Sentidos de violência contra as mulheres nas narrativas de homens
denunciados por violência conjugal
Senses of violence against women in narratives of men accused of domestic violence
Paloma Silva Silveira1, Benedito Medrado2, Laís Oliveira Rodrigues3
Resumo
A partir da década de 1980, a violência contra as mulheres começa a se configurar
como um problema social e de saúde pública no Brasil. Entendendo a complexidade
que envolve as situações de violência contra as mulheres, este artigo teve como objetivo
estudar os sentidos de violência contra as mulheres nas narrativas de
homens denunciados por violência conjugal. Para isso, privilegiou-se o uso
de pesquisa qualitativa, na qual foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com
dez homens denunciados na Delegacia da Mulher de Recife, no primeiro semestre
de 2008. Na organização dos resultados foram formuladas duas categorias analíticas.
Na primeira, reuniram-se os resultados nos quais as situações de violência contra as
mulheres são justificadas a partir de mudanças nos comportamentos das mulheres.
Parece que a construção do relacionamento conjugal se dá dentro dos padrões
hegemônicos de gênero e quando estes são, de alguma maneira, desestabilizados,
instalam-se os conflitos. Na segunda categoria, as situações de violência constituem-se
como padrão relacional, ou seja, a violência é o sentido da relação conjugal. Deste
modo, as análises construídas nesse estudo pretendem enfatizar a complexidade que
envolve a questão da violência contra as mulheres, compreendendo-a como uma
problemática que abrange questões políticas, sociais, educacionais e de saúde.
Palavras-chave
Violência contra as mulheres, saúde pública, gênero e masculinidade.
Abstract
In the 1980s, violence against women came to be recognized as a societal and public
health problem in Brazil. In an effort to contemplate the complexity involved in
domestic abuse situations, this article aims to study the violent sentiment against
women through the first-hand accounts of men who have been accused of domestic
violence. To accomplish this, a qualitative research methodology was employed,
using semi-structured interviews involving ten men who had been accused of domestic
violence at the Delegacia da Mulher (women’s justice department), in Recife, Brazil, from
January to July, 2008. Results were organized into two analytical categories: firstly,
results which demonstrated that violent situations against women were justifiable
due to changes in women’s behavior. In these cases, it appears that the conjugal
Mestre em Psicologia. Professor Substituto da Universidade Federal da Bahia. End: Avenida Paulo VI, 2240, apt: 1303,
edifício Pedra Nova, Pituba - Salvador / BA CEP: 41810-001 Email: [email protected]
2
Doutor em Psicologia Social pela PUC/SP. Universidade Federal de Pernambuco
3
Mestre em Psicologia pela UFPE. Assistente de Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco.
1
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relationship is constructed around hegemonic standards of gender, and when these are,
in some way, destabilized, conflicts arise. In the second category, violent situations
were observed to be part of a relationship pattern; or, violence appeared to be the
main sentiment of the conjugal relationship. In sum, the analyses carried out in this
study aimed to emphasize the complexity surrounding the issue of violence against
women, attempting to comprehend this issue as a problematic one with political, social,
educational and health implications.
Key words
Violence against women, public health, gender and masculinity.
1. Breve
panorama histórico
Apesar de ser recente o processo de visibilidade e reconhecimento da violência
contra as mulheres como um problema social e de saúde pública, no Brasil, existem
muitas pesquisas realizadas sobre a temática, com diversas filiações teóricas, que
dão ênfase a diferentes aspectos (Grossi & Porto, 2005; Azambuja & Nogueira,
2008). Portanto, apresentar uma contextualização do tema, ainda que breve, é
uma tarefa complexa.
Santos e Izumino (2005) afirmam que existem pelo menos três correntes teóricas
que caracterizam os estudos sobre a violência contra as mulheres realizados no
Brasil, na área das ciências sociais:
1. Denominada pelas autoras como dominação masculina, identifica-se com
as noções de vitimização da mulher e culpabilização do homem. Assim,
trabalha com as proposições da mulher-vítima e do homem-agressor.14
2. Chamada de dominação patriarcal, essa corrente sofre influências das
perspectivas feminista e marxista, que entendem a violência como
expressão do patriarcado. No Brasil, destaca-se Saffioti (2004) como maior
expoente.25
3. A terceira corrente teórica é nomeada de relacional. De acordo com as autoras,
essa perspectiva relativiza as noções de dominação masculina e vitimização
feminina, colocando a violência como uma forma de comunicação e um
jogo relacional. Como exemplo, pode-se citar o trabalho realizado por
Gregori (1993).36
Essa caracterização dos estudos acadêmicos realizada por Santos e Izumino
(2005) nos auxilia a conhecer quais as ideias teóricas e analíticas que foram, e ainda
14
Como exemplo, existe o estudo realizado por Maria Amélia Azevedo – Mulheres Espancadas: a violência denunciada –
publicado em 1985.
25
Dentre as diversas publicações da autora destaca-se SAFFIOTI, H. Gênero, Patriarcado, Violência. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2004. 151p.
36
Gregori, M. F. Cenas e Queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. 1ed. São Paulo: Paz
e Terra, 1993. 218 p.
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são, usadas para a compreensão desse problema no Brasil.
Neste cenário, a violência contra as mulheres começa a ser configurada como
um problema social, localizado no campo da saúde pública, a partir da década de
1980 (Azambuja & Nogueira, 2008). Inserida como pauta no processo histórico
então iniciado de discussão e formulação de convenções e tratados de direitos
humanos, ganha mais destaque nos debates políticos e sociais.
Neste período, o Brasil passava por mudanças sociais e políticas vinculadas ao
processo de redemocratização que foram acompanhadas de perto pelos movimentos
feministas e de mulheres do país (Santos & Izumino, 2005). Vale a pena destacar
que, desde meados da década de 1970 e, principalmente, da década de 1990, o
Brasil participa de diversas conferências no âmbito das Nações Unidas que visam,
de alguma maneira, dar visibilidade à questão da violência contra as mulheres
(Azambuja & Nogueira, 2008).
Dentre alguns tratados, declarações, pactos, planos de ação e convenções
internacionais de proteção aos direitos humanos que têm relação com a
problemática da violência contra as mulheres e são ratificados pelo Brasil,
destacamos: a Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher (CEDAW), 1984; o Programa de ação da Conferência Mundial
de Direitos Humanos, 1993; a Convenção Interamericana para prevenir, punir
e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará), 1995; e
a Conferência Mundial da Mulher, 1995 (Cordeiro, 2008).
As manifestações do movimento feminista brasileiro, especialmente na segunda
metade da década de 1970, foram fundamentais para exigir a execução das ações
previstas nesses instrumentos internacionais. As reivindicações do movimento
feminista concentravam-se nas denúncias dos homicídios cometidos pelos maridos
contra suas esposas e nas práticas da jurisprudência impregnadas por valores
culturais misóginos e discriminatórios (Machado, 2002).
Pode-se afirmar que tais reivindicações ganham força com a inclusão da
violência contra as mulheres na arena dos direitos humanos e da saúde, tornandose assunto pertencente ao domínio público e, por conseguinte, considerado um
problema social (Azambuja & Nogueira, 2008).
Na Convenção de Belém do Pará (Barsted, 1994, p. 8), por exemplo, tem-se
a definição do que é a violência contra as mulheres como: “qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher,
tanto na esfera pública como na esfera privada”.47Tal convenção ainda prevê que os países
signatários formulem ações que visem erradicar o problema da violência contra
47
Para ter acesso à íntegra do texto da Convenção, acessar: http://www.violenciamulher.org.br
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as mulheres, bem como garantam o direito da mulher a uma vida sem violência
(Cordeiro, 2008). Assim, diversas ações foram articuladas para publicizar à violência
que ocorria dentro dos relacionamentos ditos conjugais (Machado, 2002).
Houve uma crescente produção acadêmica ao longo do percurso de construção
da violência contra as mulheres como um problema social e de saúde pública.
O problema constitui-se como um tema privilegiado pelo movimento feminista
brasileiro, servindo como articulador do campo militante com o campo das
pesquisas acadêmicas (Grossi & Porto, 2005).
Os primeiros estudos começaram a ser realizados, também, na década de
1980. Tinham como principal objetivo dar visibilidade à denúncia da violência
por meio da identificação dos perfis das queixas, das vítimas e dos agressores
(Santos & Izumino, 2005).
No que tange à implantação de serviços, em 1985, sob a pressão dos
movimentos feministas e de mulheres, tem-se a criação da primeira Delegacia
Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), em São Paulo (Grossi & Porto, 2005).
As delegacias de atendimento a mulheres em situação de violência caracterizam-se
como órgãos especializados da Polícia Civil, que procuram dar um atendimento
mais adequado a essas mulheres (Machado, 2002).
Para Debert e Oliveira (2007), a criação das delegacias expressa a politização
da justiça na garantia dos direitos da mulher e representa uma forma de pressionar
o sistema de justiça na criminalização de assuntos que eram tidos como do âmbito
privado. Dessa maneira, as DEAM são formuladas para defender a mulher como
titular de direitos e são, ao mesmo tempo, uma resposta às reivindicações dos
movimentos feministas e de mulheres empenhados em evidenciar as relações de
poder e de dominação que permeiam a vida familiar.
Deste modo, as reivindicações dos movimentos não pararam com a criação
das delegacias. Exigiu-se a construção de uma rede de serviços específica, centros
de referência, casas abrigos, etc., voltada para a questão da violência contra as
mulheres. Concomitantemente, discussões sobre os Códigos Civil e Penal foram
realizadas (Cordeiro, 2008). Em 1995, foram criados os Juizados Especiais
Criminais (JECrim), previstos na Lei 9.099/95. Os juizados foram orientados
pelos princípios da busca de conciliação, cujo foco é os casos de contravenção e
os crimes considerados como de menor potencial ofensivo, sendo a pena máxima
de até dois anos de reclusão (Debert & Gregori, 2008).
Já em 2002, cria-se uma medida cautelar penal, prevista na Lei 10.455, que
coloca a possibilidade de o(a) juiz(a) pedir o afastamento do homem autor de
violência, em casos de violência doméstica (Cordeiro, 2008). Em 2003, o novo
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Código Civil finalmente eliminou todas as discriminações legais contra as mulheres
que ainda vigoravam (Azambuja & Nogueira, 2008).
No ano de 2004, foi lançado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
(PNPM), no qual há um capítulo exclusivo para a questão da violência contra as
mulheres denominado: “Enfrentamento à violência contra as mulheres”. O PNPM
reconhece que, para se ter uma ação efetiva de enfrentamento à violência contra
as mulheres, é necessária a elaboração de uma política sistemática e continuada em
diferentes áreas, que promova e implemente políticas públicas de responsabilidade
no nível dos três governos: federal, estadual e municipal (Cordeiro, 2008).
Em 2006, foi promulgada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha
(Azambuja & Nogueira 2008; Cordeiro, 2008). A promulgação dessa lei também
foi um produto das ações do movimento feminista, indignado com o modo pelo
qual a violência contra as mulheres era tratada e acreditando que esse crime
merece um tratamento diferenciado (Debert & Oliveira, 2007).
A Lei Maria da Penha define uma política pública articulada, destinada à
segurança das mulheres em situação de violência doméstica e familiar (Azambuja
& Nogueira, 2008). Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra as Mulheres, estabelecendo medidas de assistência e proteção
às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, conforme descrito no
Artigo 1° (Debert & Gregori, 2008).
A lei alterou o tratamento dado aos crimes de violência doméstica e familiar
contra as mulheres no sistema judiciário. Dentre as alterações destacadas por
Debert e Oliveira (2007) estão: o aumento da pena máxima, que passa a ser
de três anos de detenção, o que retira essa violência da tipificação dos crimes
de menor potencial ofensivo, não podendo, por conseguinte, ser mais enviada
aos Juizados Especiais Criminais (JECrim); passa também a admitir a prisão em
flagrante para os casos de violência doméstica contra as mulheres e impede a
aplicação de pena de cesta básica, passando a exigir novamente - como antes da
Lei 9.099/95 - a instauração do inquérito policial.
Outros aspectos positivos relacionados com a lei são as medidas protetivas de
urgência, que colocam como responsabilidade da polícia, da Justiça e do Ministério
Público a segurança pessoal e patrimonial da mulher e de seus filhos. Além disso,
a lei, no seu artigo 45, determina como sendo obrigatório o comparecimento do
homem julgado como agressor a programas de “recuperação” e “reeducação” e
considera importantes as penas restritivas, enfatizando a promoção da mudança
de comportamento dos agressores e a necessidade da existência de tais programas
para o cumprimento da determinação judicial (Cordeiro, 2008).
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Nesse percurso de construção da violência contra as mulheres como um
problema social e de saúde pública, alguns estudos apontam para importância
de estudos sobre os homens autores de violência (Gregori, 1993; Schraiber et
al., 2005). Em consonância com essa ideia, o presente artigo traz os principais
resultados de uma pesquisa cujo objetivo foi estudar os sentidos de violência contra
as mulheres nas narrativas de homens denunciados por violência conjugal.58
Assim, para finalizar essa breve contextualização histórica, é necessário
destacar que o percurso da construção da violência contra as mulheres como
problema social e de saúde pública não é tão linear como foi apresentado.
É marcado por conquistas e retrocessos. Por isso, considera-se fundamental
reconhecer que a opção por apresentá-lo assim nesse artigo se deve a uma
finalidade didática, com vista a oferecer aos/às leitores/as maior facilidade de
compreensão.
2. Procedimentos
metodológicos
Em pesquisa mais ampla realizada pelo Núcleo de Pesquisas em Gênero e
Masculinidades da UFPE (GEMA),69cujo objetivo inicial foi mapear os serviços
voltados para os homens autores de violência contra as mulheres na Região
Metropolitana de Recife, constatou-se a inexistência de tais serviços. No entanto,
o mapeamento efetuado possibilitou conhecer a rede de enfretamento à violência
contra as mulheres nesta região, bem como os principais serviços e redes voltados
para a proteção de mulheres em situação de violência.
Com base nas informações da pesquisa citada acima, foram identificadas as
instituições em que os homens denunciados por violência conjugal poderiam ser
localizados. Duas delas merecem destaque: a Delegacia da Mulher de Recife e
o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
A Delegacia da Mulher de Recife foi escolhida como local privilegiado para
a realização desta pesquisa, principalmente pelo fato de constituir, em linhas
gerais, a porta de entrada para os encaminhamentos dos casos de denúncia de
violência contra as mulheres.
58
Foi usado o termo homens denunciados por violência conjugal, já que, com a implementação em 2006 da Lei 11.340/06,
conhecida como Lei Maria da Penha, os homens só podem ser nomeados, legalmente, como autores de violência contra
as mulheres, após o julgamento do processo. Essa pesquisa entrevistou homens que ainda não haviam sido julgados, por
isso o termo denunciados.
69
A pesquisa desenvolvida pelo GEMA, iniciada em 2006, foi realizada em parceria com o Núcleo Margens da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) e com a ONG Instituto PAPAI, tendo o apoio do CNPq. Essa pesquisa foi coordenada pelo
prof. Dr. Benedito Medrado e contou com a participação de cerca de 20 pesquisadores, dentre esses as autoras do artigo.
Abrangeu uma pesquisa bibliográfica exaustiva do tema, um mapeamento da rede de serviços do estado de Pernambuco
de atendimento à violência contra as mulheres e análise de documentos de domínio público identificados a partir desse
mapeamento. Foi finalizada no inicio de 2009.
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Foram realizadas 13 visitas à Delegacia nos meses de abril, maio e junho de 2008.
Nesse período, foram entrevistados dez homens denunciados por violência conjugal. As
entrevistas, orientadas por um roteiro semi-estruturado, foram realizadas mediante leitura
e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.710Além disso, efetuaramse observações no cotidiano811registradas em diários de campo, também mediante
autorização prévia da instituição e assinatura do documento correspondente.
A opção pela realização de uma pesquisa qualitativa se deve, como salientado
por Fonseca (1998), ao reconhecimento de que os sentidos expressos pelas pessoas
são construídos coletivamente, tendo, portanto, nos valores, crenças, ideias e
significados que circulam em seus contextos as principais fontes. Neste sentido,
quando os contextos são bem delineados, é possível estabelecer generalizações
que o comportem.
Para o processo analítico, organizou-se um corpus textual, que consiste em
desenvolver esquemas interpretativos. Trata-se da escolha de um tema ou foco
de interesse relacionado aos objetivos da pesquisa (Meneghel & Iñiguez, 2007).
Assim, após a leitura exaustiva das entrevistas foram produzidos, inicialmente,
quadros tendo como base três questões centrais:
1. Como os homens denunciados por violência conjugal se percebem e
como percebem a companheira, ou ex-companheira, no jogo do conflito
conjugal?
2. O que os homens denunciados por violência conjugal nomeiam de violência
contra as mulheres?
3. Como os homens denunciados por violência conjugal percebem a situação
que desencadeou o conflito conjugal?
A partir desses três eixos de análise, foram produzidos dez quadros individuais.
Os quadros foram compostos por quatro colunas: a primeira com o nome fictício
do entrevistado e as demais correlacionadas aos temas dos eixos analíticos, em
formato inspirado nos mapas de associação de ideias, proposto por Spink e
Lima (2004). Por meio da leitura repetitiva desses quadros, construíram-se duas
categorias analíticas:
1. “Ela é muito agressiva como eu falei, ela saiu domando a mim, querendo arranhar meu
rosto”: a mulher que provoca o conflito conjugal.
710
A realização da pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com seres humanos da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Foram garantidos aos entrevistados o direito a participação voluntária e o anonimato.
811
Spink (2007) faz uma diferenciação quando se pesquisa o e no cotidiano. Ao pesquisar o cotidiano, estabelece-se a
dicotomia pesquisador – objeto de pesquisa; já pesquisar no cotidiano é ser partícipe das ações e construções de sentidos
que acontecem nesse espaço. Segundo essa autora, baseada em Garfinkel (1967/1984), ao pesquisar no cotidiano, nos
posicionamos como membros da comunidade discursiva, ou seja, nos tornamos capazes de interpretar as práticas que se
desenrolam nos espaços e lugares em que acontece a pesquisa.
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2. “Pra você ver rapaz, a gente nunca teve um relacionamento é, bem não”: a violência
é o sentido da relação conjugal.
A seguir os principais resultados da pesquisa, organizados nestas duas categorias
analíticas. É importante ressaltar que tais categorias também não são estanques, nem
excludentes. Elas podem, em alguns momentos, apresentar tensões e correlações
entre si.
3. “Ela é muito agressiva como eu falei, ela saiu domando a mim, querendo arranhar
meu rosto”: a mulher causadora do conflito conjugal
A partir das leituras das narrativas de alguns homens, foi percebido que o
conflito conjugal acontece por mudanças nos comportamentos das mulheres:
Igor912: “Que pelo menos ela no começo não era assim, agora depois de uns 10 anos
começou a perder o controle rapidamente, não sei se é questão também de idade, que
a mulher tem a menopausa, o homem tem a andropausa, a mulher tem a menopausa,
dizem, que não sou mulher pra saber isso, que quando chega certa idade começa a ter
reações, troca de hormônios e tal”.
Fernando: “Uns oito anos, nove anos, por aí. De três anos pra cá mais ou menos, foi só
confusão, separando, voltando, separando, voltando. Aí muitas amizades com ela, eu chegava
pra lá, eu dizia não quero você com fulana, quando eu chegar quero meu café pronto, e
nada, quando eu chegava tava conversando com sicrana, porra tudo isso vai evoluindo, vai
tendo raiva na mente do cara, bebida não controla ninguém, que bebida não leva ninguém
pra frente. Daí chegava em casa muito bêbado, era um monte de discussão”.
Ao que parece, as referidas mudanças das mulheres estão atreladas a uma
“perda de controle” dos homens sobre seus comportamentos, dando origem a
conflitos conjugais (Schraiber et al., 2005). O controle não é percebido como
coerção ou violência, mas como parte dos atributos e direitos dos homens sobre
as mulheres no contexto de uma relação conjugal. Nessa perceptiva, supõe-se que
os homens produzem os sentidos sobre a relação conjugal a partir de um padrão
hegemônico relacional de gênero.
Para Louro (2003), o gênero se refere ao modo como as características sexuais
são compreendidas e representadas ou, então, como são trazidas para a prática
social e tornadas parte do processo histórico. Assim, as desigualdades presentes nas
relações entre as pessoas não seriam justificadas a partir de diferenças biológicas,
mas por meio dos diversos arranjos realizados nos contextos sócio-históricos nos
quais são construídas.
Os nomes atribuídos aqui aos homens participantes da pesquisa são fictícios.
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Para uma melhor compreensão da construção desse padrão relacional de
gênero, pode-se recuperar o conceito da masculinidade hegemônica. Connell
(1997) o define como configurações de práticas genéricas que englobam uma
posição dominante dos homens e uma subordinação das mulheres, legitimando
as relações previstas no patriarcado.1013
No patriarcado, delineiam-se demarcações rígidas de posicionamentos
relacionais. Tal padrão hegemônico veicula condutas com status de “única
verdade”, engendrando os comportamentos em rígidos padrões relacionais. Parker
(1991) compreende que o sistema patriarcal brasileiro construiu o masculino
valorado a partir da ação e da virilidade, e o feminino é valorizado dentro das
funções de esposa e mãe:
Fernando: ”Uma dona de casa exemplar, assim que espera o marido chegar do
trabalho, ou que teja na rua, mas quando tiver perto do marido chegar volte pra casa,
apronte o café do marido, o almoço. Você acredita cara, eu trabalhei seis anos numa
empresa, nesses seis anos ela nunca levantou pra fazer meu café da manhã, tem vezes
que eu saía, saía às vezes nem café eu tomava”.
Emanuel: “Porque, quando nós nos separamos, eu fiquei com a criança, eu disse a
ela, que ela não tinha condição moral de criar uma criança, não financeira, porque
financeira é comigo né, que sou o pai, não é com ela”.
Nos trechos acima, podemos perceber a destinação do âmbito privado para
a mulher, que deve cuidar da casa, dos filhos e dar suporte ao companheiro para
a efetivação de suas funções de trabalhador e provedor, localizadas no âmbito
público. Trata-se da proposição de uma relação de complementaridade, na qual
há a tentativa de estabelecimento de pólos onde são negociadas posições de poder
e subordinação.
Assim como Parker (1991), Machado (2004) destaca que, no Brasil, a construção
hegemônica dos padrões de gênero se dá dentro da retórica do patriarcado.
Vale ressaltar que o patriarcado é, aqui, tido como um padrão hegemônico
legitimado socialmente, que posiciona as relações de gênero e define condutas
historicamente desiguais.
É preciso destacar que tal padrão deve ser compreendido como construção,
referências compostas e adotadas de maneira bastante complexa, pouco linear
e nada fixa (Debert & Gregori, 2008). Como o próprio Connel (1997) discorre
sobre a masculinidade hegemônica: um padrão relacional historicamente móvel
Ressalta-se, que tal padrão hegemônico é construído não apenas em relação às mulheres, mas também às outras formas
de masculinidade referentes a grupos dominados. Essas outras masculinidades não são necessariamente bem delineadas. A
masculinidade hegemônica as oculta e as subordina, embora não as elimine por completo.
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e fluido e que tem fissuras.
Desta maneira, ao analisarmos nas narrativas de alguns homens denunciados
por violência conjugal, os sentidos sobre a violência contra as mulheres, percebemos
que quando há desestabilização do padrão hegemônico relacional ocorrem os
conflitos conjugais que compõe as cenas de violência contra as mulheres.
Pesquisas realizadas no Brasil sugerem que a violência cometida por um
homem contra uma mulher aparece, frequentemente, em situações nas quais o
uso da violência é considerado “justificável” pelos homens como, por exemplo,
quando as mulheres mantêm “relação extraconjugal” ou quando não cumprem
com o que é reputado socialmente como suas responsabilidades domésticas
(Acosta & Barker, 2003):
Tarcisio: “Outra, eu trabalhava no canto, ela também trabalhava, aí eu deixei de
trabalhar, ela ficava no mesmo lugar lá no meio do pessoal, dos funcionários, que a
gente trabalhava tudo junto, eu trabalhava em outro canto agora, e também, o que me
fez também me separar foi mentiras também, que ela fazia um curso, eu fui pegar ela
no curso, o curso, as luzes se apagaram, e ela não saiu do curso. Cheguei em casa,
perguntei: tava aonde? Tava no curso, mentira que ela não tava no curso. Quer dizer,
mentiras que me fez me separar, eu não sei se ela me traiu, traiu eu não sei”.
Nessa perspectiva, as mulheres aparecem como provocadoras dos conflitos,
já que toda situação de violência é circunscrita a partir de justificativas que
“culpabilizam” as mulheres pelo conflito, ora por mudanças no seu comportamento,
ora pela caracterização da mulher como “agressiva”:
Fernando: “Aí muitas amizades com ela, eu chegava pra lá, eu dizia não quero você
com fulana, quando eu chegar quero meu café pronto, e nada, quando eu chegava tava
conversando com sicrana, porra tudo isso vai evoluindo, vai tendo raiva na mente do cara,
bebida não controla ninguém, que bebida não leva ninguém pra frente. Daí chegava em
casa muito bêbado, era um monte de discussão”.
Tarcisio: “(...) eu conheço ela muito bem, ela gosta de arranhar cara, gosta de arranhar
tudo, onde ela pegar ela arranha, ela humilha. Quer dizer, se você não dominar ela, ela
é muito, muito agressiva”.
Nestes casos, a denúncia é percebida pelos homens como mais uma forma
de violência praticada pelas mulheres, um artifício que as mulheres utilizam para
prejudicá-los:
Tarcisio: “(...) ela, eu acho que foi uma covardia que ela armou, eu acho que ela
quis me denunciar, porque todo tempo ela disse, que se a gente se separasse ela ia me
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violência conjugal
prejudicar, de um jeito ou de outro ia me prejudicar, eu acho que ela queria me prejudicar
no trabalho, tentar me fichar, eu acho que é isso né? É isso aí”.
De maneira geral, nas situações de conflito, os homens se posicionaram como
apaziguadores e/ou reativos às agressões das mulheres, o que contrasta com os
posicionamentos previstos no patriarcado:
Samuel: “Não discute, a gente discute, mas quando ela começa a discutir, ela bate em
mim, eu vou me embora, eu não dou nela não”.
Fernando: “Não, já aconteceu já, até que, até ela me bater também cara, e eu não
suportar e também ir pra cima entendeu, e os meus filhos começava a chorar, daí eu
parava, entendeu? Mas, não era porque eu queria, porque primeiro eu era agredido”.
De acordo com Scott (1988), os significados das diferenças de gênero são
sempre relativos a certas construções particulares, em contextos específicos. Há uma
variedade de posições que se pode assumir, a depender dos contextos nos quais
interagimos. Esta proposição enfatiza a proposição de que ninguém faz o gênero
sozinho. Ele implica uma relação, uma socialidade (Debert & Gregori, 2008).
Assim, para Costa (1998), adotar uma perspectiva relacional de gênero é levar
em consideração que o gênero não se refere unicamente a homens e mulheres
e que as associações entre homem – masculino e mulher – feminino não são
naturais, nem óbvias, são construções sociais implicadas no contexto históricopolítico-cultural em que são constituídas e constituintes.
Outro aspecto que gostaríamos de destacar é que os homens reconhecem
apenas a agressão física como violência contra as mulheres, a agressão verbal,
geralmente, não foi reconhecida como situação de violência:
Tarcisio: “Não, não só assim discussão, bate boca de marido e mulher, mas
negócio de agressão não. Primeira vez agora, quer dizer, eu não agredi ela, ela que
fez tudo (...)”.
Jorge: “O motivo foi discussão como, como todo casal tem, e ela não aceita, eu não
aceito algumas coisas, e ela achou no direito de prestar uma queixa sobre mim”.
Isso pode ocorrer porque a naturalização da violência nas relações conjugais
é ainda muito presente – a existência de interações violentas no âmbito do casal
tem permissão social para acontecer (Gomes & Nascimento, 2006). Isto colabora
para a dificuldade de percepção sobre o que seja violência, tanto de quem pratica
quanto de quem sofre (Saffioti, 2004; Kronbauer & Meneghel, 2005).
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Todavia, vale a pena destacar que, as situações de conflito também aparecem
permeadas por sentidos contraditórios. Ao mesmo tempo que “culpabilizam”
as mulheres pelos conflitos conjugais, posicionando-as como “provocadoras” e
“agressivas”, os homens, nas suas narrativas, relataram ocasiões que explicitam
a construção relacional dos conflitos. O conflito conjugal, então, não aparece
apenas como “provocado” pelas mulheres, mas faz parte de um jogo relacional
conflituoso do qual ele é partícipe:
Igor: “Porque se teve testemunha de discussão, era os meninos dentro de casa,
infelizmente era na frente dos meninos, aquela história, como a discussão era na
frente dos meninos, talvez ela queria que eu batesse nela, eu acho que ela queria isso,
como não conseguiu me tirar do sério esse tempo todinho, aí achou de, o que eu disse
para ela foi: Você pare de tá me desacatando, ela eu não tenho medo de você não,
isso eu digo toda a hora a ela: Pare de ficar me desacatando, se você pensa que pode
comigo, você não pode (risos)”.
Essa variabilidade observada nas narrativas dos homens enfatiza o
reconhecimento do caráter relacional das situações de conflito conjugal,
embora, ao mesmo tempo, identifiquem que tais situações foram provocadas
exclusivamente pelas mulheres. Para Meneghel e Iñiguez (2007), os aspectos
contraditórios dos discursos podem apontar para possibilidades de mudanças.
No caso de práticas violentas nas relações conjugais, pode-se pensar em
possibilidades de mudanças na resolução dos conflitos:
Juliano: “O que eu tenho mais é de falar mal, é porque ela é muito temperamental,
tem um temperamento ói explosivo, que às vezes, se eu fosse um cabra, se eu usasse a
cabeça um pouquinho mais, deveria ter dado as costas, e eu acho que eu tinha saído,
ia na rua, dava um volta até ela se acalmar. Quando se acalmasse, eu ia chegar na
minha casa normal, não ia acontecer nada disso que tá acontecendo hoje”.
Percebe-se, também, que quando idealizam o relacionamento conjugal,
os homens, em sua maioria, trouxeram o respeito, o diálogo e a compreensão
como aspectos ideais. Esses ideais podem ser interpretados de dois modos: um
primeiro, quando tais aspectos compõem uma possibilidade de reafirmação dos
padrões hegemônicos relacionais de gênero, como, por exemplo, de controle da
mulher, quando os mesmos são desestabilizados, cabe à mulher mudanças no
seu comportamento (Couto et al., 2006):
Tarcisio: “Sentimento de respeito, um casal tem que respeitar um ao outro, depois que
não se respeita mais, ela quer fazer o quer, nenhum homem gosta disso, entendeu?”.
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violência conjugal
Fernando: “(...) Relacionamento bom que eu acho, é um respeitar o outro cara,
não respeito de traição, não nesse ponto, assim, respeito de várias maneiras né? De
compreensão, de moral. Porque um não pode perder moral pro outro também né? É esse
termo aí, e eu não tava mais conseguindo ter moral pra ela, entendeu?”.
E o outro modo seria esses aspectos compondo um cenário para uma possível
flexibilização das relações de gênero:
Paloma: “Não, não tem nenhum problema seu Josildo, e assim o senhor, pra o senhor
o que seria um relacionamento ideal, um relacionamento afetivo ideal?”.
Josildo: “Acho que ela me respeitasse, e eu também né, respeitar ela né, que isso que
não tá acontecendo entre nós dois, da minha parte eu tou fazendo o que posso”.
Assim, parece que existe uma abertura por parte de alguns homens quanto
a outras maneiras de se relacionar. Para isso, são de fundamental importância a
reflexão e a reinvenção das relações de gênero e, consequentemente, de outras
formas de relações conjugais (Machado, 2004).
4. “Pra
você ver rapaz, a gente nunca teve um relacionamento é, bem não”:
a violência é o sentido da relação
Nesta segunda leitura analítica, foram agrupadas as narrativas dos homens
cuja violência é o sentido da relação conjugal:
Jeferson: “(...) porque eu, quantas vezes ela se separou de mim, via eu bêbado aí
pegava e ia pra casa da família, aí ficava nesse negocinho. Aí passava 15 dias, um
mês na casa da família, ela e meus meninos, quando eu ia procurar ela, ia atrás dela.
A família dela queria me espancar, me bater, chegaram até cortar meu rosto, levei ponto
no rosto, botaram revólver no meu rosto, esse negócio, a gente vivia assim”.
Algumas interpretações são possíveis quando a violência constitui-se como
o “padrão” relacional. A esse respeito, Gregori (1993) argumenta que o uso da
violência pode ser uma forma de realocação de homens e mulheres nos lugares
dos padrões hegemônicos de gênero:
Gustavo: “Porque também, a mulher também não pode tá agredindo o homem, porque
vai terminar levando também, quem sabe dentro de casa o camarada perde a paciência
né? A pessoa também não pode ser bom demais, porque a mulher quer fazer o que ela
quer. Pra você ver, rapaz, a gente nunca teve um relacionamento é, bem não”.
Nas palavras de Gregori (1993):
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“Ela vai apanhar e o marido vai bater. Neste, ela sairá como vítima e o marido como
agressor. De uma maneira muito estranha, ela dá a “última palavra” para sair de uma
cena em que é parceira e iniciar outra em que será vítima. Um perverso jogo de feminilidade
e masculinidade, ou melhor, de imagens que desenham papéis de mulher e de homem em
relações conjugais” (Gregori, 1993, p.180).
Para Gregori (1993), a violência funciona como uma espécie de ato de comunicação
do homem e da mulher na construção da relação conjugal. Pode constituir-se em meio
de reivindicação de atenção, disputa, jogo erótico e/ou reafirmação do compromisso.
A violência é configurada como um aspecto constituinte da conjugalidade:
Jeferson: “Não, não, é, discutir, a gente discutia, até sem beber. Só que agressão
jamais”.
Paloma: “Só essa vez...”
Jeferson: “Foi só essa vez, e faz muito tempo. Eu depois me arrependi muito, me arrependi
muito, pedi desculpas a ela, perdão, tudo eu pedi a ela. Outro dia ela reconheceu que
também ela errou por uma parte, e eu errei por outra, ter batido, que eu dei uma tapas
nela né? Aí pronto, só foi isso, mas era mais boca, bate boca, quê não sei o que, que eu
chegava bebo, vou fazer isso, vou fazer aquilo, mas na verdade eu não ia fazer é nada, eu
falava, falava, e depois ali mesmo eu dormia”.
Nas relações marcadas pela violência, supõe-se que a dificuldade em reconhecer a
violência na relação conjugal não é apenas pela naturalização da violência nas relações
conjugais, mas porque esta se constitui como padrão relacional. Parece acontecer a
construção de uma relação conjugal, cujos parceiros se ligam de forma simbiótica
e são enlaçados por práticas violentas que se repetem cotidianamente, em que há
dificuldades no reconhecimento de tais interações como violentas (Gregori, 1993).
Giddens (1993) traz uma ideia interessante para se pensar nas formas como
essas relações são construídas: a noção de relação codependente:
“Um relacionamento co-dependente é aquele em que um indivíduo está ligado psicologicamente
a um parceiro, cujas atividades são dirigidas por algum tipo de compulsividade. Chamarei
de relacionamento fixado aquele em que, o próprio relacionamento é objeto do vício (...)
Nenhum dos participantes é nitidamente um viciado, mas ambos são dependentes de um
elo que é uma questão de obrigação de rotina ou é realmente destrutivo para as partes
interessadas” (Giddens, 1993, p.102).
Deste modo, a denúncia, feita pela mulher ganha o significado de ruptura
deste padrão relacional. Já que a violência é tida como um elo que sempre fez
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violência conjugal
parte da relação conjugal, a denúncia da mulher relacionada a essas práticas
violentas parece inconcebível:
Jeferson: “É que, a família dela, eu tenho pra mim que é a família dela né, que deu
algum incentivo. Porque eu não acredito que ela, da cabeça dela que ela fosse fazer uma
coisa dessa, até agora eu tou perplexo, tou arrasado, porque eu não esperava que ela
fosse fazer uma coisa dessa, porque nada disso é verdade, a coisa é totalmente diferente,
aí a palavra dela contra a minha né?”
Assim sendo, a denúncia realizada pela mulher é vivenciada com sofrimento
e decepção. Os homens se sentem “traídos” pelas mulheres:
Paloma: “Você perguntou pra ela o porque da denúncia?”
Gustavo: “Nada, nem vou perguntar mais”.
Paloma: “Pra você chegou ao final o relacionamento de vocês?”
Gustavo: “Oxe ... Com certeza, posso te falar uma verdade? Tá aí uma cobra...”
Paloma: “Cobra”.
Gustavo: “Traidora, cobra, cobra verdadeira mesmo, daquela perigosíssima ... (olhos
marejados)”.
Paloma: “Tá muito decepcionado é Gustavo?”
Gustavo: “Oxe ... (começa a chorar) (Silêncio) Cidadão de bem, dentro de uma delegacia.
Coisa, que eu nem bati nela, penso só nas minhas filhas. (silêncio). O homem não deve chorar
não, homem que é homem não chora não, mas infelizmente eu não aguento não”.
Contudo, é a partir da denúncia da mulher que os homens começam a
configurar outras formas de relacionamento conjugal. A Delegacia da Mulher
é permeada por significados que vão além dos papeis punitivo e criminalizante,
se torna um lugar privilegiado para resolução dos conflitos conjugais (Brandão,
2006; Rifiotis, 2004).
Ao acionar a delegacia, as mulheres estabelecem um modo peculiar de
utilização do aparato policial. Mobilizam tal instituição para gerenciar a crise
conjugal e familiar em que subjaz o delito denunciado (Brandão, 2006). A denúncia
à polícia significa o rompimento com a dinâmica conjugal e motiva o desejo de
novas configurações de relacionamentos:
Gustavo: “Um amor como qualquer um homem pode ter por uma mulher, um amor
verdadeiro”.
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Paloma: “Um amor verdadeiro...Como é assim esse amor verdadeiro?”
Gustavo: “Um amor verdadeiro é respeitá-la, entendeu? É nunca maltratá-la, entendeu?
Nunca pensei de maltratar ela, apesar do que vem acontecendo, infelizmente tá aí. Certo?!
Espero que seja resolvido numa boa, e a partir de hoje mesmo, nem pra ela mais eu
olho”.
5. Considerações
finais
A violência contra as mulheres é uma problemática perpassada por uma série
de aspectos que complexificam seu estudo. Há a coexistência de vários significados
que se sobrepõem, se misturam e estão permanentemente em conflito nas situações
que caracterizam a ocorrência de violência no âmbito das relações conjugais. Ocorre
o emaranhamento de concepções sobre sexualidade, família, gênero, afetividade,
educação, etc. Além disso, há posições definidas por outras categorias de diferenciação,
geracionais ou etárias, marcadores raciais e de classe (Debert & Gregori, 2008).
Assim, quando nos propomos a estudar os sentidos de violência contra as mulheres
nas narrativas de homens denunciados por violência conjugal, nos deparamos com
essa pluralidade. Uma leitura simplista sobre a questão é insuficiente e incoerente
com a diversidade de situações, por isso aceitamos o desafio de realizar uma leitura
que enfatiza as dinâmicas que revestem as relações socais.
Para tanto, utilizamos nas nossas suposições analíticas a perspectiva de gênero. O
gênero é um meio de interpretar o sentido e de compreender as relações complexas
entre as diversas formas de interação humana (Scott, 1995). O foco fica voltado
para as relações que são estabelecidas e as atribuições de masculino e feminino
elaboradas nessas relações:
“Enfatizar o caráter relacional do gênero não é afirmar que os estudos de gênero devam ser
sempre e necessariamente com homens e mulheres simultaneamente, pois isso seria reforçar
uma política identitária. Enfatizar o caráter relacional do gênero é dizer que os estudos
sobre os sujeitos concretos devem considerar as percepções sobre masculino e feminino como
dependentes, ao mesmo tempo que constitutivas, das relações sociais” (Costa, 1998,
p.173-174).
Nesta perspectiva, conseguimos construir duas leituras analíticas que tentam dar
conta da complexidade que envolve o objetivo da pesquisa. Na primeira categoria
observou-se que os homens significam a violência contra as mulheres a partir do padrão
hegemônico relacional de gênero. Assim, a noção da violência contra as mulheres
vem atrelada a desestabilização deste padrão, seja por mudanças nos comportamentos
das mulheres e/ou pela caracterização das mulheres como “agressivas”.
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violência conjugal
No entanto, as situações de conflito aparecem permeadas por sentidos
contraditórios. Ao mesmo tempo que “culpabilizam” as mulheres pelos conflitos
conjugais, posicionando-as como “provocadoras” e “agressivas”, os homens, nas
suas narrativas, relataram ocasiões que explicitam a construção relacional dos
conflitos. As situações de violência contra as mulheres, então, não aparecem
apenas como “provocadas” pelas mulheres, mas faz parte de um jogo relacional
conflituoso do qual ele é partícipe.
Do mesmo modo, existem dificuldades por parte dos homens em reconhecerem
a violência circunscrita na relação conjugal. Isto pode estar relacionado à pelo
menos duas suposições: a banalização da violência contra as mulheres e quando
a violência se constitui como sentido da relação conjugal.
A segunda leitura analítica procurou dar conta das situações em que a
violência se constitui como sentido da relação conjugal, compondo-se como o
“padrão” relacional. Para Gregori (1993), em determinados casos, a violência
funciona como uma espécie de ato de comunicação do homem e da mulher, na
construção da relação conjugal. A denúncia na delegacia representa, portanto,
uma ruptura desse “padrão” relacional.
A Delegacia da Mulher pretende, fundamentalmente, interpretar a violência
contra as mulheres a partir de uma leitura criminalizante e estigmatizada contida
na polaridade “vítima-agressor” ou na figura jurídica do “réu”. Este tipo de leitura
apresenta uma série de obstáculos para a compreensão e intervenção nos conflitos
interpessoais. Ela é teoricamente questionável, não corresponde às expectativas das
pessoas atendidas nas Delegacias da Mulher, como demonstra estudo realizado por
Brandão (2006), e tampouco aos serviços efetivamente realizados pelas policiais
nessa instituição (Rifiotis, 2004).
As proposições colocadas acima não são contrárias à existência das delegacias
e/ou da implementação da Lei Maria da Penha, pretendem apontar que a
leitura punitiva não pode ser exclusiva e que a criminalização de tais conflitos é
problemática (Rifiotis, 2004). Desta maneira, espera-se enfatizar a complexidade
que envolve a questão da violência contra as mulheres e que os caminhos para
sua resolução são difíceis e nada simplistas. Envolvem questões políticas, sociais,
educacionais e de saúde, exigindo novas diretrizes pautadas em um trabalho
interdisciplinar que abranja, para além de aspectos punitivos, dimensões de
promoção, prevenção e reorientação.
Assim, é preciso compreender a violência contra as mulheres como um
problema não apenas relacionado com os homens e as mulheres que vivenciam
tal problemática, mas com a sociedade de maneira geral. Como argumenta Giffin
(2005), qualquer estudo que englobe as relações de gênero precisa ir além da mera
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descrição das diferenças culturais, como, por exemplo, entre homens e mulheres,
e da própria constatação da construção social das relações de gênero.
É fundamental investigar os elementos da política econômica contemporânea
implicados na dinâmica global de dominação de nações e classes sociais e
de mercantilização da vida. É necessário avaliar com perspicácia as grandes
reformulações que se estão processando nas ideologias e até nas práticas “de
gênero”, para evitar conclusões baseadas na ideia de que qualquer mudança é
positiva e sinal de transformação.
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Recebido em: 12/08/2009
Aprovado em: 21/10/2009
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