ATIVISMO JUDICIAL E A TEORIA DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES1
JUDICIAL ACTIVISM AND THE THEORY OF THE
SEPARATION OF POWERS
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo diferenciar os institutos do
Ativismo Judicial e da Judicialização do Direito. O Ativismo Judicial
surgiu após a 2º grande guerra mundial com a ascensão dos Direitos
Fundamentais e a decadência do Constitucionalismo Liberal, surgindo
então uma nova doutrina constitucional: o Neo-Constitucionalismo. A
Judicialização do Direito é um fenômeno contingencial, decorrente da
própria Constituição e permite que o Poder Judiciário aprecie questões
de ordem social e política. O Ativismo Judicial, se aliado com o
instituto da judicialização transforma o Judiciário em uma espécie de
“constituinte”, e isso acaba por invadir a esfera do Poder Legislativo,
ferindo de forma direta ao principio da Separação dos Poderes de
Montesquieu consagrado no artigo 2º Constituição Federal de 1988,
como uma Clausula Pétrea, ou seja, não pode ser alterado nem mesmo
por Emenda Constitucional. Faz-se isso por meio de referências
bibliográficas e análise de casos práticos no Supremo Tribunal
Federal, como por exemplo, o recente julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade número 4277 que decidiu sobre a União Estável
Homoafetiva.
Palavras-Chave: Ativismo Judicial. Judicialização do Direito. Teoria da
Separação dos Poderes.
ABSTRACT
This study aims to distinguish the institutes of Judicial Activism
and Judicialization law. The Judicial Activism arose after the 2nd
Artigo apresentado por Camila Loureiro Moutinho, graduanda em direito
pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, sob a orientação do Professor Mestre
Leandro Côrrea de Oliveira, ao Programa de Iniciação Científica da Faculdade de
Direito do Sul de Minas com apoio e financiamento da Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais.
1
world war with the rise of Fundamental Rights and the decline of
Liberal Constitutionalism, appearing then a new constitutional
doctrine: the Neo-Constitutionalism. The Judicialization law is a
contingent phenomenon, arising from the Constitution itself and
allows the judiciary enjoy social issues and politics. The Activism
Judicial allied itself with the Institute of judicialization transformed
the judiciary into a kind of "constituent" and it turns out to invade the
sphere of the Legislature, wounding directly to the principle of
Separation of Powers Montesquieu set out in Article 2 of the
Constitution of 1988, as a stony clause, or can not be changed even by
constitutional amendment. This is done by means of references and
analysis of practical cases in the Supreme Court, for example, the
recent trial of the Direct Action of Unconstitutionality number 4277
which ruled on the Union Homoafetiva Stable.
Keywords: Judicial Activism. Judicialization of the law. Theory of
Separation of Powers.
INTRODUÇÃO
Verifica-se, a partir do segundo pós-guerra o aumento do
protagonismo
judicial
em
razão
da
ascensão
dos
Direitos
Fundamentais e a decadência do Constitucionalismo Liberal, surgindo
então o chamado Neo-Constitucionalismo.
Dá-se através de uma participação mais ampla e intensa do
judiciário na concretização dos princípios e direitos fundamentais.
Decorre da necessidade do poder judiciário em suprir as omissões e
conter os abusos do poder legislativo e executivo.
Com o advento do chamando neo-constitucionalismo surgiu a
idéia de que os princípios constitucionais substituem os princípios
gerais de direito e que aqueles princípios possibilitam ao magistrado a
possibilidade de decidir, sem necessidade de embasamento legal,
apenas pela interpretação principiológica constitucional.
A Judicialização é um fenômeno contingencial, decorre do
próprio texto constitucional que permite que diversas questões de
ordem política ou social, sejam levadas a apreciação do Poder
Judiciário, ocorrendo então uma judicialização dessas questões.
O fenômeno do Ativismo Judicial, se aliado com o instituto da
judicialização,
transforma
o
Judiciário
em
uma
espécie
de
“constituinte”, que invade a esfera do Poder Legislativo, ferindo de
forma direta ao principio da Separação dos Poderes de Montesquieu
consagrado na Constituição Federal de 1988.
1. Ativismo Judicial e a Judicialização do Direito
1.1.
Ativismo Judicial
O Ativismo Judicial pode ser entendido como uma
atitude, uma posição filosófica do intérprete, uma próatividade na concretização da CRFB, em resumo, levar a
CRFB em lugares que nela não estão previstos. 2
De
acordo
com
Carla
Kalcenik3
uma
das
principais
características que diferencia o Poder Judiciário dos outros dois
poderes é a sua inércia. Enquanto o poder executivo e o poder
legislativo atuam "ex officio" o poder judiciário precisa ser provocado.
Essa característica tem por objetivo assegurar a imparcialidade do
juiz. Foi essa idéia que Montesquieu manifestou quando elaborou a
teoria da separação dos poderes.
Ainda de acordo com Carla Kacelnik, no período conhecido
como Pós-Guerra, foram criados os Tribunais Constitucionais, que
tinha como finalidade principal resguardar os direitos fundamentais.
Mesmo que o Parlamento praticasse um ato que a sociedade
aprovasse, obedecendo assim o princípio democrático, se esse ato
2KALCENIK,
Carla. Controle de Constitucionalidade e o Ativismo
Judicial. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - PUC Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
3idem
fosse
contrário
aos
direitos
fundamentais
estabelecidos
na
Constituição, o Tribunal Constitucional deveria intervir.
Os tribunais constitucionais eram baseados na idéia de Kelsen
e eram órgãos autônomos e independentes, sem qualquer relação com
os demais poderes, principalmente o poder judiciário, porém, os
integrantes
do
tribunal
constitucional
tinham
as
mesmas
prerrogativas dos integrantes do Poder Judiciário.
As Constituições criadas no pós-guerra tinham um caráter
bastante principiológico, trazendo em seu texto diversos princípios que
acabam por estender o papel do poder judiciário na condição de
interprete da lei em detrimento do legislador, uma vez que deixa mais
espaço para interpretações, que acabam por “construir” um novo
direito.
Nesse contexto de pós-guerra surge o Ativismo Judicial, através
principalmente da jurisprudência norte-americana, quando se deu
uma ascensão dos Direitos Fundamentais e a decadência do
Constitucionalismo
Liberal,
surgindo
então
o
chamado
Neo-
Constitucionalismo.
Dá-se através de uma participação mais ampla e intensa do
judiciário na concretização dos princípios e direitos fundamentais.
Pode ocorrer através do controle de constitucionalidade bem como
através da edição de súmulas vinculantes. Porém, não é qualquer
manifestação acerca do controle de constitucionalidade, por exemplo,
que configura a prática do ativismo judicial. Se esta manifestação
estiver de acordo com o estabelecido pela Constituição Federal, não
estará configurada a prática ativista, ou seja, para que seja
configurada uma decisão ativista, esta deve estar além do objeto de
seu conhecimento, deve estar invadindo a competência de outro órgão.
O ativismo judicial pode ser praticado tanto no exercício da
prestação jurisdicional (por meio dos autos do processo)
quanto de forma externa aos autos pelos magistrados como,
por exemplo, em entrevistas, discursos de posse e
pronunciamentos fora dos autos dos processos. O ativismo
extra jurisdicional torna explícita uma dimensão de
"politização do Judiciário", aproximando-o do modo de
atuação dos demais poderes de Estado, os quais são
legitimados democraticamente para tanto. 4
Segundo
Cass
Sunstein,
“o
ativismo
judicial
pode
ser
mensurado pela freqüência com que um determinado magistrado ou
tribunal invalida as ações de outros poderes de Estado, especialmente
do Poder Legislativo.”
5
Vanice Regina Lírio do Vale explica que “Além
disso, também será considerado ativista o magistrado ou tribunal que
procura suprir omissões (reais ou aparentes) dos demais Poderes com
suas decisões.”6
No mundo atual, é imprescindível que direitos sociais sejam
efetivados, e isso é tarefa primordial do poder público, executivo e do
poder legislativo, que tem o dever de realizar projetos sociais que visem
integrar a sociedade e criar leis que possibilitem essa integração e a
efetivação de tais direitos, respectivamente. Entretanto, muitas vezes
esses poderes são inertes nessas questões, deixando de agir nesse
sentido. Diante dessa inércia, surge o poder judiciário, invadindo a
esfera do poder legislativo, principalmente através do Supremo
Tribunal Federal no Brasil, que proferem suas decisões obrigando os
outros poderes a garantir políticas públicas, voltadas à efetivação
desses direitos.
Para alguns estudiosos, a violação dos direitos fundamentais
justifica a prática do ativismo judicial:
O STF tem a atribuição constitucional de ser o
guardião da Constituição Federal e, se necessário, aplicará
4VIEIRA. José Ribas, SILVA. Alexandre Garrido da, CHALOUB. Jorge de
Souza, MEDEIROS. Bernardo Abreu de, PESSANHA. Daniella dos Santos. Ativismo
Judicial, judicialização da política e garantismo no Supremo Tribunal Federal. IN: I
Fórum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional e Teoria do Direito. Anais
eletrônicos. Disponível em: http://www.arcos.org.br/livros/anais-do-i-forum-degrupos-de-pesquisa-em-direito-constitucional-e-teoria-do-direito/3-ativismo-judicialjudicializacao-da-politica-e-garantismo-no-supremo-tribunal-federal/. Acesso em: 06
de dez. 2011.
5 SUNSTEIN, Cass. Radicals in robes: why extreme right-wing Courts are
wrong for America.
6 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Ativismo Jurisdicional e o Supremo
Tribunal Federal. Juruá Editora: Curitiba, 2009.
preceitos constitucionais diretamente a situações não
expressamente contempladas em seu texto. Neste momento, o
Supremo atuará otimizando princípios consagrados na Carta
Magna, por meio de interpretação adequada e que dessa
possa dar concretude a reais anseios e valores da sociedade.
Então a Corte se valerá não apenas no espaço de abstração
que os princípios facultam ao intérprete, mas terá ainda o
fundamento normativo para a tomada da decisão necessária
em dada oportunidade. 7
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso Melo8 também
faz parte dos juristas que se posicionam a favor do ativismo judicial.
Segundo o Ministro, as leis brasileiras são de baixa qualidade e é por
essa razão que os juízes devem ter um papel mais ativo na
interpretação das leis e até mesmo da constituição.
Entretanto, esse não é o entendimento mais correto, uma vez
que a prática do ativismo judicial gera insegurança jurídica e fere de
forma expressa o princípio da separação dos poderes, uma vez que o
Poder Judiciário vem invadindo a esfera do Legislativo de forma clara
ao legislar no lugar dos parlamentares, representantes diretos e
legítimos do povo, sendo assim, o Direito, ao ser legislado pelo STF não
provém da vontade do povo.
1.2
Judicialização do Direito
Judicialização significa que algumas questões de larga
repercussão política ou social estão sendo decididas por
órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas
tradicionais: O Congresso Nacional e o Poder Executivo. (...)
Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de
poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na
linguagem, na argumentação e no modo de participação da
sociedade.9
7SILVA,
Renato Jardim da. A Expressão do Legítimo Ativismo
Judicial:decisões que respeitam a vontade do constituinte originário à luz dos
valores sociais hodienos. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - Escola Superior Mpdft,
Brasília, 2009.
8FILHO. José Celso de Mello. Supremo Constituinte. Conjur. 15 de março de
2006.
Entrevista
concedida
a
Consultor
Jurídico.
Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2006-mar-15/juizes_papel_ativo_interpretacao_lei Acesso
em: 12 de jan.2012.
9BARROSO,
Luís
Roberto. Judicialização,
Ativismo
Judicial
e
Legitimidade
Democrática.Disponível
em:
De acordo com Carla Kacelnik "Judicialização da Política é o
efeito de transgredir a competência decisória dos Poderes Legislativo e
Executivo para o Poder Judiciário."10 Ernani Rodrigues Carvalho
conceitua a Judicialização como uma “reação do Judiciário frente à
provocação de um terceiro e tem por finalidade revisar a decisão de um
poder político tomando como base a Constituição.”
11Débora
Alves e
Andrei Koerner entendem que:
Judicializar a política é valer-se dos métodos típicos da
decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas
arenas políticas em dois contextos. O primeiro resultaria da
ampliação das áreas de atuação dos tribunais pela via de
poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas,
baseando na constitucionalização de direitos e dos
mecanismos de checks and balances. O segundo contexto,
mais difuso, seria constituído pela introdução ou expansão de
staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo e
Legislativo.12
O instituto da Judicialização do Direito (ou das decisões
políticas) é bem próximo do instituto do ativismo judicial, entretanto,
com este não se confunde.
Apesar de muito próximos, os fenômenos da judicialização e
do ativismo judicial não se confundem. O ativismo judicial
pode ser descrito como uma atitude, decisão ou
comportamento dos magistrados no sentido de revisar temas
e questões - prima facie - de competência de outras
instituições. Por sua vez, a judicialização da política, mais
ampla e estrutural, cuidaria de macro-condições jurídicas,
políticas e institucionais que favoreceriam a transferência
decisória do eixo Poder Legislativo - Poder Executivo para o
Poder Judiciário. 13
<http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Se
lecao.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2012.
10KACELNIK,
Carla. Controle de Constitucionalidade e o Ativismo
Judicial. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - PUC Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
11CARVALHO, Ernani Rodrigues. Em busca da judicialização da política no
Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Rev. Sociol. Polit. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010444782004000200011&lng=en&nrm=iso> Acesso em 17 de janeiro de 2012.
12MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da Judicialização da
Política:
duas
análises.
Disponível
em
<http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n57/a06n57.pdf> Acesso em 05 de dezembro de
2011.
13VIEIRA.
José Ribas, SILVA. Alexandre Garrido da, CHALOUB. Jorge de Souza,
MEDEIROS. Bernardo Abreu de, PESSANHA. Daniella dos Santos. Ativismo Judicial,
A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma
circunstância que decorre do modelo constitucional que se
adotou, e não um exercício deliberado de vontade política(...)
Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo
específico e proativo de interpretar a Constituição,
expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se
instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um
certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil,
impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de
maneira efetiva.14
Para
Débora
Alves
e
Andrei
Koerner,
o
fenômeno
da
Judicialização do Direito (ou das decisões políticas) é uma forma de
superação da teoria da separação dos poderes, ampliando assim os
poderes dos Tribunais.
A judicialização da política é um fenômeno mundial que se
agrava
em
decorrência
do
controle
de
constitucionalidade,
principalmente o controle misto.
No Brasil, a Judicialização da Política se potencializou
devido a alguns motivos especiais: 1) a redemocratização,
fazendo com que juízes e tribunais recuperassem suas
garantias e prerrogativas, passando a ter um poder político,
além de criar novos direitos, um novo conceito de cidadania;
2) o modelo constitucional brasileiro que é abrangente, isto é,
a Constituição trata de muitos temas e trazer uma matéria
para dentro da Constituição facilita que ela seja judicializada
(transformar a política em direito); 3) o sistema brasileiro de
controle de constitucionalidade que é misto, todo juiz e
tribunal pode declarar a inconstitucionalidade, de acordo com
o modelo norte-americano, e há também a ação direta de
inconstitucionalidade proposta perante o STF em face de uma
norma, de acordo com o modelo europeu.15
O cenário histórico que deu origem à Judicialização da Política
foi a decadência do Império Soviético ao final da guerra fria e a
judicialização da política e garantismo no Supremo Tribunal Federal. IN: I Fórum de
Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional e Teoria do Direito. Anais eletrônicos.
Disponível em: http://www.arcos.org.br/livros/anais-do-i-forum-de-
grupos-de-pesquisa-em-direito-constitucional-e-teoria-do-direito/3ativismo-judicial-judicializacao-da-politica-e-garantismo-no-supremotribunal-federal/. Acesso em 06 de dezembro de 2012.
14BARROSO,
Luis
Roberto. Judicialização,
Ativismo
Judicial
e
Legitimidade
Democrática.Disponível
em:
<http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Se
lecao.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2011
15KACELNIK,
Carla. Controle de Constitucionalidade e o Ativismo
Judicial. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - PUC Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
ascensão dos Estados Unidos como superpotência mundial e com isso,
a conseqüente expansão da revisão judicial. Para o autor Francês
Antoine Garapon16, a apatia popular e a inércia ou incapacidade do
poder político frente às demandas sociais também são causas para o
surgimento da Judicialização da Política.
O sucesso da justiça é inversamente proporcional ao
descrédito que afeta as instituições políticas clássicas,
causado pela crise de desinteresse e pela perda do espírito
público. A posição de um terceiro imparcial compensa o
‘déficit democrático’ de uma decisão política agora voltada
para a gestão e fornece à sociedade a referência simbólica que
a representação nacional lhe oferece cada vez menos. 17
Para Luis Roberto Barroso18 as causas que levaram ao
surgimento
da
judicialização
são:
a)
democratização,
“(...)
a
redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como
aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.”; b)
constitucionalização abrangente, “que trouxe para a Constituição
inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político
majoritário e para a legislação ordinária.”; c) sistema brasileiro de
controle de constitucionalidade, que, por ser misto permite que “quase
qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao
STF.”
Neste padrão, observa-se então que a judicialização é uma
conseqüência da existência do controle de constitucionalidade e não se
confunde com o ativismo judicial. A verdade é que numa democracia
esta conseqüência deve ser cautelosamente observada, já que pode ser
boa ou ruim.
2. A Teoria da Separação dos Poderes
GARAPON, Antoine, O Juiz e a Democracia – o guardião das promessas.
Editora Revan. 1999.
17 Ibidem.
18
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e
Legitimidade
Democrática.Disponível
em:
<http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Se
lecao.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2011.
16
2.1.
A Teoria da Separação dos Poderes e sua evolução Histórica
Conforme ensina Alexandre de Moraes, a teoria da Separação
dos Poderes (ou da Tripartição dos Poderes do Estado) já existe desde a
antiguidade, quando Aristóteles dividiu as funções estatais em três
grupos: funções deliberativas, executivas e judiciais:
Essa classificação foi esboçada pela primeira vez por
Aristóteles, na já citada obra Política, onde eram repartidas as
funções do Estado em deliberante (consistente na tomada das
decisões fundamentais), executiva (consistente na aplicação
pelos magistrados dessas decisões) e judiciária (consistente
em fazer justiça).19
Em todo governo, existem três poderes essenciais,
cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da
maneira mais conveniente. Quando estas três partes estão
bem acomodadas, necessariamente o governo vai bem, e é das
diferenças entre estas partes que provêm as suas. o primeiro
destes três poderes é o que delibera sobre os negócios do
Estado. O segindo compreende todas as magistraturas ou
poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa
para agir, suas atribuições e a maneira de satisfazê-las. O
terceiro abrange os cargos de jurisdição. 20
Outros pensadores e filósofos também trouxeram a idéia da
Separação dos Poderes, como Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” e
John Locke, em sua obra “Do Segundo Tratado sobre o Governo Civil”.
Porém, a teoria da separação de poderes como conhecemos
surgiu no contexto da Revolução Francesa que e foi desenvolvida por
Montesquieu e publicada em seu livro “O Espírito das Leis” em 1748.
Montesquieu era contra a Monarquia Absolutista e foi um dos
idealizadores da Revolução Francesa. O autor acreditava que havia
uma necessidade de equilíbrio no poder e que este só seria alcançado
com a descentralização do poder de uma só pessoa e, evitando assim,
o Poder Absolutista, como ocorria à época da Revolução Francesa,
onde o Rei tinha poderes para administrar, executar e legislar.
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de
magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder
executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o
mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para
executá-las tiranicamente.
19
20
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2011.
ARISTÓTELES, A Política. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for
separado do poder legislativo ou executivo. Se estivesse unido
ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos
cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se
estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força
de opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou mesmo
corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os
três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções
públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os
particulares. 21
Todo o poder nas mãos de apenas uma pessoa enseja em
grandes injustiças, e por isso surge a necessidade de dividi-lo entre
instituições devidamente constituídas.
A Separação dos Poderes garante um exercício moderado do
poder e é o oposto do totalitarismo. Tem por objetivo moderar o Poder
do Estado. Alguns estudiosos criticam o termo “divisão de poderes”,
pois o que se divide não é o poder em sim, e sim as funções, pois o
poder é sempre uno e indivisível. São criados órgãos diferentes e a
cada um deles compete uma função especifica.
A teoria da Separação dos Poderes é considerada hoje como
requisito
indispensável
do
exercício
do
poder
democrático.
Montesquieu descreveu a separação dos poderes em: Legislativo,
Executivo e Judiciário. Para o teórico, deveria existir um sistema em
que cada órgão do Poder desempenhasse papel diferente do outro. E
mais, cada órgão deveria ser independente e harmônico entre si.
Atrelada a Teoria da Separação dos Poderes está o sistema dos
Freios
e
Contrapesos
(Checks
and
balances),
pois
segundo
Montesquieu “só o poder freia o poder”. De acordo com Alexandre de
Moraes:
A constituição, ao determinar que o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário são poderes da República,
independentes
e
harmônicos,
adotou
a
doutrina
constitucional norte-americana do checks and balances, pois
ao mesmo tempo que previu diversas e diferentes funções
estatais para cada um dos Poderes, garantindo-lhes
prerrogativas para o bom exercício dela, estabeleceu um
sistema complexo de freios e contrapesos para harmonizá-los
21
MONTESQUIEU. O Espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2007.
em prol da sociedade. Assim, poderá o Poder Legislativo
sustar a executoriedade de lei delegada editada pelo Chefe do
Poder Executivo que exorbite os limites constitucionais: CF
art. 49, V. o Senado Federal processará e julgará o Presidente
da República e os ministros do Supremo Tribunal Federal em
crimes de responsabilidade. CF, art. 52, I e igualmente deverá
aprovar por maioria absoluta de seus membros a indicação
presidencial para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal
Federal CF, art. 52, III. Todos esses instrumentos encontramse previstos no sistema de freios e contrapesos
constitucionais, visando impedir o arbítrio estatal. 22
O sistema dos freios e contrapesos esteve presente na
Inglaterra a partir da ação da Câmara dos Lordes de balancear os
projetos de lei da Câmara dos Comuns, a fim de evitar que leis fossem
aprovadas pelo impulso das pressões populares. Para Montesquieu era
fundamental a existência das duas Câmaras na Inglaterra, pois dessa
forma, uma limitaria a outra, garantindo direitos para toda a
população, como bem expressa o autor em sua obra “O Espírito das
Leis”:
Existem sempre num Estado pessoas eminentes pelo
nascimento, pelas riquezas ou pelas honras. Se elas ficassem
confundidas entre o Povo, e não tivessem senão um voto
como os outros, a liberdade comum seria a sua escravidão, e
elas não teriam interesse em defender a liberdade, porquanto
a maioria seria contra elas. A participação dessas pessoas na
Legislação deve pois estar proporcionada às demais vantagens
que têm no Estado. Ora, isto se dará se elas formarem um
corpo com direito de frear as iniciativas do Povo, assim como
o Povo terá o direito de frear as delas.23
2.1.1. Teoria da Separação dos Poderes no Direito Brasileiro
A modelo da tripartição dos poderes sempre esteve presente no
Direito Brasileiro.
A Constituição de 1824 trazia ainda a idéia de
quarto poder, o poder moderador, que seria exercido pelo Imperador e
que estaria em uma posição hierárquica superior aos demais poderes.
No direito brasileiro atual cada poder tem suas funções típicas:
a do legislativo é a de criar as leis, a do executivo é administrar o
22MORAES,
23
Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2011.
MONTESQUIEU. O Espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2007.
Estado, executando as leis criadas pelo legislativo e a do Judiciário é
resolver os conflitos entre as pessoas, usando como fundamento as
leis criadas pelo legislativo.
As funções do Estado são conferidas a Órgãos
especializados para cada atribuição, havendo funções típicas
e atípicas para cada um. Cabe ao Judiciário aplicar as leis
aos casos concretos. Ao legislativo incube criar as leis. O
Executivo define e executa políticas públicas, observando as
leis criadas e vigentes, exercendo a função de governo; ao
fazer intervenções, presta serviços públicos e ao formentar a
economia, está na função administrativa. 24
Porém, além dessas funções típicas, cada poder tem também
suas funções atípicas. Ao poder legislativo não compete apenas
legislar, ele também pode dispor sobre sua organização interna, que
tem natureza executiva, e pode também realizar o julgamento de
Impeachment do Presidente da República pelo Senado nos crimes de
responsabilidade que a rigor, tem natureza jurisdicional.
O Poder Executivo além de exercer sua função típica que é
administrar o Estado, pode também criar medida provisória com força
de lei pelo Presidente da República, o que tem natureza legislativa,
como
também
realizar
o
julgamento
de
defesas
e
recursos
administrativos pelo poder executivo, realizando assim, uma função de
natureza jurisdicional.
E o Poder Judiciário exerce sua função atípica ao elaborar os
regimentos internos dos Tribunais, função de natureza legislativa e ao
conceder licenças e férias aos magistrados e serventuários da justiça,
função essa de natureza executiva.
É nesse contexto de funções típicas e funções atípicas que o
sistema de freios e contrapesos se baseia. Dessa forma a separação de
poderes no direito brasileiro não é absoluta, rígida, havendo sempre
uma espécie interferência de um poder na função de outro poder.
24SILVA,
Renato Jardim da. A Expressão do Legítimo Ativismo
Judicial:decisões que respeitam a vontade do constituinte originário à luz dos
valores sociais hodienos. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - Escola Superior MPDFT,
Brasília, 2009.
O sistema de freios e contrapesos está previsto na Constituição
Federal
de
1988
em
seu
artigo
2º
“São
Poderes
da
União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.”
25
3. Ativismo Judicial no STF – Análise Prática
Neste capitulo, o objetivo é analisar duas decisões proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal que são consideradas ativistas. Para
isso, será analisada a ADIn 4277 que trata da União Homoafetiva e a
Súmula Vinculante número 11 que trata do uso das algemas.
3.1
ADIn 4277 e ADPF 132 – União Homoafetiva.
A ação direta de inconstitucionalidade 4277 e a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental 132 foram propostas
respectivamente pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo
Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Foram julgadas, em
decisão inédita, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na sessão
dos dias 4 e 5 de maio de 2011.
Na ADPF n° 132, o governador do Estado do Rio de Janeiro,
Sergio Cabral, pede seja afastada a interpretação
discriminatória do regime jurídico do servidor público
fluminense a excluir direitos aos homossexuais, assegurando
os benefícios previstos nas normas estaduais aos parceiros de
união estável homoafetiva.
Já a ADI n° 4277 foi resultado de acolhimento pela PGR de
representação feita pela Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão, embasada em pareceres do professor Luís Roberto
Barroso. Na ação, subscrita pela então procuradora-geral da
República Débora Duprat, pede-se seja o art. 1723 do Código
Civil declarado inconstitucional por não prever como entidade
familiar a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A ação
foi proposta inicialmente em forma de ADPF (ADPF n° 178),
mas convertida em ADI por decisão da ministra Ellen Gracie,
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm Acesso
em: 17 fev.2012
25
porque
verdadeiramente
pretende
a
declaração
de
inconstitucionalidade de um dispositivo de lei, não se
insurgindo propriamente contra atos do Poder Público. 26
No dia 4 de maio de 2011, teve inicio no Plenário do STF o
julgamento da ADIn 4277, tendo como relator o Ministro Ayres Britto.
O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento, pois estava
impedido, uma vez que atuação como Advogado Geral da União no
momento da propositura da ação.
A votação foi unânime, todos os 10 ministros votaram pela
procedência da ADIn, e concederam interpretação conforme a
Constituição ao artigo 1723 do Código Civil.
O julgamento, no entanto, gerou polêmica com relação ao STF
ter sido ativista ou não. Para alguns estudiosos, dentre eles Maria
Berenice Dias, o STF apenas interpretou a Constituição Federal de
forma democrática, apenas confirmando o que já era decidido nos
tribunais inferiores, não configurando, portanto, como uma prática
ativista.Tourinho Leal a decisão do STF também não pode ser tida
como ativista.
Um Congresso Nacional que, por meio de suas
maiorias políticas, bloqueia o livre desenvolvimento dos
debates legislativos acerca desse tema. Propostas são
apresentadas e não conseguem seguir seu caminho natural.
Nesse caso temos, evidentemente, o sufocamento de direitos
fundamentais das minorias por parte das maiorias. Daí o
STF, por meio do seu poder contra-majoritário, forçar a
maioria a aceitar a outorga de direitos às minorias. Nada de
ativismo.27
O jurista Lênio Streck28 tem uma opinião contrária. Em sua
concepção, o Supremo Tribunal Federal agiu de forma ativista, se
26LAGO, Rodrigo Pires Ferreira. A união estável homoafetiva na pauta do
STF. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/a-uniao-estavelhomoafetiva-na-pauta-do-stf>. Acesso em: 06 fev. 2012.
27LEAL. Saul Tourinho. Limites do Poder. Conjur. 25 de setembro de 2011.
Entrevista
concedida
ao
Consultor
Jurídico.
Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2011-set-25/ativismo-judicial-stf-tema-curso-tv-justica
Acesso em: 04 de nov.2012.
28JUCA. Francisco, STRECK. Lênio Luiz. Gazeta do Povo. 08 de maio de 2011.
Entrevista concedida à Gazeta do Povo. Disponível em: Acesso em: 02 de fev. 2012.
colocando no lugar do legislador e violando o principio da separação
dos poderes.
Até mesmo o Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto,
mostrou preocupação com a possibilidade de o Tribunal estar
invadindo a esfera do Poder Legislativo. Embora tenha votado pela
procedência da ação, o Ministro votou por uma interpretação do artigo
1723 do Código Civil por analogia e não uma interpretação extensiva,
pois esta viria a ferir o principio da separação dos poderes.
Não há, aqui, penso eu, com o devido respeito pelas opiniões
divergentes, como cogitar-se de uma de mutação
constitucional ou mesmo de proceder-se a uma interpretação
extensiva do dispositivo em foco, diante dos limites formais e
materiais que a própria Lei Maior estabelece no tocante a tais
procedimentos, a começar pelo que se contém no art. 60, § 4º,
III, o qual erige a “separação dos Poderes” à dignidade de
“cláusula pétrea”, que sequer pode ser alterada por meio de
emenda constitucional.
(...)
Em outras palavras, embora os juízes possam e devam
valer-se das mais variadas técnicas hermenêuticas para
extrair da lei o sentido que melhor se aproxime da vontade
original do legislador, combinando-a com o Zeitgeist vigente à
época da subsunção desta aos fatos, a interpretação jurídica
não pode desbordar dos lindes objetivamente delineados nos
parâmetros normativos, porquanto, como ensinavam os
antigos,in clariscessatinterpretatio.
(...)
Convém esclarecer que não se está, aqui, a reconhecer
uma “união estável homoafetiva”, por interpretação extensiva
do § 3º do art. 226, mas uma “união homoafetiva estável”,
mediante um processo de integração analógica. Quer dizer,
desvela-se, por esse método, outra espécie de entidade
familiar, que se coloca ao lado daquelas formadas pelo
casamento, pela união estável entre um homem e uma
mulher e por qualquer dos pais e seus descendentes,
explicitadas no texto constitucional.29
3.2
Súmula Vinculante nº. 11 – Uso das Algemas
29BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
ADIN
(Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade) nº 4277. Voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Disponível
em:
<
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178939&tip=
UN>. Acesso em: 15 de fev. 2012.
Antes de analisar a edição da Súmula Vinculante nº. 11 é
importante entender o que é uma súmula vinculante.
O
instituto
da
Súmula
Vinculante
foi
introduzido
no
Ordenamento Jurídico Brasileiro com a Emenda Constitucional nº. 45
de 30 de dezembro de 2004. Está previsto no artigo 103-A da
Constituição Federal:
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre a matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua
publicação na impressa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual, municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei.30
O efeito vinculante obriga o legislador a fazer a
observar estritamente a interpretação que o Supremo
Tribunal Federal conferir à constituição, impedindo a
aplicação de norma semelhante em qualquer parte do
território brasileiro. Este efeito evita que surgindo mesma
questão jurídica, novos processos sejam instaurados, ainda
que contendo partes distintas ou outro pedido, operando-se
no plano subjetivo, uma ampliação do efeito vinculante para
além dos limites da coisa julgada.31
Alguns autores consideram a edição de Súmulas Vinculantes
como uma prática de ativismo judicial, uma vez que “congela” a
interpretação da lei na hora de aplicá-la.
As Súmulas Vinculantes são talvez o maior exemplo
do fenômeno ativismo judicial em nosso país. É na prática o
Poder Judiciário criando o direito, legislando e congelando a
interpretação, ao tempo em que adentra no papel do poder
legislativo, na tentativa de fazer com que haja uma prestação
jurisdicional com mais celeridade.32
A súmula vinculante nº 11 trata do uso de algemas:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm Acesso
em: 17 fev.2012.
31SANTOS, Richard Eduard Dos. Súmulas Vinculantes e o Ativismo
Judicial. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6639>.
Acesso em: 18 fev. 2012.
32 SANTOS, Richard Eduard Dos. Súmulas Vinculantes e o Ativismo
Judicial. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6639>.
Acesso em: 18 fev. 2012.
30
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de
fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a
que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado.33
Tal súmula foi editada em razão do julgamento do Habeas
Corpus nº. 91952-9/SP de 2008 que foi proposto pela defesa do
pedreiro Antônio Sérgio da Silva que recorreu pedindo a anulação da
sua condenação pelo Tribunal do Juri, uma vez que passou todo o
julgamento algemado, contrariando assim o artigo 474, parágrafo 3º
do CPP:
Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante
o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se
absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à
segurança das testemunhas ou à garantia da integridade
física dos presentes.34
Diante disso, o STF decidiu “também, deixar mais explicitado o
seu entendimento sobre o uso generalizado de algemas (...).”
35
Os
votos foram baseados nos princípios constitucionais da dignidade
humana e respeito a integridade física e moral do acusado.
Após sua edição, a Súmula sofreu duas grandes críticas. A
primeira devido ao fato de ter sido editada após inúmeras prisões de
banqueiros que foram expostos a mídia usando algemas. A segunda, e
mais importante para este trabalho, diz respeito à prática do ativismo
judicial.
33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 11. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinc
ulante. Acesso em: 15 de fev. 2011.
34 BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de
Processo
Penal
Brasileiro.
Legislação
Federal.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm.
Acesso
em: 17 de fev.2012
35 GOMES, Luiz Flavio. Súmula Vinculante nº.11 regulamenta o uso de
algemas. Disponível
em:
<http://www.lfg.com.br/artigo/20080814172534858_direito-criminal_sumulavinculante-n-11-regulamenta-o-uso-das-algemas.html>. Acesso em: 18 fev. 2012
A Constituição assegura a edição de súmulas vinculantes “após
reiteradas decisões sobre a matéria constitucional” e no caso em tela
só houve um único precedente, relatado pela Ministra Carmen Lúcia
no HC 89429-1/RO.
Dessa forma, parece-nos claro que o Supremo usurpou a esfera
do Poder Legislativo ao editar a Súmula Vinculante nº. 11.
CONCLUSÃO
O Estado Democrático de Direito tem como princípio a
Separação dos Poderes, que no Brasil está consagrado no artigo 2º da
Constituição Federal. Por esse princípio, idealizado por Montesquieu,
os poderes legislativo, executivo e judiciário são independentes um dos
outros, cada qual tendo suas funções típicas e atípicas expressas no
texto Constitucional e devido a essa independência funcional, cada
poder deve exercer suas funções dentro de sua competência, na sua
própria esfera, não podendo extrapolar os limites e invadir a
competência dos outros poderes.
O Ativismo Judicial ocorre justamente quando o Poder
Judiciário extrapola os limites de sua competência e invade a esfera de
outro poder, normalmente a do Poder Legislativo.
É de suma importância que se compreenda a diferença entre
Ativismo Judicial e Judicialização do Direito, pois embora sejam
institutos “primos” como bem explica Luis Roberto Barroso, são
diferentes. O primeiro se caracteriza por uma invasão de um poder na
competência de outro poder, ocorre quando, por exemplo, o Supremo
Tribunal Federal ao proferir uma decisão acaba por “criar” uma lei. A
Constituição Federal atribui a competência de criação e edição de leis
ao Poder Legislativo, uma vez que seus membros são eleitos pela
população e por isso são considerados representantes do povo
brasileiro, tendo a competência, portanto, para a criação de leis que
irão interferir diretamente na vida da sociedade.
O segundo decorre do próprio texto constitucional, sendo A
Judicialização é o instituto que permite que o Poder Judiciário aprecie
questões de ordem social e políticas, porque a Constituição Federal de
1988, expressamente, garante a todos benefícios de ordem social e
política.
Dessa forma, percebe-se que o que fere o Princípio da
Separação de Poderes é tão somente a prática ativista, uma vez que a
Judicialização do Direito é permitida pela Carta Magna.
O Ativismo Judicial pode se dá em qualquer instância, por
qualquer juiz, desde que este, ao proferir sua decisão, “o faça de forma
a usurpar a função típica do legislativo. Entretanto, é mais comum
observarmos tal prático no Supremo Tribunal Federal, através das
decisões
dos
Juízes
principalmente
em
sede
de
Controle
de
Constitucionalidade e na edição de Súmulas Vinculantes.
O Supremo Tribunal pode declarar o que é
constitucional, e o que está de acordo com as leis e costumes
das nações civilizadas, mas não pode dizer, ao surgirem
novas circunstâncias, o que é aconselhável para o caso ou
o que lhe é mais conveniente. Tal postura configuraria um
exagero. Nesse caso, a sociedade iria entrever o surgimento de
uma ditadura judiciária e o Supremo não teria mais o apoio
da opinião pública.36 (grifo original)
Para a decisão ser considerada ativista é necessário que o
magistrado inove no Ordenamento Jurídico, como se legislador fosse.
A prática ativista por parte do Judiciário ganha apoio de certa
parcela da população, uma vez que “é visto como solucionador dos
problemas
não
constituídos.”
resolvidos
ou
causados
pelos
demais
poderes
37
Entretanto, assim como o ativismo pode ser útil e proporcionar
benesses à sociedade, ele afronta o Estado Democrático de Direito, e
36
SILVA, Renato Jardim da. A Expressão do Legítimo Ativismo
Judicial:decisões que respeitam a vontade do constituinte originário à luz dos
valores sociais hodienos. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - Escola Superior MPDFT,
Brasília, 2009.
37
SILVA, Renato Jardim da. A Expressão do Legítimo Ativismo
Judicial:decisões que respeitam a vontade do constituinte originário à luz dos
valores sociais hodienos. 2009. 72 f. Monografia (Bacharel) - Escola Superior MPDFT,
Brasília, 2009.
desta forma, causa prejuízos à população. Depois de todo esse estudo
fica claro que o ativismo judicial gera insegurança jurídica e como já
exaustivamente
demonstrado,
fere
princípios
constitucionais
da
democracia e separação dos poderes.
A solução para os problemas de inércia do poder legislativo e
executivo não se encontra no judiciário e sim em criar uma maior
consciência na população para que saibam reivindicar seus direitos de
forma correta, exigindo dos poderes competentes a implementação de
políticas
públicas
e
sociais.
Vive-se
em
uma
democracia
representativa, não em uma tecnocracia.
Para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito é
necessário que cada poder faça a sua parte. É de conhecimento de
todos que o Poder Judiciário está repleto de processos e por isso não
consegue exercer sua função típica de forma rápida e digna, fazendo
com que o cidadão que aciona a justiça demore muito para receber
uma resposta. Diante disso, não é certo exigir que um órgão que não
tem condições de “cumprir suas funções tenha que exercer funções de
outros poderes.
Assim,
conclui-se
que
a
prática
do
Ativismo
Judicial,
principalmente por parte dos membros do Supremo Tribunal Federal,
vai contra os princípios do Estado Democrático de Direito, gerando
insegurança jurídica e ferindo princípios constitucionais, tais quais os
princípio da separação dos poderes e da democracia.
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ativismo judicial e a teoria da separação dos poder