
Some-se a isto o fato de que o consumidor já se acostumava aos apelos que a
propaganda vinha utilizando e a renovação era, então, uma necessidade de
sobrevivência, tanto da propaganda quanto dos produtos.
Lycra, 1976
Banco Real, 1977
Anos 80-90
Os anos 80 já refletem esta nova postura criativa da propaganda brasileira,
agora com um caminho próprio e independente da propaganda estrangeira. Já em
122
Id. Ibid, p. 162-163.
227
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
1980, a produção publicitária brasileira é premiada no Festival de Cannes, a mais
importante premiação da área, com o segundo lugar, abaixo apenas na Inglaterra e
à frente dos Estados Unidos. Neste ano, o Brasil foi premiado com 16 leões de ouro,
prata e bronze. A representatividade também era marcada pela presença de
brasileiros entre os membros do júri, neste e em muito festivais que se seguiram,
além de exposições de peças brasileiras em entidades estrangeiras.
A irreverência acentua-se na propaganda brasileira, e o comercial
Vagabundo de Eduardo Fischer, que traz um depoimento de um homem que “quer
ser vagabundo” é tirado do ar. É da primeira metade da década, também, o
primeiro nu frontal da propaganda brasileira num anúncio de chuveiros.
Os anos 90 trouxeram questionamentos acerca dos caminhos da
propaganda, e selecionamos um trecho com dois depoimentos que bem demarcam
a preocupação neste sentido:
Washington Olivetto suspirava: `Nunca mais se fez, no Brasil, propaganda tão boa
quanto aquela dos anos 60`. Armando Ferrentini lamentava: `Ninguém mais resolve seus
problemas de mercado através da propaganda.` Os anos 60 talvez fiquem gravados para
sempre como os anos dourados da propaganda – em que a criatividade se afirmou como
característica principal e bandeira de toda a profissão. Ou mudou-se da propaganda para
ocupar seu lugar em todas as atividades humanas ameaçadas pela tecnologia árida, sempre
padronizante?123
Muitos profissionais consideram que a internacionalização das
agências de propaganda trouxe uma padronização de linguagem que fez expirar a
criatividade dos anúncios, dando lugar à ironia, à prepotência e ao desrespeito dos
criativos para com os anunciantes.
São muitos os depoimentos encontrados, na mídia e em conversas
informais, principalmente, sobre anúncios considerados ofensivos seja por grupos
sociais, seja pela sociedade como um todo.
Na sala de aula, em disciplinas como “Criaç~o Publicit|ria”, percebe-se
claramente que a irreverência dos jovens publicitários tende à criação de anúncios
que pretendem impactar, segundo dizem os próprios alunos, “por dizer a verdade”
ou “fazer rir”, n~o se tratando de desrespeito. É necess|rio reavaliar, portanto,
algumas posturas, mais acordos de cavalheiros do que regras, que surgiram no
início da propaganda. Em Confissões de um Publicitário, editado nos anos 40, prega,
e sua voz tem eco em muitos outros autores, acima de tudo, não desrespeitar o
consumidor, não ser ofensivo e nem grosseiro, reservando à comunicação
publicitária sutileza, respeito e delicadeza.
123
DPZ, Portfolio, São Paulo: DPZ, s/d, p. 3.
228
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
É certo que este tom de voz que a propaganda adotou nos anos 60-70
provavelmente não se repetirá, principalmente porque o mercado, a publicidade e
os consumidores são outros. Aquele romantismo, entretanto, fez escola e deixa
praticamente sem seguidores aqueles profissionais que se espelharam nas
chamadas butiques de criação como foi na época a DPZ.
Uma agência de artistas, como era chamada, tinha à frente dois artistas
plásticos – Francesc Petit e José Zaragoza, e carregava suas fraquezas, por se tratar
de uma agência “muito artística, mas que n~o entendia de propaganda nem de
marketing, que fazia (...) lindos layouts e lindas fotos, porém que n~o vendiam”
relata Petit, lamentando as críticas da época.124 Mas Petit acreditava que uma
agência sem artistas não é uma agência, é um negócio apenas:
Teve época que se tentava esconder o fato da nossa agência ter um acentuado toque
artístico. Nada mais natural já que os dois sócios fundadores são artistas, pintores formados na
Escola de Belas Artes. A neurose pelo fato de ser dono de agência e artista ao mesmo tempo é
criticada e considerada prejudicial ao negócio, a ponto de me bloquear de tal maneira que
durante alguns anos deixei de pintar e expor pensando que com isso estaria ajudando a minha
agência. O mercado careta e convencional utilizava o fato de eu ter essa vocação para falar mal
da DPZ”125.
É deste debate que se nutria a propaganda do período, e uma análise da
propaganda atual certamente encontrará novas proposições e leituras, ainda a
serem estudadas.
Considerações finais
O salto criativo na propaganda brasileira registrado no período é facilmente
perceptível a partir da observação dos anúncios. Vale ressaltar, por conta desta
constatação, que se trata de um salto qualitativo em razão do aprimoramento na
utilização dos elementos estruturais componentes de uma peça publicitária
impressa. Pode-se configurar como aprimoramento pelo fato de que os elementos
constituintes já se faziam presentes desde que os meios impressos permitiram a
reprodução de imagens. Assim, tomando como base que anúncios publicitários são
formados de informação visual e verbal, obter mais informação com a mesma dupla
de códigos pode significar uma melhora na qualidade.
Anúncios mais criativos são aqueles que melhor elaboram as relações entre
título/texto e imagem, não deixando, ao mesmo tempo, de informar sobre o
produto que veiculam. Tendo em vista a grande quantidade de anúncios a que as
pessoas são submetidas, e a conseqüente quantidade de mensagens que buscam
despertar, reter nossa atenção e então conduzir à ação, é sabido que quanto mais
criativas as mensagens, mais facilmente obtém-se sucesso na primeira etapa deste
processo. Despertar a atenção para uma mensagem é algo que se dá com sucesso
124
125
DPZ, Portfolio, São Paulo: DPZ, s/d, p. 3.
Id. Ibid, p. 3.
229
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
em razão do impacto causado pela mensagem, e o trabalho de impactar depende,
em parte, do seu esforço criativo.
Se porventura houver concordância que quanto mais criativa a mensagem,
maior seu poder de impacto, pode-se entender poder de impacto ou poder de
despertar a atenção como capacidade persuasiva, dividida em etapas. Depois desta
enunciada, a primeira, parte-se para reter a atenção por meio das informações do
produto (a segunda), e a terceira, que é a de conduzir à ação. As etapas de retenção
e ação têm também como elementos constitutivos informações verbais e visuais,
concentradas, entretanto, em outro modo construtivo, que envolve o
desenvolvimento do texto, sua finalização com utilização de uma chamada à ação, a
utilização de frase de fechamento, se for o caso, além de slogan e assinatura, esta
última dupla garantindo confiabilidade pela personalidade da marca.
Neste estudo tratou-se apenas da etapa inicial, que é a obtenção de
impacto, e é possível que a sua força esteja exatamente no poder persuasivo das
mensagens, o que leva a concluir que quando se fala de poder persuasivo,
invariavelmente, trata-se de poder criativo, que pode ser encontrado, entre outras
possibilidades, na elaboração refinada da relação de complementaridade entre
título e imagem.
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Acesso em: 16 jul. 2008.
MITO, SIMBOLISMO E OUTROS INGREDIENTES DO MARKETING
POLÍTICO
Daniel GALINDO
Doutor em Comunicação Científica e Tecnológica pela Universidade Metodista de São, onde é
professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, alocado na linha de pesquisa
processos de comunicação Institucional e mercadológica
Rose Mara Vidal de SOUZA
Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, com MBA em
Marketing Político pela Universidade Católica de Brasília, graduada em jornalismo pela Universidade
Federal do Tocantins
Introdução
Vencer uma eleição não é fácil. Contudo foi-se o tempo em que beijar
criancinhas era artifício suficiente para se ganhar um pleito, ou as eleições
reconhecidas, popularmente, como o ápice da democracia. Mesmo nas civilizações
greco-romanas, berço desse sistema representativo, alguns historiadores acreditam
que o período e o lugar de origem da votação foram outros. Pois algumas narrativas
míticas celtas e hindus falam sobre a participação dos druidas e sacerdotes na
escolha de seus líderes políticos. Enfim quando a prática surgiu na cidade-Estado de
Atenas, no século 5 a.C., apenas cerca de um quinto da população poderia participar
das eleições.(SOUZA, 2009, p.1)
Não só as eleições, bem como o proferimento do voto foram alvo de algumas
transformações. Por volta do século II a.C., os romanos tiveram a idéia de criar uma urna onde
os votos fossem depositados. Antes disso, o voto era proferido publicamente, o que poderia
causar infortúnios diversos na condução de um processo eleitoral livre de qualquer conchavo
231
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
preexistente. Contudo, essa prática era recorrente entre os príncipes do Sacro-Império
Germânico, que decidiam coletivamente quem seria o rei. Até o século XIX, a compreensão do
voto como um direito estendido à maioria dos cidadãos era pouco difundida. Até mesmo nos
Estados Unidos da América, um dos mais importantes focos dos ideais de liberdade e
autonomia, seus partícipes acreditavam que a ampliação do voto era uma medida que poderia
prejudicar a condução de importantes questões nacionais. Nesse ponto, podemos ainda
salientar a luta das mulheres e analfabetos pelo direito ao voto. (SOUZA, 2009, p.1-2).
Seguindo o raciocínio de Souza, mesmo em meio às diversas questões
culturais, econômicas e políticas que impediam a modernização do país, o Brasil
teve um papel pioneiro no reconhecimento do voto feminino. Durante o governo de
Getúlio Vargas, o novo Código Eleitoral de 1932 permitiu que as mulheres fossem às
urnas. O papel vanguardista do Estado brasileiro pode ser comprovado quando
posto em contraponto às leis de outras nações européias que somente nos anos de
1970 permitiram esse mesmo benefício.
Outro ponto relevante é sobre o voto dos analfabetos, com importante
significação para a cultura política contemporânea. Afinal até poucas décadas atrás,
o desconhecimento do mundo letrado era usado como premissa para se atestar a
incapacidade intelectual mínima de um pretenso eleitor. Contudo, essa visão
sectária perdeu terreno paulatinamente. No Brasil, a constituição de 1985 permitiu o
exercício democrático dos analfabetos, que havia sido proibido pela antiga carta de
1889. (SOUZA, 2009, p.4)
Partindo do pressuposto que as eleições são verdadeiras arenas, onde as
ferramentas da democracia e do poder têm papel de destaque. A mídia apresentase como a mola propulsora e o palco que nos permite interpretar os atores
envolvidos nas relações de poder em torno do imaginário social. Outro fator, não
menos importante, que é o marketing político, aliás, o termo marketing político
moderno é entendido aqui como uma resposta relativamente bem consolidada
frente aos desafios do processo político – comunicacional já na primeira metade do
século XX. Esta resposta se traduz por um sistema organizado de ações e um
repertório de estratégias oriundas das práticas comerciais, cujo principio norteador
é a busca pela qualidade e eficácia do processo buscando-se atingir com maior
segurança possível os objetivos preestabelecidos.
O marketing político não pode restringir-se apenas ao aspecto
comunicacional, ele contempla toda uma forma de gestão do ambiente político,
propiciando aos candidatos em período de pleito eleitoral uma vantagem
competitiva frente aos demais adversários que investem apenas no período das
eleições praticando o marketing eleitoral. Ao contrario de uma gestão da imagem
do político que tem competências e articulações partidárias, assimiladas pelo
receptor/eleitor, portanto explorando a credibilidade construída a partir de um
trabalho consistente de avaliação, correção e divulgação permanente de sua
performance no espaço político. Aqui situamos as eleições como processo de
espetacularização, onde a personalização de candidatos e a propagação de
232
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
discursos perpassados de elementos simbólicos e míticos se constituem no cerne
deste artigo.
De acordo com Bezerra e Lima (2008, p.2) o mito político não é
simplesmente um fenômeno, uma pessoa, um partido ou uma idéia, mas sim a
representação que se faz de determinados fenômenos, pessoas ou idéias. A
elaboração de um mito acontece sobremaneira a partir da contínua repetição e
reelaboração de uma imagem. Ou seja, quando se pretende compreendê-lo e
interpretá-lo, nos voltamos uma narrativa. Portanto é na seqüência de uma história
contada, repetida e reelaborada que se agrega corpo e substância a mitos
preexistentes. Neste sentido, vamos nos valer como exemplo de dois candidatos a
presidência da República no Brasil (Getúlio Vargas e Luis Inácio Lula da Silva) e o
recente fenômeno Barack Obama nos Estados Unidos da América.
As campanhas eleitorais estão conectadas diretamente com mitos,
arquétipos, estereótipos presentes na construção e manutenção da imagem dos
atores sociais envolvidos em uma competição, cujo objetivo é ser aceito pela
maioria. Haja vista que o comportamento humano tem sido uma poderosa arma do
marketing político para a criaç~o de “produtos” eleitorais de sucesso.
A mitologia
Mitologia é o estudo dos mitos, deuses e lendas. Os mitos são histórias de
caráter popular ou religioso que têm por objetivo a explicação de coisas complexas,
que passavam do entendimento das pessoas comuns na época de seus
surgimentos. Normalmente a mitologia é associada à sociedade desde sua
fundação, como a mitologia que surgiu na Grécia é denominada Mitologia Grega,
sendo essa a mais famosa de todas. Em várias religiões a mitologia está presente de
alguma forma. No Neopaganismo, por exemplo, a mitologia é a própria
caracterização de sua fé. Ou ainda Jung (2008) revelou a conexão entre mito e
psique inconsciente no seu trabalho com pacientes psiquiátricos, que expressam
imagens arcaicas e padrões de pensamentos que não podiam ser explicados por
suas histórias pessoais. Jung encontrou imagens iguais ou parecidas
mitologicamente, na alquimia, e em outras antigas fontes mitopoéticas (sentidas
pela alma).
Na sociedade contemporânea, a mitologia está fortemente presente e fácil
de localizar, pois em diversos jogos como Final Fantasy e Ragnarök; filmes e séries de
televisão, como Harry Potter e Cavaleiros do Zodíaco possuem suas bases na
mitologia.
De acordo com Randazzo (1996, p. 56) Nas culturas ocidentais européias, o
termo mitologia tornou-se sinônimo de mitologia grega ou romana. E isto não nos
deve surpreender, pois são geralmente as únicas mitologias às quais somos
apresentados – uma conseqüência do nosso eurocetrismo. Existem na verdade
233
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
várias mitologias – asiáticas, africana, nórdica e árabe, entre outras. Também é
importante entender que a definição de mitologia, no seu sentindo mais amplo, não
se limita ao que formalmente chamamos de mitologia: “abrange qualquer coisa que
de alguma forma mitifica ou “enfeita a realidade”. Moby Dick é uma mitologia.
Assim como é mitologia o anúncio da cerveja Budweiser que vemos na Tevê”
(RANDAZZO, 1996, p. 57).
Portanto mitologizar se resume naquilo que “... inclui todas as formas de
ficção narrativa simbólica mostrando padrões recorrentes universais e coletivos de
resposta psíquica às experiências da vida... qualquer representação humana vista
sob a perspectiva da alma” (HEISIG apud RANDAZZO, 1996, p. 58). Certamente esta
definição de mitologização parece particularmente apropriada para a publicidade.
Afinal a publicidade é um tipo de comunicação em forma de história, uma ficção
narrativa que além de transmitir informações acerca do produto/serviço, procura
refletir os valores, o estilo de vida, e a sensibilidade e/ou cultura que envolve o
consumidor-alvo.
Para o mitólogo Joseph Campbell (1990, p.31), a riqueza dos mitos não está
em elucidar ou revelar algum tipo de significado para a vida, mas o de ser um
registro simbólico da própria experiência de estar vivo. Ele diz que os mitos atuam
em vários níveis:
Função Mística
Função Cosmológica
Função Sociológica
Função Pedagógica
“... percebendo a maravilha que é o universo, e a maravilha que
nós mesmos somos, e ficando fascinados diante do mistério”.
“Ajudando-nos a entender o universo e o lugar que ocupamos
nele”
“Apoiando e defendendo uma certa ordem social”
“...como viver a nossa vida sob qualquer circunst}ncia”
Para Randazzo (1996, p. 63), a mitologia proporciona um acesso para a
mente inconsciente – o aspecto irracional, intuitivo da psique humana. A mitologia
nos permite vislumbrar a alma humana, a nossa natureza instintiva que se mantém
oculta por baixo das aparências da civilização. O contato com a nossa psique
inconsciente permite que nos sintamos com os pés no chão e mais humanos, e é
uma fonte rica e vital de energia criadora e de descobertas.
Arquétipos e o inconsciente coletivo
Carl G. Jung se utiliza do termo arquétipo para designar: a forma imaterial à
qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar; modelos inatos que servem de
matriz para o desenvolvimento da psique; seriam as tendências estruturais invisíveis
do símbolo que criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da
situação consciente.
Para Jung essas “imagens primordiais” se originam de uma repetiç~o
constante de uma mesma experiência durante gerações e tendem a produzir a
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
repetição e elaboração dessas mesmas experiências em cada geração. (JUNG, 2008,
p.13-14)
Considera-se freqüentemente que Sigmund Freud "descobriu" o
inconsciente como sendo aquela parte da psique que contém experiências
desagradáveis ou mesmo traumáticas que tenham sido reprimidas pela mente
consciente. Jung vai mais longe: em sua opinião, não só existe um inconsciente
individual como também existe um inconsciente coletivo, o qual contém a imensa
herança psíquica da evolução humana. De acordo com Jung, esta herança renasce
na estrutura de cada indivíduo.
Os sonhos podem ser considerados como possíveis escapes do
inconsciente individual e coletivo. Figuras que aparecem frequentemente nos
sonhos como o tenebroso perseguidor ou a criança inocente são símbolos que
representam uma ligação com dimensões sobre as quais não estamos conscientes.
Estas podem despertar em nós certas associações que não poderíamos entender
apenas com a mente racional.
Jung descobriu que muitos destes símbolos são de natureza universal.
Estes podem ser encontrados nos mitos e contos de fadas de todos os povos. Eles
mostram um "conhecimento" ou "sabedoria" comum a toda a humanidade. Por isso
Jung chamou a estes símbolos Imagens Primordiais ou Arquétipos. As imagens
primordiais não podem ser descritas com exatidão.
No seu trabalho com pacientes psiquiátricos, Jung ficou impressionado com o fato de
imagética parecida, amiúde arcaica, ser usada por muitos de seus pacientes. A partir de suas
observações, Jung desenvolveu a idéia de ‘inconsciente coletivo’; um inconsciente que contém
imagens arquetípicas (universais) cuja pista pode ser seguida até as origens da espécie humana
e que são as mesmas para todas as pessoas. Para Jung as imagens arquetípicas contidas no
inconsciente estão profundamente arraigadas na espécie humana e, de alguma forma
funcionam como instintos que influenciam e controlam o nosso comportamento. A imagem
arquetípica é um marco fundamental na obra de Jung e a chave para que possamos entender a
conexão entre mitologia e a psique humana (RANDAZZO, 1996, p. 65).
De acordo com Jung (2008), os arquétipos nascem da incessante
renovação das vivências experimentadas ao longo de várias gerações. Este
aprendizado é necessário para que o Homem caminhe rumo à sua individuação, ou
seja, na direção de sua mais perfeita lapidação, para que um dia possa se unir
novamente ao seu Self126. Assim, esta incessante aquisição de conhecimento e de
experiências, executada durante milhares de anos durante a jornada humana, é
administrada pelos arquétipos, que para melhor estruturarem esta conquista
geraram modelos responsáveis pelo trabalho psíquico.
126
Self - O Si - mesmo é o centro de toda a personalidade. “O Si - mesmo representa o objetivo do
homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua
vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia para que tudo o que pertence a uma vida
individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha consciência do
que acontece, quer n~o.” (JUNG, 2008).
235
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Os arquétipos estão, portanto, nos bastidores de todos os nossos
pensamentos, sentimentos, emoções, intuições, sensações e atitudes.
Normalmente eles se expressam através dos símbolos, pois constituem sua
composição estrutural oculta aos olhos humanos. Alguns destes arquétipos
conquistaram tamanha independência que se destacaram do âmbito da consciência
individual do ‘eu’ - a persona; a anima ou o aspecto feminino do homem; o animus
ou o lado masculino da mulher; e a sombra.
Os símbolos arquetípicos são encontrados nos mitos originais, nas mais
variadas religiões, em lendas que já fazem parte da bagagem cultural coletiva, os
quais marcam definitivamente a consciência e particularmente a esfera do
inconsciente humano. Alguns destes arquétipos: a figura materna, a imagem do pai,
a criança, o herói, o divino, entre outros. Em outras palavras, uma criança mamando
no seio materno ainda não conhece a sua mãe pessoal. O que ela experimenta é a
“maternidade” – o arquétipo da Grande Mãe – a eterna provedora e alimentadora.
Cada arquétipo tem seu próprio grupo de símbolos ou cânone de símbolos
que também é criado e guiado pelo inconsciente. A força poderosa de uma imagem
arquetípica – como a imagem de mãe/filho – está no fato de os humanos
responderem a ela não só em nível consciente, mas também num mais profundo
mais profundo e instintivo nível inconsciente. Eles constituem, para a psicologia
junguiana, manifestações imateriais que modelam os eventos psíquicos.
A mitologização e os símbolos na política
Uma contribuição significativa para a percepção da articulação simbólica
nas práticas discursivas é proposta por BARTHES (2007, p. 235), quando evidencia
que passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a
complexidade dos atos humanos confere-lhes a simplicidade das essências, suprime
toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um
mundo sem contradições, porque sem profundeza, um mundo plano se ostenta em
sua evidência, e cria uma afortunada clareza: as coisas sozinhas parecem significar
por elas próprias.
De acordo com Barthes (2007), apesar de, em seu sentido original, o mito
remeter ao intemporal, em seu aspecto moderno, especialmente no campo do
político, ele também é dotado de historicidade. Se os mitos cosmogônicos eram
resistências do homem primitivo ao tempo e a história, os mitos modernos, ao
contrário, são históricos, ocultos sob o manto da razão, embora remetam à imagens
primordiais, não-históricas e a vocação de todo candidato em recriar um novo
mundo, novas situações, novo equilíbrio da ordem e da paz, diante de um caos
oriundo do antecessor político que por inabilidade, arrastou a todos para um
apocalipse previsível, agendado, aqui evidencia-se o confronto escatológico do caos
236
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
presente, com a promessa messiânica de um novo mundo, novo momento ou o
renascer através da repetição da criação ou da cosmogonia.
Ainda seguindo o pensamento de Barthes, outra característica do mito é o
car|ter imperativo e interpelador. Para ele o mito é “uma fala definida pela sua
intenç~o”. Pensar o discurso político atual a partir desta perspectiva permite
perceber como fontes importantes de análises, artifícios diversos como discursos,
gestos, fotografias, vídeos, dentre outros artefatos materiais que fomentam a
elaboração de discursos e possibilita perceber como estes elementos podem ser
manuseados a partir de uma intenção específica. Para Girardet (1989), a ligação
entre a lenda, a narrativa mítica com os traços e características pessoais e
específicas da figura legendária e com a conjuntura histórica em que viveu o
personagem pontua de forma clara que tais características biográficas pertence ao
domínio do imaginário mitológico e que quanto maior é o tempo de existência do
mito mais estes traços tendem a ser reforçados ao mesmo tempo em que reforça
também sua permanência no imaginário coletivo; Quanto mais o mito ganha
amplitude, mais se estende por um largo espaço cronológico e se prolonga na
memória coletiva, mais se deve esperar, aliás, ver os detalhes biográficos, e as
características físicas ganhar importância. A altura do general de Gaulle, o tom
zombeteiro de sua voz, suas fórmulas, suas tiradas e suas insolências – sua lenda
seria hoje a mesma se não tivesse conservado a memória desses traços? (GIRARDET,
1989, 82).
Na política, essa evolução, essa tendência para o uso dos símbolos, tem
grande valor. É evidente que um movimento político de nossos dias só tem
possibilidade de sucesso se suas idéias forem adotadas por um número considerável
de pessoas que delas se apoderem por um processo de assimilação e, quando são
compreendidas e sustentadas, de maneira unânime, pela grande maioria de adeptos
desse movimento. Se essas condições estão presentes, logo se compreende que tal
movimento político só pode obter rápido sucesso caso tenha uma maneira de
exprimir suas idéias, um simbolismo próprio; podendo ser aceito, de forma rápida e
uniforme, por um grande número de pessoas (TCHAKHOTINE, 1967, p. 258).
O emprego dos símbolos é um dos estratagemas mais eficazes preferidos
pelos líderes para dirigir as massas, para aspirar e inspirar as emoções nas
multidões. Segundo Lippmann (apud TCHAKHOTINE, 1967, p. 259) “É um truque
para criar o sentimento de solidariedade e, ao mesmo tempo, explorar a excitação
das massas”.
O marketing político e a mitologização do candidato
A atividade política submerge ao jogo de poderes, aos encantos do poder
econômico e da burocracia estatal, fazendo com que esta seja encarada como uma
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
atividade restrita somente aos “políticos” e n~o pertinente a todos os cidad~os,
com regras emanadas democraticamente da sociedade. O público torna-se um
consumidor, já que as ferramentas do marketing são utilizadas para garantir um
resultado eleitoral favorável. (SANTOS, 2007, p. 59).
Segundo Santos (2007), as alterações nas relações humanas na
configuração do espaço público solicitam novos requisitos de funcionamento e de
comunicação entre os diferentes atores políticos – partidos, Estado e sociedade.
Assim, a comunicação constitui-se como uma fonte de poder que se confronta com
outros poderes, inclusive o político. O marketing político-eleitoral aparece, então,
não apenas como a interação entre um dado regime e a comunicação, mas, num
sentido mais amplo, de uma sociedade de consumo, na qual um conjunto de novos
ingredientes, tais como sondagens de opinião, técnicas de identificação, de
visibilidade e publicidade passam a compor o campo político atual (SANTOS, 2007,
p.60).
Devemos levar ainda em consideração que marketing político é o conjunto
de atividades que visa garantir a maior adesão possível a uma idéia ou a uma causa,
que pode ou não ser encarnada na figura de uma pessoa, normalmente um político
(LIMA, 2002, p.17).
Este fato é exemplificado nesta matéria da Revista Veja sobre a disputa
presidencial de 2006:
O Brasil encerra sua quinta campanha presidencial consecutiva com duas novidades.
A primeira é que nunca houve tanto debate televisivo entre dois candidatos ao Palácio do
Planalto: o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o tucano Geraldo Alckmin encontraram-se em
quatro ocasiões, somando mais de sete horas de confronto direto. A segunda é que,
lamentavelmente, apesar da sucessão inédita de debates, nunca uma campanha presidencial
passou tão ao largo das grandes questões nacionais, rendendo-se de forma inapelável ao
marketing. Ainda que a história eleitoral do país mostre ser excesso de otimismo esperar que
uma campanha revolva as raízes mais fundas da pátria, a atual disputa poderia ter jogado ao
menos um tênue facho de luz sobre o que se espera de um governo – mas não fez nem isso. Lula
e Alckmin, cada um a seu modo, limitaram-se a declamar o que suas assessorias diziam ser o
que o eleitor de cada um gostaria de ouvir (ESCOSTEGUY, 2006, p.2).
Partindo deste pressuposto, Randazzo (1996, p.238-244) afirma que o
candidato é considerado um produto semelhante a outra mercadoria passível da
utilização das técnicas de marketing. Todo o mundo tem uma mitologia pessoal,
mais os políticos e as demais pessoas em cargos públicos costumam ter mais
consciência das suas mitologias pessoais e gastam mais tempo para cultivá-las e
alimentá-las. Assim como as mitologias de marca as mitologias pessoais podem ser
tiradas de várias fontes:
Mitologia pessoal latente – fatos e folclore acerca dos antecedentes,
da herança e história pessoal, e das experiências de vida.
238
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Mitologia cultural – Mitologias pessoais que refletem os valores e as
crenças da história e da cultura do povo. (RANDAZZO, 1996, p. 239).
Portanto para Randazzo, a eleição de um presidente pode ser vista, em
nível simbólico, como uma procura mítica, uma busca do Grande Pai, do Rei (e,
quando começarmos a eleger mulheres para o cargo, uma procura pela Grande
Mãe, uma Rainha). É possível visualizar tal fato, por exemplo, na eleição de Getúlio
Vargas ou ainda de Luis Inácio Lula da Silva. Ambos usaram a bandeira do
populismo127 como diferencial competitivo tanto na pré como na pós-eleição. O
arquétipo de Grande Pai e Herói é amplamente divulgado nos dois casos. No caso
de Getúlio Vargas (1939) que instituiu o salário mínimo, a Consolidação das Leis do
Trabalho, também conhecida por CLT e os direitos trabalhistas: carteira profissional,
semana de trabalho de 48 horas e as férias remuneradas, a massa proletariada foi a
principal beneficiada e com isso o idolatrou e elegeu Getúlio como “Pai dos
Pobres”.
Os candidatos compreendem instintivamente que, se quiserem ser eleitos,
devem aparentar/assumir a figura do Grande Pai e ao mesmo tempo adotar
posições em sintonia com os valores e as sensibilidades do país. Aliás, este ritual se
repete com o atual presidente da Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, com o programa
assistencialista Bolsa Família128. A avaliação de Lula ficou acima dos 60%, segundo
pesquisa Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística)129 divulgada em
junho de 2009 pela Confederação Nacional da Indústria. De acordo com a pesquisa,
68% da população acham o governo Lula ótimo ou bom. A aprovação do governo
ficou em 80%, sendo que 16% desaprovam a forma como o presidente Lula governa
o país. Na comparação com a última pesquisa, em março, esse percentual foi de 78%
e a desaprovação foi de 23%. Os dados confirmam que a população o assimilou no
arquétipo do Grande Pai e mesmo do Herói.
Os criadores de imagem que ajudam o presidente a desenvolver uma
apropriada e atraente mitologia pessoal, costumam a recorrer as experiências de
127
Populismo é uma forma de governar em que o governante utiliza de vários recursos para obter
apoio popular. O populista utiliza uma linguagem simples e popular, usa e abusa da propaganda
pessoal, afirma não ser igual aos outros políticos, toma medidas autoritárias, não respeita os
partidos políticos e instituições democráticas, diz que é capaz de resolver todos os problemas e
possui um comportamento bem carismático. É muito comum encontrarmos governos populistas em
países com grandes diferenças sociais e presença de pobreza e miséria (POPULISMO, [2000], p.1).
128
O Bolsa Família é um programa de bem-estar social desenvolvido pelo governo federal brasileiro
em 2003 para integrar e unificar ao Fome Zero os antigos programas federais "Bolsa Escola", "Auxílio
Gás" e "Cartão Alimentação", e é tecnicamente chamado de mecanismo condicional de transferência
de recursos. Consiste-se na ajuda financeira às famílias pobres e indigentes do país, com a condição
de que estas mantenham seus filhos na escola e vacinados. O programa visa reduzir a pobreza a
curto e a longo prazo através de transferências condicionadas de capital, o que, por sua vez, visa
acabar com a transmissão da miséria de geração a geração (BOLSA..., 2009,p.01)
129
Disponível em <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?
temp=0&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=caldb> Acesso em 26 de jun de 2009.
239
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
vida do próprio candidato. A mitologização dos candidatos presidenciais começa
geralmente a partir de fatos tirados da história pessoal do candidato, construindo
em cima deles uma mitologia pessoal apropriada e estimulante. A ênfase na
coragem e nas façanhas heróicas do candidato é quase sempre uma maneira segura
de convencer o populacho de que ele tem tudo para dirigir a nação (RANDAZZO,
1996, p.239-240).
Esta leitura a pratrir de Randazzo nos remete diretamente à recente
campanha a presidência dos EUA (2008), do então candidato Barack Obama
(Democratas). A campanha é considerada pelos especialistas da área como uma
revolução no marketing político. Usando desde as tradicionais ferramentas como o
corpo a corpo com a população até o uso de redes sociais (internet) e aparatos
tecnológicos (como celulares).
De acordo com o site Globo.com, Obama se transformou até em herói de
desenho animado. Na animação, Obama conserta o sistema de seguro-saúde, vence
a guerra do Iraque, reconcilia judeus e palestinos e se livra dos terroristas do Talibã
com um golpe de kung fu. Ele também levanta um prédio, viaja pelo espaço sideral e
faz outros feitos sobre-humanos. O vídeo foi produzido pela Jib Jab Media, que tem
tradição de produzir animações de humor com conteúdo político.
Contudo foi na condição de um candidato novo, com um apelo envolvente
no sentido de convocar a todos para participar da construção de um novo mundo,
resgatando o espírito do recriar (cosmogonia), através da afirmação coletiva do
“Yes we can” escrito como uma marca, reproduzido como um mantra e confirmado
com a presença de milhares de eleitores que enfrentando o frio, o cansaço, e toda
sorte de desconforto, deram a Obama e ao mundo a imagem da fé expressa em um
líder carismático e repleto de outros predicados trabalhados em uma campanha
consagrada pela simbologia.
Considerações Finais
A comunicação quando destinada a produto, faz valer sua condição de
produção simbólica por excelência, pois se agrega a um bem qualquer anunciado,
valores, sentimentos, sonhos, fantasias, enfim a dimensão imaterial que promove a
diferenciação, ou como alega Claude Hopkins “tentamos dar a cada anunciante um
estilo apropriado. Tornando-o distinto, talvez não em aparência, mas em maneira e
tom. É-lhe dada uma individualidade que melhor convenha às pessoas a que se
dirige” (Hopkins, 1966, p.110). Exatamente como na prática do marketing político,
cuja capacidade de mitologizar, os candidatos em pleitos eleitorais usam e abusam
dessas condições.
A população precisa se ver no candidato, como um benfeitor para suas
angústias e desejos. Veblen (1983) discorre sobre isso em seus estudos, dizendo que
o homem sempre persegue o honorífico, mesmo que este não o detenha, ele quer
240
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
estar sempre ao lado de quem o possui, no caso o vencedor, o guerreiro, o herói,
representado aqui pelo candidato mais forte/qualificado.
Essas simbologias, conceituadas por Jung como arquétipos, vivem no nosso
inconsciente e nos remetem aos anseios mais profundos. O marketing apropria-se
dessa condição como mola propulsora para determinar nossas satisfações. Quem
não quer eleger um candidato que vai amparar e proteger a todos? Isso contempla
o arquétipo do Grande Pai aliado ao do Herói, que remete ao modelo mental
tornando visível, real e factivel. Ainda de acordo com Jung a psique humana
expressa seu processo de crescimento e evolução de forma visível e compreensível
para a mente consciente através de mitos e lendas.
A compreensão e apreensão destas contribuições teóricas ampliam o poder
de persuasão, envolvimento e sedução marcada nas mensagens emitidas sobre os
eleitores, confirmando suas identificações com os candidatos, afinal o processo de
personificar candidatos/produtos como reflexo de nossos próprios desejos,
responde as nossas incertezas e cria vínculos emocionais não só na área material,
mas também na área psíquica, através da mitologização do candidato.
Referências Bibliográficas
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242
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
RECLAMES EM AÇÃO: MEMÓRIAS DA PUBLICIDADE BRASILEIRA
ADS IN ACTION: MEMORIES OF BRAZILIAN ADVERTISING.
Éldi Marisol Saucedo
Professora universitária, membro do grupo de pesquisa Memória e Imaginário em
novos contextos da Comunicação e mestranda em Comunicação pela Universidade Municipal de
São Caetano do Sul – USCS. Professora da Escola de Comunicação da
Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS.
1. Introdução
A publicidade é uma das mais relevantes forças nos países capitalistas.
Segundo Jhally: “Pode dizer-se que a publicidade é, na sociedade moderna, a mais
influente instituiç~o de socializaç~o” (1995, p. 13). No Brasil, essa influência também
é considerável, haja visto o gasto que anunciantes vertem para o setor e como a
sociedade se preocupa em regular a atividade publicitária dado seu impacto sóciocultural. Segundo Coelho: “A publicidade ocupa um lugar central na cultura
contemporânea. Se entendermos por cultura tudo o que é criado pelos seres
humanos, podemos perceber que a presença das manifestações publicitárias na
cultura do homem contemporâneo é cada vez maior” (2007, p. 155).
Devido a esse poder social, a publicidade é e precisa ser contada, de forma
que tais experiências ajudem a construir um panorama da área e, assim, auxiliar a
construir sua história: “Ao olhar para a história da propaganda, entendemos como
ela constrói laços com a vida e com o imaginário, das pessoas e da sociedade em
que ela se situa” (CASAQUI, 2007, p. 89).
A memória, segundo Gade (1998), é resultado do aprendizado. Porém, usase aqui a memória no sentido histórico e cultural; a memória como lembrança de
situações vividas (D’ALESSIO, 1994); nesse caso, passa pelas lembranças que
marcam a história de vida dos indivíduos, como as relações ocorridas pelas
mediações da família, do trabalho, da escola, entre outros espaços cotidianos, pois
ela, a memória, trabalha, relacionando o passado a partir do presente, compondo
uma trajetória que tem significados conforme se narra, conforme é chamada a
narrar.
Quando procuramos refletir sobre questões que envolvem relações de
desejo de consumo e rememorações de fatos em espaços sociais da memória
passamos a entender como, por exemplo, uma foto pode servir como expressão de
diversidades, ferramenta de produção e circulação de memórias, uma vez que ao
olhar é dado ver a imagem formada destes espaços das lembranças (BOSI, 2003).
Há ainda que se pensar que a memória é construída em grupo, mas é
também, sempre, um trabalho do sujeito. Segundo Halbwachs (1990), uma semente
de rememoração pode permanecer um dado abstrato, pode, ainda, formar-se em
imagem e como tal permanecer ou, finalmente, pode tornar-se lembrança viva.
243
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Estes destinos dependem da ausência ou presença de outros que se constituem
como grupos de referência.
Memória antevê participação de pessoas como objeto, testemunhas de
fatos, sujeitos de reverberação de acontecimentos e outros papéis, porém é nítido
que tal construção ocorre quando tais pessoas possuem interesses em comum com
o assunto integrando assim um grupo de referência.
O grupo de referência é um grupo do qual o indivíduo fez ou faz parte e
com o qual estabeleceu uma comunidade de pensamentos, identificou-se e
identificou, mesmo que parcialmente, seu passado (GADE, 1998). O grupo não está
necessariamente instituído de forma física, mas também de modo virtual, simbólico,
afetivo. A vitalidade das relações sociais do grupo dá vitalidade às imagens, que
constituem a lembrança. Portanto, a lembrança é também fruto de um processo
coletivo e está inserida num contexto social preciso.
A atividade publicitária pode ser contada por pessoas que vivenciaram ou
se interessaram por seus desdobramentos, produtos, acontecimentos, impactos
sociais, profissionais, mas geralmente tais relatos são feitos por pessoas que
assumiram a publicidade como parte de seu grupo de referência ou interesse, quer
no âmbito profissional, acadêmico, histórico ou institucional.
São alvo dos relatos os mais diferenciados setores, fatos, personalidades e
instituições relacionados ao campo publicitário. Porém, parece que a peça
publicitária provoca interesse diferenciado. Talvez porque um comercial ou anúncio
seja uma vitrine do trabalho publicitário finalizado, até porque esta peça ganhou
visibilidade midiática e social, de forma a integrar-se ao imaginário de pessoas e
públicos.
Um anúncio publicitário carrega em si valores que podem referenciar a
memória de valores sociais, comerciais e ideológicos de uma época. “Os anúncios
passam a narrar as situações características da época, as quais podem ser
vivenciadas pelas pessoas, mostrando-lhes como é possível e positivo desfrutá-las”
(TOALDO, 2005, p. 30).
Depoimentos, relatos, descrições de publicitários, agenciadores,
anunciantes, professores e especialistas da área publicitária podem contribuir com a
memória da propaganda e como ela é contada na atualidade.
Além dos anúncios, a memória da publicidade pode ter como objeto seus
anunciantes, agentes, setores publicitários, contexto econômico-social, públicoalvo, veículos de comunicação, ensino, campanhas, entidades representativas,
personalidades, premiações de forma a apresentar um grande leque de elementos
que povoam a memória social e individual (CASTELO-BRANCO, 1990).
244
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Tais conteúdos podem ser encontrados em sites, revistas especializadas,
livros e outros suportes. Porém, neste trabalho, serão apontados apenas livros no
sentido de ilustrar a oferta de trabalhos que retratem a memória da publicidade
brasileira.
Assim, o presente estudo bibliográfico possui caráter exploratório e tem
como objetivo estudar a memória da publicidade brasileira apegando-se aos livros
de Ramos (1985), Castelo-Branco (1990), Marcondes (2003), APP (1999) e Queiroz
(2005).
2. Memória: alguns marcos da publicidade brasileira
Fazemos aqui uma brevíssima apresentação da memória da publicidade
brasileira relatada por Ramos (1985) e Castelo-Branco (1990).
O percurso da publicidade no Brasil acompanhou o desenvolvimento dos
meios de comunicação; no início do século XIX, tempo do Príncipe Regente, fundouse um jornal, que dava início à imprensa brasileira. E nele, a Gazeta do Rio de Janeiro,
foram publicados os primeiros “reclames”. Era a época do “quem quer comprar”,
do “quem vai querer”, que naturalmente se incorporaram { nossa publicidade,
essência popular da mensagem de vendas. Em 1821 o Diário do Rio de Janeiro se
apresenta como o jornal do anúncio.
Quase cem anos depois, após o começo com classificados em jornais,
chegam as revistas ilustradas em que anúncios apresentam cores e até fotografia,
caso da Revista da Semana em 1900.
José Lira, nesse início de século, era conhecido nos negócios de
propaganda como Homem-Reclame, devido à sua formidável tenacidade de
propagandista invencível.
O início do profissionalismo das agências de publicidade no Brasil veio com
a instalação das sucursais norte-americanas para atender as empresas
multinacionais dos EUA (início do século XX) que comercializavam produtos e
serviços no país. Aliás, a propaganda brasileira manteria desde então uma estética
criativa e um padrão técnico inspirado no modelo americano.
O surgimento das agências de publicidade no Brasil não é claro. A primeira
empresa que poderia merecer a classificação da agência de publicidade teria se
instalado em São Paulo entre 1913 e 1914: Castaldi & Bennaton, proprietária da
Eclética. Porém, viria do departamento de propaganda da General Motors do Brasil
boa parte dos talentos publicitários que trariam ares inovadores, além de
estenderem o profissionalismo ao se transferirem posteriormente para outras
agências.
245
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Embora surgisse nos anos 1920, o rádio seria a novidade mercadológica dos
anos 1930. Ao tempo que Roquete Pinto fundou a Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro, havia emissoras nas cidades de: São Paulo, Rio e Recife. Em quantidade
pequena, os anúncios eram lidos de forma semelhante à locução jornalística.
A Publix empreende a primeira instalação de outdoor em 1929, veículo de
grande impacto no lançamento de produtos.
A primeira revista publicitária foi Exitus (1932), mas o título mais relevante
desde os anos 1930 foi Propaganda, editada em São Paulo até hoje.
Na década de 1940 surgem esforços para disciplinar eticamente a
propaganda, algo liderado por diversas entidades, dentre elas a recente Associação
Brasileira de Agências de Propaganda (Abap).
A televisão no Brasil surge em 1950 e, com ela, os comerciais em que as
garotas-propaganda eram destaque. Apenas com o advento do videotape
(gravação) é que os comerciais puderam obter ganhos qualitativos de som e
imagem. Os anos 1950, talvez por refletirem a recuperação do pós-guerra, oferecem
um ambiente social e tecnológico favorável para a indústria da propaganda, que
passa a contar com altos investimentos para mídia e produção, gestão profissional,
subsídios de pesquisa de mercado e um amplo mercado ampliado para as mulheres
e classes de menor poder aquisitivo. A publicidade, desde então, passa a receber
boa parte dos recursos destinados às estratégias de marketing; percebendo a
necessidade de melhor lidar com as suas verbas, os anunciantes fundam em 1959 a
ABA – Associação Brasileira de Anunciantes.
Para muitos publicitários, dos anos de 1960 até o final de 1970, ocorre o
período de maior criatividade da publicidade brasileira, em que são destaques o uso
do humor, do contexto social para as marcas, o apelo emocional para produtos,
técnicas de persuasão fundadas nos desejos do público-alvo, além das premiações
que agências e publicitários recebiam no exterior. Embora o padrão norteamericano ganhasse força, nesse período constata-se uma criação formatada com
valores culturais brasileiros.
De lá para cá muitas mudanças vieram: o homem-propaganda passou a ser
o homem-comunicação; a publicidade passou a fazer parte da comunicação
integrada de marketing; tecnologias foram incorporadas, como a internet,
beneficiando a publicidade com a interatividade; fusões de agências tornaram-se
comuns; a responsabilidade social da publicidade tornou-se paradigma importante
para o setor, caso da criação do CONAR - Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária; a formação do publicitário passou a contar com o
ensino superior; novas lideranças surgiram, como Washington Olivetto, Nizan
Guanaes, Roberto Duailibi, Mauro Salles, Ênio Mainardi, Marcello Serpa e outros.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
3. Memória da publicidade brasileira: livros selecionados
Os livros de Ramos (1985), Castelo-Branco (1990), Marcondes (2003), APP
(1999) e Queiroz (2005) são apresentados aqui como obras que contemplam a
memória da publicidade brasileira. A escolha recaiu sobre obras editadas a partir de
1970 que possuíssem qualidade no conteúdo editorial e tivessem sido elaboradas
por autores inseridos profissionalmente na área publicitária brasileira. Foram
descartados livros caracterizados como biografia ou autobiografia, os que
contemplassem a memória publicitária brasileira apenas em parte de seu conteúdo
ou que contivessem apenas memórias de um campo regional ou setorial.
3.1 Do reclame à comunicação: pequena história da propaganda no Brasil
(RAMOS, 1985)
Esse texto foi publicado pela primeira vez em 1970 pela mesma editora.
Tem como autor Ricardo Ramos, alagoano radicado em São Paulo. Segundo o livro,
Ricardo Ramos trabalhou em grandes agências na qualidade de redator, chefe de
redação, diretor de criação e exerceu outras funções, como redator-chefe da revista
Propaganda e diretor da ABAP.
A obra segue uma cronologia de eventos publicitários, iniciando pelo
período dos Classificados (1808 a 1900), passando por diversos períodos como o
Prelúdio Art-Nouveau, Os alegres anos 50 e finalizando com Um estilo brasileiro de
propaganda. O autor assume um estilo narrativo, por vezes até cômico, ao abordar
certas passagens conferindo informalidade ao conteúdo; porém é difícil separar
quais relatos foram diretamente vivenciados pelo autor e quais ele se apega a
documentos e outras fontes. O livro é, em essência, um relato do próprio autor, em
que ele figura quase como um contista:
Chegamos a 1900. Em quase cem anos, viemos dos pequenos classificados
aos grandes anúncios com ilustrações. Dessa fase de nossa propaganda, em que a
rima e o humor ganham terreno, se diria mais tarde que foi imaginosa. Pela fantasia
dos motivos e beleza do traço, pelo bom gosto da composição (p. 17).
Traz um rico repertório de anúncios de forma a ilustrar e exemplificar a
atividade publicitária brasileira ao longo das etapas. Mostra também depoimentos
de profissionais da publicidade como Mauro Salles, José Fontoura da Costa,
Washington Olivetto, Márcio Moreita e Rose Saldiva.
Ao longo da obra traz depoimentos de muitos profissionais, caso dos
destacados publicitários Orígenes Lessa, Caio Aurélio Domingues e Roberto Duailibi
(p. 83-89). Um trecho do depoimento de Orígenes Lessa pode ser destacado em
que ele confessa “[...] ter ‘uma estima particular pelos escritores que muito antes
dele, j| trabalhavam em redaç~o de anúncios para pagar as sus contas’: Casemiro de
247
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Abreu, Olavo Bilac, Guimarães Passo, Hermes Fontes, Bastos Tigre, José Lins do
Rego” (p. 84)
3.2. História da Propaganda no Brasil (CASTELO-BRANCO, 1990)
Trata-se de um livro de autoria e organização dos publicitários: Renato
Castelo Branco, Rodolfo Lima Martensen e Fernando Reis, trabalho este realizado
no IBRACO - Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Comunicação Social em parceria
com a ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Renato Castelo Branco, piauiense, foi escritor, poeta, publicitário de
carreira brilhante, construída na J.W. Thompson e o precursor da temática
responsabilidade social, quando ainda nem se pensava sobre o assunto; Rodolfo
Lima Martensen foi um dos fundadores da ESPM, onde atuou por 20 anos como
presidente, escritor e publicitário, também é ex-presidente da Lintas Worldwide
para o Brasil e América do Sul e foi até o final de suas atividades profissionais,
presidente dos conselhos superiores da ESPM e do IBRACO; Fernando Reis,
jornalista e publicitário, atuou tanto em jornais quanto publicações específicas da
área, foi também diretor executivo da ABAP (Associação Brasileira de Agências de
Publicidade), escreveu em diversos jornais como colunista publicitário e participou
como um dos primeiros jurados do Prêmio Colunistas
No Prefácio de Luiz Celso de Piratininga, presidente da ABAP na ocasião,
havia um alerta: “Participei da angústia coletiva de ver o tempo passar e n~o existir
um registro idôneo do desenvolvimento da propaganda no Brasil” (p.VII).
A obra foi organizada por assuntos e, conforme a Apresentação destaca, foi
escrito por 40 autores. Os capítulos vão desde os tempos de uma pré-publicidade
(anos do Descobrimento do Brasil) e passa historicamente por todos os temas que
integram o negócio publicitário, como agências, publicitário, marketing, ensino,
criatividade, veículos de comunicação, artes gráficas, planejamento, pesquisa,
colunismo, ética, produção, consumidor e outros correlatos.
O livro é, na verdade, uma coletânea de artigos estruturados de forma a
contar a história da propaganda brasileira sob a ótica e perspectiva de grandes
profissionais e publicitários tais como: Petrônio Corrêa, Ricardo Ramos, Roberto
Duailibi, Alex Periscinoto, Roberto Simões, Roberto Civita, Luiz Fernando Furquim.
Houve um cuidado editorial para que os autores usassem uma linguagem
informal a fim de evitar o academicismo e privilegiar a narrativa testemunhal como
pode ser exemplificada por Petrônio Corrêa:
Penso que, com estes breves lineamentos, tenha conseguido transferir a
imagem que guardo dos esforços pela introdução da Auto-Regulamentação
publicitária entre nós e os benefícios trazidos por ela a toda a sociedade brasileira
(p. 53).
248
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
3.3. Uma história de amor mercadológica (MARCONDES, 2003)
Pyr Marcondes é jornalista e publicitário, tendo sido editor do jornal Meio &
Mensagem, veículo publicitário de prestígio na área até hoje. Talvez pelo domínio
jornalístico, o autor traz uma evidente aproximação entre a história da propaganda
brasileira de modo a destacá-la como evolução do conteúdo jornalístico.
Este livro foi editado com o selo da editora Meio&Mensagem, em que o
autor narra alguns “cases” de marcas da história da propaganda brasileira, com
especial destaque para os cenários, estratégias e resultados, organizado por
empresas participantes e estruturado em uma linguagem jornalística, por isso
predominantemente narrativa e, ao mesmo tempo, leve, agradável de ser lido.
Na mesma obra há ainda espaço para comentários sobre grandes
anunciantes como o banco Itaú, Bombril, Avon, Boticário, Brahma, Havaianas,
Brastemp, Sadia, Skol, TAM, Unibanco, cervejaria Kaiser, aguardente Pirassununga,
encerrando-a com as melhores campanhas de todos os tempos segundo pesquisas
do autor.
Em um dos momentos de destaque desta obra, Marcondes narra o “case”
Bombril, em depoimento dado pelo seu criador, Washington Olivetto:
Estávamos vivendo uma época em que as mulheres se encantavam mais
com a fragilidade do Woody Allen do que com a macheza do John Wayne. Na
propaganda faltavam homens que tivessem a doçura e a timidez que as mulheres
tanto apreciavam no cinema e na TV.
3.4. Depoimentos. (APP, 1973)
APP é a autora institucional dessa obra, sigla esta que designa Associação
Paulista de Propaganda, entidade criada em 29 de setembro de 1937. A entidade,
para marcar o Dia Mundial da Propaganda, convidou todos os ex-presidentes da
APP (e Mauro Salles como convidado especial) para que dessem seus depoimentos
acerca da propaganda brasileira.
O livro é “justificado” (parte inicial da obra) pelo ent~o presidente da APP,
Alberto de Arruda e Miranda, e se volta para o contexto profissional dedicando um
foco especial para APP. O prefácio é feito por Renato Castelo Branco, que oferece
um contexto nacional para a obra em que discute, por exemplo, o “estrangeirismo
versus brasileirismo” na propaganda.
A estrutura da obra é organizada de forma a apresentar os depoimentos
dos 17 ex-presidentes da APP; cada ex-presidente é entrevistado e revela suas
249
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
posições sobre a APP e experiências no campo social e profissional.
O primeiro presidente da APP, Orígenes Lessa (até 1938), fez seu
depoimento revelando situações como esta:
Os remédios anunciavam muito. Anunciavam sempre. De maneira
desordenada – muito na base do melhor do mundo e da cura infalível – mas
anunciavam. Ainda era a idade áurea dos almanaques. Bromil, Biotônico, Saúde da
Mulher, Elixir 914( “N~o faça isso! J| existe Elixir 914!” dizia-se, num cartaz, a um
cara que ia dar um tiro na cabeça. Ou no coração, não sei...) Mas que me lembre,
pelo menos por ter estado ligado à sua propaganda, desde minha primeira hora,
creio que o primeiro anunciante consistente, de verba crescendo ano após ano, foi a
Companhia Gessy. Mas estamos nos perdendo.(p. 39)
Outros depoimentos foram colhidos, como de Júlio Cosi, Jorge Mathias
entre outros. Os textos são apresentados na forma de diálogo e os depoimentos
compartilham de uma linguagem informal, pessoal de forma a captar a memória do
entrevistado.
3.5. Propaganda: história e modernidade. (QUEIROZ, 2005)
Criada em 2001, no Rio de Janeiro, a Rede Alfredo de Carvalho para o
Resgate da Imprensa e a Construção da Mídia no Brasil, também conhecida como
Rede Alcar, tratou de registrar historicamente as atividades da imprensa no país. Em
2003 foi criado, dentro da Rede Alcar, no I Congresso Nacional de História da Mídia,
o Grupo de Trabalho de Publicidade e Propaganda sob a responsabilidade de
Adolpho Queiroz. Em seu terceiro ano de existência, 2005, o Grupo lançou o livro
Propaganda: história e modernidade, tendo como direção trabalhar o processo de
recuperação das até então perdidas parcelas da história da propaganda regional,
por meio de contribuições recebidas de diversas localidades do país.
Adolpho Queiroz presta serviços profissionais de assessoria na área de
propaganda política, foi presidente da Intercom e é professor na área da
Comunicação Social.
A obra está dividida em dois capítulos: A história das agências de
publicidade e propaganda; Propaganda e questões contemporâneas. Autores foram
convidados a escrever sobre determinados temas pertinentes aos capítulos
apresentados.
Essa obra, no Capítulo I, contém relatos históricos sobre agências de
publicidade em cidades brasileiras, tais como: Presidente Prudente (SP), Novo
Hamburgo (RS), São José dos Campos (SP) dentre outros; ostra também a trajetória
da J. W. Thompson no Brasil, a publicidade veiculada nas rádios de Blumenau (SC).
250
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
No Capítulo II, revela conteúdos em outros temas, notadamente o ligados à
propaganda política.
Os autores agem como pesquisadores ao relatar os temas, mostrando
predominantemente uma linguagem formal e descritiva, inclusive com uso de
bibliografia. Os relatos literais podem se observados ao longo de toda a obra, caso
do tópico sobre as rádios de Blumenau nas décadas de 60 e 70 em que houve
entrevista com o radialista Nolte, da Rádio Clube:
A comercialização do espaço dava-se por aluguel do horário na grade da
programação,ou seja, a emissora fixava um determinado valor e o apresentador
vendia anúncios publicitários para viabilizar economicamente a transmissão.
Considerações Finais
Nenhuma sociedade moderna possibilita a seus membros cidadania plena
sem cuidar da memória de suas instituições. A história de suas pessoas, valores,
conquistas, acontecimentos deve povoar a vida presente e servir de referência para
o futuro. A publicidade é uma das instituições mais relevantes no Brasil: integra e
participa da vida individual e coletiva dos brasileiros interferindo no seu dia-a-dia,
nas suas decisões de consumo e até no estilo de vida, tendo sido, por isso,
lembrada, contada e retratada documentalmente.
Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho retratou o conceito de
memória, seu exercício no setor publicitário, destacando cinco livros que puderam
ilustrar a memória publicitária brasileira.
Os livros escolhidos não apresentam um padrão homogêneo em termos de
conteúdo e organização, evidenciando que o setor publicitário pode ter sua
memória retratada em formatos diferentes dada à riqueza e extensão de sua
abrangência.
Algumas obras procuraram abarcar a atividade como um todo, caso de
Ramos (1985) e Castelo-Branco (1990), enquanto outras destacaram um foco
preferencial, caso de Queiroz (2005) que deu destaque ao campo regional e a APP
que se referenciou na própria entidade. As obras, em sua maioria, revelam uma
linguagem informal e até testemunhal, como se seus autores contassem histórias da
propaganda brasileira. Porém, essa maneira de relato não tira a credibilidade dos
fatos, pelo contrário, mostra uma real vivência que esses profissionais tiveram em
relação à publicidade no Brasil.
Pela intencionalidade da escolha das obras e pelo caráter exploratório
desta pesquisa, os resultados não podem ser generalizados fazendo-se necessário
que outras pesquisas sobre o tema sejam feitas tanto no sentido de aprofundar a
análise das obras escolhidas como ampliar o estudo para outros títulos de livros e,
251
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
inclusive, outros suportes, como artigos em revistas, sites, jornais, televisão, rádio,
que retrataram a memória da publicidade brasileira.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
TEORIAS DA COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS: REFLEXÕES
SOBRE UM DIÁLOGO POSSÍVEL130
Sandro Takeshi Munakata da SILVA
Graduado em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero. Especialista em Comunicação
Empresarial pela Universidade Metodista e Mestrando em Comunicação pela Universidade Municipal de
São Caetano do Sul (USCS)
Regina ROSSETTI
Doutora em Filosofia pela USP. Docente do Programa de Mestrado em Comunicação da
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano, SP
Introdução
Ao olhar com atenção para a literatura da área de relações públicas e a sua
produção científica identificamos dois momentos: no primeiro, segundo Kunsch
(2003a), as pesquisas científicas, em sua maioria, se desenvolvem de maneira
teórico-prática, ou seja, são estudos que a partir de um referencial teórico
específico se destinam a explicar um caso prático; e num segundo, de acordo com
Farias (2004), a área possui poucos títulos (poucas obras publicadas) e um restrito
número de autores (sempre os mesmos).
Diante dessa dificuldade de autores e conteúdos para fortalecer a
atividade, pretendemos lançar luz sobre as teorias da comunicação e apresentar
algumas possibilidades de estudos que podem embasar a atividade de
relacionamento com os públicos. Margarida Kunsch afirma que a função de relações
públicas é “administrar e gerenciar, nas organizações, a comunicaç~o com os
diversos públicos, com vistas à construção de uma identidade corporativa e de um
conceito institucional positivo junto { opini~o pública e { sociedade em geral” (apud
FARIAS, 2004, p. 27).
A partir desse conceito percebe-se que a atividade é fundamental para que
uma organização se relacione bem com seus públicos de interesse (stakeholders).
Cabe às empresas manter bons relacionamentos com seus funcionários,
consumidores, comunidades, imprensa, investidores, patrocinadores, governo, etc.
Cada um desses públicos tem uma influência direta ou indireta com a organização, e
essa interação pode ser a diferença entre a sobrevivência ou não da mesma.
Por isso como visualizamos no conceito acima, uma organização precisa
construir uma identidade corporativa (o que eu sou) para que possa transmitir aos
130
Trabalho submetido ao GT 2 – História da Publicidade e Comunicação Institucional, do I Congresso
de História da Mídia do Sudeste, coordenado pelo Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo (Mackenzie),
congresso celebrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie nos dias 29 e 30 de abril de 2010.
253
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
seus públicos o seu conceito institucional ou imagem (a forma como sou visto)
positivo, já que isso garante de certa forma a perenidade nos negócios.
Em linhas gerais, o objetivo de relações públicas é o entendimento, isso
porque “as organizações que se comunicam bem com os públicos com os quais se
relacionam sabem o que esperar desses públicos, e os públicos sabem o que esperar
deles” (GRUNIG, 2009, p. 27).
Partindo dessa idéia geral do que se propõe essa atividade,
apresentaremos, a seguir, a relação possível entre as relações públicas com as
diversas teorias da comunicação, para que se possa indicar estudos que ao serem
aprofundados podem fundamentar as ações práticas, ou seja a partir do saberfazer, pode-se propor conceitos e idéias que justifiquem o fazer-saber.
Teoria Matemática da Comunicação
Claude Elwood Shannon, matemático e engenheiro, desenvolveu em 1948
uma pesquisa intitulada The Mathematical Theory of Communication para o Bell
System Technical Journal, do Laboratório Bell Systems, uma filiada do grupo AT&T.
Nesse trabalho, ele propõe um sistema geral de comunicação, aonde
identificou um problema que era “reproduzir em um ponto dado, de maneira exata
ou aproximativa, uma mensagem selecionada em outro ponto” (MATTELART, 2003,
p. 58).
Por ser uma empresa que trabalha com sistemas de telefonia, ele tinha
como objetivo melhorar o sinal de uma ligação telefônica para que dessa forma ao
diminuir os ruídos, a qualidade se tornasse melhor.
O esquema linear, proposto por Shannon, se identifica da seguinte forma:
a fonte (de informação) que produz uma mensagem (a palavra no telefone), o
codificador ou emissor, que transforma a mensagem em sinais a fim de torná-la transmissível (o
telefone transforma a voz em oscilações elétricas), o canal, que é o meio utilizado para
transportar os sinais (cabo telefônico), o decodificador ou receptor, que reconstrói a
mensagem a partir dos sinais, e a destinação, pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida.
(MATTELART, 2003, p. 58).
A teoria estuda claramente a questão técnica da informação transmitida de
um ponto ao outro com uma boa qualidade, no sentido operacional do mecanismo.
“A principal finalidade operacional da teoria da informaç~o da comunicaç~o era
justamente a de fazer passar pelo canal o máximo de informação com o mínimo de
distorç~o e a m|xima economia de tempo e de energia” (WOLF, 2003, p. 110-111).
Em uma relação empresa-públicos, cabe ao relações públicas adequar a sua
comunicação com o objetivo de ser entendido pelo seu público-alvo. Segundo
Waldyr Fortes, “o conteúdo da mensagem da comunicaç~o dirigida é totalmente
254
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
adequado ao receptor, nos termos, na linguagem, nas imagens e nas formas de
respostas para completar o esquema de comunicaç~o” (2003, p. 240). Mas dever|
trabalhar os ruídos de comunicação para que a sua mensagem seja clara e diminua
suas distorções. Ao analisar o esquema de Shannon, as relações públicas devem ser
a fonte que produz uma mensagem (o seu discurso), em seguida emitem a
mensagem por um canal adequado (meio oral, impresso, eletrônico, virtual) para
um receptor, que a partir de seu próprio repertório, terá a sua percepção e
reconhecimento do conteúdo daquela mensagem.
O esquema proposto por Shannon, apesar de ser linear, auxilia a
construção desse processo comunicativo aonde cada elemento que o constitui
deverá ser planejado para que a informação que a empresa quer transmitir, seja
direcionada aos seus públicos a fim de atingir sua compreensão.
Cibernética
Norbert Wiener, matemático reconhecido, ex-professor de Shannon,
publicou em 1947 a obra Cybernetics: or control and communication in the animal and
the machine. Nessa obra, ele entende que a organização da sociedade se dá com
base na informaç~o. “O processo que consiste em receber e utilizar a informaç~o é
o processo que seguimos para nos adaptar às contingências do meio ambiente e,
com eficácia, viver nesse meio. (...). Viver com eficácia é viver com uma informação
adequada”. (apud MIEGE, 2003, p. 30).
Dentro desse contexto, identifica-se dois conceitos: o primeiro é a entropia
que designa a desordem do sistema, sendo ocasionada quando se tem muitas
informações, e isso gera pouco entendimento; e o segundo é a homeostase que
define o sistema em equilíbrio, quando tem-se o número adequado de informações.
Na relação com relações públicas, a relação de Wiener pode ser aplicada, já
que o processo de comunicar com eficácia é transmitir uma informação adequada,
ou seja a comunicação não pode trabalhar num ambiente entrópico, uma vez que
criaria a desordem no entendimento da mensagem. Portanto o ideal é a
comunicação em um ambiente homeostático, isto é a informação que se demonstra
adequada em seu conteúdo e quantidade.
Margarida Kunsch (2003b, p. 74) a respeito das dificuldades de
comunicação, afirma que existem quatro tipos de barreiras gerais a serem evitadas
na momento de efetivar a comunicação são elas: mecânicas ou fisícas – relacionadas
aos aparelhos de transmissão, como o barulho, ambientes e equipamentos não
adequados que dificultam a comunicação ou podem até mesmo impedir que ela
ocorra; fisiológicas – relacionadas aos corpo que fala, e são os problemas ou
dificuldades com a fala, a audição e a expressão; semânticas – refere-se ao uso
inadequado da linguagem, ou ainda utilizar-se de formas diferenciadas e
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
desconhecidas pelo receptor; psicológicas – são as percepções equivocadas que
atuam diretamente na comunicação, e assim a prejudicando.
Além dessas barreiras gerais, Kunsch (2003b, p. 75) complementa com
quatro barreiras mais específicas que atuam no ambiente das organizações: as
pessoais – são as pessoas e seus traços de personalidade, estado de espírito e
valores pessoais que podem facilitar ou dificultar as comunicações; as
administrativas/burocráticas – que se refere a forma como as empresas fazem e
processam suas informações, e assim talvez atrapalhem o fluxo de informações; o
excesso e a sobrecarga de informações – nesse momento, por falta de um modo
eficiente de seleção e de prioridades nas escolhas das informações, o público opta
por descartar ou evitar informações importantes em detrimento de outras; e por
fim temos as informações incompletas e parciais – são as informações que não tem
a informação completa para o seu devido público, criando-se assim
desentendimento e/ou desinteresse.
Escola de Palo Alto
A Escola de Palo Alto foi formada na década de 40 por um grupo de
pesquisadores com formação em engenharia porém com uma forte visão
humanística. Esses pensadores tinham uma visão circular da comunicação, ou seja,
no processo comunicativo reconheciam que o receptor é tão importante quanto o
emissor, uma espécie de situação global de interação entre ambos.
Seus estudos se baseiam em três hipóteses: a primeira é que a essência da
comunicação reside em processos relacionais e interacionais, ou seja, os elementos
do processo contam menos do que as relações estabelecidas por eles; a segunda
afirma que todo comportamento humano possui um valor comunicativo, então
sugere a idéia de que o corpo fala pela comunicação verbal ou não-verbal; na
terceira, as perturbações psíquicas remetem as perturbações da comunicação entre
o indíviduo portador do sintoma e seu meio, isto é, a análise do comportamento
humano revela o meio em que ele vive, e confirma que o contexto revela mais do
que as mensagens. (MATTELART, 2003).
Numa relação empresa-públicos, o relações públicas deve entender esse
relacionamento como sendo bilateral, uma vez que é importante se comunicar, mas
também saber a percepção que o público tem de sua empresa. Maria Ferrari indica
que outro fator essencial a se considerar nesse processo é que o ato comunicacional
só se efetiva quando existe o relacionamento entre pessoas ou entre uma
organização e seus públicos. Esse relacionamento está baseado no vínculo, no
envolvimento e no compromentimento, em que tanto as pessoas quanto as
organizações e seus públicos compactuam com as múltiplas possibilidades. O êxito
do relacionamento com os públicos está baseado no envolvimento e no vínculo que
deve ocorrer entre os envolvidos no processo. Sem envolvimento não há vínculo e
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
sem participação não há ação comunicacional que seja positiva e benéfica. (2009, p.
85).
A idéia é simples porque se a relação for unilateral, a comunicação reforça a
noção de que apenas o emissor é importante no processo, enquanto que ao se
instaurar a bilateralidade no processo comunicativo indica-se a importância
equivalente do emissor e do receptor a fim de valorizar essa interação.
Mass Communication Research
Nos estudos da pesquisa funcionalista em comunicação, identificamos dois
autores que seus trabalhos fornecem fundamentação teórica para os trabalhos de
relações públicas, são eles: Harold D. Laswell e Kurt Lewin, e ainda
complementando essa linha de pesquisa indicamos também a hipótese da agendasetting.
Harold D. Laswell, cientista político da Universidade de Chicago, em 1927
lançou a obra Propaganda Techniques in The World War, na qual extrai lições sobre a
primeira guerra mundial. Ele analisa a questão do poder da propaganda para a
adessão das massas.
A guerra foi um embate da capacidade fabril de uma nação contra a outra,
e nesse contexto, eram necessários esforços da nação para se alistar no exército,
desenvolver o trabalho intenso nas fábricas e acumular dinheiro para financiar esse
confronto. (DEFLEUR, 1993).
A propaganda surge como poder de mobilização de pessoas, uma vez que
as populações n~o estavam unidas como uma naç~o nesse período, “n~o eram
sociedades Gemeinschaft, mas eram deveras mais sociedades de massa, carecendo
de vínculos eficazes” (DEFLEUR, 1993, p. 179).
A visão é da teoria hipodérmica, baseada no behaviorismo, que trabalha o
mecanismo estímulo-resposta, e nesse momento a fim de que as pessoas se
vinculassem em prol da guerra. Essa teoria pressupõe que o receptor seja passivo e
facilmente manipulado, assim “a audiência é visada como um alvo amorfo que
obedece cegamente ao esquema estímulo-resposta” (MATTELART, 2003, p. 37).
Ao aplicar essa proposta ao trabalho de relações públicas, não sugerimos a
manipulação da comunicação, mas sim indicamos que a comunicação de uma
empresa com seus públicos pode e deve ser promovida no sentido de gerar a
participação de ambos os lados nesse relacionamento, não sendo apenas um
processo de mão única, mas que propicie a interação de todos os elementos que
constituem esse sistema, assim como aponta Fábio França, a gestão dos
relacionamentos de uma organização com seus públicos tem como objetivo
específico fazer com que ela obtenha sucesso na execução de suas diretrizes.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Provém daí o seu caráter estratégico e a necessidade de identificar com precisão os
seus públicos de interesse; planejar e gerenciar da melhor forma possível a sua
relação com eles e com cada um de maneira específica para se poder garantir a
obtenção de resultados que a organização pretende alcançar e da colaboração dos
públicos com os quais interage. (2009, p. 222).
Kurt Lewin, físico e matemático, em 1935, publica a obra Dynamic Theory of
Personality e em 1936, Principles of Topological Pshychology. Fundou em 1945 o
grupo de pesquisa de dinâmica de grupo do Massachusetts Institute of Technology
(MIT).
Em 1947, como base em um estudo sobre as dinâmicas interativas nos
grupos sociais, cria o conceito de gatekeeper, uma espécie de líder de opinião que
influencia os demais. Segundo Lewin, os gatekeepers têm o poder de decidir de
deixar passar ou interromper uma informação de um processo comunicativo entre
um grupo. Ele exerce influência direta nos canais de comunicação. (apud WOLF,
2003).
Na relação com a empresa e seus públicos, as relações públicas atuam na
formação de líderes de opinião, em especial no âmbito interno, aonde um
funcionário visto como um líder pode disseminar informações sobre a empresa para
os colaboradores, e fazer também o percurso inverso quando encaminha
informações à alta direção.
Segundo Kunsch (2003b, p. 83), o sistema informal de comunicação dentro
de uma organização surge de forma natural em decorrência das relações pessoais.
Nessas redes informais circulam todos os tipos de informações sejam verdadeiras
ou não. Por isso, é necessário identificar os lideres informais já que eles possuem
credibilidade junto ao público interno, como informa Gaudêncio Torquato:
Pesquisas sobre comportamento demonstram que pessoas em alguns
ambientes tendem a dar mais ouvidos e credibilidade aos líderes informais que às
comunicações que recebem por meio de veículos impressos ou eletrônicos,
descoberta que deu origem à chamada teoria do fluxo em duas etapas na
comunicação. Por essa teoria, a comunicação chega, num primeiro momento, ao
líder de opinião e este, com sua versão e interpretação, passará a mensagem para
os outros, numa segunda etapa. Está demonstrado que as pessoas confiarão muito
mais na versão e interpretação do líder, que, por envolvimento psicológico com o
grupo, pelo contato rotineiro e amizade, exerce muita confiança junto a seus
admiradores, assegurando, assim, alta credibilidade a suas opiniões. (2009).
Portanto o conceito de gatekeeper auxilia na identificação das pessoas que
exercem uma liderança informal, e na forma como eles desenvolvem a sua atuação,
dentro por exemplo, do ambiente interno de uma organização.
258
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
E ainda dentro nesses estudos da comunicação de massa, pontuamos a
hipotése da agenda-setting. Ela sugere que os meios de comunicação podem
determinar os temas a serem debatidos pelo grande público. Uma forma muito
peculiar de selecionar as informações que acredita ser de interesse público para o
conhecimento e debate.
As pessos tendem a incluir ou excluir dos próprios conhecimentos o que a
mídia inclui ou exclui do própria conteúdo. Além disso, o público tende a conferir ao
que ele inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos meios
de comunicação de massa aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas. (SHAW
apud WOLF, 2003, p. 143).
Essa hipótese a princípio se demonstra autoritária como se os meios
pudessem de certa forma ditar o que é veiculado e em seguida fomentar a
discussão dos temas, de acordo com seu intuito. Claro que os meios privilegiam os
temas que são noticiáveis, mas não pensamos no sentido pejorativo, eles talvez
busquem apresentar o que o público necessite saber.
Nosso proposta não é entrar no mérito da ação, mas sim sinalizar que a
atividade de relações públicas pode se utilizar dessa hipótese. Sabe-se que os meios
trabalham com pautas de conteúdos, e assim ao identificar a pauta que será
veiculada, o relações públicas, desde que possua material adequado ao tema, pode
se inserir nos espaços que os meios oferecem. Entrar em sintonia com o que está
sendo transmitido pode ser a alternativa para disseminar uma mensagem, assim
como explica Graça Monteiro:
conscientes da importância do acesso à mídia e do poder que têm junto a ela, as
instituições trabalham para serem 'lembradas pela imprensa', para ampliarem sua presença nos
veículos e, mais do que isso, para serem reconhecidas como referências. Para atingirem esses
objetivos, produzem textos informativos para divulgação jornalística, compreendendo pautas,
releases, position papers, informes oficiais, comunicados, artigos, notas técnicas. Enfim,
produzem notícias. Produzir notícia, promover imagem. (2003, p. 146).
A Teoria Crítica
A chamada Escola de Frankfurt tem início no Instituto de Pesquisa Social da
Universidade de Frankfurt em 1923. Max Horkheimer, professor de filosofia, tornase o diretor desse instituto em 1930. A partir desse momento, os pensadores dessa
escola com base no pensamento marxista e no diálogo com a psicanálise, buscam
entender as formas de autoritarismo na sociedade e sua atuação direta nos
inconscientes das massas trabalhadoras.
Em 1940, por conta do regime nazista na Alemanha, os estudiosos da escola
entre eles Adorno, Horkheimer e Marcuse são transferidos para os Estados Unidos
(EUA). Em decorrência do choque cultural, eles se propõem a estudar a cultura de
259
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
massa, já que nesse momento no contexto americano tem-se o desenvolvimento do
cinema, rádio e a popularização da cultura.
Adorno e Horkheimer criam o conceito de indústria cultural cuja crítica
indica o seu repúdio pela transformaç~o da cultura em mercadoria. “A indústria
cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria.
A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve
os traços de uma experiência autêntica” (MATTELART, 2003, p. 78).
A crítica reside nessa produção em série, na cultura sendo massificada para
ser consumida por todos, ou o máximo possível de pessoas. A questão da
experiência autêntica retoma a idéia de Benjamin que explica que “o que faz com
que uma coisa seja autêntica é tudo o que ela contém de originariamente
transmissível, desde sua duraç~o material até seu poder de testemunho histórico”
(1975, p. 213).
Dentro desse contexto, percebe-se que o pensamento crítico da escola
pode ser utilizado na área de relações públicas, já que é importante que as
comunicações produzidas sejam dirigidas a um determinado público. Enquanto que
na indústria cultural a crítica é contra a massificação da cultura, nas relações
públicas a mensagem não deve ser massificada, e sim dirigida a cada um de seus
públicos de maneira específica, e com o conteúdo dentro dos repertórios de cada
um deles.
A complexidade dos tempos atuais, decorrente do fenômeno da
globalização e da revolução tecnológica da informação, exige das organizações um
novo posicionamento e uma comunicação estrategicamente planejada. Só assim
elas poderão fazer frente aos mercados difíceis e, sobretudo, atender a uma
sociedade cada vez mais exigente. (KUNSCH, 2003b, p. 202).
O contato com a informação deve buscar a individualidade de cada público
numa espécie de experiência única, e até autêntica como propunham os
pensadores da Escola de Frankfurt em relação à cultura.
Dentro da linha crítica, existiram alguns marxistas ortodoxos que faziam
críticas à postura da Escola de Frankfurt, são os chamados pensadores da Nova
Esquerda. São aqueles estudiosos que rompõem com o pensamento da velha
esquerda, aquela que ainda apóia a União Soviética (URSS), a esquerda tradicional.
(SANTOS, 2008).
A Nova Esquerda surge na década de 60, após dois momentos históricos
importantes como a morte de Stálin em 1953 e a invasão soviética na Hungria em
1956. Essa esquerda é contra a guerra, em especial a guerra do Vietnã, e se
demonstra a favor dos direitos humanos.
260
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Um dos teóricos expoentes desse momento é Hans Magnus Enzensberger
que publica em 1970 a obra ‘Elementos para uma teoria dos meios de comunicaç~o’.
Ele critica a esquerda que não se propôs a fazer uma teoria socialista dos meios de
comunicaç~o. Na obra, ele indica a força dos meios ao afirmar que “a sua própria
força mobilizadora é o segredo mais patente dos meios de comunicaç~o” (1979, p.
49).
Fica evidente o poder dos meios para a mobilização das massas, no sentido
de que elas participem ativamente da sociedade. Ele sugere que a esquerda deve se
inserir nos espaços que os meios possibilitam. “Os meios de comunicaç~o
possibilitam a participação maciça em um processo produtivo social e socializado,
cujos meios pr|ticos se encontram nas m~os das próprias massas”
(ENZENSBERGER, 1979, p. 49).
O descontentamento de Enzersberger demonstrasse ao narrar um
acontecimento de maio de 1968, aonde os rebeldes ao invés de ocuparem uma
emissora de rádio tomam posse do Teatro Odeon. Sinaliza que para se fazer ouvir é
necessário divulgar sua idéias em canais adequados.
Diante dessa teoria proposta, vemos um possível diálogo com as relações
públicas. Uma empresa quando quer passar a sua mensagem deve entrar em
contato com um público específico, não pode selecionar o canal errado, ela não
pode escolher o canal à sua escolha, mas utilizar-se daquele aos quais o seu público
tem mais acesso. Mas para saber quais os canais adequados, Cleuza Cesca revela
que “a escolha dos veículos adequados para se estabelecer uma comunicaç~o
eficiente estará sempre na dependência das características de cada um desses
públicos” (2009, p. 350).
Evidencia-se a noção do planejamento para identificar os canais de
comunicação certos a partir do conhecimento prévio do público-alvo, para que a
mensagem possa ser enviada a quem de fato se destina, não se constituindo assim
em perda de verbas e tempo.
Marshall McLuhan
Hebert Marshall McLuhan, professor de literatura da Universidade de
Toronto, foi um estudioso inovador ao focar seu objeto de estudo no meio, e não
nas mensagens como outros pesquisadores já o faziam.
Ele entendia que os meios de comunicação podiam ser usados para a
disseminação de conhecimentos. Essas idéias podem ser identificadas nas suas
obras ‘A Gal|xia de Gutemberg’ (1962), e ‘Os meios de comunicaç~o como
extensões do homem’ (1965).
Na primeira obra, ele afirma que o advento da imprensa forçou o ser
humano a se concentrar na visão para adquirir conhecimento em detrimento aos
261
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
demais canais sensórios. E ainda afirma que o conhecimento pode ser adquirido por
meio do livro impresso. Na segunda, a idéia é que os meios são continuações do ser
humano, e que cada meio atua com mais intensidade dependendo do canal sensório
que ele chamar a atenção. (SANTOS, 2008).
Por meio dos príncipíos de McLuhan, tem-se um diálogo com as relações
públicas, em especial, como o princípio dos meios como extensões do homem. Isso
porque cada meio de comunicação tem a sua devida força uma vez que o ser
humano será mais atraído por um determinado meio. E na área de relações públicas
será preciso identificar quais os meios mais eficientes para atrair a atenção de um
determinado público, e reforçar a estratégia na escolha do canal.
“As organizações, para viabilizar a comunicaç~o com os mais diferentes
públicos, se valem de meios ou veículos orais, escritos, pictográficos, escritopictogr|ficos, simbólicos, audiovisuais e telem|ticos” (KUNSCH, 2003b, p. 87). Essa
classificação apresentada por Kunsch, é baseada na classificação de Redfield (1980):
orais – é o contato direto, face-a-face; escritos – é o material informativo impresso;
pictográficos – são as ilustrações; escrito-pictográficos – utilizam o texto escrito
juntamente com as imagens; simbólicos – materiais que se utilizam de
representações de símbolos; audiovisuais – materiais que mesclam áudio e vídeo; e
telemáticos – as novas tecnologias da comunicação.
Estudos Culturais
Os estudos culturais tendem “a analisar uma forma específica de processo
social, relativa à atribuição de sentido à realidade, ao desenvolvimento de uma
cultura de práticas sociais compartilhadas, de uma área comum de significados”
(WOLF, 2003, p. 102-103). Graças a esses estudos entendemos que a cultura é a
soma de valores, hábitos, práticas de um grupo de pessoas, de instituições e
sociedades.
A cultura dita os comportamentos, opiniões e todas as formas de convívio
dentro de um determinado ambiente, seja uma sociedade ou uma organizaç~o. “O
comportamento do público é orientado por fatores estruturais e culturais” (WOLF,
2003, p. 104). Assim, é preciso que as relações públicas façam com que as
organizações entendam que o comportamento dos seus públicos não depende
somente delas, mas também de fatores estruturais e culturais.
Nas relações públicas, “a cultura (...) deve estar relacionada ao significado
da organização ou, numa leitura mais adequada, a imagem deve refletir os traços
culturais de uma organizaç~o como sincero retrato da sua identidade” (FARIAS,
2004, p. 50).
E como sabemos a cultura de uma organização é composta por suas
políticas internas, seus princípios organizacionais e, também, dos príncipios e
262
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
valores de cada uma das pessoas que constituem esse ambiente. E dessa forma, a
cultura é importante pois ela determina o modo de ser e agir de uma organização. E
todos os processos decorrentes do convívio social na organização são marcados
pelos traços culturais dela. Geri-la, conviver em seu interior, obter a participação e o
apoio dos grupos deverá ser precedido do processo de compreensão e
aprendizagem do seu modo de agir. As organizações contemporâneas, no fim do
século, diante das rápidas modificações ocasionadas pelo processo de globalização
devem, antes de tudo, preparar-se para constantes e cíclicas mudanças. Para estar à
testa dessas, é necessário que seja dada a necessária atenção à cultura e que entre
em cena não apenas a figura do gestor, mas do agente de transformação. (FARIAS,
2004, p. 54).
Por isso, cabe { comunicaç~o ser o “instrumento de aproximaç~o entre o
poder da organização e sua base e também de acompanhamento da realidade
cultural da empresa, mediar os processos dentro da organizaç~o” (FARIAS, 2004, p.
57). Uma empresa depende tanto da sua cultura interna quanto da cultura externa
onde está inserida. Então, é preciso que as relações públicas trabalhem a cultura
organizacional de maneira racional, levando em consideração a cultura do país onde
a empresa está inserida.
Conclusão
O intuito deste artigo foi promover uma reflexão sobre o estudo das teoria
da comunicação na busca por possibilidades de fundamentação teórica para a
relações públicas. Partindo dessa idéia procuramos na teoria da comunicação a
fundamentação teórica que pudesse estruturar, dar suporte às ações de relações
públicas.
Nossas ações precisam ser fundamentadas, é preciso que saibamos explicar
o porquê as estamos realizando. Baseando-se no senso-comum, muitos
profissionais e alunos têm uma visão errônea quando pensam em relações públicas.
Eles pensam que seja preciso simplesmente identificar a situação e, a partir daí,
aplicar uma determinada ferramenta. No entanto, afirmamos que é preciso
identificar a situação, mas é necessário que façamos um planejamento decidindo
quais são as ferramentas que poderemos utilizar, avaliando quais são os nossos
objetivos, e assim buscar a melhor opção para atingí-los da maneira mais rápida e
eficiente possível.
O que acontece é que, muitas vezes, o profissional já presenciou uma
determinada situação e realizou uma certa ação, e quando no futuro essa situação
semelhante volta a acontecer, o profissional já, comodamente, aplica o mesmo
modelo. Não se descarta a possibilidade de bons resultados, mas a chance de falhas
é muito maior. Por isso, com intenção de fortalecer o nosso conhecimento da área,
para cada ocasião é necessário realizar um novo planejamento, levando em
consideração os recursos, os princípios e objetivos que a organização busque
alcançar.
263
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O profissional de relações públicas não deve se utilizar da manipulação para
estabelecer a comunicação de uma organização e seus públicos, mas deve sim ser
persuasivo, tendo em mente a sua função e contribuição para a sociedade. A melhor
maneira de se transmitir as informações de uma organização é trabalhar com uma
linguagem específica para cada tipo de público, de forma que a compreensão entre
ambos seja mútua. Essa informação que é trabalhada deve ser sempre qualificada e
trabalhada de acordo com a ética e a estética da profissão, levando em
consideração a cultura (organizacional e do local onde a empresa esteja inserida),
para manter um diálogo honesto entre a instituição e seus públicos.
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SANTOS, R. E. As teorias da comunicação - da fala à internet. 2.ed. São Paulo:
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WOLF, M. Teorias das comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PUBLICIDADE NA TELEVISÃO BRASILEIRA: UM ESTUDO DE SEU
CONVÍVIO NAS ÚLTIMAS DÉCADAS.
Alexandre Mutran
Mestrando em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi (SP)
Introdução
Mesmo enfrentando uma grande concorrência dos novos meios como a
Internet, os games e os telefones celulares, a Televisão representou, nas últimas
décadas, um importante papel na difusão de mensagens e idéias e no
entretenimento da população brasileira.
Desde seu lançamento, sempre foi, e continua sendo, o principal meio de
comunicação de massa, já que sua abrangência está próxima à totalidade dos lares
brasileiros. É o meio de comunicação por excelência, já que não há qualquer outro
no país com tal alcance.
É inegável também o papel desempenhado pela Publicidade no
desenvolvimento da Televisão nesse período. A Publicidade tem sido responsável
por sustentar economicamente a Televisão, mas também tem aprendido e se
desenvolvido com ela.
Através da análise do desenvolvimento histórico da Publicidade para a
Televisão nas últimas décadas, desde início das transmissões de TV no Brasil, bem
como dos principais marcos tecnológicos que delinearam os rumos de ambos, esse
documento procura demonstrar ao leitor o quanto esse período foi benéfico para a
Comunicação no Brasil.
265
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Com apoio de textos sobre o assunto, de relevantes autores como Daniel
Filho, Roberto Duailibi, Ângelo Franzão Neto, Sérgio Mattos, Roberto Simões e
Francesc Petit, bem como de referências videográficas e de fontes na Internet,
procurei traçar um panorama abrangente, mas ao mesmo tempo detalhado, que
permitirá ao leitor uma boa compreensão sobre o tema.
O texto adota uma divisão cronológica, começando pelo surgimento da
Televisão no Brasil e pelo o início da Publicidade para esse meio. Em seguida,
demonstra o desenvolvimento ocorrido nos anos 70 e 80, com a chegada das cores
como um dos importantes marcos tecnológicos, abordados na seqüência. Ao final
do trabalho, menciono, de forma breve, as tecnologias mais recentes, como a TV
Digital e de Alta Definição, e seus primeiros impactos sobre a Televisão e a
Publicidade.
Esse trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema e tem por objetivo
principal ser um passo inicial de uma análise muito mais abrangente e detalhada.
Espero, sinceramente, que as informações aqui apresentadas possam colaborar
com a ampliação do conhecimento do leitor sobre o tema. Boa Leitura.
Os primeiros anos da TV no Brasil
"Atenção, câmara no ar". Avanço lento em close para o apresentador:
"Amigos, boa noite. Esta coisa que está acontecendo hoje é algo tão excepcional
tão revolucionário que não consegui arranjar uma cara menos assustada para
aparecer diante de vocês. É a Televisão que surge em São Paulo. É a PRF 3 Tupi, a
primeira estação de Televisão da América do Sul". Corte para um casal sorridente ao
lado de um receptor de rádio. Eram 21h40 do dia 18 de setembro de 1950. Com
quarenta minutos de atraso, estava inaugurada a TV Tupi, canal 3, a primeira
emissora da América do Sul.
A cara assustada do apresentador tinha motivo. Após avaliar um problema
em uma das três câmeras, um técnico enviado especialmente para a instalação dos
equipamentos na TV Tupi informa Cassiano Gabus Mendes, diretor da emissora, que
não seria possível consertá-la, e que a inauguração deveria ser adiada. A reação do
diretor da emissora surpreendeu a todos: “nada de adiar, nós vamos ao ar assim
mesmo. Esqueçam tudo o que ensaiamos. Eu vou indicando o que fazer”. A assim,
com muito improviso, a primeira noite da Televisão brasileira foi ao ar. Foram duas
horas e meia de programação, sem comerciais.
A única divulgação comercial nessa noite inaugural foi o que se pode
chamar do primeiro merchandising da Televisão brasileira: a exibição do logotipo da
RCA, fabricante dos equipamentos, no cenário de abertura, atrás dos
apresentadores.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Os primeiros anos da TV no Brasil foram difíceis, em um início dominado
pela improvisação e esforço de uma equipe técnica inexperiente nesse meio. Quase
todos os envolvidos em sua produção vieram do rádio, como alguns atores e
técnicos, ou do teatro e do circo, como cenógrafos, diretores e outros tantos
atores.
O principal desafio desse novo meio de comunicação era estabelecer um
diálogo com os espectadores, acostumados até então com o rádio. O público não
entendia direito essa novidade. Uma reportagem da revista Veja, sobre os 20 anos
da TV no Brasil relata que “nos primeiros tempos da TV as mulheres tinham muito
cuidado ao sentarem diante do fantástico aparelho. Temiam que as pessoas que
apareciam no vídeo pudessem ver-lhes as pernas” (REVISTA VEJA, 1970). De
qualquer forma, o público aceitou rapidamente esse novo meio, transformando-o
no sucesso que é hoje.
A Televisão começou como um rádio com imagem. E assim como o rádio,
era feita ao vivo. Segundo o diretor Daniel Filho, um dos pioneiros do novo meio, “o
rádio era uma paixão nacional. Acho que o público aceitou tão bem a Televisão, e
t~o depressa, principalmente porque reconheceu nela algo familiar” (FILHO, 2003).
Mas, em função dessa paternidade radialista, a TV levou quase dez anos tentando
descobrir sua verdadeira linguagem, uma combinação de som e imagem em
movimento. Não havia sentido em simplesmente copiar a linguagem do teatro, da
rádio-novela e do cinema para a TV.
Apesar de não haver produção de aparelhos de TV no Brasil, de não haver
público suficiente e do mercado publicitário ainda ser jovem, no primeiro ano da TV
Tupi, Assis Chateaubriand conseguiu vender um ano de espaço publicitário de
televisão para quatro empresas: Sul América Seguros, Cia. Cervejaria Antárctica,
Moinhos Santista e empresas Pignatari, responsável pela marca Prata Wolf.
Começava a nascer uma forte relação entre a Televisão e a Publicidade. Uma relação
de dependência e aprendizado mútuo, que se mantém até os dias de hoje. 2. O
Início da Publicidade na Televisão Brasileira
Durante essas quase seis décadas, a Publicidade sempre desempenhou um
papel fundamental na história da TV. Porém, mais que mera responsável pela
viabilidade comercial das emissoras – e do mercado de Televisão em si – a
Publicidade também teve que acompanhar a evolução da TV e de suas tecnologias.
No início, com a geração da programação das emissoras sendo feita ao
vivo, nos estúdios das emissoras de TV, com atores e garotas-propaganda, as
modalidades de Publicidade eram bastante rudimentares se comparadas às
modernas técnicas que podem ser empregadas atualmente. Assim como hoje, os
comerciais eram transmitidos nos intervalos dos programas. Os anúncios eram
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
principalmente de eletrodomésticos, produtos de uso doméstico, alimentos e
automóveis.
Além dos primeiros ensaios de merchandising, onde marcas de
fornecedores eram exibidas nos cen|rios, os primeiros “reclames” eram compostos
de cartões, letreiros e slides com textos e imagens dos produtos. Outra modalidade
bastante comum era o uso de garotas-propaganda para vender os produtos. Eram
filmes como o dos Sabones Gessy, onde três garotas propaganda cantavam
ressaltando as propriedades funcionais do produto. Em outro episódio, não se sabe
lenda ou fato, houve um comercial onde uma famosa garota propaganda da época,
Neide
Aparecida, quis demonstrar a resistência de um prato que o fabricante dizia
ser inquebrável e o jogou no chão. E o prato se espatifou. Ao vivo...
Os primeiros “filmes” começaram a aparecer timidamente, e foram
ganhando espaço. Primeiro vieram os comerciais em “longa metragem”, filmes com
cinco a oito minutos de duração, realizados ao vivo, mas já com técnicas e recursos
de cinema. Depois, os primeiros comerciais mais curtos, esses sim, filmados.
Uma coisa os comerciais da época, tanto os ao vivo quanto os gravados,
tinham em comum: eram todos bastante didáticos. Explicavam em detalhes as
características, benefícios e modo de uso dos produtos oferecidos. Em um
comercial do Leite Ninho, por exemplo, no cenário havia apenas uma bancada, com
um copo, um liquidificador com água e uma lata de Leite Ninho. A garota
propaganda entrava tocando um triângulo e, ao descrever as características do
produto, explicava o modo de preparar:
Quando eu era garota e morava na fazenda era com um triângulo como esse que eu
acordava o pessoal para tomar leite no curral. Leite puro, puríssimo. Hoje, embora morando na
cidade, conservo o mesmo hábito, tomando pelas manhãs leite fresco, puríssimo. O melhor
leite do mundo. Leite Ninho.
Leite Ninho é leite integral, isento de impurezas, ordenhado, selecionado e enlatado
cientificamente, chegando à sua casa tão fresco como o melhor leite da fazenda.
Com apenas quatro colheres rasas de sopa se obtém, num instante, com Leite Ninho
um copo de leite integral de mais fácil digestão, por ser homogeneizado.
Tenha sempre em casa algumas latas de Leite Ninho, o melhor leite do mundo. E o
mais indicado para a família inteira. Não peça qualquer leite em pó, peça Leite Ninho. Um
produto Nestlé, garantido.
É interessante notar a diferença de linguagem daquele tempo em relação
aos dias de hoje onde, devido { regulamentaç~o atual, expressões como “O melhor
leite do mundo” e “Tenha sempre em casa algumas latas de Leite Ninho” n~o seriam
utilizadas na comunicação.
Outra característica marcante da Publicidade da época era o uso freqüente
de músicas. Tanto os roteiros de filmes quanto os dos comerciais com garotas-
268
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
propaganda tinham uma musicalidade muito grande. Era o caso dos comerciais de
Coca-cola, ou o das Gotinhas da Esso, um desenho animado com 70 segundos de
duração, ambos com trilhas sonoras com ritmos bem brasileiros.
Outro recurso publicitário bastante usado nas duas primeiras décadas da
Televisão brasileira era o patrocínio de programas, que eram identificados pelo
nome do patrocinador. Foi o caso de programas como Repórter Esso, Gincana
Kibon, Telejornal Bendix, Reportagem Ducal, Teatro de Novelas Coty, Sabatina
Maizena, Teatrinho Trol, entre outros.
O “know how” desse formato foi trazido para o Brasil por agências de
propaganda estrangeiras como McCann Ericson e J. W. Thompson, que já estavam
instaladas no país. Devido à falta de profissionais experientes na TV, as agências
cuidavam de todas as etapas da produção: o conteúdo dos programas, redação,
produção e adaptação de formatos americanos ao modelo brasileiro. Ainda
cuidavam da contratação dos artistas e produtores.
Muitas vezes, esses programas eram realizados fora das emissoras de TV,
nas próprias agências de propaganda ou nas produtoras por elas contratadas, com
acompanhamento direto dos clientes. Alguns programas não levavam o nome do
anunciante, mas eram claramente identificados como sendo oferecidos por
determinada empresa, como no caso do programa musical Noite de Gala,
patrocinado por uma loja de eletrodomésticos chamada Rei da Voz.
Em 1960, iniciou-se o uso do vídeo tape, que permitia a gravação prévia de
programas destinados a transmissões posteriores e também colaborou com o
desenvolvimento da Publicidade, já que o uso dos comerciais ao vivo pode ser
gradualmente substituído por comerciais gravados, que podiam ser distribuídos
para as diversas emissoras.
Foi a partir dessa época que a Televisão começou a se transformar no meio
publicitário mais poderoso, desbancando inclusive o Rádio. As emissoras
começaram a adaptar suas programações para se dirigir-se às classes mais baixas e
aumentar a audiência. Com isso, começaram a satisfazer as necessidades das
agências e de seus clientes.
Nessa época, o uso de técnicas de animação começou a ser cada vez mais
freqüente na Publicidade. Comerciais como os da Casas Pernambucanas (Quem
bate? É o frio...), Cobertores Parahyba (Já é hora de dormir, não espere a mamãe
mandar...) e o primeiro comercial para as campanhas de natal da Varig (Estrela
brasileira no céu azul...), todos feitos com técnicas de animação.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
3. A Fase de desenvolvimento nos anos 70 e 80
Os anos 70 e 80 tiveram dois marcos bastante importantes na história da
Televisão brasileira: a chegada da TV em Cores, em 1972, e do Vídeo Cassete, no final
da década de 70 e início da década de 80.
Depois de uma experiência da TV Tupi em 1963, a primeira transmissão
oficial em cores no Brasil ocorreu em 19 de fevereiro de 1972. De início, em doses
mínimas, com poucas horas de programação, as cores continuaram escassas por
boa parte de 1973 e só em meados de 1974 havia condições técnicas para se
produzir com regularidade programas em cor no Brasil.
Essa demora não desanimou a indústria da Publicidade. Anunciantes como
Coca-Cola e Esso, que já tinham filmes coloridos feitos no exterior, e Nestlé, que
iniciou a produção local nesse formato, foram os primeiros a se beneficiar de mais
esse recurso para captar a atenção dos telespectadores.
Na época, a quantidade de televisores aptos a receber a transmissão em
cores era insignificante (cerca de 50.000, contra quase cinco milhões de aparelhos
preto e branco), o que não permitia que as emissoras tivessem uma tabela de
preços específica para comerciais em cores. Wilson Brito, da Rede Globo, ao lembrar
que as imagens coloridas seriam captadas normalmente nos receptores P&B,
afirmou:
“Enquanto os receptores para cor não representarem pelo menos 20% do total, e isso
levará dois ou três anos, não poderemos comercializar a TV colorida e o dinheiro investido não
renderá nada. Ninguém vai querer pagar um preço maior se a maioria dos espectadores vai ver
o anúncio em preto e branco.” (Revista Veja, 1971)
Do ponto de vista de criação e originalidade, as décadas de 70 e 80
representaram a fase áurea da Publicidade brasileira, que passa a ser considerada
uma das melhores do mundo. O maior reflexo disso foi o número de prêmios que as
agências brasileiras conquistaram nos festivais internacionais.
Os anos 70 marcaram também o início dos comerciais superproduzidos.
Eram filmes com muitas cenas, uso de diversas locações, músicas especialmente
compostas, entre outros recursos. Comerciais como os da Cia. Aérea Cruzeiro, que
mostrava cenas de diversos locais do Brasil, embaladas por um samba-enredo
especialmente composto para o filme e centenas de figurantes. Ou da Caixa
Econômica Federal, em estilo de musical da Broadway, com dezenas de dançarinos.
Outra superprodução foi o comercial do Fusca, em 1972. Com imagens da
selva brasileira sendo desbravada por tratores e motoniveladoras e uma locução em
“off”, que levava o telespectador a imaginar que se tratava de um documentário
sobre a Transamazônica. Um inusitado desfecho se dava com a aparição de um
Fusca, passando tranquilamente pela estrada em construção. O pequeno carro se
270
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
mostrava capaz de enfrentar qualquer terreno, até mesmo trilhas de mata nativa.
Esse comercial mostra o grande esforço da agência e da produtora para realizar um
filme com imagens aéreas, em terreno íngreme, a centenas de quilômetros de
qualquer centro urbano, num trecho da Transamazônica que seria inaugurado
somente meses depois das gravações.
Outro marco da propaganda foi o início da carreira do “Garoto Bombril”,
que segue em uso até hoje, em um recorde de permanência de um personagem no
ar.
Na época, o Garoto Bombril apareceu como um anti-herói, um homem
franzino, completamente diferente das figuras que eram utilizadas em comerciais
para se comunicar com as donas-de-casa.
O final dos anos 70 assistiu à chegada do vídeo cassete para o público em
geral. Se por um lado, era um aliado das emissoras de Televisão, já que permitia aos
telespectadores assistirem programas que normalmente não veriam (por que não
estavam em casa ou porque estavam assistindo a outro programa), se mostrou
também um grande concorrente delas, já que possibilitava que o tempo, antes
ocupado somente com a programação disponível, fosse usado para que se
assistisse a filmes e shows (originais, trazidos normalmente dos Estados Unidos, ou
mesmo piratas), bem como a gravações próprias ou de amigos e familiares.
Além disso, passou a ser um concorrente direto da Publicidade, já que além
de permitir ao telespectador “pular” os comerciais dos programas gravados da
Televisão, ao afastar a audiência da programação da TV, automaticamente a
afastava também das mensagens publicitárias que estavam sendo veiculadas.
Começava aí uma nova corrida atrás da audiência.
4. O Desenvolvimento Tecnológico
No início dos anos 80, com recursos poderosos como o controle remoto e o
vídeo cassete à sua disposição, os telespectadores começavam a se armar contra a
programação ditada pelas emissoras. E também, contra o marasmo que estava
tomando conta dos intervalos comerciais, com filmes de linguagem muito parecida.
Emissoras e agências precisavam contra-atacar.
Do lado das emissoras, a primeira a realmente embarcar em um forte
período de desenvolvimento tecnológico foi a Rede Globo, incluindo em sua
programação efeitos especiais, truques e vinhetas que começaram a chamar a
atenção dos telespectadores.
Essa revolução foi feita por uma nova categoria de profissionais, utilizando
os mais modernos recursos de computação disponíveis à época, como teclados
271
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
digitais coloridos, canetas eletrônicas, computadores desenhistas e chips de
altíssima velocidade.
Com todos esses avanços, a indústria da propaganda também precisou se
adequar, já que os próprios anunciantes começavam a exigir que suas produções
também fizessem uso da informática.
O uso do computador em comerciais para a TV tornou-se uma ferramenta
indispensável para a maioria das agências e produtoras. Além dos recursos de
computação gráfica, que começaram a deixar os filmes mais atraentes, o tempo e
os custos de produção e edição eram menores com os recursos da informática.
Na época, um filme de 30 segundos realizado em 35 mm podia custar até
US$ 400 mil e demorar 40 dias para ser produzido. No computador, podia ser feito
em uma noite por cerca de US$ 20 mil, porém com diferenças de qualidade.
É interessante notar que as duas linguagens (computação gráfica e 35 mm)
tiveram uma convivência harmoniosa. Em um grande número de comerciais, a maior
parte da produção era feita em 35 mm, enquanto a participação da informática se
dava através de vinhetas e demonstrações de produtos, formato que persiste até
hoje.
Havia, também, filmes realizados inteiramente com recursos de
computação gráfica, que eram, em sua maioria, dirigidos ao público infantil, mais
influenciável pelo lado lúdico e fantástico das animações por computador.
Ao longo da década, redes de Televisão e agência continuaram explorando
os recursos da computação gráfica para conquistar atenção dos espectadores,
especialmente durante o intervalo, evitando-se, assim, a perda de audiência para
outro canal.
5. Tecnologias Recentes
Entre as tecnologias recentes relacionadas com a Televisão e a Publicidade
no Brasil, as que mais merecem destaque são a implantação da TV Digital (DTV) e da
TV de Alta Definição (HDTV). Ambas representam, ao mesmo tempo, grandes
desafios e oportunidades para o mercado da Publicidade.
Com a TV Digital, é possível transmitir som e imagem de melhor qualidade,
e cada canal pode transmitir até quatro programações diferentes, além de algumas
funcionalidades que permitem uma interatividade entre o telespectador e a
emissora, possibilitando acesso a informações adicionais e interação do usuário com
a programação.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Outra vantagem da TV digital é sua mobilidade. Através de uma tecnologia
chamada 1seg, o sinal da TV Digital brasileira pode ser captado por aparelhos
móveis, como celulares e notebooks. Isso permite que o usuário assista TV em
qualquer lugar, inclusive enquanto se movimenta. Porém, em decorrência do
tamanho da tela a imagem é bem menor que a exibida em um aparelho de TV, e não
é de alta definição.
As agências ainda estão começando a pensar em como melhor utilizar essas
novidades em benefício de seus clientes. A interatividade da TV digital, apesar de
ainda não estar disponível, vai possibilitar ações como jogos e votações com a
participação dos espectadores, e até processos de compras onde os produtos que
estão sendo exibidos na TV podem ser comprados em tempo real. Já no campo da
mobilidade, a TV móvel abre uma série de oportunidades, desde o desenvolvimento
de comerciais especialmente preparados para as telas pequenas, até a integração
dos mundos da TV móvel e da Internet.
A TV de alta definição, por sua vez, é um sistema de geração e transmissão
com uma resolução de tela significativamente superior à dos formatos tradicionais.
Além disso, como as câmeras captam em alta definição, detalhes que antes
passavam sem ser notados, serão captados com toda a nitidez. Assim, são
necessários ajustes em aspectos da produção, como cenografia, iluminação,
figurino e maquiagem.
A palavra de ordem em relação a esse novo cenário, tanto em emissoras,
quanto em agências, é inovação. Em debate realizado pelo Grupo de Mídia de São
Paulo, o tema foi exaustivamente discutido:
“O tema inovaç~o faz parte do dia-a-dia de todas as grandes redes de TV,
principalmente para agregar novos canais de distribuição. Este movimento, como defendem os
executivos, é importante para acompanhar as demandas do telespectador e suprir as
necessidades do mercado anunciante, cada vez mais interessado em explorar os novos canais”
(Mídia Dados, 2008)
O formato de comerciais em alta definição já está sendo testado por alguns
anunciantes, como Bradesco, Natura, Vale, Caixa, Telefônica e Ambev, que tiverem
seus filmes em alta definição veiculados no primeiro bloco comercial após a
inauguração oficial da TV Digital no Brasil.
Porém, como a alta definição ainda levará tempo para atingir uma
quantidade considerável de telespectadores, os passos nesse sentido ainda são
tímidos. É um fenômeno semelhante ao que ocorreu na época de implantação da TV
em cores.
273
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Considerações finais
Esse trabalho não pretende, de forma alguma, esgotar o tema da evolução
e da Publicidade para Televisão no Brasil.
A idéia central era demonstrar, em linhas gerais, como se estabeleceu, ao
longo das últimas décadas, uma interessante simbiose entre a Televisão e a
Publicidade produzida para esse meio, no País. Simbiose justamente no sentido de
apoio, de dependência mútua.
Enquanto a Publicidade sustenta a Televisão, a Televisão compartilha sua
linguagem e ensina a Publicidade melhores práticas para atingir o espectador.
O espectador, por sua vez, é o centro do processo. Ele é a razão de ser da
Televisão, que sem a sua audiência, não teria como existir. É a razão de ser da
Publicidade, pois transforma em vendas as mensagens exibidas na Televisão,
garantindo a realimentação do ciclo.
E a tecnologia garante o suporte para o desenvolvimento desses dois
mercados, dessas duas disciplinas, tão complementares, tão indispensáveis.
É, sem dúvida, um assunto interessante. É, sem dúvida, um assunto em
evolução. E é, sem dúvida, um assunto que continuará sendo estudado.
Referências Bibliográficas
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na vida fazendo muita força. Rio de Janeiro: elsevier, 2006.
FILHO, Daniel. O Circo Eletrônico. Fazendo TV no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2003.
FRANZÃO NETO, Ângelo. Midialização: o poder da mídia. São Paulo: Nobel, 2006.
MATTOS, Sérgio. História da Televisão Brasileira. Uma visão econômica, social e
política. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 2008.
MEIO E MENSAGEM. Campanhas Inesquecíveis. A propaganda que fez história no
Brasil. São Paulo: Meio e Mensagem, 2007.
GRUPO DE MÍDIA DE SÃO PAULO. Mídia Dados 2008. São Paulo, 2008.
MORAIS, Fernando. Na Toca dos Leões. A história da W/Brasil, uma das agências de
propaganda mais premiadas do mundo. São Paulo: Planeta, 2005.
274
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
SIMÕES, Roberto. A Propaganda no Brasil. Evolução Histórica. São Paulo:
Referência, 2006.
PETIT, Francesc. Propaganda Ilimitada. O bom da propaganda é que você se diverte
trabalhando. 11ª edição. São Paulo: Futura, 2003.
Revista VEJA. Vinte Anos de Televisão. Afinal, ela não podia mesmo ser melhor. São
Paulo: Abril, 1970.
Revista VEJA. A Imatura Emoção da Cor. São Paulo: Abril, 1971.
Site Tudo sobre TV – Informações e depoimentos de pessoas que fazem a história
da Televisão. Disponível em <http://www.tudosobretv.com.br/> Acesso em
8/2/2009.
Documentário 45 anos da Publicidade na TV Brasileira. Rio de Janeiro, 1995.
USO DE FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DE
MUNICÍPIOS: ESTUDO DE CASO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP131
Monica Franchi Carniello
Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC SP), professora-pesquisadora do Programa de
Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. E-mail:
[email protected]
Moacir José dos SANTOS
Doutor em História (UNESP), professor-pesquisador do Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. E-mail:
[email protected]
Introdução
A segunda metade do século XX e, principalmente, a primeira década do
século XXI tem como característica comum a criação de novas mídias pautadas na
linguagem digital que dinamizaram em grande escala a comunicação humana. Nesse
período as ferramentas de comunicação postas à disposição dos usuários da rede
mundial de computadores produziram novas práticas e arranjos sociais, cujos
impactos ainda estão em mensuração. O desenvolvimento recente das
comunidades virtuais e do acesso on-line a informações de natureza muito
diversificada impele a investigação dos efeitos da comunicação digital. Nesse
trabalho, o enfoque se dá no uso da comunicação digital na esfera governamental.
131
Trabalho apresentado no GT História da Mídia Digital, no I Congresso de História da Mídia do
Sudeste, 2010.
275
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A exploração da comunicação digital na gestão pública é um recurso
promissor para os governantes dinamizarem o diálogo com a sociedade,
principalmente em um cenário político que atribuiu aos municípios grande
autonomia de gestão, com mecanismos participativos institucionalizados, fato
formalizado com a aprovação do Estatuto da Cidade no final da década de 1990,
instrumento legal que é um marco para a gestão municipal democrática.
A comunicação do governo municipal se apresenta como uma das
vertentes da comunicação urbana que tem a potencialidade de dialogar com os
cidadãos, bem como dar visibilidade às cidades, que necessitam rever suas práticas
de gestão de forma a se adaptar a uma nova urbanidade, reconfigurada, entre
outros fatores, pela própria emergência das redes de comunicação digital.
Em tempos de globalização, cidades do mundo inteiro estão desafiadas por profundas
mudanças sociais, econômicas e políticas. As transformações recentes requerem novos modelos
de gestão inovadores, assim como novos instrumentos, procedimentos e formas de ação, a fim
de permitir que os administradores públicos tratem as mudanças de uma sociedade
globalizada. (REZENDE; FREY e BETINI, s/d)
O objetivo deste artigo é caracterizar os usos de ferramentas de
comunicação digital na gestão do município de São José dos Campos-SP, partindo
do pressuposto que os meios de comunicação são ferramentas facilitadoras da
gestão democrática.
Comunicação digital e gestão dos municípios
No contexto contemporâneo, o desenvolvimento tecnológico dos meios de
comunicação reconfigurou os processos de comunicação e criou formas de
mediação que interferem na dinâmica urbana.
Segundo Choay apud Piccini (2003, p.2), o urbano pode ser entendido como
um sistema operatório que se desenvolve em todos os lugares: nas cidades e no
campo, nas vilas e nos bairros, a partir de redes materiais e imateriais e de um
conjunto de objetos técnicos que põem em circulação um mundo de imagens e
informações que transformam os vínculos que as sociedades mantém com o espaço,
com o tempo e com os indivíduos.
As mídias são uns dos principais elementos que permeiam essas redes
na cidade contemporânea. Uma das características dessa sociedade mediatizada é o
fato de o processo e relações políticos não se darem pela interação direta, e sim
pela intermediação dos veículos de comunicação, que influenciam e representam a
esfera pública. Dessa forma, a equidade e o processo democrático tornam-se
diretamente relacionados ao acesso equitativo à informação e às mídias. Se em uma
sociedade de massa, intermediada pelos meios de comunicação massivos, havia o
risco de manipulação da percepção do público, em uma sociedade interliga da em
276
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
rede, pautada na comunicação de mão-dupla, apesar de o risco da criação de
representações tendenciosas ainda existir, soma-se o elemento da liberdade que o
público tem em expressar sua opinião em um veículo de comunicação de baixo
custo e de cobertura global.
As mudanças geradas na sociedade contemporânea mediante o impacto da
comunicação provocam a emergência de novas possibilidades de gestão pública. A
comunicação constitui uma das áreas mais dinâmicas e fecundas para a aplicação de
novas ferramentas de mídia para aproximar a população e os gestores públicos,
bem como dialogar com outros interlocutores da cidade, como turistas e
investidores. Ressalta-se que a imagem de uma cidade ou lugar é “fabricada” tanto
para o público interno quanto para o externo. É produzida pelos atores urbanos,
pela comunicação publicitária e pela imprensa oficial do município (ROSEMBERG,
2000, p.3), somada à própria configuração espacial do lugar, que por si só já
comunica. Daí a relevância dos sites oficiais do município como um dos canais de
comunicação.
Duas premissas fundamentam o desenvolvimento de estratégias para a
utilização dos mecanismos possibilitados com a comunicação digital. Primeiro,
conforme a assertiva de Castells (1999) os grupos economicamente favorecidos têm
acesso as inovações tecnológicas com maior facilidade e o utilizam para manter e
exercer seu poder sobre os demais grupos sociais. Cabe ao poder público favorecer
a disseminação da tecnologia e provocar a inclusão social, pois o acesso ao
conhecimento possibilitado com a tecnologia é fator fundamental para o
desenvolvimento social mais justo.
Para Sen (2000) o desenvolvimento humano é constituído por múltiplos
fatores e tem na liberdade sua premissa fundamental. O acesso a informação não
apenas caracteriza as sociedades mais desenvolvidas, mas é fator indutor de
elevação da qualidade de vida por viabilizar o acesso a informação e tornar mais
transparente a gestão pública. E, em consonância com a primeira premissa, a
segunda aponta para a necessidade de utilizar a comunicação digital para otimizar a
busca de recursos necessários para o desenvolvimento econômico e social. O
desenvolvimento regional pode ser estimulado com a atração de investidores e,
prescindido da ação de um Estado centralizador e controlador, tornar direto o
diálogo entre os investidores e o poder público local, alimentado por demandas
explicitadas por membros da comunidade que o poder público deve representar e
atender.
A partir do Estatuto da Cidade, fruto das modificações da constituição de
1988, marcada pelo processo de redemocratização do país, delega-se aos
municípios, na qualidade de unidades da federação, grande autonomia de gestão,
destacando a gestão participativa, que atribui relevância aos atores sociais diversos
que compõem uma sociedade urbana.
277
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Revela-se uma tendência de participação, institucionalizada e amparada por
meios legais, que envolve setor produtivo, setor público, sociedade civil organizada,
terceiro setor, que é interligada e viabilizada por redes de comunicação.
O cenário contemporâneo estimula uma ação mais ativa dos poderes
públicos locais para superar a retração do Estado como indutor do
desenvolvimento. A comunicação digital favorece a relação mais próxima entre os
cidadãos e os gestores locais, com destaque para identificação de demandas
relativas ao desenvolvimento social. Na definição de Keys (2003, p. 165):
Em função dos programas de ajuste estrutural implementados em boa parte dos
países nas últimas décadas, envolvendo políticas de austeridade, desregulação, privatização e
uma retração geral do Estado da esfera econômica, o setor público está sofrendo grandes
transformações, sobretudo um aumento da dependência das decisões de agentes econômicos
privados. Nas cidades, particularmente nos países em desenvolvimento, observa-se uma
crescente perda de governabilidade. Faltam condições e ferramentas adequadas de gestão para
implementar iniciativas efetivas de desenvolvimento local, capazes de promover um
desenvolvimento sustentável no âmbito das comunidades locais, respeitando as exigências de
justiça social. Faltam estruturas e instituições de governança local apropriadas para estimular a
ação coletiva e articular os diferentes atores locais em torno de objetivos comuns de
desenvolvimento local.
A elaboração de novas estruturas de comunicação aptas a potencializar o
uso da comunicação digital para efetivação dos mecanismos de ampliação do
desenvolvimento local é estratégica. Castells (1999) afirma que a internet tem o
potencial de aproximar as demandas coletivas dos recursos necessários a sua
satisfação, pois a comunicação digital pode superar as barreiras físicas entre as
redes sociais. Entretanto, o autor salienta que a internet e as novas mídias têm
como característica reproduzir as assimetrias sociais. Sua utilização é condicionada
com o acesso. Os grupos economicamente mais favorecidos têm, historicamente,
acesso privilegiado a novas tecnologias. A organização eficiente em grupos de
trabalho ou no interior de entidades de classe favoreceu a formação de redes de
comunicação no interior das elites sociais. Para Castells (1996) essa vantagem
competitiva possibilitou aos grupos dominantes articular de modo mais efetivo suas
demandas em comparação aos demais grupos, cujo grau de desarticulação é
agravado com a carência de ferramentas de comunicação inerentes a esses
agrupamentos e também com o poder público.
As novas tecnologias da informação têm como característica reproduzir as
relações assimétricas presentes na sociedade brasileira. A sua aplicação na gestão
pública deve ocorrer com o planejamento de recursos e estratégias que combatam
essa tendência, que é social e histórica no contexto nacional. E a gestão municipal
constitui o espaço adequado ao rompimento deste ciclo negativo que caracterizou
a implantação de outras mídias em momentos históricos anteriores. A organização
institucional municipal deve favorecer a participação da população, inclusive na
organização e aplicação das novas ferramentas de comunicação, pois o não
278
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
planejamento do uso institucional da internet apenas reproduz a exclusão da
maioria dos munícipes da gestão da cidade.
Para caracterizar o modelo de gestão com participação de atores sociais e
uso de mídias digitais, cunha-se o termo governo eletrônico, que enfatiza o uso de
novas tecnologias de informação e comunicação no escopo de atuação e funções
desempenhadas pelo governo, tornando-se uma ferramenta facilitadora da
transparência e da gestão pública.
Na sociedade contemporânea, a opção comunitária está confrontada com dois
desafios principais, ambos em aparente conflito: em primeiro lugar, trata-se de aprender com a
elite empresarial no que diz respeito à sua estratégia de organizar-se em redes e aumentar,
desse modo, a capacidade para a ação coletiva e a cooperação por meio da promoção de
confiança e reciprocidade entre os membros das redes; em segundo lugar, trata-se de evitar as
tendências de exclusão – muito comuns nas redes empresariais – e garantir procedimentos
democráticos e práticas coletivas baseadas em deliberações públicas e interativas, de modo que
condições para a promoção do bem comum possam ser efetivamente melhoradas. No contexto
de crescentes conflitos sociais e culturais, em uma sociedade cada vez mais complexa e
diversificada, e em face de novas e inusitadas potencialidades de criação de redes em função da
disseminação dos TICs, os riscos relacionados à segregação, à exclusão e a um possível aumento
de conflitos e de intolerância devido à proliferação dessas novas estruturas de rede não devem
ser subestimados (KEYS, 2003, p. 176).
Contudo, o risco da manutenção das desigualdades sociais com a
assimilação da comunicação digital a gestão local não deve impedir a reflexão sobre
como e por que implementá-las, pois ignorar o potencial da comunicação digital
significa renunciar aos meios que podem quebrar esse ciclo de afastamento da
população brasileira da gestão pública. Sen (2000) afirma que a liberdade é
fundamental para o desenvolvimento por dois fatores: o desenvolvimento social e
sustentável significa o aumento do número de pessoas que desfrutam da liberdade
e, segundo, o acesso a liberdade permite a manutenção do desenvolvimento. Para o
autor a liberdade política é fundamental e garante a disposição social para o
combate a outros fatores que impedem a maturação das condições que
impulsionam o desenvolvimento como o acesso a saneamento básico e a segurança
alimentar. Sen (2000) argumenta que a liberdade social e política constituem a
ferramenta capaz de manter e expandir o desenvolvimento como um ciclo virtuoso
e sustentável de conquistas que progressivamente eliminam a desigualdade e os
fatores ligados a sua reprodução.
Sen (2000) define cinco tipos de liberdades instrumentais para a realização
do desenvolvimento com justiça social, a saber: liberdades políticas, liberdades
econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança
protetora. Para Sen as liberdades instrumentais constituem os meios para o
desenvolvimento e estão interligadas. Não é possível estabelecer uma hierarquia
entre as diferentes liberdades instrumentais apresentadas pelo autor. Contudo, no
caso do presente artigo, as liberdades políticas associadas às garantias de
transparência são objeto de maior interesse em razão da conexão com o objeto de
279
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
pesquisa. Para o autor, as participações política e social são essenciais na vida
humana e são estratégicas para garantir que os cidadãos conquistem atenção para
formular suas necessidades. Para Sen (2000) a liberdade política permite a
efetivação da liberdade econômica, afirmação que contrária a perspectiva da
maioria dos analistas políticos e sociólogos. Nas palavras de Sen (2000, p. 179-180):
Os papéis instrumentais das liberdades políticas e dos direitos civis podem ser
muito substanciais, mas a relação entre as necessidades econômicas e as liberdades
políticas pode ser também um aspecto construtivo. O exercício de direitos políticos
básicos torna não só provável que haja uma resposta política a necessidades
econômicas, como também que a própria conceituação – incluindo a compreensão –
de “necessidades econômicas” possa requerer o exercício desses direitos. De fato,
pode-se afirmar que uma compreensão adequada de quais são as necessidades
econômicas – seu conteúdo e a sua força – requer discussão e diálogo. Os direitos
políticos e civis, especialmente os relacionados à garantia de discussão, debate, crítica
e dissensão abertos, são centrais para os processos de geração de escolhas bem
fundamentadas e refletidas. Esses processos são cruciais para a formação de valores e
prioridades, e não podemos, em geral, tomar as preferências como dadas
independentemente de discussão pública, ou seja, sem levar em conta se são ou não
permitidos debates e diálogos.
Para Sen (2000) o debate e a discussão são ferramentas para a indução do
desenvolvimento com justiça social. A compreensão e a definição das necessidades
básicas têm como correspondente o diálogo, que em última instância é propiciado
na elaboração e aplicação de mecanismos de comunicação mais acessíveis à
população. A constituição e o uso de ferramentas digitais favorecem a busca de
participação da população e a atração de recursos para o desenvolvimento local. O
acesso à informação é pressuposto do desenvolvimento social sustentável.
A constituição de mecanismos mais efetivos de participação popular na
gestão municipal encontra apoio nas determinações da Constituição de 1988 e no
Estatuto das Cidades. A participação popular foi definida como essencial para a
consolidação da gestão municipal. E a principal expressão da gestão participativa e
inclusiva é a elaboração do plano diretor. Todos os municípios com mais de 200 mil
habitantes tem que construir mediante a participação dos munícipes seu plano
diretor que deve pautar os investimentos em educação, saúde, segurança e infraestrutura urbana, atendendo as reivindicações consideradas prioritárias por parte
da população. Entretanto, a principal característica do plano diretor é oferecer um
delineamento do desenvolvimento das cidades. A projeção de metas possibilita
nortear o desenvolvimento por meio de princípios e não por objetivos fixos, cuja
realização no decorrer dos anos pode não atender as metas de estabelecer as
condições para uma cidade mais justa e sustentável. Entretanto, o exercício desta
função depende do estímulo à participação da população, tanto na elaboração
quanto na aplicação dos seus princípios.
Sob esta perspectiva a comunicação digital permite a inclusão dos grupos
sociais na gestão municipal, que na internet adquirem a condição de redes sociais. É
importante notar que meio digital permite a formação de redes sociais virtuais que
280
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
rompem com a limitação territorial. A inovação tecnológica implica a organização de
grupos interessados em cobrar do poder público ações mais efetivas para o
desenvolvimento sustentável. Porém, esse espaço de convivência e diálogo não
surge espontaneamente. A interatividade deve ser organizada e estimulada para a
inclusão dos grupos sociais. A implantação dos sites oficiais das prefeituras
municipais é estratégica para estimular a participação da população na gestão
pública. As ferramentas e informações postas à disposição dos usuários da internet
devem ser organizadas em função desta meta.
É possível sistematizar as principais aplicações das mídias digitais na gestão
pública, a saber: como mecanismo de transparência da gestão e contas públicas;
como oferta de serviços ao cidadão de forma descentralizada; como mecanismo
social de regulação e controle da gestão, uma vez que as figuras públicas estão
muito mais expostas e aos meios de comunicação; expressão de anseios e
necessidades dos cidadãos; formação de grupos e redes na sociedade civil
organizada, uma vez que as mídias são facilitadoras para o agrupamento
independente da proximidade geográfica; função informativa, como a divulgação
de audiências públicas e disponibilização de legislação.
O município de São José dos Campos
O crescimento urbano do município de São José dos Campos reflete o
processo ocorrido no Brasil, que na segunda metade do século XX tornou-se um país
predominantemente urbano. “Em um período de pouco mais de cinqüenta anos, a
população urbana que representava cerca de 30% da população total, passou a ser
de 81% no ano de 2000”(OJIMA, 2006).
Tomadas em conjunto, as aglomerações com mais de 100 mil habitantes,
raras em 1940 – quando eram apenas dezoito em todo o país – vêem o seu número
aumentado nos recenseamentos seguintes, alcançando 142 em 1980. Em 1991, 183
municípios contavam com mais de 100 mil habitantes. A partir dos anos 1970, parece
ser esses (100 mil) o patamar necessário para a identificação de cidades médias em
boa parte do território nacional; A expansão e a diversificação do consumo, a
elevação dos níveis de renda e a difusão dos transportes modernos, junto a uma
divisão do trabalho mais acentuada, fazem com que as funções de centro regional
passem a exigir maiores níveis de concentração demográfica e de atividades.
(SANTOS apud SANTOS, 2008)
São José dos Campos, localizada no Vale do Paraíba Paulista, atualmente,
caracteriza-se como uma cidade média. “As cidades médias tendem a crescer no
território a se consolidar no território tendo em vista a desaceleração do
crescimento populacional das metrópoles e aglomerações urbanas“ (SANTOS,
2008, p. 183)
281
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Antes de atingir tal status, no entanto, a região passou por outros ciclos
econômicos. Em um primeiro momento, o Vale do Paraíba exercia um papel
coadjuvante da economia mineira, como rota de passagem. Os primeiros sinais de
desenvolvimento econômico regionais partiram das plantações de algodão e café.
Após o período cafeeiro, que entra em declínio no início do século XX, iniciase a chamada “fase sanatorial”, na qual a cidade abrigava pacientes tuberculosos
em funç~o do clima ameno. Segundo RICCI (2006, p.42) “o fato mais importante é
que, com a decadência da cafeicultura, a mão-de-obra utilizada na lavoura migrou
para as cidades [...] oferecendo disponibilidade de força de trabalho. Esta
disponibilidade constitui-se num dos principais fatores de atração dos
investimentos”.
O processo de industrialização, ciclo econômico responsável pelo salto
definitivo do crescimento urbano do município, inicia-se no final da década de 1940,
impulsionada com a implantação do Centro Tecnológico Aeroespacial (1950), e,
posteriormente, a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, que interligou as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, cruzando o Vale do Paraíba.
Em 1935 o município foi transformado em Estância Hidromineral para o
tratamento de tuberculose pulmonar. Mas, ao final do anos 40, começaram a
chegada das indústrias na cidade, reduzindo a procura de tratamento sanatorial.
Porém, inicia-se a fase científico-tecnológica da cidade com a instalação do Centro
Técnico de Aeronáutica, o CTA, em 1950, e a inauguração da Rodovia Presidente
Dutra, cortando a cidade em sua região central, o que colaborou muito para o
grande desenvolvimento da região. (PREFEITURA MUNICAIPAL DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS, 2009)
Verifica-se o crescimento populacional intenso ocorrido no município a
partir da década de 1970, que não é apenas de origem endógena, e sim decorrente
da atratividade gerada pelo processo de industrialização.
Tabela 1 – Síntese demográfica – São José dos Campos
Síntese Demográfica
1970
1980
1991
2000
População Total
148.332
287.513
442.370
539.313
Masculina
74.919
144.892
220.623
266.469
Feminina
73.413
142.621
221.747
272.844
Urbana
132.467
276.901
425.515
532.717
Rural
15.865
10.612
16.855
6.596
Taxa de Urbanização
89,3%
96,3%
96,2%
98,8%
Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censos Demográficos, 1970, 1980, 1991 e
2000 apud PREFEITURA MUNICAIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2009.
282
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Verifica-se o crescimento populacional intenso ocorrido no município a
partir da década de 1970, que não é apenas de origem endógena, e sim decorrente
da atratividade gerada pelo processo de industrialização.
A área urbana do município de São José dos Campos ocupa
aproximadamente 361 km2, que concentra a maior parte da população, estimada
em 622.238 habitantes (IBGE, 2008).
Na microrregião de São José dos Campos, o município foi o primeiro a ter
uma página oficial na internet, conforme demonstrado na Tabela Abaixo.
Tabela 2 – Sites municipais oficiais
1999 2003
Caçapava
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Não
Igaratá
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Não
Jacareí
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Sim
Jambeiro
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Não
Monteiro
Lobato
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Sim
Paraibuna
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Sim
Santa Branca
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Não
Sim
Página na Internet - Existência de Sítio da Prefeitura na Internet
Sim
Sim
São José
Campos
dos
Fonte, Seade, 2010
O pioneirismo na região justifica a escolha do município como estudo de
caso.
Método
O objetivo desta pesquisa é investigar e caracterizar a utilização dos
mecanismos de comunicação digital na administração do município de São José dos
Campos-SP, cujo fundamento é a possibilidade da aplicação dos meios de
comunicação para desenvolver a gestão democrática. Essa conquista não ocorre
espontaneamente e depende da criação e aplicação de recursos adequados para o
estímulo da participação da população na gestão. Outro aspecto fundamental e que
está conectado a efetivação de condições para um desenvolvimento mais justo é a
capacidade de atrair recursos para o município mediante o uso da comunicação
digital.
Partindo do pressuposto que a Internet é uma mídia que concentra
características que viabilizam essa participação, por ser essencialmente interativa,
283
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
selecionou-se como corpus da pesquisa o site oficial do município de São José dos
Campos.
Os fatores acima expostos constituíram a premissa para a aplicação da
pesquisa que é caracterizada por ser descritiva, de abordagem qualitativa, com
delineamento documental. Para a realização da pesquisa em consonância aos
procedimentos indicados foram selecionados para a análise os layouts das
homepages do site oficial do município de São José dos Campos de 1999 a 2010. A
homepages foram obtidas no site www.archive.com. Ressalta-se que foi selecionada
uma home page por ano, de forma aleatória.
O Quadro 1 apresenta os critérios de análise selecionados e sua justificativa.
Quadro 1 – Critérios de análise
Critérios
Contatos
Serviços on line
Consulta
às
contas
públicas
Comunicado
mecanismos
participação
Públicos contemplados
Uso de redes sociais,
blogs
Disponibilização
de
legislação
Informações sobre a
gestão
Justificativa
O contato facilitado é compreendido como forma de ampliar o
diálogo entre munícipes e governo
A oferta de serviços on-line representa facilitação do acesso aos
serviços, muitos dos quais incluídos nas liberdades instrumentais
apontadas por Sen (2000)
A disponibilização de contas públicas possui relação direta com a
transparência, também apontada por Sen (2000)
A divulgação de instrumentos institucionalizados de participação
popular na gestão pública, tais quais audiências públicas, é um
indicador de gestão democrática
O diálogo com públicos distintos demonstra o reconhecimento da
diversidade dos atores sociais
Essencialmente interativos e livres de controle de conteúdo, as redes
sociais e blogs concretizam o diálogo equitativo entre as partes
Acesso e direito à informação é elemento essencial para o
desenvolvimento, conforme Sen (2000)
O detalhamento das ações relaciona-se também com a transparência
da gestão
Fonte: elaborado pelos autores, 2009
Os aspectos escolhidos para a análise estão relacionados às possibilidades
tecnológicas disponíveis nos últimos anos, que geridos adequadamente, favorecem
a ampliação da participação da população na gestão do município. A incorporação
destas tecnologias em prol da eficácia da gestão municipal e estimulo a participação
popular pode dinamizar o desenvolvimento regional.
Resultados e Discussão
Para ilustrar a análise, foram selecionadas três das doze páginas analisadas,
que bem demonstram as mudanças de conteúdo da história do site. A Figura 1
refere-se à primeira versão do site oficial do município, que apresentava ainda um
conteúdo modesto.
284
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 1 – Homepage do site oficial da prefeitura de São José dos Campos, 10 out. 1999
Fonte: www.archive.org, 2010.
A Figura 2 retrata a versão atual do site, a qual pode ser contrastada com a
primeira versão para se ter uma dimensão das mudanças de estrutura e conteúdo
no período analisado.
Figura 2 – Homepage do site oficial da prefeitura de São José dos Campos, 01 abril. 2010 Fonte:
www.archive.org, 2010.
A seguir, o Quadro 2 sistematiza a análise das doze homepages selecionadas como
corpus, a partir dos critérios previamente definidos.
285
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Quadro 2 – Caracterização do site oficial do município de São José dos Campos – SP
(1999 a 2010)
Ano
Contatos
Serviços on
line
1999
E-mail – Fale
com a
prefeitura
E-mail – Fale
com a
prefeitura
Destaque para
no.
Telefone/ Email
2000
2001
2002
Destaque para
no.
Telefone/ Email
Comunicado
mecanismos
participação
Públicos
contemplados
Não há
Consulta
às
contas
públicas
Não há
Disponibilização
de legislação
Informações
sobre a
gestão
Investidores
Turistas
Cidadãos
Investidores
Turistas
Cidadãos
Investidores
Turistas
Cidadãos
Uso de
redes
sociais,
blogs
Não havia
essa
tecnologia
Não havia
essa
tecnologia
Não havia
essa
tecnologia
Não há
Não há
Estrutura
administrativa
Não há
Não há
Não há
Não há
Estrutura
administrativa
Concursos
Mapas
Consulta de
habite-se e
projetos
aprovados
Newsletter
Concursos
Mapas
Consulta de
habite-se e
projetos
aprovados
Newsletter
Não há
Não há
Legislação do
município
Código de
defesa do
consumidor
Estrutura
administrativa
Licitações
Não há
Não há
Investidores
Turistas
Cidadãos
Não havia
essa
tecnologia
Legislação do
município
Código de
defesa do
consumidor
Estrutura
administrativa
Licitações
286
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Ano
Contatos
Serviços on
line
Consulta
às
contas
públicas
Não há
2003
Espaço de
denúncias/
Telefone/ E-mail
9 tipos de
serviços
2004
Espaço de
denúncias/
Telefone/ E-mail
9 tipos de
serviços
Não há
2005
Espaço de
denúncias/
Telefone/ E-mail
11 tipos de
serviços
Não há
2006
Espaço de
denúncias/
Telefone/ E-mail
11 tipos de
serviços
Não há
2007
Telefone/ E-mails
Mais de 15
serviços
Sim,
contas a
partir de
2005
2008
Telefone/ E-mails
Mais de 15
serviços
Sim,
contas a
partir de
2005
2009
Telefone/ E-mails
Mais de 15
serviços
Sim,
contas a
partir de
2005
2010
Telefone/ E-mails
Retorno das
solicitações
Mais de 15
serviços
Sim,
contas a
partir de
2005
Comunicado
mecanismos
participação
Públicos
contemplados
Uso de
redes
sociais,
blogs
Não há
Disponibilização
de legislação
Informações
sobre a gestão
Há espaço
de notícias,
mas não
espaço
destacado
para
divulgação
Há espaço
de notícias,
mas não
espaço
destacado
para
divulgação
Há espaço
de notícias,
mas não
espaço
destacado
para
divulgação
Há espaço
de notícias,
mas não
espaço
destacado
para
divulgação
Espaço
separado do
conteúdo
noticioso destaque
Espaço
separado do
conteúdo
noticioso destaque
Espaço
separado do
conteúdo
noticioso destaque
Espaço
separado do
conteúdo
noticioso destaque
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Link de
legislação
Estrutura
administrativa
Licitações
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Não há
Link de
legislação
Estrutura
administrativa
Licitações
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Não há
Link de
legislação
Estrutura
administrativa
Licitações
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Não há
Link de
legislação
Estrutura
administrativa
Licitações
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Investidores
Turistas
Cidadãos
Servidor
público
Imprensa
Não há
Link de
legislação
Não há
Link de
legislação
Não há
Link de
legislação
Rede
social
(Twitter)
e Rádio
web
Link de
legislação
Estrutura
administrativa
Licitações
Lista de obras
Agenda oficial
Estrutura
administrativa
Licitações
Lista de obras
Agenda oficial
Estrutura
administrativa
Licitações
Lista de obras
Agenda oficial
Estrutura
administrativa
Licitações
Lista de obras
Agenda oficial
Fonte: elaboração dos autores, 2010.
Observa-se que nos anos iniciais do site analisado (1999-2000) as
informações são escassas e praticamente não há mudanças de conteúdo de um ano
para o outro, revelando uma dinâmica de atualização restrita.
287
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Um aspecto relevante é que, desde a primeira versão do site, há uma
preocupação em dialogar com diversos públicos: cidadãos, turistas e investidores, o
que remete à formação econômica do município, caracterizada em sua última fase
pela atratividade de capital industrial externo, daí o enfoque nos investidores.
A interação do usuário com o site é mínima, também em função da
limitação de recursos tecnológicos no período.
Em 2001 e 2002 verifica-se um sutil aprimoramento do site, com a
manutenção, no entanto, da estrutura existente. Alguns avanços sob a perspectiva
da gestão democrática, ainda que tímidos, são refletidos por meio da
disponibilização da legislação municipal, licitações e código de defesa do
consumidor. Outro avanço é o envio de newsletter, mesmo que com conteúdo
noticioso nacional, explorando a potencialidade de comunicação do meio.
Em 2003 é observada uma reformulação geral do site, que passa a
apresentar conteúdo noticioso em grande área da página inicial, imprimindo uma
dinâmica de atualização mais ágil. A disponibilização de serviços ao munícipe tornese mais evidente, tais como banco de empregos e horários de ônibus, de maneira a
informar a população sobre serviços básicos os quais, segundo Sen (2000),
compõem o rol de liberdades instrumentais do indivíduo.
A estrutura do site se mantém até 2006, com pequenas modificações tais
como inserções de mais serviços disponíveis on-line.
Em 2007 observa-se que foi realizada uma reestruturação significativa no
site, que passa a incorporar aspectos que caracterizam o acesso à informação, tais
como a disponibilização do acesso às contas públicas, a ampliação dos serviços
oferecidos on-line, o acesso à agenda oficial, o acompanhamento das solicitações
realizadas por cidadãos que contataram a prefeitura. São aspectos relevantes, pois
representam o acesso à informação, condição básica para a criação do cenário de
uma gestão participativa, tal qual previsto no Estatuto da Cidade.
Em 2010 é incluído o uso de redes sociais – o Twitter - que fomenta o
diálogo entre a instituição e os cidadãos, e cria uma inevitável exposição da
prefeitura, uma vez que as intervenções dos cidadãos na rede social não passam por
qualquer tipo de edição.
Conclusão
O objetivo desse artigo era caracterizar os usos de ferramentas de
comunicação digital na gestão do município de São José dos Campos-SP, partindo
do pressuposto que os meios de comunicação são ferramentas facilitadoras da
gestão democrática.
288
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Verificou-se que o site oficial do município, ao longo de sua história e em
função dos recursos tecnológicos disponíveis, incorporou elementos que
representam um avanço na gestão democrática do município, apresentando alguns
aspectos apontados por Sen (2000) como fundamentais para a construção da
democracia, que por sua vez é pressuposto para o desenvolvimento humano.
Importante ressaltar que o objeto de análise é insuficiente para afirmar se
de fato há uma gestão democrática e transparente no município, uma vez que há
outras variáveis que devem se consideradas para ser possível fazer tal afirmação.
No entanto, a análise permite afirmar que a comunicação do governo municipal
disponibiliza informação aos seus munícipes por meio do site, o que é um passo
importante e premissa da gestão participativa. Observa-se, também, que esse
estudo foi realizado sob a perspectiva da emissão, não havendo elementos
suficientes para verificar os efeitos no campo da recepção, aspecto que sugere-se
que seja avaliado em outro estudo.
Finalizando, verifica-se que a Internet apresenta-se como uma mídia
adequada, em função de suas características, para disponibilização de informações
à população em escala municipal, fator fundamental para a gestão participativa.
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G
T – 3 HISTÓRIA DA MÍDIA
IMPRESSA
291
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A POLÍTICA NO DIÁRIO MERCANTIL NOS ANOS PRÉ-GOLPE DE 1964132
Carolina Guedes SOARES133
Fernanda Pires Alvarenga FERNANDES134
Durante a década de 1960 os brasileiros acompanharam a eleição e a
renúncia inesperada de Jânio Quadros, que levou ao poder o vice, João Goulart; sua
deposição, com o golpe de 1964, e a ascensão do general Castelo Branco à
presidência. Viram o general Costa e Silva ser eleito presidente da República pelo
Congresso, em março de 1967, e deixar o poder em agosto de 1969, após sofrer uma
isquemia cerebral; uma junta militar afastar o vice, Pedro Aleixo, e assumir a
presidência até transferi-la, ao general Emílio Garrastazu Médici, dois meses depois.
Por diversas vezes ao longo da década, os meios de comunicação tiveram papel
relevante no desfecho dos fatos. A Revolução de 1º de abril de 1964 partiu de Juiz de
Fora, com o general Olimpio Mourão Filho, no dia 31 de março, e instaurou um
governo provisório que durou 21 anos. Depois que as tropas do general Mourão já
estavam a caminho do Rio de Janeiro e o movimento começava a ganhar apoio,
Renê Mattos lembra que
As rádios de Juiz de Fora foram ocupadas e davam notícias o tempo todo dizendo
que as tropas tinham se revoltado, que a Revolução tinha começado em Juiz de Fora e que a
cidade era a Capital Nacional da Revolução. Isso foi repetido durante uns quatro ou cinco
anos. Até 1970, Juiz de Fora era a Capital Nacional da Revolução. Isso foi muito batido, mas já
era marketing pós-golpe. (MATTOS, 2007)
Dada a importância das transformações ocorridas a partir do Regime
Militar, o presente trabalho se propõe a analisar as notícias de política publicadas no
jornal Diário Mercantil (DM), publicação local juizforana, cidade onde o golpe foi
deflagrado. O estudo deste tema possibilitará uma melhor compreensão de como
foi o período que antecedeu a Ditadura Militar em Juiz de Fora, e também, a linha
editorial adotada pelo Diário Mercantil, principal jornal da cidade, na época, e que
pertencia ao grupo Diários Associados, fundado por Assis Chateaubriand.
Vamos nos deter à primeira metade da década de 1960 por duas razões
principais. Porque julgamos necessário observar o jornal antes do golpe para
averiguar o impacto provocado pela Ditadura Militar na linha editorial da
publicação, e também pela ausência de bibliografia sobre a cobertura política do
DM nos anos anteriores ao golpe, durante o governo João Goulart, período em que
a maior parte dos jornais brasileiros posicionou-se de maneira clara, organizando
uma campanha que desestabilizou o governo e culminou no golpe de abril de 1964.
Os jornais do grupo Diários Associados participaram ativamente deste movimento.
132
Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa no I Congresso de História da Mídia do
Sudeste.
133
Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
134
Mestre em Teoria da Literatura e professora no curso de Comunicação Social da Associação
Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo /Faculdade do Sudeste Mineiro-FACSUM.
292
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Acompanhamos, para isso, as edições do jornal Diário Mercantil publicadas às
terças, às quintas e aos domingos. Em datas de grande relevância histórica, como
no período entre a renúncia de Jânio Quadros até a posse de João Goulart,
analisamos também as demais edições.
A pesquisa foi realizada no Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora,
onde estão guardados todos os exemplares do jornal. Os principais objetos deste
estudo serão as manchetes e, em seguida, os títulos das matérias publicadas na
primeira página. Analisaremos o título, pois este é, segundo José Marques de Melo,
“a apropriaç~o de uma forma publicit|ria pelo jornalismo” (2003, p.86), que foi
criado para popularizar os jornais através da motivação dos leitores para saber o
conteúdo da notícia a qual ele se refere. E também porque, além de suas funções
técnicas, de anunciar a notícia e resumir seu conteúdo, o título “orienta” o leitor e
“indica a import}ncia relativa da notícia” (DOUGLAS, 1966, apud MELO, 2003, p.88).
Ainda que não emita claramente o ponto de vista da empresa jornalística, ele pode,
o que é mais frequente em jornais que pretendem manter a imagem de
imparcialidade, “dissimular” seu conteúdo ideológico. Utilizamos algumas matérias
publicadas sobre fatos de extrema relevância, de forma a ilustrar com clareza a
maneira como determinados assuntos foram abordados no DM.
Segundo Melo, “a seleç~o da informaç~o a ser divulgada através dos
veículos jornalísticos é o principal instrumento de que dispõe a instituição
(empresa) para expressar a sua linha editorial.” (2003, p.75) Independentemente de
quem faça a seleção das notícias, entendemos que estas, ao chegar até o leitor,
interferem na formação de suas opiniões sobre os assuntos. Ainda que não
intencionalmente, os meios de comunicaç~o est~o “influenciando pessoas,
comovendo grupos, mobilizando comunidades, dentro das contradições que
marcam a sociedade” (MELO, 2003, p. 73).
Estudos já publicados demonstram que o Diário Mercantil possuía uma
linha editorial bastante favorável aos interesses militares, coerente com a do grupo
Diários Associados, ao qual o jornal pertencia. Um exemplo do apoio do grupo aos
militares é a declaração do diretor-geral dos Diários Associados, José de Almeida
Castro, em entrevista fora do país, em 1973, um dos períodos de maior censura aos
meios de comunicaç~o, afirmando “que no Brasil h| ‘plena liberdade de imprensa’ e
que ‘estava disposto a polemizar com aqueles que afirmam o contr|rio’”
(MARCONI, 1980, p.148).
O jornal Diário Mercantil (DM) foi lançado no dia 23 de janeiro de 1912, em
uma época em que Juiz de Fora conservava ainda o posto de liderança política do
estado de Minas Gerais e era conhecida como a “Manchester Mineira”. Fundado
por Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e João Penido Filho, lideranças políticas da
região ligadas ao Partido Republicano Mineiro, o DM tinha o objetivo de “defender
os interesses das classes produtoras”, conforme o editor do jornal Wilson Cid:
293
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
no primeiro editorial do jornal já se fala que o objetivo do jornal é defender as
classes produtoras, na época eles tinham muito prestígio. Mas com o tempo o jornal foi se
identificando também com as questões da comunidade e acabou se libertando um pouco da
dependência que tinha destas classes produtoras e começou a atuar em diversas áreas, como
manifestações de greves de trabalhadores, congressos, no esporte, polícia. (CID, 2007)
Vinte anos após sua fundação, em 1932, o DM passou ao controle dos
Diários Associados. Em Juiz de Fora o grupo criou, em 1941, o Diário da Tarde, jornal
vespertino voltado ao público popular. Além dos dois periódicos, a Rádio PRB-3
fazia parte do grupo. A inauguração da Universidade Federal de Juiz de Fora, em
1961, foi um fato marcante, pois o DM passou a contar com o trabalho de
profissionais formados em jornalismo. O DM e o Diário da Tarde sairam de
circulação em novembro de 1983. Na época, o DM contava com 2.700 assinantes,
mas tinha feito alto investimento em equipamentos Of Set e não consegui pagar as
dívidas com a alta do dólar, o que o levou a fechar as portas (CID, 2007). Dos jornais
do grupo Diários Associados, ainda existem o Estado de Minas, o Correio
Brasiliense e o Jornal do Comércio. O título do DM pertence ao Jornal do Comércio,
do Rio de Janeiro, que ainda publica edições periódicas do DM com matérias de
economia.
Através da análise das primeiras páginas do DM podemos observar a
permanência de textos adjetivados, com linguagem rebuscada, no início da década
de 1960. A diagramação do DM também é bastante confusa, com matérias sobre o
mesmo tema espalhadas em diversas partes do jornal, títulos sem texto e sem
indicação da página em que a matéria continua, entre outras características que
dificultam bastante a leitura e a compreensão das notícias. As matérias eram
compostas em linotipos, com poucas opções de corpos. No início da década de
1960, quem montava as matérias era o paginador. As matérias eram dispostas de
acordo com o espaço disponível. Uma reforma gráfica mais profunda aconteceu
apenas em 1968, após a contratação de José Luiz Ribeiro. A partir de então as
matérias passam a ter um espaço determinado na página, o número de matérias
por páginas diminui e aumenta o de fotos, que passam a constar em todas as
primeiras páginas. Todas as matérias, a partir de então, têm título e orientação da
página em que se encontram.
Apesar da demora na implantação dos novos modelos de texto e
diagramação no Diário Mercantil, a valorização da notícia já pode ser observada
desde o início da década de 1960, seguindo uma tendência que já estava se
desenvolvendo há várias décadas nos jornais do Rio de Janeiro Os textos
explicitamente opinativos ficavam restritos aos artigos, assinados geralmente pelo
próprio Chateaubriand.
A análise das primeiras páginas indica que o jornal, apesar de valorizar as
notícias, deixa transparecer nestas suas opiniões. A parcialidade pode ser observada
na cobertura das eleições presidenciais de 1960. Três candidatos disputaram a
294
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
sucessão de JK em 1960: Jânio Quadros, pela UDN, Marechal Lott, pela coligação
PTB-PSD e Adhemar de Barros, pelo PSP. Naquele ano também estavam em disputa
os cargos de governador de Minas e prefeito de Juiz de Fora. Verificamos 126
edições entre janeiro a outubro, quando foi realizado o pleito e observamos que as
eleições presidenciais receberam maior destaque na primeira página do Diário
Mercantil com 59 manchetes. Em cinco edições a notícia de maior destaque referiase às eleições estaduais. Nenhuma edição analisada apresentou manchete
relacionada à disputa municipal.
A cobertura do jornal, que apoiou claramente o candidato do PSD, refletiria,
segundo Zagueto, a preferência da população, uma vez que Juiz de Fora e Fortaleza
foram as únicas cidades onde o marechal saiu vencedor em uma eleição
conquistada por Jânio com mais de três milhões de votos de vantagem. Havia,
entretanto, na década de 1960, uma pretensa busca pela imparcialidade, dessa
forma, “o apoio quer dizer que o jornal tinha simpatia por determinado candidato e
demonstrava em seus editoriais, mas não deixava de informar as coisas sobre os
outros candidatos”, como afirma Wilson Cid (CID, 2007).
A preferência do jornal por Lott durante a campanha presidencial de 1960,
porém, não era demonstrada apenas nos editoriais, mas também no espaço dado às
matérias. O DM anunciou a visita de Jânio a Belo Horizonte na capa com o subtítulo:
“Calorosa recepç~o tributou a populaç~o da capital mineira ao ex-governador
paulista”, na ediç~o de domingo, 3 de janeiro. O grande espaço dedicado { matéria
e os adjetivos utilizados poderiam até sugerir a simpatia do jornal por este
candidato. No entanto, a matéria encobre a notícia sobre a viagem de Jânio a Juiz
de Fora, naquele mesmo dia, e que ficou restrita ao canto superior esquerdo da
p|gina 8 desta mesma ediç~o, sob o título “J}nio descer| hoje no Aeroporto da
Serrinha”. A ediç~o seguinte, de terça-feira, não trouxe nenhuma notícia relatando a
visita de Jânio a JF na primeira página. Em vez disso, o jornal estampava a manchete
“Quer ser presidente eleito de fato: Confessa Lott que se sentiria constrangido de
assumir o alto posto beneficiado pela legenda”, ressaltando as qualidades do
candidato adversário de Jânio.
Jânio ainda voltaria a Juiz de Fora com o candidato a governador,
Magalhães Pinto, no dia 5 de setembro. Nesta época, há menos de um mês para as
eleições, o candidato já era apontado por pesquisas como o provável futuro
presidente da República. A cobertura do DM, então, foi bastante diferente do
primeiro comício. A visita de Jânio desta vez foi noticiada na primeira página, com o
do título “Consagraç~o a J}nio e Magalh~es”, mas a matéria ainda assim foi
pequena e esta não foi a principal notícia da edição. No dia em que o candidato mais
cotado para vencer as eleições visitou a cidade, a manchete do DM foi: “Certa a
vitória do marechal Lott”.
Como podemos observar, a campanha do marechal recebeu atenção
diferenciada nas páginas do DM. Seu primeiro comício em Juiz de Fora foi a
295
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
manchete do dia 4 de março: “Calorosa recepç~o ao marechal Lott”. Duas fotos e
quatro matérias com enfoques diferentes, todos positivos, ocuparam metade da
capa. Na edição do dia 15 de setembro o DM anunciou em matéria com foto, na
primeira página, o segundo comício do marechal na cidade, que foi a manchete do
dia 16, também com foto, sob o título: “Multid~o aplaudiu o marechal Lott:
entusiástica recepç~o ao marechal Lott”. De janeiro de 1961 ao dia 8 de outubro,
data do resultado das eleições, apenas uma matéria apresentava críticas feitas pelo
vice udenista, Milton Campos: “Lott é cético e a greve, um direito das massas” (DM,
23/08/1960, p.1). Notícias exaltavam suas características positivas para o momento,
como “Lott ovacionado pelo povo: o candidato pessebista recebeu verdadeira
consagraç~o ao deixar a Pasta da Guerra” (DM, 14/02/1960, p.1).
Em período de intensa campanha anticomunista, a manchete “Lott n~o
teria apoio dos comunistas” (DM, 19/07/1960, p.1) também pode ser interpretada de
maneira bastante positiva, assim como o apoio de JK, que encerrava seu mandato
com altos índices de aprovaç~o e era constantemente destaque no jornal: “JK
integrado na campanha de Lott” (DM, 01/09/1960, p.1). O alinhamento entre os
Di|rios Associados e o candidato pessebista foi anunciado como “Última aquisiç~o
dos ‘Associados’: Lott novo colaborador desta cadeia de jornais”. O texto afirmava
que “os seus artigos ser~o uma antecipaç~o de seu futuro governo” (DM, 10 e
11/01/1960, p.1).
Jânio Quadros foi a notícia principal do jornal mais vezes que o marechal
durante o período de campanha e apuração dos votos. Ao todo, foram 29
manchetes sobre Jânio, contra 17 de seu adversário. A maioria das notícias sobre
Jânio, no entanto, mostrava o udenista como alguém vacilante, cuja campanha era
permeada de incertezas e ligado aos comunistas: “J}nio Quadros cria caso na UDN”
(DM, 26/01/1960, p.1), “Crise na base política de J}nio Quadros” (DM, 25/02/1960,
p.1), “Absoluto fracasso a viagem de J}nio Quadros ao sul de Minas” (DM,
15/03/1960, p.1), “Desespero se apodera dos janistas” (28 29/08/1960, p.1), “J}nio ir|
a Cuba” (DM, 08/03/1960, p.1).
Ao se aproximarem as eleições e das pesquisas sobre as intenções de voto,
a manchete do dia 2 de setembro aponta a vitória de Jânio. Já na edição de
domingo, dia 4, a matéria principal foi: “Certa a vitória do marechal Lott”. Neste
período intensificaram-se as matérias favoráveis ao marechal. No dia 2 de outubro,
abaixo da manchete “Quinze milhões de brasileiros ir~o escolher amanh~ o novo
presidente” apareciam com destaque outras duas matérias, uma sobre os locais
onde votavam os candidatos e outra com o título “Quest~o de honra a vitória do
marechal Lott” (DM, 02/10/1960, p.1), em clara demonstraç~o da preferência do
jornal pelo marechal. Durante os quatro dias de apuração começaram a surgir
notícias sobre a vitória de J}nio Quadros: “Ontem { noite o Sr. J}nio vencia em MG”
(DM, 05/10/1960, p.1), “J}nio Quadros a um passo da presidência” (DM, 06/10/1960,
p.1). No dia 8 de outubro “Terminou a apuraç~o em Juiz de Fora: J}nio Quadros
ganhou na 142ª ZE mas perdeu na 143ªZE”. O subtítulo da matéria foi: “Computadas
296
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
ontem as 18 urnas que faltavam: Rápida solenidade após a contagem do último
voto”. A notícia foi dada na capa, mas n~o foi a principal. Apesar de ser um jornal
local, e de ter dedicado amplo espaço às notícias relacionadas à campanha
presidencial, a manchete daquela ediç~o foi: “Carvalho Pinto: ‘S~o Paulo n~o tem
ambições’”. Abaixo vinha: “Indignaç~o em Lavras contra arbitrariedades da PM”. A
única matéria sobre as comemorações da vitória de J}nio foi: “Vitória de J}nio
provoca passeata monstro: Recife”. Também n~o houve texto sobre o prefeito e o
governador eleitos. Após a vitória do udenista o DM publicou textos sobre a
“oposiç~o digna e vigilante”, prometida pelo PSD (DM, 13/10/1960, p.1).
“Brasil e Minas ganham novo governo: J}nio e Magalh~es tomam posse
hoje” foi a manchete do dia 31 de janeiro de 1961, sobre uma foto com a legenda: “O
povo confia em J}nio”. Mais uma vez, n~o houve referência alguma { posse de
Adhemar Rezende, o prefeito eleito. Jânio Quadros começou seu governo abrindo
inquéritos, exonerando servidores e aumentando a carga horária dos funcionários
públicos, entre outras medidas polêmicas. O DM noticiou a maioria destas decisões
em manchetes. Em 11 edições analisadas no primeiro mês de mandato, o presidente
foi a principal notícia em cinco, e apenas na edição do carnaval (16/02/1961) não
houve texto sobre o Jânio.
Apesar de discordar claramente de algumas atitudes de Jânio,
principalmente com relação à política externa de seu governo, com o reatamento
das relações diplomáticas com países do grupo comunista, as críticas eram mais
sutis do que no período de campanha. As matérias “Prestes aplaude J}nio” (DM,
20/04/1961, p.1) e “Delegaç~o brasileira foi a Cuba assistir festejos” (DM, 25/07/1961,
p.1) demonstram como eram as críticas ao presidente, e podemos concluir que,
apesar destas, não houve oposição ostensiva ao governo ou qualquer campanha
para desestabilizá-lo.
O candidato a vice pelo PTB, João Goulart, não recebia o mesmo
tratamento dedicado a Lott. Eram ressaltadas apenas as mudanças de candidatos
nas chapas (que ocorreram várias vezes na campanha udenista). A primeira
manchete sobre Jango dizia que ele estava “propenso a n~o se candidatar” (DM,
21/01960, p.1). O vice de JK quase não apareceu no DM durante a campanha, mas
essa indiferença não permaneceu após a eleição e, principalmente depois da posse
do vice-presidente. A partir do terceiro mês de mandato intensificaram-se as
notícias sobre o golpe socialista de Fidel Castro, em Cuba e a “ameaça comunista”
era vislumbrada também nas greves e manifestações sindicais no Brasil. O DM
divulgou em ediç~o de domingo que foram “Suscitadas dúvidas quanto a origem do
‘Encontro de Líderes Sindicais” (DM, 21 22/05/1960, p.1) e o “passado trabalhista” de
João Goulart fazia com que este fosse relacionado às greves pelo próprio
presidente: “J}nio adverte Jango: [...] de que também ele tem responsabilidades
governamentais e n~o deve estimular greves” (DM, 28/03/1961, p.1).
297
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
As viagens de João Goulart, como parte da política externa do governo de
Jânio, também eram vistas com desconfiança e a visita à China foi manchete no DM:
“Jango elogia o progresso da China: Afirmou em banquete que o Brasil manter|
comércio com os chineses”. Na matéria n~o h| críticas, apenas a descriç~o do
cerimonial e a transcrição de parte de seu discurso. A China, assim como Cuba, era
constantemente criticada no DM. Dessa forma, apesar da ausência de
manifestações diretas ao vice-presidente, a transcrição de seu discurso, carregado
de elogios ao país comunista, faz oposição aos fatos que eram apresentados pelo
jornal, o que pode ser interpretado como uma forma sutil, mas não menos eficiente,
de se mostrar contrário a Jango.
Na edição de 25 de agosto, data da renúncia de Jânio, nenhuma notícia foi
publicada no DM. No dia seguinte o jornal divulgou a “Renúncia pela vitória da
reaç~o: O texto do documento histórico assinado pelo sr J}nio Quadros”. A capa foi
quase toda dedicada à repercussão do fato. Entre críticas e apoios ao gesto de Jânio
surgiam hipóteses quanto ao futuro do país: “N~o haver| novas eleições”, “Arinos
quer a volta de J}nio Quadros”, “Jango estar| hoje na presidência”. Setores da
sociedade civil e das Forças Armadas articularam-se para impedir a posse de João
Goulart, com apoio de parte da imprensa, “como O Estado de S. Paulo, O Globo e,
sobretudo, Tribuna da Imprensa, que ainda pertencia ao então governador da
Guanabara, o udenista Carlos Lacerda” que “faziam previsões alarmistas e
posicionaram-se contra a posse de Jango” (MARTINS; LUCA, 2006, p.93). Os jornais
dos Diários Associados, no entanto, apoiaram a posse de Jango e a manchete de
domingo, dia 21 de agosto de 1961, diz que Jo~o Goulart est| “a caminho da
presidência: O novo Chefe do Governo chegar| em quarenta e oito horas”, o que na
verdade demorou nove dias. Neste período o DM, assim como os demais jornais que
defendiam a posse de Jango, pediam “Todo o respeito { Constituiç~o” (DM,
30/08/1961, p.1). Impedir a posse de Jango seria infringir à Constituição e abrir
margem a um golpe militar, uma vez que o movimento anti Goulart estava sendo
organizado por parte das Forças Armadas. Um golpe prejudicaria os interesses
tanto da UDN, quanto do PSD, que pretendiam indicar Carlos Lacerda e Juscelino
Kubitschek, respectivamente, como candidatos à presidência em 1965.
Entre a renúncia de Jânio e a posse de Jango, o Brasil esteve à beira de uma
guerra civil, mas as autoridades e o jornal afirmavam que “É de calma a situaç~o no
país” (DM, 31/08/1961, p.1). A manchete foi publicada ao lado de uma foto com a
legenda “Bomba contra manifestantes”. Na parte inferior da página, a notícia:
“Teria sido encontrada a fórmula: parlamentarismo”. Na ediç~o de domingo o jornal
explicou “Como funcionaria o regime parlamentarista no Brasil” (DM, 03 e
04/09/1961, p.1). A volta de Goulart ao Brasil foi comemorada na manchete do dia 6
de setembro: “A legalidade venceu”. Uma semana depois, a posse de Jango, com
Tancredo Neves como Primeiro Ministro, ainda era manchete no DM.
O jornal não deixou de noticiar as revoltas que aconteceram na Guanabara
e em outros estados. No entanto, percebemos que, em meio ao caos que se
298
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
espalhava por diversas partes do país, continuava publicando notícias internacionais
anticomunistas: “Os EE. UU. Refutam Fidel Castro.” (DM, 29/08/1961, p.1) e “Plano
comunista para a agitação: O Serviço de Segurança Nacional divulga o tenebroso
documento” (DM, 01/09/1961, p.1). Podemos entender isso como uma forma de
desviar o foco dos leitores da briga pela sucessão presidencial, diminuindo a
importância dos conflitos, forçando a impressão de que a situação estava sob
controle, com manifestações favoráveis a João Goulart, e que sua posse estava
garantida. O jornal tenta parecer imparcial através da divulgação de matérias
factuais, de grande repercussão e que, portanto, não poderiam ser ignoradas, mas,
ainda assim, deixa clara a sua opinião.
Após o período imediato à posse de Goulart, ao contrário do que aconteceu
com Jânio, o DM passou a dar destaque maior à notícias. A ausência de cobertura
dos atos do novo presidente pode ser compreendida como uma demonstração de
que, apesar de ter apoiado sua posse, o jornal não seria seu aliado durante o
governo, e continuaria fazendo oposição ao PTB e aos representantes do
trabalhismo. Só aos poucos começaram a surgir notícias sobre o governo de
Goulart, na maioria das vezes, não muito favoráveis. Nos últimos meses de 1961 e
em todo o ano de 1962 as notícias sobre manifestações de camponeses se tornaram
frequentes. Aos poucos eram suscitadas as ligações entre João Goulart, que tinha a
Reforma Agrária como uma de suas metas, com os “subversivos”. No primeiro mês
de 1963, quando ocorreu o plebiscito que restituiu o regime presidencialista, em 14
edições analisadas, nove traziam notícias sobre greves, caristia e desabastecimento,
problemas que já eram notícia desde o final do governo de JK, mas que, até então,
não haviam recebido tanto destaque.
Até meados de 1963 o DM ainda não fazia oposição clara ao governo de
João Goulart e seguia uma linha editorial semelhante à adotada durante o governo
de Jânio Quadros, através e críticas indiretas. A cobertura dada aos dois presidentes
divergia no espaço concedido para a divulgação de assuntos favoráveis ao governo.
Ao contrário de Jânio, Jango continuava ausente das primeiras páginas. Mesmo
ações positivas do presidente, quando eram publicadas, eram tratadas de maneira a
n~o parecerem que sua import}ncia fosse relativizada: “Jango: dentro de cinco
anos só haver| analfabetos no Brasil entre os maiores de 23 anos de idade” (DM,
29/03/1962, p.1). No entanto, a manchete poderia ter sido: Em cinco anos não haverá
mais crianças e jovens analfabetos, ou então, Jango promete acabar com o
analfabetismo. Mudanças que não alterariam o conteúdo da notícia, mas que
indicariam uma outra interpretação.
Um artifício utilizado para atacar o presidente indiretamente era a
transcriç~o da fala de políticos de partidos de oposiç~o: “Jango ameaçou as
instituições e violou a ordem jurídica vigente” (DM, 25 26/08/1963 - o título é parte
da declaração do deputado Adauto Cardoso, da UDN). Citações de políticos aliados
de Jango raramente recebiam espaço na primeira página do jornal, e nunca eram
usadas como títulos. O envolvimento do presidente com o movimento sindical já era
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
conhecido, dessa forma, o destaque às greves organizadas por estes movimentos e
a adoção de um discurso que ressaltava os prejuízos que estas causavam à nação
também foram formas de prejudicar a imagem do Goulart. O DM também criticava
o presidente de maneira indireta ao atacar pessoas ligadas a ele, como Leonel
Brizola, governador do Rio Grande do Sul e marido da irmã de Jango. A antipatia a
Brizola era explícita, como também a Miguel Arraes, governador de Pernambuco,
ambos líderes do PTB e amigos de Jango.
Por publicar as notícias factuais de grande repercussão, a participação de
Jango na comemoração do 113º aniversário de Juiz de Fora obteve destaque
considerável. Na ocasião, João Goulart anunciou a liberação das verbas para a
construção da Avenida Independência, foi saldado pelos militares da 4ª Região
Militar e autorizou a substituição do Comandante Ladário Teles por Olímpio Mourão
Filho, que menos de um ano mais tarde liderou o levante que derrubou João Goulart
(PAULA; CAMPOS [orgs], 2005). Poucos meses depois, começaram a surgir nas
primeiras páginas do DM duras críticas dirigidas diretamente ao presidente.
Constantes demonstrações de indisciplina dentro das Forças Armadas sem a devida
retaliação aos insubordinados por parte do presidente começaram a ser divulgadas,
mostrando que estava “Explosiva a situaç~o na |rea militar” (DM, 07 08/07/1963,
p.1). A situação piorou após a prisão do jornalista Hélio Fernandes, que foi destaque
no DM entre 28 de julho e 1º de agosto, quando foi libertado por habeas corpus
concedido de Supremo Tribunal Federal. A prisão de Hélio Fernandes, aliada à
notícias de censura à jornalistas gaúchos foram interpretadas como demonstração
de autoritarismo do governo.
A partir de agosto de 1963 é visível a mudança na linha editorial do DM: “Em
prazo curto o governo poder| nacionalizar as concession|rias” (DM, 18 19/08/1963,
p.1), “Ministros do PSD seriam convidados a abandonar o governo de Goulart:
‘Clima violentamente hostil ao sr. Jo~o Goulart” (DM, 22/08/1963, p.1). As críticas se
agravaram com a ameaça de Estado de Sítio, da qual João Goulart desistiu três dias
depois. O fato foi interpretado como uma tentativa de golpe de estado, reforçando
o discurso de que Jango, como herdeiro político de Getúlio Vargas, seguiria o
mesmo caminho que levara o país a quase uma década de ditadura durante o
Estado Novo. A partir de então, e até abril do ano seguinte, quando foi organizado o
Golpe Militar, o conjunto das notícias publicadas pelo DM e os demais jornais de
oposição ao governo criaram um clima altamente desfavorável a Goulart. A
sequência de notícias sobre greves, revoltas, desemprego, inflação, aliadas ao
discurso sistemático de que o comunismo, uma doutrina contrária aos valores
cristãos, estava se espalhando pelo continente americano gerava na população uma
sensação de insegurança e insatisfação. Nos meses que antecederam o golpe, a
imagem de que Goulart planejava um golpe comuno-sindicalista foi consolidada
entre meios de comunicação, incluindo o DM. Uma destas contribuições foi a
publicaç~o, em novembro de 62, o título: “Documento Histórico: Texto do
manifesto em que a mulher mineira pede a renúncia de Jango” (DM, 10 11/11/1963,
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
p.1). Esta foi a primeira manifestação civil contra o governo de João Goulart
encontrada nesta análise.
No último dia de 1963 a manchete do DM mostrava que João Goulart
prometia ampliar as desapropriações de terra para realizar a reforma agrária, o que
contrariava os interesses das oligarquias rurais, que possuíam grande influência
política e eram representados pelo PSD. A polêmica levou o governador de Minas a
solicitar ao presidente (e foi manchete da edição de 5 de janeiro de 1964) que
ouvisse os estados “antes de iniciar as desapropriações de terra”. Na parte inferior
da ediç~o de domingo, 12 de janeiro, o título: “Campanha da reforma agr|ria
esconde incapacidade de Jango”, ocupava quase toda a coluna central, logo abaixo
da foto da matéria principal. A “falta de autoridade de Jango” também foi
denunciada quatro dias depois.
Na edição do dia 10 de março o DM anunciou, na parte inferior da primeira
p|gina, que “Sindicalistas mineiros vão à Guanabara para comício na Praça da
República”. Ao utilizar o termo “sindicalistas”, o jornal atrela este evento aos
interesses das classes trabalhadoras. O comício a que o título se referia seria o
primeiro de uma série, organizado para mobilizar a população em prol das reformas
de base, em especial, a reforma agrária, e que contava com o apoio dos
movimentos sindicais. O evento reuniu cerca de cem mil pessoas na Praça da
República, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março, e ficou conhecido como ‘o comício
das reformas’.
O jornal gaúcho Última Hora, um dos únicos que ainda apoiava o governo
de Jo~o Goulart, afirmou em manchete que: “Foi o maior comício da história do
Brasil” (apud PAULA; CAMPOS [orgs], 2005, p.173). O DM preferiu informar que foi
“Assinado por Jango na praça pública o decreto que d| início { reforma agr|ria”.
Esta foi a manchete do dia seguinte ao comício, publicada quase no centro da
página (as manchetes do DM, até então, vinham no alto da página, abaixo do nome
do jornal). Duas fotos acima da manchete ocupavam toda a largura do jornal e
mostravam imagens de pessoas correndo e fumaça, sugerindo confusão. Na edição
de domingo, 15 de março, uma legenda com 11 linhas descrevia: “O comício da
Guanabara reuniu milhares de trabalhadores que desejavam ouvir a palavra do sr.
Jo~o Goulart [...]”. Nenhuma notícia foi dada nesta ediç~o sobre o comício
organizado pelo diretório do PTB de Juiz de Fora, que contou com a participação de
Miguel Arraes. O comício foi divulgado na edição seguinte, dia 17, com a manchete:
“Dispositivo policial jamais visto na cidade garantiu a fala ‘nacionalista’ no Popular”.
A cobertura do evento pode ser considerada uma das demonstrações mais claras da
linha editorial seguida pelo jornal. O comício não deixou de ser noticiado, mas o
movimento organizado por oposicionistas para boicotar o evento recebeu destaque
maior no DM. A palavra ‘nacionalista’, no título e ao longo de toda a matéria,
encontra-se entre aspas, recurso que demonstra o questionamento do caráter
patriótico do evento de seus organizadores.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Observamos o comício de Miguel Arraes como um divisor de águas na
cobertura da política nacional do DM. Até então, o jornal fazia críticas agressivas ao
governo, mas não pedia sua deposição. A partir da edição de domingo (22/03) após
o comício em Juiz de Fora e a “Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade”, em
São Paulo, no dia 19, em todas as edições analisadas, o DM publicou notícias e
declarações, principalmente do governador Magalhães Pinto, que pediam o
afastamento de Goulart. O Golpe Militar que derrubou João Goulart foi um período
bastante conturbado na história do país e o próprio levante era cercado de
contradições. Na manchete “Representante do povo condena o uso das reformas
para efeito de subvers~o” (DM, 24/03/1964, p.1), o “representante do povo”, no
caso, não era o presidente, mas Magalhães Pinto.
O general Olímpio Mourão Filho, chefe da 4º Região Militar, declarou-se
insurreto e marchou com suas tropas rumo ao Rio de Janeiro, dando o primeiro
passo para o golpe que derrubaria Jango. Nenhuma notícia sobre o levante foi
publicada até o dia 31 de março. O movimento foi noticiado no dia 1º de abril, com a
manchete: “O general Mour~o sai em defesa do regime e instala em JF o QG da
Força de Defesa da Democracia em Minas Gerais”. Na parte inferior da p|gina, sob o
título: “O general Muricy comanda de JF a tropa estacionada em Paraibuna” eram
divulgados detalhes sobre a manobra. O título “O Povo, Governadores Estaduais e
Forças Armadas repelem o processo de aviltamento das forças vivas da Naç~o”,
também na parte inferior da página recebeu espaço pouco menor que a manchete e
em seu texto explicava as razões que supostamente estavam motivando o golpe,
que também eram explicitadas pelo governador de Minas, Magalhães Pinto, em
matéria menor, ao lado da matéria principal.
O golpe foi confirmado pela manchete: “Minas mais uma vez sai em defesa
da liberdade, restituindo ao Brasil, em 36 hs, a paz e a democracia” (DM,
02/04/1964, p.1). Em nenhuma das matérias analisadas a legitimidade foi
questionada. O golpe foi visto como benéfico e necessário para a defesa da
democracia. O governo Goulart termina, segundo o DM, no dia 2 de abril, com a
manchete: “Duas horas e meia antes da rendiç~o, Goulart e Brizola abandonam
Porto Alegre”. Este título poderia sugerir que o presidente deposto era um homem
fraco, que preferiu fugir para outro país a enfrentar seus opositores. Mas, além de
tendenciosa, a notícia é inverídica, porque Jango só viajou para Montevidéu, no
Uruguai, dois dias depois, quando Ranieri Mazzili, então presidente da Câmara dos
Deputados, já havia assumido interinamente a presidência.
O fim do governo de João Goulart foi comemorado no Rio de Janeiro com
uma nova ediç~o da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” em “aç~o de
graças pelo fim do totalitarismo” (DM, 04/04/64, p.1), como afirma a legenda da
foto que ocupou metade da parte superior da capa do DM. Em Juiz de Fora, as
comemorações foram feitas no dia 6 de abril, no regresso das tropas do general
Mour~o. O DM anunciou o fato com a manchete: “A populaç~o de JF veio para a rua
confirmar seu NÃO ao comunismo. O povo, em lágrimas e com flores, recebeu a
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
tropa da liberdade” (DM, 06/04/64, p.1, grifos do jornal). Em 13 edições analisadas,
publicadas no mês de abril, o DM deu destaque aos feitos do general Mourão em
nove. O Ato Institucional que possibilitou a posse de Castelo Branco através de
eleições indiretas e a cassação dos direitos políticos de João Goulart, Arraes e
Brizola, entre outros, foi, segundo as manchetes do DM, a garantia dos “objetivos
da revoluç~o” (DM, 10/04/64, p.1), sem anular “a estabilidade conferida aos
trabalhadores” (DM, 11/04/64, p.1).
Ao analisarmos as matérias publicadas no Diário Mercantil nos primeiros
anos da década de 1960, percebemos que os interesses políticos representavam
grande influência na linha editorial do jornal. Observamos que o jornal deixou
transparecer seu apoio a determinados grupos, como os partidos UDN e PSD, em
diversos momentos. A preferência do jornal, a princípio, se mostrava de maneira
mais sutil, como tentativa de manter uma imagem de neutralidade para o periódico
(a qual já adotava como discurso). As preferências do jornal se mostravam
inicialmente pelo espaço dado às declarações de políticos aliados, pela omissão de
feitos positivos de seus opositores, ou pelo ataque feito a pessoas ou grupos
ligados a estes. Observamos claramente esta tática utilizada pelo jornal durante os
últimos meses da administração de João Goulart, quando as críticas a Brizola e ao
movimento sindical contribuíram para desestabilizar o governo. Nos momentos de
crise, porém, o DM mostrou sua ideologia de maneira mais evidente, como nos
últimos dias da campanha presidencial entre Lott e Jânio Quadros (a única durante
toda a década), quando foi publicada uma série de matérias enaltecendo as
qualidades do marechal, ao lado de outras com críticas a Jânio e declarações que o
associavam aos países comunistas, na época, vistos como “ameaças”.
Analisamos os anos anteriores ao golpe justamente para observar os
grupos apoiados pelo DM e as maneiras utilizadas por ele para influenciar seus
leitores. Com base nestas informações percebemos quais as mudanças provocadas
em sua linha editorial a partir do golpe de abril de 1964, que repercutiu em toda a
imprensa nacional. Observamos que Jânio Quadros, João Goulart e os presidentes
Militares pertenciam a seguimentos diferentes da sociedade, e destes, apenas os
últimos eram apoiados pelos Diários Associados. Entretanto, a cobertura do jornal
foi semelhante ao longo de todos os governos. O jornal, no início dos mandatos,
buscava se aproximar dos governantes, evitando a divulgação de matérias
negativas. No caso de João Goulart, que até a renúncia de Jânio era
constantemente atacado nos jornais Associados, o DM adotou uma postura neutra:
sem matérias positivas, tão pouco negativas. Com Jânio Quadros, apesar das críticas
durante a campanha, a maior parte das notícias publicadas sobre seu governo eram
bastante positivas. O DM oscilava seus apoios e ataques aos presidentes de cada
período de acordo com seus interesses políticos, sendo, por diversas vezes,
contraditório com relação à postura adotada anteriormente.
303
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Referências Bibliográfias
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MELO, J. M. Jornalismo opinativo. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003.
PAULA, H. R.; CAMPOS, N. A. Clodesmidt Riani Juiz de Fora: FUNALFA, 2005
MATTOS, R. René Mattos: depoimento [dez.2007]. Entrevistadora: Carolina Guedes.
Juiz de Fora, 2007. Gravação Digital (100min): estéreo.
ZAGUETO, I. Ismair Zagueto: depoimento [out.2008]. Entrevistadora: Carolina
Guedes. Juiz de Fora, 2007. Gravação Digital (45min): estéreo.
CID, W. Wilson Cid: depoimento [out.2008]. Entrevistadora: Carolina Guedes. Juiz de
Fora, 2007. Gravação Digital (60min): estéreo.
A HISTÓRIA DO JORNALISMO IMPRESSO NO LITORAL NORTE
PAULISTA
Bruna Vieira GUIMARÃES
Mestre e doutoranda em Comunicação Social pela UMESP, e jornalista pela Universidade
Metodista de Piracicaba (UNIMEP). De 2002 a 2007 foi repórter no jornal Imprensa Livre e prestou
serviço em outros impressos do Litoral Norte Paulista, tais como os semanários de Caraguatatuba
Expressão Caiçara (2002) e Noroeste News (2005), ambos em circulação, e nos extintos semanais
Folha de Caraguá (2005) que circulou por seis meses, e Correio do Litoral (2004) que circulou cerca de
um ano, este último na cidade de São Sebastião
Ricardo Reis HIAR
Especialista pela UMESP e jornalista pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atuou
em jornais do litoral norte e assessoria de comunicação nas Prefeituras de Caraguatatuba
e São Sebastião
Introdução
A história da imprensa no Litoral Norte de São Paulo não se desassocia da
história da imprensa no Brasil. Registros mostram as quatro cidades da região desde
a época da colonização do país. No entanto, as características geográficas e a
dificuldade de acesso por muito tempo não permitiram que a região se
desenvolvesse aceleradamente como em outras áreas litorâneas.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
São Sebastião, por exemplo, aparecia num mapa datado de 1502, utilizado
por Américo Vespúcio e, no entanto, segundo dados de 2009 do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Pesquisa), a cidade possui 73.631 habitantes, espalhados
em 403 quilômetros quadrados.
A situação não é diferente nas outras três cidades dessa região litorânea.
Ainda sob dados do IBGE de 2009, Caraguatatuba aparece com aproximadamente
96 mil habitantes, enquanto Ilhabela e Ubatuba possuem respectivamente 26.011 e
81.096. Com a somatória desses índices, o litoral chega a uma população de quase
280 mil habitantes.
Dando enfoque à comunicação, podemos observar que o número de jornais
impressos diariamente em funcionamento na região não é proporcional ao número
de moradores e é algo que poderia ser mais explorado. A região conta com dois
jornais diários (Imprensa Livre e Diário do Litoral Norte). O primeiro tem sede em
São Sebastião e o segundo, em Ilhabela. Ambos são distribuídos para toda a região.
Há, porém, um volume maior de semanários, com enfoques dos mais variados.
Entre eles estão: Expressão Caiçara, Noroeste News, Canal Aberto, A Semana, A
cidade de Ubatuba e Sintonia Social.
Podemos ver que historicamente muitas tentativas foram realizadas para
promover a comunicação entre a comunidade caiçara, mas muitas delas se
frustraram com o decorrer das décadas. Em todo o Litoral Norte não há um jornal
impresso com mais de 30 anos. Apenas duas iniciativas atuais perduram por mais de
duas décadas, sendo eles o Imprensa Livre e o Expressão Caiçara.
O jornalismo no Litoral Norte
O jornalismo pode ser algo definido como relativamente novo no Litoral
Norte. Isso porque algumas vários veículos de comunicação se formaram há mais de
um século, porém, temos notícias de ocorrências mais significativas e duradouros
apenas a partir da década de 50. Com isso vemos uma falta de identidade da
imprensa de modo geral e uma busca incessante por um diferencial ou ponto de
partida, que ainda não foi muito evidenciado. Na verdade, os meios de comunicação
na região partem de um ponto em comum e acabam em algum momento se
assemelhando.
Novamente por conta dos dados geográficos, não foi muito fácil a
implantação das emissoras de rádio e televisão nos municípios do litoral. A televisão
demorou a chegar e até hoje não há a disseminação de produtos próprios gerados
na região. Em contrapartida o rádio foi o meio mais eficaz e rápido de se promover a
comunicação entre as quatro cidades. Mesmo assim, não foi uma tarefa muito fácil
de ser promovida.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Outro ponto que podemos definir é que temos registros mais abrangentes
após a década de 50 dos veículos de comunicação e outra anterior a esse período.
Antes de 1950 vários jornais influenciaram a comunidade local, porém, nem sempre
eram jornais oficialmente em funcionamento. Um tipo de comunicação escrita
utilizada na época eram os chamados "pasquins".
Gioconda Mussolini define em "Os pasquins do Litoral Norte de São Paulo"
como esse tipo de comunicação como uma 'maneira típica do folk de expressar os
acontecimentos, ou sejam, as próprias experiências do grupo, cuja importância era
o consenso local que definia, e não a seleção do historiador'. Distribuídos de porta
em porta, esse tipo de imprensa escrita circulava de forma anônima.
Era comum que esses pasquins fossem encontrados, principalmente
falando sobre atos políticos, em Ilhabela e São Sebastião. Prova disso foi à quantia
desses papeluchos que circularam sorrateiramente nos municípios litorâneos em
decorrência das eleições de 1947. O objetivo era influenciar a opinião pública sobre
questões políticas locais. Com o tempo as atividades dos pasquinzeiros foram se
reduzindo e a população passou a dar mais ênfase à informação recebida por outras
fontes de informação.
Em 1954, o único jornal de Caraguatatuba, A Voz do Litoral, anunciava que o
rádio estava para chegar ao litoral. Tratava-se de Rádio Oceânica AM, que estava
prestes a ser iniciada. De fato, o projeto foi concretizado por Antonio Tepedino
Pagano, em 1957. O proprietário e idealizador era um conceituado radialista de São
Paulo, que contou com a ajuda do então prefeito Altamir Tibiriçá Pimenta para
colocar seus objetivos em prática.
A emissora prestou grande serviço a comunidade em 1967, ocasião em que
uma catástrofe se abateu sobre Caraguatatuba. Com a ajuda de um gerador, foi
possível pedir ajuda às cidades vizinhas após a destruição que acabou com boa
parte da cidade.
Os pioneiros
A história dos jornais no Litoral Norte Paulista de que se tem registros,
iniciara no final do século XVIII. Ubatuba, por exemplo, como poucas cidades do
Estado, contou com um bom número de jornais. O primeiro deles é datado de 12 de
outubro de 1896, chamado de "Echo Ubatubense". O jornal era dirigido por Esteves
da Silva e circulou durante um ano. Acreditava-se na época, que o jornal seria um
defensor dos interesses da cidade.
Passado pouco tempo do fechamento do jornal pioneiro de Ubatuba, foi
lançado o "Ubatubense", que era dirigido por Luiz Domiciano da Conceição Júnior.
Ele circulava semanalmente no município, porém, também não teve vida longa.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Esse não era o fim da imprensa escrita ubatubense, pois por meio da
iniciativa do jornalista Paulo Egídio da Costa, foi lançado "O Fogo". Era um periódico
feito praticamente todo pelo diretor proprietário, que escrevia, compunha,
organizava e distribuía os exemplares. Depois dele seguiu o lançamento de "O
Relâmpago", que assim como o nome, teve pouquíssima duração na cidade. Além
deste, foram lançados sucessivamente "O popular", "O papagaio", entre outros.
Todos não ficaram muito tempo na praça.
Então em 1905 surgiu o jornal "A Cidade de Ubatuba", que circulou por
bastante tempo, batendo um recorde na região: funcionou até 1930, completando
25 anos de atuação, sob a direção dos irmãos Ernesto de Oliveira e Deolindo de
Oliveira Santos.
Outro jornal que não teve duração muito longa foi "A Cidade", cuja
circulação foi interrompida devido a desistência do tipógrafo em trabalhar para a
empresa, que mudou de ramo e foi trabalhar com enfermeiro em Santos. Antes
disso, porém, "A Cidade" ganhou um adversário "O Arauto", com o qual manteve
por tempos uma luta polêmica por questões políticas, até que o mesmo foi extinto.
"O Lápis", "O prego", "O Lampião" e "A tribuna caiçara" foram outros
semanais que circularam na cidade. Mais um jornal chegou aos leitores de Ubatuba
antes dos anos 50 e utilizou um nome já conhecido anteriormente: Ubatubense.
Esse jornal voltou a ser publicado em 1934 e se manteve na região por alguns anos.
As tentativas a partir da década de 50
O Livro Santo Antonio de Caraguatatuba (2000), organizado por Jurandyr
Ferraz de Campos, aponta que até 1953 apenas alguns veículos vindos de outras
cidades circulavam no município litorâneo. Foi nesse mesmo ano que surgiu o
primeiro veículo caraguatatubense, que foi o "A Voz do Litoral", fundado por José
Benedito Moreira e Luiz José Moreira. É importante ressaltar que a fundação do
mesmo teve apoio de Irineu Meirelles e Altamir Tibiriçá Pimenta, que possuíam
posições político- partidárias em Caraguá. Ambos atuaram como redatores do
semanário.
A redação do jornal estava localizada durante muitos anos na Rua Santa
Cruz, no mesmo local onde funcionava a Tipografia Poloni que realizava os serviços
de impressão do jornal. A catástrofe de 1967 foi responsável também pela redução
na circulação de "A voz do Litoral", pois após esse período foi reduzido o número de
matérias e anunciantes do jornal, fato que o levou a reduzir a circulação para
quinzenal.
No ano seguinte a situação foi regularizada e no final da década de 70,
Altamir Tibiriçá Pimenta assumiu a direção do veículo de comunicação. O semanário
prosseguiu suas atividades por vários anos, sendo extinto em 1988. Com 35 anos de
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
atuação, ele pode ser considerado o jornal de maior repercussão até agora na
história local. De qualquer forma, tratava-se de um jornal com ligação política e que
muitas vezes foi utilizado com esse fim.
Muitas das iniciativas de criação de jornal no Litoral Norte duraram pouco
tempo. Entre estes veículos que fizeram parte por pouco tempo na região, está
Folha do Litoral, que circulava quinzenalmente no início da década de 60 e foi
dirigido por Pedro Cruso e gerenciado por José Moraes. Anos mais tarde, outro
jornal que circulou pouco tempo nos municípios litorâneos foi o 4 Instâncias, uma
publicação do jornalista Sebastião Souza Lemos, de 1984.
Em 1962 o Atlântico foi às mãos dos leitores da região. Já em 1977, apenas
um veículo circulava em Ubatuba. Era o Maraberto, mensário editado por um grupo
de jovens que procurou trazer de volta a imprensa local ao município. Ele citava essa
questão no editorial do primeiro número, que apontava a volta do jornalismo local,
após sete anos sem algo produzido em Ubatuba.
Durante 20 anos um jornal local foi importante ferramenta de comunicação
para a região, noticiando os principais fatos das quatro cidades do Litoral Norte. O
"Impacto", que iniciou sua circulação em 1973, foi dirigido por Monteiro Junior. O
mesmo adquiriu o semanário de José Carlos Barreto. O diretor do jornal já possuía
experiência em jornalismo por ter atuado eu outros veículos na cidade de São Paulo
e chegou a trabalhar em "O Litoral Norte", jornal que circulou por algum tempo na
região.
Numa entrevista sobre a aquisição do jornal e a ligação com o Litoral Norte,
Monteiro Júnior declarou: "Descobri Caraguá, meu grande amor, e fiz Rádio
Oceânica (Programa Monteiro Júnior), e depois veio o jornal 'O Litoral Norte' e, por
fim, essa outra doença chamada 'Impacto', que adquiri numa brincadeira com seu
ex-proprietário José Carlos Barreto, menos trouxa do que eu".
Apesar de também adotar muitas vezes o cunho político, o "Impacto" teve
um diferencial entre os demais jornais da região: começou a ser publicado numa
escala invertida. Desse modo, quando as atividades foram iniciadas, ele tinha
circulação diária. Porém, devido a muitas crises e mudanças, passou a circular
semanalmente, depois quinzenalmente e enfim mensalmente, quando então deixou
de ser publicado. A última publicação do periódico ocorreu em 1993, ano do
falecimento do proprietário, Monteiro Junior.
Aliás, este não foi o único exemplo de jornal fechado após o falecimento do
diretor/proprietário. Outro caso semelhante ocorreu com "O Litoral Norte",
fundado por Hugo José Apuléo e Germano Marcio de Miranda Schmidt, em 1974.
Apuléo era jornalista e acumulava experiência em jornais paulistanos como "O Dia"
e "Jornal de São Paulo". Por meio de sua experiência, o tablóide sobreviveu em
meio a várias crises, sempre superando-as.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
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Um ponto que o destaca das demais publicações da região era o fato de
circular em outras regiões, entre elas, Jambeiro, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga,
São José dos Campos e Taubaté. O jornal tinha bastante influência em São
Sebastião e muitos apoiadores locais.
Ainda circulou na região o "Jornal da Praia", que funcionava principalmente
em períodos eleitorais. Era uma forma de colocar em questão a política local e até
mesmo a propaganda eleitoral.
O Imprensa Livre foi um dos únicos veículos que sobreviveu ao tempo. Para
o jornalista Roberto Espínola, um dos motivadores dessa continuidade é o fato dos
leitores da cidade serem "bairristas" e apoiarem as iniciativas locais. "O jornal
conseguia ter assinantes regulares, anunciantes e outros recursos, o que o ajudou a
se manter ao longo dos anos".
O Expressão Caiçara era um apêndice do rádio e por esse motivo não era
difícil mantê-lo, até mesmo financeiramente, pois a redação estava instalada na
própria emissora. Os custos adicionais eram praticamente da impressão. "Tínhamos
uma organização enxuta. As fotografias muitas vezes saiam na base de permuta e
tínhamos um jornalista para escrever as notícias".
Algo que contribuiu para a continuidade do jornal foi o fato da Prefeitura
ter a obrigatoriedade de publicar seus atos oficiais. Foi nesse momento que o
Expressão Caiçara lançou o suplemento oficial do municipio, que circula até os dias
de hoje.
O Diário do Litoral Norte surgiu...
A iniciativa do Expressão Caiçara
Roberto Espíndola, 75 anos, atualmente é o jornalista com mais tempo de
profissão no Litoral Norte Paulista. Ele iniciou a carreira bem jovem, aos 15 anos e
hoje acumula 60 anos de experiência em diversos meios de comunicação, como TV,
Rádio e Impresso.
Nascido no Rio de Janeiro, o jornalista conta que conheceu Caraguatatuba
logo após a catástrofe de 1967, quando passou a freqüentar a região. Anos mais
tarde, por ter adquirido uma emissora de rádio (Oceânica AM), passou a residir na
cidade e atuar com comunicação.
Ele conta que havia alguns jornais impressos que circulavam nas cidades do
litoral paulista nessa época, porém, nenhum deles resistiu ao tempo e existe
atualmente. Para Roberto Espindola não tem uma explicação simples para o fato,
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mas algo que contribuiu foi a questão dos veículos estarem sempre aliados ao
sistema político partidário.
A comunicação no litoral era precária. Não chegava o sinal da televisão e
até mesmo as rádios tinham dificuldade para a transmissão do sinal. Foi nesse ponto
que o jornalista quis melhorar ao se empenhar na atuação da rádio Oceânica. Ele
afirma que seu objetivo era ficar em Caraguatatuba apenas por um tempo até
organizar a estação e retornar para São Paulo. O trabalho e os novos desafios não
permitiram esse retorno e o jornalista acabou se fixando na cidade.
No Litoral, Espíndola reencontrou um antigo amigo, o jornalista Lazaro
Macedo, que o convidou para uma nova empreitada no ramo da comunicação: o
lançamento de um jornal semanal no Litoral Norte Paulista. Ele aceitou o desafio e
em 20 de abril de 1982 chegou ao público a primeira edição do jornal Expressão
Caiçara, atualmente o mais antigo a circular na região.
“Quando cheguei ao litoral os meios de comunicaç~o eram muito
deficientes. Existiam alguns jornais semanais e vários veículos que chamávamos de
“devezenquand|rio” (nome dado aos jornais que n~o possuíam uma data de
circulação definida).
Para ele, o jornal chegou também para cumprir uma função social, que era
de ligar os diversos bairros da cidade. Segundo conta, os municípios eram distantes
uns dos outros em Caraguatatuba e normalmente as pessoas viviam isoladas nesses
grupos. "Começamos a realizar uma distribuição do jornal bairro a bairro, o que
acabou aproximando as comunidades.
Em seu inicio, o enfoque era outro. Dava-se mais atenção ao jornalismo
investigativo e a isenção da notícia, o que segundo Espíndola, foi se perdendo no
decorrer dos anos. O Expressão Caiçara era rodado a princípio em São Paulo e
depois passou a ser impresso em São José dos Campos. O jornal chegou a ter
edições próprias em São Sebastião e Ilhabela.
Do mensal ao diário: o surgimento do Imprensa Livre, o único diário do Litoral
Norte
Criado na década de 80 pelo médico Lourival Costa Filho e o engenheiro
Marjan Kozlowski, o jornal Imprensa Livre é o único diário na região que resistiu ao
tempo e continua com sua circulação pelas quatro cidades do Litoral Norte. Os
próprios fundadores talvez não esperassem esse resultado quando criaram o
veículo de comunicação em 28 de outubro de 1986, na ocasião chamado de Chip
News.
A princípio, a iniciativa dos fundadores não era de fato o jornalismo em si,
mas mostrar até que ponto o uso do computador poderia interferir na sociedade.
310
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Tratava-se de uma nova tecnologia que estava surgindo e evoluindo e os sócios
tinham em mente fazer uma central de processamento de dados e repassar as
informações para o publico local.
Na época, o informativo era mensal. Ele foi criado em meio a mudanças
politicas no cenário nacional, já que foi no ano de posse do primeiro presidente
eleito por voto direto após a ditadura militar. O jornal ganhou espaço na
comunidade pela forma com a qual tratava assuntos polêmicos e pela abertura que
dava aos moradores de emitirem opinião.
Em dois anos, o jornal se fortaleceu e deixou de ter sua distribuição
gratuita, passando para a circulação semanal e ser vendido nas bancas da região.
Um ano depois, em 25 de outubro de 1989, o nome é mudado para Imprensa Livre e
a tiragem começa a ser diária. Um ponto importante nessa história é que o
Imprensa Livre conta com o primeiro parque gráfico da região, uma vez que todos
os jornais até então precisavam ser impressos em outras cidades.
Esse fato é algo que acontece até os dias atuais (2010). Apenas o diário
sebastianense possuiu a própria gráfica. Em 2000, Lourival Costa Filho deixou o
jornal, que foi assumido pelo jornalista Henrique Veltman, que permaneceu a frente
do veículo até 2006, quando uma nova equipe assumiu a empresa jornalística.
Em questão de formato, o jornal sofreu várias mudanças ao longo dos anos.
O Chip News, por exemplo, era publicado no formado tablóide. Quando foi
adquirida a gráfica e o Imprensa Livre passou a circular, o formato do jornal era o
standart, o que é mantido até hoje. A principio era rodado apenas em preto e
branco, o que mudou em 2004, quando a capa e alguns suplementos passaram a ser
coloridos e em 2006, quando todo o jornal ganhou cor.
O veículo conta com anunciantes e as propagandas são feitas pela equipe
de diagramadores ou pela própria empresa divulgadora. Os leitores também podem
anunciar em compra/vende, banco de trabalhos, entre outros. O jornal conta com
normalmente de 12 a 16 páginas, com editorial, charge, editorias de política, geral,
esporte. Também há suplementos especiais e colunas sociais. É comum serem
publicadas edições especiais em datas comemorativas, como o aniversário de uma
das cidades da região, o que normalmente pode gerar mais recursos financeiros.
As prefeituras municipais também estão entre os clientes do jornal, ao
publicar atos oficiais, convites e até mesmo propagandas de campanhas realizadas
nas cidades litorâneas. O poder público já foi um dos principais clientes do veículo,
responsável por boa parte da receita, que era complementada pelas vendas de
assinaturas e a compra em bancas. Em alguns casos, podemos perceber que a
divulgação da publicidade pelo poder publico pode interferir na linha editorial
adotada pelo Imprensa Livre, assim como em outros jornais do litoral.
311
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Apesar disso, por sua tiragem e tempo de mercado, é o jornal que mais
contribuiu com o jornalismo factual e investigativo do Litoral Norte, incluindo
notícias sobre atos ilícitos em Câmaras Municipais, falta de atendimento médico aos
moradores locais, entre outros.
Conclusão
A imprensa no Litoral Norte possuiu algumas deficiências por não ter uma
auto-suficiência e necessitar de recursos do Poder Público, por meio das
propagandas e publicação de atos oficiais para poderem sobreviver. Além disso,
atualmente é fácil ter um veículo de comunicação. Com R$ 500 uma pessoa
consegue publicar um tablóide de quatro páginas e tiragem de dois mil exemplares.
A partir desse pressuposto, a qualidade da informação cai e o foco dos
produtores acaba sendo tão somente o lucro. São vendidas as propagandas e o
espaço que sobra são inseridas as notícias, muitas vezes resultantes do processo de
copiar e colocar os releases produzidos pelas assessorias de imprensa local.
Ao longo do tempo muitos veículos não sobreviveram por questões
ideológicas e até mesmo por não haver espaço para todos ganharem o lucro das
mesmas fontes. É preciso inovar, buscar outras opções e criar uma cultura nova
entre os leitores. Isso porque o que se vê na atualidade é uma carência de leitores
mais críticos e dispostos a buscar de fato aquilo que querem ler. O publico leitor da
região, em sua maioria, não tem esse hábito de comprar um jornal pelo conteúdo e
acabam optando por ler o material de distribuição gratuita.
O jornalista Roberto Espíndola acredita que pelo menos a curto e médio
prazo não haverá um jornal com imparcialidade na região. Para ele, a imprensa
retrocedeu ao longo do tempo no Litoral Norte. Ainda segundo o jornalista, a região
atraiu por muito tempo aventureiros da comunicação, que vinham para a região
ganhar dinheiro por um tempo e depois voltavam para as cidades de origem. Ele
acredita que esse foi um dos fatores que criaram a descontinuidade dos jornais
impressos e demais veículos de comunicação no litoral.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
DUPLA REPÓRTER-FOTÓGRAFO NA REVISTA O CRUZEIRO E SUA
INFLUÊNCIA NO JORNALISMO BRASILEIRO
Gleissieli Souza OLIVEIRA
Graduando em jornalismo
Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP
Introdução
A história dos Diários Associados se confunde com a história da Imprensa
no Brasil. Quando transformado em “condomínio”, no ano de 1959, distribuído
entre 22 funcion|rios selecionados contava com : “ dezenas de jornais, as principais
estações de Televisão, 28 estações de rádio, as duas mais importantes revistas para
adultos do país, doze revistas infantis, agências de notícias, agências de
propagandas, um castelo na Normandia, nove fazendas produtivas espalhadas por
quatro estados brasileiros, indústrias químicas e laboratórios farmacêuticos”
(MORAIS; 1994). Possuiu por 47 anos a mais importante revista ilustrada brasileira
do século XX “O Cruzeiro”, que inovou em muitos aspectos a imprensa nacional.
Desta maneira este estudo pretende responder a questão “Quais mudanças e
inovações as duplas repórter-fotógrafo de O Cruzeiro proporcionaram a sociedade
e imprensa brasileiras?”, buscando analisar o pioneirismo no jornalismo brasileiro
da adoção da dupla repórter-fotógrafo adotado por O Cruzeiro, utilizando como
objeto de estudo a mais famosa delas: Jean Manzon e David Nasser.
O fotógrafo francês Jean Manzon, convidado pelo sobrinho do dono dos
Associados para integrar a equipe da revista em 1943, foi quem introduziu “[...] no
Brasil um hábito da imprensa de reportagem européia: a dobradinha repórter
fotógrafo. Um só escreve, o outro só se preocupava em fotografar.” (MORAIS;
1994).
Jornalista e compositor, David Nasser trabalhou também em O Globo e foi
durante muito tempo companheiro de Manzon em O Cruzeiro, ganhando grande
prestígio dentro e fora do país por suas grandes reportagens.
A revista ilustrada semanal O Cruzeiro surgiu em novembro de 1928 com
um projeto de “linha editorial dita como moderna” (SERPA; 2003), com o intuito de
ser tornar uma revista de circulaç~o nacional. “Durante vinte anos a revista n~o
trouxe lucros aos Di|rios Associados[...]” (CARNEIRO; 1999), o primeiro exemplar
obteve uma tiragem de 50 mil exemplares. O cenário mudou á partir de 1943 com a
produção das grandes reportagens pelas duplas repórter-fotógrafo, caracterizadas
pela riqueza de imagens, o que fez com que a revista esgotasse nas bancas e
aumentasse sua tiragem, chegando a incríveis 700 mil exemplares semanais na
313
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
década de 60, circulando por todo o país, inclusive no exterior fazendo sucesso em
países da América Latina.
A publicação foi a primeira a conceder créditos às fotografias publicadas,
contando inclusive com um departamento e equipe de fotografia que continha
profissionais além de Jean Manzon, Edgar Medina, Salomão Scliar, Lutero Avila,
Peter Scheir, Flávio Damm, José Medeiros entre outros, encarregados de introduzir
a linguagem fotográfica fotojornalismo
( Mauad; 2004). Com essa nova
linguagem as fotografias ganharam um caráter didático na matéria criando uma
correlação texto/imagem.
Por meio de uma pesquisa qualitativa em livros, estudos científicos, e
periódicos; esta pesquisa tem como objetivo analisar as grandes reportagens e
seus reflexos na vida da sociedade, maneira como foram produzidas e as mudanças
provocadas na imprensa brasileira, visto que, “Foi um dos periódicos que
consolidou muitas práticas do jornalismo, como a grande reportagem e o
fotojornalismo.” (SERPA; 2003), marcada por trazer inovações como a diagramaç~o
mais atraente que priorizava a qualidade das fotos e “ [...]além de ditar modas,
normas e até conceitos, num período em que o país cada vez mais se urbanizava e a
sociedade passava por transformações[...] ” (SERPA; 2003).
Jean Manzon foi fotógrafo da revista Paris-Matche do Paris Soir , e
registrou a
segunda guerra sendo membro do Serviço fotográfico e
Cinematográfico da Marinha Francesa e do serviço cinematográfico de guerra inglês
até 1942 quando veio ao Brasil.(Morais; 1994). No Brasil fez parte do Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP), durante o governo Vargas, até que, Frederico
Chateuabriand o convidou para fazer parte da revista O Cruzeiro em 1943. Manzon
propôs mudanças na parte gr|fica da revista “[...]para mudar seu aspecto de
cat|logo[...]” (CARNEIRO;1999.P.336) e a parceria repórter-fotógrafo, baseado em
sua experiência na imprensa francesa.
Nasser e Manzon estrearam na revista em 1943. Entre 43 e 51 fizeram
reportagens que fizeram história no jornalismo brasileiro, como a que mostra o
deputado federal Barreto Pinto de fraque e cuecas, a da aldeia dos índio xavantes,
ou ainda a que Chico Xavier foi fotografado dentro de uma banheira (CARVALHO;
2001). Embora tenham a veracidade de algumas delas contestadas, como aborda
Luiz Marklouf Carvalho em seu livro “Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro”, a
dupla se tornou uma marca registrada da revista e o slogan “Texto de David Nasser,
Fotos Jean Manzon” era aguardado toda semana com ansiedade dos leitores
(MORAIS; 1994).
314
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Método
Tendo em vista analisar tais pressupostos, a pesquisa é baseada
qualitativamente em obras liter|rias como o livro “Chatô, o Rei do Brasil: A vida de
Assis Chateuabriand[...]“ (MORAIS; 1994), “Brasil, Primeiro: História dos Di|rios
Associados” (CARNEIRO; 1999) , “Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro”
(CARVALHO; 2001), “O Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro” (NETO;
1998), “Jornalismo de Revista” (Scalzo; 2003).
Utilizando-se também estudos científicos como “ O Cruzeiro: uma revista
síntese de uma época da história da imprensa brasileira” (BARBOSA; 2002 ), “ A
Máscara da modernidade: A mulher na revista O Cruzeiro (1928-1945)” (SERPA;
2003), “ Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e á linguagem da
fotografia na imprensa” (Sousa; 2002).
Analisando as referentes reportagens no periódico em questão disponível
em parte no “Aquivo do Estado de S~o Paulo” e no site “Memória Viva apresenta: O
Cruzeiro”.
Confrontando tais dados a pesquisa pretende analisar:

- O processo de produção das grandes reportagens;

- A importância das grandes reportagens e inovações gráficas
de O Cruzeiro para o desenvolvimento da imprensa nacional;

- O pioneirismo de O Cruzeiro;

- O impacto social das grandes reportagens;

- As mudanças proporcionadas por Manzon no periódico no
âmbito do fotojornalismo;

- A veracidade das reportagens da dupla tendo em vista as
denúncias apontadas em “ Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro”
(CARVALHO; 2001);

- O papel das “duplas” e suas reportagens na consolidaç~o e
sucesso de O Cruzeiro;

- O destino da maior e mais importante dupla de O Cruzeiro (
Jean Mazon e David Nasser).
315
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Jean Manzon e David Nasser na revista O Cruzeiro no ano de 1943, e suas
inovações no jornalismo brasileiro
Criada no ano de 1928, a revista O Cruzeiro foi a mais importante revista do
século XX. Foi uma publicação que deu grande espaço para a fotorreportagem, que
ganhou uma importância que a fotografia não tinha até então na imprensa
nacional. “A preponder}ncia da imagem sobre o texto demonstra que a
fotorreportagem não é uma simples reportagem verbal ilustrada, mas, na verdade,
uma reportagem visual auxiliada por texto.” (MUNTREAL&GRANDI;2005.p.49), as
grandes reportagens amplamente ilustradas por fotografias se tornaram uma
marca registrada da revista O Cruzeiro, j| em 1930, “A utilizaç~o de fotografias
buscava a inovação com as primeiras fotos aéreas estampadas em folhas
duplas.”(MUNTREAL&GRANDI;2005.p.62).
As duplas repórter-fotógrafo “nasceram” após o francês Jean Manzon
ingressar na revista, em 1943, e que segundo Luiz Marklouf, em seu livro Cobras
Criadas (2001), o fotógrafo com sua experiência na imprensa européia, provocou
mudanças expressivas no aspecto da revista
“Quando cheguei em O Cruzeiro, a reportagem fotogr|fica no Brasil era
inexistente. Havia um atraso muito grande, a paginação era confusa e [havia] sobretudo
muito receio de mudar. Comecei com minhas matérias sem ninguém que escrevesse os textos,
nem mesmo as legendas.”, diria ele mais tarde. (MARKLOUF, 2001,p.63)
Após folhear algumas edições, declarou: “Isso n~o é uma revista, é um
cat|logo, uma galeria de retratos de família, fixos posados, idênticos.”(MANZON,
apud MARKLOUF, 2001).
Em Cobras Criadas, Luiz Marklouf, afirma ainda, que as fotos de Manzon
eram de um estilo até então nunca visto no Brasil. Dessa maneira, provocou uma
reformulação estética em O Cruzeiro, mudando a relação texto imagem, e com
fotografias de }ngulos diferentes, que “elaboram uma narrativa dos fatos, em que o
texto escrito acompanharia como apoio.” (MUNTREAL&GRANDI,2005.p.75). O
francês também, passou a fazer questão de assinar suas fotos, o que provocou
“uma maior import}ncia do fotógrafo, que passaria a assumir suas
fotos.”(MUNTREAL&GRANDI,2005.p.75).
O jornalista David Nasser, antes de O Cruzeiro, trabalhou no Diário da Noite
e em O Globo. Ficou conhecido como “o mais famosos jornalista dos anos
50.”(MARKLOUF,2001.p.19). Trabalhou na revista O Cruzeiro por trinta anos (1942 a
1974), fazendo dupla com Manzon nos primeiros nove anos (1943 a 1951), neste
período a dupla produziu reportagens que entraram para a história do jornalismo
brasileiro ( MARKLOUF,2001).
316
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A primeira reportagem de Jean Manzon na revista, obteve duas páginas,
publicada em agosto de 1943, “Portinari Íntimo”. S~o onze fotografias, com texto
de Franklin de Oliveira. O primeiro texto de David Nasser em O Cruzeiro, no entanto,
saiu em 1935, “Laurence da Ar|bia”, como enviado especial. “Uma Festa de Arte”
foi a primeira matéria dos dois como dupla, publicada em outubro de 1943. a
matéria era sobre um evento promovido pela esposa do ministro da Viação,
Mendonça Lima. Ganhando duas páginas e onze fotos (MARKLOUF,2001).
A segunda matéria foi publicada em 23 de outubro do mesmo ano, com o
nome de “O Destino de uma fazenda”, era uma propaganda da Escola de Pesca D.
Darcy Vargas, matia pelo governo na Ilha dos Breves, próximo a Angra dos Reis. Na
edição seguinte de 30 de outubro, Manzon aparece com três matérias. Uma assina
sozinho (sobre um programa musical da rádio Tupi-SP), a outra com texto de Big
Thomas (“Escola de Girls”), e a terceira com David Nasser, sobre os bastidores de
uma peça de teatro, Madame Butterfly, encenada no Teatro Municipal. Na edição
de 6 de novembro, assinam uma matéria comemorativa do aniversário de quinze
anos da revista, “Sete dias em O Cruzeiro” (MARKLOUF,2001).
“A primeira reportagem propriamente dita- é verdade que muito parecida com
outra que Manzon havia feito para a revista Vu- foi publicada em 27 de novembro: ' Os loucos
serão felizes?', uma visita de onze horas ao Hospital Nacional dos Alienados, na praia
Vermelha.”(MARKLOUF,2001.p.89)
Geralmente as matérias da dupla se iniciavam com “uma conversa com o
leitor, em tom pessoal” (MARKLOUF,2001.p.89), antes do texto e em letra maior.
“Os loucos ser~o felizes?” estabelece um novo padr~o gr|fico no mesmo estilo de
Life e Match. Apresentado:
“abertura de p|gina dupla; prioridade absoluta para a imagem, com foto sangrada
na página ímpar; titulação de impacto no tamanho e no conteúdo, geralmente
sensacionalista. Os chamados 'boxes'- textos de apoio a matéria principal- aparecem pela
primeira vez. Subtítulos e linhas finas completam as novidades.” (MARKLOUF,2001.p.90)
Essas inovações marcaram as fotorreportagens nas décadas seguintes, com
valorização da fotografia, temáticas variadas, e e apresentação gráfica diferenciada
com fotos de diferentes tamanhos. Nessa matéria é retratado a vida de doentes
mentais dentro do hospício, onde encontram “histórias pessoais dram|ticas”
(MARKLOUF,2001.p.81), e “as fotografias de Jean Manzon, que se esmerou mais do
que nunca nas imagens, eram tão impressionantes que poderiam ser comparadas
aos quadros de Goya, em sua imortal Série negra.”(NETTO,1998.p.114).
Mesmo com todas as inovações e propriedades desta matéria, a mesma
não consolida a dupla, o que só ocorreria em 1944, quando foi publicada a matéria
sobre a “morte” de Manzon ( na verdade uma mentira, que resultaria na matéria
“ficcionista” “A Vida dos Mortos”), desde então eles publicavam de duas a três
matérias por semana em O Cruzeiro (MARKLOUF,2001). O primeiro “furo” de
317
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
reportagem, e uma das mais contestadas matérias da dupla foi “Enfrentando os
Chavantes” (no original com “ch”), em que fotos de uma aldeia xavante
desconhecida do homem branco foram tiradas de dentro de um helicóptero. A
matéria teve repercussão internacional, tendo fotos publicadas em veículos
estrangeiros como a Life. Considerada até os dias atuais como um marco na
consolidação das grandes reportagens, “ocupando a capa e 18 p|ginas inteiras com
26 fotos da tribo” (MUNTREAL&GRANDI,2005.p.75), as dúvidas em relaç~o a
matéria consistem quanto a veracidade das fotografias, possíveis fotomontagens
da dupla.
Jean Manzon e David Nasser formaram uma dupla de grande fama, em O
Cruzeiro, fazendo parte do chamado “esquadr~o de ouro” da revista, “cuja filosofia
podia ser resumida na seguinte frase: a verdade fica mais verdadeira quando
exposta com uma razo|vel dose de fantasia.”(NETTO,1998.p.108).
Em O Império de Papel: Os Bastidores de O Cruzeiro (1998), Accioly Netto,
afirma que
Nasser e Manzon pareciam ter um estranho poder sobre os
personagens das histórias que contavam, “como se os hipnotizassem.”
(NETTO,1998.p.115). O autor também relata um episódio em que questiona o
fotógrafo sobre esse “poder” que exerciam sobre os personagens de suas matérias:
“Perguntei certa vez a Jean Manzon como ele conseguia fazer fotografias
tão incríveis. E ele respondeu:
- A objetiva da máquina tem um efeito hipnótico sobre as pessoas. Diante dela
geralmente elas fazem qualquer coisa que lhes é pedida. Nunca se lembram de que por trás da
lente existe um filme, que vai eternizar aquele instante, seja ele qual for.” (NETTO,1998.p.116)
Foi em O Cruzeiro, que os repórteres ganharam status de heróis,
alcançando condições de estrelas, “enobrecendo a classe e provocando uma
verdadeira revoluç~o no jornalismo nacional.”(NETTO,1998.p.106). E a partir da
atuação pioneira da revista, e do número crescente de novas publicações que
surgiam estabeleceu-se um mercado de trabalho em expansão para o fotógrafo de
imprensa.” (COSTA&SILVA, 2004).
Referências Bibliográficas
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imprensa brasileira. 2002. (Professora Titular da Universidade Federal
Fluminense/ Pós doutorado em Comunicação pelo CRNS/LAIOS). Disponível em:
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CARNEIRO, Glauco; Brasil, Primeiro: História dos Diários Associados. Brasília:
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318
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
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CARVALHO, Luis Maklouf; Cobras Criadas: Davis Nasser e O Cruzeiro. 2.ed. São
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MORAIS, Fernando; Chatô: o Rei do Brasil, a vida de Assis Chateuabriand. 3.ed. São
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MUNTREAL, Oswaldo & GRANDI, Larissa. A Imprensa na História do Brasil:
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2009
SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: Uma introdução á história, ás técnicas e á
linguagem da fotografia na imprensa. 2002. Disponível em:
<
http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo.pdf > Acesso em:
23 de out. 2009
319
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A TIPOGRAFIA E SEU IMPACTO NA MODERNIDADE135
Julio Cesar Lemes de CASTRO
Doutor em Comunicação e Semiótica, PUC-SP
1. Quebra de hierarquias e dissolução de certezas
Para o historiador francês Fernand Braudel, a modernidade inicia-se em
algum momento entre 1400 e 1800. Essa época corresponde grosso modo àquela
que vai de Gutenberg a Diderot, e que baliza a revolução gradual trazida pela
tipografia – uma espécie de "longa revolução", para usar a expressão de Raymond
Williams (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 32). Numa periodização tendo como base a
mídia, poderíamos dizer que a era da tipografia corresponde à primeira
modernidade, enquanto a da fotografia, do cinema, do rádio e da televisão
corresponde à segunda modernidade, e a do computador e da Internet
corresponde à terceira modernidade.
Na Idade Média predomina uma visão hierárquica do mundo, apoiada
essencialmente na distinção entre o alto e o baixo, o superior e o inferior. Isso está
claro, por exemplo, na obra de Dante, em que todo movimento ocorre na vertical,
sob a forma de ascensão ou queda. No Renascimento, mostra Bakhtin (1987), essa
visão rígida desintegra-se. O vertical é substituído pelo horizontal: o movimento já
não é ascendente ou descendente, mas para a frente, na linha do tempo, do devir
histórico. A associação de fenômenos aparentemente disparatados entre si, seja
sob a forma das similitudes características da magia, seja pela subsunção deles a leis
científicas mais gerais, serve para fraturar a hierarquia do cosmo medieval. Em
Rabelais, figura emblemática da cultura renascentista, permutam-se continuamente
as posições, segundo o procedimento da “hierarquia {s avessas”, tomada ao
folclore tradicional. O conceito de microcosmo, como categoria de pensamento,
garante a aplicação do jogo de semelhanças da escala menor para a maior e viceversa; como configuração geral da natureza, impõe um limite concreto a esse jogo,
indicando que “existe uma criatura privilegiada que reproduz, nas suas dimensões
restritas, a ordem imensa do céu, dos astros, das montanhas, dos rios e das
tempestades” (FOUCAULT, 1985, p. 47). Assim, o centro cósmico desloca-se para a
superfície terrena e para o corpo humano: o paralelismo entre o microcosmo do
corpo e o macrocosmo do universo permite que o sujeito perceba em si mesmo a
matéria do mundo e suas manifestações. No pensamento humanista do século XVI,
representado por nomes como Erasmo, Maquiavel, Bacon, La Boétie e Montaigne, o
homem torna-se a medida de todas as coisas.
Outra característica da visão de mundo pré-moderna é a recusa do acaso,
do acidental, do desconhecido, do inexplicado – aquilo que corresponde ao real de
Lacan, que resiste e escapa à simbolização. Eliade (1985) mostra que, nas
sociedades tradicionais, qualquer evento casual e inesperado desperta temor e é
135
Trabalho apresentado ao GT História da Mídia Impressa, I Congresso de História da Mídia do
Sudeste, dias 29 e 30 de abril de 2010.
320
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
imediatamente incorporado às construções míticas e religiosas sobre as quais elas
se apoiam. Na modernidade, a incerteza passa a ser cortejada diretamente, e seus
limites são empurrados e redefinidos continuamente. As grandes navegações e os
descobrimentos desmistificam a ideia de um mundo habitado em suas bordas por
seres monstruosos, tal como o haviam concebido Aristóteles, Estrabão e
pensadores medievais (SÁBATO, 1985, p. 30). Em Rabelais e no Renascimento em
geral, o medo do inferno e da morte é conjurado frontalmente pelo riso, pelo
carnavalesco, pela ideia de alternância e renovação (BAKHTIN, 1987, p. 346-347,357359,382) – ou seja, o aspecto cíclico da cultura popular é redimensionado nos
termos novéis de uma espiral histórica. Não por acaso, a primeira menção que Lacan
faz nos semin|rios { ideia de que “n~o h| Outro do Outro” – noutras palavras, de
que há no simbólico um vazio, um limite no qual ele faz fronteira com o
desconhecido, um vórtice no qual ele mergulha no real – comparece no curso de
uma discussão sobre Hamlet (LACAN, 1986, p. 41). Essa peça de Shakespeare foi
escrita em 1601, nos primórdios da modernidade, e é justamente nessa época que o
real granjeia um espaço institucionalizado na cultura humana.
A tipografia contribui de maneira decisiva para estilhaçar a hierarquização
medieval do conhecimento e, por tabela, do próprio mundo. Na Idade Média, os
códices (manuscritos em folhas de pergaminho encadernadas, que antecipam os
livros impressos em papel) são armazenados e copiados principalmente nos
monastérios. Predomina neles, evidentemente, a temática religiosa cristã. Com a
invenção da prensa de tipos móveis por Gutenberg, o controle sobre a reprodução
de livros migra para o mercado. Doravante, é a demanda que decide os títulos a ser
publicados e as próprias características físicas do material impresso. A difusão de
autores clássicos e contemporâneos, no bojo da cultura humanista, mina a
autoridade e desestabiliza o conhecimento. A rede inesgotável de semelhanças que
caracteriza o mundo para o homem renascentista ancora-se em última instância na
linguagem, sobretudo na linguagem escrita impressa: “Um tal entrelaçamento da
linguagem com as coisas, num espaço que lhes seria comum, supõe um privilégio
absoluto da escrita. Esse privilégio dominou todo o Renascimento e, sem dúvida, foi
um dos grandes acontecimentos da cultura ocidental” (FOUCAULT, 1985, p. 54). A
obra de Rabelais, por exemplo, apoia-se numa vasta cultura enciclopédica,
suplementada pela exuberância lexical e pela carnavalização dos números
(BAKHTIN, 1987, p. 400-410).
A diversidade de conteúdos impressos propicia a comparação e o
confronto de ideias, muitas vezes opostas e incompatíveis entre si, favorecendo a
dúvida e o ceticismo. Entre os 271 livros que se sabe que foram utilizados por
Montaigne, encontram-se não raro obras que sustentam pontos de vista contrários
sobre um mesmo assunto. Se o tema do Novo Mundo, por si só, já implica um
contraponto fascinante à experiência do mundo de um europeu, tal contraponto é
reduplicado por intermédio dos prismas distintos sob os quais ele aparece na
biblioteca de Montaigne: um espanhol e um antiespanhol escrevendo sobre a
Espanha colonialista, um católico e um protestante escrevendo sobre o Brasil
321
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
(BURKE, 2003, p. 171,179). O efeito de relativismo cultural que se obtém rastreando
as diferenças de opinião através das fronteiras nacionais manifesta-se em
Montaigne (1972, p. 272) quando ele indaga: "Que verdade será essa que é uma
aquém e outra além das montanhas?". Em Pascal (1912, p. 465), aparece
condensado na fórmula "verdade aquém dos Pirineus, erro além". No final do
século XVII e início do século XVIII, o adjetivo “crítico”, indicando uma visada
alternativa à doxa, passa a gozar de grande prestígio, figurando em títulos
publicados em vários campos (BURKE, 2003, p. 179).
A subversão de hierarquias culmina na Enciclopédia ou Dicionário lógico das
ciências, artes e ofícios, dirigida por Diderot e d’Alembert no século XVIII. Trata-se de
um ambicioso projeto de mapeamento do conhecimento humano – o termo
“encyclopédie”, esclarece Diderot, em sua origem grega remete ao círculo, e deve
ser tomado no sentido de “encadeamento das ciências” (apud DARNTON, 1988, p.
251). A Enciclopédia faz tábua rasa das distinções entre temas com foro maior ou
menor de nobreza, mesclando, ao capricho da ordem alfabética, abstratas questões
metafísicas e prosaicas descrições de ofícios. Ademais, associações transversais por
via de remissões engendram aproximações inusitadas: a nota ao pé do verbete
“antropofagia” sugere: “Ver eucaristia, comunh~o, altar etc.” A par da subvers~o
hierárquica, outra diferença em relação à postura pré-moderna é que o
desconhecido não é evitado, mas buscado continuamente para ser reintegrado, por
meio de dispositivos de domesticação mais eficientes ainda que os introduzidos no
Renascimento: “O que impressiona em toda a Enciclopédia (e singularmente em
suas imagens) é a circunstância de que ela nos propõe um mundo isento de medo”
(BARTHES, 1986, p. 31-32, destaque do autor). Isso vale não apenas para a natureza
mais selvagem, mas igualmente para o mundo artificial que resulta da técnica
humana: “O que mais impressiona na m|quina enciclopédica é a ausência de
mistério; não existe nela nenhum ponto oculto (mola ou cofre) que esconda
magicamente a energia como acontece com as nossas m|quinas modernas” (ibid.,
p., 29).
2. Dominância do saber impresso
Na medida em que o mundo impresso se expande, ele passa de certa forma
a recobrir o mundo concreto. Na aurora da ciência moderna, Galileu afirma:
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre
perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de
entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito
em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras
geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem
eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto (GALILEI, 1996, p. 46).
Essa metáfora do mundo como um livro a ser decifrado atravessa toda a
modernidade, inclusive em sua vertente romântica. Ela está presente por exemplo
em Goethe (1999, p. 234): “A natureza é, de fato, o único livro a oferecer um
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
grandioso conteúdo em todas as suas folhas”. Também aparece em Whitman (1982,
p. 643): “Em cada objeto, montanha, |rvore e estrela – em cada nascimento e vida, /
Como parte de cada – evolvida de cada – sentido, atrás da aparência, / Uma cifra
mística espera envelopada”.
A relação com a palavra impressa influencia também a relação com as
imagens fabricadas pelo homem. Como nota McLuhan (1977, p. 64-66), a
alfabetização é essencial para poder ver três dimensões num suporte bidimensional,
conforme o esquema da perspectiva renascentista. Diante de um texto escrito, os
olhos não se detêm nas letras uma a uma, mas abrangem grupos de letras em cada
movimento. Isso é ainda mais verdadeiro no caso do texto impresso, cuja leitura é
mais fluida que o dos manuscritos medievais, por conta da padronização e
simplificação dos tipos e da incorporação de alguns procedimentos introduzidos no
período final da Idade Média – espaços separando as palavras, sinais de pontuação,
uso diferenciado de maiúsculas (para nomes próprios e início de frases) e
minúsculas. Os olhos treinados na leitura ganham a habilidade de focalizar um
pouco à frente da imagem em perspectiva, de modo a poder captá-la por inteiro,
num único golpe de vista. E, como se sabe, o esquema da perspectiva renascentista,
além de ter dominado durante séculos a pintura ocidental, está introjetado ainda
nos dispositivos mecânicos da fotografia e do cinema.
Personagem paradigmático de uma época em que a relação do homem
com o mundo a sua volta é mediada cada vez mais pelas palavras impressas, o Dom
Quixote de Cervantes é t~o apegado { leitura que costuma “ler até os papéis
amarrotados das ruas” (CERVANTES, 2004, p. 85) – uma compulsão curiosamente
compartilhada mais tarde por James Joyce na vida real. O próprio corpo de Dom
Quixote, observa Foucault (1985, p. 61), é semelhante a um signo: “Longo grafismo
magro como uma letra, acaba de escapar diretamente da fresta dos livros. Seu ser
inteiro é só linguagem, texto, folhas impressas, história j| transcrita”.
Contemporâneo de Cervantes, Shakespeare também confere a Hamlet um certo
aspecto livresco. Mallarmé (1945, p. 1564) caracteriza o príncipe dinamarquês como
um “Signo alto e vivo”. Lacan, que considera Hamlet o herói moderno por
excelência (LACAN, 1986, p. 61), lembra (como Freud o fizera antes dele) que, “para
Goethe, Hamlet é a aç~o paralisada pelo pensamento” (ibid., p. 15). Uma forma
utilizada pela peça para caracterizar essa primazia do pensamento em Hamlet é
justamente mostrá-lo lendo. E, quando perguntado por Polônio sobre o que lia, ele
responde simplesmente: “Palavras, palavras, palavras” (SHAKESPEARE, 1995, p.
558). Essa frase ilustra a saturação do mundo moderno pelo texto impresso e a
autonomia que este adquire – como mostra Foucault, no século XVII as palavras já
não remetem diretamente ao mundo, mas a outras palavras.
Em A náusea, de Sartre (1954, p. 86), o protagonista e narrador Antoine
Roquentin afirma que "tudo que eu sei de minha vida, parece-me que aprendi nos
livros". E o depoimento de Sartre em suas memórias mostra bem o papel de filtro
entre o homem e o mundo exercido pelos livros. Confrontando a fauna e a flora que
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
conheceu através das páginas da Enciclopédia Larousse com as da realidade, ele
afirma que
fora dos muros eram encontrados vagos esboços que se aproximavam mais ou
menos dos arquétipos sem atingir a sua perfeiç~o: no Jardin d’Acclimatation, os macacos
eram menos macacos; no Jardin du Luxembourg, os homens eram menos homens. Platônico
por condição, eu ia do saber ao seu objeto; achava na ideia mais realidade que na coisa. Foi
nos livros que encontrei o universo: assimilado, classificado, rotulado, pensado e ainda
temível; confundi a desordem de minhas experiências livrescas com o curso aventuroso dos
acontecimentos reais (SARTRE, 1984, p. 38).
Isso lembra uma anedota contada por Adorno (1982, p. 100), sobre um
ordenança que, enviado ao jardim zoológico para resolver um assunto, ao regressar
diz: “Meu tenente, animais como aqueles n~o existem”. O que aparece aqui,
associado ao material impresso, é um efeito de simulacro, que antecipa de certa
forma aquele hoje associado comumente às imagens eletrônicas.
A tipografia facilita a padronização do conhecimento, possibilitando que os
mesmos textos e as mesmas imagens sejam examinados por leitores em lugares
completamente diferentes. Ela favorece igualmente a interação entre diferentes
áreas do conhecimento. Além do mais, a preservação do conhecimento através do
texto impresso é muito mais eficiente que qualquer outro método utilizado
anteriormente, possibilitando a acumulação de conhecimento numa escala até
então inédita. Um exemplo de todos esses efeitos é o surgimento das obras de
referência – dicionários, enciclopédias, atlas, bibliografias e outras formas de
fornecer orientação em meio ao oceano de informações – e sua rápida proliferação,
particularmente nos séculos XVII e XVIII (BURKE, 2003, p. 153-156). A complexidade
crescente do conhecimento compilado nessas obras, por sua vez, leva à adoção
progressiva da organização por ordem alfabética, em lugar da tradicional
organização por árvores temáticas (ibid., p. 165-167). Para Briggs e Burke (2004, p.
43), pode-se dizer que, a partir do século XVIII, se não antes, a disseminação dos
registros escritos e a grande dependência do processamento da informação
prefiguram a chamada "sociedade da informação" do final do século XX.
3. Tipografia e noção de progresso
Outro aspecto da tipografia que tem um impacto decisivo na modernidade
é sua contribuição para a mudança da relação humana com o tempo. Para Goody
(apud BRIGGS; BURKE, 2004, p. 24), a cultura oral é caracterizada por uma "amnésia
estrutural", ou seja, o esquecimento puro e simples do passado ou a lembrança dele
sob uma forma que é igual ao presente, ao passo que a permanência dos registros
escritos impede esse esquecimento e incita a uma consciência da diferença entre
presente e passado. Na mesma linha, Descola (2006, p. 95) chama a atenção para o
sentido precário do tempo numa sociedade sem escrita:
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Esses povos da solidão, como Chateaubriand os chamava, têm uma existência social
limitada a um número mínimo de acontecimentos que se dão em um círculo estreito de
relações; o passado raramente remonta além das lembranças de infância e se abole
rapidamente no universo, bem próximo, da mitologia. Poucos Achuar sabem o nome dos seus
bisavós e a memória da tribo, que se estende no máximo a quatro gerações, soçobra
periodicamente na confusão e no esquecimento. As inimizades e alianças que os homens
herdam de seus pais obliteram as configurações mais antigas, estabelecidas pelos pais dos
seus pais, já que nenhum memorialista se detém para celebrar os altos feitos realizados,
algumas décadas atrás, por aqueles cujo nome já não representa mais nada para ninguém.
Ora, embora a escrita seja uma invenção antiga, é apenas com a tipografia
que a cultura humana deixa de ser predominantemente oral. Isso ajuda a entender
porque as sociedades modernas, diferentemente das sociedades tradicionais, se
estruturam em torno da noção de progresso.
4. Tipografia e individualismo moderno
A tipografia está relacionada ainda ao desenvolvimento do individualismo
moderno. Se antes da modernidade as obras literárias costumavam ser feitas sob
encomenda, a partir dos séculos XVI e XVII, com o desenvolvimento do mercado
livreiro, os escritores passam a produzir primeiro para depois comercializar suas
criações (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 46). A dinâmica mercantil impulsiona a noção de
autoria individual, utilizada como chamariz para as vendas e promovida
adicionalmente por recursos como a inclusão de um retrato do autor no frontispício
da obra (ibid., p. 64). Por outro lado, uma mudança importante é operada nos
hábitos de leitura. Entre os antigos e medievos, era regra soletrar o texto em voz
alta. Escrevendo no século II, Luciano de Samósata conta que certa vez o cínico
Demétrio, abespinhado com um homem que lia As bacantes, de Eurípides, arrancoulhe a obra e fê-la em pedaços, exclamando: “Mais vale para Penteu ser de uma vez
por todas rasgado por minhas m~os do que mil por sua boca!” (SAMOSATE, 1912, p.
279). Dois séculos depois, Agostinho, nas Confissões, mostra-se impressionado pelo
costume, então raro, de Ambrósio, que não fazia qualquer ruído ao ler:
Quando lia, os olhos divagavam pelas páginas e o coração penetrava-lhes o sentido,
enquanto a voz e a língua descansavam. Nas muitas vezes em que me achei presente – porque
a ninguém era proibida a entrada, nem havia o costume de lhe anunciarem quem vinha –,
sempre o via ler em silêncio e nunca doutro modo (AGOSTINHO, 1973, p. 111).
A pausa e a entonação acrescentadas pela fala ajudavam a conferir sentido
aos textos. Por conta da leitura de viva voz, os monastérios medievais, nos quais a
maioria das atividades era comunitária, reservavam cubículos especiais para a
leitura, de forma que cada um não atrapalhasse os demais. Mas em certos
contextos era comum também a leitura em grupo, em função por exemplo da
dificuldade de acesso aos manuscritos e do analfabetismo. Em contrapartida, a
facilidade maior de leitura trazida pela tipografia, por razões aduzidas
anteriormente, e mesmo a evolução do formato dos livros, que se tornam menores,
mais portáteis, estimulam a leitura privada, usualmente associada ao crescimento
325
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
do individualismo. Adicionalmente, a multiplicação dos livros e a alfabetização
crescente da população fazem declinar a leitura coletiva. Entre o autor
individualizado e o leitor privado é estabelecida uma cumplicidade: o primeiro
dirige-se sem rodeios ao segundo, como se estivessem num diálogo. No Discurso do
método, Descartes (1973, 39) argumenta que "a leitura de todos os bons livros é
qual uma conversação com as pessoas mais qualificadas dos séculos passados, que
foram seus autores, e até uma conversação premeditada, na qual eles nos revelam
tão-somente os melhores de seus pensamentos". Em A vida e as opiniões de Tristram
Shandy, cavalheiro, Laurence Sterne (1985, p. 127), que influencia mais tarde
Machado de Assis, declara que "a escrita (...) é apenas um nome diferente para a
conversa".
5. Tipografia e ascensão do capitalismo
No plano econômico, a tipografia é desde o início um empreendimento
tipicamente capitalista: “Os livros tornaram-se artigos massificados, cada exemplar
era um mercadoria, um artigo comercial, uma unidade intercambiável de riqueza
econômica como qualquer outro produto b|sico de consumo” (FISCHER, 2006, p.
200). Em relação aos processos produtivos, no início da modernidade muitos
saberes práticos começam a ser descritos em livros (BURKE, 2003, p. 22-24), o que
contribui para a quebra dos segredos técnicos antes monopolizados pelas guildas
de artesãos (ibid., p. 80) – e portanto para a crise do regime das corporações
medievais. Mas é no âmbito do consumo que a influência da tipografia é mais nítida,
com o surgimento por exemplo dos guias de cidades, do cartaz, de publicações tipo
páginas amarelas (ibid., p. 70-72), dos anúncios em jornais (BRIGGS; BURKE, 2004, p.
64; BURKE, 2003, p. 146). Campbell (1989, p. 69-95) mostra que o hedonismo
moderno difere do hedonismo tradicional antes de mais nada porque nele a emoção
se torna mais importante que a sensação. A emoção une imagens mentais aos
estímulos físicos, ensejando o controle do prazer. Mas para tanto é necessária uma
mudança na própria natureza da emoção. Na Idade Média, a emoção estava nas
coisas, não nas pessoas – no sentido de que ainda hoje se fala por exemplo em
ocasiões alegres ou tristes. Na era moderna, a sede da emoção desloca-se do
mundo externo para o indivíduo. A emoção torna-se controlável pelo indivíduo,
ajustável em intensidade, dissociada de comportamentos involuntários. A
alfabetização e o individualismo moderno permitem a manipulação simbólica das
emoções. O desencantamento do mundo que marca o início da modernidade é
acompanhado pelo encantamento do indivíduo; a imaginação – que implica um
certo distanciamento da realidade, um componente de ilusão – amplia o alcance da
emoção. Diferentemente do hedonista tradicional, que desejava algo que ele já
conhecia, o desejo do hedonista moderno está acoplado ao sonhar acordado, que
por si só é uma fonte de prazer. Quando o desejo é consumado, o prazer é perdido:
como diz Proust (1979, p. 179), "o desejo faz todas as coisas florescerem, a posse as
faz murchar". A insatisfação resultante engendra então um novo desejo, e assim
sucessivamente. Isso propele a mudança contínua de gostos e de padrões estéticos.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Em última instância, portanto, cabe à administração da imaginação o papel
fundamental no mundo do consumo. Os romances, que atingem principalmente o
público feminino (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 70-72; MANGUEL, 1997, p. 258),
desempenham um papel importante na revolução do consumo do século XVIII,
tanto em termos mais gerais, promovendo o mundo da fantasia, como em termos
mais específicos, permitindo aos leitores o gozo imaginário de certos bens e
estimulando sua aquisição (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 64).
6. Tipografia e Reforma Protestante
No plano religioso, a tipografia concorre de forma decisiva para a Reforma
Protestante, que mina o poder centralizado da Igreja Católica. Em O Corcunda de
Notre-Dame, de Victor Hugo, cuja ação se passa no século XV, o arcediago, soturno,
observa, apontando para um incunábulo e em seguida para a catedral:
“Infelizmente, isto matar| aquilo” (HUGO, 1985, p. 159). O narrador ent~o intervém
para, num estilo grandiloquente, explicitar sua fala:
Era primeiro um pensamento de padre. Era o receio do sacerdócio em frente dum
agente novo, a imprensa. Era o espanto e o deslumbramento do homem do santuário em
frente do prelo luminoso de Gutenberg. Era o púlpito e o manuscrito, a palavra falada e a
palavra escrita, assustando-se com a palavra impressa; alguma coisa semelhante ao pasmo
dum pardal que visse o anjo Legião abrir os seus seis milhões de asas. Era o grito do profeta
que ouve já sussurrar e formigar a humanidade emancipada, que vê no futuro a inteligência
minar a fé, a opinião destronar a crença, o mundo sacudir Roma. Prognóstico do filósofo que
vê o pensamento humano, volatizado pela imprensa, evaporar-se do recipiente teocrático.
Terror do soldado que examina o aríete de bronze e diz: – A torre há de cair. Isso significava
que uma potência ia suceder a uma outra potência. Isso queria dizer: – A imprensa matará a
igreja (ibid., p. 160).
Mais adiante, ele argumenta: “Antes da imprensa, a reforma era apenas um
cisma, a imprensa tornou-a revolução. Retirem a imprensa, a heresia enerva-se. Seja
fatal ou providencial, Gutenberg é o precursor de Lutero” (ibid., p. 168). De fato,
enquanto as heresias medievais tinham permanecido localizadas e foram
esmagadas, os reformadores valem-se com êxito do meio impresso para propagar
suas ideias. As 95 teses de Lutero contra o tráfico de indulgências, cuja publicação é
o estopim da Reforma, em 1517, são traduzidas para o alemão, condensadas e
impressas na forma de cartazes, e em quinze dias se difundem por toda a
Alemanha. Em sua prática, o protestantismo preocupa-se em tornar público o
conhecimento, formando um clero culto para pregar o Evangelho e promovendo a
leitura individual da Bíblia. Para essa última tarefa, Lutero contribui diretamente ao
traduzir a Bíblia para o alemão. Sua tradução não é pioneira, mas destaca-se pela
excelência, sendo considerada por ninguém menos que Nietzsche (1996, p. 157), um
crítico sem dúvida qualificado (em sua condição de filólogo e de grande escritor ele
próprio) e insuspeito (em sua condição de adversário do cristianismo), como “a
obra-prima da prosa alem~”. Ademais, a Bíblia de Lutero é um sucesso comercial.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Estima-se que mais de um terço dos livros em alemão vendidos entre 1518 e
1525 são de Lutero (FEBVRE; MARTIN, 1971, p. 406), que enriquece seus
impressores. O uso de idiomas vernáculos, numa época em que o catolicismo ainda
se aferra ao latim, confere uma vantagem decisiva aos reformadores. E os debates
gerados pela Reforma e alimentados através de materiais impressos dão uma
contribuição importante para a emergência do pensamento crítico e da opinião
pública; nos séculos XVI e XVII h| uma verdadeira “crise intelectual da Reforma”
(BURKE, 2003, p. 177,181). Nada ilustra com maior propriedade a atitude defensiva
do Vaticano em relação à tipografia do que a instituição, em 1559, do Index Librorum
Prohibitorum, publicado até 1966.
6. Tipografia e democracias nacionais
No plano político, a tipografia contribui para a construção das nações
modernas, que funcionam como “comunidades imaginadas” (ANDERSON, 1991), em
que um povo num determinado território compartilha uma língua e uma cultura
comuns, veiculadas por materiais impressos. Paralelamente, a tipografia colabora
para a ascensão do modelo da moderna democracia burguesa, que substitui o
absolutismo. Antes da tomada do poder político, a burguesia elabora, fortalece e
difunde sua ideologia através dos livros e jornais. Tendo surgido na Alemanha, é na
Holanda que os jornais primeiro se tornam populares, no século XVII (BRIGGS;
BURKE, 2004, p. 95). Sua influência é fundamental para a consolidação da chamada
esfera pública (conceito introduzido por Habermas), como ocorre por exemplo na
Inglaterra do século XVII (ibid., p. 102). A esfera pública vive seu apogeu no século
XVIII, quando o público reunido nos cafés se envolve em acaloradas discussões
alimentadas pelo noticiário dos jornais (BURKE, 2003, p. 50-51). Um dado que ilustra
o alcance político da tipografia é o fato de que “as grandes revoluções parecem ter
eclodido, tanto na Inglaterra do século XVII como na França no fim do século XVIII e
na Rússia do início do século XX, no momento em que o índice de alfabetização de
cada povo atingiu ou ultrapassou os 50%” (MARTIN, 1988, p. 369). Na fórmula de
Lenin, “n~o existe política para quem n~o sabe ler” (apud FISCHER, 2006, p. 271).
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O DESIGN GRÁFICO BRASILEIRO REVELADO NO CRIVO DO TEMPO
Isabel Orestes SILVEIRA
Mestre em Artes Visuais (Unesp-SP) – Doutoranda em Comunicação e Semiótica (PUC/SP)
Prof. da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Fapcom (Faculdade Paulus de Tecnologia e
Comunicação)
Antonio ANDRADE
Universidade Metodista de São Paulo
Introdução
Entendemos que nossa contribuição presta-se a uma exposição mais livre e
menos comprometida com a seqüência rígida da história do design gráfico
brasileiro, pois não nos será possível neste artigo, que nasce a partir de uma
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
reflexão mais ampla sobre o design gráfico, por ocasião do doutoramento, analisar
as fases que vão da imprensa artesanal à imprensa industrial. Esta última é
relativamente recente, mas ao mesmo tempo para nós torna-se tarefa extensa
detalhar períodos que datam deste o Império a República até a fase atual. A arte
gráfica apresentou através do tempo, diferentes estágios que vão desde a
circulação do jornal, almanaque, panfletos, revistas, cartazes, etc. utilizando
diferentes técnicas como a impressão em litografia, em xilogravura até as máquinas
e prensas que inicialmente eram de madeira e foram ganhando status de rotativas.
Posteriormente com o avanço tecnológico, outras tantas, foram elaboradas para
duplicação digital feitas especialmente para grandes tiragens. Por isso, dificilmente
todos esses temas caberiam numa síntese como essa que propomos. Nossa
intenção se limita, a evidenciar, alguns projetos gráficos nacionais que
consideramos pertinentes para nossa abordagem os quais cortejam com o nosso
campo de interesse.
1.1 Diferentes olhares para o passado
Mesmo antes de haver essa nomenclatura: “design gr|fico”, nas
publicações impressas brasileiras, já havia textos, imagem, técnicas variadas de
ilustrações além de diversas tipografias. Ao voltarmos nossos olhos para as
diretrizes conceituais de alguns projetos, buscamos com isso engendrar novas
maneiras de compreender as continuidades, as descontinuidades e as permanências
do universo gráfico do passado que foi representado nas técnicas empregadas, nas
mensagens vinculadas, e nos diversos elementos da sintaxe visual, e que de alguma
forma permanecem no tempo e enriquecem as práticas atuais, quer por adição,
subtração ou pela sobreposição de vários componentes que estruturam o
repertório gráfico de muitos designers.
“H| atualmente a compreens~o de que o Design Gr|fico n~o é efêmero
como o papel em que é impresso”. HELLER (2007, p.9) continua: “certos anúncios,
pôsteres, embalagens, logotipos, livros e revistas perduram como marcos de
conquistas artísticas, comerciais e tecnológicas e expressam mais sobre
determinadas épocas e ambientes que as belas-artes”. Embora esse argumento
possa parecer tendencioso, revela que as compilações do material do design gráfico
podem ser úteis e propícias a investigação de contextos históricos, da cultura
popular, da publicidade e de outras mídias.
Para que possamos sustentar nossa intenç~o de “revelar” o design gr|fico
no tempo, teríamos que voltar como já mencionamos, para os tempos idos do
período da nossa história cujo contexto envolve a época do Império. Isso deslocaria
nosso foco de interesse, pois essa pesquisa não pretende tratar o design gráfico
engessado dentro de uma linha de tempo histórica. Todavia faremos uso da
organização cronológica, de acordo com o papel que nosso objeto desempenhou
no cenário cultural e comercial brasileiro, mas apenas para efeito metodológico,
pois obviamente ao trazermos à luz determinado objeto estaremos deixando
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
muitos outros na sombra. Então, nossa investigação é uma visada que procura ler
pela borda, os textos culturais marcados pelo impresso, os quais ganham uma
mobilidade intensa de estatuto quando conferimos a eles um determinado
destaque e valor.
Para os interessados em uma análise mais profunda sobre o assunto,
recomendamos a leitura de alguns teóricos que se dedicaram a análise da história
dos impressos nacionais. Destacamos SCALZO (2008, p. 27) que transita pela
história e pela evolução das publicações brasileiras nos fazendo conhecer as revistas
pioneiras como as de 1812, em Salvador (Bahia), cujo título era ‘Variedades ou
Ensaios de Literatura’. Segundo a autora, a segunda publicação data 1812, e surge
no Rio de Janeiro intitulado como ‘Patriota’. O foco de sua abordagem é a tem|tica
do jornalismo e as características do bom jornalista de revista, mas as questões
éticas e os aspectos econômicos do mercado de revistas são também
cuidadosamente tratados. Outra teórica que citamos é MARTINS (2001, p. 17) que
estudou as revistas ilustradas brasileiras do final do século XIX e as primeiras da
década seguinte. A autora destaca o fato de haver delimitado o campo de
invetigação do impresso brasileiro para os anos de 1890 a 1922, no contexto
específico da cidade de S~o Paulo e reconheceu que “esse recorte se apresentou
viável em face do potencial informativo sugerido pelo corpus documental, ainda
carente de reflexões por parte da historiografia brasileira”. A historiadora relata os
hábitos criados pela cultura do impresso e o papel social dos periódicos que
cobriam diversas áreas, desde revistas femininas, científicas, pedagógicas,
esportivas, religiosas, infantis dentre outras.
Vale observar que outra leitura valiosa e que nos parece interessante é a de
DENIS (2005) que de igual modo pesquisa o design gráfico destacando a
importância histórica de impressos comerciais e efêmeros, aprofundando-se sobre a
cultura material que diz respeito aos artefatos de origem industrial e ao seu
contexto de produção e uso. MELO (2006ª.) foi outra referência básica em nossas
pesquisas e sua importância se deve ao fato de ter ele, delimitado seus estudos
especificamente na década de 60.
MELO (2006b.) revisita a trajetória da capa do livro brasileiro partindo da
tradição pictórica dos anos 30 e 40, quando as capas eram na maioria das vezes
projetadas e realizadas por artistas plásticos conhecidos, como Di Cavalcanti, por
exemplo. Em sua pesquisa, destaca o design da década de 60 e sustenta em
entrevista ao jornal on line “Di|rio do Nordeste” datado em 24/9/2006, que: “os
anos 60 foram o marco inaugural da cena contemporânea. A cena que vivemos hoje
é, fundamentalmente, um reflexo do que aconteceu naquela década”.
NIEMEYER (2000/2002) como pesquisadora, professora e designer,
descreve detalhadamente o processo de institucionalização do design brasileiro,
desde as primeiras iniciativas de criação de cursos como o IAC ( Instituto de Arte
Contemporânea em São Paulo - 1951), a implantação da ESDI (Escola de Desenho
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Industrial - 1962), e faz críticas ao modelo de ensino de design adotado no país. A
autora traz ainda, uma visão histórica da institucionalização do design na Europa
(Art Noveau, Arts and Crafts etc), dos modelos de ensino alemães (Bauhaus, Ulm) e
torna-se uma leitura obrigatória para os interessados em aprofundar seus
conhecimentos acerca do design.
Esse extenso material teórico com ‘diferentes olhares para o passado da
nossa história’, serviu para o nosso estudo como fonte de busca e nos possibilitou
constituir uma reflexão, que julgamos ter satisfeito nossa pretenção primeira:
encontrar novas articulações e fundamentações teóricas que sustentasse nosso
embasamento acerca do processo comunicativo dos veículos gráficos. Os
destaques que propomos a seguir, engloba o design gráfico como comunicação
popular, como mídia que informa, como ferramenta de marketing e principalmente
como marco sinalizador de determinados panoramas culturais. A meta é fornecer
uma base viável para a compreesão ampla do design gráfico brasileiro, no
compartilhamento do legado de alguns projetos que marcaram a nossa história.
No exemplo que segue, apresentaremos um designer que trabalhou dentre
tantas funções como ilustrador e tipógrafo em diferentes revistas e no rememorar
de sua trajetória como profissional poderemos perceber que muitas das
configurações sociais e culturais de determinadas épocas podem ser depreendidas a
partir das revistas. Portanto, nessa mídia impressa, poderemos perceber ainda que
superficialmente a sedimentação de costumes, de hábitos, e de algumas
permanências que se dão ao longo do tempo.
1.2 – Movimento criativo: repetições que se sucedem no tempo
O quadro da nossa vida cotidiana é invadido em larga medida pelas mídias
em geral, e dentre as mídias gráficas tomamos as revistas como objeto de amostra
de comunicação de massa, como elemento da cultura, como tendência ao consumo
e circulação no meio social. Precisamente, a revista ultrapassa a função de
portadora de informação para exceder em múltiplas maneiras essa restrição da sua
materialidade, pois entendemos que também ela é mensagem tanto do ponto de
vista do seu criador, como do individuo particular que a dota de valor simbólico.
Invocamos, portanto, a força magistral da frase de MCLUHAN (2005 p.284)
“o Meio é a Mensagem. O autor reforça a idéia de que o ‘meio’ é constituído pelos
efeitos e não deve ser pensado como simples canal de passagem do conteúdo
comunicativo, ou como um mero veículo de transmissão da mensagem; ao
contrário, o meio é um elemento determinante da comunicação. Para McLuhan, o
meio pelo qual a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma
comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. De igual modo,
o objeto revista portador de forma é também mensagem em sua exterioridade, no
que se refere à possibilidade de lidar com signos, cuja potencialidade possibilita ao
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
produtor, ao design gráfico e ao usuário, internalizar (pensamento) e externalizar
(linguagens).
Em outro modo de dizer DONIS (2000, p.132) afirma que o resultado de
toda experiência visual caminha na interaç~o entre “[...] as forças do conteúdo
(mensagem e significado) e da forma (design, meio e ordenação); em segundo
lugar, o efeito recíproco do articulador (design, artista ou artesão) e do receptor
(público). Em ambos os casos, um não pode se separar do outro. A forma é afetada
pelo conteúdo; o conteúdo é afetado pela forma [...]”.
No que segue, basearemos nossas observações no que introduz a idéia que
sobrepuja a significação funcional imediata do objeto revista, que sabemos ser
limitada no espaço e no tempo, mas que se transforma em percepção cultural e por
isso mesmo investida de valor estético e simbólico (no sentido genérico dos
termos). Geralmente as revistas se relacionam com o estatuto do tempo, por seu
ciclo de longevidade variável, seu desgaste e renovação. Mas o que nos parece ser o
mais importante em nossa discussão será destacar a experiência do sensível que
adveio da experiência do design, ou seja, do projeto gráfico das revistas como
índice de futuras realidades inovadoras que dão a outros, possibilidades de criação,
muitas vezes imprevisível.
Destacamos a revista Careta (1908 a 1960) que apresenta excelente padrão
gráfico e editorial. Foi fundado por Jorge Schimidt e embora, seu conteúdo
apresentasse um tom de humor, trazia cobertura fotográfica dos costumes sociais e
dos acontecimentos políticos do Rio de Janeiro. Sua primeira edição data de seis de
junho de 1908 e aparece, na capa, uma caricatura do então presidente Afonso Pena,
no traço inconfundível de José Carlos de Brito e Cunha (1884-1950, nascido em
Botafogo, Rio de Janeiro). Os trabalhos de J. Carlos se destacaram nas melhores
revistas de sua época: O Malho, Fon Fon, Careta, A Cigarra, Vida Moderna, Eu Sei
Tudo, Revista da Semana e O Cruzeiro; em especial pelos personagens que criou
como a Melindrosa, Lamparina e Juquinha (estes dois últimos para a revista infantilO Tico Tico).
Figura 1: Primeira edição da Revista Careta com a ilustração de J. Carlos.Fonte:
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jamesemanuel.blogspot.com/2007_10_01_archive.html Acesso:18/11/09
Na área gráfica, o designer (caricaturista e ilustrador), J. Carlos alimentouse de uma sensibilidade estética através de sua capacidade de absorver a cultura
brasileira e incorporá-la em seu trabalho. Com uma liberdade que lhe era própria,
retratou a vida carioca, e pelo desenho apresentou características da política, do
carnaval, das praias, da rua, da moda, dos hábitos, dos costumes cotidianos das
mulheres, dos homens e das crianças anônimas.
Figura 2- Cenas cariocas: O samba, Um almofadinhas em um café, e as Melindrosas. Coleção Eduardo Augusto
de Brito e Cunha (filho de J. Carlos) ilustrações da década de 1940. Disponivel em:
http://www.evandrocarneiroleiloes.com/109485?artistId=88158/ acesso 09/09/2009
[...] J. Carlos recusou o convite de Walt Disney para trabalhar com ele em
Hollywood. Disney veio ao Brasil em 1941, para lançar o seu filme Fantasia”
(LUSTOSA, 2006, p. 161). Esse episódio interessante relatado pela autora destaca
que a Associação Brasileira de Imprensa homenageou Disney com uma exposição
que reunia os desenhos dos melhores caricaturistas brasileiros. Dentre tantos
trabalhos, os desenhos de J. Carlos chamou mais a atenção de Disney
principalmente nas folhas onde estavam os papagaios com colarinho, gravata,
charuto e que se apoiava em uma bengala.
No almoço que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil promoveu reunindo
os caricaturistas brasileiros e a equipe da Disney, este fez questão de sentar-se ao lado de J.
Carlos. Naquela ocasião, ele convidou J. Carlos a integrar-se à sua equipe nos EUA. J. Carlos
não aceitou. Depois mandou a Walt Disney o desenho de um papagaio vestido com o
uniforme da Força Expedicionária Brasileira, abraçando o Pato Donald vestido de marine.
Dessa visita resultaram dois filmes: Alô, amigos e Você já foi à Bahia? – e uma enorme
divulgação para o Brasil no exterior. (LUSTOSA, 2006, p.162)
Para o filme: “Alô, amigos”, Disney criou um novo personagem – o Zé
Carioca (um papagaio que possuía características semelhantes ao de J. Carlos), que
nasceu da tradução do desenho de J. Carlos, pois, após sua visita ao Brasil.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 3: Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney. Disponível em:
http://themesopotown.blogspot.com/2007/09/jota-carlos-careta-mas-bem-atual.html/ acesso:
10/09/2009
A produção cultural de J. Carlos permanece no tempo e fazendo história
em novos projetos de criação até os dias de hoje. Como exemplo disso, citamos os
projetos da estilista Jaqueline de Biase, do carnavalesco Fábio Ricardo e do designer
Tony de Marco, os quais valorizaram o Design Gráfico de J. Carlos, quando
traduziram as ilustrações dele, em suas produções de moda, de enredo para a
Escola de samba e na área tipográfica. Desse modo ambos reavivam o morto em
nossa memória com uma habilíssima evocação do ausente ao ponto de torná-lo
novamente atual na medida em que se apropriam de suas obras não com a intenção
de se apossar delas e repetir a experiência temporal passada, mas ao tomá-las por
empréstimo num outro tempo e contexto, as utilizam e a digerem para então de
forma paradoxal revivificá-lo.
Jaqueline de Biase apresentou uma coleção de maiôs, duas peças e biquínis
na passarela do verão Fashion Rio em 2008. Percebemos que ao vestir e adornar o
sujeito, Biase buscou através das linhas e dos contrastes das formas, privilegiarem a
experiência e a prática feminina de valorizar o corpo ao vestir-se para expor-se ao
sol e ser notada. Para as estampas das peças, retornou aos documentos passados e
traduziu em moda as imagens de J. Carlos as quais revelavam os costumes de um
tempo dado. Desta forma reconcilia-se o presente com o passado que é visitado
pela mudança e pela proposta do novo projeto que garante a memória e a duração
no tempo, das imagens de J. Carlos.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 4: Desfile Fashion Rio em 2008. Moda Praia da Salinas da estilista Jaqueline de
Biase. Disponível em http://elle.abril.com.br/desfiles/salinas/desfiles_305914.shtml#6/ Acesso
10/09/09
Nessa tendência, o carnavalesco Fábio Ricardo no ano de 2009, criou o
enredo “Tem Francesinha no Sal~o... O Rio no meu Coraç~o", para a escola:
Acadêmicos da Rocinha (Rio de Janeiro). Sabemos que o Carnaval brasileiro tornouse conhecido praticamente em todo o mundo por causa dos desfiles das escolas de
samba e em especial as do Rio de Janeiro cujo espetáculo se transforma em show
promovido pelos carros alegóricos, pela bateria, pelo casal de mestre-sala e portabandeira, além dos passistas que ao som do ritmo proporcionam grandiosidade ao
samba-enredo.
Figura 5: Sambódromo do Rio de Janeiro – Carnaval (criação de Fábio Ricardo, baseada na vida e
obra de J. Carlos) 2009. Disponível em:
http://fototeca.rio.rj.gov.br/pub/fototeca.cfm?sq_fototeca=39&startrow=445/ Acesso 21/09/2009
A criação do desfile de Fábio Ricardo baseou-se na vida e nas obras de J.
Carlos e destacaram-se as dançarinas de CanCan, o mestre-sala e porta-bandeira que
desfilaram com a fantasia "Sonho em Art Nouveau" (representavam o sonho de
transformar a capital federal numa Paris tropical). Nesse evento as alegorias que se
destacaram foram: "Rio: Cidade Luz" (representou a Belle Èpoque), a "Alma Carioca"
(simbolizando as moças cariocas), e a "Batalha de Confete" (que destacava as
Guerras Mundiais, tão criticadas por J. Carlos).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Não podemos deixar de fazer menção ao trabalho que vem desenvolvendo
na área do design, o ilustrador Tony de Marco. Este iniciou sua vida profissional no
jornal Folha de São Paulo e mais tarde fundou a Bookmakers (editora com a qual
lançou a revista Macmania, especializada no universo Apple). Juntamente com ele
em 2001, o tipógrafo e editor Claudio Rocha, criaram a revista Tupigrafia (publicação
que aborda as diversas formas de manifestações da tipografia esteja ela presente
na pintura, fotografia, cinema, história e no próprio design gráfico). Mas o que nos
interessa aqui é o fato de Tony de Marco haver criado a fonte ‘Samba’ “inspirada
nas letras Art Deco do ilustrador J. Carlos”.
Figura 6: Revista “Para todos”. Tipografia e ilustraç~o de J. Carlos
http://www.jotacarlos.org/. acesso 16/10/2010
“Tony criou a fonte para uma matéria sobre J. Carlos que seria publicada na
revista Tupigrafia”. O designer explica o nome da fonte criada e a mudança do
nome por conta de sua participação em um concurso internacional de fontes
tipogr|ficas e argumenta: “quando eu criei a fonte, para um artigo da Tupigrafia
sobre o trabalho tipográfico de J. Carlos, a fonte foi chamada de Melindrosa, numa
clara homenagem ao genial ilustrador” Tony continua:
Ao decidir participar do concurso, três motivos me levaram a repensar o nome. O
primeiro é a provavel pronúncia difícil, em inglês, seria algo como "Melindrossa". Argh! E o
mercado de venda de fontes é majoritariamente norte-americano, não considerar este fato
pode ser um suicídio comercial. O segundo é que a versão Expert, que caracteriza a família, não
tem referência direta no trabalho de J. Carlos. A influência veio da pesquisa de ferragens
residenciais de estilo europeu, encontradas em abundância também no Brasil. O terceiro
motivo é que já havia uma fonte dingbat horrível, com dançarinos de salsa, maracas e outros
ícones caribenhos chamada “Samba”!!! Decidi que era hora de uma fonte feita por brasileiros
inspirada em um ilustre brasileiro, que, alias, escreveu alguns sambas, receber a honra de se
chamar “Samba”. (MARCO, Tony, de. 2010)
O designer destaca que este trabalho marcou sua carreira, pois em 2003, foi
reconhecido e premiado no Linotype International Type Design Contest com a fonte
Samba.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Figura 7: Fonte Samba, de Tony de Marco, homenagem a J. Carlos/ Disponível em:
http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html. acesso em 3/3/2010
“Esta arte me influenciou muito. Foi uma coisa de pesquisa, de sair na rua
fotografando tudo o que era Art Deco. Além disso, é prazeroso ver que o espírito do
J. Carlos, que era uma pessoa muito ligada ao carnaval e ao samba, é inspiração para
CD de um artista também ligado ao samba, como Zeca Pagodinho e para produto
publicit|rio da Rede Globo para o Carnaval de Recife”, revela o desenhista136
(MARCO, Tony, de. 2010).
Esses três exemplos citados, os quais fizeram uso da força dos traços de J.
Carlos nos parece interessante, pois continuam a servir de exemplo, sobre como a
cultura material pode ser incorporados para compreendermos os trabalhos dos
designers no contexto social e econômico e o modo como estes, se fazem presente
e relevantes na cultura.
Podemos então considerar que a importância da produção de J. Carlos e
conseqüentemente de um modo mais alargado a dos designers gráficos, não são
relevantes somente do ponto de vista da produção pessoal e individual de um único
sujeito, mas por que avançam pelo vasto mundo social e cultural que produzem as
circunstâncias determinantes dentro das quais os designers trabalham e dão a eles,
as condições que conduzem a continuação de sua prática.
Aceitamos então que sob a cambiante diversidade de procedimentos
criativos em qualquer área, as traduções podem ser atos comuns que manifestam
uma forma de fazer e saber que oferece resistência a anulação dos textos
instauradores do passado. As traduções criativas servem por vezes de testemunho
triunfantes ou modesto, íntegros ou mutilados, da tentativa humana de permanecer
no tempo, estabelecendo relações ou conexões, com o grande contexto em que a
vida acontece (características dos sistemas complexos).
136
* O leitor pode ter acesso aos depoimentos de Tony de Marco acerca de sua carreira e das
premiações que recebeu, no site pessoal do designer que também nos serviu de consulta:
http://www.professionalpublish.com.br/?id=77,1,view,2,8190,sid. Como também em outro site::
http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html. (Acesso, 16/02/2010).
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Essas temáticas são persistentemente suportadas por que se ancoram pela
perspectiva do tempo. Um tempo que revela as mudanças, mas também a
permanência social, que manifesta a resistência dos hábitos e dos valores e dos
movimentos repetitivos que ultrapassam o individual e o evento sem
necessariamente negá-los, pois os inserem em uma realidade mais complexa.
É com esse olhar, que nos permitimos perceber e identificar as
continuidades e as descontinuidades do design gráfico, que revelaram no passado,
e ainda revelam no presente, processos criativos. Esses, resultado de uma reflexão
não-linear, não-determinista, e que continuamente movimenta a história. Por isso a
criaç~o humana tem a ver com a complexidade e “[...] todo mundo percebe que a
complexidade está ligada a multiplicidades de comportamento, a sistemas cujo
futuro n~o se pode prever, como se pode prever o futuro de uma pedra que cai”
(PRIGOGINE, 2003, p. 50). O processo de criação não está limitado a situações
simplificadas, mas leva em conta o incerto estando abertas as possibilidades e uma
delas como citamos, é a possibilidade de reabsorver os eventos, visando uma
tradução com novas bases fundadas em uma liberdade própria do Ser humano.
Considerações Gerais
O futuro se constrói graças ao jogo de possibilidades criativas e
compreende um tempo que se torna propício para a amplificação das inovações. No
que concerne ao design gráfico, portanto, compreender o tempo implica acatar a
complexidade do mundo e admitir uma realidade em constante transformação, que
se dá em uma relação dinâmica de interdependência entre a história, entre o social
e o biológico conjuntamente com os aspectos culturais. Significa ultrapassar a
concepção de tempo clássico e aceitar os tempos individuais, os coletivos, os
objetivos e subjetivos que se apresentam para a finitude do homem como infinitos
tempos. Quer dizer, que associar à complexidade do processo criativo com as
questões do tempo-espaço, vinculados a cultura e a história, abrem perspectivas
que assinala, marca e amplifica as inovações em uma nova tradução. Tradução esta
que aceita a condição da instabilidade, da indeterminação e dos desvios de normas
que ao serem ‘transgredidas’ permitem a explos~o de novos processos criativos.
Por isso, podemos continuar a recorrer aos discursos ambíguos e inexatos
da história, pois neles nos apropriamos de um sistema de signos que nos possibilita
buscar os aspectos do design gráfico brasileiro que se revela no crivo do tempo e ao
fazê-lo podemos encontrar antes de tudo, continuidades e raízes de ‘longa
duraç~o’, e nesses caminhos trilhados com tantas vozes, podemos apreender a
globalidade de seus contextos.
Então voltar nosso olhar para a historicidade é um dos meios possíveis de
acessarmos a complexidade, visto que as narrativas dos acontecimentos não estão
circunscritos aos objetos, as datações e aos eventos, pois as permutas, as
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
transferências e as apropriações que se entrelaçam e se embrenham e fazem erigir
o design gráfico no tempo, estão circunscritos em um passado efetivo de
experiências individuais e coletivas nas quais observamos um processo de criação
lento que toma amplitude e aparência nítida a partir de mutações visíveis que são
gestadas em diferentes projetos ao longo do tempo.
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__________(b)“Diário do Nordeste” datado em 24/9/2006.
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PRIGOGINE, Ilya. O Fim da Certeza. In: MENDES, Cândido (org.) e Larreta, Enrique
(ed.). Representação e Complexidade –Trad. de Arnaldo Marques da Cunha.
Editora Garamond Ltda, Rio de Janeiro, 2003
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2004.
UMA BREVE HISTÓRIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL E
NA ARGENTINA
Alberto Ricardo PESSOA
Doutorando em Letras pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Nascimento
As histórias em quadrinhos não possuem só um pioneiro. Na verdade houve
vários focos de produção de histórias e de criação de personagens ao redor do
mundo.
O que está enraizado no senso comum como origem desse gênero são os
comics criados por Richard Felton Outcault no New York World. São referidos não só
como a primeira história em quadrinho, assim como, The Yellow Kid, é considerada a
primeira personagem do gênero.
A data de surgimento dos quadrinhos, por diversas autoridades no assunto, é
de 16 de Fevereiro de 1896, apesar de Outcault ter utilizado a personagem durante o
ano de 1895, sem ainda a definição final do visual gráfico da personagem.
Em 1869, Angelo Agostini imprimiu em processo de litografia – impressão
de tinta gordurosa em matriz de pedra calcária - As aventuras de Nhô Quim, ou
Impressões de uma viagem à Corte – “História em muitos capítulos”, de 14 capítulos
inconclusos. Desses, nove foram desenhados por ele e o restante finalizado por
Cândido A. de Faria, todos publicados na Vida Fluminense. Entre 1883 e 1886, o
quadrinista publicou As Aventuras de Zé Caipora na Revista ilustrada, tendo, mais
tarde, histórias republicadas na revista de variedades Dom Quixote, O Malho e,
separadamente uma coleção própria em fascículos.
Na Argentina as historietas surgem na década de 10 e, diferentemente dos
comics ou dos quadrinhos de Angelo Agostini, que surgiram em jornais, as
historietas começaram a ser publicadas em revistas como Caras y Caretas, PBT, El
Hogar e La novela Semanal, a série cômica Las aventuras de Viruta y Chicarrón.
Vale destacar que há tanta controvérsia a respeito dos pioneiros das
historietas na Argentina quanto definir qual foi o primeiro criador de quadrinhos no
mundo. Isto se deve muito em parte pelo meio de comunicação em que estas obras
estavam sendo publicadas. Tanto jornal como revistas tinham charges, ilustrações
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
procurando espaço entre fotos e textos. Outro fator de imprecisão é que muitas das
séries de quadrinhos eram realizadas em estúdios, o que fazia com que as histórias
fossem escritas e desenhadas por equipes, sem os devidos créditos pela obra. Isto
resulta na falta de preservação de nossa própria história. Mesmo em obras que
tentam renovar o interesse na sua própria história não creditaram os autores desta
série, ficando possível apenas o registro da revista da qual as histórias foram
publicadas, mas não os artistas responsáveis.
O Brasil não tinha tradição de publicar histórias em quadrinhos com
regularidade até a viagem de Adolfo Aizen (editor da EBAL – Editora Brasil-América)
aos Estados Unidos em 1933. De volta ao Brasil, o editor foi o pioneiro em lançar
suplementos diários especializados em histórias em quadrinhos.
Os processos de impressão em Off Set e Rotogravura foram as grandes
responsáveis pela construção da mídia histórias em quadrinhos como um meio de
comunicação de massa.
A grande divulgação das histórias em quadrinhos no Brasil se deu com os
suplementos juvenis. Adolfo Aizen, após uma estadia de 05 meses nos Estados
Unidos, percebeu a febre dos suplementos juvenis recheados de comics e resolveu
implementar este tipo de mídia nos jornais brasileiros. Vale salientar que os comics
eram muito diferentes das histórias em quadrinhos que Aizen havia publicado em O
Malho e na própria O Tico-Tico que misturava quadrinhos com passatempos,
educação e contos. Os comics eram voltados para um público juvenil, enquanto as
histórias em quadrinhos tinham como alvo o público Infantil.
João Alberto, diretor do Jornal A Nação, apostou na proposta de Aizen, que
era de realizar 05 suplementos, um para cada dia da semana. As histórias em
quadrinhos ficaram com o suplemento infantil.
Entre os principais suplementos da época, podemos destacar o Suplemento
Juvenil de Adolfo Aizen e o Globo Juvenil, de Roberto Marinho. Assis Chateaubriand
inovou na parte gráfica, colocando nas bancas a primeira revista impressa
totalmente em cores. Era a revista O Gury.
No Suplemento Infantil, Monteiro Filho lançou a série de quadrinhos As
aventuras de Roberto Sorocaba, com textos de sua mulher, Maria Monteiro, que
seria publicada em episódios semanais de uma página cada um, no mesmo formato
das aventuras seriadas americanas. Além de Monteiro, podemos destacar a novela
infantil Os Quatro Ases, escrita a quatro mãos pelo jovem, mas já conhecido escritor
baiano Jorge Amado e por Matilde Garcia-Roza, com desenhos do ilustrador e
cenógrafo paraibano Santa Rosa. Entre os personagens dessa série, vale o destaque
para o menino Tonico, do Pega-Ligeiro, do Papagaio Doutor e do Galo Terreiro,
todos criações do trio.
343
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Na Argentina podemos destacar as revistas nacionais El Museo Americano
(1835), El Mosquito (1862), Don Quijote (1884) e, a partir de 1912, começam a aparecer
em Caras y Caretas as primeiras tiras - Viruta y Chicharrón.
Caras y Caretas foi uma usina de criação para os artistas argentinos.
Praticamente todos os grandes roteiristas e artistas de historietas da primeira
geração passaram pela revista. Isso foi importante para o desenvolvimento desse
gênero, pois a maioria dos autores que passaram por esta publicação criaram a sua
própria revista posteriormente.
Desta primeira geração, podemos destacar os artistas Manuel Redondo,
Pedro Rojas, Arturo Lanteri, José Serrano e Luís Macaya, que começaram na
caricatura, mas logo foram pesquisando e se aprofundando na criação de
historietas. Essa transição é muito clara nas tiras Viruta y Chicharrón. O traço calcado
na caricatura, com poucos detalhes de cenário, próprio do artista que deseja que o
leitor foque sua leitura nas personagens. Nessa fase de transição, os latinos
passaram por um processo de adaptação aos comics americanos.
No Brasil, Os leitores depararam, pela primeira vez, com os quadrinhos que
eram grandes sucessos naquele momento: Buck Rogers, Agente Secreto X- 9, Flash
Gordon (que fez a sua estréia em grande estilo, em cores, em duas páginas centrais,
dois meses depois do lançamento no país de origem) e Jim das Selvas. Nos anos
seguintes, Aizen traria Mandrake, Brucutu, Príncipe Valente, Tarzan, Brinck Bradford,
Pinduca, Rei da Polícia Montada e até mesmo histórias inéditas de Walt Disney, que
começava a chamar a atenção pelo virtuosismo em cinema de animação (JÚNIOR,
2004, p. 31)
Os argentinos tiveram o primeiro contato com os comics como:
The Rarebit fiend (1904), Little Nemo in Slumberland (1905) – ambas de
Winsor McCay,– o la originalidad de The Upside downs of Little Lady Lovekins and old
man muffaroo, de Gustav Verbeck (GOCIOL; ROSEMBERG, 2003, p.21).
Diferentemente do Brasil, a produção argentina conseguiu, já em seu início,
a prática de exportar histórias e criações. Um exemplo são as historietas de
Constancio Vigil, que lançou “Billiken”, pioneiro nas historietas infantis latinas e foi
publicado na Espanha, Peru, Colômbia, Venezuela e México. Tratava-se de um mix
de publicações locais e estrangeiras. Se publicava desde El pibe, Ocalito y
Tumbita,até comics como Superman.
O primeiro grande personagem carismático que a historieta produziu foi
Patoruzú, de Dante Quinterno, em 1928. Basicamente era um personagem que
buscava encarnar o caráter argentino, com qualidades universais como confiança,
alegria e prazer em praticar o bem e a caridade. Até hoje os quadrinhos desta
personagem são publicados com imenso sucesso.
344
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Estes personagens citados foram criadas em um período de formação da
própria sociedade latina, da qual as imigrações eram mais intensas e a cultura latina
começava a sofrer a influência de vários povos, línguas e costumes.
Com os suplementos e revistas, os quadrinhos começavam a ser vinculados
no cotidiano da leitura infantil. Isso fez com que críticos nacionalistas começassem a
criticar o consumo deste tipo de leitura e questionar as qualidades intelectuais e
artísticas, apresentadas principalmente pelos comics.
Assim, os editores encontraram nas adaptações literárias em histórias em
quadrinhos uma alternativa entre o entretenimento das crianças e a tranqüilidade
por parte dos seus críticos mais ferrenhos. Grandes mestres que realizaram estas
adaptações: Nico Rosso, Flávio Colin, Jayme Cortez, Salinas, Pratt, Breccia e Castillo.
Na primeira metade do século 20, a linha editorial no Brasil e na Argentina
publicava os quadrinhos/historietas como veículo publicitário, comics
reinterpretados por tradutores e desenhistas e a produção nacional ficou restrita a
tiras e adaptações literárias. Foram poucas produções seriadas de histórias em
quadrinhos criadas e pensadas originalmente para esta mídia nesse período. Na
América Latina os editores tinham um pensamento diferente dos autores e artistas
como Alberto Breccia ousavam com um design inovador para adaptações das
histórias fantásticas de Howard Lovecraft.
Os editores se preocuparam em realizar uma estratégia de marketing, no
intuito de satisfazer os críticos do sucesso comercial dos quadrinhos/historietas, o
que fez com que adaptações realizadas por grandes quadrinistas latinos, como
Jayme Cortez, Nico Rosso, Flávio Colin, Raúl Roux, Héctor Germán Oesterheld, José
Luis Salinas, obtivessem aprovação de uma crítica que não lia esta mídia, ratificando
a fama dos quadrinhos serem leituras menores, próprias para resumos de obras
complexas da literatura mundial, destinadas não ao fã de quadrinhos, mas àquele
que, sem paciência em ler a obra literária, encontra um alento na leitura em
quadrinhos. O tempo provou que essa ação não resultou em um público fiel. Pelo
contrário. Atualmente são poucas as publicações nacionais que se sustentam frente
a um sem número de publicações americanas, orientais e européias. Não houve
estímulo pelos editores em promover a adaptação literária em uma nova mídia, mas
usar os quadrinhos como uma cartilha, ou uma mídia facilitadora de leitura,
afastando o verdadeiro leitor e aproximando daquele que quer uma leitura rápida e
superficial, o que não forma leitores críticos, apenas consumidores efêmeros.
Outras mídias que utilizam o recurso de adaptações como o teatro e o
cinema não sofrem este reducionismo e muitas vezes são exibidas sessões às quais
adultos, jovens e crianças assistem, valorizando o trabalho cinematográfico e, ao
mesmo tempo esse mesmo público se sente atraído em conhecer a obra literária.
345
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A crítica ao elemento facilitador usado para justificar as adaptações de
obras literárias à histórias em quadrinhos é válida, pois é focada em um público que
não pretende conhecer novas interpretações de uma determinada obra, mas uma
versão resumida dela, o que limita a concepção, compreensão e reflexão da obra
apresentada em quadrinhos. Fica no imaginário do leitor a facilidade e comodidade
em ler quadrinhos e não a apreciação e respeito pelo trabalho artístico, adaptação
do roteiro e interpretação da obra.
A EBAL (Editora Brasil-América), para amenizar as vorazes críticas de
políticos, jornalistas, professores, quadrinistas e até religiosos sobre o conteúdo das
histórias em quadrinhos publicadas no país e preservar o seu negócio, produziu um
grande número de publicações nacionais, todas de cunho educacional, em que as
histórias em quadrinhos eram adaptações de clássicos da literatura mundial e
brasileira. Em 1948 Aizen lançou a Edição Maravilhosa.
Nos primeiros números, a revista circulou em formato menor, próximo ao
do livro de bolso. Depois, cresceu para o formato chamado de comic book ou
formato americano (metade do tablóide). Entre os autores citados, podemos
destacar José de Alencar, Jorge Amado, José Lins do Rego e Dinah Silveira de
Queiroz. As Edições Maravilhosas foram um grande núcleo de pesquisa no meio
impresso, tanto em formatos, papéis e impressão em cores.
Em 1928, semanário El Tony foi o precursor dos cuadritos literarios na
Argentina. Adaptados por Raúl Roux, publicou entre outros Hansel y Gretel,
Robinson Crusoe, La isla del tesoro, Simbad el marino e Buffalo Bill. José Luis Salinas,
em 1938, foi outro autor que trabalhou com adaptações literárias como Capitão
Tormenta, Os Três Mosqueteiros , O Último dos Moicanos entre outros.
As primeiras personagens de tiras latinas
Nos anos 60, o cartunista Henfil subverte a tradição do formato "tira" com
seus personagens Graúna e Os Fradinhos. Henfil, dono de um traço simplificado,
mesmo em uma mídia de poucas possibilidades de experimentação artística, devido
às limitações impostas pelo seu veículo de publicação, consegue desenvolver tiras
sem o uso de requadros, tornando a ação muito mais dinâmica que em outros
quadrinhos que utilizam o recurso. Outra característica é em relação aos diálogos e
a tipografia apresentada nos textos. As falas possuem a ausência de balão, tendo
apenas uma silhueta que remete à ideia de balão de texto. A entonação, volume e
importância são apresentadas ao leitor com as letras desenhadas como se tivessem
vida própria, em muitas ocasiões desenhadas de maneira grotesca, distorcidas
assim como as personagens, que são desenhadas de maneira tão gestual que suas
linhas de desenho lembram mais uma assinatura que uma arte formal. O artista
propõe um virtuosismo de idéias e subversão no lugar da técnica acadêmica nos
desenhos de seus contemporâneos.
346
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Foi nesse formato de tira que estrearam os personagens de Maurício de
Souza, criador da turma da Mônica, ainda no fim de 1959. Diversas personagens da
atual Turma da Mônica começaram em tiras como o cachorro Bidu, Cebolinha,
Cascão e claro, a Mônica.
A produção argentina de tiras teve um grande desenvolvimento com a
implementação de uma página de humor no Clarín. Isso se deu 1973 e podemos citar
as principais personagens deste período são Loco Chávez, de Carlos Trillo e Horacio
Altuna, El Capitán Ontiveros, de Juan Arancioe Nella Castro, 77 Diógenes y el
linyera, de Tabaré, Jorge Guinzburg.
Nos anos 80, o Clarín se tornou o primeiro diário argentino que publicava
apenas material nacional.
As tiras publicadas em jornais foram, para os latinos, a forma de ter seu
trabalho reconhecido pelo público, com remuneração e possibilidade de ver seu
trabalho publicado em outros países, algo que as publicações em revistas não
propiciavam, muito em parte pela falta de profissionalismo editorial, que explorava
os autores de quadrinhos, propondo a publicação de histórias gratuitamente.
Tiras da Turma da Mônica, Maitena, Mafalda são exemplos de quadrinhos
latinos publicados em todo o mundo.
O Udigrudi e la contracultura
Dois fenômenos se desenvolveram nas histórias em quadrinhos nos anos
70: o movimento de contracultura e a descoberta das histórias em quadrinhos
underground , de Robert Crumb e a Metal Hurlant, de Moebius e Druilett. Os autores
desses dois movimentos estavam encarando as histórias em quadrinhos não mais
como uma publicação complementar de jornais ou como compilações de histórias
em revistas. Eles queriam explorar todo o potencial comunicativo dos quadrinhos.
Encontraram um caminho que até então não se havia pensado ou ao menos, não
realizado de maneira intensa como o foi a partir desta década: As revistas
independentes. Longe do lugar comum de super heróis, essas histórias tinham um
caráter experimental e contestavam a política, a sociedade e tudo aquilo que fosse
considerado hipócrita pelos autores de quadrinhos.
Termos como “Literatura Dibujada” ou no Brasil “Quadrinhos Liter|rios”
foram ambições de pesquisadores e editores por muitos anos. Na verdade trata-se
de um equívoco, pois esse termo não define o que seria este tipo de quadrinho, sem
falar que essa mídia precisa ser lida, criticada e ser pensada como quadrinhos e não
como um gênero que tenta se tornar literatura. É o mesmo que comparar cinema e
quadrinhos. Ambas trabalham com a noção de movimento, mas devido a forma
como são criadas, essas mídias não podem ser comparadas. É necessário avaliar o
percurso de cada mídia e avaliar seu desenvolvimento. Se quadrinhos se tornar
literatura, ela deixará de ser gênero quadrinhos e perderá sua importância
347
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
enquanto linguagem e irá adquirir outras preocupações estéticas como a literatura
busca.
A partir deste momento, a palavra autor de quadrinhos ou a palavra
quadrinista, creditada a Adolfo Aizen, editor da EBAL (Editora Brasil-América), tinha
uma reconhecimento cada vez maior no meio intelectual não só brasileiro, mas em
um contexto mundial. A variedade de histórias e propostas, a experimentação de
traços e poéticas, a própria ousadia das diagramações realizadas em pequenas
tiragens e em máquinas de fotocópias, a informalidade da distribuição tornaram o
udigrudi, como foi batizado este movimento, o primeiro levante intelectual de
quadrinistas no Brasil.
As Universidades possuem um papel fundamental nesse novo momento
dos quadrinhos brasileiros. A revista Grilus, do Diretório Acadêmico da Faculdade de
Arquitetura da UFRGS, publicou em 1973 as tiras da personagem Rango, de Edgar
Vasques.
Essa personagem destoa da maioria das criações que estavam sendo
publicadas na época. Rango é um mendigo, sujo, morto de fome, mas com uma
grande percepção da sociedade em que vive. Seu tema base é a fome, sempre com
um discurso irônico acerca da política, das diferença social, violência entre outras
temáticas urbanas. Tinha como personagens coadjuvantes cachorros, filho, políticos
entre outros. Essa tira vem sendo publicada em jornais há mais de 35 anos, mas seu
discurso continua atual.
Nos anos 80, a revista Chiclete com banana foi o grande ícone do conceito
Udigrudi, que é uma analogia ao termo americano underground que os autores dos
quadrinhos de contracultura se auto batizaram. Entre os artistas podemos citar
Robert Crumb como um dos pioneiros do movimento. O termo teve suas derivações
e atualmente são mais conhecidos como Indie Comics. Pode-se dizer que os autores
Laerte, Luís Gê, Glauco e Angeli agregaram aos elementos da contracultura o
movimento punk daquele momento. Era um quadrinho específico para aquela
geração, que se reflete em suas personagens. Angeli criou a Rê Bordosa, uma
garota que vivia sob efeitos de entorpecentes, cabelos pintados e penteados com
referências do movimento musical new age e Bob Cuspe, um garoto caracterizado
sob a estética punk e com um senso irônico e ideológico radical. Laerte com seus
Piratas do Tietê já propunha um quadrinho mais introspectivo, sem personagens
fixos, característica que mantém até hoje em suas tiras na Folha de São Paulo. Luís
Gê não criou um personagem tão emblemático quanto os outros dois autores, no
entanto foi o que mais subverteu os quadrinhos enquanto linguagem. É pioneiro em
mesclar pesquisa acadêmica e produção artística em histórias em quadrinhos. Seus
trabalhos Quadrinhos em Fúria e Território de Bravos são ícones do quadrinhos
experimentais da década de 80. As personagens dos anos 80, questionaram
modismos e as contradições de comportamentos estereotipados, sejam na relação
com personagens coadjuvantes ou com o contexto que as cercavam. O humor
348
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
oriundo das publicações do fanzine universitário Balão, juntamente com as
influências do jornal da década de 70, o Pasquim, fizeram com que estes autores,
após o fim da publicação Chiclete com Banana publicassem suas tiras nos principais
jornais do país, se consagrando como os grandes autores do quadrinho brasileiro
contemporâneo.
O quadrinhos latinos contemporâneos e a ausência da personagem
Os quadrinhos latinos tiveram duas publicações que influenciaram um
grande número de artistas que hoje são os grandes produtores de quadrinhos
latinos: A brasileira Chiclete com Banana e a argentina Fierro. Após o término dessas
revistas, aconteceram diversas tentativas de novas publicações que reproduzissem
as características dessas revistas e seu sucesso comercial. Liberdade criativa para
isso ambos países tinham, já que estavam livres da ditadura, mas, infelizmente,
publicações como Metal Pesado, Pau-Brasil, Pueritas, El Tripero tiveram outro vilão:
as sucessivas crises econômicas e altos custos de produção.
Com esta publicação esporádica, muitos autores recorreram às coletâneas
para apresentar seus trabalhos ao público e a produção de histórias curtas, com
temas genéricos e personagens sem densidade suficiente para criar carisma no
leitor.
A geração atual de artistas como Gabriel Bá, Fábio Moon, Ariel Olivetti,
Eduardo Risso, optaram por publicar histórias fechadas com personagens mais
humanizados e não mais como protagonistas, que tinham as ações focadas da
história centralizadas neles e em seus antagonistas. As histórias contemporâneas
possuem um foco diferente, da qual o autor procura explorar como um tema pode
influenciar diversos personagens. A figura do protagonista desaparece, fazendo
com que o foco da história não fique mais na personagem, mas no seu conteúdo. Se
por um lado temos um hiato na produção de personagens na sua concepção
clássica que veremos adiante nos tópicos a construção da personagem e a
construção gráfica da personagem, por outro temos a preocupação na construção
de boas histórias, narrativa gráfica e design na edição das publicações.
Com o advento da Internet, autores latinos estão realizando trabalhos em
conjunto, nas denominadas Web Comics. Coletâneas como a boliviana Pachamama
Zombie, ou a espanhola Corderito Pata Comics são exemplos de como os quadrinhos
vinculados na Internet estão reunindo autores de diversas partes do mundo. Isso é
algo inédito e que a nova geração de autores estão tendo acesso e a possibilidade
de que esta troca resulte em uma nova forma de se produzir novas histórias e,
provavelmente novos personagens.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Conclusão
Este é um artigo que visa traçar um panorama histórico das histórias em
quadrinhos tanto na Argentina e no Brasil, dois dos principais pólos de produção da
América Latina. Tratar de todos os autores e publicações destes núcleos de
produção é um trabalho em desenvolvimento e neste respectivo artigo foram
citados autores que nem sempre obtiveram o respectivo reconhecimento de
público e crítica. Foram ausentes autores como Ziraldo, Quino, por se tratar de
autores amplamente conhecidos e com farto material de pesquisa. Maurício de
Souza foi citado brevemente, pelo mesmo motivo.
A cronologia mostra que a produção de quadrinhos no Brasil e na
Argentina, enquanto mídia impressa, sempre passou pelo crivo de editores, da
relação custo benefício e aprovação dos leitores. Essa relação, por inúmeros
equívocos por parte de editores, leitores e autores provocaram uma produção
desorganizada e com pouca regularidade. Grandes criações se perderam por falta
de planejamento e infelizmente pensar quadrinhos como um meio profissional é
bastante difícil na América Latina.
O formato impresso, principalmente o off set e rotogravura, são meios
muito caros em projetos que não produzem lucro certo. Desse ínterim, apenas tiras
feitas jornais e alguns autores como Ziraldo e Maurício de Souza obtiveram sucesso.
No entanto, novas formas de impressão como impressão sob demanda pode ser
uma forma, juntamente com o formato digital, uma maneira da história das histórias
em quadrinhos na América Latina se perpetuar.
Referências Bibliográficas
CARDOSO, Athos Eichler: As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros
quadrinhos brasileiros 1869-1883 – editora Senado Federal – 1ª edição – 2002 Brasília
GOCIOL; ROSEMBERG: Historieta Argentina – Una História – Editora Argentina – 1ª
Edição – 2005 – Buenos Aires
JÚNIOR, Gonçalo: Guerra dos Gibis – Companhia das Letras – 1ª edição – 2004 – São
Paulo
350
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O ELEGANTE MUNDO DE RIO * 137
Ana Luiza F. CERBINO
Doutora em Comunicação - Universidade Estácio de Sá/RJ
Beatriz CERBINO
Doutora em História - Universidade Federal Fluminense/RJ
Revistas: objetos de reflexão
A revista Rio, considerada uma publicaç~o de “frivolidades”, editada na
cidade do Rio de Janeiro no início dos anos de 1940 até finais da década de 1950, é o
objeto de análise deste texto. A abordagem leva em consideração não só as
especificidades do seu projeto editorial e gráfico, mas também as idéias, os valores
e os comportamentos visualisados em suas páginas e na coluna que o crítico e
jornalista de dança carioca Jaques Corseuil (1913-2000) ali manteve por doze anos.
Observar esses ideais explicitados nas páginas de Rio é perceber o papel
que periódicos desse tipo tiveram na construção de um ideal de elite e de país
modernos. Articulação que as matérias sobre a sociedade carioca e paulista,
presentes em todas as edições, faziam questão de apontar. Para entender tais
aspectos faz-se necessário conhecer um pouco mais desse universo.
As revistas das primeiras décadas do século XX, além de estabelecer valores
e normas de conduta, tornaram-se um dos principais veículos para a assimilação da
nova percepção espaço/tempo criado pelo processo modernizador. Por meio do
humor, da ironia e da sensualidade “atenuavam a angústia provocada pelas
transformações na esfera urbana e na sociedade em geral” (Sobral, 2007, p. 32).
Nada escapava aos escritores e artistas desses periódicos que criticavam as favelas
nascentes, os modismos, a chegada dos automóveis, as questões relativas à saúde,
entre tantos outros assuntos.
Com a melhoria dos processos de impressão, o aumento da população e o
desenvolvimento da comunicação no país objetivava-se formar leitoresconsumidores por meio das mensagens veiculadas tanto na publicidade, que já
invadia as páginas dos periódicos, quanto no próprio texto. Tais mensagens
construíam a mentalidade de uma sociedade em transformação, dividida entre a
valorização das origens, da tradição e da incorporação de modelos estrangeiros
(Martins, de Luca, p. 49).
* Este texto vincula-se { pesquisa do CNPq “Anatomia de um pensamento: os escritos de Jaques
Corseuil”
137
GT 3 – História da Mídia Impressa
351
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Estas revistas apresentavam uma diagramação requintada e um alto padrão
gráfico, como Cinearte (1926), primeira a ser impressa no processo offset; O Malho
(1902), primeiro a utilizar a impressão em tricromia; ou Kósmos (1904), que se
destacava tanto pelo uso de vinhetas, fios e florais em estilo art nouveau quanto
pelo apuro técnico. Essas e outras se sobressaiam não só pela renovação proposta
pela produção e projetos gráficos, mas também pela transformação proporcionada
junto ao público, j| que atuavam como mediadoras entre o “mundo do texto e o
mundo leitor”.
Ao mesmo tempo, um grande fluxo de transformações praticamente
atingiu todos os níveis de experiência social, criando novos comportamentos e
sensibilidades que alteraram a forma de estar e perceber o espaço urbano e a
produção artística. A modernização provocou, de modo geral, um aumento de
títulos e de tiragens dos periódicos graças às máquinas impressoras mais rápidas,
pois das gráficas artesanais do Império passou-se a uma imprensa, na República,
com porte de indústria.
A partir desse momento, a chamada “cultura da inovaç~o” se enraizou no
mundo das revistas ilustradas. Mesmo que não houvesse um grande requinte nos
projetos visuais, muitas começaram a seguir padrões mais ousados e dinâmicos de
diagramação. Passaram a utilizar novas linguagens gráficas e outras inovações,
como editoriais completos, imagens coloridas nas capas, além de cobertura
fotográfica de acontecimentos cotidianos, revelando uma visualidade distante das
revistas do século XIX. (Cardoso, 2009, p. 82)
O surgimento de O Cruzeiro, em 1928, estabelece mudanças que se
prolongam até a década de 1960, quando são introduzidas no país novas técnicas
(redacionais, editoriais e visuais) e tecnologias, como a rotogravura e o uso de fotos
coloridas no miolo das revistas de grande circulação. Percebe-se, assim, que as
transformações técnicas determinavam as mudanças plásticas e editoriais das
revistas, impondo mudanças tanto no seu interior, com a criação de um novo ritmo
e temporalidade na leitura, quanto no próprio leitor, que se adaptava às novas
seções e conteúdos.
Nesse sentido, novas configurações se instauraram no universo dos
periódicos ilustrados, pois esses já não estavam mais atrelados somente à solitária
iniciativa de literatos que se valiam desse espaço para se legitimar ou alcançar
notoriedade. Mas tornaram-se produtos segmentados criados para um público
variado e delineado concebidos e dirigidos por empresários que viam a edição das
revistas como um negócio comprometido com o lucro e o sucesso. (Martins, 2001,
p. 144-145)
Partindo-se do princípio de que um periódico faz parte de um sistema
socialmente construído, a história cultural é um dos referenciais teóricos escolhidos
para essa investigação, já que tem como proposta observar no passado, em meio
352
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
aos movimentos de um grupo e os mecanismos de produção dos seus objetos
culturais.
História cultural é aqui entendida como o estudo dos processos com os
quais se constrói um sentido, rompendo com a idéia de que textos e obras possuem
um sentido único e absoluto, dirigindo-se às práticas que dão sentido ao mundo.
Refere-se ao estudo das representações, das delimitações e também das exclusões,
constituindo as configurações sociais e conceituais próprias de um tempo ou de um
espaço.
São essas articulações que permitem, segundo Roger Chartier, ao presente
adquirir sentido e que o outro se torne inteligível (2002b, p. 17). Assim, as
representações construídas do mundo social são sempre determinadas por
interesses do grupo que as forjam e, para cada caso ou estudo, é necessário
relacionar os discursos elaborados com a posição de quem faz uso deles.
O autor percebe ainda que, “as percepções do social n~o s~o discursos
neutros: produzem estratégias e pr|ticas (sociais, escolares, políticas)”. Percepç~o
que impõe uma autoridade à custa de outros, a fim de legitimar um projeto
reformador ou para justificar certas escolhas e condutas. (2002b, p. 17). O que pode
ser aplicado à revista Rio e às idéias que colocou em evidência.
[s questões da história cultural se articulam ao conceito de “lugares de
memória” elaborado por Pierre Nora. A partir desse s~o apresentadas
possibilidades de se pensar a revista, pois ali são visualizadas estratégias de
legitimação de uma determinada parte dominante da sociedade.
A memória, para o autor, é espaço de construção de identidades que se
elaboram por meio de vestígios e de traços deixados por algo que já não é mais, isto
é, de um passado que não se esgota e encontra formas de permanência em
diferentes significações e elaborações. O estudo da memória torna-se um
importante referencial quando se trata de analisar as práticas e representações
inseridas em Rio.
O conceito de Nora é aqui compreendido em um triplo sentido: lugares
materiais, onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos sentidos;
lugares funcionais, porque tem ou adquiriram a função de alicerçar memórias
coletivas e são lugares simbólicos, onde essa memória coletiva – vale dizer, essa
identidade – se expressa e se revela. Longe de ser um produto espontâneo e
natural, os lugares de memória são uma construção histórica, e o importante é o
seu valor como documento revelador dos processos sociais, dos conflitos e dos
interesses que, conscientemente ou não, os revestem de uma função
icônica. (Neves, 2010)
353
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Memória, portanto, percebida em constante estado de transformação,
“vulner|vel a todos os usos e manipulações” e, por essa raz~o, atuando sempre no
presente e fundadora de identidades. Por meio dela são elaborados imagens,
crenças e heranças que formam um “registro memor|vel”, indicando escolhas
identitárias. Assim, a memória carrega traços culturais e históricos não só de
resistência, mas também de construção de representações culturais de uma
sociedade, de um grupo ou de um indivíduo.
Já o arcabouço teórico do design gráfico será utilizado para compreender o
objeto em um contexto que se desloca de uma arena puramente formal para o
campo cultural. O aspecto visual é um elemento que deve ser considerado nesse
objeto, pois sua materialidade ajuda a discutir as diferentes percepções do moderno
ali plasmadas, além de indicar um alinhamento entre o texto escrito e o visual. Isto
acontece por que as formas são produtoras de sentido, com os dispositivos gráficos
interferindo na inteligibilidade da leitura, sinalizando uma pluralidade de
significados. A proposta é, pois, entendê-lo em sua funç~o de “sinalizador cultural”
e, ao mesmo tempo, como uma ferramenta de mercado.
As páginas elegantes de Rio
Trabalhar com a revista Rio é investir em uma dupla direção. Ao mesmo
tempo que o contexto da cidade ilumina a organização e projeto de Rio, suas
características editoriais e gráficas a situam em um debate acerca de sua proposta
de “inovaç~o” e “modernidade”.
Um dos primeiros a escrever especificamente sobre dança no Brasil,
Corseuil foi um importante defensor dessa arte, usando seus textos para apresentar
a dança aos leitores, desde bailarinos e companhias até suas idéias para a formação
de um “bailado nacional”, isto é, um balé com temas nacionais e feito por artistas
brasileiros, dos bailarinos aos compositores e artistas plásticos. Uma escrita que
tinha como meta educar o gosto do leitor e, consequentemente, do espectador.
Preocupação constante em seus textos, a construção de uma identidade
nacional por meio da dança, em especial do balé, foi uma das temáticas mais
abordadas por Corseuil. Tratava-se de reconhecer no palco aspectos de brasilidade
que apontassem, ao mesmo tempo, para as tradições do país e seu desejo de
caminhar para a modernidade. Referências nacionais, como o cabloco, o índio, o
malandro carioca e o retirante nordestino, colocadas em movimento via o balé,
técnica que representava, de acordo com sua percepção, a tradição da dança. Com
isso, Corseuil propunha articular em cena a representação de um Brasil moderno,
mas firmemente calcado em sua raízes.
É importante destacar que, em particular nos anos de 1940, o campo
artístico-cultural era um terreno privilegiado para a construção de projetos de
intervenção social, com os intelectuais vistos como atores essenciais nesssa
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
dinâmica. Esse espaço atribuído ao intelectual vinculava-se à percepção, daquele
momento, da força transformadora da educação (Gomes, 1999, p. 22). Concordavase, assim, quanto ao potencial das atividades “pedagógicas”, fossem elas
implementadas ou imaginadas por literatos, artistas, intelectuais, etc.
O recorte proposto localiza-se entre outubro de 1944 a dezembro de 1956,
em que serão analisadas as edições para as quais Jaques Corseuil escreveu. O
objetivo é relacionar o design elaborado para a revista com as características
formais e estéticas ali geradas, que legitimavam as percepções de quem a produzia.
Percebe-se assim uma dimensão política na proposta estética construída
para a revista por seus criadores, na medida em que, como produtores de bens
simbólicos, elaboravam contínuas interpretações do cotidiano e da realidade.
No número 64, de outubro de 1944, o editorial assinado pelo então diretor
Sady Alves da Costa, chamado “Roberto Marinho na direç~o de ‘Rio’ ”, apresentou o
jornalista carioca como seu novo proprietário. Anunciava ainda as principais
novidades na revista a partir da edição de novembro: a chegada do novo redatorchefe, Henrique Pongetti (1898-1979), além da ampliação do quadro de
colaboradores que passaria a contar com nomes de “grande prestígio da literatura,
da ilustraç~o e da fotografia”, como Athos Bulc~o, Carlos Drummond de Andrade,
Di Cavalcanti, Elsie Lessa, Jaques Corseuil, Jean Manzon, Quirino Campofiorito,
Rachel de Queiroz, entre outros.
Segundo o editorial, o novo time de colaboradores promoveria uma
melhoria do periódico, ao aliar qualidade de conteúdo ao prestígio dos nomes. A
revista reposicionava-se no cenário editorial a partir dessas inovações, sem perder,
contudo, o “carinho de seus leitores”, continuando, ao mesmo tempo, a oferecer
“uma revista melhor a cada ediç~o”.
A proposta era que, a partir daquele momento, Rio se tornasse, ainda mais,
um periódico orientado para o universo burguês e que isso pudesse ser percebido
tanto em seu conteúdo editorial quanto em sua apresentação gráfica.
Caracterizava-se por ser uma revista de amenidades temperada com
comportamento, entretenimento e cultura dirigida a um público refinado, mas
também para aqueles que desejassem conhecer um determinado estilo de vida.
A função de redator-chefe, que deveria articular nas páginas da revista tais
conceitos, foi exercida, em diferentes momento, pelos jornalistas Edmundo Lys
(1899-1982) e Henrique Pongetti. Já Enrico Bianco (1918) e Martin N. Garcia foram os
coordenadores artísticos, responsáveis por ordenar texto e imagem, o equivalente
hoje ao designer ou diretor de arte.
Apesar dessas mudanças, sua linha editorial continuou a mesma,
privilegiando os acontecimentos sociais da cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo,
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
em que colunas de arte, literatura, balé, teatro, música e moda apresentavam o que
deveria ser consumido, desde roupas e jóias até espetáculos. Era uma vitrine do
high life, com páginas repletas de personalidades nacionais e internacionais. Ao
mesmo tempo, estabelecia um diálogo constante com o Estado, a Igreja e a
burguesia, veiculando comportamentos tidos como indispensáveis para ser um bom
cidadão e modelo a ser seguido. Pela revista desfilavam modernidade e tradição,
projetando a imagem de uma cidade que sempre desejou ser, acima de tudo,
cosmopolita e chic.
O projeto gráfico de Rio
Projetos e objetos gráficos não nascem do nada, mas são frutos de uma
cultura visual e material condicionada também por práticas de leitura. Nesse
sentido, os conceitos utilizados pelo campo do design gráfico apresentam-se
essenciais para o desenvolvimento dessa análise. Mesmo que naquele momento a
figura do designer, tal como a entendemos hoje, não existisse ou não fosse assim
denominada, há um projeto gráfico que permeia toda a publicação, estabelecendo
sua identidade visual.
Além disso, é preciso ressaltar que no período anterior a década de 1950,
ou seja, antes do início da conceituação brasileira do design como atividade
autônoma, existiam padrões visuais e uma produção industrial ou semi-artesanal
que, mesmo incipiente, não pode deixar de ser considerada no contexto da prática
do design no Brasil.
O primeiro aspecto a ser destacado é que a revista traduzia simbolicamente
sua especificidade por meio de uma excelência gráfica. Para isso utilizava o papel
couché tanto para o miolo quanto para a capa, representando o requinte daquele
universo. Já seu amplo formato, 27,0 X 32, 5 cm, era sinônimo de um produto mais
luxuoso, por isso mesmo, dispendioso, destacando-se das outras que possuíam um
tamanho menor.
A policromia, isto é, impressão em quatro cores, era usada para a capa e
contracapa, mas o miolo era impresso em p&b, enquanto os anúncios podiam ter
uma, duas ou até mesmo quatro cores. A impressão em offset, tanto para texto
quanto para as imagens, garantia a fidelidade das imagens e uma suavidade nos
matizes das tintas, criando superfícies delicadas e texturas aveludadas quando se
usava uma tinta luminosa ou metálica.
Essas características formais estabeleciam uma associação e vínculo direto
com seu público que percebia ali um produto de qualidade e, por isso caro, que
seguia o padrão das publicações internacionais da época, como Vogue, Life, Harper’s
Bazaar, entre outras.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
O segundo ponto a ser ressaltado é que diagramação proposta para o texto
visual e o escrito tinha uma clara referência no trabalho desenvolvido pelo designer
russo Alexei Brodovitch, para a revista norte-americana Harper’s Bazaar. A principal
característica de sua linguagem gr|fica era “a simpatia pelo espaço em branco e
tipos precisos em páginas claras, abertas, repensando a abordagem do design
editorial” (Meggs, 2009, p. 440). Mais do que definir um conceito estético,
Brodovitch transformou a concepção de espaço e, consequentemente, de leitura,
ao usar elementos do design funcionalista na revista, em que equilíbrio e
simplicidade ajudavam a construir imagem e texto.
Elementos que também surgem nas páginas de Rio, presentes nas soluções
gráficas elaboradas tanto para a coluna de Corseuil quanto no resto da revista, que
exibiam um refinamento visual no uso da imagem fotográfica, da tipografia e do
espaço em branco, estabelecendo uma simplicidade e limpeza visual até então
inéditas.
A ilustração foi a técnica utilizada para as capas produzidas entre 1944 e
1956, recorte aqui proposto. A fotografia, como recurso visual de apoio, só aparece
a partir de 1951, mesmo assim combinada em montagens; não há capas tipográficas,
isto é, em que o texto assume a função de ilustração. Nas capas de Rio, o texto era
usado somente no nome da revista e, ás vezes, como um elemento de apoio
secundário para a imagem, pois não se usavam chamadas nas capas.
Cada capa apresenta-se como uma peça individual criada por artistas em
evidência na época, muitas vezes nem se relacionando com o tema da edição ou
alguma matéria do miolo. Particularidade que é quebrada somente nas edições
especiais, como as dedicadas ao Grande Prêmio Brasil e as de Natal. Na década de
1940 é claro o uso da pintura como única referência pictórica, enquanto que em
meados da década seguinte percebe-se uma mistura de técnicas, como a fotografia
e a colagem.
Dos variados artistas que criaram as capas da revista, Sansão Castello
Branco (1920-1956) foi o mais ativo, elaborando sete delas, as de número 79
(jan./1946), 142 (abr./1951), 188 (fev./1955), 189 (mar./1955), 190 (abr./1955), 191
(maio/1955) e 194 (ago./1955). Suas capas possuem uma linguagem apoiada na
pintura, com uma narrativa visual, ao mesmo tempo, figurativa e apurada. Exceção
a de número 142, em que usou uma colagem com flores, trigo e fitas para elaborar
um rosto, criando volume e tridimensionalidade que não são percebidos em seus
outros trabalhos.
Já o francês Michel Burton projetou quatro capas. A primeira para a edição
203 (maio/1956), a do mês seguinte, 204 (jun./1956), depois a 207 (set./1956) e a 209
e 210 (nov.,dez./1956), sendo que estas duas últimas foram feitas em conjunto com
o fotógrafo Otto Stupakoff (1935-2009). Sua refinada linguagem gráfica mescla
fotografia e ilustração em colagens modernas e, ao contrário dos demais artistas,
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
faz uso do espaço em branco também nas capas, o que confere uma “assinatura” {s
suas criações.
Lázslo Meitner (1900-1968), artista húngaro, também criou quatro capas, as
de número 84 (jun./1946), 192 (jun./1955), 199 (jan./1956) e 205 (jul./1956). Sua
experiência como ilustrador em outras publicações como as alemãs Simplissimus e
Jugend, é evidente nos projetos desenvolvidos para a revista. Também é visível a
aproximação com o traço e a narrativa do ilustrador Saul Steinberg (1914-1999),
estabelecendo mais um vínculo com os periódicos norte-americanos.
Os demais artistas que desenvolveram as capas desse período foram:
Gilberto Trampowski (1912-1982) para o número 64 (out./1944), Enrico Bianco para
os números 65 (nov./1944) e 83 (maio/1946); Balloni criou para edição 71
(maio/1945); e Julio Senna desenhou a 73 (jul./1945). Lauthé criou a de número 112
(out./1948); Paulo O.F. fez o número 117 (mar./1949); Anísio Medeiros a 135
(set./1950); e José Moraes (1921-2003) o número 136 (out./1950). Nicole Cardoso
Ayres criou a capa da edição dedicada ao balé, a de número 157 (jul./1952), a edição
dupla 170 e 171 (ago.,set./1953) utilizou gravuras de Debret; Mémen fez a capa do
número 177 e 178 (mar.,abr./1954), e Burle-Marx (1909-1994) a edição 183 (set./1954).
Uma reprodução de Miró (1893-1983) estampou a capa do número 193 (jul./1955); A.
Pereira criou a 202 (abr./1956); Martim Garcia a 206 (ago1956), e Darcy Penteado
(1926-1987) fez a capa da edição dedicada às debutantes, de número 208
(out./1956).
A confluência entre artes plásticas e design presente nas capas e no miolo
da revista possibilitou um diálogo profícuo entre ambos, já que naquele momento
as capas e a diagramação eram realizadas, em sua grande maioria, por artistas
plásticos. Havia um trânsito entre o periódico e os artistas, que emprestavam suas
assinaturas para o produto, indicando que a associação entre ambos era proveitosa:
tanto para o periódico, que conquistava prestígio cultural, quanto para o artista,
que adquiria um espaço e maior visibilidade na dinâmica social.
A partir da edição de outubro de 1944, quando a primeira coluna do crítico
na revista foi publicada, a diagramação da revista e da coluna se caracterizam pela
clara influência da Harper’s Bazaar em seu projeto gráfico. Referência que
estabeleceu uma identidade para a coluna e para a revista como um todo,
garantindo, ao mesmo tempo, uma personalidade coerente e facilmente
identificável por seus leitores.
Nas páginas da revista e, consequentemente, da coluna de Corseuil, o
espaço é definido em função da massa de texto e das imagens – fotografias ou
ilustrações –, em cada elemento adiciona complexidade. Além disso, as relações
entre o espaço positivo e negativo (que fica ao redor) dos textos e das imagens
adicionam um dinamismo às páginas. Essa estratégia é visível nas fotos sangradas,
sobrepostas e rotacionadas, estabelecendo uma sensação de movimento. Da
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
mesma maneira que as larguras das colunas de texto criam movimento quando
“ganham peso” ao se usar um tipo bold (negrito) com uma entrelinha (espaço entre
linhas) mais apertada. Ou ao contrário, quando uma leveza é necessária e pode ser
alcançada com o uso de um tipo mais light (leve) associado a uma entrelinha mais
aberta.
Já o logotipo nas capas e no editorial são mutantes, isto é, a cada edição
surgem diferentes, pois não havia uma preocupação em manter uma identidade via
essa ferramenta. A leitura do nome bastaria para estabelecer a identificação do
veículo. Os artistas tinham o costume de mudar o logo da revista, principalmente de
letra, que poderia aparecer com serifa (prolongamentos na base da letra), bastão
(reto) ou manuscrito. A partir de junho 1956, na edição de número 204, começa a
ser utilizado o slogan “a revista do mundo elegante”, reafirmando a sua linha
editorial. O logotipo da ficha técnica surge vazado em branco, em diagonal, todo em
caixa alta (maiúscula) num box cinza reticulado, diferente dos anos anteriores
quando era colocado acima do sumário da edição, normalmente com um tipo
manuscrito e pincelado.
O tipo usado para a composição dos textos da revista era o Bodoni,
desenvolvido pelo italiano Giambattista Bodoni (1740-1813), em 1788. Caracteriza-se
por apresentar uma construção geométrica, com serifas rígidas e finas e grande
contraste de espessura. Classificado como "moderno” leva em consideraç~o a
leiturabilidade e a legibilidade, e por isso entendido como um sistema de elementos
distintos e polarizados: vertical e horizontal, grosso e fino, haste e serifa. No
decorre das duas décadas, além da Bodoni, alguns títulos e textos foram compostos
na tipografia Rockwell, criada em 1934, pela fundição norte-americana Monotype.
Ao contrário da Bodoni, caracteriza-se por ter uma serifa reta e quadrada, chamada
de slab serif ou egípcia, sem nenhum contraste entre hastes, retas e curvas.
Essas particularidades somam-se ao grid – estrutura que permite organizar
fotos, texto, títulos e dados secundários, em relações baseadas em alinhamentos,
funcionando como guia para a leitura –, usado para as páginas e permitindo que
variadas diagramações sejam criadas tanto para colunas, como a de Corseuil,
quanto para as matérias e as crônicas que fazem parte do seu miolo.
Ponto final
A idéia de inovação, modernidade e requinte presentes nas páginas de Rio
não era apenas para criar uma revista que agradasse seus leitores, mas também
para legitimar um determinado público consumidor dos valores e comportamentos
ali impressos. Ou seja, dar reconhecimento aos próprios produtores da revista, à
elite que a produzia e a consumia.
Um discurso que se alinhava com o período do Estado Novo (1937-1945),
época em que mudanças políticas e sociais foram instauradas, transformando a
dinâmica da sociedade tanto do ponto de vista econômico quanto cultural.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Aspectos que ganharam uma nova dimensão ao engendrar novos valores e
produtos artísticos.
Arquitetar uma imagem de país moderno e construir uma identidade
nacional pautada na cultura popular, mas intermediada pela chamada cultura
erudita foram tarefas que o governo Vargas impôs. E a imprensa foi um dos
principais meios para concretizar esse objetivo.
Por conta da censura à imprensa, a atmosfera de fantasia, luxo e glamour
se sobrepôs à realidade em algumas publicações, como em Rio, tornando-se, nessa
dinâmica, lugar estratégico da articulação sócio-cultural da cidade, em que redes de
sociabilidade foram criadas e novas formas de expressão estabelecidas. Contudo, as
transformações ocorridas ao longo das décadas em que a revista circulou operaram
mudanças na sensibilidade não só de quem a produzia, mas também naqueles que
as liam. Mudanças que se fazem perceber na própria elaboração da revista, já que
modificações são sentidas e vistas em suas capas e elementos de sua diagramação.
Outro importante aspecto é o que se refere aos donos das revistas e aos
intelectuais a elas ligados. Ser proprietário de um veículo como esse, ou mesmo
colaborar, significava ter controle sobre um capital simbólico que lhes habilitava
participar da vida política do país, estar próximo das importantes decisões ou até
mesmo influenciá-las de alguma maneira (Mauad, 2006, p.368). Empresários das
comunicações que tinham interesse em manter e ampliar esse capital e,
consequentemente, seu prestígio para que tivessem garantido seu lugar na
dinâmica social. Por isso a importância de um periódico como Rio, que promovia e
representava tão bem o mundo elegante de seus leitores.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
G
T – 4 HISTÓRIA DA MÍDIA SONORA
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
AUDIOLIVRO: UMA ARTE NASCENTE
César Augusto DIONÍSIO
Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo (USP), SP.
Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (UNISO),
orientado pelo Prof. Dr. Osvando Morais.
Introdução
Problematizar o audiolivro é fundar sua origem, fundamentá-lo enquanto
obra comunicacional, cultural e de arte, reflexionar sobre seu futuro em
consonância com o futuro do livro em seus próximos capítulos. Nem sua origem,
nem seu fundamento ideológico, técnico, científico, filosófico, hermenêutico,
narratológico e epistemológico, nem seu consubstancial aspecto mercadológico,
nem a possibilidade de uma impossível audiobiblioteca estão assegurados.
É neste cenário hodierno que o objeto de estudo se insere e sua
problematização encontra respaldo temporal, uma vez que se apresenta e se nota
um conjunto particular de fatores que impele à investigação oportuna do tema.
Primeira vez que o livro encontra-se midiaticamente desafiado a um nocaute
agonizante por uma nova mídia que o enfrenta diretamente. Fatores estes que
percorrem a quase-inexistência de estímulos reais à construção do hábito de leitura,
ao atendimento consciente e produtivo do imediatismo do mundo contemporâneo
e do mercado contemporâneo, leia-se, do cidadão e do consumidor moderno, e a
insaciável e incessante busca pelo saber inesgotável. Num movimento dialético,
díspare, difuso, bifurcador e dilemático, o homem roga por mais saber e, no
entanto, dedica, a seu tempo, porção insipiente de seu calendário ao ato da leitura
eficiente. Objetivos inconciliáveis que tornam o livro o remorso cultural mais
legítimo do homem moderno, influenciando diretamente em sua composição e na
forma como este leitor compõe leitores-mirins, seus sucessores na leitura e na
escrita. Nesta ótica, o audiolivro pode ser não um adversário, mas um treinador que
incita e suscita ao pugilante, o livro, um novo fôlego para um embate onde a vitória
é do autor e do leitor, ambos exaustos em sua missão, abraçados no meio da lona,
combalidos por terem usado por séculos a arma equivocada, o papel. O audiolivro e
sua problematização podem se configurar como antídoto para a intersecção de tais
problemas, que são de ordem sócio-cultural e de magnitude pedagógica,
comunicacional, técnica e artística. Problemas e soluções que repousam
possivelmente no poder do audiolivro, que é, intrínseca e extrinsecamente, o poder
desvelador das palavras.
A escolha do objeto de estudo, ao passo em que o exame deste cumpre
acessar a realidade pesquisada, encontra abrigo na consonância e convergência
lingüística escrita e falada. Melhor, o objeto de estudo se explicita primordialmente
na palavra sonora, que se metamorfoseia em palavra grafada, e, por força e razão
do audiolivro, retornará à sua gênese principal, que é a fala. Falar é essencial porque
é a essência da comunicação, escrever é fundamental porque fundamenta a
comunicação. A escrita codifica e a fala decodifica; e é a leitura silenciosa uma
362
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
atividade menor que a fala em todas as suas dimensões. Assim, a palavra nasce som,
ganha contornos gráficos, e volta a ser som, desde que lida, falada. Abandonar ou
ignorar o som da palavra escrita é tão displicente quanto desconsiderar a oralidade
que impregnou inicialmente o ouvido do escritor, depois suas mãos e finalmente o
papel, sepultamento da fala e do som. O livro é, portanto, invólucro de isolamento
sonoro.
Ao ler a palavra, a frase, a oração, o parágrafo, o leitor, agora ouvinte,
ressuscita a palavra sepultada no processo da escrita, e acalenta e vivifica o texto
morto, transformando-o em algo ritmado, com andamento, expressão e
interpretação tão próprias que podem nem mesmo coincidir com a do autor. O
fenômeno comunicacional “palavra falada-palavra escrita-palavra falada” bem
sucedido deve ser amparado por preocupações e cuidados tanto na produção ou
emissão (escrita), quanto na recepção (leitura) para que se cumpra. É fato que o
livro pode ser encarado como um emissor que espera pacientemente seu receptor.
Nem todos os que o tocarem receberam uma mensagem límpida, sem ruídos, isenta
de distorções, mas sempre um eco que pré-anuncia o fluxo sonoro principal e
depois uma sinfonia bem afinada que evidencia se é, nas mãos e ouvidos do leitor,
hedonista ou não.
Diferentemente, o autor obedecerá ao som sinfônico de sua oralidade
interior como um servo feliz e transportará com habilidade o eco desta emissão
sonora ao papel, que o espera. Caberá ao leitor transformar o eco, que o seduz, em
sons orquestrados que trarão a Aurora da compreensão e fará com que a
comunicação se complete em seu ciclo.
O escritor caminha da Aurora ao crepúsculo. No papel cabe apenas o eco do
que imaginara. Mas é exatamente do papel que o leitor deverá instrumentalizar,
cada qual a sua maneira, a oralidade disfarçada de letras. A batuta pode mudar de
mãos. Irá do autor para o leitor. Importante mesmo é que ambos executem a
mesma música. O calor das idéias do escritor-emissor morre no papel, e é sepultado
e extinto. Até que se aproxime dele um leitor que aceite conduzir o texto desde o
sepulcro até a Aurora, vivificando-o novamente. O audiolivro veio para estremecer
estes pilares.
Assim, a an|lise do termo “audiolivro” oferece passaporte { associaç~o
oportuna, dentro do momento histórico midiático contemporâneo, do livro ao som:
áudio e livro, áudio mais livro, portanto, um acréscimo. Com isto, para que se possa
compreender o termo audiolivro, deve-se rechaçá-lo como uma síntese e aceitá-lo
em sua análise bipolarizada entre dois conceitos pré-existentes, quais sejam, o livro
e o som.
Não se trata, portanto, aqui, de comparar o livro ao audiolivro, senão de
conceber livro e audiolivro como duas linguagens distintas, diferentes,
dessemelhantes, orientadas cada qual por uma via. Um é papel, o outro é som. Um
363
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
é tangível, ou outro é digital. Assim, A literatura deve organicamente se reorganizar
perante os novos alicerces gráfico-sonoros que se delineiam no fronte anunciado
aqui.
Contudo, vale pesar que, ainda que livro e som sejam conceitos
simbolicamente conhecidos, o audiolivro não é conceito fechado, duro, irredutível
ou de fácil apreensão para o estudo que ora se esboça aqui, porque novo e original.
Com isto, o conceito de audiolivro é ainda volátil, sublime, abstrato, incontido,
disperso, desorientado, fugaz. A análise deste objeto auxiliará, portanto, na
definição desse contorno.
Objetivos
Isto posto, explicitam-se os objetivos a serem tentativamente atingidos por
este esforço original de pesquisa:

Identificar a fundação de um novo produto midiático, qual seja, o
audiolivro, posicionando-o no campo das mídia;

Confrontar a materialidade do livro vis-à-vis a imaterialidade do
audiolivro;

Identificar elementos comunicacionais no audiolivro e ausentes no
livro para buscar a configuração efetiva de uma nova linguagem;

Evidenciar o surgimento do audiolivro dentro do registro de um
conceito histórico e tecnológico;

Estabelecer o audiolivro dentro de nuances qualitativas, mapeando
suas benesses para o leitor e para o autor;

Estabelecer novo padrão de co-autoria, uma vez que o autor pode
reassumir a assinatura fiel de sua obra, contando não apenas com a oralidade do
leitor e seu repertório, mas com a reprodução de sua própria, pensada, autêntica e
original oralidade;

Evidenciar a reconstrução da palavra em sua porção genital, qual seja,
oral;

Aquilatar o impacto da recepção do som da palavra na formação da
imagem mental, como opção à recepção da palavra lida;

Dimensionar os benefícios para o público com algum tipo de déficit de
acuidade visual e para o público ledor;

Posicionar o audiolivro entre o cinema e o livro; bem como o e-book,
como um ensaio para a estréia do audiolivro no cenário midiático, entre o livro e o
audiolivro;

Reconsiderar a função da oralidade como uma preocupação latente
do autor que convive com a possibilidade de ter sua obra vertida em audiolivro;

Inserir o audiolivro num conceito pleno de comunicação, cultura e
arte.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Metodologia
A abordagem do tema ora escolhido, qual seja, o audiolivro e suas
implicações e interações entre autor, obra e leitor, contextualizados nas teorias de
comunicação, terá caráter investigativo eminentemente bibliográfico-qualitativo. A
abordagem quantitativa, tão evitada no campo investigativo da comunicação, tão
somente tangenciará a análise, ao se observar o comportamento do mercado
audiolivreiro, sem perder o foco sobre o tema, senão acentuando aquilo que o
levantamento bibliográfico e o embasamento teórico possam apontar.
Assim, uma releitura de textos clássicos é condição necessária e
indispensável, excepcionalmente pela sua contemporaneidade. E mais, a
possibilidade da conversão dos clássicos gregos, por exemplo, em audiolivros
representa uma convergência de interesses de análise tanto para o mercado,
quanto para a academia, tanto pela forma, quanto pelo conteúdo. Em
contrapartida, revistas eletrônicas, jornais e livros publicados na pós-modernidade
mostram-se como fontes cada vez mais atentas e que podem efetivamente resultar
em material pertinente à análise, colaborando com a instrumentalização da
realidade estudada, e alinhando considerações inexistentes até então. Obras
fílmicas e produção imagética também perpassarão a análise corroborando com a
investigação aqui iniciada.
A intersecção de aspectos gráficos e sonoros que circulam a semiosfera da
palavra, tornando-a ora sólida, ora gasosa, ora concreta, ora vibração pura, é
aspecto metodológico relevante na abordagem do presente tema. Neste sentido, a
história da leitura, bem como a história do livro, são componentes indispensáveis à
análise do audiolivro e suas nuances particulares e próprias.
Considerações Finais
Muito já foi discutido sobre o livro dentro do campo acadêmico, do ponto
de vista simbólico foi exaustivamente explorado com suas significaçãoes e
ressignificações e dentro de uma vertente histórica, seja por Chartier, Le Febvre ou
até mesmo por McLuhan. Assim, o livro já é um conceito amplamente discutido nas
ciências sociais, ainda que desvalorizadamente em sua asserção oral. A respeito do
audiolivro, a teoria se encontra sensivelmente desorganizada, desarticulada,
disforme, desconexa, de tal forma que a literatura sobre o livro não pode ser
simplesmente transposta para se compor um referencial teórico para o estudo do
audiolivro. Afinal, como já apontado, o livro já é um conceito, o audiolivro não o é.
Sabe-se que o audiolivro extrapola o propósito de servir ao público com
deficiência visual. Já não se pode mais admitir que o audiolivro atenda única e
exclusivamente às pessoas portadoras de deficiência visual em qualquer grau ou
profundidade. Isto porque as audioeditoras, i.e., com segmentação mercadológica
orientada à produção de audiolivros, assumidamente elegem por foco prioritário o
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
público de grandes metrópoles. O foco é a massificação do consumo nos moldes
mais antiquados e atuais da visão frankfurtiana. É a rotina das pessoas que dita
como deve ser feito o audiolivro, muito mais do que a obediência às urgências de
cunho social.
O exame do tema que correlaciona a palavra falada e escrita, consolidadas
no âmbito do audiolivro, permite reflexionar a respeito da possibilidade contributiva
desta nova medium para o universo social, pedagógico, editorial e técnico-literário
num momentum de hipermodernidade.
Revelando-se, aqui, uma fotografia do audiolivro, tal qual
embrionariamente este é concebido neste ínterim, é visão que pode efetivamente
ser útil do ponto de vista do registro teórico de um parto, de um nascimento, de
uma gênese em território nacional, que é resultado de um aumento qualitativo
tecnológico, que possibilita a produção do audiolivro, de uma demanda de leitores
assiduamente impregnados pela falta de tempo que os detém, e de uma demanda
social de um país de não-leitores.
Não se trata de aguardar o desenvolvimento desta medium, senão de
antecipá-lo, aceitando-se academicamente adentrar o labirinto do minotauro
midiático, meio falado e meio escrito, aquilatando o audiolivro em suas nuances
para o que este representa e o que potencialmente representa. Por isto, oferecer
contorno a uma primeira imagem do som que advém surdamente dos livros é uma
abordagem contributiva que envolve a pesquisa do tema em foco. O audiolivro é o
livro em seu período histórico.
Referências Bibliográficas:
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2001: uma odisséia no espaço / 2001: A Space Odyssey (1968).
PANORAMA DAS EMISSORAS DE RÁDIO PRESENTES EM BOA VISTA138
Andréia REGO139
Publicitária e Aluna do Programa de Pós – Graduação da
Universidade Metodista de São Paulo/UMESP
Introdução
Em Boa Vista capital do estado de Roraima existem 06 emissoras de rádio, sendo 02
delas com freqüência AM e quatro FM, as quais possuem maior audiência na capital,
podendo-se destacar o trabalho realizado por duas das emissoras FM e maiores
concorrentes.
Das 06 emissoras, uma pertence a grupo religioso, embora possua uma
programação diversificada, não predominando, portanto uma programação
unicamente confessional, mas devemos destacar o trabalho singular que é realizado
pela emissora. Embora não exista em nível local nenhuma pesquisa de mercado que
aponte as audiências, é possível identificar a preferência dos ouvintes.
A Rádio Roraima AM é uma emissora do Governo do Estado. Três, das seis
emissoras têm como foco o público jovem com programação musical centrada no
pop rock: Transamérica Pop, 94.1 e 93 FM; uma possui uma programação musical
mais elitizada, em busca do público adulto e familiar: FM Monte Roraima.
A audiência geral no mercado radiofônico boavistense apresenta mudanças
expressivas, para isso basta apenas que as emissoras apresentem novidades. No
caso das emissoras AM, predomina o primeiro lugar para a Rádio Roraima presente
há muitos anos no mercado. Por sua vez, a liderança da audiência no FM, nos anos
80, era da Rádio Equatorial, a qual lançou modelos de trabalhos para outras
emissoras, como a Tropical, mas foi a Radio Roraima quem produziu e preparou
grande parte dos profissionais que migraram para as emissoras FM bem mais tarde.
138
Trabalho desenvolvido para apresentação no I Congresso de História da Mídia do Sudeste,
realizado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.
139
Aluna de Mestrado em Marketing Político pela Universidade Metodista de São Paulo.
369
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A seguir, faremos uma breve exposição sobre cada uma das 06 emissoras,
listadas aqui por ordem cronológica:
1.
RADIO RORAIMA AM 590 MHZ
Na metade da década de 1950, o Território Federal de Rio Branco (atual
estado de Roraima), não possuía uma emissora de rádio, fato esse que demonstrava
que o Território era uma das poucas unidades da Federação que não possuía esse
tipo de veículo de comunicação, sendo que essa era uma das reivindicações da
população e uma das preocupações dos governantes locais da época.
Em 1955, quando o então candidato à presidência da república – Juscelino
Kubschek de Oliveira – esteve em Boa Vista em caráter de campanha, recebeu do
então governador da época – Auris Coelho e Silva – a viabilização da instalação de
uma usina de energia elétrica e de uma emissora de rádio.
No ano de 1956, Juscelino eleito e empossado cumpre sua promessa e
manda imediatamente construir uma usina termoelétrica no bairro Rói Couro, hoje
São Pedro e, através de decreto, criou a Rádio Roraima. Nesse mesmo ano, no
pleito do então governador José Maria Barbosa, é dado o inicio das atividades da
Rádio Difusora Roraima – ZYA – 1 e com 1 KW de potência, com “status” de “R|dio”.
Sua administração ficou a cargo do Profº Vidal da Penha Ferreira, locução de
Valdemir Cavalcante e direção artística do Maestro Dirson Félix Costa.
Devido ao fato de haver racionamento de energia elétrica imposto pelo
governo, a programação da emissora era constantemente prejudicada. A emissora
entrava no ar às seis horas da manhã. A programação era interrompida no período
de 09h00min até as 11h00min pela manhã, e retomava sua programação das
11h00min até às 14h00min onde recomeçava o racionamento de energia que
permanecia até às 19h00min. Nesse horário começava o programa mais antigo da
emissora, o qual ficou no ar durante muito tempo: “O Mensageiro do Ar”, programa
que anunciava os recados que a população boavistense enviava para os moradores
dos arredores da capital e do interior, e a partir do qual mentinha a programação no
ar até 23h00min.
A Rádio Difusora Roraima completou 53 anos de funcionamento no estado
de Roraima, vem atuando com uma programação diversificada levando lazer,
cultura e notícias à população boavistense e aos demais ouvintes dos arredores da
capital e interior do estado, consistindo em sua programação um conteúdo
totalmente voltado para a realidade local do estado.
Atualmente a emissora pertence ao Governo do Estado na Freqüência AM –
590/OT – 4875, possibilitando um alcance em quase todo o estado de Roraima, tem
seu nome registrado como “R|dio Difusora de Roraima”, seus s~o a R|diobr|s e o
Governo de Roraima, no qual a sua administração está a cargo do radialista Barbosa
370
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Júnior. A emissora também possui um site de endereço: www.radiororaima.com.br
o qual está sendo atualizado, mas por meio é possível adquirir várias informações
como a programaç~o, a história da emissora, sua equipe e atua com o slogan: “A
R|dio Oficial nos Grandes Eventos”.
Endereço: Av. ENE GARCES, N. 888 – São Francisco
Boa Vista – RORAIMA
CEP: 69.305 – 135
TELEFONES: (95)3623-2131/ 3623-2259
Email: Não Possui.
Site: www.radiororaima.com.br
2.
RADIO EQUATORIAL FM
No início da década de 1980, Roraima foi agraciada com uma emissora FM
de radiodifus~o, nascia a primeira radio FM do estado e recebeu o título de “R|dio
Equatorial, funcionando na freqüência 93,3 Mhz.
A Emissora ao longo de seu funcionamento passou por cinco proprietários
que fizeram parte de sua implantação e história, os primeiros foram Julio Martins,
Moisés Lipnik (falecido) José Renato Hadad (falecido), José Barros (Alemão)
falecido e Rogério Miranda. Atualmente a emissora tem como proprietário o
radialista e apresentador de Televisão Emílio Surita.
Em sua caminhada, a Rádio Equatorial fez e faz parte da história de
Roraima, pois esteve presentes em vários acontecimentos importantíssimos do
estado, fazendo coberturas e transmitindo aos ouvintes da capital e interior, a
emissora tem um grande público na cidade de Boa Vista e nos municípios vizinhos.
Por ser a Rádio FM mais antiga de Boa Vista, a 93,3 FM possui um público
bem diversificado, pois como permaneceu por alguns anos sem concorrentes na
mesma freqüência, a emissora dominou por um bom tempo o mercado e como Boa
vista é uma capital com pouco mais de trezentos mil habitantes, possuindo quatro
FM e duas AM, sendo que uma FM tem uma programação religiosa e conservadora
por pertencer a igreja católica, outra é apenas retransmissora, ou seja, não possui
programação local, ficando somente duas emissoras com programação totalmente
local, como é o caso da R|dio Equatorial e a sua “maior” concorrente a R|dio
Tropical FM 94,1 MHz, isso leva ao fato de que o publico da 93,3 MHz é totalmente
mesclado, ou seja, os ouvintes são pertencentes a todas as classes, credos, raças,
idade e etnias.
A Programação da Emissora busca atingir o seu público que é bem
diversificado, isso leva sua equipe de produção criar uma programação que atinja a
todas as classes, credos, raças, idade e etnias, buscando satisfazer os seus ouvintes.
Nesse caso a programação não segue um padrão exclusivo, ou seja, a emissora
busca direcionar sua programação para todos os gostos, fazendo uma mistura de
371
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
vários estilos de programas, pois a 93,3 FM possui uma programação que vai do
forró ao jornalismo, passando por variedades, seguindo pelo entretenimento,
policial, sertanejo e humorístico, tornando uma programação altamente eclética.
O Jornalismo da Rádio Equatorial é produzido pelo seu departamento de
jornalismo e conta com uma equipe qualificada e com correspondentes exclusivos
em Brasília que cobrem a Câmara e o Senado Federal e no estado de São Paulo. Esse
departamento também conta com a parceria da 93,3 FM com a Rádio Web, parceria
que fortalece o jornalismo da emissora, pois é através dessa parceria que a emissora
faz a cobertura dos principais acontecimentos no Brasil e no mundo, levando ao
ouvinte da 93,3 FM notícias, informações, denúncias e cobre os fatos mais
polêmicos e as principais noticias policias do dia, no estado, no Brasil e no mundo.
A Rádio Equatorial está no mercado há mais de vinte anos, seu público
classifica a emissora como Equatorial ou 93,3 FM e a emissora possui o slogan “A
Nossa R|dio!”, est| com seu site em construção e brevemente seus ouvintes
poderão acompanhar sua programação pela Web no endereço:
www.93fmrr.com.br.
ENDEREÇO: AV. ÁLVARO MAIA, 441 – APARECIDA
BOA VISTA – RORAIMA
CEP: 69.306 – 330
TELEFONES: (095) 3224-7831 e 3224-6220
EMAIL: [email protected]
SITE: www.radiororaima.com.br
3.
RADIO TROPICAL FM
Antes de se tornar uma emissora da Rede Tropical de Comunicação e antes
de receber o nome de Rádio Tropical, a FM 94,1 MHz, antiga FM Nacional pertencia
à Radiobrás. Foi adquirida em leilão no ano de 1988, pelo empresário e atual
Deputado Federal Luciano Castro, o qual é proprietário da emissora juntamente
com a empresária Geilda Duarte Cavalcanti, esposa do empresário e atual Senador
Mozarildo Cavalcante, e posteriormente a emissora teve a aquisição de mais uma
sócia que é a empresária Rionete Reis, esposa do empreendedor e empresário
Pedro José Lima Reis, formando assim o grupo de proprietários da emissora.
Em 21 de Setembro de 1988, a Rádiobrás emite uma notificação em que
autorizava a emissora ir ao ar, mesmo com essa autorização a Rádio só pode
transmitir a sua primeira programação e entrar no ar definitivamente no dia 28 de
novembro de 1988.
No seu primeiro dia de transmissão, a emissora contava com seus primeiros
radialistas que são: o radialista Carlos Alberto, o Jornalista Jeremias Nascimento e o
radialista Adelmir Pimentel, esses são os radialistas mais antigos da emissora.
Atualmente somente dois deles continuam na emissora, já Adelmir Pimentel deixou
de fazer parte do corpo de radialistas da 94,1 FM.
372
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Durante a sua caminhada, a Rádio Tropical vem exercendo um trabalho
voltado para o público jovem, pois tem uma programação diversificada que nela se
encontram os programas mais antigos da emissora e de maior audiência que são
eles: o Show da Cidade, (com o radialista Carlos Alberto) e Momentos de Amor
(com o radialista Pedro Júnior).
Um fator importante e diferencial da emissora em relação à emissora é o
seu equipamento de transmissão, a Rádio Tropical possui um transmissor com 10 KV
de potência, atingindo uma abrangência de 100 km em todo o estado de Roraima,
isto é, a emissora não leva sua programação somente para a capital, ela também
alcança algumas cidades do interior em um raio de 100 km no estado de Roraima,
onde podemos afirmar que a emissora possui um poder de alcance considerável,
sendo uma das rádios FM do estado que alcança o maior número de municípios de
Roraima.
Em algumas cidades, a propagação da abrangência da emissora fica a
mercê do clima (vento, sol, chuva), como é o caso de Pacaraima que fica a mais ou
menos 200 km da capital e, além disso, Pacaraima está localizada em área
montanhosa, ficando acima do nível do mar, sendo assim a emissora consegue
atingir uma boa parte do município.
Por sempre manter um padrão em sua programação desde a sua criação, a
Rádio Tropical atinge um público jovem com programas diversificado e músicas
ecléticas voltadas para esse tipo de público. A emissora também possui um
noticiário local, onde nesse programa são abordados notícias e acontecimentos do
estado e também notícias e acontecimentos do Brasil e do mundo.
A emissora possui uma programação variada e diversificada, seguindo um
padrão implantado na empresa desde a sua criação. São mais de 20 programas que
fazem parte da emissora e seus conteúdos são de vários formatos buscando
satisfazer o público, levando notícias, entretenimento e diversão ao ouvinte da 94, 1
FM.
RUA RICARDO FRANCO, Nº 139 – APARECIDA
BOA VISTA – RORAIMA
CEP: 69.306 – 370
TELEFONES: (95) 3623 – 2070 e 3623 – 2042.
E-mail: [email protected] SITE: www.redetropical.com.br
4.
RADIO FM MONTE RORAIMA 107,9 MHZ
A Emissora foi inaugurada em caráter experimental em 29.12.2002, e
posteriormente inaugurada em definitivo no dia 06.09.2003. A Rádio Monte
Roraima possui essa nomenclatura desde sua criação e pertence à Fundação
373
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Educativa Cultural José Allamanom cujo objetivo é desenvolver uma programação
voltada para a família e para marcar isso como posicionamento para o ouvinte
utiliza como slogan “Radio FM Monte Roraima – a serviço e da cidadania e segundo
dados de uma pesquisa de audiência realizada pelo Instituto Fecormécio, a emissora
possui 22 pontos de audiência local.
Em sua programação destacam-se os programas Conexão Sertaneja com
Evandilson Alves, 107.9 é show com José Maria Carneiro, um dos mais antigos
radialistas da cidade, o programa Ponto de Encontro com Márcia Seixas, o Informe
Esportivo com Gláubio Batista e Música da Amazônia com Vânia Coelho. Em sua
programação O jornalismo da emissora é composto pelos programas jornal Brasil
Hoje pertencente à Rede Católica de Rádio, o Monte Roraima Notícias, o qual é
produzido pela equipe Monte Roraima e prioriza as noticias do Estado e o Amazônia
é notícia da Rede de Notícias da Amazônia.
RUA FERNÃO DIAS PAES LEME N. 11 – CALUNGÁ
BOA VISTA – RORAIMA
CEP: 69.303 – 220
TELEFONES: (95) 3624 – 4522 E ( 95) 3624 – 4064
E-mail: [email protected]
SITE: Não possui.
5.
RÁDIO FOLHA AM
A emissora não disponibilizou seus dados, impossibilitando a publicação
dos mesmos e de sua história. Sabemos que a emissora transmite sua programação
na freqüência AM 1020 MHz, possui uma programação nacional e local, pois a
emissora é afiliada a Rede Jovem Pam e pertence ao Grupo Folha de Comunicação.
RUA LOBO DALMADA N. 21 – SÃO FRANCISCO
BOA VISTA – RORAIMA
CEP: 69.300 – 000
Telefones (95) 3624 – 4522 e (95) 3624 – 4064
E-mail: Não possui
SITE: Não possui.
6.
RÁDIO TRANSAMÉRICA FM
A emissora não disponibilizou seus dados, impossibilitando a publicação
dos mesmos e de sua história. A Rádio Transamérica é transmitida em Boa Vista na
freqüência 94,9 MHz, não possui uma programação local e tem como proprietário o
empresário Rodrigo Maciel Castro.
RUA CORONEL RICARDO FRANCO N. 139 – APARECIDA
BOA VISTA – RORAIMA
CEP: 69.306 – 370
TELEFONE: (95) 3623 – 8313/ 3623-6989
E-mail: [email protected]
SITE: www.transamericabv.com.br
374
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Considerações Finais
Boa Vista Capital do Estado de Roraima possui uma população estimada em
153.936 habitantes, isso torna a capital roraimense uma cidade com o maior índice
de população do estado, ou seja, setenta por cento da população de Roraima
encontra-se aglomerada em boa Vista.
Com uma população tão densa, Boa Vista abriga em seu seio natural, 06
emissoras de radiodifusão, onde duas delas são de freqüência AM e quatro são de
freqüência FM. Nesse contexto, podemos dizer que a população boavistense tem
uma quantidade razoável de emissoras a sua disposição.
Das 06 emissoras, duas são de freqüência AM, são elas: Rádio Difusora de
Roraima e Rádio Folha, a primeira é a emissora mais antiga e a primeira no estado a
ser implantada na década de 1950, pelo Presidente Juscelino Kubschek, ainda hoje a
emissora permanece no ar.
A Rádio Folha é uma emissora recente, foi implantada em Boa Vista no
século 2000, pertence ao grupo Folha de Comunicação, no qual possui o periódico
mais antigo do estado, o Jornal Folha de Boa Vista, pertencente ao economista
Getúlio Cruz.
Em Boa Vista a primeira emissora de rádio com freqüência FM foi a Rádio
Equatorial, que foi implantada na década de 1980, trazia em sua programação um
diferencial que permanece até hoje, que é o fato de fazer uma programação
altamente local e eclética, buscando alcançar todos os gostos, raças, etnias e
classes. Sua maior concorrente surgiu algum tempo depois, trazendo uma
programação diversificada, buscando atingir o público jovem, é assim que se
classifica a Rádio Tropical, pertencente à Rede Tropical de Comunicação, um grupo
que possui uma emissora de televisão que é afiliada ao Sistema Brasileiro de
Televisão – SBT.
Uma das emissoras mais recentes no estado, com uma programação
totalmente conservadora é a Rádio FM Monte Roraima, essa emissora se destaca
por ser uma emissora religiosa e conservadora, pertencente à Fundação Educativa
Cultural José Allamanom, onde seus fundamentos são católicos, por esse motivo a
emissora tem o principal objetivo de desenvolver uma programação voltada para a
família, buscando atingir o público religioso.
Por último, não menos importante, vem s Rádio Transamérica, afiliada a
Rede Transamérica do Brasil. A emissora foi implantada em meados dos anos 2000 e
possui uma programação totalmente nacional, pertence ao empresário Rodrigo
Maciel Castro e sua transmissão é através da freqüência 94,9 MHz.
375
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Podemos concluir que Boa Vista possui uma grande quantidade de
emissoras de radiodifusão de acordo com a sua população, essas emissoras buscam
se destacar entre elas e conquistar o público, como temos uma grande população
na capital, as rádios de Boa Vista agradam a população, não deixam de atingir o
interior também e leva informação, entretenimento, lazer, música e diversão aos
ouvintes roraimenses.
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Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A:
Faperj, 2006. p. 312-331.
RÁDIO EM BOTUCATU: 70 ANOS DE HISTÓRIA
Adriana M. DONINI
Jornalista e mestranda em Comunicação pela UNESP
Introdução
O rádio em Botucatu, cidade localizada no interior do Estado de São Paulo,
teve um papel de relevância em termos de influência cultural, social e política no
município. A primeira emissora começou a funcionar em 1939 e, a exemplo de
diversas outras de seu porte, a sua “época de ouro” se deu, principalmente, nos
anos de 1950 e 1970.
Os tipos de produções realizadas nas grandes emissoras, como os
radioteatros e radionovelas, serviram de inspiração para o rádio botucatuense, o
qual não se contentou em apenas veicular programas desse gênero que já
chegavam prontos à emissora para serem exibidos, mas também teve preocupação
em produzi-los. Os poucos recursos da época não foram obstáculos. Com improviso,
se obtinham materiais que pudessem ser úteis à produção dos efeitos sonoros. As
peças precisavam ser levadas ao ar ao vivo, mas isso também não era motivo de
preocupação para os que atuavam nas mesmas, já que eles se empenhavam para
agradar aos ouvintes.
A relação do público com a única rádio que havia na cidade começou a ser
cada vez mais próxima. Esse fator se dava tanto por parte das pessoas que lotavam
os auditórios quanto das emissoras que marcavam presença nos eventos
esportivos, sociais e, principalmente, culturais, exteriores à rádio e frequentados
pelos botucatuenses. O rádio passou a ser uma instituição respeitável na cidade
Na década de 1980, os programas musicais começaram a dominar as grades
de programação e ampliou-se a participação dos ouvintes por telefone, diminuindo
a presença da população nas emissoras e nos programas, os quais passaram a ser
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mais baseados no improviso e pautados por canções que faziam sucesso na TV ou
eram amplamente divulgadas pelas gravadoras.
Nos anos de 1990, acentuou-se a redução na audiência que se tornou mais
concentrada nos noticiários e, no caso dos programas de entretenimento,
constituída por pessoas que preservam o rádio como um elemento de
companheirismo.
Nas duas emissoras, a informatização tanto na captação de informações
quanto na produção e veiculação dos programas só ocorreu a partir de 2000.
Porém, constata-se que, por causa da diminuição do número de profissionais e de
programas, esses recursos não alteraram a qualidade dos conteúdos e tiveram
pouca interferência na interatividade com os ouvintes, que continua sendo feita, na
maioria das vezes, via telefone.
Surgimento do rádio em Botucatu
A primeira emissora inaugurada em Botucatu foi a Rádio Emissora de
Botucatu, no dia 30 de outubro de 1939. Esse fato aconteceu após várias tentativas
que, segundo informações do pesquisador João Carlos Figueiroa140, tiveram início
em 1934, quando um inspetor de uma empresa de São Paulo chamada Cacique veio
ao município para estudar as possibilidades de instalação de uma estação de rádio.
No ano de 1935, esse anseio teria voltado à tona, com a publicação de texto
sobre o assunto na primeira edição do jornal Folha de Botucatu, dirigido por Emílio
Peduti e Pedro Chiaradia. Em 1936, foi instituída a Sociedade Rádio Emissora de
Botucatu e, em 27 de outubro de 1938, já eram vendidas as primeiras ações. Mas, de
acordo com Figueiroa (ibid.), a autorização para que a rádio fosse colocada no ar só
se efetivou em 5 de julho de 1939, quando o Diário Oficial da União publicou a
licença do Ministério da Viação permitindo a instalação e funcionamento da
emissora pioneira da cidade. A partir daí, tiveram início atividades como seleção e
contratação dos speakers e cantores; organização da discoteca e do estúdio; e
escolha do local para instalação dos transmissores.
A nova emissora teve Emílio Peduti como diretor superintendente, Olívio
Nardy no cargo de diretor-gerente, e o compositor Angelino de Oliveira na função
de diretor artístico.
Em entrevista concedida a Figueiroa no dia 12 de abril de 1999, Milton
Marianno, um dos primeiros locutores da Rádio Emissora de Botucatu, afirmou que
foi incumbido de anunciar o prefixo da emissora, que foi guardado em segredo até a
inauguração:
140
Pesquisador da história de Botucatu e ex-radialista.
379
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Eu tive o prazer de ser o locutor que anunciou o prefixo da PRF-8 pela primeira vez.
Quando abriu a rádio, eu anunciei um prefixo que ninguém sabia. Foi mantido em segredo até
aquele momento. A preparação foi sigilosa, eu também não sabia, tanto que eu me apresentei
ao microfone e daí que eu abri o envelope aonde estava (escrito) PRF-8. (MARIANNO, 1999
entrevista concedida a FIGUEIROA, J.)
Em relação à programação inicial, havia o programa Gentilezas, que
consistia na veiculação de ofertas de músicas e desejos de felicidade, mediante
pagamento. Para tal, foram colocadas urnas em casas comerciais, locais esses que
eram denominados de Agentes do programa Gentilezas. Por causa da grande
demanda de solicitações, além de ocupar a maior parte da programação, o
Gentilezas, inclusive, invadia o horário de outros programas.
Na fase inicial, a PRF-8, como passou a ser conhecida a emissora
botucatuense, decidiu criar ainda um programa informativo, o Jornal Falado,
patrocinado pela Casa Popolo. Sobre a estrutura física na época, Marianno (ibid.)
recordou que o isolamento acústico era feito por meio de uma cortina de veludo e
que por esse motivo dentro do estúdio “era um calor insuport|vel”. A exemplo das
grandes emissoras de rádio, a apresentação de cantores e conjuntos musicais
também compuseram a grade de programação nos primeiros anos da emissora.
Consolidação do veículo no município
No começo da década de 1950, Botucatu contava com pouco mais de 40 mil
habitantes, incluindo a população dos distritos de Pardinho, Porto Martins e
Vitoriana, e cerca de 110 armazéns, além de algumas “casas de fazenda” destinadas
à venda de tecidos. Em relação ao entretenimento na década de 1950, além da ida
aos circos, os sábados eram destinados aos bailes, e os domingos aos cinemas.
No início da década de 1950, a Rádio Emissora de Botucatu foi vendida por
um valor considerado elevado. O prédio e quase todas as ações que pertenciam aos
irmãos Bacchi foram adquiridos por Geraldo de Barros e por seu irmão Antonio
Emydio de Barros. Naquela época, o rádio ainda representava uma novidade para a
população botucatuense e ocupava papel de destaque nos lares. As pessoas não
deixavam de acompanhar as dramatizações transmitidas por esse meio, gênero que
fez bastante sucesso nas grandes emissoras brasileiras na década anterior. Além da
reprodução de fitas oriundas de São Paulo, como a radionovela O Direito de Nascer,
existiam também produções realizadas por botucatuenses.
Heitor Titon, que iniciou no rádio na década de 1950 e atuou como técnico
de som da PRF-8 por mais de 50 anos, comentou sobre estas criações: "Nós
tínhamos vários que escreviam as novelas aqui, o professor Genaro Lobo. Nós
apresentávamos no nosso palco-auditório" (TITON, H. entrevista concedida à autora
em 2001).
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Naquele período, o radialista Mário Costa Novo era o responsável pela
direção de diversas peças teatrais, entre elas Tapete Mágico, apresentada
diariamente às 10h e que levava ao ar músicas características de um determinado
país, e Para Vovô Recordar, que consistia em valsinhas antigas, executadas por
conjuntos regionais. Em 1957, por exemplo, as histórias escritas por Costa Novo
possuíam meia hora de duração e consistiam em adaptações de letras de músicas,
sendo que cada radioator recebia a cópia do script (roteiro) e as apresentações
eram realizadas ao vivo. No final de cada história, a música adaptada era
interpretada por um cantor local.
O cotidiano de muitos botucatuenses, inclusive, era pré-determinado pelos
horários das radionovelas e de produções que despertavam o interesse das
pessoas. Algumas das atrações eram os programas de auditório como o No Reino da
Gurizada, em que se apresentam crianças, e Big Show F-8, que tinha como públicoalvo os adultos. O programa infantil era realizado aos domingos pela manhã e os
ensaios dos calouros mirins eram acompanhados pelos chamados conjuntos
regionais e aconteciam durante a semana.
Ivani Quadros, que participava dessa produção na década de 1950, conta
que desde o primeiro dia em que se apresentou já foi escolhida para ficar no trono.
Segundo ela, nessa época, o apresentador Plínio Paganini141 fazia a seguinte
pergunta aos presentes no auditório: “Quem vai para o trono?”. Sobre os prêmios
oferecidos pelo No Reino da Gurizada na década de 1950, Ivani diz que os
participantes concorriam a pacotes de Café Tesouro, Sabão Colosso e Chocolate
Lacta.
Benedito José Gamito142 é outro que apontou o aspecto comercial presente
no espaço infantil, característica típica de programas desse tipo que existiram no
Brasil. Já Oduvaldo de Oliveira, iniciou no rádio em Botucatu no final da década de
1950 e foi apresentador do No Reino da Gurizada. faz o seguinte comentário sobre o
programa:
O auditório, com capacidade para 120 pessoas sentadas, tinha sempre 120 em pé, se
acotovelando nos espaços laterais. Havia um patrocinador forte, a Lacta. Cada criança que
entrava no auditório ganhava um bombom Lacta. Os vencedores do programa ganhavam
produtos Lacta. Havia muita dedicação das pessoas que participavam na retaguarda do
programa. O sanfoneiro João Cicino, responsável pelo acompanhamento, era muito
entusiasmado, paciente e dedicado. Aos poucos foram aparecendo alguns destaques que
apresentavam boas qualidades de ritmo, voz, etc. (OLIVEIRA, O. depoimento concedido à
autora em fev. 2007).
Em relação ao Big Show F-8, esse programa era voltado aos calouros
adultos. Também vale salientar o quadro existente dentro desta produção e que foi
141
Plínio Paganini, foi radialista de grande destaque. Ingressou no quadro de funcionários da Rádio
Emissora de Botucatu, a PRF-8, em 1941. A partir daí, atuou nos mais variados setores do rádio, até
atingir o cargo de gerente, em 1956. Também foi vereador e prefeito do município.
142
Locutor desde a década de 1960. Entrevista condedida à autora em 2003.
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criado por meio de uma paródia da peça musical O Poeta e o Camponês, de Franz
Von Suppe. Esse espaço consistia em uma crítica bem humorada, principalmente
sobre os problemas enfrentados pela população de Botucatu pós-Segunda Guerra
Mundial. Mário Costa Novo, além de redator do quadro fazia também o papel do
camponês que contestava a fala do poeta, interpretado por Valdomiro Simão Cury,
que enaltecia a cidade de Botucatu.
Confira trecho do quadro O Poeta e o Camponês, que foi ao ar em 1948:
Valdomiro
Cidade, berço doirado
Plantado em cima da minha serra.
Tens o grande predicado
De alimentares quimeras
Mário
Botucatu, terra minha,
Oh, meu suave deleite...
Quando tens luz, não tens água
Quando tens pão, não tem leite.
Dentro da programação da PRF-8, se sobressaíam ainda os programas de
auditório Sequência Maravilhosa e Calouros de Hoje, Artistas de Amanhã. É
importante salientar também que diversos profissionais que ingressaram no rádio
em Botucatu na década de 1950 possuíram uma experiência anterior de locução no
serviço de alto-falante Volante Popular, que tinha como proprietário Venceslau
Pinto. Entre os que atuaram neste serviço antes de começar no rádio estiveram
Jaime Contessote; Valter Contessote, que iniciou na PRF-8 em 1957; e Osvaldo
Mário.
O esporte na cidade de Botucatu também já era destaque nesse período e o
rádio acompanhava essa atividade, dedicando programas exclusivos ao tema como
o Fatos e Não Boatos e o Esportes no Ar. Na área jornalística, havia O Mundo em
Marcha, espaço criado no dia 11 de fevereiro de 1958 e, no qual, eram veiculadas
informações locais, nacionais e internacionais. Além do Repórter Popolo, que
consistia na apresentação de notícias durante a programação. Ainda na década de
1950, a Rádio PRF-8 passou a ser comandada pelo irmãos Paganini.
O rádio em Botucatu na época do populismo
No começo da década de 1960, Botucatu havia crescido pouco em termos
populacionais. Surgiram algumas novas indústrias no município e outras já
existentes foram ampliadas. Com a expansão do comércio varejista e a decadência
das atividades agrícolas, a zona urbana cresceu: 78% da população passou a viver na
cidade. A taxa de alfabetização também aumentou. O município passou a contar
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com um novo prefeito: Emílio Peduti, que em seu último comício, no ano de 1959,
teve a participação do humorista Mazzaropi.
Quanto ao rádio, na década de 1960, a novidade ficou por conta das
transmissões esportivas externas realizadas em outras cidades. Esse espaço passou
a ser privilegiado, principalmente pelo fato de dois clubes do município, a
Associação Atlética Ferroviária e Associação Atlética Botucatuense participarem dos
jogos. Outro destaque de década em relação a esse veículo foi a implantação de
uma nova emissora e contratações de profissionais.
Surgimento da Rádio Municipalista
O ano de 1962 registrou um fato importante para a história do rádio
botucatuense. No dia 27 de maio daquele ano, foi inaugurada a segunda emissora: a
Rádio Municipalista de Botucatu. Ela pertencia a Emílio Peduti, político de oposição
a Plínio Paganini, proprietário da PRF-8. A denominação se deve ao fato de Peduto
ser um líder municipalista na época.
O locutor José Maria Leonel recorda como a população botucatuense
recebeu a notícia de que surgiria uma nova emissora de r|dio na cidade. “Quando
foi autorizada a concessão da sua implantação, foi uma conquista, uma festa para a
cidade, porque era a segunda emissora. Botucatu ganhou mais um veículo de
comunicaç~o”. (LEONEL, J. M. depoimento concedido { autora em 2001)
Segundo pessoas que vivenciaram a inauguraç~o da “R|dio do Povo”
(como a emissora passou a ser conhecida), e informações do jornal Folha de
Botucatu de 2 de junho de 1962143, a solenidade de inauguração, ocorrida a partir das
8 horas, contou com as presenças de diversas autoridades locais, dos deputados
federais Ana Badra e Cunha Bueno, do deputado estadual Jaime de Almeida Pinto,
além de pessoas que estavam no município participando da XII Convenção dos
Industriais.
Em depoimento, o ex-radialista José Roberto Quinteiro comentou esse
fato:
Naquela manhã de 27 de maio de 1962, uma programação musical realmente muito bonita, os grandes
sucessos da época em long plays. À tarde, a primeira grande transmissão externa da rádio Municipalista
no estádio Dr. Acrísio Paes Cruz, da Associação Atlética Ferroviária pela taça Cidade de São Paulo, um
jogo de futebol envolvendo o time da Ferroviária versus Sociedade Esportiva Palmeiras. À noite, em
praça pública, um acontecimento que trouxe para Botucatu os grandes astros e estrelas da música
popular brasileira. Esse show foi em praça pública (QUINTEIRO, J. R. depoimento concedido à autora em
2001).
Sobre a implantação da segunda emissora de rádio, diversas pessoas
atribuem seu surgimento a questões políticas. Quanto à programação, nos anos
143
INAUGURADA oficialmente a Rádio Municipalista. Folha de Botucatu, Botucatu 02 jun. 1962.
383
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iniciais, a Municipalista também passou a realizar programa de auditório voltado ao
público infantil, além de produções desse gênero destinadas aos adultos. As
radionovelas foram outro formato de programa que teve espaço na nova emissora.
Bahige Fadel144 lembra que ele era o responsável por alguns programas que
iam ao ar no período, como uma produção sobre cinema. E, logo em seguida a essa
apresentação, ele se transformava no contador de histórias infantis do programa
Historinhas do Titio Jojoca, que era levado ao ar entre 17h e 18h.
No início, a Municipalista despertou o interesse de diversos profissionais
que já atuavam no rádio e passaram a querer trabalhar no novo espaço, o que
motivou a disputa entre as duas emissoras pela audiência e a tentativa de melhor
elaboração dos programas com o intuito de conquistar os ouvintes. Benedito
Santa Rosa145 explica que um dos gostos dos profissionais da emissora em que ele
atuava era serem pioneiros em levar ao ar discos recém-lançados. Uma das táticas,
utilizadas para evitar que a Municipalista gravasse os sucessos e veiculasse mais
tarde consistia na inserção do nome da Rádio Emissora em meio as músicas novas.
Renê Alves de Almeida146 também disse que havia uma preocupação em se
conseguir os últimos LPs de sucesso em São Paulo e rodar o prefixo da emissora
para não haver cópia.
Programas de auditório da PRF-8 na década de 1960
Os programas No Reino da Gurizada e Big Show F-8 fizeram ainda mais
sucesso em 1960. Diversos botucatuenses têm ainda hoje em suas memórias aquela
época em que se divertiam com a produção infantil. Mas um outro programa de
auditório foi criado e começou a despontar nos anos 1960. Era o Galeria dos Mirins,
voltado aos calouros adolescentes. Oduvaldo de Oliveira, que foi o responsável por
idealizar essa produção, explica como ela teve início:
Conversei com o João Cicino (sanfoneiro) e pedi sua opinião sobre um programa
que abrisse espaço para aqueles destaques do ‘No Reino da Gurizada’ e ele achou boa a ideia.
Fomos selecionando as crianças para um novo programa. Estava nascendo a ‘Galeria dos
Mirins’. Quando tudo estava organizado falei da idéia para o Plínio Paganini (diretor e sócioproprietário da emissora). Ele gostou e disse para preparar o programa que ele queria ver.
Informei que o programa estava pronto e ele foi assistir um ensaio. Gostou e passamos a
estudar um dia da semana. Teria que ser à noite. Havia o problema da segurança das crianças.
Voltariam muito tarde para casa. O problema foi resolvido assim: após cada programa a perua
da rádio entregaria cada criança em sua casa. Com autorização, por escrito, dos pais, a rádio
assumiria a responsabilidade pelas crianças. O Juizado de Menores autorizou e o projeto
seguiu adiante. Acabava de nascer a ‘Galeria dos Mirins’ que por alguns anos brilhou nas
noites de quarta feira (OLIVEIRA, O. entrevista concedida à autora em fev. 2007).
144
Bahige Fadel ingressou no rádio na década de 1960. Entrevista concedida à autora em fev. 2005.
Iniciou sua carreira na PRF-8 em 1963, atuou como técnico de som e apresentador de diversos
programas, entre eles o No Reino da Gurizada. Entrevista concedida à autora em 2004.
146
Ex-locutor e repórter. Depoimento concedido à autora em 2005.
145
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MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Ainda segundo Oliveira, o programa começava às 20h e terminava às 21h. O
acompanhamento musical era do Regional Tabajara.
Informação
O setor de informações no rádio botucatuense também se ampliou na
década de 1960. No dia 1º de março de 1964, a Rádio Emissora lançou O Palanque,
programa jornalístico que existe até os dias atuais.
Sobre a implantação dessa produção, Figueiroa explica que ela representou
grande mudança no rádio botucatuense. Ainda em relação a esse programa, ele
afirma que:
Composto com subsecções de variedades, como piadas, noticiário policial,
coment|rios do dia, reportagens em tempo real e entrevistas, o programa ‘pautou’ todo
organizador de programação das demais emissoras. Foi um formato que deu certo;
enquadrou-se com o dia-a-dia da cidade. Nisso está a inovação: noticiário não era apenas para
ser ouvido, mas para ser entendido. Comentar tornava-se mais interessante, acrescentando
aos ouvintes, recursos no entendimento das notícias (principalmente locais), tais como
debates, entrevistas e opiniões conflitantes sobre o mesmo assunto. E sobre o formato resta
dizer que, segundo os mais velhos jornalistas, inspirou-se no tradicional ‘O Trabuco’, de
Vicente Leporace, da Rádio Bandeirantes (FIGUEIROA, J. entrevista concedida à autora em
2005).
Na Municipalista, havia os programas Esclarecendo o povo, exibido no final
da tarde; Peduti e Municipalista informam; e o Jornal em sua casa, exibido por volta
das 21h. Algum tempo após a implantação de O Palanque, a emissora criou A
Marreta, que também ainda é veiculado.
Segundo depoimentos naquela época, as notícias eram captadas, em
código Morse, de agências como a United Press Internacional (UPI) e France Press e,
no período em que não havia nenhum radiotelegrafista, esse serviço chegou a ser
realizado por funcionários dos Correios ou policiais.
A participação do rádio botucatuense em eventos sociais
A participação das emissoras na promoção de eventos sociais também
começou a despontar nessa época. Entre essas atividades estavam shows em
praças públicas. Havia ainda desfiles de bandas e fanfarras, promovidos pela Rádio
Municipalista, além de homenagens ao dia das mães por meio de programas
gravados em escolas com a participação dos alunos; e sorteio de brindes, atividade
esta última criada pela PRF-8 no ano de 1959 e realizada ainda hoje.
A época da ditadura militar
Sobre a censura militar, a partir de meados da década de 1960, profissionais
que trabalharam no rádio nesse período explicam que as direções das emissoras
procuravam seguir as normas impostas.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
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Em relação ao jornalismo, Rubens Roberto Herbst147, que ingressou no
rádio em Botucatu na década de 1960 como técnico de som, disse que as notícias
colhidas pelo rádio-escuta, geralmente oriundas das rádios Bandeirantes e Tupi,
eram gravadas, transcritas sem modificações antes de serem levadas ao ar e
arquivadas. No caso da utilização dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São
Paulo, ele explica que as notícias já vinham censuradas e que o locutor citava a
fonte, o que acabava não causando problemas às emissoras.
De acordo com Mário Perini148, que foi diretor da Municipalista em meados
da década de 1970, não podiam ser exibidas músicas que abordavam, por exemplo,
a questão da distribuição de terra, a igualdade. O ex-locutor Valter Contessote149
também explicou que o diretor da PRF-8 na época orientou os técnicos a não
veicularem algumas faixas de determinados disco, mas para se certificar de que não
haveria problemas, a tática utilizada foi riscar a faixa com uma gilete. Santa Rosa
(ibid.) contou que quando chegavam até à emissora discos que possuíam alguma
música proibida, os mesmos continham um selo com essa indicação. Gamito (ibid.)
avalia que ambas as emissoras de rádio estavam "partidariamente a favor do
governo".
Segundo Figueiroa (ibid.), Pedro Rocha, redator-chefe da F-8, chegou a ser
preso, mas o motivo foi o fato de ser militante político. Na verdade, uma medida de
precaução.
Herbst (ibid.), no entanto, destaca um outro tipo de censura, com
conotação mais moralista: o da igreja. Segundo o profissional, o arcebispo de
Botucatu teria proibido a veiculação integral da música Geni e o Zepelin. “Tivemos
que passar essa faixa para uma fita e cortar uma express~o utilizada”.
Talvez as restrições façam com que se invista em determinados gêneros
musicais, considerados aceitáveis pela política em vigor. Para acompanhar o ritmo
da Jovem Guarda, as emissoras lançaram programas que veiculavam músicas
relacionadas a esse gênero como o Juventude em brasa, Supershow de sucessos e
Linha jovem.
O rádio e o início da TV no município
A invenção que chegou ao Brasil em 1950, na década de 1970, começou a se
tornar de mais fácil acesso à população botucatuense. Figueiroa (ibid.) explica que
até o advento do serviço de repetição criado pelo prefeito Joaquim Amando de
Barros, em 1966, era impossível para a TV concorrer com o r|dio. “N~o est|vamos
preparados para receber os sinais, como também as grandes emissoras de TV não
147
Técnico de som e locutor. Entrevista concedida à autora em maio de 2005.
Ex-locutor. Entrevista concedida à autora em 2005.
149
Ex-locutor. Entrevista concedida á autora em 2006.
148
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
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haviam se modernizado para dar um basta no chuvisco”. Ainda, segundo Figueiroa,
o rádio valeu-se da demora da TV em chegar aos lares com uma imagem de
qualidade, para abastecer-se com uma programação que não era oferecida pela
televisão como, por exemplo, a transmissão esportiva.
Além de esporte e notícia, na década de 1970, a programação musical foi
ampliada e os programas sertanejos começaram a ganhar espaço, principalmente,
no início da manhã e no final da tarde. Nesse gênero, integraram a grade de
programação, por exemplo, as produções Ranchinho da Alegria, Ranchinho de
Caboclo e Anoitecer no Sertão. A interatividade com os ouvintes não mais se dava
por meio dos programas de auditório, mas pelo telefone.
Programação nos anos 1980 e 1990
Na década de 1980, já com maior penetração da televisão no município, as
emissoras seguiram as inovações e aderiram aos gêneros musicais do momento,
conseguindo levar ao ar canções que eram executadas pela televisão e por
emissoras de rádio da capital. Nos programas de entretenimento, havia quadros
como o cantor misterioso, que tinha por objetivo a descoberta do nome do cantor,
o qual a voz era distorcida pela mudança da rotação. Além da competição entre
duas músicas de sucesso da época, espaço em que os ouvintes telefonavam e
escolhiam qual das concorrentes julgavam melhor.
O jornalismo também se manteve forte. Nesse período, o cotidiano da
população não fugia aos microfones das emissoras. As reportagens externas
possuíam grande espaço e os principais acontecimentos eram noticiados
praticamente no momento em que ocorriam como, por exemplo, desfiles escolares;
jogos; carnavais; apresentações musicais; acidentes de trânsito; e furtos.
Com diferença acentuada no formato da programaç~o dos “anos de ouro”,
a exemplo de outras emissoras do país, na década de 1990, percebe-se que a
audiência passa ser maior entre alguns públicos. Nos programas de entretenimento,
por exemplo, nota-se maior participação de pessoas que vêem o rádio como uma
companhia. Os telefonemas, nesse tipo de produção, passaram a ser maiores por
parte de donas de casa e empregadas domésticas, por exemplo. O espaço para que
o ouvinte solicitasse músicas também foi reduzido.
Emissoras aderem à informatização
No caso da Municipalista, a utilização da Internet como fonte de
informação se deu por volta do início de 2000, porém, com o quadro de
funcionários reduzido em relação às décadas anteriores. Essa ferramenta, então, foi
empregada para se obter notícias das agências e diminuir o trabalho de produção
dos programas informativos.
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A transmissão online foi um recurso implantado no Brasil, em 1996. A Rádio
Emissora de Botucatu colocou seu site no ar no dia 6 de setembro de 2008. Esse
fato foi celebrado com show de cururu (desafio cantado) no auditório, unindo a
modernidade com as raízes da emissora. O endereço eletrônico da PRF-8 é
www.prf-8.com.br. Desde o final de 2008, a Municipalista também dispõe de um
site (www.radiomunicipalista.com.br).
Panorama mais recente
A Rádio Emissora de Botucatu tem procurado retomar algumas atividades
realizadas no passado como transmissões de carnaval, esportes e desfiles, além de
retransmitir programas católicos e vender horários da grade de programação para
outras religiões. A emissora ainda pertence a membros da família Paganini, que está
no comando desde 1959. A PRF-8 também passou, desde 2007, a realizar atividades
em seu auditório como exposições de equipamentos antigos, fotos e capas de vinis.
Esse espaço ainda tem sido utilizado esporadicamente para apresentações musicais.
No dia 12 de outubro de 2008, foi promovida uma festa no interior da rádio voltada
ao público infantil e, em 2009, diversas atividades no auditório em comemoração
aos 70 anos da emissora como o 1º Show Infanto-Juvenil Musical (SIM). Houve ainda
a produção de uma série denominada Arquivo, na qual foram veiculadas gravações
sobre coberturas e entrevistas armazenadas pela emissora ao longo de sua história.
Em 2001, a Municipalista alterou seu perfil, quando a direção da emissora
decidiu terceirizar os horários da programação, como já havia acontecido em alguns
outros municípios. Com isso, houve extinção de programas. A emissora também
passou a retransmitir parte da programação da Jovem Pan. Hoje conta,
principalmente, com o programa A Marreta que vai ao ar das 7h às 11h, e algumas
produções musicais.
Considerações finais
Por essa trajetória das emissoras de rádio de amplitude modulada em
Botucatu percebemos que o veículo teve um papel social, político e cultural,
importante no município. O estímulo aos profissionais, a criação e o envolvimento
entusiasta deles pareciam ser maiores na “época de ouro” desse meio de
comunicação na cidade se comparados à atualidade. Isso se constata não apenas
pela fala dos mesmos - que contém, indiscutivelmente, certo saudosismo e orgulho , mas também por alguns conteúdos verificados nas programações das rádios,
levando-se em conta, nesse caso, as restrições tecnológicas da época.
A seleção de profissionais também era mais rigorosa tanto em relação aos
que atuavam na parte técnica quanto aos locutores, sendo que no caso dessa última
categoria, era utilizada a exigência que vigorava, ou seja, que tivessem vozes que se
enquadrassem no padrão adotado naquele período. Em determinados momentos,
principalmente nas décadas de 1950 a 1970, a emissora procurava adequar a sua
388
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
programação às tendências musicais e artísticas daquela época se espelhando,
muitas vezes, nas grandes emissoras e a população também tinha sua vida social
atrelada a esse veículo, que inclusive disputava com o cinema o papel de
entretenimento.
Nos anos 1980 e em meados dos 1990, o rádio ainda apresentava uma
relação considerável com a população. É a partir daí que notamos uma diminuição
da interatividade e menor participação do público, além de menor exploração por
parte das emissoras dos recursos radiofônicos. Apesar da informatização nos anos
2000, percebe-se que os recursos tecnológicos não foram potencialmente
explorados nas produções radiofônicas que passaram a apresentar menor
elaboração e interatividade com os ouvintes.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, R. A. Ex-locutor e repórter. Depoimento [2005]. Botucatu, 2005.
Entrevistadora: Adriana Donini
CONTESSOTE, V. Ex-locutor. Depoimento [2006]. Botucatu, 2006. Entrevistadora:
Adriana Donini
DONINI. A. No ar: Rádio em Botucatu, anos 1950 a 1970. Botucatu, 2006.
FADEL. B. Ex-locutor. Depoimento [fev. 2005]. Botucatu, 2005. Entrevistadora:
Adriana Donini
FIGUEIROA, João Carlos. Pesquisador e ex-locutor e repórter. Depoimento [julho de
2005]. Botucatu, 2005. Entrevistadora: Adriana Donini
GAMITO. B. J. Locutor. Depoimento [jan. 2003]. Botucatu, 2003. Entrevistadora:
Adriana Donini
HERBST, R. R. Técnico de som e locutor.
2005. Entrevistadora: Adriana Donini
Depoimento [25 maio 2005]. Botucatu,
INAUGURADA oficialmente a Rádio Municipalista. Folha de Botucatu, Botucatu, 02
de junho de 1962. Disponível no acervo do Centro Cultural de Botucatu.
LEONEL, J. M. Locutor. Depoimento [2000]. Botucatu, 2000. Entrevistadora:
Adriana Donini
MARIANNO, M. Ex-locutor. Depoimento [12 abril 1999]. Botucatu, 1999.
Entrevistador: João Carlos Figueiroa.
389
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
QUADROS, I. Ex-cantora de programas de auditório da PRF-8. Depoimento [fev.
2006]. Botucatu, 2006. Entrevistadora: Adriana Donini.
SANTA ROSA, B. Ex.locutor. Depoimento [2004]. Botucatu, 2004. Entrevistadora:
Adriana Donini
TITON, H. Ex-técnico de som e locutor. Depoimento [2001]. Botucatu, 2001.
Entrevistadora: Adriana Donini.
PROGRAMAS PORTUGUESES EM RÁDIOS DE SÃO PAULO: A MEMÓRIA
E SEUS CÓDIGOS150
Mônica Rebecca Ferrari NUNES
Doutora em Comunicação e Semiótica (PUCSP)
FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, SP.
UNIFAI- Centro Universitário Assunção, SP.
Introdução
Entre as noites de sábado e até as tardes do domingo, pode-se escutar, nas
ondas AM, emissões de música portuguesa costuradas a notícias sobre Portugal e
sobre a comunidade luso-descendente. São programas há anos comandados pelos
mesmos locutores que envelheceram junto com a maior parte de seu público.
Talvez, algo nas vozes doces desses locutores-amigos convidem o ouvinte ao
restabelecimento de sonoridades esquecidas no espaço imaginário e mítico da terra
natal como sons e sotaques de rimas antigas, “almas vencidas, noites perdidas,
sombras bizarras...”151 que soam deste gênero de programação em luta aguerrida
para continuar existindo no dial.
Os ouvintes entrevistados para esta pesquisa vieram para o Brasil na
segunda grande leva migratória, durante a década de 50-60, e cruzaram o Atlântico
em embarcações de bandeiras italianas e alemãs, predominantemente. Os nomes
femininos das naus, como Anna C, dissipavam a aridez da viagem, longa e, muitas
vezes, penosa. Particularmente, naquele momento da história de Portugal, jovens
abandonavam o país, fugindo da obrigação militar de guerrear nas províncias
espalhadas pela Índia, África e Oceania, que estavam em conflito com as forças do
regime político comandado pelo Primeiro-Ministro, Antônio de Oliveira Salazar.
Não por acaso, a história dos programas portugueses no rádio paulista
dialoga com a cultura portuguesa em São Paulo que, naquele momento, encontrara
no rádio e na televisão as mediações necessárias para suas manifestações artísticas.
150
151
Trabalho encaminhado para o GT História da Mídia Sonora.
Versos do fado Tudo isto é Fado, de F. Carvalho.
390
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
A historiadora Sônia Maria de Freitas (2006) registra alguns depoimentos que
indicam a audição de inúmeros quadros radiofônicos de grande popularidade.
Melodias Portuguesas, apresentado pela fadista brasileira, porém amante da
música de além-mar, Irene Coelho, fora criado, em 1941, por seu marido, o
guitarrista Manoel Coelho, e exibido pela antiga Rádio Cosmos152 , depois pela Rádio
Piratininga, e, Rádio 9 de Julho, permanecendo no ar durante 65 anos, mudando de
emissoras e com poucas interrupções. Em janeiro de 2008, era apresentado na
Rádio Trianon.153 A Princesinha da Canção Portuguesa, título que recebeu do fadista e
radialista Júlio Pimentel, faleceu em 2008.
Longe dos Olhos, Perto do Coração, idealizado por Júlio Pereira, já era
transmitido em 1964, todos os dias pela Rádio 9 de Julho, conforme relatou um
depoente, compositor e radialista, em entrevista por e.mail154:
Nessa época, o Julio já tinha seu programa, todas as manhãs no qual promovia
a saudade de Portugal, com seus artistas tradicionais, dando vida e alegria a colônia
Portuguesa de São Paulo. Falava muito do Manuel Marques, das Cantinas e promovia
todas as festas e a vida social dos Portuguezes. Não me lembro muito bem, mais a
Rádio 9 de Julho foi fechada pelo regime militar, acho que foi por volta de 1973,
quando então todos perderam seus programas.155
Saudades de Além-Mar, de Nuno Madeira, transmitido pela Rádio Record, e
Horas Portuguesas, levado ao ar pela Rádio Panamericana, dirigido por João
Fernandes e apresentado por sua esposa, Inez Fernandes, são alguns dos
programas radiofônicos que acompanharam a chegada daqueles portugueses que
escolheram o Rio de Janeiro e São Paulo como estados-âncoras para sua fixação.
Segundo Maria Izilda Mattos (2008), São Paulo tornou-se o principal atrator
para a imigração, que, entre 1950 e 1960, era espontânea, isto é, não havia qualquer
forma de incentivo para atrair os estrangeiros. De 1.085.287 imigrantes residentes
no país, 310.261 eram portugueses e, destes, 135.428 moravam em São Paulo,
segundo a historiadora. Esta grande comunidade pôde simbolicamente recuperar
seus vínculos graças às associações e centros criados não apenas para estimular a
sociabilidade entre seus membros, mas também para servir como mecanismo de
controle e comunicação do governo salazarista e a divulgação de sua propaganda
152
No trabalho de. Lessa Matos (2002) há a indicação de que a partir de 1945, a emissora tornou-se
Rádio América, entretanto, a pesquisa de Federico (1982:73) afirma que a rádio fora comprada pela
rádio Bandeirantes com o respaldo de seu dono, o Governador Ademar de Barros.
153
http://thmatarazzo.bloguepessoal.com/107553/Irene-Coelho-Princesinha-da-cancao-portuguesaacesso em março de 2010.
154
Esta entrevista foi realizada porque no site deste radialista constavam depoimentos sobre Júlio
Pereira. Mantive o registro linguístico original para preservar o documento.
155
A Rádio 9 de Julho fora reaberta somente em 1999 e até o final da escritura deste trabalho não foi
possível descobrir para qual emissora o programa Longe dos Olhos, Perto do Coração se destinou
durante este intervalo, mas sabe-se por meio de depoimentos de ouvintes, que ele continuou no ar.
391
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
(Mattos, 2008), em meio às atividades recreativas, inclusive as musicais, que
evocavam lembranças da terra deixada, de modo a reconstruírem marcas
identitárias entre a comunidade e Portugal.
Porém, discutir se os programas radiofônicos da época contribuíram ou não
para a propagação dos ideais do Estado Novo Português não é o objetivo deste
trabalho. O que vale apontar, aqui, é a força dos signos sonoros marcadamente nas
músicas selecionadas para as programações, como o fado, seus intérpretes, e
mediadores, assumindo simultaneamente os papéis de fadista e de radialista, como
a já citada Irene Coelho e também Manuel Marques, Abílio Herlander, Julio Pereira,
Júlio Pimentel, entre outros que fizeram a história dos programas radiofônicos
portugueses no Brasil.
O último fluxo migratório relevante ocorreu durante os anos 70 em função
da Revolução dos Cravos. De lá pra cá, programas desapareceram, fadistasradialistas abandonaram a profissão ou morreram, o rádio está também na Web, as
mediatizações se complexificaram em camadas de fluxos sígnicos cada vez mais
velozes e os patrocínios estão à míngua.
O artigo contundente de Claúdia Tulimoschi (2010)156, “Música Portuguesa
no Brasil – O Fim de uma Era”, lamenta o estado de muitos programas do r|dio
carioca157, dedicados à preservação da cultura portuguesa no Brasil, que pouco a
pouco vêm perdendo apoio financeiro e não encontram saída além do
encerramento, a exemplo do Programa Júlio Pimentel, que foi ao ar pela primeira
vez em outubro de 1942, pela Rádio Vera Cruz, e que desde 1978, ano da morte de
seu fundador, era transmitido pela Rádio Bandeirantes do Rio de Janeiro por
Antônio Campos e por Hélia Costa. O programa teve sua última emissão em
fevereiro deste ano. Muitos outros estão sofrendo o mesmo destino: sucumbindo
ao descaso de empresários que poderiam viabilizar a continuidade de um projeto
cultural e comunicativo tão longo quanto a própria presença das levas migratórias
portuguesas, do século XX, para o Brasil.
Entretanto, ainda assim, é possível mapear programas paulistas que
rememoram musicalidades e falas que conectam seus ouvintes a escutas
abandonadas há tempos. Estes programas têm longa permanência no ar, alguns
inclusive irradiados na mesma emissora, como o Programa Portugal Trilha Nova, de
José Francisco Varela Leal, que há 43 anos atua à frente dos microfones da Rádio
ABC, 570 AM, Santo André, transmitido aos domingos, ao meio-dia.
156
http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_artigo_660.htm - acesso em 16 de março de 2010.
Claúdia Tumolishi refere-se ao encerramento de quatro programas desde o início de 2010 e ao
encurtamento da duração daqueles que ainda permanecem em atividade justamente pela ausência
de apoio financeiro. Está construindo a Web Rádio Portugal http://webradioportugal.blogspot.com/
como uma forma de tornar viável a manuntenção deste gênero radiofônico e de divulgação da
cultura portuguesa.
157
392
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Embora o Projeto sobre os Programas Portugueses em São Paulo não
esteja finalizado, pode-se afirmar que eles geram “repertórios de resistência”,
tomando por empréstimo o conceito de Antonio Gramsci (1987), para indiciar que
aqui imperam durações avessas à velocidade vertiginosa impostas às produções
midiáticas rapidamente descartadas em face de um mundo obstinadamente jovem.
Imperam as durações do fado, de vozes de velhos apresentadores e de velhos
ouvintes, sem significar recrudescimento ou morte simbólica.
As vozes envelhecidas dos homens-mnemones do rádio
Simone de Beauvoir (1970) abre seu valoroso A Velhice, afirmando a
necessidade de se quebrar a conspiração do silêncio em torno deste tema. Outra
conspiração insurge: a das vozes envelhecidas reconduzindo a memória do ouvinteimigrante às reinvenções da paisagem que deixara, por meio das letras dos fados
mais pedidos nos programas, dos sons da guitarra portuguesa, da voz de
intérpretes que preservam este gênero de canção atemporal, sujeito à difusão
midiática, neste caso, a dos programas em pauta.
Presença Portuguesa, Rádio Universal AM, Santos, está no ar há 60 anos,
comandado pela fadista brasileira, octogenária, Lídia Miguez, outrora acompanhada
do marido, também fadista, senhor Manoel Ramos, português de Vila Nova de
Foscoa, que chegara ao Brasil com 3 anos de idade. Manoel Ramos relembra as
transformações do veículo: “outro dia cheguei { r|dio e notei que tinham acabado
com o vinil, com a fita-cassete, era um aparelhamento mais moderno, um MD. Aí eu
disse: escuta, ainda tem microfone para fazer r|dio?” (Valente, 2008:130-131).
Atualmente, em Santos, existem seis programas portugueses em atuação,
porém, do mesmo modo que as dificuldades cariocas, já descritas, Ramos sente a
perda do apoio financeiro devido à mudança do próprio sistema comercial. Se
antigamente, os patrocinadores dos programas eram os pequenos comerciantes de
padarias, açougues e quitandas, hoje são as grandes organizações que têm
condições para investimentos publicitários maciços, contudo demonstram pouco
interesse neste tipo de programação.
Porém, as emissões sobrevivem, talvez graças à teimosia de seus
idealizadores que muitas vezes transitam do rádio para a vida social da comunidade
luso-brasileira, a exemplo de Lídia Miguez, Martins Araújo, Varela Leal,158 e desse
vínculo espacialmente marcado nas ações da comunidade organizada em
associações, clubes, centros, renasçam vozes e músicas, a cada final de semana,
ritualisticamente nas ondas da radiofonia paulista.
158
Varela Leal idealizou, em 1985, no ar, a ideia de formar um Clube que aglutinasse toda a
comunidade luso-brasileira do Grande ABC. Surgiu O Clube de Portugal do Grande ABC, que, em
2007, passou a chamar-se Casa de Portugal do Grande ABC, “unindo os imigrantes de toda
parte”(http://portubrasilis.blogspot.com/2009/03/francisco-jose-varela-leal-80-anos.html).
393
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
As marcas espaciais da cidade santista e a participação nas entidades
comunitárias também contribuíram para Lídia Miguez articular o Audição Mulher,
segmento do Presença Portuguesa. Diz, dona Lídia:
No programa Presença Portuguesa, eu precisava destacar as senhoras lusobrasileiras e as descendentes de portugueses também. E eu procurei modificar um
pouquinho e valeu, porque você ressalta o que as mulheres fazem, o que as
senhoras fazem nesta sociedade(...) isso eu tenho visto no Elos Clube, em São
Vicente, Praia Grande, Santos, nas casas de Portugal. As senhoras fazem questão de
estar ali, trabalhando(...) (Valente, 2008:132-133).
O resultado da malha que se tece entre a cidade, o rádio e estes
protagonistas, afirma-se nos signos de oralidade encontrados em Audição Mulher,
relevando a hibridação entre os signos da oralidade mediatizada (Zumthor,1993),
que respondem às necessidades do veículo - como o uso de determinados
equipamentos, a adequação ao roteiro demarcado temporalmente, e aqueles da
oralidade primária, tal qual a espontaneidade vocal de Dona Lídia dedicada à
apresentação da música portuguesa costurada aos desejos da memória projetados
em suas falas entrecortadas, como ouvimos com a divulgaç~o de “deliciosos
jantares” a serem realizados nos centros associativos, pontuados com exclamações
de regozijos ao enunciar “(...)bacalhau aos murros...hum (...)”(extraído de Audição
Mulher, 2009).
A voz livre de falsos apelos - comuns à redação dos textos radiofônicos
pautados em mecanismos enunciativos cujo objetivo é gerar o efeito de
proximidade com o ouvinte - ganha força graças a um texto dialogado em que
reverbera a doçura da voz envelhecida da fadista-radialista contrariando timbres
ansiosos que permeiam o rádio na sôfrega tentativa de codificar o mundo como
mundo jovem, produtivo, eficiente, tecnológico.
Do mesmo modo, inclui-se aqui a conspiração de vozes de velhos
apresentadores somados ao casal Lídia e Manoel, como Varela Leal, Martins Araújo,
apresentador de Heróis do Mar, na Rádio 9 de Julho AM, Fernando Lopes, Programa
Família Luso Paulistana, Rádio 9 de Julho – todos aos domingos. Apresentadores que
reencenam os homens-arquivos ou mnemones, da Grécia Arcaica, cuja função era a
de acumular toda “lembrança do passado em vista de uma situaç~o de justiça” (Le
Goff, 1992:437).
Tanto na mitologia como na lenda, o Mnêmon é um servidor do herói que o
acompanha ininterruptamente para lembrar-lhe a ordem divina e evitar, assim, a
morte. Os homens-arquivos de que tratamos confundem suas vidas à do rádio e
emprestam suas vozes para a atualização de liames imprescindíveis para a
manutenção da vida simbólica e afetiva daquele que partiu: a memória compreendendo-a como texto de cultura e em seus aspectos neurobiológicos. De
394
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
um modo e de outro, os afetos e as emoções são fundamentais para os processos
de lembrar e também de esquecer, entendendo o esquecimento como preservação
da própria memória (Lotman e Uspenskyii, 1981; Nunes, 2001).
Estes programas recuperam a dimensão mítica da voz radiofônica, a voz
divina, como já descrevera Murray Schafer (1997) ao se perguntar sobre a origem do
rádio e verificar que, nas tradições religiosas, a voz do trovão, do vento eram os
modos de comunicação através dos quais deuses falavam com a humanidade.
Nesse contato invisível, estariam os primórdios míticos do rádio.
De modo especial, reavivam-se vozes divinas nos fados que entoam
narrativas pungentes que apontam os espaços reais e míticos do povo português
como o mar e as imagens cristãs responsáveis pelas primeiras ficções marcadas por
um imaginário fixado em referenciais católicos (Lourenço, 1999). Sopro criador, o
espírito, é também pneuma, psiché, animus (Zumthor,1993). Voz-vida para cantar o
fado.
A Memória e seus Códigos na Escuta do Fado
O conhecido estudo de Maurice Halbwachs (1990), sobre os quadros
espaciais da memória coletiva, assevera que qualquer mudança de espaço material
obriga-nos a um período de adaptação, e, neste período, a incerteza se apossa de
nós, “como se houvéssemos deixado para tr|s toda a nossa personalidade” (...) as
imagens habituais do mundo exterior são inseparáveis do nosso eu.” (Halbwachs,
1990:131). Mundo e alma deixados no cais159. E quando se analisa a viagem por mar,
podemos inseri-la em um paradigma mito-poético e simbólico, partindo do
significado de Oceano, Okeanós, cinturão líquido, sagrado, que rodeia o universo e
corre em círculo; rio cósmico, filho de Gaia e de Urano (Vernant, 2000).
Há uma lista infindável de letras de fados permeadas por imagens do mar,
dos rios, das águas de Portugal. Assim, será pertinente dizer que o mar funciona
como código para operar os processos da memória. O mar tem muitos tempos
rítmicos, como as ondas e marés, e modula a saudade. Símbolo da eternidade, da
reencarnação, da mudança e da permanência.
A representação do mar como espaço fluido e, como tal, de incertezas e
inseguranças proporcionadas por qualquer transformação, remete-nos igualmente
à mítica travessia da vida para a morte, expressa em inúmeras narrativas que têm
nas águas e nas embarcações pontos de passagem entre memória e esquecimento.
Entre os órficos, dois caminhos são possíveis para que a alma faça seu
transcurso: beber a água fresca que jorra da fonte da Memória e alcançar o reino
dos heróis ou beber das águas do rio Lete, o rio do esquecimento, muitas vezes
159
Citaç~o parafr|sica do fado “Partir é morrer um pouco”, de Ary dos Santos, interpretado por
Carlos do Carmo.
395
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
evitadas, pois os órficos buscavam a fonte da Memória como purificação final,
escapando às reencarnações (Brandão, 1991).
Também entre os egípcios antigos, as almas deveriam atravessar as águas
para alcançar a imortalidade. Para chegarem ao reino dos mortos, era necessário
saber os nomes de todas as partes do barco em que viajavam, como remos e
mastros, somente a denominação praticada pelo defunto permitiria o cumprimento
da travessia (Cassirer, 1985). Vale apontar que nomear /saber aproxima-se à própria
figuração da memória no mundo clássico onde lembrar equivale a conhecer.
De modo invertido, isto é, da morte para a vida, segue o périplo de Ulisses,
o Odisseu, à deriva, resistindo a todas as provas para não esquecer /desconhecer
sua terra natal, seu reino, sua família e finalmente voltar. O desejo de regresso
expresso na narrativa de Ulisses sinaliza para uma próxima articulação de signos
que mobiliza as aproximações entre o exilado, o emigrado e as reconstruções dos
espaços fixos, como a cidade, presente nas letras dos fados mais pedidos pelos
ouvintes.
Edward Said (2003), em Reflexões sobre o Exílio, pontua as dessemelhanças
entre o exilado e o emigrado. A princípio, este último tem a possibilidade de
escolher para qual país se dirigir, não foi banido de sua terra de origem e, por isso,
pode retornar a ela quando quiser. Said afirma que os emigrados são também,
muitas vezes, pioneiros e construtores de outras nações e, nesta medida, perdem o
rótulo de exilado, que metaforicamente, possuem.
Por outro lado, o estudo de Eduardo Lourenço (1999:14) sugere um estado
ambíguo do tempo português, a vivência simultânea do passado-presente. A
maneira do povo português se voltar ao passado é “(...) simplesmente saudosa (...)
é esse lugar, esse passado-presente, que a ‘alma portuguesa’ n~o quer abandonar.”
Esse amor ao passado-presente idealizado aproxima os estados emocionais
do imigrante português - exilado do passado - àqueles descritos por Said, ao refletir
sobre a tristeza e o sentimento de orfandade experimentado pelo exilado, graças à
perda de contato com o chão da terra deixada para sempre. Em ambos os casos,
somente a memória pode criar sentido para tal ruptura irreversível.
Ao analisar, especialmente, a programação de fados do Presença
Portuguesa, percebe-se um repertório fundado em uma memória de afetos
acionada pela performance de certos intérpretes do fado repetidamente
solicitados. Esta estabilidade é alcançada porque a voz poética e performática tem
também a função de estabilizar os grupos sociais, como sinaliza Paul Zumthor
(1993), mesmo que seus intérpretes se desloquem no tempo e no espaço, como
demonstram a presença de intérpretes antigos, como Amália Rodrigues, ou as
cantoras de fado contemporâneas, como Dulce Pontes ou Mariza – sem dúvida bem
menos requisitadas.
396
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Será por meio da performance que as palavras poderão subsistir aos
bolores do tempo e se tornarem reais. A voz poética é também voz-memória.
Dentre a lista de fados mais pedidos, muitos deles têm, em suas letras, a paisagem
natural, a cidade, nomes de bairros, personagens, ofícios e tradições ou a casa como
temas, estes elementos funcionariam igualmente como códigos para acionar a
memória do ouvinte.
Para muitos dos ouvintes-imigrantes entrevistados para o projeto, o fado
significa “nossa terra, coisas da nossa gente” - impressões acompanhadas de certa
tristeza e melancolia, afinal, como testemunha a canção, Partir é morrer um pouco
(de José Carlos Ary dos Santos, interpretado por Carlos do Carmo), partir significa
também dizer adeus aos “parceiros das farras, aos copos, às noitadas, ao langor das
guitarras, {s sombras da cidade”.
Assim, a essa partida, em muitos momentos, forjada em situações penosas,
corresponde à necessidade da criação de liames que possam superar as mazelas
impostas ao imigrante. O fado, em muitos momentos, cumpre o papel de acionar a
memória por meio de conjunções perceptuais, cognitivas e emocionais propostas
pelo som e pela letra, restabelecendo, a cada ato performático, os vínculos entre o
sujeito que partiu e seu lugar de origem.
Por meio da voz poética, da música e da memória ancoradas nas
representações do espaço, sempre re-inventado, experiências subjetivas, apoiadas
em objetos materiais cotidianos com os quais o indivíduo tinha contato, alinham-se
às da coletividade, e, assim, afastados de seu país de origem, os membros de um
grupo permanecem unidos através da rememoração do espaço, mesmo quando
estes lugares e objetos são apenas imaginados, a exemplo do habitante da mais
longínqua aldeia portuguesa que não conhecera a capital do país, mas que pode reinventar seu espaço natal por meio das letras de fados que exaltam os bairros de
Lisboa.
Percebe-se que muitos fados recriam a paisagem sonora da cidade,
participam dos quadros espaciais da memória e contribuem para o “processo de
construç~o identit|ria que passa por um processo de localizaç~o do mundo(...)”
(Ferreira, 2003:53). Fundamental ao imigrante, que deve reconstruir seus vínculos
com seu país de origem e com aquele em que vive.
A complexidade do espaço habitado revela saberes de outros tempos: o
pregão das varinas, a voz de míticos fadistas, floristas e ambulantes. A conexão de
tais signos permite que a escuta do fado articule narratividade aos espaços
imaginados e o território deixado ganha textura e se materializa simbolicamente
por meio de imagens espaciais e auditivas transmitidas pela voz poética-voz
memória.
397
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Conclusões parciais
O neurologista Antônio Damásio(2003) analisa as idéias do filósofo
Espinosa para entender a neurobiologia das emoções a caminho da preservação da
vida. Espinosa refere-se ao connatus “esforço implac|vel de auto-preservação
presente em qualquer ser”(Dam|sio, 2003:52). Para o neurologista, esta tentativa
revela-se como a noç~o de que “um organismo vivo est| construído de forma a
lutar, contra toda e qualquer ameaça, pela manutenção da coerência das suas
estruturas e funções” (Dam|sio, 2003:53). O pesquisador atesta também que os
estados de alegria e da tristeza são emoções primeiras, na base dos
comportamentos sociais, que podem nos levar, no caso da vivência da alegria, à
preservação da vida e à longevidade ou, quando submetidos à tristeza, à doença e
à morte.
Se o connatus, do qual nos fala Espinosa, é esforço para os estados de
alegria, isto é, de auto-preservação, de algum modo, os programas portugueses no
rádio, compreendidos como textos de cultura, podem desempenhar, em algum
momento, o papel de “resistir { angústia causada pelo sofrimento e pela morte”
(Damásio, 2003:303) e se tornarem meios de supressão da tristeza, da saudade,
ainda que muitas vezes, tornem-se metáforas dessa emoção negativa, a exemplo da
linguagem do fado.
É sempre bom marcar que o pouco que se sabe sobre a memória revela que
lembrar é um processo ativo e se baseia em processos cognitivos e emocionais.
Recuperar um evento, como a paisagem sonora dos espaços deixados, como as
estudadas aqui, não é recuperar o aprendizado original, mas refazer a própria
memória da última vez que foi invocada (Rose, 2006). “Recordar n~o é reproduzir
mecanicamente um fato, mas reconstruí-lo ou mesmo construí-lo. A cada
recordação, as lembranças assumem novas codificações e se contaminam pela
atualizaç~o do presente”. (Nunes, 2001: 111-112).
Desse modo, o rádio, graças à tessitura sonora que o singulariza, adensa o
sentido do fado ao responder pela atualização da lembrança que faz do tempo da
escuta do ouvinte-imigrante, tempo de repercussão dos espaços afetivos vividos.
Ainda que as lembranças sejam constantemente modificadas pelo contexto, vozes
sutis refazem a memória dos territórios esvaziados pela distância e pelo
deslocamento.
Vozes de parceiros radialistas-fadistas ou amantes do fado, a exemplo do
Padre Armênio, filho de portugueses, apresentador do Programa Caravela do Fado,
transmitido aos sábados, à noite, na Rádio 9 de Julho. Vozes de homens-arquivos
capazes de reconstruírem, a cada entrada no ar, a história do próprio ouvinte, a
história do veículo com o qual ele se mantém conectado para superar seu próprio
envelhecimento. Vozes de intérpretes que tornam o fado uma canção movente
graças também às letras que vencem o tempo cronológico. Por tudo isso, os
398
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
programas portugueses no rádio afirmam também uma forma de vida, e,
indubitavelmente merecem ser pesquisados.
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400
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
“O REMÉDIO É MUITO BOM. O MOÇO DO RÁDIO FALOU!” O RÁDIO E A
PROPAGANDA DE MEDICAMENTOS NO BRASIL.
Paula Renata Camargo JESUS
Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUCSP. Professora na Universidade Presbiteriana
Mackenzie (SP) e Universidade Santa Cecília (Santos, SP).
Em pensar que um dia houve dúvida se o rádio se manteria vivo na vida das
pessoas. O rádio existe há décadas e continua presente nas pequenas e nas grandes
cidades brasileiras. Não importa se no carro, em casa, no campo, nos consultórios,
em aparelhos sofisticados de MP3 ou celulares, ou mesmo em rádio de pilhas. O
rádio existe e persiste e, com ele, as programações mais variadas de músicas,
notícias e propagandas. E é exatamente da relação do rádio os anunciantes,
sobretudo da propaganda de medicamentos, que o presente trabalho pretende
abordar.
O rádio cultural-educativo concebido por Roquette Pinto, aos poucos deu
lugar aos programas destinados ao entretenimento e, para manter um padrão de
qualidade frente à concorrência, o meio impulsionou o profissionalismo. Segundo
Tavares (1999, p 55) Roquette Pinto era radicalmente contra a propaganda e jamais
permitiu qualquer tipo de mensagem publicitária da Sociedade Rádio do Rio de
Janeiro, até sua doação ao Ministério da Educação e Cultura, em 1936.
Segundo Simões (1990, p 174), no final da década de 20, já se empregava a
publicidade radiofônica sob diferentes formatos, que incluíam a apresentação da
mensagem de forma improvisada pelo condutor do programa, sem qualquer
preparação técnica anterior, a leitura do texto dos anúncios publicados na
imprensa, a leitura de textos especialmente preparados para o rádio, a emissão de
anúncios durante o intervalo comercial e a emissão de anúncios musicais.
Mas o início de um rádio com finalidade comercial se deu entre os anos de
1925 e 1930, com os avanços técnicos nos sistemas de transmissão, a popularização
dos aparelhos e a inserção regular dos anúncios na programação. Ainda segundo
Simões, com o advento da publicidade, as emissoras mudaram a programação,
passando a misturar música popular, esportes e informação de atualidade. Surgia o
conceito de audiência no rádio. Neste período, a imprensa se sustentava com
recursos publicitários reduzidos e, por isso, enfrentava muitas dificuldades para a
distribuição do produto em âmbito nacional.
Segundo Ramos (1995, p 39), o rádio já existia há anos, mas tinha pouca
propaganda, até que em 1933, surgiram os spots e os jingles, além de programas
com patrocinadores. Os programas da Rádio Cultura em São Paulo e da Mayrink
Veiga, no Rio de Janeiro, passaram a ser patrocinados por anunciantes grandes
como Gessy e Ford.
Simões (1990, p 175) informa que os anunciantes do rádio, na primeira fase
de desenvolvimento da publicidade, eram quase todos do comércio varejista, mas
401
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
logo se somaram os fabricantes de refrigerantes, cervejas, café, tabaco e
medicamentos. Representando a indústria farmacêutica, o laboratório Sidney Ross
se transformou em uma referência. O laboratório realizava suas pesquisas em todo
território nacional, através da equipe de vendas. Por este motivo, as emissoras que
veiculavam os anúncios de Sidney Ross eram consideradas as mais ouvidas e
influentes em sua área de cobertura geográfica.
Os medicamentos já eram grandes anunciantes na época. Antes da chegada
do rádio, já investiam em outdoors, jornais e revistas, mas passaram a investir mais
em rádio, principalmente a partir do surgimento dos grandes programas: Programa
Casé, Programa de Otávio Gabus Mendes, PRK 30, Balança mas não cai, e outros.
Com programas de sucesso, audiência e bons profissionais, o rádio passou a
se profissionalizar, conquistando mais ouvintes, por meio de suas radionovelas e
mais anunciantes, como a indústria farmacêutica que investia nos programas e
apostava na credibilidade dos locutores. Estes repetiam por várias vezes os slogans
“Piralgina destrói qualquer dor.”, “o Brasil precisa de sangue bom, tome Elixir de
Nogueira.”, “Tome Pastilhas Minorativas e sorria outra vez.”, enquanto o Colírio
Moura Brasil prometia: “2 gotas, 2 olhos claros e bonitos.”
Sangirardi Jr, grande nome do rádio brasileiro, chegou a destacar a
importância dessas frases repetidas pelos locutores, ao destacar a propaganda do
medicamento Mitigal: “Mitigal acaba com as coceiras. Mitigal é um remédio muito
bom, foi o moço do r|dio quem falou!” Tal registro entrou para o Anu|rio do R|dio
de 1948 (Tavares, 1999, p 43).
Para Hansen (2004, p 41), o moço do rádio falar é legitimar algo, como a
promessa de cura de um determinado medicamento. O ouvinte ou provável
paciente, absorve, muitas vezes, poucas informações a respeito de um assunto, mas
sabe vários fatos do acaso. Fatos em forma de conversa, conselhos de colegas e
mensagens divulgadas pela mídia. Fontes nem sempre seguras e idôneas, que se
propagam em tal velocidade que, o “paciente-telespctador-ouvinte-leitor” n~o
percebe. Mas que certamente, o anunciante, em especial a indústria farmacêutica,
sabe.
Segundo registros da história do rádio, os medicamentos investiram
fortemente nas radionovelas: Renúncia, Céu Cor-de-Rosa e Helena, da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. “Rodine, a boa enfermeira”, “Seja f~ de Fandorine”,
“Melhoral é melhor e n~o faz mal”. Anunciantes que antes só investiam em bondes
e revistas passaram a fazer parte do rádio. Orlando Silva tinha seu nome atrelado às
marcas dos medicamentos Fandorine e Urudonal. Urudonal inclusive utilizava-se da
rima para ser mais facilmente lembrado: “Ol| como se sente? Rim doente? Tome
Urudonal e viva contente” (Ramos, 1995, p 48).
E para a fixação das marcas e das rimas, nada melhor do que os jingles.
Melhoral e Sonrisal logo se manifestaram. Profissionais criativos e talentosos como
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Gilberto Martins, Geraldo Mendonça, Antonio Maria, José Mauro, Heitor Carillo,
Haroldo Barbosa trataram de trabalhar e muito, tornando os jingles memoráveis e
as marcas conhecidas. “Melhoral, melhoral é melhor e n~o faz mal”, “Pílulas de Vida
do Dr Ross, fazem bem ao fígado de todos nós” (Tavares, 1999, p 43).
Boa parte do sucesso de vendas dos medicamentos deve-se às constantes
promessas de cura da indústria farmacêutica, por meio da propaganda. Da
propaganda boca a boca, aos anúncios em bondes, revistas, spots e jingles em
rádio, na TV, enfim propaganda de medicamento sempre utilizou do medo das
pessoas pela doença, no grande processo de marketing da dor, para ameaçar e
vender medicamentos, o que certamente sempre funcionou.
Mas com o passar dos anos, com a moralização do setor, sobretudo com a
preocupação em se fiscalizar a venda desenfreada de medicamentos, intimidando o
comércio da indústria farmacêutica, a fim de evitar o consumo irracional de
medicamentos pela população, leis e resoluções surgiram.
A Lei da Vigilância Sanitária nº 6.360, de setembro de 1976 (atualizada pela
Lei nº 9.294, de julho de 1996), exigia que o medicamento ético (com tarja vermelha
ou preta) não fosse mais anunciado na mídia de massa, ficando restrito apenas às
publicações segmentadas aos médicos. Diante de tal fato, houve mudanças na
propaganda brasileira, já que a indústria farmacêutica, desde 1850 despontava
como um dos principais anunciantes. Mesmo com tal restrição, o medicamento de
“venda livre” (na maioria analgésicos, antigripais, antiácidos), diferentemente do
ético, continuou a divulgar na mídia de massa, inclusive no rádio.
Na opini~o de Nascimento (2005, p. 38) “a propaganda de medicamentos
nos meios de comunicação de massa é um estímulo frequente para a
automedicação, especialmente porque explora o desconhecimento dos possíveis
consumidores sobre os produtos e seus efeitos.”
De fato, pode-se observar que nos meses de outono e inverno, temporada
de infecções respiratórias e crises de alergia, os intervalos comerciais do rádio ficam
ocupados de propagandas de descongestionantes nasais, xaropes e expectorantes.
Profissionais e pesquisadores da saúde pública afirmam que há inúmeras
peças publicitárias irregulares, incentivando, ainda que indiretamente, o uso
indiscriminado de medicamentos pelos consumidores. Levantam como principal
aspecto das mensagens o não estímulo de hábitos saudáveis, mas sim a exploração
do mercado das doenças e sintomas. Ou seja, um interesse unilateral, visando lucros
a qualquer preço.
Acusações e polêmicas de lado, o que se sabe ao certo é que a questão do
consumo irracional de medicamentos no Brasil, confirma a colocação do brasileiro
como um dos povos que mais se automedica no mundo.
403
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Automedicação tem uma relação estreita com autotratamento. E não é de
hoje que a prática do autotratamento existe e sua origem não tem relação com o
rádio ou com qualquer outro meio de comunicação de massa. Trata-se de uma
herança cultural: dos achados indígenas aos chás da vovó, das receitas caseiras com
ervas ou garrafadas regionais até o consumo abusivo de medicamentos indicados
por amigos e familiares e comprados sem limites em farmácias.
Sabe-se que a automedicação pode causar reações adversas e efeitos
colaterais, além de mascarar doenças e gerar diversos problemas de saúde.
A propaganda de medicamentos no país é Regulamentada e Fiscalizada há
décadas. Além do Anexo I, de Produtos Farmacêuticos Isentos de Prescrição (do
Código de Autorregulamentação Publicitária), estabelecido desde a fundação do
Conar (meados de 1980), existe a Resolução da Anvisa, a RDC 102, de 30 de
novembro de 2000, que desde então estabeleceu normas rígidas para a publicidade
de medicamentos. Nesse sentido, vale ressaltar as exigências nos artigos 10 e
seguintes da RDC 102, sempre com a preocupação de não estimular o uso
indiscriminado de medicamentos pelo público em geral. Na ocasião, foi instituida a
frase de advertência que deveria constar nas propagandas: “Ao persistirem os
sintomas o médico dever| ser consultado”.
A frase tem sido utilizada pela indústria farmacêutica no final dos filmes
publicitários veiculados em TV e nos spots e jingles veiculados em rádio. Embora
alguns médicos e pesquisadores da área da saúde discordem do uso da frase no
final da mensagem, uma vez que o médico deveria ser consultado antes do uso do
medicamento, aliás deveria prescrevê-lo. Outra questão contestável é o tamanho
pequeno das letras que formam a frase em material impresso e o tempo insuficiente
(2,5 segundos) da mensagem dita ao terminar a narração. Questões que a ANVISA
tem buscado discutir e que, ainda assim, tem exigido a presença de mais frases de
advertência a respeito do medicamento na propaganda, como: “Esse medicamento
n~o é indicado para suspeitas de dengue”, além de coibir o uso de frases no
imperativo, como “Tome” e “Use”, com o intuito de informar e educar a populaç~o
brasileira dos riscos do consumo de medicamentos.
Outra discussão um tanto quanto polêmica era o uso de celebridades na
propaganda de medicamentos. Sabe-se que desde o início da propaganda de
medicamentos no Brasil é comum a utilização do testemunhal. Artistas, cantores,
atletas, escritores e políticos, ou seja, figuras famosas, com credibilidade, por
muitos anos “emprestaram” (e até pouco tempo “emprestavam”) imagem e voz
nos discursos persuasivos e, muitas vezes abusivos, da propaganda de
medicamentos.
Episódio ocorrido em rádio e TV, em 2008, fez com que a ANVISA tomasse
providências enérgicas, proibindo de uma vez por todas o uso de celebridades na
propaganda de medicamentos. A campanha publicitária do analgésico Mirador
utilizou Pelé e Ísis Valverde. Na campanha, a atriz dizia que o remédio era "o Pelé
404
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
dos comprimidos" e usava expressões como "muito bom" e "remédio forte", que
segundo a ANVISA sugeriam a eficácia do produto.
A campanha foi retirada por desrespeitar o Art.10 da Resolução RDC nº 102,
de 30 de novembro de 2000, aonde está vedado o ato de estimular e/ou induzir o
uso indiscriminado de medicamentos; sugerir ou estimular diagnósticos
aconselhando um tratamento correspondente, sendo admitido apenas que sejam
utilizadas frases ou imagens que definam em termos científicos ou leigos a
indicação do medicamento para sintomas isolados; afirmar que um medicamento é
"seguro", "sem contra-indicações"; "isento de efeitos secundários ou riscos de uso"
ou usar expressões equivalentes; afirmar e/ou sugerir ter um medicamento efeito
superior a outro usando expressões tais como: "mais eficaz", "menos tóxico" , ser a
única alternativa possível dentro da categoria ou ainda utilizar expressões, como: "o
produto", "o de maior escolha", "o único" , "o mais freqüentemente
recomendado", "o melhor"; afirmar e/ou sugerir ter um medicamento efeito
superior a outro usando expressões tais como: "mais efetivo", "melhor tolerado".
Em uma tentativa de parceria com as emissoras, a ANVISA criou o “Ondas
do R|dio”, um guia com orientações e dicas para comunicadores de r|dio sobre a
propaganda de produtos sujeitos à vigilância sanitária. O espaço no site
www.anvisa.org.br, foi elaborado para os profissionais de comunicação que atuam
no setor de radiodifusão de todo o Brasil e que exercem um importante papel na
democratização e acesso à informação.
Segundo a ANVISA, o rádio é parte integrante do cotidiano de grande
maioria da população brasileira. A grande popularidade deste veículo de
comunicação é atribuída, sobretudo, ao caráter universal de sua linguagem –
essencialmente coloquial, simples e direta, além de estabelecer uma empatia com o
ouvinte ao atender as suas demandas por entretenimento, informação e
companhia.
Conclui-se que a presença da indústria farmacêutica na mídia de massa é
fato evidente e, historicamente, fez parte da história do rádio. Como forte
anunciante, marcou o início do rádio comercial, mesmo com a resistência de
Roquette Pinto.
A indústria farmacêutica, como forte anunciante, utilizou por décadas de
discursos persuasivos e rimas presentes em spots, jingles e slogans e chegou a
patrocinar as principais radionovelas e programas populares. Ao investir no rádio,
tornou legítimas suas promessas de cura. E ainda nos tempos atuais, a indústria
farmacêutica patrocina os locutores de rádio, sobretudo de AM, líderes de audiência
e investe em programas jornalísticos de audiência e credibilidade, além de veicular
spots e jingles durante a programação de várias emissoras AM e FM.
O rádio, mesmo com o passar de décadas, nunca deixou de ser um canal do
discurso do poder de cura dos medicamentos. Não importa se em programas
405
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
populares ou patrocínio de programas jornalísticos, afinal se “a última meia hora de
tal jornal foi patrocinada por Doril” é sinal que ainda vale a pena ter anunciantes
como a indústria farmacêutica na emissora.
A presença do texto-foguete em transmissões esportivas no rádio,
sobretudo do futebol, com audiências altas e um poder de entretenimento
fantástico do ouvinte, não deixa dúvida da importância para a indústria
farmacêutica em investir no meio.
De antigripais à efervescentes, é frequente a propaganda de medicamentos
em rádio e faz parte da história da propaganda no Brasil, assim como da história do
rádio brasileiro.
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AS ELEIÇÕES NORTE-AMERICANAS NAS ONDAS DO RÁDIO
BRASILEIRO: A COBERTURA DE CAIO BLINDER NO JORNAL DA MANHÃ
DA JOVEM PAN
Thybor Malusá Brogio160
As eleições norte-americanas de 2008 tiveram muitos novos elementos
para a história do mundo e do marketing político. Pela primeira vez na história da
maior economia do planeta ocorreu uma disputa nas primárias entre uma mulher e
um homem negro. Nas palavras de Caio Blinder, correspondente da Jovem Pan em
Nova Iorque, 2008 foi “um ano inusitado, com a disputa entre o negro Obama e a
mulher Hillary Clinton, nas primárias democratas, e os prematuros atestados de
óbito político de McCain e Sarah Palin”. (BLINDER, 04 set 2008)
Os meios de comunicação de todo o mundo repercutiram com ansiedade
todos os passos desta campanha. No Brasil não foi diferente. Todos os importantes
meios também dedicaram um importante espaço para falar das eleições norteamericanas, inclusive o rádio. Uma das maiores redes de rádios do país, a Jovem
Pan, que possui cerca de 140 emissoras afiliadas em todo o território nacional,
também participou desse processo, com o seu correspondente em Nova Iorque,
Caio Blinder.
Este trabalho visa justamente repercutir, através da análise de conteúdo
dos boletins diários de Caio Blinder no Jornal da Manhã da Jovem Pan, a cobertura
do jornalista durante as eleições estadunidenses de 2008, buscando verificar qual o
espaço dedicado pelo jornalista aos partidos Democrata e Republicano, já que
Blinder mora nos Estados Unidos há 20 anos, como ele mesmo revela em uma breve
entrevista que concedeu ao autor deste artigo por e-mail.
A análise de conteúdo quantitativa foi escolhida porque, segundo Wilson
Correa da Fonseca Junior, ela se preocupa basicamente com a análise da
mensagem, se distanciando da análise semiológica ou análise do discurso, porque
160
Thybor Malusá Brogio é jornalista formado pela Universidade Estadual Paulista, UNESP/Bauru,
mestrando em comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e redator de jornalismo da
rádio Jovem Pan/SP. Está apresentando este trabalho ao GT de História da Mídia Sonora, do I
Congresso de História da Mídia do Sudeste.
407
I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
somente a an|lise de conteúdo “cumpre os requisitos de sistematicidade e
confiabilidade, ou seja, diferentes pessoas, aplicando as mesmas categorias, podem
chegar {s mesmas conclusões”. (FONSECA, p.286, in DUARTE, BARROS, 2009)
Para isso, foram observados e seguidos os pontos propostos por
Krippendorf (1990), citados por Fonseca, na definição dos Dados, do Contexto no
qual estão inseridos esses Dados, no Conhecimento do Pesquisador acerca do tema
da pesquisa e do Objetivo da Análise do Conteúdo. (FONSECA, p.287-288, in
DUARTE, BARROS, 2009)
Dessa maneira, para a realização deste artigo, o autor escolheu analisar
todos os boletins diários de Caio Blinder, no Jornal da Manhã da Jovem Pan,
durante o mês de setembro de 2008. Setembro foi escolhido como o mês para
representar a cobertura das eleições norte-americanas feita por Blinder porque
tradicionalmente é um mês de memórias e turbulências para os Estados Unidos.
Basta lembrar que um dos maiores atentados contra os estadunidenses ocorreu no
dia 11 de setembro de 2001, sendo recordado todos os anos por diversos políticos e
cidadãos comuns daquele país, e do mundo, especialmente em época eleitoral.
Além disso, especificamente no ano de 2008, o mês de setembro foi
turbulento porque foi exatamente neste mês que eclodiu a crise financeira mundial,
cujo epicentro foi justamente a economia norte-americana, exigindo dos candidatos
destreza para tratar dos assuntos relacionados à economia. Para ilustrar o cenário
vivido em setembro de 2008, é interessante lembrar que a manchete principal do
jornal “O Estado de S~o Paulo” dizia, no dia 15 de setembro daquele ano, “FED 161
comanda operaç~o de guerra para segurar crise global de crédito”. (O ESTADO DE
SÃO PAULO, 15 set 2008)
Também setembro foi o mês que sucedeu a convenção Democrata, que
ocorreu em Denver, e foi o mês em que ocorreu a convenção Republicana, em Saint
Paul, no estado de Minnesota. Setembro foi ainda o mês posterior ao furacão
Gustav, que causou a “retirada obrigatória da populaç~o da costa da Louisiana, da
qual saíram cerca de 2 milhões de pessoas ... o Gustav causou ... danos materiais,
estimados inicialmente em US$ 8 bilhões”. (O ESTADO DE S^O PAULO, 02 set 2008,
p. A13). Por todas essas tormentas, disputas e debates, o mês de setembro foi
escolhido de forma a representar a cobertura de Caio Blinder durante a campanha
eleitoral no Estados Unidos, em 2008, para o Jornal da Manhã da Jovem Pan.
Para entender melhor a pesquisa, se faz necessário a apresentação de Caio
Blinder, bem como alguns de seus posicionamentos oficiais. Blinder nasceu em 1957,
é paulistano e de família judaica do bairro do Bom Retiro (tradicional reduto dos
judeus na capital paulista). Mora nos Estados Unidos há 20 anos (na verdade, nos
últimos 27 anos, 23 são nos Estados Unidos, mas apenas 20 são anos consecutivos).
161
FED – Federal Reserve, que é o Banco Central dos Estados Unidos.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Blinder mora em Nova Jérsei com suas filhas, Ana e Aiza, e a esposa Alma, que é
filipina.
Caio é o correspondente da Jovem Pan em Nova Iorque, mas também
apresenta o programa de televisão Manhattan Connection, transmitido pelo canal
GNT, do sistema Globosat. Além disso, é colunista no portal de internet IG e escreve
para diversos jornais e revistas no Brasil e em Portugal.
Blinder também é mestre em Estudos Latino-Americanos, pela
Universidade de Ohio, e em Relações Internacionais, pela Universidade de Notre
Dame. Lecionou Relações Internacionais na Universidade de Indiana e foi
correspondente, nos Estados Unidos, do jornal Folha de S. Paulo.
Caio é autor de “Terras Prometidas”, livro com reflexões sobre a condiç~o
judaica, que vão da política à cultura, da observação cotidiana à filosofia milenar,
das relações internacionais às reminiscências pessoais.
Em entrevista por e-mail ao autor deste artigo, Caio Blinder deixa claro que
sua ida aos Estados Unidos não tem nenhuma influência religiosa, mas que para
muitos da sua religião, o país mais poderoso do mundo é sim uma terra prometida.
Apesar de estar há muitos anos na América do Norte, Caio continua a ser apenas
cidadão brasileiro.
Questionado sobre preferência política estadunidense, Blinder diz que tem
uma formação liberal, mais próxima do Partido Democrata, particularmente em
questões sociais, econômicas e culturais. Mesmo assim, ressalta que “jornalista n~o
pode ser chapa branca” e que até pode concordar ou discordar de decisões de um
ou outro governo quando elabora um comentário, mas enfatiza que jamais irá
aderir de forma permanente a um presidente ou “fazer torcida jornalística por um
partido”.
Com uma formação acadêmica e atuação influente no mercado, os boletins
diários de Caio Blinder, no Jornal da Manhã da Jovem Pan, foram escolhidos para
serem analisados por este pesquisador, que teve acesso ao material na própria
rádio, já que o autor do artigo também é redator de jornalismo da Jovem Pan.
A Jovem Pan, hoje, disponibiliza todos os boletins de seus correspondentes
e comentaristas no seu site da internet – www.jovempan.com.br. Mas, à época, o
site estava reformulando e os boletins não estavam disponíveis na web. De
qualquer maneira, a rádio deixa todos os boletins gravados durante um mês na rede
geral dos computadores, a qual todos os funcionários do jornalismo têm acesso.
Desta maneira, o pesquisador, que trabalha na Jovem Pan, entrou na rede e copiou
todos os boletins, ainda no mês de setembro de 2008.
O próximo passo da pesquisa foi fazer a transcrição de todos esses
boletins. Todos eles foram ouvidos, um a um, e transcritos, para que a análise de
conteúdo pudesse ocorrer, já que fazer a análise apenas com o arquivo em áudio é
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
muito difícil. No período escolhido, foram ao ar 25 boletins e todos eles foram
ouvidos e transcritos.
De posse do material em áudio e dos textos transcritos, o autor recorreu a
literatura para criar as categorias que serviriam para cumprir o objetivo do
pesquisador, que é saber qual o espaço que Blinder dedicou, durante o período ao
Partido Republicano e ao Partido Democrata. Essa dúvida surgiu porque, mesmo
sabendo do posicionamento de Blinder que, como vimos, se diz mais próximo do
Partido Democrata, o autor, como ouvinte do Jornal da Manhã, tinha a sensação de
que o correspondente nova-iorquino dedicava mais tempo de seus boletins a falar
do Partido Republicano.
Para criar as categorias que servissem a essa finalidade, o autor seguiu
Wilson Correa da Fonseca, que se utiliza de Bardin (1988) e de Barros e Targino
(2000) para dizer que, uma boa categorização deve possuir como características a
exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; objetividade, fidelidade e
produtividade. (FONSECA, p.298, in DUARTE, BARROS, 2009)
Explicando melhor os conceitos, temos que com a exclusão mútua, um
elemento incluído numa determinada categoria não pode, ao mesmo tempo, ser
incluída em outra. Já com a homogeneidade, temos que só devem ser incluídas na
mesma categoria as unidades de registro da mesma natureza. Por sua vez, Fonseca
entende que a pertinência significa que o sistema de categorias deve refletir as
intenções da investigação. Ainda o autor explica que por objetividade e fidelidade
devemos entender que os procedimentos classificatórios devem ser objetivos, de
forma a garantir a fidelidade dos resultados, caso alguém queira repeti-los. Por fim,
Fonseca explica que, para ter produtividade, um conjunto de categorias deve
fornecer resultados férteis em índices de inferências, dados e novas hipóteses.
(FONSECA, p.298, in DUARTE, BARROS, 2009)
Após uma leitura flutuante dos boletins diários de Caio Blinder, o autor
percebeu um alto grau de refinamento do texto do correspondente nova-iorquino,
optando, então, majoritariamente pelos nomes dos candidatos para criar as
primeiras categorias. Então, foram considerados os nomes Barack Obama,
candidato democrata à Casa Branca; Joe Biden, vice na chapa de Obama; Hillary
Clinton, oponente de Obama nas prévias e que pretendia ser a candidata dos
democratas; John McCain, candidato republicano à Casa Branca; Sarah Palin, vice na
chapa de McCain, George W. Bush, presidente dos Estados Unidos em setembro de
2008.
Importante lembrar que, para efeito de análise, o autor considerou que,
caso surgisse apenas o sobrenome ou o nome de um dos políticos acima citados, ele
seria considerado de maneira completo como a categoria. Ou seja, se em um
determinado momento aparecesse no texto Barack Obama, ele seria computado; se
aparecesse Obama, seria computado e se aparecesse Barack, também seria
computado. Da mesma maneira para todas as outras categorias.
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I Congresso de História da Mídia do Sudeste
MEMÓRIA, ESPAÇO E MÍDIA - Anais
Além dos nomes dos políticos, o autor também criou a categoria para os
adjetivos republicanos e democratas. Em ambos os casos, o pesquisador considerou
as formas no plural ou singular. Ou seja, se aparecesse republicano ou republicanos,
seria computado dentro da mesma categoria. Da mesma maneira com democrata
ou
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