PROCESSO DE ESCOLHA DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA À
LUZ DO SISTEMA DA AVALIATIVIDADE1
Paula Ricelle de Oliveira2
Resumo
Este artigo consiste na apresentação de alguns resultados preliminares da pesquisa “Processo
de escolha do livro didático de História numa perspectiva discursiva” no âmbito do mestrado
em Estudos de Linguagens do CEFET/MG. Assim sendo, busca-se analisar a luz do Sistema
da Avaliatividade (MARTIN e WHITE, 2005) os processos de escolha do livro didático de
História nas escolas públicas (Municipais, Estaduais e Federais) de Belo Horizonte e Região
Metropolitana, a partir do ponto de vista dos professores, e organizado e desenvolvido no
âmbito do PNLD/2014 (Ensino Fundamental) e/ou PNLD/2015 (Ensino Médio). Para tanto,
foi utilizado questionários disponibilizados on-line – elaborados e distribuídos pela
ferramenta “formulários” do Google Docs – para a realização da coleta de dados. Os
resultados apontam recorrentes insatisfações desses profissionais ao expressarem suas
avaliações quanto aos processos de escolha da obra.
Palavras-chave: Discurso docente; Processo de escolha do livro didático de História; Sistema
da Avaliatividade.
1. INTRODUÇÃO
O PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) visa prover materiais didáticos de
qualidade para subsidiar o desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem nas
escolas públicas brasileira. Criado em 1985, constitui-se hoje como um dos maiores
programas de política pública do país 3. O livro didático representa um importante objeto de
trabalho e estudo de muitos pesquisadores, professores e alunos, sendo um dos motivos o fácil
acesso a esse material, viabilizado pelo PNLD. Também representa a principal fonte de lucro
de muitas editoras (SILVA, 2014). Chartie e Roche (1995) afirmam: “Objeto de inesgotável
riqueza, o livro exerce há muito sua fascinação” (p. 111).
A escolha pelo livro didático como objeto dessa pesquisa se dá pela proporção que
ocupa esse material na educação escolar, em muitos casos, o único livro que o aluno vai ter
contato em toda sua vida (CASSIANO, 2013), ou, é o único livro de leitura obrigatória em
1
A pesquisa que deu origem a este artigo recebe financiamento da CAPES sob a orientação do Prof. Dr. Renato
Caixeta da Silva, e encontra-se vinculado ao Grupo de Pesquisa em Materiais e Recursos Didáticos do
CEFET/MG.
2
Mestranda em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais –
CEFET/MG (Bolsista CAPES). Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MG). E-mail: [email protected]
3
De acordo com o site oficial do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) foram investidos no
PNLD/2014 R$1.2 bilhões e no PNLD/2015 R$1,3 bilhões. Isso significa uma cifra considerável no
investimento da educação pública. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livrodidatico-dados-estatisticos> Acesso em 02/09/2014.
nossa cultura (DIJK, 2012). O livro didático é um produto cultural, pois se encontra
completamente ligado à cultura escolar. Sendo assim, destaco o fato de que esse material se
insere no conjunto das práticas escolares mediado pelas opções feitas pelo professor.
Pensando na importância que o livro didático ocupa na educação e, sendo direito do
professor a escolha desse material que será utilizado em suas práticas docentes (BRASIL,
2008), esse trabalho busca analisar quais são as avaliações que os professores das escolas
públicas fazem dos processos de escolha do livro didático de História no âmbito do PNLD,
tomando por base as escolhas linguisticas presente nos dizeres desses profissionais.
Entende-se aqui como livro didático, na perspectiva de gênero secundário de Bakhtin
(2003), como um gênero, pois como tal, ele incorpora vários outros gêneros, e fornece ao
usuário uma gama de textos diversos, o que pode ser compreendido como uma função deste
(SILVA, 2012).
Em termos sistêmico-funcionais, o livro didático pode ser definido como um macrogênero, ou seja, formado e constituído por textos exemplares de outros gêneros. No caso do
livro didático de História, a ele são incorporados documentos históricos, imagens, artigos de
jornais/revistas, histórias em quadrinhos, dentre outros. Esses gêneros ao serem inseridos no
livro didático assumem funções diferentes daquele que originalmente lhe foi atribuído, nesse
material ele ganha uma função didático-pedagógica (SILVA, 2012).
Criado pelo Decreto nº 91.542, de 19 de agosto de 1985, o PNLD ainda mantém algumas
das características iniciais do programa, tais como a escolha do livro pelo professor, utilização
do livro reutilizável e a perspectiva de universalização do atendimento. Em 1993 o Ministério
da Educação e Cultura (MEC) institui a comissão de especialistas encarregada de estabelecer
critérios gerais de avaliação e análise da qualidade dos livros didáticos a serem solicitados
pelos professores. No ano seguinte é feita a publicação do documento “Definição de critérios
para avaliação dos Livros Didáticos” e, em 1995, inicia-se o processo de escolha dos livros
inscritos para o ano seguinte. Já em 1996, o Fundo Nacional do Desenvolvimento para a
Educação (FNDE) garante o financiamento do PNLD. Em 1997 é publicado o Guia do Livro
didático (BRASIL, 2013).
O PNLD agregou três Programas do Governo Federal, destinados a distribuir Obras
Didáticas de qualidade para os alunos de toda a Educação Básica: o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), atingindo os segmentos do Ensino Fundamental I (1ª à 4ª série) e II
(5ª à 8ª séries); o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), criado em
2003, pela Resolução nº 38 do FNDE, que previa a universalização de livros didáticos para os
alunos do Ensino Médio público de todo o país; e o Programa Nacional do Livro Didático
para Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), criado em 2007 e, posteriormente o
Programa Nacional de Livros Didáticos para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA),
criado em 2009, que agregou todos os programas para essa modalidade de ensino
(CASSIANO, 2013).
O Guia do Livro Didático, elaborado pelo PNLD, é uma publicação que busca auxiliar o
professor no momento da escolha do material didático. Para tanto, apresenta ao professor,
resenhas de obras que foram avaliadas e aprovadas pelo PNLD, elaborados por concepções
teóricas e princípios político-pedagógicos considerados mais adequados ao atual momento do
processo de ensino aprendizagem nas escolas brasileiras. O Guia orienta que a escolha de uma
coleção de livros didáticos deve seguir um processo criterioso de análise por parte do
professor, levando em consideração a proposta pedagógica da escola, visto que as obras
recomendadas diferem entre si.
Após a criação do PNLD que transformou o livro didático em uma prioridade da
indústria editorial brasileira, os trabalhos que utilizam esse material como objeto de pesquisa
cresceram significativamente. Dentre as pesquisas que investigam o assunto proposto nesse
trabalho, destaca-se a recente publicação de Isaíde Bandeira da Silva (2014) “O livro didático
de História no cotidiano escolar”. Seu objetivo foi identificar e analisar o processo de escolha
do livro didático no Estado do Ceará, relacionando-o com seu uso no cotidiano escolar. Como
campo de pesquisa, Silva (2014) pesquisou quatro escolas públicas e em cada uma delas, uma
turma de 6º ano. Como procedimento metodológico, realizou entrevistas com gestores
públicos, aplicou questionários aos professores, e observou as aulas de História durante todo
ano letivo de 2008 e finalizou o ano com uma “roda de conversa com os alunos”.
Com base na entrevista realizada com a secretária de educação de Quixadá, Silva (2014)
esclarece que as escolhas dos livros didáticos nas escolas públicas do município são
unificadas, isso acontece tanto por uma necessidade de favorecer a distribuição a todos os
alunos da rede municipal, já que os livros vêm de acordo o censo escolar do ano anterior,
como também, para garantir a vinda da primeira opção da coleção didática que foi feita, além
do “respeito” a uma tradição no município com relação à escolha do livro didático.
Dessa forma o Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada escola foi automaticamente
desconsiderado, como se existisse um projeto coletivo de educação com relação às disciplinas
escolares para todas as escolas públicas daquele município, o que não era o caso, na conclusão
da pesquisadora.
Silva (2014) aponta, também, que os guias não chegam a tempo hábil nas escolas;
alguns professores entendem que a garantia de acesso ao livro didático nas escolas públicas
como um “favor” do governo para com os alunos; alguns gestores públicos e alguns
professores desconheciam o processo de escolha da obra; nem todas as escolas tiveram suas
demandas atendidas; a escolha unificada do livro didático traz problemas da adequação à
realidade educacional de cada escola.
Considerando a importância da pesquisa de Silva (2014) e a necessidade de se avançar
sob uma nova perspectiva para entender o que os professores pensam sobre os processos de
escolha do livro didático, esse trabalho se difere na medida em que proponho realizar uma
análise discursiva dos dizeres dos professores de História a respeito dos processos de escolha
do livro didático sob a ótica da linguística aplicada, à luz do Sistema da Avaliatividade. Este
artigo expõe resultados preliminares da primeira fase da pesquisa “Processo de escolha do
livro didático de História numa perspectiva discursiva”. Destaca-se, portanto, que essa
pesquisa se enquadra no campo das linguagens, e por isso está vinculada ao mestrado em
Estudos de Linguagens do CEFET/MG.
Estarão em foco à discussão de dados a respeito do processo de escolha do livro
didático de História no âmbito do PNLD/2014 e/ou PNLD/2015 do ponto de vista dos
professores. Para debater essa questão, foi utilizado como fonte de informação professores de
História, que lecionam no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, que atuam dentro do
território de Belo Horizonte e Região Metropolitana, abrangendo as redes públicas de ensino
Municipal, Estadual e Federal.
Como instrumento para coleta de informação, foi utilizado um questionário
desenvolvido a partir da ferramenta “Formulários” disponível no Google Docs. Esse
instrumento, acessível no domínio google.com permite a elaboração, distribuição, coleta e
registro das respostas, de maneira descritiva e em gráficos 4. O questionário foi estruturado
em duas partes: a primeira contempla a caracterização do docente, com questões sobre
formação e atuação dos professores; a segunda parte, composta de questões abertas, com foco
no processo de seleção do livro didático de História.
Como já foi dito, esse artigo faz parte dos primeiros resultados parciais oriundos da
pesquisa de mestrado desenvolvida pela autora. Assim sendo, os questionários, analisados
fazem parte do pré-teste, aplicados e coletados nos meses de novembro e dezembro de 2014.
4
Sobre o uso de questionário online como recurso na construção e utilização de instrumentos de coletas de dados
em pesquisas acadêmicas recomendo a pesquisa de CESAR, Deborah Adriana Tonini Martin. O uso dos
questionários online como apoio para as pesquisas acadêmicas discentes no Ensino Superior. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/106186074/O-uso-dos-questionarios-online-como-apoio-para-as-pesquisasacademicas-discentes-no-Ensino-Superior-Deborah-A-T-Martini-Cesar >. Acesso em: 01 de setembro de 2014.
Foram coletados e consolidados dados de 10 professores respondentes, dentro de um universo
de 10 questionários distribuídos.
O questionário foi elaborado com 18 perguntas, contudo, pelas limitações impostas pelo
caráter desta exposição, será analisado a questão 17, constituída pela seguinte pergunta:
“Como você avalia o processo de escolha do livro didático de História na sua escola? Por
quê?”. Caso seja necessário, retomarei as outras questões para melhor elucidação da proposta,
tendo em vista que todos os assuntos encontram-se entrecruzados nas respostas desses
profissionais.
2. O SISTEMA DA AVALIATIVIDADE
O sistema da avaliatividade foi desenvolvido a partir dos princípios teóricos da
Linguística Sistemico-Funcional (LSF) (HALLIDAY, 1994), tal teoria considera a língua
como um sistema sócio-semiótico. Em outras palavras ela é interpretada como um sistema de
significado. Considerando-se as metafunções das linguagens (ideacional, interpessoal e
textual) Martin e White (2005) elaboraram o Sistema da Avaliatividade (SA) que, embora
desenvolvido a partir dos fundamentos da LSF, dá conta do modo como os falantes/escritores
constroem textualmente a avaliação. O principal objetivo é analisar a avaliação presente na
linguagem, a forma como o interlocutor constrói, por meio da linguagem, suas atitudes: afeto,
apreciação e julgamento.
No caso do discurso dos professores, o SA pode auxiliar a compreender como esses
profissionais apresentam, julgam e avaliam o processo de escolha do livro didático de
História. O discurso dos docentes se apropria de certos valores e crenças que são
características do discurso de ensino de História e do contexto escolar. Desta maneira, a
utilização do SA se torna pertinente na medida em que a proposta é analisar a avaliação que o
professor faz sobre o processo de seleção e escolha do livro didático.
O SA consiste na construção de significados interpessoais, e referem-se às atitudes
negociadas num texto pelos interlocutores, bem como a gradação que sofrem e a fonte (de
onde e de quem se originam). Esse sistema oferece recursos para avaliar coisas, o caráter das
pessoas e seus sentimentos. Segundo Martin e White (2005) o SA é importante porque
revelam sentimentos e valores do falante/escritor e, também, “podem estar relacionadas ao
status de autoridade do falante/escritor construído pelo texto” 5 (MARTIN e WHITE, 2005, p.
2). O SA compõe-se por três subsistemas: atitude, gradação e engajamento.
“[…] can be related to the speaker’s/writer’s status or authority as construed by the text […].”(MARTIN e
WHITE, 2005, p. 2).
5
O subsistema de atitude se subdivide em afeto, julgamento e apreciação. O afeto referese à expressão de emoção e sentimento, podendo ser positivo ou negativo, e:
[...] ao mesmo tempo direto (através do uso de palavras que denotam o sentimento)
ou indireto (através do uso de processos / comportamentos que indicam expressão da
emoção). Pode acontecer também na expressão de uma qualidade (epíteto, atributo
ou circunstância), um processo, ou um comentário (SILVA, 2012, p. 59).
O julgamento diz respeito à avaliação do caráter de conduta social, aos significados
atribuídos ao comportamento humano em relação à ética e à moral estabelecidas e
reproduzidas na sociedade. É também pode:
[...] ser positivo ou negativo implícito ou explícito no discurso, se referir ao âmbito
pessoal (admiração + ou crítica -) e ao âmbito moral (louvação + ou condenação -).
No âmbito pessoal, o julgamento encerra uma estima social. Já com relação ao
âmbito moral, o julgamento encerra uma sanção social. (SILVA, 2012, p. 60).
A apreciação associa-se à avaliação do valor das coisas, entende-se “coisa” numa visão
mais ampla, como objeto, instituição, relações, qualidade abstrata, ou seja, o modo como eles
são valorizados em determinado campo. Podendo ser a apreciação positiva ou negativa e
sofrer variações entre expressão de reações, valorização e composição da coisa apreciada.
As avaliações de atitude podem apresentar níveis de graduação, é possível dizer qual a
força do nosso sentimento por alguém ou alguma coisa. O subsistema responsável por essa
escolha é o da gradação, que se subdivide em força e foco. A força aumenta ou diminui o grau
da atitude expressa, já o foco especifica, aprofunda ou suaviza uma atitude.
O subsistema engajamento é responsável pela fonte da (s) voz (es) do discurso. É por
meio desse sistema que os falantes/escritores se posicionam perante o discurso. Quando há
uma voz no discurso, caracteriza-se monoglossia, quando o discurso se constitui por múltiplas
vozes denomina-se heteroglossia. O esquema abaixo representa uma visão geral dos recursos
do Sistema da Avaliatividade apresentado acima e proposto por Martin e White (2005):
Monoglossia
Engajamento
Heteroglossia
Afeto...
Avaliatividade
Atitude
Julgamento...
Apreciação...
Gradação
Força
Foco
Esquema1. Sistema de Avaliatividade. Fonte: Martin e White (2005, p. 38).
3. ANÁLISE DO SISTEMA DA AVALIATIVIDADE NO DISCURSO DOS
PROFESSORES
Após analisar, com base no Sistema da Avaliatividade, a resposta dos 10 professores
quanto à avaliação que fazem aos processos de escolha do livro didático de Historia surgiram
às três categorias que correspondem aos três subsistemas da teoria adotada para o estudo:
atitude, engajamento e gradação. Ao todo foram registrados 69 casos, o maior número de
ocorrências foi no subsistema de atitude (36), seguido pela gradação (24) e engajamento (9).
A partir desses dados, pode-se afirmar que os professores em suas avaliações
apresentam ponto de vista positivo ou negativo. Muitos professores, ao emitirem suas
expressões, preferiram aumentar ou diminuir o grau de avaliação. Segue a resposta de um dos
participantes que comprovam esta constatação:
Acho que de maneira geral o processo sempre traz novas espectativas para o
próximo ano, mas a escola acaba se envolvendo pouco. Recebemos alguns livros
das editoras meses antes do processo, mas nenhum foi disponibilizado. A
coordenação pedagógica não deu nenhuma orientação no sentido dos critérios que a
escola como um todo esperava os livros selecionados. (Prof 07. Grifo meu).
Dentro do subsistema atitudinal, a apreciação foi a expressão mais utilizada pelos
professores. Como esse sistema permite ao escritor fazer avaliações positivas ou negativas, a
presença do segundo foi recorrente. Os professores relatam a falta de organização do processo
de escolha do livro, seja pelo corpo docente ou pela equipe gestora da escola. Logo, há
recorrências da expressão negativa da apreciação, principalmente ao que se refere à
composição do processo. Segue um dos exemplos: “Foi relativamente coerente com nossas
propostas, mas talvez se tivéssemos mais tempo de encontros e conversas as escolhas
pudessem ser mais proveitosas e em comum acordo entre professores e equipe pedagógica”.
(Prof. 08).
É comum a queixa dos professores quanto ao pouco tempo disponível para a análise e
seleção do livro didático. Nessa perspectiva, em consulta ao site do FNDE é possível
constatar que o registro da escolha do livro didático no PNLD/2014 (Ensino Fundamental)
ocorreu no período de 02 a 12 de agosto de 2013. Já o PNLD/2015 (Ensino Médio) aconteceu
entre 22 de agosto a 01 de setembro do ano de 2014. Contudo, os processos de seleção do
livro didático dentro das escolas podem acontecer a partir do momento em que os guias são
divulgados no site do FNDE, ficando, apenas, o registro das escolhas restrito a esse período.
Sendo assim, ao acompanhar a divulgação dos guias na página do FNDE, percebi que os
guias do PNLD/2014 foram divulgados em 03 de julho de 2013 e o PNLD/2015 em 07 de
agosto de 2014.
Comparando essas datas, é possível observar que o tempo disponível para a realização
da escolha dos livros didáticos no PNLD/2014 ocorreu em período menor em relação ao
PNLD/2015, pois a divulgação dos guias no primeiro PNLD aconteceu no inicio de julho,
nesse período as escolas estão normalmente envolvidas com o fechamento do semestre letivo,
as tradicionais festas juninas que costuma envolver inteiramente a comunidade escolar,
seguido de recesso escolar. Em contrapartida o PNLD/2015 teve a divulgação do guia no
inicio de agosto, no retorno às aulas, dando aos professores um tempo maior para realizarem
suas escolhas. Logo, os professores participantes do corpus dessa pesquisa, que lamentam o
curto prazo para as escolhas, correspondem aos professores participantes do PNLD/2014.
Retomando as avaliações dos professores, ao realizarem os julgamentos dos agentes
envolvidos no processo, os respondentes expressam recorrentes avaliações de estima social
negativas. Dentro disso, há relatos de professores que afirmam que a escolha acontece de
forma individualizada, sem a participação de todos os docentes da disciplina. Segue um
exemplo extraído dos dodas:
O processo de escolha do livro didático pode ser avaliado como algo não muito
democrático, visto que nem todos tem acesso à escolha e também porque os livros
escolhidos pelo corpo docente não são enviados para os professores usarem no
próximo ano após a escolha. (Prof. 01. Grifo meu).
A avaliação negativa que esse professor faz, referindo-se ao processo como algo não
muito democrático, pois nem todos docentes têm acesso à escolha, remete-se ao julgamento
de sanção social, pois consiste em um direito de todos os professores a escolha desse material
(BRASIL, 2008), e “Compartilhando valores nesta área sustenta dever cívico [...]”
6
(MARTIN e WHITE, 2005, p 52). Em outro exemplo, o respondente relata a falta de
organização dos professores para realizar a escolha do livro didático conjuntamente:
A desejar. Não há uma organização por parte do corpo docente em escolher o
livro conjuntamente. Cada professor faz uma análise superficial dos livros
propostos e escolhem a seu critério, sem consultar o outro profissional. Outro
problema que ocorre é o livro que foi escolhido, jamais é enviado para a escola, e
sim o que for mais barato para a secretaria de educação adquirir. (Prof. 06. Grifo
meu).
É importante observar que ambos os professores (01 e 06) expressam avaliações de
insatisfação com os processos, ocasionados por um motivos em comum; o não envio da obra
escolhida pelo corpo docente. No segundo caso, ao afirmar que a secretária da educação
6
“Sharing values in this área underpins civic duty […]” (MARTIN e WHITE, 2005, p 52).
desconsidera a escolha do professor, para garantir a compra de obras com preços mais
acessíveis, o professor continua a expressar avaliação negativa. Considerando que a lei
garante ao Estado, em caso de não acordo com as editoras, em relação ao preço, deixar de
adquirir a primeira opção feita pelo professorado, ou mesmo adotar a opção mais escolhida
em atenção ao princípio da economicidade (BRASIL, 2012). Contudo, o que esse professor
avaliador relata é que “jamais” o livro selecionado pelos docentes chega à escola, expressão
intensificada pela gradação. Logo, questiono: o governo “jamais” consegue fechar acordo
com as editoras?
Essa insatisfação por parte dos professores quanto à distribuição dos livros não
obedecer à prioridade da sua escolha, recebendo obras que não consta nem na sua segunda
opção, e recorrente no corpus, aqui, analisado, como nos exemplos: “Por questões contratuais,
o livro já estava escolhido.” (Prof. 02); “ [...] os professores tiveram um numero limitado de
escolhas. Prestigiando quase sempre as editoras maiores e com histórico de fornecimento de
livros para escola.” (Prof. 04).
Dessa forma os professores, nesse contexto, precisam utilizar o livro didático recebido
de forma a reinventá-lo criativamente, ou exercer o seu direito de simplesmente recusar sua
utilização, como mostra a pesquisa de Cassiano (2013).
Fato é que ao fazer sua escolha, o docente tem que ter uma visão critica do contexto
sócio-cultural em que insere seu público alvo, e ter a clareza de como e para quê este livro
está sendo adotado, não permitir que um material defina suas estratégias educacionais, e sim,
formular meios para superar possíveis limitações do livro didático.
Após essas percepções, pode-se observar no exemplo a seguir, que ao julgar que a
escola se envolve pouco, o professor realiza uma avaliação negativa, e enquadra-se no
julgamento de estima social, pois essa é função da escola “viabilizar a escolha dos livros
didáticos com a efetiva participação de seu corpo docente e dirigente [...]” (BRASIL, 2012)
Segue a passagem:
[...] a escola acaba se envolvendo pouco. Recebemos alguns livros das editoras
meses antes do processo, mas nenhum foi disponibilizado. A coordenação
pedagógica não deu nenhuma orientação no sentido dos critérios que a escola como
um todo esperava os livros selecionados. (Prof. 07. Grifo meu).
Vejamos outro exemplo de julgamento: “Não tivemos um momento interno de
discussão professores e pedagogos. Mas claro que eu dialoguei com o outro professor de
história presente no meu local de trabalho”. (Prof. 03. Grifo meu).
No discurso desse professor é contextualizada uma avaliação negativa do processo de
escolha, contudo em disparidade com essa realidade, o avaliador afirma que dialogou com
outros professores de História para efetiva seleção do livro. Com o uso da gradação “claro”, o
professor realiza um auto-julgamento em relação a sua capacidade profissional, moldando-se
no julgamento de estima social.
Quanto ao afeto, no geral, os dados apontam uma insatisfação dos professores quanto ao
processo de escolha do livro. Segue um dos exemplos: “A desejar. Não há uma organização
por parte do corpo docente em escolher o livro conjuntamente.” (Prof. 06. Grifo meu). Nesse
exemplo, o professor expressa avaliação de insatisfação ao afirma que o processo de escolha
do livro didático deixou a desejar, pois não alcançou seus objetivos.
Contudo, também, é possível depreender dos dados avaliações positivas do processo de
escolha da obra. Segue os registros onde isso ocorre: “Acho que de maneira geral o processo
sempre traz novas espectativas para o próximo ano [...]” (Prof. 07. Grifo meu).; “O
processo é tranquilo a partir de reunião com os professores da área, a supervisão apenas
cobra a papelada.” (Prof. 09. Grifo meu). No primeiro exemplo, valendo-se da gradação
“sempre”, o respondente afirma que o processo de escolha do livro didático desperta novas
expectativas para o próximo ano, um sentimento de esperança. No segundo exemplo, o
professor demostra segurança com o uso da expressão “tranquilo” para mostrar sua avaliação
em relação ao processo de escolha do livro.
Quanto ao uso do engajamento, a maioria dos respondentes apresentaram suas
avaliações com traço monoglóssico, ou seja, expressando seu ponto de vista. Segue algumas
ocorrências: “Acredito que o processo de escolha se deu sem uma articulação integral entre
os professores de História da Escola [...].” (Prof. 04. Grifo meu); “Acho um pouco distante
pensar localmente. A escolha do livro didático, em [nome da cidade], seguiu do modo aqui já
descrito para toda a rede [...]”. (Prof. 03. Grifo meu).
Isso pode ser explicados pelo fato de que as questões elaboradas para os professores
responderem davam liberdade para que eles emitissem suas opiniões em relação aos processo
de escolhas dos livros didáticos de História.
Apesar dos limites dessa exposição, ela se constitui em registro sobre o processo de
escolha do livro didático de História, e aponta caminhos para continuar na busca de dados que
levarão à maior elucidação do objeto dessa pesquisa, porque as análises que compõem essa
investigação não compreendem todas as questões que envolvem as avaliações dos
professores. Entende-se que essa reflexão não se esgota nesse trabalho, que, ao contrário, deve
instigar e iluminar novos pontos que aprofundem sobre a questão.
3. ALGUMAS CONCLUSÕES
Com base na análise dos primeiros dados da pesquisa que busca entender quais são as
avaliações que os professores das escolas pública fazem dos processos de escolha do livro
didático de História no âmbito do PNLD/2014 e/ou PNLD/2015, à luz do Sistema da
Avaliatividade, leva a depreender dos dados que as intensificações que muitos professores
deram às suas avaliações, isso acontece devido à necessidade de graduar aumentando ou
intensificando ações e acontecimentos com o objetivo de tornar relevante o que está sendo
escrito, de alertar o leitor para fatos que não deveriam ser rotineiros.
A pergunta do questionário permitia aos professores expressarem suas opiniões, ou seja,
suas avaliações quanto aos processos de escolha do livro didático em sua escola. E o
embasamento teórico adotado nesse trabalho permite extrair dessas respostas as expressões de
julgamento realizados por esses profissionais, o momento em que os professores aceitam ou
não o comportamento de outros agentes nele envolvido. Nesse sentido, fica claro a
insatisfação dos professores quanto a esse acontecimento, pois avaliar é expressar não só a
opinião como também regras, condutas e princípios que podem ser considerados certos por
alguns, errados por outros.
O que se pode observar é que os professores reconhecem a importância desse momento
e do livro didático a ser adotado. Alguns exemplos evidenciam essa afirmativa: “Eu, enquanto
profissional, compreendendo a importância do livro didático no processo de ensino e
aprendizagem, avaliei da melhor forma possível a estrutura do livro [...]”. (Prof. 03).
Contudo, a presença do subsistema de apreciação negativa no corpus desse estudo se faz
compreendido no momento em que os participantes expressam suas razões, dados aos
motivos que muitas das vezes extrapolam suas funções e outras nem estão ao seu alcance,
como o pouco tempo disponível para realizar a análise e seleção do livro, bem como o fato de
não receberem a obra de sua preferência. Isso faz com que os professores deixem de atuar
como os principais protagonistas desse processo e, logo expressam sentimentos de
insatisfação, como do Prof 09 “Os professores se sentiram enganados pelo processo.” (Prof.
09).
A escolha de um livro didático nas escolas públicas no âmbito da educação básica no
Brasil constitui-se como um direito garantido pelas políticas públicas, que foram conquistadas
por meio de anos de reivindicações e lutas da classe dos trabalhadores da educação e, desta
maneira, torna-se um bem público indispensável para o avanço do ensino. Assim, a não
efetiva participação do professor no processo de seleção do livro didático pode resultar no uso
de livros não adequados às necessidades pedagógicas de professores e alunos. Concordamos
com o Prof. 02 quando diz:
É importante a participação do professor. Ele é a linha de frente, o contato com o
aluno. Portanto, ele é quem pode saber sobre a realidade do público que vai usar
determinado livro e, assim, tentar aproximar um pouco a situação do aluno com os
conteúdo do livro a ser adotado. (Prof. 02).
Em suma, o processo de escolha do livro didático de História merece ser melhor
analisado, acima de tudo porque remete a contextos específicos diferenciados e com
pluralidade de realidades nas práticas do exercício profissional. Essas análises preliminares
nortearão o próximo passo da pesquisa de mestrado, na tentativa de uma análise mais
aprofundada como merece a questão.
ABSTRACT
PROCESS OF CHOOSING THE BOOK OF TEACHING HISTORY IN THE LIGHT
OF APPRAISAL
This article presents some preliminary results of the survey "The process of choosing the
textbook of history in a discursive perspective" within the master's degree in Languages
Studies of CEFET / MG. Therefore, we seek to analyze the light of the Appraisal (MARTIN
and WHITE, 2005) the choice of processes of textbook History in public schools of Belo
Horizonte and the metropolitan area, from the teachers' point of view, and organized and
developed under the PNLD / 2014 (Elementary School) and / or PNLD / 2015 (High School).
Therefore, I used questionnaires available online - prepared and distributed by the "forms"
tool Google Docs - to carry out the data collection. The results show recurring dissatisfaction
of these professionals to express their assessments of the work of the selection process.
Keywords: Teaching Discourse; Process of choosing the textbook History; Appraisal.
4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: _. Estética da criação verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p 261-306.
BRASIL, Ministério da Educação. Guia do Livro Didático PNLD 2014: História. Brasília:
MEC, 2013.
BRASIL, Ministério da Educação (FNDE). Resolução nº 42 de 28 de agosto de 2012. Dispõe
sobre o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para a educação básica.
BRASIL, Ministério da Educação (FNDE). Resolução nº 3, de 11 de janeiro de 2008. Dispõe
sobre a execução do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD.
CASSIANO, Célia Cristina de Figueredo. O mercado do livro didático no Brasil do século
XXI: a entrada do capital espanhol na educação nacional. São Paulo: Unesp, 2013.
CHARTIER, Roger e ROCHE, Daniel. O livro: uma mudança de perspective. In: LE GOFF,
Jacques: NORA, Pierre. (Org.) Fazer História: novos objetos. 4ª edição. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1995.
DIJIK, Teun A. van. Discurso e poder. São Paulo; Contexto, 2012.
MARTIN, Jim. R.: ROSE, David. Appraisal: negotiating attitudes. In: _ Working with
discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2003/2007.
HALLIDAY, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar. 2 ed. London: Arnold,
1994.
SILVA, Isaíde Bandeira da. O livro didático de História no cotidiano escolar. Curitiba:
Appris, 2014.
SILVA, Renato Caixeta da. Representações do livro didático de inglês: análise dos
discursos de produtores e usuários com base na Linguística Sistêmico-Funcional. Rio de
Janeiro, 2012. 332 p. Tese de Doutorado - Departamento de Letras - Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Download

processo de escolha do livro didático de história numa